SUMÁRIO Políticas sociais no Brasil pós Plano Real SUMmary 1 Social Policies in Brazil post-Real period 1 Rafael Moraes, Róber Iturriet Avila, Stefano José Caetano da Silveira Rafael Moraes, Róber Iturriet Avila, Stefano José Caetano da Silveira Ecossocioeconomia das organizações: gestão que privilegia uma outra economia 17 Eco-social economics of organizations: management that privileges another economy 17 Carlos Alberto Cioce Sampaio, Ivan Sidney Dallabrida Carlos Alberto Cioce Sampaio, Ivan Sidney Dallabrida Comunidade, ética e economia ecológica: reflexões sobre o modo de vida da morada da paz 35 Community, ethics and ecological economy: reflections about morada da paz’s way of life 35 Rogério Ferreira Teixeira Rogério Ferreira Teixeira Estratégia de Produção: foco, aprendizagem e sua relação com a execução da estratégia de negócios 47 Operations strategy: focus, learning and their relation to business strategy execution 47 José Vicente Bandeira de Mello Cordeiro José Vicente Bandeira de Mello Cordeiro Descrição do processo produtivo da carne orgânica: pontos fortes e pontos fracos 61 Description of the production process of organic meat: strong points and weak points 61 Diego Gilberto Ferber Pineyrua, Anaglis Lucati Diego Gilberto Ferber Pineyrua, Anaglis Lucati Automação bancária x atendimento pessoal: a preferência dos clientes em Curitiba 73 Banking automation x personal services: Curitiba’s clients preference 73 Leide Albergoni, Cristiane Pereira Leide Albergoni, Cristiane Pereira Análise da qualidade percebida em uma organização de serviço 89 Analysis of perceived quality in a service organization 89 Nara Medianeira Stefano, Leoni Pentiado Godoy Nara Medianeira Stefano, Leoni Pentiado Godoy Avaliação de resultado financeiro e não financeiro na perspectiva do consumidor: aplicação no varejo de serviço 99 99 Eliane Cristine Francisco Maffezzolli, Paulo Henrique M. Prado Eliane Cristine Francisco Maffezzolli, Paulo Henrique M. Prado Saúde e segurança no meio ambiente do trabalho como garantia constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado 117 Health and security in the work environment as constitutional guarantee to the ecologically balanced environment 117 Rafaela Luiza Pontalti Giongo, Renata Cristina Pontalti Giongo Rafaela Luiza Pontalti Giongo, Renata Cristina Pontalti Giongo Estatuto da criança e do adolescente: 19 anos de subjetivações Evaluation of financial and non-financial result in the perspective of the consumer: applied to service retail 133 Statute of the child and adolescent: 19 years of subjectivations 133 Mário Luiz Ramidoff Mário Luiz Ramidoff Indicadores para avaliar a responsabilidade social nas instituições de ensino superior 145 Indicators to assess social responsibilities in colleges 145 Gilmar José Hellmann Gilmar José Hellmann Amicus Curiae: instituto processual de legitimação e participação democrática no judiciário politizado 157 Luana Paixão Dantas do Rosário Amicus Curiae: institute procedural legitimacy the democratic participation in politicizad judiciary 157 Luana Paixão Dantas do Rosário FAE Centro Universitário Curitiba, v.12, n.2, jul./dez. 2009 - ISSN 1516-1234 Associação Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus Coordenadores de Curso Presidente Frei Guido Moacir Scheidt, ofm Diretor Geral Jorge Apóstolos Siarcos Marcus Vinicius Guaragni (Administração) Centro Universitário Franciscano do Paraná Aline Fernanda Pessoa Dias da Silva (Direito) Joaquim de Almeida Brasileiro (Negócios Internacionais) Gilmar Mendes Lourenço (Ciências Econômicas) Rosenei Novochadlo da Costa (Ciências Contábeis) José Vicente de Mello Cordeiro (Engenharia de Produção) Reitor da FAE Centro Universitário Diretor Geral da FAE São José dos Pinhais Frei Nelson José Hillesheim, ofm Fabio Maccari (Engenharia Mecânica) André Luciano Malheiros (Engenharia Ambiental) Carlos Roberto Oliveira de Almeida Santos (Informática – Sistema de Informação; Tecnologia em Sistema para Internet) Pró-Reitor Acadêmico Diretor Acadêmico André Luis Gontijo Resende Eliane Cristine Francisco Maffezzolli (Comunicação Social: Publicidade e Propaganda / Desenho Industrial) Pró-Reitor Administrativo Regis Ferreira Negrão Vicente Keller (Filosofia) Diretor de Campus – FAE Centro Universitário, Campus Centro Julio Kiyokatsu Inafuco Diretor de Campus – FAE Centro Universitário, Campus Cristo Rei Carlos Roberto Oliveira Almeida Santos Jacir Adolfo Erthal (Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos; Tecnologia em Logística; Tecnologia em Gestão Financeira) Bárbara Regina Lopes Costa (Tecnologia em Marketing) Sílvia Iuan Lozza (Pedagogia) Cleuza Cecato (Letras) Ney de Lucca Mecking (Educação Física) Diretor Acadêmico – FAE São José dos Pinhais Valter Pereira Francisco Filho Daniele Cristine Nickel (Psicologia) Coordenador dos Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu Gilberto de Oliveira Souza Coordenadores dos Núcleos Adriana Pelizzari (Coordenadora do Núcleo de Extensão Universitária) Coordenador dos Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu Antoninho Caron Areta Galat (Coordenadora do Núcleo de Relações Internacionais / ECE-FAE) Secretário Geral Eros Pacheco Neto Simone Wiens (Coordenadora do Núcleo de Carreira Docente) Diretor do Instituto de Ciências Jurídicas Sergio Luiz da Rocha Pombo Cleonice Bastos Pompermayer (Coordenadora do Núcleo de Pesquisa Acadêmica) Marcelo de Araújo Cansini (Coordenador do Núcleo de Empregabilidade) Rita de Cássia Marques Kleinke (Coordenadora do Núcleo da Pastoral Universitária) Bibliotecas Diretor de Assuntos Institucionais Vicente Keller Soraia Almondes (Biblioteca – Campus Centro) Edith Dias (Biblioteca – Campus Centro) Vânia Isabel Farias Rusycki (Biblioteca – Campus Cristo Rei) Editor Fernanda Périco Jorge (Biblioteca – FAE São José dos Pinhais) Frei Nelson José Hillesheim, ofm Comitê Editorial Coordenação Editorial Cleonice Bastos Pompermayer (coordenadora editorial) Danielle Francesca Lopes Lago (revisão de linguagem) Mariana Fressato (normalização) Edith Dias (normalização) Primeira Análise Assessoria Editorial e Eventos (diagramação) Bruno Harmut Kopittke, Dr. (UFSC); Francisco Antonio Pereira Fialho, Dr. (UFSC); Glauco; Ortolano, Ph.D (Lauder Institute/Wharton School/University of Pennsylvania); Harry J.; Burry, Ph.D (Baldwin Wallace); Heloísa Lück, Ph.D (UFPR); Heloiza Matos, Dra. (USP); Jair; Mendes Marques, Dr. (FAE, UTP); João Benjamim da Cruz Junior, Ph.D (UFSC); Cleverson Vitório Andreoli, Dr. (FAE); Maira Sylvia Macchione, Dra. (USP); Mirian Beatriz Schneider Braun, Dra. (Unioeste); Christian Luiz da Silva, Dr. (UFSC) Pareceristas Jaíra Maria Alcobaça Gomes, Dra. (UFPI); José Henrique de Faria, Dr. (UFPR; FAE); José Edmilson de Souza Lima, Dr. (FAE); Lafaiete Santos Neves, Dr. (FAE); Karin Kassmayer, Dra. (FAE); Francisco Carlos Lopes da Silva, Dr. (FAE); Paulo Christoff, Ms. (FAE); Leide Albergoni, Ms. (FAE); Karlo Messa Vettorazzi, Ms. (FAE); Amilton Dalledone Filho, Ms. (FAE); Ana Maria Coelho Pereira Mendes, Dra. (FAE); Nicolau Barth, Ms. (UTFPR); Denise Maria Candiotto Caselani, Dra. (Makenzi); Nadia Kassouf Pizzinatto, Dra. (Uninove); Franz Brüseke, Ph. D (UFS); Sérgio de Indícibus, Dr. (PUC-SP); Paulo Mello Garcias, Dr. (UFPR); Sidnei Vieira Marinho, Dr. (Univali); Stenio Melo de Lins da Costa, Dr. (UFPB); Gessuir Pigatto, Dr. (UNESP); Sandra Cristina Moura Bonjour, Dra. (UFMT); João Guilherme de Camargo Ferraz Machado, Dr. (UNESP); Mayra Batista Bitencourt Fagundes, Dra. (UFMS); Flávia Maria de Mello Bliska, Dra. (IAC); Gladis Teresinha Taschetto Perlin, Dra. (UFSC); Ivam Ricardo Peleias, Dr. (FECAP); Leoni Pentiado Godoy, Dra. (UFSM); Edmundo Brandão Dantas, Dr. (UNB); Newton Carneiro Affonso da Costa Junior, Dr. (UFSC); Carlos Alberto de Mello e Souza, Dr. (Seattle University, Albers School Of Business And Economics); Thierry Molnar Prates, Dr. (UEPG); Anapatrícia Morales Vilha, Dra. (Unicamp); Helena Carvalho De Lorenzo, Dra. (Uniara); Paulo Cesar Bontempo, Dr. (Mackenzie); Mario Sergio Alencastro, Dr. (Tuiuti); Carla Cristina Dutra Búrigo, Dra. (UFSC); Yolanda Flores e Silva, Dra. (Univali); Edson Pacheco Paladini, Dr. (UFSC). Circulação: Janeiro de 2010 Indexação CAPES/Qualis Latindex Portal Livre/CNEN GeoDados Distribuição Comunidade Científica: 1.400 exemplares Permuta: 100 exemplares Revista da FAE. n.1/2, jan.dez. 1998 – Curitiba, 1998 – v. 28cm. Regular Semestral Substitui ADECON: revista da Faculdade Católica de Administração e Economia. ISSN 1516-1234 1. Abordagem interdisciplinar do conhecimento. I. Centro Universitário Franciscano do Paraná. CDD - 001 Os artigos publicados na Revista da FAE são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não representam, necessariamente, pontos de vista da FAE Centro Universitário. A Revista da FAE tem periodicidade semestral e está disponível em www.fae.edu Endereço para correspondência: FAE Centro Universitário - Núcleo de Pesquisa Acadêmica Rua 24 de Maio, 135 - 80230-080 - Curitiba-PR Tel.: (41) 2105-4093 - e-mail: [email protected] Revista da FAE Apresentação Prezados leitores, A FAE Centro Universitário tem o imenso prazer de colocar à comunidade acadêmica mais um volume da Revista da FAE. A Revista da FAE, existente desde 1998, é um espaço para divulgação da produção científica e acadêmica de temas multidisciplinares, que enfoca, principalmente, as áreas de administração, contabilidade, economia, direito, engenharia, educação, sistemas de informação, psicologia e filo sofia, com o intuito de discutir o posicionamento das organizações e o desenvolvimento local. Nesta edição, o leitor terá a oportunidade de desfrutar de temas que abordam diferentes aspectos da economia: uma retrospectiva e análise de políticas sociais no Brasil pós Plano Real, uma reflexão sobre a contribuição de uma alternativa (ecos) socioeconômica que dê conta das insuficiências observadas nos modelos do utilitarismo econômico e do darwinismo social, e um ensaio de investigação sobre as dinâmicas socioeconômicas ambientais e o modo de vida da Comunidade Morada da Paz (CMP). Contemplando o enfoque da administração, a revista nos saúda com um estudo de caso em uma empresa do setor de autopeças na Região Metropolitana de Curitiba sobre estratégia de produção com foco no processo de aprendizagem e sua relação com a educação de estratégia de negócios. Paralelamente a esta linha, uma outra abordagem descritiva acerca do processo produtivo da pecuária orgânica, destacando os pontos fortes e fracos. Corroborando com a importância e participação do setor de serviços na composição da nova economia, temos a oportunidade de conhecer o resultado de uma pesquisa de campo realizada nas cinco maiores instituições bancárias de Curitiba, na qual elabora-se uma comparação entre a preferência e a satisfação dos clientes, em relação ao atendimento automático. Ainda, o resultado de um estudo realizado em uma empresa localizada no Rio Grande do Sul sobre análise da qualidade percebida em uma organização de serviço; o tema é complementando por um artigo que enfatiza a importância do desenvolvimento de uma avaliação de resultado financeiro e não financeiro na perspectiva do consumidor em varejo de serviço. Voltando-se para área de humanas, os artigos discorrem sobre a temática do direito do traba lhador de exercer sua atividade laborativa em um meio ambiente de trabalho saudável e seguro; uma retrospectiva sobre os avanços práticos e significativos nos 19 (dezenove) anos de instalação do Estatuto da Criança e do Adolescente; uma síntese do conceito de responsabilidade social, passando do entendimento empresarial ao âmbito universitário, assim como, a necessidade de se utilizar indicadores para avaliar a Responsabilidade Social nas instituições de ensino superior. Finalmente, uma demonstração por meio de uma abordagem dialética, de que o Amicus Curiae é um instrumento processual de participação e legitimação democrática. Mais uma vez, esperamos e desejamos que os assuntos aqui tratados e desenvolvidos pelos autores tenham apresentado uma contribuição no conhecimento individual de cada um de nós, e com isso, promovido reflexões e mudanças no ambiente interdisciplinar em que atuamos e vivemos. PAZ E BEM! Frei Nelson José Hillesheim, ofm Editor Revista da FAE Políticas sociais no Brasil pós Plano Real1 Social Policies in Brazil post-Real period Resumo A intenção deste artigo é analisar os fundamentos das principais políticas públicas sociais no Brasil no período pós-Plano Real, bem como seus resultados apurados através da dinâmica da distribuição de renda. Dado que a manutenção da política macroeconômica conservadora durante todo o período inviabilizou aumentos consideráveis nos repasses para as referidas políticas sociais, a análise centralizou-se mais no perfil dos gastos que em seu montante. Com base neste fundamento, o artigo se divide em dois sub-períodos: um de políticas sociais universais (1994-2000) e outro de políticas sociais focalizadas (2001-2008). É debatida, adicionalmente, a capacidade de tais políticas aprofundarem a redução da desigualdade de renda no que toca o conflito capital/trabalho. Rafael Moraes* Róber Iturriet Avila** Stefano José Caetano da Silveira*** Palavras-chave: políticas públicas; distribuição de renda; programas sociais. Abstract This paper aims at analyzing the fundamentals of the main social public policies carried out in Brazil during the post-Real period. We also explore the results of such policies in terms of income distribution. Since the maintenance of orthodox macroeconomic policies during the period barred significant increases in social policy funding, the analysis focuses more on the profile than on the absolute amounts of expenditures. Towards this objective, the analysis is divided in two sub-periods: one of universal social policies (1994-2000) and another of focused social policies (2001-2008). It is discussed, in addition, the ability of these policies to further reduce the income inequality regarding the conflict capital / labor. Keywords: public policies; income distribution; social programs. 1 O presente artigo foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes. Agradecemos ao Prof. Dr. Fernando Ferrari Filho pelas críticas e sugestões, assumindo a versão final como de nossa exclusiva responsabilidade. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009 * Mestrando em Economia do Desenvolvimento (UFRGS). E-mail: [email protected] ** Mestrando em Economia do Desenvolvimento (UFRGS). Professor substituto na Universidade Federal do Rio Grande – FURG. E-mail: [email protected] *** Mestrando em Economia do Desenvolvimento (UFRGS). Técnico em computação da Companhia de Processamento de Dados do Estado do Rio Grande do Sul (PROCERGS). E-mail: [email protected] |1 Introdução este período ficou marcado pela contradição entre a política macroeconômica estabelecida – principalmente Com a estabilização dos preços conquistada com o Plano Real, a distribuição de renda no Brasil viveu uma fase de maior equalização. Todavia, após a superação por seu caráter conservador, com controle dos níveis inflacionários – e a viabilidade dos programas sociais propostos. do efeito da queda da inflação, a referida repartição Na busca da universalização dos serviços sociais, da renda manteve-se estável até o ano 2000, quando como saúde e educação, a união optou pela descen iniciou uma nova fase no caminho da diminuição de sua tralização de responsabilidades. A péssima condição concentração. Tal situação pode ser referendada pelo financeira de estados e municípios, no entanto, repre gráfico do Índice de Gini2, que reflete basicamente a distribuição do rendimento domiciliar per capita. Subdividindo o período entre a fase de estabilidade e a fase de melhora na distribuição da renda, respec tivamente 1995-2000 e 2001-2008, notamos que houve uma relevante alteração no perfil das políticas sociais implementadas de um período para outro. GRÁFICO 01 - ÍNDICE DE GINI NO BRASIL - 1995-2007 0,61 sentava importante entrave na melhoria destes serviços. Por seu turno, o Governo Federal vinculava os repasses de programas sociais ao equilíbrio financeiro de seus entes federativos, o que, dadas as condições acima expostas, fazia com que poucos conseguissem acessar tais recursos e desenvolver seus projetos (FAGNANI, 1999). A partir de 2001, o governo alterou sua política de enfrentamento aos problemas sociais, através da criação de programas focalizados na transferência direta de renda às famílias carentes. Embora nos exercícios 0,6 0,59 de 2001 e 2002 os mesmos tenham sido residuais e 0,58 setorizados, entre 2003 e 2005 estes programas sociais 0,57 0,56 foram ampliados e unificados no Bolsa Família (ARBIX, 0,55 2007). Neste período, a despeito da manutenção da 0,54 política econômica conservadora, o governo logrou 0,53 0,52 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Ano FONTE: IBGE (2009c) NOTA: Não existem dados para os anos de 1994 e 2000. Entre 1994 e 2000, durante os seis primeiros anos do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), a prioridade apresentada para a política social foi obter melhoria na distribuição da renda, conforme se observa no gráfico 1. Posto isto, a intenção do presente artigo consiste em analisar as políticas públicas sociais no período pós-Plano Real, seus resultados imediatos, bem como seus limites e problemas. Para tanto, são utilizados dados extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios até o a universalização do acesso à saúde e à educação ano de 2007 (IBGE, 2009c), além de séries históricas de fundamental (DRAIBE, 2003). O governo considerava índices de distribuição de renda publicadas pelo Instituto estes setores como imperiosos para a melhoria da de Pesquisa Econômica Aplicada. A partir destes dados, qualidade de vida, bem como para o acesso à renda o trabalho propõe duas avaliações paralelas. A primeira das camadas mais pobres da população. Entretanto, parte do comportamento do Índice de Gini ao longo do período estudado. Visando entender a aceleração da 2 O Índice de Gini mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita. Seu valor varia de zero, quando não há desigualdade, a um, quando a desigualdade é máxima – apenas um indivíduo detém toda a renda da sociedade (MDA, 2004). 2| melhora na distribuição de renda a partir de 2000, a segmentação se centra no formato das políticas sociais e não em seus montantes de recursos empenhados. Tal opção foi feita considerando a segunda análise que Revista da norteia este estudo, qual seja, o posicionamento das políticas sociais no interior da política macroeconômica GRÁFICO 02 - PROPORÇÃO DOS DOMICÍLIOS COM RENDA DOMICILIAR PER CAPITA INFERIOR A LINHA DE POBREZA E NA INDIGÊNCIA global durante o período pós-Plano Real. Desta forma, 40 objetiva-se explicar como as políticas sociais passaram 30 35 25 a apresentar melhores resultados no que tange à % 20 desigualdade da distribuição de renda, a despeito de 15 10 poucas alterações no modelo de condução das políticas 5 macroeconômicas. 0 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 No intuito de atender aos objetivos acima elencados, Ano o presente artigo está estruturado da seguinte maneira: Indigentes Pobres inicialmente é realizada a apresentação dos programas sociais brasileiros estabelecidos após a implantação do FAE FONTE: IPEA (2009) procurando responder se os mesmos foram atingidos. NOTA: Este corte analítico considera o consumo que satisfaça os requisitos nutricionais mínimos. Também referido como aquele com renda familiar per capita igual ou inferior a 50% do salário mínimo, sendo indigente menor igual a 25% do salário mínimo. A metodologia completa encontra-se no Ipedata. Não existem dados para os anos de 1994 e 2000. Segue analisando o Programa Bolsa Família (PBF), por Para esmiuçar tal evolução, pode-se analisar o com- ser o programa de distribuição de renda do período portamento da participação da renda de acordo com os pós-Real de maior destaque, principalmente no que toca cortes por decis. Neste interregno, a fatia destinada aos ao número de famílias atingidas. No final, contrapõe 10% mais ricos apresenta queda de 8,4%; também com o comemorado sucesso da redução da desigualdade destaque para o período pós 2001 (IPEA, 2009a). Real como moeda – em 01 de julho de 1994 – dividindo-os em dois períodos distintos: de 1994 até 2000 e de 2001 até 2008, enfocando seus objetivos iniciais e de renda através de uma singela apresentação de sua distribuição funcional. Em outras palavras, o artigo instiga um debate que visa entender até que ponto as políticas sociais estão realmente reduzindo a disparidade entre os detentores de rendas do capital e do trabalho no país. No mesmo sentido, houve incremento na parti cipação na renda dos 10% mais pobres (primeiro decil), que obteve elevação de 24,61% de participação na renda. Comportamento semelhante foi observado nos segundo, terceiro e quarto decis. Outra análise que revela esta alteração social vigente no país se dá pela proporção de domicílios considerados 1 Queda da desigualdade de renda no período pós-Plano Real pobres. Nota-se que, desta vez, a queda se destacou a partir de 2003, quando a faixa dos domicílios abaixo da linha da pobreza passou dos 34% vigentes desde 1995 para menos de 25% (IPEA, 2009a). Ao longo dos anos em análise, o dado de desi Impõe-se, portanto, a averiguação dos fatores gualdade de renda do Brasil obteve considerável responsáveis por tais alterações ocorridas a partir de melhora. O gráfico 1 retrata esta evolução através do 2001 e de 2003. Dentre eles, destacam-se o programa Índice de Gini. Entre 1994 e 2007, o índice caiu 7,85%. Bolsa Família3 e a variação real do salário mínimo. De Há que destacar, no entanto, que entre 2001 e 2007 o acordo com levantamento da Pesquisa Nacional por mesmo caiu 6,91%. Desta forma, é possível concluir que praticamente toda a queda da desigualdade entre os indivíduos se deu neste intervalo. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009 Um terço da melhoria na distribuição de renda advém de transferências governamentais, sendo que 19% do total pode ser atribuído ao Bolsa Família, de acordo com IPEA (2009). 3 |3 Amostra de Domicílios de 2005 (IBGE, 2009c), 8,9% 99% dos países em termos de variação de renda entre do PIB é representado por aposentadorias e pensões, a população mais pobre. Esta transformação permitiu as quais possuem aderência com a variação do salário que 13,8 milhões de pessoas ascendessem de faixa mínimo, o que ocasiona uma forte relação entre o social. Quadro que representa uma alteração profunda aumento do salário mínimo e a redução da desigualdade na sociedade brasileira, atingindo, deste modo, o menor de renda. nível de desigualdade em 30 anos, superando o baixo dinamismo social que persistiu por um longo tempo. GRÁFICO 03 - SALÁRIO MÍNIMO REAL JUL./1994 – FEV./2009 GRÁFICO 04 - VARIAÇÃO DA RENDA FAMILIAR PER CAPITA POR DECIL 500 450 2001-2007 8 350 7 300 6 Variação % 400 250 200 150 5 4 3 2008.09 2007.11 2007.01 2006.03 2005.05 2004.07 2003.09 2002.11 2002.01 2001.03 2000.05 1999.07 1998.09 1997.11 1997.01 0 1996.03 1 0 1995.05 2 50 1994.07 100 FONTE: IPEA (2009) NOTA: Série em reais (R$) constantes do último mês, deflacionando-se o salário mínimo nominal pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do IBGE. Como é possível perceber, a partir de 2000 a variação do salário real passou a ser mais significativa e persistente, porém, ao longo de 2001 e 2002 ela foi corroída. A alteração de 2003 deve ser acentuada, merecendo destaque, ainda, os anos de 2005 e 2006. 1o 2o 3o 4o 5o 6o 7o 8o 9o 10o Decil FONTE: IPEA (2009) Nas seções que seguem serão debatidas as políticas sociais implementadas pelos governos Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva, visando encontrar as respostas para este comportamento da distribuição da renda, bem como averiguar se as mesmas, especialmente o Bolsa Família, podem ser tidas como responsáveis por estes resultados. De acordo com Dedecca, Jungbluth e Trovão (2008), a variação do salário mínimo tem impacto forte no terceiro e quarto decis. Já o Bolsa Família exerce influência nos dois primeiros intervalos decílicos. Estes dois fatores 2 Políticas sociais de 1994 a 2000: universalização da saúde e educação explicam grande parte desta queda de 64,52% no número de domicílios com renda per capita inferior à Durante os primeiros seis anos do governo FHC, linha da pobreza entre 2003 e 2007, observados no a preocupação com a questão social esteve centrada gráfico 2. na universalização do acesso à saúde e à educação. Seguindo o quadro de alterações recentes no Assim, os programas diretos de transferência de renda perfil de distribuição de renda, o estudo realizado pelo nos moldes dos hoje vistos eram secundários na política IPEA (2008) mostra que, entre 2001 e 2007, a renda oficial do governo e, se existiam, eram tão reduzidos dos 20% mais pobres cresceu quase quatro pontos que não surtiam efeito algum na renda da população percentuais a mais que a renda nacional de cada ano. (DRAIBE, 2003). Tal acontecimento provocou uma significativa trans De acordo com o pensamento que norteava a formação social capaz de deixar o Brasil à frente de citada gestão, as melhorias na qualidade de vida da 4| Revista da FAE população de mais baixa renda passavam pela amplia- De acordo com Pinto (2002), entretanto, a munici ção do acesso aos serviços prestados em educação, saúde, palização não redundou em melhorias na educação. previdência4 e saneamento básico. No que tange par- Segundo o autor, em algumas cidades, escolas chegaram ticularmente à área da educação, a meta do governo a ser improvisadas, funcionando sem condições ade era universalizar o acesso ao ensino fundamental. Tal quadas, e alunos que deveriam cursar a pré-escola foram proposta coincidia com o receituário liberal, sintetizado matriculados automaticamente no ensino fundamental no chamado “Consenso de Washington5”, que entende para garantir o repasse dos recursos. que a expansão do acesso à educação gera a ampliação Para Frigotto e Ciavatta (2003), as políticas do do capital humano. O resultado imediato seria o au- governo FHC estavam alicerçadas em três pilares: mento da renda e sua melhor distribuição, em vista da a) desregulamentação, b) descentralização e autonomia maior capacitação do trabalhador. e c) privatização. Para os autores, a municipalização, Visando esta melhora no acesso ao serviço edu bem como o incentivo à iniciativa privada, notadamente cacional, foi criado, em 1996, o Fundo de Manu na educação superior, estão de acordo com estes pilares tenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e, por sua vez, com a proposta de alinhamento ao e de Valorização do Magistério – Fundef (FRIGOTTO; pensamento neoliberal do referido governo. CIAVATTA, 2003). O Fundef tinha como meta tornar mais De forma diversa, Semeghini (2001) afirma que o transparentes os repasses federais para a educação, Fundef foi um avanço há muito aguardado por alunos isolando-os em contas específicas. Na teoria, o Fundo e professores no Brasil. Para ele, a vinculação de 25% também previa aumentos nos repasses. das receitas estaduais7 e 18% da receita federal para a Neste período, foi incentivada a municipalização educação, garantidos pela Constituição de 1988, não do ensino fundamental. O governo acreditava que as haviam sido suficientes para garantir o financiamento prefeituras, mais próximas das escolas, teriam melhores adequado do setor. Somente com o Fundef foi possível condições de gerir os recursos. Por trás deste incentivo, aos estados, municípios e à União ampliarem a eficácia encontrava-se a noção de que com a descentralização destes gastos e torná-los definitivamente capazes de das responsabilidades, ampliar-se-ia eficiência dos gas ampliar o acesso à educação. tos públicos. Para o governo, os gastos com educação – O estudo apresenta, adicionalmente, que o algo em torno de 4 a 4,5%6 do PIB – não eram escassos. número de matriculados do ensino fundamental na Os problemas, neste caso, advinham da má gestão dos rede municipal ampliou-se de 12,4 milhões de alunos recursos (PINTO, 2002). em 1997, para 16,7 milhões em 20008. Por sua vez, as matrículas na rede estadual caíram de 18 milhões para 15,8 milhões. Entre 1998 e 2000, o montante dos No que tange à previdência, fazia parte das metas do governo a consecução de uma reforma que reduzisse a participação do Estado e incentivasse a previdência privada. Segundo seus idealizadores, este mecanismo, além de mais eficiente – pois cada setor ou até mesmo cada empresa poderia ter seu fundo de previdência –, era também uma forma de aliviar as contas públicas. 5 Para maiores informações sobre o Consenso de Washington, consulte: WILLIAMSON, John. The Washington Consensus as policy prescription for development. IIE – Institute for International Economics, Washington. Disponível em: http:// www.iie.com/publications/papers/williamson0204.pdf. 6 Referente a todas as esferas de governo. 4 Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009 recursos repassados pelo Fundef aumentou em 33%. Nos resultados apresentados, destacam-se o grande aumento dos repasses do Fundo para as regiões Norte e Nordeste e para os municípios das regiões metro Apesar de a constituição federal determinar a destinação de 25% das receitas estaduais à educação, alguns estados ampliaram este percentual através de lei estadual. 8 A taxa de escolarização das pessoas entre sete e 14 anos de idade passou de 90,2% em 1995 para 95,7% em 1999. Atualmente (2007) está em 97,7% (IBGE, 2009c). 7 |5 politanas, sabidamente aqueles que concentram os orçamento enquadrado à política macroeconômica maiores bolsões de pobreza. Fato este, que de acordo restritiva adotada pelo governo. Projetos, como o Comu com o autor, demonstra a melhor distribuição dos gas nidade Solidária, que tinham como meta repassar recur- tos (SEMEGHINI, 2001). sos para o desenvolvimento de comunidades carentes, No que tange à área da saúde, a política gover- exigiam como contrapartida saneamento das contas namental não fugiu à regra acima exposta. Programas públicas municipais. Muitos destes municípios se encon- específicos para esta área, como o Programa Saúde da travam em péssimas condições financeiras, deste modo, Família (PSF) e o Programa do Agente Comunitário da o projeto não atingia seus objetivos. Para terem acesso Saúde (PACS) também estavam imbuídos do espírito de aos repasses federais desses e de outros programas, descentralização das responsabilidades, posto que suas vários estados e municípios acabaram renegociando gestões ficavam a cargo das prefeituras. Ambos os pro- suas dívidas, o que acabou comprometendo grande gramas apresentavam um caráter mais focalizado, dado parte de seus orçamentos, com pagamento de juros e que as ações concentravam-se em regiões mais caren- amortizações10. tes. Além da descentralização e da ênfase em políticas Assim, pode-se concluir que houve, por parte do focalizadas e preventivas, o governo também buscou governo, iniciativa no sentido de ampliar a eficiência ampliar as fontes de financiamento do Sistema Único no trato com os recursos, seja por meio da criação de de Saúde (SUS). Com este objetivo, foi criada a Con- novos programas, seja através da descentralização das tribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras responsabilidades sobre os serviços sociais. A despei- (CPMF) . Além desta fonte financeira, foram determina- to disto, os compromissos assumidos com organismos das a fixação e a preservação de receitas mínimas para multilaterais como o Banco Mundial (BIRD) e o Fundo a saúde (DRAIBE, 2003). Monetário Internacional (FMI) destinavam grande parte 9 Outros programas de cunho social foram criados das receitas públicas ao pagamento de juros da dívida, no período, cabe dizer, todos submissos à política mo- inviabilizando a disponibilidade de receitas necessárias netária do governo. Dentre estes programas, convém para uma sustentável e duradoura melhora nestes ser- destacar: o Programa Nacional de Agricultura Familiar viços. Em suma, os gastos com os altos juros praticados (Pronaf), de 1995, a Lei de Diretrizes e Bases da Edu- não só restringiram as políticas sociais, como também cação Nacional (LDB), de 1996, o Programa Nacional quaisquer outras políticas púbicas visando o desenvol- de Alimentação Escolar (PNAE), de 1999, o Programa vimento do país. Comunidade Solidária, de 1995, de autoria da então pri- Por fim, o período analisado foi caracterizado por meira-dama Ruth Cardoso, o Programa de Ação Social seu baixo crescimento econômico, e, consequentemen- de Saneamento (PASS), de 1995, o Programa Habitar te, pouco incremento nas receitas da União, dos estados Brasil, de 1996, e o Programa de Erradicação do Traba- e dos municípios. Diante deste quadro, houve ampliação lho Infantil (Peti), também de 1996 (FAGNANI, 1999). Ainda de acordo com Fagnani (1999), todos estes programas sofreram do mesmo mal. Eles tinham seu 9 Criada pelo então ministro da saúde Adib Jatene, em julho de 1993, durante o governo Itamar Franco, com o nome de Imposto Provisório de Movimentações Financeiras (IPMF), incidia sobre todas as transações de débito efetuadas nas contas mantidas pelas instituições financeiras. Em 1997, tornou-se CPMF, sendo extinta em 2007 (SILVEIRA, 2007). 6| 10 A partir de 1996 o governo central possibilitou às unidades federadas renegociarem suas dívidas com a União. Para que isto ocorresse, os governos estaduais deveriam se enquadrar em algumas diretrizes. Dentre elas, não permitir que o valor da dívida ultrapassasse o da receita líquida real anual, obter superávit primário, controlar a despesa com o funcionalismo, alcançar as metas de arrecadação estabelecidas no acordo, reformar o Estado e não ultrapassar o valor fixado como teto para os investimentos. Com exceção do Amapá e de Tocantins, todos os estados brasileiros renegociaram suas dívidas (SILVEIRA, 2007a). Revista da FAE da demanda por ações públicas, enquanto o quadro de estes resultados, a União tem expandido sucessivamente prioridades do governo mantinha minguados os recur- não só o número de benefícios, mas também o repasse sos voltados para atendê-las. A conclusão a que se pode para o Bolsa Família. chegar sobre este momento da história brasileira é de Na tabela 1 fica clara a opção pelos programas de que a escassez de recursos disponibilizados para as po- transferência de renda após 2001. Os mesmos estão líticas sociais, aliada ao baixo crescimento do produto, incluídos na rubrica Assistência Social e tiveram seus não permitiu que a desigualdade da renda se reduzisse recursos majorados de menos de 0,29% do PIB em 1999, fortemente. Desta maneira, mesmo após forte queda para 0,99% em 2008. Por sua vez, a rubrica Educação dos índices inflacionários, o Índice de Gini manteve-se que respondia por 0,95% do PIB em 1995 caiu a 0,76% praticamente estável durante o período 1994 a 2000. em 2008, enquanto as despesas com Saúde reduziram de 1,79% para 1,51% do PIB, no mesmo período. Como constatado através dos dados expostos a 3 Políticas sociais de 2001 a 2008: transferência de renda A partir do ano de 2001, é possível notar uma varia ção clara quanto às políticas sociais. Com a criação do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação (o Bolsa Escola), e do Programa Auxílio-Gás, o governo iniciou uma política de transferência direta de renda. Esta política objetivava atender as demandas sociais focalizando os gastos. Em outras palavras, o intuito passou a ser “atender a quem realmente precisa”, sem “desperdiçar” seguir, a opção pelos programas focalizados parece ter reduzido os já tímidos gastos sociais universais. Conforme será tratado à frente, programas de transferência de renda só podem ter algum sucesso em reduzir as disparidades de renda nas camadas sociais mais baixas. Em outras palavras, programas como o Bolsa Família reduzem a desigualdade e ampliam minimamente os recursos dos mais pobres, tornandoos menos pobres. Entretanto, para que se alcance um padrão de sociedade mais próximo do que se possa chamar de recursos. Estes programas podem seravaliados como uma socialmente justa, é necessário mais que isso, já que as maneira de equacionar as crescentes demandas sociais políticas sociais de cunho universal são imprescindíveis. da população, frente à baixa disponibilidade de recursos Devido ao destaque dado pelo governo ao Bolsa Família, públicos voltados a este segmento, ocasionada pela a seção seguinte detalhará este programa, enfatizando política macroeconômica em voga. seus êxitos e limites. Com a vitória de Luís Inácio Lula da Silva nas eleições TABELA 01 - GASTOS SOCIAIS DO GOVERNO BRASILEIRO (% DO PIB) realizadas em 2002, a opção pela focalização dos gastos 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 sociais iniciada na reta final do governo FHC foi mantida Assist. Social 0,08 0,09 0,17 0,24 0,29 0,40 0,49 e ampliada. Após a fracassada tentativa de instalação Educação 0,95 0,80 0,74 0,79 0,78 0,87 0,83 do Programa Fome Zero – liderada pelo Ministério Emprego 0,53 0,56 0,53 0,59 0,53 0,52 0,56 Extraordinário da Segurança Alimentar e Combate à Saúde 1,79 1,53 1,67 1,58 1,69 1,70 1,71 Fome, sob o comando de José Graziano – o governo 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 unificou todos os programas de transferência de renda, Assist. Social 0,60 0,66 0,75 0,83 0,91 0,95 0,99 criando assim o Bolsa Família. Como após a criação deste Educação 0,76 0,71 0,73 0,77 0,73 0,73 0,76 Programa, em 2004, os índices que medem o perfil da Emprego 0,56 0,55 0,55 0,59 0,69 0,75 0,75 desigualdade da renda acentuaram sua melhoria, seu Saúde 1,68 1,58 1,62 1,59 1,68 1,52 1,51 sucesso foi logo apresentado pelo governo. Frente a Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009 FONTE: IPEA (2009c), 2009 até o ano de 2005. BRASIL, 2009 de 2006 a 2008 |7 3.2 O Programa Bolsa Família a inter-setorialidade, a complementaridade e a sinergia das ações sociais do poder público (BRASIL, 2004). Através da Lei nº 10.836, de 09 de janeiro de 2004, foi criado o Programa Bolsa Família, destinado à transferência de renda para camada da população menos favorecida. Para obtenção e manutenção do benefício, a família deve passar por periódicas avalia ções, compostas por exame pré-natal para gestantes, acompanhamento nutricional e de saúde – inclusive a atualização das vacinações – além de frequência escolar mínima de 85% em estabelecimentos de ensino regular, para as crianças e jovens em idade escolar. O Programa foi originado da união de diversos procedimentos de gestão e execução das ações de transferência de renda do governo federal, especialmente do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação (o Bolsa Escola), do Programa Nacional de Acesso à Alimentação (PNAA), do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Saúde (o Bolsa Alimentação) e do Programa Auxílio-Gás, bem como de elementos do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). Suas finalidades de acordo com o quadro 1, são: Quando de seu lançamento, o valor mensal do benefício era de R$ 50,00 para famílias com renda per capita de até R$ 50,00, assim como de R$ 15,00 por beneficiário até o limite de R$ 45,00, para famílias com renda per capita de até R$ 100,00. Atualmente, o valor mensal do benefício é de R$ 68,00 para famílias com renda per capita de até R$ 70,00 (mesmo que estas famílias não tenham crianças, adolescentes ou jovens); assim como de R$ 22,00 por beneficiário até o limite de R$ 66,00 para famílias com renda per capita de até R$ 140,00. Dessa forma, presentemente, o menor valor pago é de R$ 22,00 e o maior é de R$ 200,00, sendo o benefício variável pago a famílias com filhos de até 15 anos, limitado ao número máximo de três crianças – e o Benefício Variável Jovem (BVJ)11 no valor de R$ 33,00, pago para adolescentes de 16 e 17 anos que estejam frequentando a escola, até o limite de dois benefícios por família. Os recursos são concedidos por meio de depósito em uma conta corrente previamente cadastrada junto ao sistema bancário público. Em 2009, QUADRO 01 - FINALIDADES E DESTINAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA durante a votação do Orçamento da União, o Congresso Nacional aprovou o montante de R$ 11,9 bilhões para FAMÍLIA Finalidade Destinação o Programa, posteriormente ampliado para R$ 12,3 Benefício básico Unidades familiares que se encontram em situação de extrema pobreza, ou seja, a chamada pobreza crônica, quando o principal gestor da família encontra-se desempregado há mais de dois anos. bilhões, cuja abrangência deve saltar das atuais 10,8 Unidades familiares que se encontram em situação de pobreza transitória (quando a família sofre por um problema de renda temporário) ou de extrema pobreza que tenham em sua composição gestantes, nutrizes, crianças entre zero e doze anos ou adolescentes de até 17 anos de idade. escalonada, com 300 mil incluídas em maio, 500 mil em Benefício variável FONTE: BRASIL (2004) Além disso, o Programa tem como objetivos: a) permitir o acesso à rede de serviços públicos, em especial, de saúde, educação e assistência social; b) combater a fome e promover a segurança alimentar e nutricional; c) estimular a emancipação sustentada das famílias que vivem em situação de pobreza ou de extrema pobreza; d) combater a pobreza; e) estimular 8| milhões de famílias e chegar a 12,3 milhões de lares no Brasil – a inclusão das novas famílias será feita de forma agosto e mais 500 mil em outubro (MDS, 2009). O resumo demonstrativo do Bolsa Família por unidade da Federação, para o exercício de 2008, mostra que 100% dos municípios brasileiros recebe ram o benefício. O número de famílias atendidas, no referido período, foi de 10,8 milhões, perfazendo, em média, um montante de mais de R$ 900 milhões ao mês, sendo o valor médio por benefício de R$ 85,00 (MDS, 2009). 11 Em 2008, passou a vigorar esta extensão do atendimento do Programa Bolsa Família. Revista da FAE Assim, ao se avaliarem os valores acima de apresenta um nível de concentração12 semelhante ao forma agregada para o ano de 2008, pode-se chegar do Chile Solidário e ao do Oportunidade do México, às seguintes conclusões: a) o gasto realizado com considerados referência mundial em programas de o programa Bolsa Família neste ano foi de R$ 10,8 transferência de renda. bilhões, o que representou cerca de 0,37% em relação Soares, Ribas e Soares (2008) e Rocha (2007), ou- ao PIB total deste mesmo ano (MDS, 2009); b) este total trossim, defendem que o maior problema a ser equa- equivale a cerca de 6% do total do gasto público com o cionado pelo Bolsa Família é o número ainda grande de pagamento dos juros da dívida pública em 2008, cerca pessoas que deveriam recebê-lo e ainda não recebem. de R$ 180 bilhões (IPEA, 2008); c) o programa Bolsa Para atender a todas as famílias que se enquadram no Família atingiu, no transcorrer do exercício em análise, cerca de 21% da população total do Brasil, o que representou em torno de 40 milhões de seus cidadãos recebendo o auxílio (MDS, 2009). A análise desses números mostra, em um pri perfil do beneficiário do Programa, a meta deveria ser atingir 15 milhões de famílias (SOARES; RIBAS; SOARES, 2008). Para tanto, os gastos com o Bolsa Família deveriam ser ampliados, o que pode esbarrar na política econômica do governo. meiro momento, que o gasto realizado por meio da concessão do benefício do Bolsa Família frente ao PIB foi relativamente baixo em relação ao indicador do ano de 2008. Mostra ainda a “timidez” dos gastos com o Programa quando comparado com outros desembolsos da União no mesmo período. Observando-se o total dos pagamentos realizados com juros da dívida pública em 2008, nota-se que o gasto social – não apenas o Bolsa Família – ainda é muito pequeno perante o montante dos gastos do governo. Tal fato parece estar associado às altas taxas de juros praticadas entre 1994 e 2008, o que levou o somatório dos juros pagos da dívida interna pelo poder público a aumentar cada vez mais. Apesar dos escassos recursos destinados ao Bolsa Família, o seu “sucesso” é justificado pela forte concentração dos benefícios nas camadas mais carentes da população (BARROS; CARVALHO; FRANCO, 2007). Estudo realizado por Soares et al. (2007) aponta o alto grau de concentração do Programa. De acordo com os dados apresentados pelos autores, extraídos do PNAD de 2004, 80% dos recursos repassados pelo Bolsa Família ficam com pessoas que estão abaixo da linha da pobreza, o que corresponderia a 32% da população brasileira caso não existisse o Programa. Adicionalmente, 48% dos repasses atingem os 14% da população que viveria na indigência sem ele. Soares, Ribas e Soares (2008) mostram, além disso, que o Bolsa Família Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009 Por outro lado, Barros, Carvalho e Franco (2007) apresentam dados relativizando a importância do Bolsa Família na recente redução da desigualdade de renda. Com dados de 2005, os autores apontam que o total de pessoas abaixo da linha de indigência passa de 14% para 13% após repasse dos recursos. Isto ocorreu devido à pequena magnitude do valor dos benefícios. A título de exemplo, se este valor fosse dividido em uma família com seis pessoas, a renda per capita chegaria a R$ 30,00. O que equivale a dizer que se esta mesma família possuísse uma renda familiar per capita inferior a R$ 35,00, mesmo com o recebimento do Bolsa Família, ela permaneceria abaixo da linha da indigência13. A despeito dos dados utilizados na pesquisa serem de 2005, é possível estimar que os resultados encontrados ainda sejam válidos, já que os valores dos benefícios continuam baixos. Ou seja, o papel do Bolsa Família em reduzir a pobreza absoluta não seria, segundo o estudo, tão relevante. Com este quadro, pode-se concluir que a maior responsabilidade do Programa está em reduzir as desiO nível de concentração corresponde a um índice que mede o quanto dos recursos atingem as famílias de renda mais baixa. 13 Em consonância com Barros, Carvalho e Franco (2007), a linha de indigência considerada neste estudo é de R$ 65,00 mês e a de pobreza é de R$ 100,00 mês. 12 |9 gualdades entre os menos favorecidos. Ou seja, o Bolsa Sobre este aspecto é preciso destacar a importância Família permitiu uma pequena melhora no padrão de do recente aumento das taxas de crescimento eco vida de pobres e miseráveis. Ainda assim, os resultados nômico15, com forte impacto sobre os índices de dos estudos já realizados mostram que os valores dos desemprego. Por seu turno, não se pode menosprezar benefícios deveriam ser reajustados ao menos acom- o papel das políticas educacionais pós-Constituição de panhando os índices da inflação. Por seu turno, uma 1988, que, mesmo tímidas, estariam apresentando seus ampliação sem limites do benefício não parece ser a resultados após um período de maturação. Dentre estes solução para os problemas do país. O Bolsa Família se fatores, destaca-se a redução da taxa de analfabetismo, justifica apenas enquanto programa de renda mínima do acesso ao ensino básico e também ao ensino que visa garantir, ao menos, uma parcela de cidadania superior, e, consequentemente, do aumento do nível de àqueles marginalizados da sociedade. Sua sustentação, escolaridade, que contribui positivamente na redução no entanto, faz-se na medida em que os cidadãos, ao das desigualdades salariais. adquirirem as condições mínimas de sobrevivência, pos- Estes estudos revelam que parcela16 importante sam ter seu direito garantido à saúde, à educação, ao desta melhora na distribuição da renda tem como saneamento básico e a todos os demais serviços públi- responsáveis fontes de renda não derivadas do trabalho, cos de qualidade. Somente assim este grupo de pessoas especialmente as transferências públicas. Dentre estas poderá lograr se livrar definitivamente de uma condição políticas, é dado destaque ao Benefício de Prestação de vida subumana e passar a constituir uma sociedade Continuada (BPC), com cobertura concentrada, porém, mais justa. Para tanto, o Programa deveria atuar com- pouco ampla. Como seu valor base consiste em um plementarmente a estas outras políticas sociais univer- salário mínimo nacional17, o Benefício cumpriu relevante sais e não como “substituto” das mesmas. papel na melhoria da distribuição de renda e na redução da pobreza. De acordo com Barros, Carvalho e Franco (2007), o impacto do BPC na queda da desigualdade 4 Outros fatores para a redução recente da desigualdade Em contraponto ao sucesso do Programa Bolsa Família, Hoffmann (2007), Barros, Carvalho e Franco (2007) e Rocha (2007) apresentam outros fatores como sendo os principais responsáveis pela recente melhora na distribuição de renda no Brasil. Desta redução, algo em torno de 50%14 deve-se a transformações no mercado de trabalho. Este dado indica que entre os trabalhadores vem ocorrendo uma queda da disparidade salarial. de renda foi similar ao do Bolsa Família, pois mesmo o primeiro tendo atingido um número bem mais reduzido de domicílios – 2,3 milhões – ele lhes proporciona uma renda maior, sendo, portanto, capaz de alçar a família do beneficiado a uma faixa superior de renda. É importante destacar ainda que programas como Luz para Todos, o Pronaf – cujo repasse chegou a R$ 7,2 bilhões na safra 2008/2009 –, a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) substituindo o Fundef, a política de cotas raciais nas universidades federais, a criação do Programa Universi O PIB apresentou os seguintes incrementos desde 2001: 1,3% (2001), 2,7% (2002), 1,1% (2003), 5,7% (2004), 2,9% (2005), 4,0% (2006) e 5,4% (2007) (IBGE, 2009c). 16 Resultados variam entre 20% e 50% da fatia da contribuição da renda não derivada do trabalho na redução da desi gualdade. 17 Sobre variação do salário mínimo, vide gráfico 3. 15 Segundo Barros, Carvalho e Franco (2007) há algumas divergências sobre este número. Em outros estudos esta parcela aparece com valores muito diferentes, chegando até a 80%. De acordo com Hoffmann (2007), no período de 2001 a 2005, 80% do desempenho do Índice de Gini deveu-se a melhorias na distribuição da renda originária do trabalho. 14 10 | Revista da FAE dade para Todos (ProUni)18 e do Programa de Apoio a Na próxima seção, será apresentada outra ver- Planos de Reestruturação e Expansão das Universidade tente da distribuição de renda que desvenda parte do Federais (Reuni) e o Programa de Aceleração do que os dados do Índice de Gini encobrem. Assim, fica- Crescimento (PAC) não podem ser desconsiderados como rá explícito o quanto ainda deve ser aprimorado o rol fatores responsáveis por essa melhora na distribuição das políticas públicas sociais no Brasil, se sua meta for da renda. Somente com a continuidade, não apenas efetivamente reduzir as disparidades na renda de seus dos programas de transferência de renda, mas do cidadãos. 19 crescimento econômico e, principalmente, das políticas públicas universais é possível dar sustentabilidade a esta melhora. Neste sentido, torna-se imperiosa uma alteração no quadro de prioridades que, de forma mais ou menos 5 Distribuição funcional da renda inflexível, persiste no Brasil desde a implementação do Embora tenham sido verificados diversos avanços Plano Real, com suave percepção de melhora nos últimos anos, conforme o gráfico 5 . nos dados sociais brasileiros nos anos em análise, há 20 Neste gráfico é possível perceber como os gastos que pesar certas questões controversas, assim como os sociais perderam espaço para as despesas financeiras limites dos dados apresentados. Um ponto nevrálgico durante o período analisado. As despesas financeiras desta discussão está correlacionado à principal fonte que, em 1995, correspondiam a pouco mais de 30% de informações sobre a renda disponível: a PNAD. dos gastos sociais, passaram para quase 70% destes em Este levantamento é muito criticado, já que ele 2003. Mesmo com a ligeira recuperação, nos últimos apenas considera a renda corrente das pessoas, não anos, os gastos sociais ainda são muito tímidos frente remetendo a valorizações de ativos21, rendimentos aos problemas vividos no país. financeiros e subsídios. Contudo, o ponto de concor GRÁFICO 05 - RELAÇÃO DO GSF E DAS DESPESAS FINANCEIRAS NA DESPESA EFETIVA DO GOVERNO FEDERAL 1995-2005 dância mais intenso é o da sub-declaração de renda entre as faixas mais elevadas, haja vista que a res posta é espontânea. 70 60 Gasto Social Federal 50 40 30 Despesa Financeira 20 10 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 0 FONTE: IPEA (2009c) Dedecca, Jungbluth e Trovão (2008) expõem que a massa de renda aludida pela PNAD representa tão somente 45% do PIB. Neste sentido, vale lembrar a relevância da distribuição funcional da renda, que revela o padrão de desigualdade entre as diferentes classes sociais (FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2007). Esta análise mostra que a distribuição de renda observada nos últimos anos ocorreu majoritariamente entre os O ProUni tem como finalidade a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais em instituições privadas de educação superior para pessoas com renda per capita familiar máxima de até três salários mínimos. Criado pelo Governo Federal em 2004 e institucionalizado pela Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005 (BRASIL, 2009). 19 O Reuni foi instituído em 2007. Busca o aumento de vagas, implantação de cursos noturnos, criação de novos cursos, integração com educação básica, combate à evasão, in gresso extravestibular, aumento da relação aluno/professor (BRASIL, 2009a). 20 GSF: Gasto Social Federal. 18 Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009 trabalhadores. O fato da massa dos salários apresentar tendência declinante como vemos no gráfico 6, indica que a redução da desigualdade, vista no Índice de Gini, nada mais é que um “nivelamento por baixo” da renda dos trabalhadores. 21 10% da desigualdade advêm da remuneração dos ativos (IPEA, 2008). | 11 GRÁFICO 06 - PARTICIPAÇÃO DOS SALÁRIOS E DO EXCEDENTE OPERACIONAL BRUTO NO PIB 1995-2006 Convém ressaltar que somente analisando o com portamento da distribuição da renda entre os dois 36 principais fatores de produção – capital e trabalho, é 35 34 Salários 33 % 32 31 Excedente operacional bruto 30 29 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 28 possível obter maiores conclusões sobre sua efetiva equalização no país. Embora sua repartição entre os trabalhadores melhore os dados sociais e reduza a pobreza, ela não altera a posição de quem detém boa parte do produto nacional. Assim sendo, o quadro observado até 2003 equaliza parte da riqueza, mas mantém a distância entre os dois fragmentos sociais. Ano FONTE: IBGE (2009a) NOTA: Para os “salários”, não foram consideradas as contribuições sociais efetivas e imputadas. Como os dados de 2007 e 2008 sobre a distribuição funcional da renda não estão disponíveis, não é possível avaliar o impacto da persistência da elevação no rendimento real. Apenas a recuperação da renda real do trabalhador viabiliza efeitos mais profundos no bem-estar da sociedade, rompendo com as limitações da queda da desigualdade anterior. O aquecimento do mercado de Entre 2004 e 2006, no entanto, a participação dos trabalho, as políticas públicas de proteção social e a salários no PIB aumentou, conforme o gráfico 6. Já o grá- valorização do piso salarial legal oportunizaram o início fico 7 apresenta, em maior detalhe, o comportamento de uma longa retomada. Deste modo, é indispensável do rendimento real do trabalhador a partir de 2003. É que o Estado aprofunde suas políticas sociais universais de rápida percepção que a recuperação do rendimento e que a reversão do mercado de trabalho se sustente real dos trabalhadores teve impacto positivo sobre o aumento da parcela da massa salarial no produto. seção, o diagnóstico de que apenas as políticas focalizadas não são capazes de redistribuir a renda GRÁFICO 07 - RENDIMENTO MÉDIO MENSAL DO TRABALHO JAN/2003 a partir do aquecimento econômico. É mister, nesta DEZ/2008 entre o capital e o trabalho. 1300 1250 Considerações finais 1200 1150 1100 Conforme apresentado neste artigo, as políticas 1050 sociais durante todo o período avaliado estiveram set/08 jan/08 mai/08 set/07 mai/07 jan/07 set/06 jan/06 mai/06 set/05 mai/05 set/04 jan/05 mai/04 jan/04 set/03 mai/03 jan/03 1000 FONTE: IBGE (2009b) subordinadas a estratégias macroeconômicas conser vadoras e anti-inflacionárias, o que equivale a dizer que tais políticas tiveram um papel reduzido em uma Este resultado se explica: a) pela maior demanda consistente análise do período. Desta feita, as mesmas, por mão-de-obra, oriunda do crescimento econômico; a despeito de não terem alcançado o que deveria ser b) pela variação real positiva do salário mínimo; e seu objetivo maior – viabilizar uma sociedade mais justa c) pelas políticas de transferência de renda (DEDECCA; e menos desigual – foram e continuam sendo cruciais JUNGBLUTH; TROVÃO, 2008). Desta forma, observa-se para legitimar as políticas menos populares (ortodoxas) o movimento positivo na estrutura da renda que, de dos governos de então. Seu papel vem sendo o de uma maneira mais abrangente, passou a ser verificada reduzir os efeitos deletérios das políticas recessivas, a partir de 2004. sem, contudo, sobrepô-las ou comprometê-las. 12 | Revista da FAE Neste sentido, mesmo após a posse do novo produzindo os efeitos vistos na dinâmica do Índice governo em 2003, a opção por um novo formato de de Gini, sem, contudo, conter efeitos diretos sobre a políticas sociais apenas altera a percepção de sucesso redistribuição desta renda entre os salários e os frutos das referidas políticas, sem alterar seu pano de fundo. do capital. Em outras palavras, diante da ineficácia das tentativas Desta forma, a conclusão atingida neste artigo foi de universalizá-las sem ampliar seu orçamento, o a de que as políticas sociais focalizadas foram as que governo decidiu focalizar os escassos recursos sob o apresentaram maior eficiência enquanto legitimadoras pretexto de que estariam sendo revertidos para quem do conservadorismo fiscal e monetário. Tendo as mes- realmente necessita. mas alcançando não apenas os melhores resultados O comemorado êxito desta guinada nas políticas vistos na redução da pobreza e na melhora da distri- sociais pode ser creditado à considerável melhoria nos buição da renda, como também avalizando o governo índices que medem a desigualdade de renda. Por sua frente à manutenção de outras políticas ortodoxas. vez, o ponto fraco, neste propalado sucesso, reside, Por outro lado, se o objetivo final das políticas sem sombra de dúvidas, na manutenção da estratégia sociais estiver, como se esperaria, ligado à verdadeira macroeconômica, que continua mantendo os recursos melhora do padrão de vida das massas excluídas, destinados às prementes necessidades sociais abaixo do apenas as políticas focalizadas não são suficientes. A necessário. Sob este aspecto, ressalta-se que os juros da despeito da pequena evolução em suas condições de dívida interna são pagos sem restrições orçamentárias. vida, milhares de pessoas ainda habitam nosso país em O mesmo não vale para os gastos sociais que estão situação subumana de existência, mostrando que muito submissos a política fiscal. mais tem que ser feito. Apenas com uma mudança do Reflexo da ineficiência das políticas sociais foi visto papel do Estado e com uma alteração estrutural do quando se apresentaram os dados relativos à distribui- modelo econômico vigente as políticas sociais podem ção funcional da renda. A massa de salários, em termos deixar de ser coadjuvantes e protagonizarem este enre de percentual do PIB, perdeu espaço ao longo da maior do, passando assim de fato a cumprir seu papel. Somente parte dos 15 anos estudados, tendo observado ligeira desta forma a estabilidade de preços alcançada há 15 recuperação apenas recentemente. No entanto, mesmo anos pelo Plano Real poderá ser acompanhada da tão esta melhora se deve majoritariamente ao reaqueci- necessária estabilidade social do país. mento do mercado de trabalho e às fortes valorizações do salário mínimo vistas no período. Por sua vez, o êxito das políticas sociais focalizadas esteve em reduzir as disparidades internas entre os assalariados – grupo majoritário nos dados da PNAD – Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009 •Recebido em: 18/06/2009 •Aprovado em: 26/10/2009 | 13 Referências ARBIX, G. A queda recente da desigualdade no Brasil. Nueva Sociedad, Buenos Aires, v.212, p.132-141, out. 2007. BARROS, R. P.; CARVALHO, M.; FRANCO, S. O papel das transferências públicas na queda recente da desigualdade de renda brasileira In: BARROS, R. P.; FOGUEL, M. N.; ULYSSEA, G. (Orgs.) Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Brasília: IPEA, 2007. BRASIL. Bolsa família: o Governo. 2004. Disponível em: <http://www.fomezero.gov.br/ContentPage. aspx?filename=pfz_4000.xml>. Acesso em: 15 maio 2005. ______. Dados estatísticos do Programa Bolsa Família. Disponível em: <http://www.fomezero.gov.br/download/bf_poruf_ part.pdf>. Acesso em: 15 maio 2005. ______. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Indicadores de desenvolvimento humano. Atlas Território Rurais, p.40-64, 2004. Disponível em: <http://www.mda.gov.br/sdt/arquivos/c_Perfil_Socio-Economico_II.pdf>. Acesso em: 05 fev. 2009. ______. Ministério da Educação. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br>. Acesso em: 12 fev. 2009a. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Benefícios e condicionalidades. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/o_programa_bolsa_familia/beneficios-e-contrapartidas>. Acesso em: 14 set. 2007. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Benefícios e contrapartidas. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/o_programa_bolsa_familia/beneficios-e-contrapartidas>. Acesso em: 13 jan. 2009b. ______. Secretaria do Tesouro Nacional. Disponível em: <http://www.fazenda.gov.br>. Acesso em 12 abr. 2009c. DEDECCA, C. S.; JUNGBLUTH, A.; TROVÃO, C. J. B. M. A queda recente da desigualdade: relevância e limites. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA DA ANPEC, 36., 2008, Salvador. Anais... Salvador, 2008. 1 CD-ROM. DRAIBE, S. A política social no período FHC e o sistema de proteção social. Revista Tempo Social, São Paulo, v.15, n.2, p.63-101, nov. 2003. FAGNANI, E. Ajuste econômico e financiamento da política social brasileira: notas sobre o período 1993/98. Economia e Sociedade, Campinas, v.8, n.2, p.155-178, jan. 1999. FILGUEIRAS, L. História do plano real. São Paulo: Boitempo, 2006. FILGUEIRAS, L.; DRUCK, G. Política social focalizada e ajuste fiscal: as duas faces do governo Lula. Revista Katálysis, Florianópolis, v.10, n.1, p.24-34, 2007. FILGUEIRAS, L.; GONÇALVES, R. A economia política do governo Lula. Rio de Janeiro: Contraponto, 2007. FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M. Educação básica no Brasil na década de 1990: subordinação ativa e consentida à lógica do mercado. Educação e Sociedade, Campinas, v.24, n.82, p.93-130, abr. 2003. HOFFMANN, R. Transferências de renda e redução da desigualdade no Brasil e em cinco regiões entre 1997 e 2005 In: BARROS, R. P., FOGUEL, M. N.; ULYSSEA, Gabriel (Orgs.). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Brasília: IPEA, 2007. v.2, p.17-40. IBGE. Contas nacionais trimestrais. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/pib/defaultcnt.shtm>. Acesso em: 15 jan. 2009a. ______. Pesquisa mensal de emprego: vários anos. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/acervo/acervo2. asp?z=t&o=15>. Acesso em: 12 fev. 2009b. ______. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD): vários anos. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/ estatistica>. Acesso em: 19 ago. 2009c. ______. Séries estatísticas & séries históricas. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/series_estatisticas/subtema. php?idsubtema=103>. Acesso em: 13 fev. 2009d. 14 | Revista da FAE INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Base de dados do IPEADATA. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov. br/ipeaweb.dll/ipeadata?327279390>. Acesso em: 15 mar. 2009a. ______. Comunicado da presidência número 9: PNAD 2007, primeiras análises: pobreza e mudança social. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov.br>. Acesso em: 02 jan. 2009b. ______. Diretoria de Estudos Sociais (DISOC). Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/default.jsp>. Acesso em: 22 fev. 2009c. ______. Bolsa família foi uma saída, mas precisa ser reavaliado. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/default.jsp>. Acesso em: 12 ago. 2007. ______. Sobre a recente queda da desigualdade de renda no Brasil. Nota técnica. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov.br>. Acesso em: 22 set. 2008. PINTO, J. M. R. Financiamento da educação no Brasil: um balanço do governo FHC (1995-2002). Educação e Sociedade, Campinas, v.23, n.80, p.108-135, set. 2002. RATHMANN, R.; SILVEIRA, S. J. C. Uma breve avaliação da eficácia do bolsa-família na distribuição de renda no Brasil. Opinio, Canoas, v.19, p.43-55, 2007. RIBEIRO, J. A. C. Financiamento e gasto do Ministério da Educação nos anos 90. Em Aberto: financiamento da educação no Brasil, Brasília, v.18, n.74, p.33-42, dez. 2001. ROCHA, S. Os “novos” programas de transferências de renda: impactos possíveis sobre a desigualdade no Brasil In: BARROS, R. P.; FOGUEL, M. N.; ULYSSEA, G. (Orgs.) Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Brasília: IPEA, 2007. v.2, p.131-146. SEMEGHINI, U. C. Fundef: corrigindo distorções históricas. Em Aberto: financiamento da educação no Brasil, Brasília, v.18, n.74, p.43-57, dez. 2001. SILVEIRA, S. J. C. O crescimento econômico passa pela renegociação das dívidas estaduais. Ações & Mercados, Porto Alegre, v.6, p.16-17, jan. 2007a. ______. Era provisória até o passar do tempo. Ações & Mercados, Porto Alegre, v.9, p.12-13, jul. 2007b. SOARES, F. V. et al. Programas de transferência de renda no Brasil: impactos sobre a desigualdade In: BARROS, R. P.; FOGUEL, M. N.; ULYSSEA, G. (Orgs.). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Brasília: IPEA, 2007. v.2, p.87-130. SOARES, S. S. D.; RIBAS, R. P.; SOARES, F. V. Focalização e cobertura do Programa Bolsa Família: qual o significado dos 11 milhões de famílias? In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA DA ANPEC, 36., 2008, Salvador. Anais... Salvador, 2008. 1 CD-ROM. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009 | 15 Revista da FAE Ecossocioeconomia das organizações: gestão que privilegia uma outra economia Eco-social economics of organizations: management that privileges another economy Resumo Carlos Alberto Cioce Sampaio* Ivan Sidney Dallabrida** Apesar da hegemonia do utilitarismo econômico e do darwinismo social, emergem alternativas ecossocioeconômicas que tentam dar conta das insuficiências da combinação desses modelos. Tem-se como objetivo pensar na construção de uma alternativa (ecos)socioeconômica que dê conta das insuficiências da combinação destas dinâmicas a partir do estado atual do conhecimento sobre experiências em curso que convergem para uma “outra economia”, ou seja, a ecossocioeconomia das organizações. Este artigo baseia-se em pesquisa empírica exploratória de perfil qualitativo acerca de experiências brasileiras e chilenas que ilustram cada desdobramento identificado pela ecossocioeconomia das organizações. Os trabalhos teóricos ou ideológicos são bem elaborados, entretanto sem prática convincente. Os trabalhos empíricos vêm apresentando resultados promissores, contudo, sem uma proposta clara de modelo de gestão que dê conta de tais desafios. Essas experiências quando não sistematizadas em uma rede bem articulada, geralmente são cooptadas pelo sistema que estavam tentando superar, caracterizado principalmente pela sobreposição da eficiência produtiva econômica à efetividade socioambiental. Palavras-chave: ecossocioeconomia das organizações; agenda 21 local; turismo comunitário; responsabilidade socioambiental empresarial; economia solidária. Abstract Since both utilitarian economy and the social darwinism have taken control over the organizational field, there has been a need for the construction of an alternative economics. The aim is to construct an alternative eco-social economics from the experiences in course that converge with another economy, that is, the Ecossocioeconomics of the Organizations. The study was made based in Chileans’ and Brazilians’ experiences. The theoretical works and ideologies that have been dealt with within the subject have all been well worked at, however without convincing practices. The empirical works have also been presenting promising results, however they have not had a clear proposal of a management model that would deal effectively with such challenges. When these experiences are not well systematized within a well-articulated network, most of the time they are co-opted by the system they were trying to overcome, which is mainly characterized by the higher importance given to production efficiency over socio environmental efficiency. Keywords: eco-social economics; local 21 agenda; communitarian tourism; entrepreneurships’ socio environmental responsibilities; solidarity economy. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009 * Doutor em Ciências Contábeis e Administração (FURB); Professor do Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Meio Ambiente e Desenvolvimento (MADE) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Sócio-Fundador do Instituto LaGOE: Laboratório de Gestão que promove o Ecodesenvolvimento (ONG situada em Curitiba). Pesquisador CNPq. Email: [email protected] ** Mestre em Desenvolvimento Regional pela FURB. Pesquisador do Instituto LaGOE. E-mail: ivan. [email protected] | 17 Introdução também nos países chamados desenvolvidos (com IDH elevado). Sob estas evidências apontadas, o que se Diante da atual conjuntura econômica, apontada por críticos da dinâmica capitalista e da economia de mercado por não mais responder aos novos desafios colo cados pelo aquecimento global e ser a causa de tantas “patologias” sociais, faz se necessário apontar algumas alternativas viáveis nos mais variados aspectos1. Tais “patologias” podem assim ser classificadas: acostumou chamar de desenvolvimento2 é qualificado pelos mesmos críticos como “mau desenvolvimento”, ou seja, um processo civilizatório que privilegia a minoria da população mundial. Outro conjunto de indica dores agregados – denominado Pegada Ecológica –, leva em conta a incapacidade de carga do planeta para suportar tal estilo de desenvolvimento. Neste indicador, para que o planeta pudesse suportar tal carga, sugere- a)socioambientais: processos produtivos que priva se que este deveria ter uma área biofísica maior tizam lucros e socializam prejuízos socioam (WACKERNAGEL; REES, 2001). Some-se a isto os efeitos bientais, evidenciado pelo descaso com o do aquecimento global que vem sendo divulgados pelo manejo de recursos naturais não-renováveis; Intergovernmental Panel on Climate Change e aponta b)socioespaciais: planejamento e gestão setoria como causa do desequilíbrio a emissão de gases de lizados e padrões de uso e de acesso à terra efeito estufa pela ação antrópica (WMO-UNEP, 2007). privados prevalecendo sobre os comunitários; Em síntese, estabeleceu-se um modo de desenvol c)sociopolíticas: instâncias democráticas manipu vimento humano baseado na combinação entre utilita ladas por interesses oligopolistas e burocracia rismo econômico – fruto da dinâmica capitalista –, e dominada por interesses corporativistas; o chamado darwinismo social – resultado da dinâmica d)dsocioeconômicas: subtrabalho, não-trabalho, exclusão social e apelação desenfreada pelo consumo (mesmo entre aquelas pessoas que não teriam condições para isso); e e)socioculturais: substituição de modos de vida tradicionais por padrões homogeneizados e ressignificação do trabalho humano como trabalho repetitivo alienado (DOWBOR, 1983; MAX-NEEF, 1986, 1993; BERKES, 1996; DOUROJEANNI, 1996; RAZETO, 1997; SEN, 2000; SANTOS; SOUZA; SILVEIRA, 2002; SINGER, 2002; SACHS, 2003, 2004). de um mercado autorregulado –, ocasionando uma racionalidade social egocêntrica, centrada no cálculo de conseqüências de ganho econômico individual. Não é de hoje que a dinâmica capitalista vem sendo apontada como a principal causadora das “patologias” socioambientais, socioespaciais e socioeconômicas, que privilegia o cálculo de conseqüências econômicas individuais de curto prazo sobre coletivas de médio e de longo prazo. Por conseguinte, a economia de mercado pode ser indicada como causadora principal das “patologias” sociopolíticas e socioculturais, argumen tando que a má distribuição de renda é justificada pelo esforço de alguns e a falta de vontade de outros. Estas “patologias” são encontradas no seu extre mo, sobretudo nos países menos desenvolvidos, que em sua maioria possuem baixo ou médio Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), e, em menor grau Diante deste contexto, tem-se como objetivo pensar na construção de uma alternativa (ecos)socioeco nômica que dê conta das insuficiências da combinação destas dinâmicas. Isso a partir da busca do estado atual do conhecimento sobre experiências em curso 1 Nesse sentido, ao analisar experiências mundiais de produção não-capitalista, como alternativas ao modelo excludente, Santos e Rodríguez (2002), concluem que as condições econômicas, políticas e sociais contemporâneas favorecem experiências associativas e práticas cooperativas. 18 | que convergem com uma outra economia, ou seja, a ecossocioeconomia das organizações. Tido muitas vezes como sinônimo de crescimento econômico. 2 Revista da FAE A ecossocieconomia das organizações analisa cada agrupamento: a) Agenda 21 Local: Fórum da as complexidades do cotidiano, repensa a economia Agenda 21 da Lagoa de Ibiraquera (municípios de através do ecodesenvolvimento e quebra paradigmas Garopaba e Imbituba, Santa Catarina, Brasil), iniciada ao contrapor-se ao utilitarismo economicista. Não se em 2001; b) Turismo Comunitário: Prainha do Canto tem, contudo, a pretensão de transformá-la em outro Verde (Beberibe, Ceará, Brasil), iniciada em 1997; c) modelo hegemônico, mas criar metodologias de gestão Responsabilidade Socioambiental Empresarial (RSE): que enfatizem ações participativas, descentralizadas e, Florestal Río Cruces (sede Lanco, Región Los Lagos, ainda, social e ambientalmente responsáveis. Os estudos Chile), fundada em 1993; d) Economia de Comunhão pretendem viabilizar ações em nível macroeconômico (EdC): Sociedad de Inversiones Foco - Ahorro y Credito (interorganizacional) e microeconômico (organizacional) (sede em Santiago, Chile), criada em 1982; e e) Economia possibilitando a ampliação de oportunidades de traba Solidária: Plataforma Komyuniti de Comércio Justo lho e renda, principalmente em comunidades afastadas (sediada em Santiago, Chile), criada desde 1996. das sedes de seus municípios (SAMPAIO, 2009). O artigo inicia-se pela metodologia, que é basea da em pesquisas empíricas exploratórias acerca de 2 Ecossocioeconomia das experiências consideradas de ecossocioeconomia das organizações: por uma “outra” organizações, cuja base conceitual é delineada no economia capítulo 3. Neste capítulo, explicita-se também os desdo bramentos daquele conceito, quais sejam: Agenda 21 Local, Turismo Comunitário, Responsabilidade Socioam biental Empresarial, Economia de Comunhã e Economia Solidária. No capítulo seguinte, são relatadas, de forma sintética, as experiências que representam cada desdobramento e, abordadas limitadamente, suas contri buições para o conceito-base desse estudo. As conside rações finais provindas da análise da base conceitual e das O termo ecossocioeconomia3 surge a partir da obra do economista ecológico Karl William Kapp (1963). O primeiro prefixo “Eco” (Oikos = Casa) referese à ecologia e reforça o que o segundo prefixo “eco” já deveria fazê-lo. Todavia, este foi vulgarizado ao longo da história ao remeter seu significado ao que Aristóteles já denunciava como crematística. A ecossocioeconomia está imbricada na dis experiências constituem o quinto capítulo. cussão sobre o ecodesenvolvimento (entendido como antecedente do desenvolvimento sustentável). E este, foi apontado como um paradigma sistêmico, 1 Metodologia compreendendo princípios da ecologia profunda (repensa os atuais estilos de vida), economia social (pon Este estudo vale-se de pesquisa exploratória sobre dera as consequências sociais na ação econômica), experiências brasileiras e chilenas em curso que podem economia ecológica (pondera custos ambientais ser qualificadas como de ecossocioeconomia das orga na ação econômica), ecologia humana (tem como nizações. catalogadas premissa a inseparabilidade dos sistemas sociais e processualmente e analisadas de forma definitiva, a ecológicos) e planejamento participativo (SAMPAIO partir de um projeto de pós-doutoramento no qual et al., 2008). Essas experiências foram se visitou presencialmente todas as experiências. Apresenta-se aqui um extrato resumido dos resultados encontrados, ilustrando-se com uma experiência para Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009 3 Ver recente trabalho de Sachs (2007) organizado por Paulo F. Vieira, intitulado Rumo à Ecossocioeconomia. | 19 Enquanto o ecodesenvolvimento privilegia o enfo mesmo porque se percebe que estes elementos que epistemológico-teórico, a ecossocioeconomia enfa necessitam um do outro para se manifestarem, tal tiza o enfoque metodológico-empírico. A ecossocio como se apregoa na interorganização (ROUSSEAU; economia ocorre no mundo da vida, nas comunidades, ROUSSEAU, 2001). Quando esta possui ênfase sociopo nos povoados, nas organizações, onde os problemas e lítica, chama-se de arranjo institucional, e na ocasião as soluções acontecem e raramente são devidamente que possui ênfase socioeconômica, denomina-a de qualificados (SAMPAIO et al., 2008). Trata-se de uma arranjo produtivo local. A interorganização não pode ser teoria pensada, partindo das experimentações e da legítima senão quando se origina de um consentimento complexidade do cotidiano (SACHS, 1986a, 1986b). necessariamente consensuado. Este entendimento Como desdobramento para pensar as organiza mútuo sobrepõe-se às ações voltadas ao sucesso, às ções, surge o termo ecossocioeconomia das organizações vezes chamadas equivocadamente de estratégicas, que possibilita pensar a viabilidade interorganizacional materializadas em sujeitos oportunistas para influenciar para tal proposta e a efetividade extra-organizacional outros (HABERMAS, 1989). para o território, além de relevar a chamada extraracionalidade nos processos de tomada de decisão aos grupos organizados ou quase organizados que promovem o ecodesenvolvimento. A ecossocioeconomia das organizações privilegia os estudos que possibilitam a viabilidade macro (in terorganizacional) e microeconômica (organizacional) de grupos organizados ou quase organizados arti culados, chamados de empreendimentos comparti lhados (SAMPAIO, 2009, p. 13). A ecossocioeconomia das organizações sugere a eminência de uma ação extra-organizacional, isto é, o agente organizacional relevando os impactos de sua ação sobre o entorno territorial (SAMPAIO, 2009). No sentido de acordos institucionais, pensados como acordos sociopolíticos e socioprodutivos de base comunitária, de modo que gerem capital social, sugere-se identificar os representantes das organizações que irão compor os acordos, a reunir e estimular as bases para pensar três dife rentes ações: interorganizacionais, extra-organizacionais e extra-racionais (SAMPAIO et al., 2008). A participação interorganizacional deve, então, girar em torno do espaço mediado entre o interesse público e o privado, que é uma ação coletiva, operando sobre as bases da intersubjetividade e do entendimento genérico pela linguagem trivial do cotidiano, em distin ção dos símbolos específicos vigentes nas diferentes instituições (entendidas como organizações). O espaço público representa o nível onde se dá esse confronto de opiniões que disputam o recurso escasso da tematização e da consequente atenção dos tomadores de decisão. As esferas do Estado, mercado e sociedade civil, mesmo que ainda possuam ambiguidades quanto ao caráter público do problema, ora se complementando, ora se interpondo, devem ser vistas como potenciais criadores que enriquecem o processo de negociação. Pois são elas (as esferas) que legitimam os processos participativos como são os arranjos institucionais e produtivos -, e que, consequentemente, possibilitam, no bojo da discussão, o surgimento de questões estratégicas negociadas, o que, neste caso, é necessariamente diferente da soma destas esferas (COHEN; ARATO, 1992; COSTA, 1994). O conceito extra-organizacional está atrelado 2.1 Interorganizacional, extra-organizacional ao de interorganizacional. Quando se governa uma e extra-racionalidade interorganização presume-se que além do critério de A natureza no homem permite a este superar a dução que, no seu conjunto, determinam o grau de contradição inerente ao estado social; ou seja, entre as produtividade) e eficácia (é verificada através dos resul suas inclinações individuais e os seus deveres coletivos; tados desses processos de produção, que determinam, 20 | eficiência (é medida através dos processos de pro Revista da por sua vez, o grau de competitividade), atrelados a gestão organizacional, deve-se privilegiar o critério efeti vidade, isto é, relevar a gestão de risco socioambiental FAE 2.2 A ecossocioeconomia das organizações e seus desdobramentos quanto ao território. O conceito de território deve estar A partir de uma análise qualificada das experiências distanciado da sua subversão ou sua subordinação pesquisadas, definiu-se cinco desdobramentos da aos fluxos meramente econômicos, recompondo-se e ecossocioeconomia das organizações, que caracterizam reconceituando-se como um movimento de elementos, bem seu enfoque metodológico-empírico: Agenda 21 entre eles, sociais, geográficos e naturais; e a preocu Local, Turismo Comunitário, Responsabilidade Social pação não está na definição de seus limites, mas nos Empresarial (RSE), Economia de Comunhão (EdC) e entrelaçamentos que o compõem. Não há, então, como estudar o território sem fazê-lo correlativamente, em duplo sentido, com os demais contextos: local, microrregional, regional, nacional e internacional. Entretanto, o território possui especificidades que não devem ser tomadas como mero reflexo destes demais contextos. Sugere-se, então, que num cenário de gestão Economia Solidária (ES); neste último, enfocou-se uma vertente da ES, denominada Comércio Justo. a) O primeiro desdobramento remete à Agenda 21, um compromisso internacional de alta cúpula governamental e não-governamental que assumiu o desafio de incorporar às políticas públicas dos países sig- interorganizacional ou arranjo institucional, o conjunto natários princípios que os colocavam a caminho de um de organizações que o compõem deverá refletir não outro desenvolvimento, chamado ecodesenvolvimento apenas a micro complexidade do território, mas também ou desenvolvimento sustentável (AGENDA, 2000). Esse a macro complexidade dos demais espaços (FISCHER, compromisso constitui-se na mais abrangente iniciati- 1993; SANTOS, 1994; LEVY, 1998). va para promover justiça social, eficiência econômica e Operacionalizando estes dois princípios da prudência ecológica, incluindo ações para os países de- ecossocioeconomia nas organizações, sugere-se que senvolvidos e em desenvolvimento e apoiada em valores a governança interorganizacional deve ser conduzida como democracia e participação – igualdade de direitos, pautada por critérios extra-organizacionais, no sentido combate à pobreza e à miséria e respeito à diversidade de incorporar demandas socioambientais oriundas do cultural; sustentabilidade social e ambiental como ética; território ao qual a interorganização está instalada; e globalização positiva – reorientação do processo de onde a racionalidade seja conduzida pelo cálculo de desenvolvimento. consequências societárias, privilegiando as dimensões sócio-econômico-ambientais (sustentáveis) para poder corrigir os equívocos provocados por um modelo de gestão que privilegia apenas critérios intraorganizacionais (para dentro da organização), baseado numa racio nalidade econômica de cálculo de consequências apenas organizacional (SAMPAIO, 2004; 2000). Diante da impregnação do termo racionalidade com critérios econômicos, resgata-se o termo extra-racionalidade que pode ser considerado como uma pré-racionalidade, baseado em uma dimensão tácita, ou seja, ainda pouco No âmbito local, a Agenda 21 pressupõe a toma da de consciência por todos os indivíduos sobre os papéis ambiental, econômico, social e político que desempenham em sua comunidade e exigem, portanto, a integração de toda a comunidade no processo de construção do futuro. A comunidade compartilhando com o governo as responsabilidades pelas decisões possibilita uma maior sinergia em torno do projeto de desenvolvimento sustentável, aumentando as chances de sua implementação (CONSTRUINDO, 2000). visível, do conhecimento contido nas organizações, nos Após a Conferência das Nações Unidas sobre Meio territórios, aonde os problemas realmente acontecem e Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), 1.652 municípios sua soluções também (FERNANDES; SAMPAIO, 2006). brasileiros declararam, através da pesquisa Municipal Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009 | 21 de Meio Ambiente realizada em 2002, contar com a que congregam conhecimento formal e tradicional e Agenda 21. Contudo, a pesquisa não relevou o estágio que na sua essência supera a mera relação de negócio, atual de sua implantação nestes municípios e tampouco resgatando e reconstruindo o interesse pelo outro, pelo sua formalização legal. Cerca de 53% destes municípios diferente, pela alteridade, pelo autêntico, enfim, pela não declararam ter Fórum da Agenda 21 instalado, o interconectividade entre os sistemas sociais e ecológicos que evidencia a falta de representação comunitária, (IRVING; AZEVEDO, 2002; CORIOLANO; LIMA, 2003; desvirtuando assim o propósito principal do espírito da SAMPAIO, 2004). Agenda (IBGE, 2005). As experiências de turismo comunitário vêm ga A instalação de espaços públicos democráticos nhando notoriedade, sobretudo pela capacidade po como o Fórum, além de fomentar a participação dos tencial de municípios sulamericanos implementarem atores envolvidos, possibilita o estabelecimento de uma atividade econômica de baixo investimento (de ações planejadas. Nesse sentido, como bem ressalta pequena escala), geradora de postos de trabalhos Sachs (1993, p.66), ao discorrer sobre a Agenda 21 no não-especializados e de baixo impacto ambiental enfrentamento dos complexos desafios para se chegar a (SAMPAIO, 2005). um novo modelo de desenvolvimento, aqueles desafios “não serão resolvidos em uma economia do laissezfaire por meio de uma sucessão de decisões locais descoordenadas e de curto prazo [...]”. b) O turismo comunitário representa o segundo desdobramento da ecossocioeconomia. Embora tenha como eixo norteador integrar vivências, serviços de hospedagem e de alimentação, o que a priori não o diferencia das três modalidades de turismo com as quais poderia ser confundido – turismo cultural ou etnoturismo (incluindo o turismo indígena), ecoturismo e agroturismo –, possui uma característica peculiar que é c) O terceiro desdobramento é representado pela Responsabilidade Socioambiental Empresarial (RSE). Em 1998, o Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD) lançou a base do conceito moderno de responsabilidade social corporativa, que constitui o comprometimento permanente dos empresários de adotar um comportamento ético e contribuir para o desenvolvimento econômico, melhorando simultanea mente a qualidade de vida de seus empregados e de suas famílias, da comunidade local e da sociedade como um todo (ALMEIDA, 2002, p.137). a de entender a atividade turística como um subsistema Portanto, sua prática significa mudança de interconectado a outros subsistemas, como por exem- atitude no processo de gestão, que deve estar pautado plo educação, saúde e meio ambiente. na qualidade das relações pessoais intra (dentro da Ou seja, o turismo comunitário é pensado como organização), inter (entre as organizações da cadeia um projeto de desenvolvimento territorial sistêmico produtiva) e extraorganizacional (relações com a (sustentável) a partir da própria comunidade (o que comunidade, mercado e governo), agregando valor poderia ser destacado como segunda característica), para todos (MODENESI, 2003). na qual é promovida, entre outras coisas (e o que Assim, embora haja esforços de consolidação de seria uma terceira característica), a convivencialidade uma rede de instituições, sobretudo no Brasil – dentre entre população originária, visitantes e residentes (sem as quais o Instituto Ethos -, que fomenta a adoção da descartar os domiciliados não-residentes e migrantes). RSE, grande parte das iniciativas restringe-se ainda Essa convivencialidade é incrustada em um arranjo a medidas paliativas e cosméticas que, muitas vezes, produtivo e político de base comunitária, de forma a confundem-se com mero marketing institucional. fomentar a relação social entre modos de vida distintos, Apesar das boas intenções dessas instituições, não há 22 | Revista da FAE como negar ou coibir possíveis interesses empresariais • a última parte para desenvolver estruturas visan- disfarçados, motivados sob o apelo de tornarem suas do à formação de homens e mulheres que moti- empresas mais competitivas, de forma a prospectar vam a vida pela cultura do dar (LUBICH, 2002). uma imagem conveniente de responsabilidade socio Dallabrida e Sampaio (2006) aponta que a EdC, com ambiental, em virtude das exigências do mercado, pouco mais de uma década, começou recentemente a para que não se corra riscos de rejeição de marcas produzir resultados teórico-empíricos, mas as empresas ou produtos. Por outro lado, existem empresas que vinculadas ao projeto, por serem movidas por um assumem uma visão de longo prazo e que, focadas “ideal” ético, caminham no sentido da possibilidade da na competitividade sistêmica, acabam por superar a mera racionalidade econômica utilitarista, aprisionada na missão organizacional descolada de um ideário institucional (DALLABRIDA; SAMPAIO, 2006; SAMPAIO; SOUZA, 2006). d) O projeto da Economia de Comunhão (EdC) constitui o quarto desdobramento. Ao emprestar do movimento dos Focolares4 os valores, os princípios, a visão de mundo para aplicar ao espaço da produção e do trabalho, a EdC prega fazer da atividade econômica, sobretudo a empresa, um lugar de encontro no sentido mais profundo do termo; um lugar de comunhão entre quem tem bens e oportunidades econômicas e quem não os tem (SAMPAIO et al., 2003). As empresas da EdC devem canalizar capacidades e recursos para produzir riqueza em prol dos que se encontram em dificuldades. Dentre esses recursos está o lucro, que é objeto de uma divisão tripartite: • ������������������������������������������������� parte utilizada no reinvestimento na própria atividade produtiva de modo que ela se mantenha economicamente viável; • parte no auxílio a pessoas necessitadas (ligadas ao movimento dos Focolares), dando-lhes a possibilidade de viver de modo mais digno, à espera de um trabalho, ou oferecendo-lhes emprego nessas empresas; construção de sociedades sustentáveis, incorporando em seu agir algumas dimensões da sustentabilidade. As experiências vêm sendo analisadas, sobretudo por participantes do movimento dos Focolares, ao qual a EdC está vinculada, o que pode revelar certa tendenciosidade nas análises e interpretações, mesmo sem intencionalidade. e) Por fim, o último desdobramento deste estudo: a Economia Solidária (ES). Trata-se de uma categoria da economia que se funda na crise do capital e do Estado e representa a expressão de uma das respostas dos trabalhadores que incorporam suas críticas históricas ao capital e constituem uma forma de organização não capitalista (SINGER, 2002). A ES prega princípios democráticos, ou seja, autoge stionários. Apregoa que pode existir solidariedade na economia, sobretudo quando se garante direitos iguais entre aqueles que se associam para financiar, produzir, comerciar ou consumir mercadorias. No entanto, existem dificuldades de se inserir à lógica associativista na economia de mercado e, quando se consegue, corre-se ainda o risco de se desvirtuar dos princípios associativistas (SINGER, 2002). Nesse estudo, aborda-se o Comércio Justo ou Fair Trade, uma das variantes insculpidas na Economia Solidária. O Comércio Justo surge para assegurar uma nova relação, livre, direta e honesta entre três novos 4 O Movimento dos Focolares, que possui cinco milhões de integrantes leigos, religiosos, não religiosos, e sem credo religioso em todo o mundo, tem viés espiritual, caritativo, social, econômico, político, ecumênico, inter-religioso, cultural, etc. Sua essência consiste na chamada “cultura do dar”, que preconiza a comunhão de bens entre todos os membros e em consistentes obras sociais. (LUBICH, 2002). Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009 sujeitos econômicos: • �������������������������������������������� produtores em vias de empobrecimento, geralmente excluídos ou com desvantagens no comércio praticado no âmbito da economia de mercado; | 23 • consumidores solidários que estão dispostos a pagar um sobrepreço; e entre lideranças comunitárias e o NMD/UFSC com sua equipe interdisciplinar, chegou-se a um consenso de • os intermediários sem ânimo de lucro. que as aspirações da comunidade convergiam com Sinteticamente, caracteriza-se por uma relação as intenções do NMD/UFSC de pesquisar e dar apoio comercial em que consumidores aceitam pagar um técnico-científico à área. Firmou-se então um acordo sobrepreço sobre os produtos numa forma de remune que resultaria mais tarde da criação do Fórum de ração mais justa aos produtores, como “premiação” Agenda 21 da Lagoa de Ibiraquera6. a uma produção resultante da incorporação de Para realizar o diagnóstico socioambiental partici boas práticas socioambientais, ou seja, em nome da pativo instituiu-se um fórum comunitário, valendo-se preservação dos valores histórico-culturais locais, da de grupos de trabalho (pesca, turismo, saúde e sanea proteção e conservação do meio ambiente, do fomento mento, educação e cultura), atualmente em fase de ao desenvolvimento local e da inclusão social pelo consolidação institucional – o Fórum da Agenda 21 local. trabalho e renda (PLATAFORMA KOMYUNITI, 2005; Envolveu-se lideranças comunitárias, representantes de ESPANICA, 2005). ONGs, equipe de pesquisadores e, esporadicamente, agentes governamentais. Entre as debilidades apontadas, salienta-se a ne 3 O estado atual de conhecimento sobre experiências latinoamericanas em curso cessidade de maior intercâmbio entre as inter-relações múltiplas dos Grupos de Trabalho (GTs) componentes do Fórum da Agenda 21 da Lagoa de Ibiraquera, de modo que se pudesse visualizar melhor a complexidade sistêmica da dinâmica. Atualmente, nem sequer existem A seguir, serão relatadas as experiências brasilei ras e chilenas que ilustram cada desdobramento iden tificado pela ecossocioeconomia das organizações. mais os GTs. Quanto à conscientização da comunidade, embora os atores sociais sejam capazes de perceber e apontar os problemas socioambientais causados pelas atividade 3.1 Agenda 21 local: uma experiência no sul catarinense turística (mesmo porque, por meio de fotos aéreas, comprova-se aumento da área de vegetação na região!), eles não enxergam a si próprios como agentes Desde 2000 vem sendo desenvolvido na área do de degradação, isto é, problemas “são e estão sempre entorno da Lagoa de Ibiraquera, situada nos municípios no outro”. Para exemplificar, proprietários de pousadas litorâneos de Imbituba e Garopaba (SC), um diagnóstico que construíram seus equipamentos no morro da Praia socioambiental participativo orientado para a definição do Rosa – ocupando quase a área total do terreno com de um plano experimental de desenvolvimento local a derrubada da mata nativa –, não consideram seus integrado e sustentável – ou ecodesenvolvimento. empreendimentos como sendo impactantes, mesmo Este trabalho vem sendo conduzido pelo Núcleo do Meio Ambiente e Desenvolvimento (NMD) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), dando continuidade a um projeto de doutorado que estava em curso em meados de 20005. Após algumas reuniões 5 SEIXAS (2005). 24 | 6 No ano de 2003, a UFSC conseguiu apoio financeiro do Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA) do Ministério do Meio Ambiente (MMA), com o projeto intitulado Manejo Integrado da Pesca na Lagoa de Ibiraquera, que teve como objetivo trabalhar com as comunidades que vivem da pesca na Lagoa de Ibiraquera, respeitando os princípios do Fórum da Agenda 21 Local (MUNDIM, 2005). Revista da FAE porque, como justificam, “tudo está de acordo com a formula participativamente estratégias coordenadas de legislação municipal”7. ecodesenvolvimento. Estas implicam, entre outras coisas, O Fórum ainda não conseguiu contar sistema na luta pela revitalização da pesca e da aqüicultura, ticamente com o apoio do governo de ambos os muni na criação de alternativas nos setores de agroecologia cípios e superar a obstrução de membros comunitários, e do turismo de baixo impacto socioambiental, na muitas vezes, provocada por questões relacionadas instituição de unidades de conservação co-geridas pelas a diferentes visões de mundo, entre os partidários da comunidades locais, na revitalização do tecido cultural Via da Economia de Mercado, do Ecodesenvolvimento e na construção de uma representação ecossistêmica e do Preservacionismo. Ou então, entre as populações das opções de modo de vida comunitário9. tradicionais e as que migraram de outros lugares para viver em Ibiraquera, o que, há que se ressaltar, é uma característica comum entre arranjos institucionais e 3.2 Turismo comunitário: um projeto no litoral do Ceará socioprodutivos de gênese comunitária. Não se espera que tais contradições sejam supe A Prainha do Canto Verde é um lugarejo de pes radas (mesmo porque a diversidade cultural é desejada), cadores e rendeiras, com cerca de 1.200 habitantes, mas que ao menos se consiga dialogar sobre temas de localizado no município de Beberibe, próximo da capital interesse comum. Contudo, em meio às divergências, do Estado do Ceará, Fortaleza, na Região do Nordeste conseguiu-se avançar: freou-se os impactos de uma brasileiro. Diante de uma luta comunitária contra a fazenda de camarão e de grupos empresariais hoteleiros grilagem de suas terras, criou-se em 1989 a Associação que ameaçam tanto o equilíbrio quanto o acesso e uso Comunitária do Canto Verde. Desde, então, vem se da biodiversidade costeira, e ainda relevar na etapa combatendo outros problemas que afetam a área: do diagnóstico participativo o conhecimento dos pesca predatória, especulação imobiliária, turismo de moradores tradicionais, pescadores ou ex-pescadores massa e falta de apoio do governo estadual. O apoio artesanais que desenvolvem ou desenvolviam agricul de organizações não-governamentais (ONGs), inclusive, tura de subsistência8. muitas delas criadas a partir das demandas reclamadas O Fórum quer consolidar a criação de um sistema de pela comunidade10 é um ânimo para a experiência. educação para o ecodesenvolvimento na área, de modo O que chama a atenção na área é a implantação do que se possa refletir permanentemente sobre os direitos turismo socialmente responsável para melhorar a renda e deveres de cada usuário dos recursos ambientais e o bem-estar dos moradores e, simultaneamente, existentes na área (lagoa, dunas, praia e mar). preservar os valores culturais e as belezas naturais da Cogita-se também a concepção de uma reserva região. extrativista de espelho de água, que é experiência Este projeto de turismo foi organizado pelo pioneira pela suas características, onde se descentraliza Conselho de Turismo, criado em 1997, que, por sua cada vez mais as decisões. vez, está vinculado a Associação Comunitária do Canto Media-se a negociação de conflitos gerados pela Verde. Além deste, existem outros conselhos, os de presença de interesses diferenciados pelos usos do patrimônio comum, com base na difusão de normas jurídicas oficiais e científicas qualificadas, na qual se 7 8 MUNDIM (2005); ARAÚJO e SAMPAIO (2004). SAMPAIO (2005). Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009 Exemplificado pelo depoimento de um pescador artesanal: “de que só sabia pescar e que tinha aprendido com seu pai e que passaria para seu filho, e que não trocaria a pesca por nada” (VIEIRA, 2004). 10 MUNDIM (2005). 9 | 25 Educação, Saúde, Terra, Pesca e Artesanato, todos que não se beneficiam diretamente da atividade turística vinculados a Associação Comunitária. acabam sendo auxiliadas, por um Fundo Social e de O Conselho de Turismo se dinamiza através da Educação, mantido parcialmente por repasse de recursos Cooperativa de Turismo e Artesanato da Prainha do da Cooperativa de Turismo e Artesanato. É uma maneira Canto Verde, que coordena as atividades turísticas e as de atuar contra a desigualdade de oportunidades13. organizam em pequenos empreendimentos coletivos A atividade turística não é planejada de maneira e individuais, tais como pousadas, casas e quartos de setorial, como geralmente são os planos turísticos. aluguel, barracas de praia, passeios de bugue e lojas de Além de possuir função subsidiária, assumidamente artesanato – forma-se um Arranjo Produtivo e Político de pequena escala, e complementar à economia da de Base Comunitária. Uma das pousadas, inclusive, é comunidade, o turismo tem papel na conservação do de propriedade da própria associação. A cooperativa, ambiente cultural e natural, isto é, sua gestão ancora-se até então informal, surgiu com o intuito de possibilitar na autorregulação comunitária. um complemento na renda familiar dos moradores, em consequência pelas dificuldades da pesca artesanal11. Os desafios, porém, não são pequenos, como em qualquer outra experiência. Ressalta-se, nesse sentido, Todos os empreendedores são originários da o desrespeito de alguns cooperados, que tentam própria comunidade, portanto, não há investidores obter vantagens individuais; necessidade freqüente de externos e os recursos permanecem na própria loca sensibilizar a comunidade para que ela se identifique lidade. Diferentemente, de outras localidades próximas, como parte de todo o processo, quer na identificação como a Praia das Fontes e da Tabuba, em que pre de problemas quer nas suas soluções; e a falta de domina o chamado turismo de massa, baseadas reconhecimento e apoio por parte dos órgãos de respectivamente na rede hoteleira e no conjunto de turismo e governamentais14. residências secundárias (habitações de uso eventual dos proprietários). A Prainha recebe basicamente turistas como 3.3 Responsabilidade socioambiental empresarial no Chile: florestal Río Cruces pesquisadores, inclusive estrangeiros, algumas famílias e parentes dos moradores. Considera-se como atrativos locais o luar, casas típicas de pescadores, a pesca comercializada na própria praia, ou seja, o próprio modo de vida12 – vantagens comparativas pouco percebidas na maioria dos planejamentos turísticos elaborados de maneira tecnicista. A história da Florestal Río Cruces inicia com a visita de um casal de aristocratas alemães que, im pressionados com a paisagem do local, comprou uma propriedade rural para então instalar uma empresa de manejo e plantio florestal no qual se respeita princípios sustentabilistas. A atividade turística iniciou com famílias que puderam, com recursos próprios ou tomando emprés timo de um fundo rotativo de recursos da associação comunitária, construir quartos e pousadas. As pessoas A Prainha do Canto Verde já coleciona duas premiações: (1) Prêmio To Do, versão 1999, por ter sido considerado projeto de turismo socialmente responsável; e (2) TOURA D’OR 2000, por melhor filme documentário sobre turismo comunitário (CORIOLANO; LIMA, 2003). 12 CORIOLANO e LIMA (2003). 11 26 | Posteriormente, foram compradas outras proprie dades rurais (municípios de Lanco, Panguipulli e Los Lagos), totalizando aproximadamente 8.000 ha (sendo 60% de bosques nativos), além da sede da Florestal que possui 2600 ha. Na administração da empresa há 19 pessoas, entre eles um gerente geral, e mais 13 14 IVT (2004) MUNDIM (2005). Revista da FAE 31 trabalhadores diretos, além dos 50 trabalhadores pobreza rural e elevado analfabetismo, o que dificulta a indiretos oriundos de empresas associadas. promoção de trabalhadores para postos de chefias, que A madeira certificada, sobretudo de manejo de requerem competências diferenciadas. bosques nativos, é um mercado incipiente, de certo A Florestal possui uma política de boa vizinhança modo desconhecido, no qual vigora o mito de baixa com as comunidades e as municipalidades aonde produtividade quando comparado com reflorestamentos opera, preocupando-se com a conservação de estradas de árvores exóticas como pinus e eucalipto. Entretanto, vicinais, contratando membros comunitários ora como a Florestal Río Cruces vem demonstrando que é possível empregados diretos e indiretos, além de doar parte dos conciliar responsabilidade social empresarial ) e retorno resíduos de sua operação para utilização como lenha (vale econômico quando se planta e maneja sustentavelmente lembrar que a lenha no Sul do Chile, além de servir como florestas nativas, e se planeja a longo prazo, distanciado combustível para cozinhar, serve para o aquecimento das do imediatismo típico da lógica de mercado na qual casas em virtude das baixas temperaturas durante todo o prevalece o utilitarismo economicista. ano, com exceção do verão). 15 A empresa está certificada pela FSC (Forest Quanto à questão social, a empresa faz doações Stewardship Council ), primando por produtos de periódicas a jardins de infância, escolas e clubes des alta qualidade (tais como molduras, madeiras semi- portivos nas áreas aonde opera, além de ministrar acabadas e acabadas, pisos, componentes de móveis palestras sobre a importância do manejo sustentável e artesanato fino) ao contrário de outras empresas dos bosques nativos. 16 florestais que utilizam apenas madeiras de bosques Entre os desafios de atuação, cita-se a ausência de espécies introduzidas (não nativas). A capacitação de marco legal em relação ao manejo sustentável de do pessoal quanto ao uso de motosserras e artefatos bosques nativos, quer pela falta de consciência das florestais no manejo de bosques nativos é um dos entidades governamentais, quer pelo descaso do mercado pontos que merece atenção constante, especialmente comprador em relação à origem da madeira nativa. quando se está numa região em que o desmatamento é prática comum. A zona de atuação da Florestal apresenta um clima temperado chuvoso, cujas características são de alta umidade relativa, baixas temperaturas e grande registro pluviométrico anual. A área apresenta altos índices de 3.4 Economia de Comunhão (EdC): gestão e solidariedade em empresa chilena A experiência de Economia de Comuhão refere-se à Sociedade de Investimentos Foco S.A. (Poupança e Crédito), sediada em Santiago (Chile). O Ministério da Agricultura chileno criou, em 1999, o Prêmio Nacional à Inovação Agrária, como reconhecimento à criatividade e esforço de iniciativas inovadoras no setor agrário. Por sua atuação, em 2003, a Florestal recebeu o Prêmio. 16 Certificação florestal de credibilidade internacional que atesta que a madeira (ou outro insumo florestal) utilizada num produto provém de manejo sustentável, ou seja, que é oriunda de floresta, nativa ou reflorestada, explorada de forma adequada do ponto de vista socioambiental, cumprindo todas as leis vigentes. Produtos finais ou intermediários que utilizam matéria-prima florestal com o selo Cadeia de custódia FSC têm a rastreabilidade da matéria-prima da floresta até o consumidor final (http://www.fsc.org). 15 Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009 A Foco surge a partir da falta de acesso a crédito às pessoas vinculadas ao Movimento Focolar, com o projeto de criar uma cooperativa de investimentos para aqueles membros. A cooperativa nasce em 1985, antes mesmo do florescimento do projeto global da EdC, lançado no Brasil em 1990. Na ocasião fez-se uma consulta à Federação de Cooperativas Chilenas que sugeriu ao grupo de interessados que dessem continuidade a uma cooperativa já constituída, entretanto inoperante, em vez de de se criar uma nova cooperativa. Em 2004, a | 27 cooperativa transforma-se em Sociedade Anônima Pensa-se na possibilidade de criação de um sócio cole (para não transgredir a legislação chilena de bancos), tivo que poderia congregar associados interessados reduzindo de 400 para 100 associados, utilizando-se em correr riscos maiores como o financiamento de como princípio: um sócio por família. novas empresas. Atribui-se como marco no projeto o A Foco S.A. é constituída por pessoas físicas compartilhamento de valores solidários pelos sócios. vinculadas ao Movimento Focolar ou então por pessoas com vínculos com membros do movimento. A sociedade é dirigida por meio de uma assembléia de sócios, eleitos sob critérios de competência e formação universitária, além de uma administradora. Nunca recebeu financia mento a fundo perdido de de outras fontes. Os financiamentos que a Sociedade contrata, de um modo geral, são destinados à aquisição de maquinários, emergências de saúde, férias, reformas residenciais, estudos universitários e compras de automóveis, cujos juros variam de 1,2% a 2%17, dependendo do capital financiado. Historicamente, os financiamentos contratados giram entre US$ 1.000 a 23.000, limitados pela exigência de que o contratado deva possuir ao menos 1/3 do valor financiado em cotas do capital da Sociedade. Curiosamente não há registro de nenhum processo de cobrança oficial.18 Balizada nos princípios da divisão tripartite do lucro, os dividendos da Foco seguem aqueles princípios: a primeira parte é destinada ao Movimento Interna cional de Economia de Comunhão, sediado em Roma (Itália), que posteriormente distribui às pessoas carentes que participam do Movimento no Chile; a segunda parte é destinada a investimentos na própria empresa; e a terceira parte destinada a projetos de formação humanista dos associados do movimento. Do ponto-de-vista de evolução, a Foco encontra-se numa etapa madura e pronta para os novos desafios futuros, pois, aponta-se como debilidade empresarial atualmente não ambicionar o crescimento econômico. Bem abaixo das taxas de juros praticadas pelos bancos comerciais chilenos que giram em torno de 3,3% a.m. 18 Atualmente, há um único caso de financiamento inadim plente. Prevalece a negociação em torno do respeito aos princípios da sociedade, que deve ser preservado: o interesse coletivo predominando sobre o individual. 17 28 | 3.5 Economia solidária: Fair Trade made in Chile As discussões acerca do Comércio Justo inicia ram no Chile em 1996 com a união de diversas organizações não-governamentais (ONGs), voltadas às questões socioecon ômicas e ambientais. Essa união, denominada Plataforma Komyuniti, após alguns anos de articulações, conseguiu formar uma rede de cooperação e de apoio mútuo a pequenos produtores para garantir a sustentabilidade de seus socioempreendimentos. Em outubro de 2002, inaugurou-se a primeira Loja de Comércio Justo do Chile. Após um ano de fun cionamento constatou-se a importância de disseminar o conceito de comércio justo e o significado de con sumo consciente: a Plataforma Komyuniti concebeu a Cooperativa de Comércio Justo Chile, alicerçada numa Carta de Princípios e numa Carta de Compromissos que formalizam as diretrizes a serem seguidas por pessoas e organizações que queriam ingressar na esfera comercial da Plataforma. Além de abarcar os interesses dos pequenos produtores, organizações da sociedade civil e consu midores, e de fomentar a formação de microrredes de Comércio Justo no Chile, a Cooperativa promove estratégias educativas para pensar e consolidar uma economia mais solidária. A rede interorganizacional formada pela Plata forma Komyuniti se estende do norte ao sul do Chile, incluindo regiões metropolitanas de centros urbanos como Santiago e centros menores como Valparaíso, além de comunidades e povoados, como os descendentes dos mapuches-huilliches (grupo indígena Revista da FAE predominante entre os primeiros habitantes do Sul do • desarticulação com governos locais; Chile) e produtores da Bolívia e do Peru. • rigor nos critérios de integração dos cooperados O grupo de produtores são, em sua maioria, à rede; indivíduos de baixa renda, povos autóctones e origi • limitação da área de comercialização da Loja de nários que ainda preservam muitos de seus costumes Comércio Justo, restringindo-se à região metro- e tradições, vivendo em comunidades (muitas vezes politana de Santiago; isoladas) e desenvolvendo atividades relativas à agri cultura familiar, à pesca de subsistência e trabalhos manuais. Os artesãos, produtores e pescadores envol vidos estão agrupados em torno de 40 organizações e o volume de vendas estimado para o ano de 2005 era de US$ 45.000. A grande maioria dos produtos comercializados pela Loja de Comercio Justo personifica a cultura • loja com espaço físico restrito, embora esteja bem localizada; • dificuldade de replicar tal experiência diante do ambiente competitivo da economia de mercado chilena; e • inexperiência dos dirigentes quanto à gestão da cooperativa. socioprodutiva e a identidade dos territórios onde são produzidos, como: a)artesanato: produtos utilitários e de decoração feitos de cerâmica, fibras, madeira, couro, lã, pedras e jóias; b)alimentos primários: café, chá, açúcar, frutas, verduras, cereais andinos, ovos, carnes, mel, condimentos, ervas medicinais, etc.; e c)produtos semi-industrializados: comidas nativas, pães, vinhos, licores, biscoitos, queijos, geléias, brinquedos, sabões. Considerações finais Acredita-se que nas experiências relatadas enten didas como de Ecossocioeconomia das Organizações, o agir organizacional que resulta de ações individuais compromissadas emergem de um vácuo institucional instalado na dinâmica societária. Novas tecnologias sociais surgem ponderando o agir econômico dentro de limites que promovem igualdades de oportunidades. Nesta perspectiva, crê-se na possibilidade de um Não se verificou o envolvimento de governos mercado mais solidário, no sentido de trocas mais locais na experiência, ou qual foi o papel do poder justas entre vendedor e comprador, incorporando trocas público local na identificação das potencialidades compensatórias, isto é, quando a classe econômica mais locais e na criação do ambiente propício para o privilegiada, ao menos em um primeiro momento, reduz desenvolvimento destas potencialidades. Apesar de voluntariamente sua expectativa de ganhos a favor ser uma experiência relativamente nova, verifica-se de classes econômicas menos abastadas, valorizando que acaba trazendo benefícios sociais, econômicos e conhecimento e bens de origem comunitária. ambientais importantes (guardadas suas proporções) às comunidades de produtores. As experiências agrupadas podem ser divididas entre trabalhos teóricos ou, até mesmo, ideológicos bem Por sua vez, não quer dizer que os grupos de elaborados, entretanto com pouca prática convincente, produtores respondam totalmente aos critérios deter como os Fórum de Agenda 21 Local e as Empresas de minados pela cooperativa, o que também não invalida Responsabilidade Social; e trabalhos empíricos que vêm a experiência e nem a enfraquece. As principais debili apresentando resultados promissores, como o Turismo dades da Plataforma Komyuniti são: Comunitário, a Economia de Comunhão e a Economia Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009 | 29 Solidária (Comércio Justo e Clube de Trocas Solidárias), Todavia, crê-se que estas medidas compensatórias entretanto, sem uma proposta clara sobre um modelo devam ser pensadas como propostas articuladas a um de gestão que possa ser replicado. projeto de sustentabilidade administrativo-econômica O que não se pode deixar de notar nas experiências que possibilitem, em um primeiro momento, ao menos, analisadas é, que, todas elas apresentam em seu cerne sobreviver diante da dinâmica capitalista e da economia algumas das dimensões da sustentabilidade. Exem de mercado para então, em um segundo momento, plificando, pode-se citar a dimensão social, presente em possibilitarem a criação de uma dinâmica própria. todas as experiências; a dimensão ecológico-ambiental, A ecossocioeconomia das organizações não tem notável nas experiências da Agenda 21, Turismo Comu a pretensão de ser uma nova base conceitual para se nitário e RSE; a dimensão cultural, explícita nas expe pensar um outro modo de vida, como já faz o desen riências da Agenda 21, Turismo Comunitário e Comércio volvimento sustentável. Ela deseja reorganizar conceitos Justo; e a dimensão demográfica ou espacial, destacada já encontrados na multiplicidade de estudos existentes no Turismo Comunitário e no Comércio Justo. na literatura sobre o tema, entretanto, que carecem Um dos desafios das experiências latinoamericanas de sistematização pragmática na ciências sociais que podem ser apontadas como indo na direção da aplicadas – especialmente na chamada ciência da ecossocioeconomia das organizações é o de equacionar administração –, para que possa ser disseminada. a solução de dois problemas: a) indivíduos que ocupam funções de liderança, cioeconomia das organizações quanto ao pensar, administração e fomento comunitário, que vêm analisar e experimentar metodologias de tomada de conseguindo com dificuldade transformar boa decisão que consideram a extrarracionalidade e o vetor vontade em gestão compartilhada (arranjo), extraorganizacional como princípios de gestão organi em gestão extraorganizacional (do entorno zacional de ênfase interorganizacional (tal como o para a organização) e ainda relevar a potencia- arranjo socioprodutivo de base comunitária, sustentável lidade tanto do conhecimento tradicional nos e solidária) e que ponderem os vetores de eficiência processos de produção quanto dos produtos processual, eficácia produtiva e efetividade econômica. comunitários na distribuição e na comercializa- Em outras palavras, deve-se criar alternativas que ção acabam por abandonar suas atividades por complementem as limitações da ação baseada pura questão de sobrevivência, pois em sua maioria mente na racionalidade econômica, ampliando suas são militantes não-remunerados ou pesquisado- perspectivas de análise quantitativa (de curto para res com bolsas temporárias; médio e longo prazos) e qualitativa (da economia para b)a dependência das experiências de associativismo legítimo e empreendimentos compartilhados de recursos de subsídios – financiados pelo Estado ou por ONGs internacionais –, e de incubação e assessoria de movimentos sociais ou centros de pesquisa universitários, restringindo a autonomia político-financeira dessas experiências. Não se questiona a relevância de políticas compensatórias em sociedades caracterizadas pela má dis- 30 | Deseja-se, entretanto, ser ambicioso com a ecosso ecossocioeconomia), inseridas nos modelos de gestão empresarial que acabam replicadas (muitas vezes devidas adaptações) no setor público e no chamado terceiro setor, como se fossem organizações com características de propriedade e finalidade semelhantes. É necessário instigar a dimensão tácita do conhe cimento de ênfase cultural-social territorial e a sabedoria tradicional de ênfase cultural-produtiva territorial na chamada ciência administrativa. tribuição de renda – independentemente do seu Concorda-se que tais conhecimentos são rele estágio político-democrático –, como acontece gados sob a justificativa de não possuirem cogni na maioria dos países da América Latina. ção, especialmente quando observados a partir da Revista da FAE perspectiva da racionalidade individual ou organi par gerencial-economicista, tornando-se cases ou zacional, pois não se sabe mensurá-los. Portanto, modismos globalizados. de um lado é necessário permitir a flexibilização na busca do entendimento do saber científico, consi derando os saberes tradicionais nos subsídios para a formulação de decisões coladas à realidade e que, conseqüentemente, solucionam os problemas mais importantes, ditos estratégicos, do mundo da vida. De outro lado, se quer evitar o risco de cair na ideologia, no romantismo utópico e na generalização; e, muito menos, no ceticismo, na imobilidade e na especificação. Assim, a ecossocioeconomia das organizações tem Todavia, espera-se que sejam mais benéficos à maioria dos indivíduos e que, ainda, privilegiem horiz ontes temporais mais longos. O que não se pode relegar é o fato de que estas metodologias, indepen dentemente de sua magnitude (podendo até mesmo ser consideradas pouco ambiciosas em termos de resultados), desempenham papel importante para as comunidades locais, em especial, aquelas menos desenvolvidas, de menor poder aquisitivo e, muitas como desafio encontrar mecanismos que possibilitem vezes, à margem da economia formal. O trabalho de extrair, sistematizar e potencializar, primeiramente, o forma articulada e sinérgica, inclusive com o apoio de saber tradicional no âmbito da objetividade coletiva e, organizações (públicas, privadas e ONGs) por exemplo, em segundo lugar, a dimensão tácita do conhecimento acaba por proporcionar a pequenos produtores rurais, no âmbito da intersubjetividade. artesãos, pescadores, comerciantes, cooperados, ren Enfim, espera-se que as metodologias de deiras, etc., maiores chances de sobrevivência. Agenda 21, Turismo Comunitário, Responsabilidade Social Empresarial, Economia de Comunhão e Eco nomia Solidária – que podem ser entendidas como indo na direção da ecossocioeconomia das organiza ções –, impregnadas também de certo pragmatismo, possam se multiplicar da mesma maneira que seu •Recebido em: 20/06/2009 •Aprovado em: 23/10/2009 Referências ALMEIDA, F. O bom negócio da sustentabilidade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002. ARAUJO, G. P.; SAMPAIO, C. A. C. (Orgs.). Relatório técnico do I Encontro de Turismo em Imbituba e Garopaba (SC). Florianópolis: UFSC; Blumenau: FURB, 2004. BERKES, F. Social systems ecological systems and property rights. In: HANNA, S. et al. (Eds.). Right to nature: ecological, economics, cultural and political principles of institutions. Washington, DC: Island, 1996. p.87-107. BEZERRA, Maria do Carmo Lima (Coord.). Construindo a agenda 21 local. Brasília: Ministério do Meio Ambiente. Departamento de Articulação Institucional. 2000. COHEN, J.; ARATO, A. Civil society and political theory. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1992. COMISSÃO DE POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA AGENDA 21 NACIONAL. Agenda 21 brasileira: bases para discussão. Brasília: PNUD, 2000. CORIOLANO, L.; LIMA, L. (Orgs.). Turismo comunitário e responsabilidade socioambiental. Fortaleza: EDUECE, 2003. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009 | 31 COSTA, S. Esfera pública, sociedade civil e movimentos sociais no Brasil. Novos Estudos do CEBRAP, São Paulo, n.38, p.38-52, mar. 1994. DALLABRIDA, I. S.; SAMPAIO, C. A. C.. Responsabilidade social empresarial e economia de comunhão: racionalidade empresarial na construção do desenvolvimento sustentável. In: CHAMUSCA, André Franzo et al.. Responsabilidade social das empresas: a contribuição das universidades. São Paulo: Peirópolis; Instituto Ethos, 2006. v.5, p. 47-86. DOUROJEANNI, A. Reflexiones sobre estrategias territoriales para el desarrollo sostenible. In: CONFERENCIA CUMBRE SOBRE EL DESARROLLO SOSTENIBLE, 1996. Santiago de Chile: CEPAL, 1996. DOWBOR, L. A formação do 3º mundo. São Paulo: Brasiliense, 1983. ESPANICA. El comercio justo: origen y evolución. Disponivel em: <http://www.nodo50.org/espanica/cjust.html#primeras>. Acesso em 20 jun. 2005. FERNANDES, V.; SAMPAIO, C. A. C. Formulação de estratégias de desenvolvimento baseado no conhecimento local. RAE Eletrônica, São Paulo, v.5, n.2, 2006. FISCHER, T. (Org.). Poder local: governo e cidadania. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1993. HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. IBGE. Perfil dos municípios brasileiros: meio ambiente 2002. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/ noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=363&id_pagina=1>. Acesso em: 16 jun. 2005. IRVING, M.; AZEVEDO, J. Turismo: o desafio da sustentabilidade. São Paulo: Futura, 2002. INSTITUTO VIRTUAL DE TURISMO - IVT. Benchmarking da Prainha do Canto Verde. Disponível em: <http://www.ivt-rj.net/ caderno/anteriores/9/benchmark/bench1.htm>. Acesso em: 30 set. 2004. KAPP, K. W. The social costs of business enterprise. Nottingham: Spokesman Books, 1963. LÉVY, P. A inteligência coletiva. São Paulo: Loyola, 1998. LUBICH, C. A experiência economia de comunhão. In: BRUNI, L. Economia de comunhão. Vargem Grande Paulista: Cidade Nova, 2002. MAX-NEEF, M. Desarrollo a escala humana: conceptos, aplicaciones y reflexiones. Montevideo: Nordan Comunidad, REDES, 1993. ______. Economia descalza. Estocolmo, Buenos Aires, Montevideo: Nordan Comunidad, 1986. MODENESI, K. N. Responsabilidade social nas empresas. São Paulo: Instituto Ethos, 2003. Prêmio Ethos Valor de Responsabilidade Social Empresarial. MUNDIM, R. (Org.). Laboratório de gestão em organizações que promovem o desenvolvimento sustentável (LaGOE). Edital 006/2003 – Cidadania. In: Relatório. 2005. Blumenau: FURB, 2005. PLATAFORMA KOMYUNITI. Cooperativa Comercio Justo Chile. Disponível em: <http://www.tiendacomerciojusto.cl/es_que_ es_comercio_justo.php>. Acesso em: 26 maio 2005. RAZETO, L. O papel central do trabalho e a economia de solidariedade. Proposta, Rio de Janeiro, n.75, p. 91-99, dez./fev. 1997. ROUSSEAU, J. ; ROUSSEAU, J. Do contrato social: discurso sobre a economia política. São Paulo: HEMUS, 2001. SACHS, I. Desenvolvimento includente, sustentável sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. ______. Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir. São Paulo: Vértice, 1986a. ______. Espaços, tempos e estratégias do desenvolvimento. São Paulo: Vértice, 1986b. ______. Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente. São Paulo: Studio Nobel, Fundap, 1993. ______. Inclusão social pelo trabalho: desenvolvimento humano, trabalho decente e o futuro dos empreendedores de pequeno porte. Rio de Janeiro: Garamond, 2003. 32 | Revista da FAE SACHS, I. Rumo à ecossocioeconomia: teoria e prática do desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2007. SAMPAIO, C. A. C. A construção de um modelo de gestão que o promove o desenvolvimento sustentável. Cadernos Ebape, Rio de Janeiro, n.5, 2004. ______. Gestão organizacional estratégica para o desenvolvimento sustentável. Itajaí: UNIVALI, 2000. ______. Gestão que privilegia uma outra economia: ecossocioeconomia das organizações. Blumenau: FURB, 2009 (No prelo). ______. Turismo como do fenômeno humano: princípios para se pensar a ecossocioeconomia. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005. SAMPAIO, C. A. C.; FERNANDES, V.; MANTOVANELI JUNIOR, O. Economia social: razão e sensibilidade. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL EDUCAÇÃO INTERCULTURAL, GÊNERO E MOVIMENTOS SOCIAIS, 2., 2003, Florianópolis. Anais..., Florianópolis, 2003. 1 CD-ROM. SAMPAIO, C. A. C. et al. Arranjo socioprodutivo de base comunitária: o aprendizado a partir das cooperativas de Mondragón. Organizações & Sociedade, v.46, p.77-98, 2008. SAMPAIO, C. A. C.; SOUZA, V. F. Em busca de uma racionalidade convergente ao ecodesenvolvimento: um estudo exploratório de projetos de turismo sustentável e de responsabilidade social empresarial. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v.40, n.3, p.411-425, maio/jun. 2006. SANTOS, M. Metamorfose do espaço urbano. São Paulo: Hucitec, 1994. SANTOS, M.; SOUZA, M. A.; SILVEIRA, M. L. (Orgs.). Território: globalização e fragmentação. São Paulo: Hucitec, Annablume, 2002. SANTOS, B. S.; RODRÍGUEZ, C. Introdução: para ampliar o cânone da produção. In: SANTOS, B. S. (Org.). Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p.23-77. SEIXAS, C. S. Abordagens e técnicas de pesquisa participativa em gestão de recursos naturais. In: VIEIRA, P. F.; BERKES, F.; SEIXAS, C. S. (Orgs.). Gestão integrada e participativa de recursos naturais. Florianópolis: Secco/APED, 2005. SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. SINGER, P. Introdução à economia solidária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002. VIEIRA, P. F. (Coord.). Avaliação local participativa de ecossistemas litorâneos no Sul do Brasil. Projeto piloto de criação de uma Agenda 21 local na área da Lagoa de Ibiraquera, municípios de Imbituba e Garopaba, Santa Catarina; relatório parcial. Florianópolis: UFSC. Núcleo de Meio Ambiente e Desenvolvimento, 2004. Mimeo. WACKERNAGEL, M.; REES, W. Nuestra huella ecológica. Buenos Aires: LOM Ediciones, 2001. (Colección Ecologia & Médio Ambiente). WORLD METEOROLOGICAL ORGANIZATION – WMO-UNEP, United Nations Environmental Programme. Intergovernmental panel on climate change. Paris, February, 2007. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009 | 33 Revista da FAE Comunidade, ética e economia ecológica: reflexões sobre o modo de vida da morada da paz Community, ethics and ecological economy: reflections about morada da paz’s way of life Rogério Ferreira Teixeira* Resumo Este artigo baseia-se em pesquisas, observações cotidianas e entrevistas rea lizadas com os membros da Comunidade Morada da Paz (CMP), localizada no município de Triunfo, estado do Rio Grande do Sul, Brasil, desde sua fundação em janeiro de 2003 até abril de 2009. O objetivo geral deste artigo é investigar as dinâmicas sócioeconômicoambientais dentro da CMP, analisando a partir do seu modus vivendis as inter-relações entre ética e economia ecológica. Os objetivos específicos serão investigar como se construiu e se mantém sustentável o modo de vida da CMP ao longo da sua trajetória de existência, examinando-se as suas relações internas, as suas relações com o meio ambiente e as relações que mantêm com o seu entorno local e colaboradores, e analisar as possíveis contribuições que o seu modo de vida pode oferecer ao desenvolvimento de práticas sustentáveis junto a outras comunidades, ao seu entorno local e regional e à sociedade em geral. Palavras-chave: sustentabilidade; solidariedade; redes. Abstract This paper is based on researches, daily observations and interviews made with Comunidade Morada da Paz’s (CMP) members localized in Triunfo, Rio Grande do Sul, Brasil, since its fundation in January 2003 until April 2009. The general objective of this paper is to investigate the social-economical-environmental dynamics in CMP, analising, from its modus vivendis, the interrelationship between ethics and ecological economics. The specific objectives will be to investigate how CMP way of life was builted and how it is sustained in its journey of existence, observing the internal relationships, the relationships with the ecosystem and the relationships with its neighbourhoods and partners, as well as to analyse the possible contributions that CMP’s way of life can offer to the development of sustainable practices of other communities, neighbourhoods, local region and society. Keywords: sustainability; solidarity; networks. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.35-46, jul./dez. 2009 * Economista. Pós-graduando em Gestão de Pessoas (UFT). Membro do Núcleo de Economia Solidária (NESol/UFT). E-mail: [email protected] | 35 Introdução O que motivou a realização deste artigo foi a necessidade de pesquisar alternativas para um modo de vida sustentável, que possibilite uma integração entre o ser humano e a natureza, apontando caminhos nesta direção. Neste sentido, uma abordagem sobre comunidade, ética e economia ecológica tornou-se apropriada para relatar a experiência da Comunidade Morada da Paz (CPM) de Triunfo/RS. Primeiramente, será feito um breve histórico so- A propósito, Capra (2002, p.267-268) comenta que No decorrer deste novo século dois fenômenos espe cíficos terão um efeito decisivo sobre o futuro da humanidade. Ambos se desenvolvem em rede e ambos estão ligados a uma tecnologia radicalmente nova. O primeiro é a ascensão do capitalismo global, composto de redes eletrônicas de fluxos de finanças e de informação; o outro é a criação de comunidades sustentáveis baseadas na alfabetização ecológica e na prática do projeto ecológico, compostas de redes ecológicas de fluxos de energia e matéria. A meta da economia global é a de elevar ao máximo a riqueza e o poder de suas elites; a do projeto ecológico a de elevar ao máximo a sustentabilidade da teia da vida. bre o movimento das comunidades e o surgimento da economia ecológica enfocando seus principais pressupostos. Em seguida, realizar-se-á uma retrospectiva sobre a constituição da CMP, analisando as suas dinâmicas internas, o uso de tecnologias sustentáveis nas relações com o meio ambiente e as ações que estabelece em rede com parceiros e colaboradores. Finalmente, serão tecidas algumas considerações a respeito das abordagens realizadas, visualizando a partir destas a Morada da Paz como uma comunidade onde economia ecológica e ética encontram-se e com- Duran (2001, p.25), a este respeito complementa com algumas considerações: Todas las experiências de transformación alternativa de la sociedade al margem de mercado y de la lógica patriarcal dominante, tienen un gran valor como semillas y polos de referencia de lo que puede llegar a ser una transformación a mayor escala. La reconstrucción de las estructuras comunitarias, de los nuevos ámbitos de comunidad, se debe producir principalmente a partir de lo local. Lo local, que ha sido sometido y desarticulado por el capitalismo global, es necesario en gran medida restaurarlo ex novo. plementam-se fomentando um modo de vida sustentável e solidário. A vida em comunidades, conforme Santos Junior (2006), é prática antiga e remonta aos primeiros está gios da civilização humana. Encontramos relatos de 1 Um Breve Histórico sobre Comunidades e o Surgimento da Economia Ecológica experiências de comunidades na Palestina, com os essênios antes de Cristo, na Índia, com os seguidores de Buda, e na América, com os índios, que também compartilham princípios e práticas comunitárias. Claval (1999, p.113) tece algumas considerações O modelo capitalista neoliberal gerou profundos desequilíbrios no planeta em vários aspectos, como o social, econômico, cultural e por consequência o ambiental. Torna-se primordial a busca por uma forma de vida que possibilite o reencontro do ser humano consigo mesmo e com uma relação mais sustentável com a natureza e com seu semelhante. 36 | importantes para compreendermos melhor o significado de comunidade: A vida social baseia-se em organizações hierárquicas institucionalizadas. Ela implica igualmente que os parceiros sintam-se pertencentes a um mesmo conjunto pelo qual cada um se sinta responsável e solidário. Isto toma em alguns casos uma forma afetiva, aquela da comunidade. Noutros casos, a construção social Revista da tem fundamentos racionais, o interesse, a eficácia, a preocupação de assegurar a defesa e a segurança coletivas, por exemplo. É o sentido da distinção proposto pelo sociólogo Ferdinand Tönnies, há mais de um século, entre a comunidade e a sociedade. A comunidade serve de modelo a toda uma série de unidades sociais e culturais: um pequeno grupo coeso, onde os membros estão ligados por relações de confiança mútua, pode se multiplicar por emigração ou se estender para englobar um grande número de pessoas ligado por certos traços fundamentais de cultura. FAE num processo crescente de desenvolvimento, sendo que muitas delas contam com a organização e o trabalho em rede. Objetivam em seus movimentos transcender uma realidade que privilegia o individualismo, a degradação ambiental e acarreta sérios desequilíbrios econômicos, políticos e sociais. Há comunidades espalhadas pelo mundo todo, como Findhorn (Escócia), Cristal Waters (Austrália) e Lebensgarten (Alemanha), que podem ser reconhecidas como referências em práticas ecológicas. Claval (1999, p.114) considera ainda que existam quatro formas de construir uma comunidade: Há uma entidade internacional, a Global Ecovillage Network (GEN), que promove a veiculação de notícias, • elos de sangue e de aliança que unem os membros de uma família; o intercâmbio e a realização de cursos e atividades • membros unidos por um mesmo ideal e um projeto comum1; a GEN-Global, no ano de 2000 conseguiu obter o • irmãos que partilham de uma mesma fé religiosa; status consultivo no Conselho Econômico e Social do • co-habitação de pequenos grupos num mesmo lugar. Comitê das ONGs. O movimento da contracultura na década de 60, no século passado, reunindo principalmente jovens descontentes com a violência, o extermínio da fauna e da flora, e a vida competitiva nos grandes centros urbanos fez proliferar principalmente nas Américas várias comunidades embaladas por um projeto comum. Conforme comentado por Capra (1988), o movi mento ecológico e o movimento feminista impul sionaram uma nova visão de mundo, mais atenta à questão da sustentabilidade e da preservação da vida e do planeta para o futuro. de interesse comum. Santos Junior (2006) relata que reconhecimento de “organização oficial” da ONU, com Neste início de século XXI, o movimento de vida em comunidades ganha força e adeptos por oferecer alternativas frente ao sistema hegemônico vigente, construindo através de suas experiências possibilidades para um modo de vida2 sustentável3. As comunidades baseadas em projetos se desen volveram num momento simultâneo à efervescência do debate sobre meio ambiente no mundo. Houve a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente em Estocolmo no ano de 1972, tratando sobre o panorama ambiental mundial, foi publicado o Relatório Brundtland em 1987, trazendo o conceito de desenvolvimento O movimento das comunidades estruturadas a sustentável, ocorreu ainda a RIO 92, que aprofundou partir de um projeto de vida comum se encontra hoje estas discussões, houve a assinatura do Protocolo de Kyoto em 1997, que previa a redução da emissão de 1 De acordo com Claval (1999, p.115), a comunidade de projeto resulta de uma adesão consciente de seus membros. Pode ser analisada em dois níveis: a) parcial: se se trata de uma associação desportiva, lúdica ou caritativa, à qual os membros conseguem uma parte de seu tempo livre; b) global: se se trata verdadeiramente de um projeto de vida comum, segundo um modelo mais ou menos utópico, diferente daquele que a sociedade oferece em geral (MANUEL; MANUEL, 1979). Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.35-46, jul./dez. 2009 Segundo Derruau (1982), podemos definir modo de vida como o conjunto de hábitos pelos quais o grupo que os pratica assegura a sua existência. 3 Sobre sustentabilidade, Ruscheinsky (2004, p.20) contribui para um melhor entendimento, afirmando que a princípio a sustentabilidade refere-se à capacidade de um modelo ou sistema sustentar-se na dinâmica evolutiva sem permitir que algum setor aprofunde-se em crises de tal forma que venha a atingir a totalidade. 2 | 37 gás carbônico na atmosfera, entre outros movimentos, ciência e da tecnologia não tem garantido a susten tação da vida no decorrer do tempo. como a RIO + 10, na África do Sul em 2002. No mesmo momento histórico, desenvolviam-se novos postulados para a Ciência Econômica, incorporando as principais preocupações trazidas à tona com relação ao meio ambiente, nascendo, pois a Economia Ecológica. Para Alíer (1998, p.268), um dos precursores da Economia Ecológica, ela pode ser definida como: Uma economia que usa os recursos renováveis (água, pesca, lenha e madeira, produção agrícola) com um ritmo que não exceda sua taxa de renovação, e que usa os recursos esgotáveis (petróleo, por exemplo) com um ritmo não superior ao de sua substituição por recursos renováveis (energia fotovoltaica, por exemplo). Uma economia ecológica conserva assim a diversidade biológica, tanto silvestre quanto agrícola. Conforme apontado por Melo (2006, p.111), Georgescu-Roegen (outro precursor da economia ecológica) postula que: As transformações decorrentes das atividades econômicoindustriais resultam em uma entropia crescente, sendo possível se quantificar o aumento da desordem no sistema (entropia). Além disso, indica medidas para diminuir o processo entrópico: Outro pressuposto importante da economia ecoló gica, segundo Melo (2006, p.115), é a análise dos fluxos físicos de energia e de materiais, além de considerarem os preços de mercado (com o devido rigor, uma vez que estes podem esconder relações ecologicamente desiguais), em suas próprias análises. Defendem ainda a participação política, especialmente dos movimentos ambientalistas, para que o mercado (através do sistema geral de preços) assuma os custos ambientais, uma vez que o mercado por si só não o faz. A Comunidade Morada da Paz (CMP), conforme será visto adiante, incorporou em seu planejamento o uso do instrumental econômico-ecológico, previamente elaborando com auxílio de consultoria de arquitetos um plano diretor para o terreno escolhido como sua sede e implantando no dia-a-dia um fluxo sistêmico para minimizar impactos ambientais. 2 O Processo de Constituição da Comunidade Morada da Paz • utilização de processos de reciclagem; • minimização do uso de energia e de materiais; A CMP é uma organização da sociedade civil de • consideração do custo ambiental decorrente de todo o processo de extração, produção e consumo; direito privado, sem fins lucrativos, sem identificação • minimização da produção de dejetos e da poluição. Distrito de Vendinha, no município de Triunfo/RS, com o Várias destas contribuições trazidas pelos economistas ecológicos passaram a ser adotadas pelas comunidades projetadas para a busca de uma relação político partidária, fundada em 2003 na área rural do objetivo de promover a sustentabilidade ambiental como caminho para a busca de uma melhor qualidade de vida. Os objetivos4 da Comunidade Morada da Paz são: • promoção e qualificação educacional; mais equilibrada com a natureza. • desenvolvimento e valorização ambiental; Ainda sobre a economia ecológica, Melo (2006, p.111) afirma que sua abordagem está centrada em • promoção da saúde holística; duas ideias, a saber: • investigação da dinâmica social. 1 limite ao crescimento econômico, visto que os recursos naturais são limitados e escassos; 2 a capacidade suporte não é algo fictício ou hipoté tico, pois a experiência mostra que o “progresso” da 38 | A CMP começou a ser constituída quando um grupo de pessoas oriundas de Porto Alegre/RS/Brasil 4 Extraídos do seu estatuto social. Revista da FAE optou por vivenciar no dia-a-dia uma filosofia que A área adquirida não foi repartida de acordo com o estava sendo construída ao longo de uma trajetória que cada um ofertou para a sua aquisição, e a proposta coletiva de 4 anos (de 1998 a 2002). O modus vivendis de vida desde o início sempre observou o uso comum da CMP inclui a observância de princípios tais como dos recursos materiais e naturais para a construção da a fraternidade, a ética, o respeito, a prática de uma comunidade. Neste sentido, S.J. complementa: alimentação vegetariana, a vontade de viver uma vida plena e integrada à natureza, com simplicidade e de uma forma sustentável. Para tanto, alguns se desfizeram de terrenos e veículos, outros de suas economias, juntaram o que conseguiram arrecadar e realizaram ainda um emprés timo para adquirir uma área de 4,2 hectares numa zona rural distante 52 quilômetros de Porto Alegre, no município de Triunfo/RS, para constituir o que viria a ser a CMP. O local foi escolhido através da pesquisa em um anúncio de classificados e foi aprovada a sua compra pelos membros do grupo após a visita, tendo sido desconsiderada a necessidade de outras pesquisas, pois o sentimento comum era de que o espaço congregava todos os requisitos almejados. Uma moradora da CMP (S.J., 37 anos) assim explana sobre a trajetória de constituição do movimento: A Comunidade Morada da Paz é a resultante do sonho de um grupo de pessoas que no decorrer da sua trajetória compreendeu que era necessário retomar a sua própria força e autoria na construção do mundo desejado. Os integrantes são pessoas que antes de constituí-la conviveram juntos pelo menos quatro anos. Alguns de nós éramos familiares, colegas de trabalho e amigos. Esse período de convivência, que precedeu a CMP, teve como característica a busca por uma compreensão profunda e comprometida do sentido das nossas existências. Assim estabelecemos como rotina estudos e vivências em grupo, que nos conduziram à expansão dessa com preensão. Logo nos determinamos à elaboração de um projeto de ação coletiva, que colocasse o nosso saber a serviço de outras pessoas e comunidades. Os componentes tinham idades diversas (18 a 40 anos), formação educacional distinta (1º grau a mestrado) e ocupação profissional também diversificada. Cada experiência e saber individual são reconhecidos como um universo fundamental de possibilidades para cons tituição desse projeto (trecho retirado de entrevista realizada em junho de 2007). Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.35-46, jul./dez. 2009 O princípio que nos levou a construir o projeto CMP foi o sentido de unidade e coletividade comum a todos. A percepção da necessidade de estarmos juntos para resistir às pressões sociais, econômicas, espirituais,... e para garantir que pudéssemos nos colocar a serviço do outro potencializando nossas capacidades. Compreen demos que os processos de transformação acontecem, invariavelmente, em micro espaços, movidos pela força e crença de quem os constitui (trecho retirado de entrevista realizada em junho de 2007). No início, a CMP foi constituída por 5 famílias, sendo 2 casais com 1 filho cada, de 2 anos na época, 1 casal sem filhos e 2 solteiros, totalizando 10 pessoas. O grupo era formado por jovens, com a média de 31 anos de idade entre os adultos, sendo predominantemente negros. Quanto às profissões, na época, havia duas assistentes sociais, um engenheiro eletricista, um professor, um economista, uma pedagoga, uma técnica em administração e um padeiro/confeiteiro. De lá para cá, aconteceram muitas mudanças quanto ao número de pessoas, tendo ocorrido entradas e saídas, e inclusive a constituição de um núcleo da comunidade em Salvador/BA, na área urbana. Hoje, constituem a CMP, somando os dois núcleos, em Triunfo e em Salvador, 6 famílias, totalizando 14 pessoas. A CMP se mantém através de recursos próprios dos seus moradores que trabalham em serviços externos, doações regulares e eventuais. Não há o apoio do governo ou de empresas através de projetos até este momento. Há um caixa único comunitário constituído pelas entradas através das fontes cita das. A área de planejamento e gestão de recursos delibera com os representantes das demais áreas a aplicação dos recursos para custear as despesas com alimentação, transporte, educação, vestuário, entre outras necessidades. | 39 Embora existissem alguns membros nascidos no interior do estado, nenhum havia experimentado ainda determinação, respeito, receptividade, compreensão, humildade, solidariedade, amorosidade. uma vida rural, sendo eminentemente urbanos, até Os princípios são observados tanto nas relações então. Esta mudança da cidade para o campo, na humanas, quanto na relação com o meio ambiente tentativa de fazer do campo não um lugar de produção, e também na relação com a sociedade (projetos com mas uma opção de residência, preservação ambiental parceiros da rede e com o entorno local). Tais práticas ou mesmo um espaço de lazer, são experiências há demonstram que a economia dentro da CMP está algumas décadas já conhecidas na Europa, como intrinsecamente conectada a aspectos éticos. destaca Carneiro (1998, p.3): Sobre isto, Sen (1999, p.19) contribui afirmando que: Novos valores sustentam a proximidade com a natureza e com a vida no campo. A sociedade fundada na aceleração do ritmo da industrialização passa a ser questionada pela degradação das condições de vida dos grandes centros. O contato com a natureza é, então, realçado por um sistema de valores alternativos, neo-ruralista e antiprodutivista. O ar puro, a simplicidade da vida e a natureza são vistos como elementos “purificadores” do corpo e do espírito poluídos pela sociedade industrial. Em última análise a economia relaciona-se ao estudo da ética e da política, afirmando que o problema da moti vação humana, “Como devemos viver?”, revela uma questão amplamente ética, ressaltando que essa ligação não equivale a afirmar que as pessoas sempre agirão de maneira que elas próprias defendem moralmente, mas apenas a reconhecer que as deliberações éticas não podem ser totalmente irrelevantes para o comporta mento humano real. A CMP vislumbra a perspectiva de uma vida humana integrada com a natureza, de um constante compartilhar, da troca de experiências entre as pessoas, do diálogo sincero e aberto para a construção e da articulação de redes solidárias. Sobre estas questões, Norgaard (1997, p.124) sabiamente complementa: Sendo conscientes de como a lógica econômica tem sido distorcida pelas crenças modernas, podemos pelo menos começar de novo e construir a partir da importância crescente da convicção de que sustentabilidade eco lógica, justiça ambiental, estrutura econômica e cultural global são cruciais para o bem-estar de nossa progênie. No dia-a-dia, há o envolvimento de cada um dos membros da CMP com o todo, compreendendo as dimensões sociais, culturais, políticas e econômicas da vida coletiva. Os processos decisórios para encami nhamentos operacionais das metas e objetivos são realizados através de um conselho gestor. O sentido é integrar cada membro no contexto da comunidade, criando uma identidade e fortalecendo a unidade na diversidade, o propósito do movimento. O sistema de relações na CMP não é cada um ter a sua casa e reproduzir os modus vivendis da civilização moderna, ou seja, cada família fazer as suas próprias compras, preparar apenas para si os alimentos e ter os seus projetos de vida individuais6. 3 Os Sete Princípios para a Sustentabilidade da CMP A vida em comunidade é construída por pessoas. Onde existem pessoas há um fluxo de relações que se estabelece. Para se manter estes movimentos em harmonia é preciso observar alguns princípios5, como 5 Tais princípios estão presentes no estatuto social da Comu nidade Morada da Paz. 40 | 6 Estas observações acabam por revelar aspectos do ethos da vida comunitária na CMP. Geertz (1978, p.143) explica que os aspectos morais (e estéticos) de uma dada cultura, os elementos valorativos, foram resumidos sob o termo ethos, enquanto os aspectos cognitivos, existenciais foram designados pelo termo visão de mundo. O ethos de um povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo moral e estético e sua disposição, é a atitude subjacente em relação a ele mesmo e ao seu mundo que a vida reflete. A visão de mundo que esse povo tem é o quadro que elabora das coisas como elas são na simples realidade, seu conceito da natureza, de si mesmo, da sociedade. Revista da A proposta da CMP vai além, constrói a perspectiva de um projeto coletivo de existência, onde a vivência de cada membro compõe uma peça importante na execução das linhas de ação da comunidade. FAE sistema de representações com delegados eleitos, essas representações somente serão efetivas se os repre sentantes forem diretamente ligados e submetidos ao poder dos seus representados. Bravo (1982, p.23) salienta sobre este aspecto que: A comunidade com seus problemas, suas histórias, deve estar bastante relacionada à vida de cada um e à de todos, como uma coletividade una. E, evidentemente, que a vida comunitária, com seus problemas, sua gente, sua história, suas coisas, enfim, não deve ser apenas admirada ou mesmo “curtida”. Há necessidade de cada comunitário viver a sua comunidade, participando, construindo-a. A identificação, a equação e a solução das dificuldades comuns da comunidade, portanto, devem ser objetivos dos comunitários. E esta atitude somente será conseguida se houver uma participação ativa de cada um e de todos. A gestão da CMP estabelece um equilíbrio de poderes havendo dois conselhos, o curador para zelar pelos seus princípios filosóficos, e o gestor para operacionalizar as demandas administrativas divididas em oito áreas operacionais7. Na estrutura da CMP, há a presença de gestores, responsáveis pelas áreas organizacionais com igual poder de representação legal da CMP frente a terceiros. Ressalta-se considerando estas características o caráter autogestionário8 da CMP. Sobre a autogestão, Singer9 (2002 apud PEREIRA; GUERRA, 2008, p.249) considera que: Torna-se importante, portanto, destacar que a autogestão é, antes de tudo, uma relação sócio-econômica entre os homens, baseada no princípio da distribuição segundo o trabalho e não sobre a base do capital, dos meios de produção. Assim, todas as decisões precisam ser tomadas pelo coletivo. Mesmo quando exista um 4 O Desenvolvimento de Tecnologias Sustentáveis As tecnologias sustentáveis utilizam princípios e técnicas da permacultura. Na CMP, a permacultura auxilia na busca de uma relação mais equilibrada com a natureza, estando presente em várias áreas de atividades. Sobre o conceito de permacultura, Legan afirma o seguinte: (2004, p.13): Permacultura significa cultura permanente. É um siste ma de design para a criação de ambientes produtivos, sustentáveis e ecológicos para que possamos habitar na Terra sem destruir a vida. Este sistema de planejamento holístico trabalha com a natureza pela imitação dos processos naturais, utilizando a sabedoria dos sistemas tradicionais de produção e o conhecimento científico moderno para estabelecer comunidades sustentáveis. O conceito foi desenvolvido nos anos 1970 por dois australianos, David Holmgren e Bill Mollison. Consiste no desenho e manutenção de pequenos ecossistemas produtivos, junto com a integração harmônica do entorno, das pessoas e suas vidas, proporcionando res postas a suas necessidades de uma maneira sustentável. De acordo com Legan (2004), o princípio básico da Permacultura é o de trabalhar “com”, ou “a favor de”, e não “contra” a natureza. Os sistemas permaculturais são Conforme o estatuto social da CMP, suas áreas organi zacionais são as seguintes: organicidade, nutrição, animais, agroecologia, gestão de recursos, projetos, documentação e relações exteriores. 8 Segundo Carvalho (1995 apud PEREIRA; GUERRA, 2008, p.249), autogestão pode ser definida como um modelo de organização em que o relacionamento e as atividades econômicas combinam propriedade e (ou) controle efetivo dos meios de produção com participação democrática de gestão. 9 SINGER, P. Introdução à economia solidária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002. 7 Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.35-46, jul./dez. 2009 construídos para durar tanto quanto seja possível, com um mínimo de cuidado. Os sistemas são tipicamente energizados pelo sol, vento e a água, produzindo o suficiente tanto para sua própria necessidade, como para a dos humanos que o criam e controlam. Desta maneira, o sistema é sustentável. A CMP conta com captação de água da chuva em cis ternas, reciclagem de matéria orgânica em composteiras, | 41 práticas agroecológicas, sanitários compostáveis, reaproveitamento da água cinza do banheiro e bioconstruções, procurando articular de uma forma sinérgica o uso destas tecnologias de forma a minimizar o nível de entropia provocado pela ocupação humana no terreno. Pelo seu próprio caráter de buscar a utilização de materiais recicláveis em suas construções e equi pamentos, muitos dos empreendimentos em comu nidades têm um processo artesanal na sua elaboração, assim como na agricultura ecológica que é praticada, o que demanda mais mão de obra. O resultado da produção e do conhecimento construído pode ser tro cado e com o tempo a comunidade pode ministrar cursos a pessoas interessadas, aproveitando o know-how adquirido para gerar recursos. A CMP tem adotado estas práticas com êxito. faz com que nos seja possível aplicar uma compreensão unificada da vida não só aos fenômenos materiais, mas também aos que decorrem do campo dos significados. A idéia central dessa concepção sistêmica e unificada da vida é a de que o seu padrão básico de organização é a rede. Em todos os níveis de vida – desde as redes metabólicas dentro das células até as teias alimentares dos ecossistemas e as redes de comunicação da socie dade humana – os componentes dos sistemas vivos se interligam sob a forma de rede. Em particular, na era da informação, as funções processos sociais organizam-se cada vez mais em torno de redes. Quer se trate de grandes empresas no mercado financeiro, dos meios de comunicação ou das novas ONG’s globais, constatamos que a organização em rede tornou-se um fenômeno social importante e uma fonte crítica de poder. As redes são movimentos chaves para a susten tabilidade, e a união de forças com certeza contribuirá Os projetos sócioeducativoambientais visam para uma relação mais harmoniosa do homem com a disseminar os princípios e o propósito da CMP através natureza e do homem com o próprio homem, na medida de oficinas de educação ambiental, oficinas de bio em que poderão ser reciclados vários materiais, ideias construção, jornadas solidárias temáticas, seminários, e ações ao se promover intercâmbios, economizando saraus poéticos, atividades lúdico-pedagógicas, entre energias. A organização em rede reduz a dependência outros movimentos. do sistema hegemônico, através da troca e do com O público alvo abrange crianças, jovens, adultos e idosos. Os objetivos destes projetos são estimular a percepção ambiental, despertar a consciência ecológica, resgatar a autoestima, potencializar a criatividade e a alegria de viver junto a este público, pois um ser humano em harmonia contribui para um mundo mais sustentável. 5 Rede de Envolvimento Solidário As redes de contatos e parcerias são fenômenos característicos deste novo século, potencializados pelo desenvolvimento dos meios de comunicação, mais especificamente a Internet. 42 | partilhamento de produtos, saberes e serviços. Neste sentido, Mance (2008, p.1) complementa: As Redes de Colaboração Solidária são fundamentadas em um sistema de produção onde não pode haver exploração nem dominação dos trabalhadores, com equilíbrio nos processos, com uso de insumos produzi dos de forma ecologicamente correta, e com partilha dos excedentes, havendo reinvestimento e formação de novas redes. “A ideia é remontar cadeias produtivas, fazendo com que saiamos do labirinto capitalista, criando outra economia”. Ressalte-se ainda o caráter empreendedor das comunidades construídas a partir de projetos coletivos, agregando pessoas e organizações voltadas a práticas sustentáveis, estruturadas a partir da gestão social dos Segundo Capra (2002, p.267): seus objetivos, constituindo-se em peças importantes A análise dos sistemas vivos em função de 4 perspectivas interligadas – forma, matéria, processo e significado – na criação e manutenção de redes. Sobre esse aspecto, Pereira e Guerra (2008, p.247) consideram que: Revista da O campo da gestão social reflete as práticas e o co nhecimento construído interdisciplinarmente. Como as ações mobilizadoras partem de múltiplas origens e têm muitas direções, as dimensões praxiológica e epistemoló gica estão entrelaçadas. Aprende-se com as práticas e o conhecimento se organiza para amparar a prática. Ainda sobre gestão social, Fischer10 (2002 apud PEREIRA; GUERRA, 2008, p.249) complementa afirmando que: O campo da gestão social é um campo de gestão conceituado como interorganizações, ou seja, organi zações dentro de organizações que mantêm relações articuladas entre si. As interorganizações são constituídas por possuírem propósitos comuns. A CMP começou a estruturar uma rede, denominada Rede de Envolvimento Solidário (RES) a partir de sua fun- FAE Considerações Finais A sustentabilidade em suas múltiplas dimensões pressupõe a ação consciente dos indivíduos para que as conexões necessárias ao seu processo efetivamente ocorram, garantindo desta forma um “equilíbrio”, dentro de um contexto dinâmico. Desde a prática de ações simples até projetos mais complexos passam necessariamente pela mudança de consciência, tanto em nível micro (indivíduos) quanto em nível macro (empresas, países, ongs), o que por sua vez implica na incorporação de princípios éticos e ações altruístas no dia a dia, nas formas de pensar, sentir e agir. A questão da sustentabilidade está intrinsecamente ligada a estes aspectos. dação, em 2003, através de seminários temáticos, oficinas A crise ambiental é antes de tudo uma crise de e atividades artísticas dentro e fora da sua sede, e continua valores, que com o passar do tempo foram sendo a agregar pessoas que desejem compartilhar dos mesmos esquecidos, relegados a um plano secundário na vida, à princípios e ações que por ela são desenvolvidos. medida que ganhava força no mundo o desenvolvimento As observações realizadas sobre estas atividades permitem apontar que ao mesmo tempo em que se empreendem ações através de movimentos solidários, novos conhecimentos são construídos coletivamente, revelando uma face criativa e inovadora dos projetos baseados em gestão social. A este respeito, Martinho (2004, p.86) refere que: A rede é portanto, um espaço de relacionamento e, como tal, promove a interação entre os participantes. Tal interação representa, como é lógico afirmar, comunicação intensa. Mas, mais do que isso, implica a ocorrência de uma série vasta de influências recíprocas. No rela cionamento, assim como na prática da comunicação, o que há é uma profunda troca de fluxos formadores e reguladores, na qual uns vão construindo, moldando alterando impressões, ideias, visões de mundo, valores e projetos dos outros e vice-versa. Esse ambiente de troca e auto-regulação coletiva, baseado na comunicação, faz de uma coleção de elementos díspares um grupo, um todo orgânico, uma comunidade. de um padrão de dominação e a desvalorização de práticas solidárias. A visão de mundo que daí emergiu centrava-se na ordem técnica-racional, rompendo-se a reverência ao sagrado e às tradições e crenças baseadas no equilíbrio das relações com a natureza e o cosmos. Um mundo sustentável necessariamente precisa de indivíduos com mais clareza e consciência da sua importância e do seu papel neste tempo planetário, para que haja uma unidade de forças capazes de provocar uma mudança de consciência objetivando melhorar as condições de vida ao redor do mundo. Para se transcender padrões e comportamentos viciados no sistema hegemônico dominante e promover uma mudança na sua mentalidade e na forma de se relacionar com a natureza, consigo mesmo e com seus semelhantes é necessário antes de tudo muita determinação, sobretudo para se reconhecer como uma possibilidade de transformação. Respeitar as diferentes verdades que existem em 10 FISCHER, T. Elaboração de trabalho acadêmico. Salvador: Universidade Corporativa Banco do Brasil, 2006. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.35-46, jul./dez. 2009 diferentes mundos também é um fator fundamental nesta mudança de consciência. | 43 Estar receptivo para perceber-se e perceber os diversos seres que nos cercam, sem dúvida é uma prerrogativa valiosa. do movimento da CMP e integra todas as forças e princípios que a compõe. O modo de vida da CMP expressa esta essência que Compreender é igualmente estratégico para evi guia os objetivos e os projetos de vida de seus membros, tar julgamentos apressados e perceber que o seu comprometidos não com sua autorrealização, mas movimento não é único. transcendendo a isso, com a preocupação em servir à Humildade, uma das virtudes mais desafiantes a vida, ao planeta, ao universo, honrando os princípios do serem alcançadas, a qual remete a aprender com quem movimento. A unidade expressa, pois, esta conexão com sabe mais que você, compartilhar com quem sabe tanto o todo (cosmos), remetendo a uma visão holística da como você e ensinar pelo exemplo a quem ainda não existência e a um sentido de pertencimento ao universo. caminhou tanto como você é indispensável para a A unidade potencializa a noção de comprometi transformação se refletir em ações. mento e a responsabilidade com o zelo do próximo e de Solidariedade, a síntese de todas as virtudes citadas todos os seres, favorecendo a sustentabilidade de uma anteriormente, pois para ser solidário (e sustentável) é forma multidimensional, ou seja, nas relações humanas, preciso determinação, respeito, receptividade, com nas relações com a natureza, na construção de projetos, preensão e amor. entre outros movimentos. Amar, pois para zelar e cuidar da natureza, dos Por isso é tão importante compreender a unidade nossos semelhantes e de nós mesmos é fundamental e a CMP, uma comunidade que têm como propósito a mais do que entender racionalmente a importância unidade, pode contribuir com a sociedade neste aspecto disso. É condição sine qua non amar incondicional ao tornar mais clara nas suas atividades a verdadeira mente a vida. face desta virtude que deve ser compreendida em seu A CMP norteia-se segundo estes princípios, tendo significado mais profundo pelo ser humano para que alcançado êxito em seus projetos e ações pela busca ele viva mais consciente de zelar e proteger o que aqui de soluções simples e criativas para responder às habita junto consigo, guiado por princípios altruístas e questões mais essenciais da vida no planeta como os ações éticas e sustentáveis. relacionamentos, a alimentação, a educação, a habi A CMP, muito mais que um espaço geográfico, é tação, o uso de fontes de energia, fazendo o uso uma filosofia de vida, podendo ser comparada a uma de saberes e técnicas ancestrais conjugados com árvore, onde as raízes são representadas pelos princípios, tecnologias desenvolvidas recentemente. o tronco pela unidade (propósito), e as ramificações são Tais experiências requerem acima de tudo, segundo as ações e os projetos construídos pelo movimento. seus membros, a crença nos princípios e no propósito As observações realizadas sobre o modo de vida da comunidade para buscar a sustentabilidade nas da CMP remetem a acreditar na sua possibilidade relações que desenvolve internamente, com o meio de intensificar a geração e difusão de tecnologias ambiente e com a sociedade, as quais são expressas no sustentáveis, para o seu entorno local e regional, poten seu modo de vida. cializando a articulação com o poder público e outros A unidade dos princípios sustenta o modo de atores sociais (empresas e ongs) para a disseminação de vida da CMP, possibilitando que tanto as ações mais projetos, visando à sustentabilidade nas suas áreas de simples quanto os projetos mais elaborados se tornem ações, além de fomentar o desenvolvimento de redes e operacionais em suas diferentes etapas. A unidade de solidariedade, congregando escolas, universidades e (compreendendo a diversidade) sintetiza o propósito voluntários interessados. 44 | Revista da FAE As suas práticas e ações podem ser replicáveis, Por último, mas não menos importante, foi cons adaptando-se a outros assentamentos humanos, mes tatado a partir do estudo realizado, que o modo de mo em áreas urbanas, podendo trazer contribuições vida da CMP mostrou-se sustentável na medida em que importantes, que se não resolverem todas as desarmo seus princípios nortearam as suas ações, nas relações nias da vida moderna (nem são essas as suas pretensões), entre seus componentes, na realização dos projetos podem dar pistas para a melhoria da qualidade de vida sócioeducativoambientais, no desenvolvimento de tecno e o bem-estar no planeta. Esta pesquisa desenvolvida na CMP aponta a possibilidade do desenvolvimento de investigações semelhantes em outras comunidades sustentáveis, a logias sustentáveis e inclusive nas ações com a Rede de Envolvimento Solidário, demonstrando que é possível o resgate de uma integração entre ética, economia e meio ambiente a partir de uma comunidade. fim de que sejam buscadas novas experiências, tracemse paralelos entre elas e desta forma potencializem-se as alternativas para um viver ético e sustentável no século XXI. •Recebido em: 17/08/2009 •Aprovado em: 26/10/2009 Referências ALÍER, J. M. Da economia ecológica ao ecologismo popular. Blumenau: FURB, 1998. BRAVO, L. Trabalhando com a comunidade. 3.ed. Rio de Janeiro: Anaconda Cultural, 1982. CAPRA, F. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. São Paulo: Cultrix, 2002. ______. Sabedoria incomum: conversas com pessoas notáveis. São Paulo: Cultrix, 1988. CARNEIRO, M. J. Ruralidade: novas identidades em construção. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v.11, p.53-75, out. 1998. Disponível em: <http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/brasil/cpda/estudos/onze/zeze11.htm>. Acesso em: 05 jun. 2007. CLAVAL, P. Geografia cultural. Florianópolis: UFSC, 1999. DERRUAU, M. Geografia humana. Lisboa: Presença, 1982. FERNÁNDEZ DURÁN, R. La necesidade de alternativas al capitalismo global. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v.2, n.1, p.18-31, jan./mar. 2001. GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. LEGAN, L. A escola sustentável: eco-alfabetizando pelo ambiente. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo; Pirenópolis: Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado, 2004. MANCE, E. A. Redes solidárias são contrapontos ao sistema globalizado. Disponível em: <http://www.agirazul.com.br/ fsm4/_fsm00000080.htm>. Acesso em: 30 abr. 2008. MANUEL, F. E., MANUEL, F. P. Utopian thought in the western world. Boston: Harvard University Press, 1979. MARTINHO, C. Redes: uma introdução às dinâmicas da conectividade e da auto-organização. Brasília: WWF Brasil, 2004. MELO, M. M. Capitalismo versus sustentabilidade: o desafio de uma nova ética ambiental. Florianópolis: UFSC, 2006. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.35-46, jul./dez. 2009 | 45 NOORGARD, R. Economicismo, ambientalismo e economia ecológica. Revista ANPEC, Brasília, n.1, p.105-128, 1997. PEREIRA, J. R.; GUERRA, A. C. Gestão de incubadoras tecnológicas de cooperativas populares: uma análise comparativa. In: CANÇADO, A. C. et al. (Orgs.). Os desafios da formação em gestão social. Palmas, TO: Nesol, Universidade Federal de Tocantins, 2008. p.240-260. (Coleção ENAPEGS, v.2). RUSCHEINSKY, A. No conflito das interpretações: o enredo da sustentabilidade. In: ______. (Org.). Sustentabilidade: uma paixão em movimento. Porto Alegre: Sulina, 2004. SANTOS JUNIOR., S. J. Ecovilas e comunidades intencionais: ética e sustentabilidade no viver contemporâneo. In: ENCONTRO DA ANPPAS, 3., 2006, Brasília. Anais... Brasília, 2006. 1 CD-ROM. SEN, A. Sobre ética e economia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. 46 | Revista da FAE Estratégia de Produção: foco, aprendizagem e sua relação com a execução da estratégia de negócios Operations strategy: focus, learning and their relation to business strategy execution José Vicente Bandeira de Mello Cordeiro* Resumo O conceito de estratégia de produção ainda encontra grandes dificuldades de aceitação no meio empresarial. Grande parte desta dificuldade parece dever-se ao conflito potencial existente entre a priorização de objetivos de desempenho na produção e as abordagens voltadas à melhoria do desempenho operacional, como as técnicas de manufatura enxuta. Este artigo busca mostrar, por meio de um estudo de caso em uma empresa do setor de autopeças na Região Metropolitana de Curitiba, que o foco e as abordagens de melhoria contínua baseadas na aprendizagem não são conflitantes e sim complementares. Para que tal complementaridade ocorra, é necessário considerar a estratégia de produção como englobando estes dois componentes, o primeiro sendo fundamental para a entrega do valor proposto atual aos clientes (e a consequente execução da estratégia de negócios), e o segundo como crucial para o desenvolvimento de novas propostas de valor que garantam a sobrevivência da organização no longo prazo, tendo em vista as mudanças contextuais. Palavras-chave: estratégia de produção; posicionamento estratégico; inovação estratégica; foco; aprendizagem. Abstract The concept of operations strategy still finds great difficulties of acceptance among corporations. This difficulty seems to have its cause in the potential conflict between the need for focusing on the objective of performance in operations and the managerial approaches emphasizing operational efficiency, like Lean Manufacturing techniques. This article seeks to show that the need for focusing in operations management and continuous improvement approaches based on operational learning are not conflicting but complementary. To accomplish this goal a case study was conducted in an auto parts manufacturing company, located in the metropolitan area of Curitiba. The study showed that these two organizational issues can only be complementary if considered as components of an unique Operations Strategy, the first one being crucial for delivering current customer value (and the consequent business-oriented execution of the strategy) and the latter absolutely necessary to develop new value proposals for the clients (creating strategic innovations) that guarantee the survival of the organization in the long term, in view of the contextual changes. Keywords: operations strategy; strategic positioning; strategic innovation; focus; learning. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.47-59, jul./dez. 2009 * Doutor em Engenharia de Produção (UFSC). Coordenador do Curso de Graduação em Engenharia de Produção e dos Cursos de Pós-Graduação em Gestão da Produção, Gestão de Projetos e Logística Empresarial da FAE Centro Universitário, onde leciona disciplinas nas áreas de Gestão Estratégica e Gestão de Operações. Sócio-diretor da área de Gestão Estratégica de Operações da BRAIN Assessoria Empresarial. E-mail: [email protected] / [email protected] | 47 Introdução desempenho que contribuam para a consecução das metas de mercado de curto e médio prazo (1-2 anos) As décadas de 1990 e 2000 marcaram a ascensão de duas novas abordagens no que se refere à gestão das organizações. Por um lado, muitas organizações vêm e também uma abordagem de melhoria com base no aprendizado que viabilize o desenvolvimento de novas estratégias de negócios no futuro. assumindo que seus problemas estratégicos devem-se à Para atingir tal objetivo, o tópico dois apresenta dificuldade de implementação das estratégias. Este fato o conceito de estratégia de negócios, sob uma pers tem contribuído para popularizar sobremaneira técnicas pectiva de proposta de valor, enfatizando a impor focadas no alinhamento da organização com a estratégia tância do posicionamento e da renovação do negócio. de negócios, como o Balanced Scorecard (BSC). Por outro Em seguida, o tópico três apresenta o conceito de lado, o sucesso da Toyota na área de operações e suas Estratégia de Produção, destacando as questões do consequências relacionadas à hegemonia da companhia foco e da aprendizagem. O tópico quatro, por sua no setor automobilístico mundial têm motivado a difusão vez, apresenta um estudo de caso da aplicação prática dos conceitos de manufatura enxuta por todo o mundo dos conceitos em uma empresa fabricante de compo ocidental. Em virtude da popularidade alcançada por estas nentes automotivos na Região Metropolitana de abordagens, são comuns os casos de empresas que adotam Curitiba (RMC). Por fim, o tópico cinco conclui e faz ambas simultaneamente, com o intuito de melhorar seu recomendações para trabalhos futuros. desempenho de operações, de mercado e financeiro. Entretanto, alguns trabalhos recentes, como os de Hayes et al. (2008), Corrêa e Corrêa (2004), Slack (2005) e Cordeiro (2007) vêm tratando de enfatizar a existência de conflitos potenciais entre estas abordagens quando os fundamentos de cada uma delas não são compreendidos em sua plenitude pelas organizações que as adotam. As causas prováveis para estes conflitos, segundo estes autores, poderiam ser resumidas em: i) adoção da abordagem da produção enxuta com 1 Estratégia de negócios Este tópico apresenta inicialmente conceitos amplos de estratégia, bem como a questão da hierarquia estratégica, para em seguida aprofundar o conceito de estratégia de negócios, subdividindo-o em proposta de valor e inovação estratégica. base no Sistema Toyota de Produção (STP), enfatizando técnicas desenvolvidas no âmbito de estratégias de excelência operacional na produção de bens duráveis, mesmo quando o contexto da empresa em questão é 1.1 Conceitos de estratégia e hierarquia estratégica bastante diferente e o desdobramento dos objetivos O conceito de estratégia vem sofrendo muitas alte de mercado deveria implicar em focos distintos para rações desde que passou a ser amplamente utilizado na a área de operações e ii) crença de que a adoção das gestão das organizações, a partir da década de 1960. técnicas do STP ou similares é suficiente para melhorar Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) apresentam uma o desempenho das operações em várias dimensões definição que abrange os conceitos mais populares ao simultaneamente em um prazo reduzido, evitando me longo das últimas décadas, incluindo cinco diferentes didas estratégicas que impliquem em trade-offs. conceitos, iniciados pela letra “p” em inglês, a saber: Este artigo pretende mostrar que o papel estra pattern, plan, position, perspective e ploy (padrão, tégico da produção deve incluir o foco em objetivos de plano, posição, perspectiva e truque, respectivamente). 48 | Revista da FAE A estratégia pode ser definida como um plano evidente o conceito de “posição”. Ambos os conceitos quando trata do caminho que a empresa pretende parecem estar presentes no nível das estratégias seguir para atingir seus objetivos organizacionais no funcionais, que dizem respeito à forma pela qual cada futuro. Por outro lado, quando se observa os caminhos uma das áreas funcionais da empresa deverá contribuir de ação efetivamente trilhados pelas organizações em para a execução da estratégia do negócio. um determinado período de tempo, pode-se definir a estratégia como sendo um conjunto de padrões de ação passados. De forma análoga, a estratégia é vista como uma posição quando o foco de sua definição é externo, ou seja, enfatizam-se as características dos produtos oferecidos pela empresa aos clientes de um determinado segmento de mercado, bem como a característica dos clientes deste segmento. Por outro lado, a estratégia é vista como uma perspectiva quando sua definição enfatiza aspectos internos da organização, como o seu portfólio de competências e sua cultura organizacional, constituindo algo como o seu “jeito de fazer as coisas”. 1.2 Posicionamento estratégico e propostas de valor Para Markides (2002), as organizações devem possuir um posicionamento estratégico para cada seg mento de mercado atendido. Cada posicionamento estratégico deve conter a resposta a três questões: a) “quem são os clientes alvo?”; b) “quais produtos e serviços serão oferecidos para atender a necessidade destes clientes?” e c) “como fornecer os produtos e serviços aos clientes?”. De acordo com Kotler (1999), o posicionamento estratégico deve representar a Mintzberg e Quinn (2001) argumentam que as forma pela qual a empresa pretende maximizar o valor posições podem, de forma geral, ser alteradas por líquido entregue aos clientes do segmento de mercado meio de planos, desde que se mantenha a perspectiva; em questão, diferenciando-se dos seus concorrentes. mas as perspectivas são extremamente difíceis de De acordo com o autor, esta proposta de valor pode serem alteradas, consistindo num padrão de ação ser dividida em posicionamento amplo (que vincula da empresa que costuma permanecer estável com o o posicionamento à perspectiva) e posicionamento passar do tempo. específico. Os conceitos de “posição e perspectiva” também Entre as diversas abordagens para o posiciona possuem relação com a hierarquia estratégica. Slack mento amplo, destaca-se a de Treacy e Wiersema et al. (2002) definem três níveis nos quais ocorrem (1995), que definem três diferentes propostas decisões estratégicas, a saber: i) corporativo; ii) do amplas de valor, a saber: a) Excelência Operacional, negócio e iii) funcional. O nível corporativo é aquele enfatizando operações de alto desempenho de que abrange todos os negócios nos quais a organização entrega e alta conformidade; b) Liderança de Produto, atua, sendo caracterizado pelas decisões de alocação de focada na introdução frequente de produtos de alto recursos aos diferentes negócios e a gestão da inter- desempenho; e c) Intimidade com o Cliente, enfa relação entre estes, o que faz com que o conceito de tizando as necessidades específicas dos clientes e “perspectiva” esteja mais fortemente presente neste propondo soluções completas para atendê-las. nível. Por outro lado, a estratégia no nível de negócios Uma forma de representar o posicionamento espe pode ser caracterizada principalmente pelas decisões cífico é por meio do conceito de “fatores competitivos”. relacionadas à definição de qual o perfil dos clientes que De acordo com Hill (1993), os fatores competitivos a empresa pretende atender e que produtos (pacotes de devem refletir a importância atribuída pelos clientes bens e serviços) a mesma irá oferecer-lhes, ficando mais de um determinado segmento de mercado a diferentes Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.47-59, jul./dez. 2009 | 49 dimensões de desempenho, como preço, qualidade, coloca esta novidade a serviço do atendimento de prazo de entrega e grau de customização. Cordeiro necessidades dos clientes nos mais diversos mercados (2007) destaca que o posicionamento específico deve (BROWN et al., 2005). ser representado pela combinação da importância dos Já Tidd, Bessant e Pavitt (2008) definem quatro diferentes fatores competitivos e a descrição do pacote diferentes categorias de inovação, relacionadas ao de produtos e serviços oferecidos pela empresa no objeto da mudança, a saber: a) inovação de produto; segmento de mercado em questão. b) inovação de processo; c) inovação de posição e A definição do grau de importância dos diferentes d) inovação de paradigma. fatores competitivos para os clientes de um determinado Uma inovação exclusivamente de posição seria segmento exige sua classificação prévia em três grupos, aquela na qual um único produto passa a ser utilizado a saber: a) fatores “ganhadores de pedidos”, ou seja, por clientes diferentes e em mercados diferentes, cons aqueles nos quais quanto melhor o desempenho da tituindo um posicionamento inteiramente novo sem organização, mais os clientes irão escolher seus pro mudanças na especificação do produto ou do processo. dutos, e consequentemente nos quais ela deve buscar Este seria o caso das sandálias Havaianas, que de melhorar seu desempenho de forma contínua; b) fatores “qualificadores”, ou seja, aqueles nos quais a empresa deve manter seu desempenho acima de determinado nível, sob pena de seus clientes a deixarem de fora do rol de opções de escolha e c) fatores pouco importantes, ou seja, aqueles que não exercem influência significativa na escolha do fornecedor (HILL, 1993). calçado de baixo preço e alta durabilidade, oferecido para pessoas de baixa renda no Brasil, ganhou uma conotação fashion e passou a ser oferecido por um preço bastante elevado para públicos de alta renda em mercados tão exigentes como o norte-americano. Por outro lado, uma inovação de paradigma seria uma mudança nos modelos mentais subjacentes que norteiam o que a empresa faz, sendo as linhas aéreas 1.3 Inovação estratégica de baixo custo um exemplo da mesma. É importante ressaltar que uma inovação de produto ou de processo, De forma geral, a inovação estratégica consiste dependendo de sua profundidade, pode provocar mu na capacidade de uma empresa em desenvolver novos danças no posicionamento, bem como no nível de posicionamentos estratégicos. Assim, inovar de forma paradigma da organização e mesmo de um setor como estratégica diz respeito não apenas ao desenvolvimento um todo. de novos produtos e processos, mas principalmente ao desenvolvimento de novas propostas de valor (HAMEL, 2002; MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000). Tidd, Bessant e Pavitt (2008) também definem um continuum de diferentes graus de mudança das inovações. Em um dos extremos do continuum, a Moreira e Queiroz (2007) apontam inicialmente três inovação incremental ocorreria quando a organização tipos de inovação, a saber: a) inovações no produto, que passa a fazer melhor as mesmas coisas que já fazia pode ser um bem, um serviço ou um pacote de bens e (um produto, um processo produtivo, um processo serviços; b) inovações no processo produtivo e c) inovações gerencial ou administrativo). Ampliando o grau de organizacionais, que envolvem mudanças nas interações mudança envolvido, uma empresa pode desenvolver formais entre as pessoas no âmbito da organização. um produto ou um processo inteiramente novo, sem Com relação às inovações de produto e processo, é que este represente uma inovação para o seu mercado. importante diferenciar inovação de invenção. Enquanto Neste caso, tem-se uma inovação do tipo “novo para a invenção traz à existência uma novidade, a inovação a empresa”, no qual os conceitos envolvidos já são 50 | Revista da FAE conhecidos do setor ou mercado de atuação. No outro encaixar em pelo menos uma das seguintes alternativas: extremo da escala, encontram-se as inovações radicais, a) redefinir clientes potenciais, como no caso da Canon nas quais o novo produto ou processo pode ser uma na década de 1970, ao lançar uma copiadora de menor novidade para o setor de atuação da empresa no país parte para escritórios; b) reformular os conceitos de ou até mesmo em diversos setores em escala global. valor para o cliente, como no caso da IBM na década de Os autores ainda pontuam que estas inovações 1990, passando da venda de hardware e software para podem ocorrer no nível de componentes ou no nível o fornecimento de soluções completas em infraestrutura de sistemas. Assim, um exemplo de inovação incre de TI; e c) redesenho total da cadeia de valor, como no mental no nível de componente seria as melhorias caso da Dell na década de 1980. de desempenho do sistema de refrigeração de um Kim e Mauborgne (2004) caracterizam as inovações motor ou em uma etapa específica do processo de estratégicas como “estratégias de oceano azul”, quando pintura, melhorando a qualidade e reduzindo o custo a lógica de geração de valor do setor no qual atua a da mesma. No nível de sistema, isso poderia significar empresa é revertida em favor da mesma. O oposto destas uma nova versão de um motor ou de um automóvel seria as “estratégias de oceano vermelho”, quando (TIDD; BESSANT; PAVITT, 2008). o posicionamento é definido tendo como premissa a Um ponto enfatizado por Bessant (2003) e Tidd, Bessant e Pavitt (2008) diz respeito à dinâmica das inovações radicais. Segundo estes autores, as inovações radicais (breakthroughs) emergem normalmente de longos períodos de desenvolvimentos incrementais. Assim, na grande maioria das vezes, fazer inovações incrementais ou radicais não diz respeito a uma opção da organização, e sim à profundidade do envolvimento dos atores no processo e ao desenvolvimento cumulativo do conhecimento. lógica atual de forças do setor, sendo o vermelho uma alusão ao sangue proveniente da intensa competição por market share. Os autores pontuam que muitas inovações incrementais de produtos, processos e de negócios (que só se constituem em novidades para a própria empresa) simultâneas podem, quando integradas, produzir inovações estratégicas radicais (novidades para todo um setor), alterando a lógica de agregação de valor de um setor, como foi o caso da Southwest ao criar o conceito de companhia área de baixo custo. Para Hamel (2002), qualquer dos tipos de ino vação apresentados (de produto, processo, posição, paradigma, tecnológicas ou organizacionais) pode se 2 Estratégia de produção converter em uma inovação estratégica, desde que sejam capazes de reinventar o modelo do seu setor de atuação, Para Corrêa e Corrêa (2004), a estratégia de criando novo valor para seus clientes. Correlacionando produção pode ser definida como um padrão global esta definição com as anteriores, tratar-se-ia de uma de decisões estratégicas da área de operações, visando novidade no nível do setor no modelo de Tidd, Bessant aumentar a competitividade sustentada da empresa e Pavitt (2008) e Bessant (2003), constituindo uma por meio da organização de seus recursos e da inovação radical. criação e manutenção de competências relacionadas Segundo Govindarajan e Trimble (2006), as inova ções estratégicas abrangem inovações de produtos ou a um determinado composto de características de desempenho ao longo do futuro. processos, mas somente seriam caracterizadas como Historicamente, o conceito de estratégia de pro tal quando envolverem modelos de negócios novos e dução esteve muito fortemente relacionado à questão totalmente não comprovados. Para isso, teriam de se do foco da área de operações, em virtude da existência Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.47-59, jul./dez. 2009 | 51 de trade-offs de desempenho. No entanto, o sucesso priorizar o desempenho em custo e confiabilidade em internacional de muitas empresas japonesas a partir suas operações, ao passo em que os negócios que ga- do final da década de 1970, exibindo desempenho nham pedido com base na oferta de produtos inovado- superior à concorrência em custo, qualidade, rapidez res de alto desempenho devem ter áreas de operações e flexibilidade, fez com que muitos começassem a focadas na melhoria do desempenho em flexibilidade questionar a necessidade dos trade-offs. Este questio de produto, por exemplo. namento ganhou força com a popularização das Cordeiro (2007) propõe um critério para a hierar ferramentas da Gestão da Qualidade Total, a partir da quização de prioridades de desempenho da produção década de 1980, e dos conceitos de Lean Manufacturing, no qual seriam definidos como prioritários, em ordem na década de 1990 (CORRÊA; CORRÊA, 2004). de importância: a) os objetivos ligados aos fatores com- Entretanto, para Hayes et al. (2008) e Corrêa e petitivos “ganhadores de pedido” que possuam lacunas Corrêa (2004), estas abordagens não contradizem os de desempenho, ou seja, cuja importância atribuída pe- conceitos de trade-off e de estratégia de produção, e los clientes é proporcionalmente maior que o desem- sim os complementa. Para estes autores, a estratégia penho corrente da empresa avaliado com relação aos de produção teria dois componentes: a) a definição de concorrentes (quanto maior a lacuna, maior a priorida- prioridades de desempenho e suas consequências para de); b) os objetivos de desempenho ligados a fatores as decisões estruturais e infraestruturais (comparadas à competitivos “qualificadores” que também apresentem elevação de um dos lados de uma gangorra, quando a lacunas de desempenho e c) os objetivos de desempe- melhoria de desempenho em uma ou mais dimensões nho ligados aos fatores competitivos “ganhadores de está associada a uma deterioração do desempenho em pedido” que não apresentem lacunas. outras); e b) a definição de uma abordagem de melhoria Hayes et al. (2008), Slack (2002) e Corrêa e Corrêa focada no aprendizado operacional (comparada à (2004) explicam que a prioridade de objetivos de desem- elevação do pivô da gangorra, viabilizando melhorias penho se manifesta por meio de decisões estruturais e de desempenho simultâneas em várias dimensões). infraestruturais e também nas metas dos indicadores de desempenho da área de produção. Segundo Cordeiro 2.1 Prioridades de desempenho para a área (2007), a existência de metas ousadas com prazo de até um ano em indicadores relacionados a vários objetivos de operações – entregando o valor de desempenho distintos praticamente condena a área proposto atual de produção à não consecução de seus objetivos. Slack et al. (2002) apresentam cinco objetivos de desempenho básicos para a área de produção, a saber: 2.2 Aprendizagem Operacional e a) qualidade; b) rapidez; c) confiabilidade; d) flexibili- Inovações de Alto Envolvimento – dade e e) custo. Para estes autores, as prioridades de High Involvement Innovation (HII) – desempenho da área de operações devem estar ligadas capacitando-se para implementar ao posicionamento estratégico pretendido pelo negócio novas propostas de valor no seu mercado de atuação e à capacidade atual que este tem de executá-lo. Este posicionamento seria re- Durante muito tempo, foram comuns as afirma- presentado pelos fatores competitivos “ganhadores de ções relacionadas ao fraco desempenho das empresas pedido” e “qualificadores” para os clientes-alvo da em- japonesas no que se refere à estratégia. Porter (1996) presa. Assim, negócios que ganham pedido com base chegou a afirmar que as empresas japonesas não possuíam em preços competitivos e entregas confiáveis devem estratégia, e sim um forte desempenho em termos de 52 | Revista da FAE “eficácia operacional”, que não permitiria as mesmas da Qualidade Total (TQM), em seguida a Lean obter uma posição distintiva no mercado. Como contra- Manufacturing e, mais recentemente, o Sistema Toyota ponto, Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) afirmaram de Produção (STP). Entretanto, para Nonaka e Takeushi que, se a estratégia é o meio pelo qual as organizações (1997) e Fleury e Fleury (1997), o que diferencia a buscam atingir seus objetivos, o sucesso das empresas abordagem japonesa da ocidental é justamente o japonesas deveriam fazê-las serem vistas como exem- envolvimento do nível operacional na resolução de plos para a gestão estratégica e não o contrário. En- problemas em uma escala progressiva, resultando em tretanto, se as estratégias das mesmas não possuíam o inovações de processo, produto e organizacionais, e foco explícito em posicionamento defendido por Porter, o que estaria por trás do seu sucesso? A resposta para esta questão possui raízes histó ricas e culturais. Enquanto o planejamento estratégico começava a ser desenvolvido na década de 1960 nas empresas ocidentais, fazendo com que os ideais tayloristas de separação entre “pensar” e “fazer” se expandis- não as técnicas utilizadas, que em última análise são semelhantes às utilizadas à época de Ford. Bessant (2003) define as Inovações de Alto Envolvimento – High Involvement Innovation (HII) como toda inovação de produto, processo ou orga nizacional que tem sua origem na contribuição do pessoal operacional na resolução de problemas. Ele sem do chão da fábrica até às decisões estratégicas, os as distingue das inovações realizadas por “inovadores japoneses “importavam” os métodos da administração especialistas”, normalmente funcionários de alta qua científica e os adaptavam à sua realidade contextual. Na lificação que atuam em equipes na área de P&D. prática, estes métodos eram aplicados pelos próprios Assim, muitas empresas gastam vultosos recursos na operadores, em atividades de pequenos grupos, pro- contratação, capacitação e desenvolvimento de equipes duzindo melhoria do desempenho de seus processos. de especialistas e esquecem que “com cada par de Essa aparente “contramão” fez com que os conceitos mãos contratado para área operacional se ganha um de estratégia nas empresas japonesas se consolidassem cérebro de graça” (Bessant, 2003, p.33). Para o autor, de forma muito distinta do ocidente. abordagens como a TQM, a Lean Manufacturing, Enquanto no ocidente o foco da gestão estraté gica era a formulação minuciosa da estratégia por o STP e até mesmo as “Learning Organizations”, caracterizar-se-iam como variações da HII. analistas junto à diretoria e seu posterior desdo De acordo com Corrêa e Corrêa (2004), as HII bramento top-down detalhado para que as diversas estariam relacionadas às melhorias de desempenho nas gerências pudessem executá-la, no Japão a ênfase se quais os trade-offs podem ser superados. Este tipo de dava no delineamento das linhas gerais da estratégia melhoria é caracterizado como sendo do tipo “atuar pela diretoria, deixando que os detalhes de implemen- sobre o pivô da gangorra” ao invés de atuar sobre um tação emergissem nas diversas gerências, a partir do de seus lados (o que produziria os trade-offs). aprendizado operacional. É importante notar que esta Fleury e Fleury (1997) pontuam que quanto mais abordagem parece ser a mais indicada para os am- profunda e fundamental for a causa identificada para bientes nos quais a complexidade e a velocidade das um determinado problema, maiores as chances de que mudanças são elevadas; justamente o tipo de contexto o seu bloqueio produza uma verdadeira inovação. São que passou a predominar nas últimas duas décadas as soluções mais inovadoras que têm a capacidade de, (MINTZBERG et al., 2000; NONAKA; TAKEUSHI, 1997). contrariando os pressupostos vigentes sobre como as Mais tarde, as técnicas japonesas foram trazidas coisas são e como melhorá-las, permitir que a necessi para o ocidente como algo novo, constituindo verda dade de trade-offs seja transcendida. É importante deiros modismos de gestão. Inicialmente foi a Gestão frisar que as competências desenvolvidas pela área Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.47-59, jul./dez. 2009 | 53 de operações em virtude do aprendizado operacional Bessant (2003) define cinco diferentes níveis de HII, permitem frequentemente o desenvolvimento de novos a saber: i) “precursora”, caracterizada pela existência de posicionamentos específicos para o negócio, mas não melhorias “naturais”; ii) “estruturada”, fundamentada necessariamente um novo posicionamento amplo ou em tentativas formais de criação e sustentação das uma nova perspectiva, o que exigiria que estas fossem inovações; iii) “orientada para resultados”, caracterizada aplicadas em uma nova unidade de negócios, separada pelo alinhamento das iniciativas de melhoria com as da original, ainda em seu estágio de desenvolvimento metas e objetivos da empresa; iv) “proativa”, ou seja, (Govindarajan; Trimble, 2006). dirigida pelos próprios indivíduos e equipes de trabalho Segundo Corrêa e Corrêa (2004), Nonaka e Takeushi do nível operacional e v) “alta capacidade de inovação”, (1997) e Bessant (2003), a capacidade de identificação quando a HII é a cultura dominante na organização e das causas fundamentais para os problemas encontrados representa o ‘jeito de fazer as coisas’ da mesma. na área de operações depende da incorporação de Ainda de acordo com Bessant (2003), o nível 1 conhecimentos tácitos, que não podem ser explicitados caracteriza-se pela percepção da existência de melhorias por meio da linguagem e, por este motivo, exigem a ocasionais feitas pelo pessoal operacional nas diversas presença de operadores nas equipes de melhoria. áreas e pela decisão de patrocinar iniciativas piloto de Para viabilizar a participação do nível operacional resolução de problemas de forma estruturada. O nível 2 na geração de ideias, contribuindo para o sucesso pode ser caracterizado pela existência de uma estrutura de um programa de HII, algumas características são formal, constituída por grupos de facilitadores, uma necessárias, em maior ou menor grau: i) existência de abordagem de resolução de problemas, programas uma equipe de projeto da HII, formada por facilitadores, de treinamentos, organização do pessoal em equipes cujo papel evolui desde o treinamento inicial no uso de e sistemas de tratamento de sugestões das equipes, ferramentas de melhoria de equipes piloto até o suporte reconhecimento e recompensa e comunicação. O nível 3 à expansão do programa HII para toda a organização e é caracterizado pela existência de alinhamento entre as a manutenção da qualificação e motivação das equipes; iniciativas de melhoria conduzidas pelas equipes (ainda ii) uma abordagem para identificação e resolução de funcionais, em sua maioria) e as metas estratégicas problemas, utilizada no âmbito de equipes de melhoria; da organização (o equivalente ao desdobramento das iii) treinamento intensivo nas ferramentas que constam diretrizes no TQM ou a vinculação de iniciativas de da abordagem para resolução de problemas, bem como melhoria ao BSC). nos aspectos tecnológicos dos processos produtivos No nível 4, as equipes de melhoria são predo com os quais a equipe está envolvida; iv) um sistema minantemente inter-funcionais, e são frequentes as de gestão de ideias, que garanta que as boas sugestões mudanças estratégicas no nível de negócios, com o dos grupos sejam implementadas; v) um sistema de desenvolvimento de novas propostas de valor a partir recompensa que forneça feedback e alguma forma de das HII. A mudança do nível 3 para o 4 marca o início premiação para as equipes que gerem inovações; vi) um da capacidade de fazer inovações do tipo “fazer sistema de comunicação que compartilhe as melhores diferente” ao invés de apenas “fazer melhor”, dando práticas das equipes e permita que o conhecimento origem a fluxos de mudança bottom-up que resultam produzido em uma das equipes seja utilizado pelas em mudanças estratégicas do tipo “de dentro para demais e vii) uma estrutura organizacional que permita fora”. Por fim, o nível 5 se caracteriza pela expansão das que a informações e decisões fluam entre as equipes equipes HII para além das fronteiras organizacionais, de melhoria, destas para o restante da empresa e envolvendo os demais elos da cadeia produtiva, como vice-versa (BESSANT, 2003; FLEURY; FLEURY, 1997). fornecedores e clientes (BESSANT, 2003). 54 | Revista da 3 Estudo de caso: empresa alfa FAE proporcionar vantagem crucial junto aos clientes, grau 2 quando o mesmo gerar vantagem importante, Este tópico está divido em duas partes, sendo que a primeira contém a metodologia do trabalho e a apresentação da empresa Alfa e a segunda os resultados obtidos no estudo de caso. sendo sempre considerado pelos clientes e 3 quando o mesmo proporcionar vantagem útil para a maioria dos clientes; b) para os fatores qualificadores, foi atribuído grau 4 quando o desempenho do mesmo precisasse estar ligeiramente acima da média do setor, grau 5 quando pudesse estar em torno da média do setor e 6 3.1 Metodologia e apresentação da empresa quando pudesse ser ligeiramente inferior à média dos concorrentes; e c) para os fatores pouco importantes, O presente trabalho delineia-se como um estudo foram definidos os graus 7, 8 e 9, mas os mesmos não de caso, e trata da aplicação do conceito de estratégia foram atribuídos a nenhum dos fatores identificados de produção proposto neste artigo na Empresa Alfa, pelos executivos. localizada na Região Metropolitana de Curitiba (RMC). A Alfa possui três unidades de negócio distintas: i) produção de “Manuais do Usuário” e outros im pressos para empresas montadoras de veículos e de eletrodomésticos; ii) produção de impressos diversos e prestação de serviços gráficos sob demanda e iii) montagem e distribuição de componentes automotivos. Este trabalho tem como unidade de análise a produção de manuais para montadoras de veículos e fabricantes de eletrodomésticos. Para o desempenho da empresa com relação à concorrência nos fatores competitivos levantados foram atribuídas as seguintes pontuações, ainda com base em Slack (2002): a) para os fatores nos quais o desempenho da empresa era melhor que o da concorrência foi atribuído grau 1 quando este fosse sempre muito melhor que o do melhor concorrente, grau 2 quando este fosse sempre claramente melhor que o do melhor concorrente e 3 quando este fosse sempre ligeiramente melhor que o do melhor concorrente; b) para os fatores O estudo, realizado ao longo do 1º semestre nos quais a empresa desempenhava de forma similar de 2007, compreendeu duas fases distintas, sendo à concorrência, foi atribuído 4 quando o mesmo fosse a primeira focada na definição das prioridades de ligeiramente melhor que o melhor concorrente em desempenho para a área de produção (foco) e a segun algumas ocasiões, 5 quando este estivesse no mesmo da enfatizando a questão da aprendizagem e das HII. nível da maioria dos concorrentes e 6 quando estivesse Inicialmente, foram identificados os fatores competitivos frequentemente a uma curta distância da concorrência; mais relevantes para os clientes da unidade de análise, e c) para os fatores nos quais a empresa fosse sempre sendo em seguida definidos seu grau de importância e pior que a concorrência foram definidos os graus 7, 8 seu desempenho relativo. Os dados foram levantados e 9, que também acabaram não sendo utilizados, uma por meio da realização de um grupo de foco, constituído vez que preferiu-se trabalhar apenas com os fatores pelos três principais executivos da empresa (dois diretores importantes para os clientes. e o gerente geral), os gerentes de operações e de vendas A partir deste ponto, foi montada uma matriz e mais três supervisores das áreas de produção, logística importância-desempenho para a estratégia de negócios e relacionamento com clientes. da unidade de análise, sendo definidas as prioridades Para o grau de importância, as pontuações foram competitivas para a área de produção em termos de atribuídas com base em Slack (2002), de acordo com a objetivos de desempenho, comparando as mesmas seguinte classificação: a) para os fatores ganhadores de com os indicadores e metas existentes na empresa e pedido, foi atribuído grau igual a 1 quando o mesmo propondo medidas de alinhamento. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.47-59, jul./dez. 2009 | 55 A segunda fase envolveu um diagnóstico do Com base nos resultados da matriz, foram defi programa de melhoria de desempenho com base na nidas ações estratégicas “de fora para dentro” visando aprendizagem operacional, que na Alfa ocorre sob o preenchimento das lacunas. Desta forma, o custo o rótulo de “Gestão da Qualidade” (TQM), seguido (em função do preço), a rapidez e a confiabilidade de sugestões para o aprimoramento do mesmo. A (em função da conveniência e da confiabilidade da mesma teve como procedimentos para coleta de entrega) foram definidos como objetivos de desem dados: a) entrevistas com a diretora responsável pelo penho prioritários. programa e com alguns dos principais colaboradores envolvidos nos trabalhos de melhoria e b) análise FIGURA 01 - MATRIZ IMPORTÂNCIA-DESEMPENHO PARA A EMPRESA ALFA de documentos, como “relatórios de tratamento de 1 melhorias”, entre outros. 3.2 Resultados A figura 1 apresenta a matriz importânciadesempenho da Alfa. O grupo de foco identificou nove fatores competitivos de elevada importância, sendo três “ganhadores de pedido” (conveniência, atendimento e confiabilidade da entrega) e seis “qualificadores” (preço, customização, qualidade, habilidade de mudar prazo de entrega, flexibilidade de negociação e capacidade de desenvolvimento de novos produtos), caracterizando uma proposta ampla de valor intermediária entre a excelência operacional e a intimidade com o cliente. Desempenho em relação a concorrência não-conformidades”, “relatório de implantação de Melhor que 2 Flexibil. Negocia. 3 Conveniência Habil. CustaMudar mização prazo 4 Igual a Atendimento Qualidade 5 Confiabilidade Entrega 6 Desenv. Novos Produtos 7 Pior que Preço 8 9 9 8 7 6 Menos importante 5 4 Qualificador 3 2 1 Ganhador de pedido Importância para os clientes FONTE: Adaptado de Slack (2002) Os fatores posicionados abaixo da diagonal amarela Uma análise nos indicadores de desempenho da apresentam desempenho inferior à importância atri empresa mostrou que as metas dos mesmos estavam buída pelos clientes. Quanto maior a distância do fator adequadas às prioridades definidas, com os indicadores à diagonal, maior sua lacuna de desempenho. Por outro de custo, rapidez e confiabilidade sendo os que possuíam lado, fatores que se encontram acima da diagonal apre metas mais ousadas. Entretanto, ficou clara a dificuldade sentam sobra de desempenho. Observando a figura 1, da empresa em alcançá-las, uma vez que os resultados percebe-se que as maiores lacunas de desempenho se estavam bem abaixo do pretendido. Avaliando as encontram nos fatores “preço”, “confiabilidade da entrega” possíveis causas para este fato junto ao grupo de e “conveniência para os clientes”, sendo todas críticas em foco, constatou-se que a empresa buscava melhorias função de tratar-se de fatores “ganhadores de pedido” somente com base nas ações de melhoria contínua do ou “qualificadores” com alta exigência de desempenho. programa TQM, sendo inexistentes medidas estruturais Além destas, verificam-se pequenas lacunas no desem e infraestruturais voltadas à melhoria do desempenho penho de alguns “qualificadores”, como “qualidade” e nestas dimensões. Como sugestão, propôs-se a adoção “desenvolvimento de novos produtos”. de medidas nas áreas de sistemas de planejamento e 56 | Revista da FAE controle da produção (implementação de planilha MRP, permitiram à Alfa executar melhor sua proposta de valor entre outras), potencialmente capazes de reduzir custos (inovações do tipo “fazer melhor”), ou até mesmo fazer com estoques e lead-times, bem como aumentar a pequenas mudanças no seu posicionamento estratégico confiabilidade da entrega. Estas medidas implicariam (inovações do tipo “fazer diferente”), mas não foram em trade-offs e deveriam provocar uma redução do suficientes para mudar a lógica de agregação de valor desempenho na habilidade para mudar o prazo de do setor. Este fato, entre outros, permitiu classificar o entrega e na flexibilidade de negociação, fatores que programa de HII da Alfa como estando entre os níveis 2 apresentavam sobra de desempenho, fato que não prejudicaria a satisfação dos clientes. O diagnóstico relacionado à aprendizagem organi zacional e às HII evidenciou que o programa de TQM da Alfa havia dado origem a algumas inovações importantes ao longo dos seus seis anos de existência. A principal e 3 da classificação de Bessant (2003). Com base nestas constatações, foram feitas as seguintes sugestões para que o programa de TQM da Alfa possa se consolidar como uma iniciativa de HII de nível 3 e preparar o caminho em direção ao nível 4: delas foi a criação de um sistema de gestão de estoques a)constituição de uma equipe de projeto de HII de material em processo semelhante ao kanban, em (no momento da realização deste trabalho a resposta aos seguidos problemas de perda de tempo na mesma era formada apenas por um dos dire- montagem dos manuais. A grande diferença do sistema tores), incluindo mais duas pessoas na coor- desenvolvido para o kanban era sua lógica “empurrada”, denação do programa, uma para ser respon- ao invés da abordagem “puxada”. sável pelo registro operacional das atividades De acordo com a abordagem desenvolvida, a partir e outra para treinar os membros das equipes da saída do programa mestre de produção (PMP) para na abordagem de identificação e resolução de a semana seguinte, eram emitidas e sequenciadas as problemas; ordens de produção apenas para a impressora. Após a b)definição de um mapa de competências impressão de um lote, o mesmo era colocado em um necessárias para o pessoal operacional, com contêiner e todos os processos subsequentes eram a posterior inclusão de treinamento técnico “empurrados” utilizando a sinalização de um cartão na matriz do programa de TQM (foi percebido colocado em um painel, que tinha em anexo a ordem de que faltava conhecimento técnico aos opera- serviço que detalhava a sequência posterior de operações com seus respectivos lead-times padrão, procedimentos operacionais, datas prometidas e quantidades. Este sistema permitia aos operadores dos postos subsequentes sequenciar o restante do processo de acordo com as datas devidas e os lead-times, aumen tando a rapidez e a confiabilidade do processo, dimi nuindo os problemas de qualidade e os custos com retrabalho e estocagem, bem como a complexidade dores e supervisores); c)definição de um padrão de sistema para a gestão das ideias de melhoria provenientes das equipes, incluindo um sistema de comunicação (as ideias geradas eram tratadas de forma pontual, sendo que muitas vezes não era dado feedback às equipes com relação às razões para à implementação ou não das mesmas); e da atividade de programação. A inovação em questão, d)extensão da remuneração variável a todo o assim como a grande maioria das HII identificadas na pessoal do nível operacional, vinculando os Alfa, foram inovações de processo do tipo “novo para bônus financeiros aos resultados dos trabalhos a empresa”. Desta forma, pode-se concluir que as HII de identificação e resolução de problemas. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.47-59, jul./dez. 2009 | 57 Considerações finais seus clientes, apesar de estarem ao menos parcialmente alinhadas com a estratégia de negócios pretendida. As- A compreensão do papel estratégico da área de operações está diretamente relacionada à capacidade de sobrevivência das organizações no longo prazo. Este artigo mostrou que a adoção isolada de ferramentas de melhoria de desempenho, vendidas como panaceias gerenciais, não deve substituir a necessidade de alinhar sim, foram sugeridas medidas estruturais para que as lacunas de desempenho percebidas pelos clientes fossem preenchidas, sendo que os efeitos de trade-offs previstos não afetariam a percepção de satisfação dos clientes, em virtude de estarem relacionados a fatores competitivos com “sobra” de desempenho. as operações com a estratégia de negócios. Tal alinha- Ainda no caso da Empresa Alfa, ficou claro que a mento relaciona-se diretamente à busca de foco sobre continuidade e o aprimoramento das ações do progra- as dimensões de desempenho que contribuem mais di- ma de HII, embora não devessem ser suficientes para retamente para a entrega do valor proposto ao cliente, preencher as diversas lacunas de desempenho atuais e reconhecendo a existência de trade-offs. (fato que exigiria as medidas estruturais propostas), são Entretanto, somente o foco nos objetivos de desempenho prioritários não é suficiente para garantir a competitividade futura, uma vez que as taxas de mudanças verificadas hoje em dia na maioria dos mer- fundamentais para que a área de operações da empresa possa contribuir com o desenvolvimento de novas propostas de valor no futuro, garantindo sua competitividade no longo prazo. cados fazem com que propostas de valor e posicio- Como sugestão de trabalhos futuros, recomenda-se namentos vencedores tendam a deixar de sê-los em a realização de estudos quantitativos, buscando rela- um breve espaço de tempo. Assim, torna-se necessário cionar a adoção de diferentes programas de HII com os complementar o papel estratégico da produção com resultados obtidos em termos de inovação e melhoria o desenvolvimento de novas competências por meio de desempenho, buscando identificar os fatores críticos da aprendizagem no nível operacional. Esta aprendi- de sucesso da aprendizagem operacional em diferentes zagem, quando conduzida de forma adequada, dá contextos organizacionais. origem a inovações de alto envolvimento (HII), que habilitam a área de produção a implementar novas propostas de valor que garantirão a competitividade da organização no longo prazo. No caso da Empresa Alfa, foi possível perceber que as ações de melhoria desenvolvidas pelo pessoal de nível operacional no âmbito de seu programa de HII não eram suficientes para atender às exigências dos 58 | •Recebido em: 14/08/2009 •Aprovado em: 29/10/2009 Revista da FAE Referências BESSANT, J. High involvement innovation: building and sustaining competitive advantage through continuous change. West Sussex: J. Willey, 2003. BROWN, S. et al. Administração da produção e operações: um enfoque estratégico na manufatura e nos serviços. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. CORDEIRO, J. V. B. M. Indicadores de desempenho em operações: um estudo de caso em um fabricante de bens intermediários. IN: SIMPÓSIO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 14., 2007, Bauru. Anais... Bauru: UNESP, 2007. 1 CD-ROM. CORRÊA, H. L.; CORRÊA, C. A. Administração da produção e operações: manufatura e serviços – uma abordagem estratégica. São Paulo: Atlas, 2004. FLEURY, A.; FLEURY, M. T. L. Aprendizagem e inovação organizacional: as experiências de Japão,Coréia e Brasil. 2.ed. São Paulo: Atlas, 1997. GOVINDARAJAN, V.; TRIMBLE, C. Os 10 mandamentos da inovação estratégica: do conceito à implementação. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. HAMEL, G. Inovação estratégica e busca do valor. In: COSUMANO, M.; MARKIDES, C. (Org.) Pensamento estratégico. Rio de Janeiro: Campus, 2002. p.181-195. HAYES, R. et al. Produção, estratégia e tecnologia: em busca da vantagem competitiva. Porto Alegre: Bookman, 2008. HILL, T. Manufacturing strategy. London: Macmillan, 1993. KIM, W. C.; MAUBORGNE, R. Blue ocean strategy. Harvard Business Review, Boston, v.82, n.10, p.76-85, Oct. 2004. KOTLER, P. Marketing para o século XXI: como criar, conquistar e dominar mercados. São Paulo: Futura, 1999. MARKIDES, C. En la estrategia esta el éxito: guia para formular estratégias revolucionarias. Bogotá: Editorial Norma, 2002. MOREIRA, D. A.; QUEIROZ, A. C. S. Inovação organizacional e tecnológica. São Paulo: Thomson Learning, 2007. MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.; LAMPEL, J. Safári de estratégia. Porto Alegre: Bookman, 2000. MINTZBERG, H.; QUINN, J. B. O Processo da estratégia. Porto Alegre: Bookman, 2001. NONAKA, I.; TAKEUSHI, H. Criação do conhecimento na empresa. Rio de Janeiro: Campus, 1997. PORTER, M. E. What is strategy? Harvard Business Review, Boston, v.74, n.6, p.61-77, Nov./Dec. 1996. SLACK, N. Operations strategy: will it ever realize its potential? Revista Gestão e Produção, São Carlos, v.12, n.3, p.323-332, dez. 2005. SLACK, N. Vantagem competitiva em manufatura. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002. SLACK, N. et al. Administração da produção. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002. TIDD, J.; BESSANT, J.; PAVITT, K. Gestão da inovação. Porto Alegre: Bookman, 2008. TREACY, M.; WIERSEMA, F. A disciplina dos líderes de mercado. Rio de Janeiro: Rocco, 1995. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.47-59, jul./dez. 2009 | 59 Revista da FAE Descrição do processo produtivo da carne orgânica: pontos fortes e pontos fracos Description of the production process of organic meat: strong points and weak points Resumo Diego Gilberto Ferber Pineyrua* Anaglis Lucati** Este artigo foi realizado com o intuito de contribuir com a divulgação do processo produtivo da pecuária orgânica. O problema estudado está relacionado com a falta de conhecimento por parte dos consumidores e criadores da produção da carne orgânica, o que a torna pouco comercializada. Foi utilizado o método exploratório em fontes bibliográficas. O processo produtivo da pecuária orgânica apresenta como vantagem a sua forma de manejo ambientalmente justo e socialmente correto, proporcionando um alimento de alta qualidade, livre de agentes químicos para o consumidor. Um dos pontos fortes da pecuária orgânica é a sua certificação, um selo de qualidade que oferece procedimentos e padrões básicos aos criadores, que devem ser rigorosamente respeitados e seguidos. Como fator negativo é a falta de informações claras que enfraquece os conceitos de produtos orgânicos junto aos consumidores, e muitos deles ainda não sabem o que é a carne orgânica e como é a sua produção. Palavras-chave: pecuária orgânica; alimento orgânico; sistema produtivo orgânico. Abstract This article aims at contributing to the production process of organic cattle raising disclose. The analyzed problem is related to the lack of knowledge by a significant number of consumers and organic meat producers, therefore this kind of meat less marketable than expected. An exploratory method of bibliographic sources was used. The production process of organic cattle raising has an advantage in its way of handling the environment in a fair and socially correct manner, providing a chemical-free, high quality food for the consumer. One of the main points of organic cattle rising is its seal of approval, which acknowledges the quality and offers to cattle ranchers the basic procedures, which must be rigorously observed and followed. The lack of clear information is a negative factor that diminishes organic products’ reputation with consumers, and a great deal of them still doesn’t know what organic meat is or how it is produced. Keywords: organic cattle raising; organic food; organic production system. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.61-72, jul./dez. 2009 * Doutorando em Administração (Universidad de la Empresa – UDE/Uruguay). Professor de Marketing de Varejo e Teoria Organizacional da Fundação Educacional e Cultural de Santa Fé do Sul – FUNEC. E-mail: [email protected] ** Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Secretária. E-mail: anaglis_ms@ hotmail.com | 61 Introdução sustentável, precisam, além de abranger a eficiência ecológica, reduzir o uso de agroquímicos, energia, A pecuária bovina de corte vem sofrendo trans formações do reflexo da globalização da economia e água e promover a conservação de recursos naturais e da biodiversidade. das modificações do comportamento da sociedade, Aparentemente, ambos os sistemas parecem seme que passando por vários níveis de transformação e lhantes à primeira vista. Muitas pessoas não sabem da absorção de conhecimento, vem ditando novas regras existência da pecuária bovina de corte orgânica como de comportamento. uma opção de consumo para a mesa do consumidor Demandas por mais e melhores serviços, além da consciência das pessoas quanto à ecologia e à impor brasileiro. A oferta pode ser, por enquanto, escassa, mas ela existe. tância atribuída à saúde física e ao bem estar, aumentam A importância atribuída a este artigo deve-se o interesse pelos fatores relacionados com a qualidade ao fato de que, em tempos atuais, e cada vez mais, e a segurança dos alimentos consumidos. os consumidores estão tornando-se gradativamente A crescente importância por parte da segurança dos mais exigentes, principalmente quando o produto alimentos e a conservação ambiental em todo o mundo adquirido para seu consumo trata-se de um item de fazem com que a produção da carne orgânica ocupe uma sua alimentação, como a carne bovina, neste caso, posição de destaque no mercado internacional, surgindo item de grande valor para o consumidor brasileiro e como uma forma alternativa de um sistema de produção internacional, o que permite que haja questionamentos que oferece um produto livre de resíduos químicos, sobre sua qualidade, discussões sobre sua procedência capaz de proporcionar ao consumidor final a garantia de e ainda, a observação dos reflexos que seu consumo proteção ambiental. Diante destas novas tendências, é poderá trazer à saúde do ser humano. possivel destacar que a pecuária de corte passa por uma A produção de carne bovina alimenta a economia nova fase, a qual deixa o sistema comum dividido em de várias regiões do país, o que desperta o interesse dois sistemas diferentes: o sistema produtivo da pecuária pelo estudo da pecuária bovina de corte orgânica e bovina de corte convencional e o sistema produtivo da do seu processo produtivo e, consequentemente, sua pecuária bovina de corte orgânica. comercialização, o que torna o estudo oportuno, devido à Nesse contexto, de acordo com Camargo (2004), a possibilidade de este produto vir a tornar-se uma grande produção de alimentos saudáveis, que utilizam tecnologia vantagem competitiva no mercado interno e externo, pois, limpa, como a agricultura orgânica, conquistou intenso o sistema produtivo da pecuária orgânica destaca-se por impulso em todas as partes do mundo, movimentando possuir características de uma atividade economicamente o mercado internacional. A Federação Internacional de viável, socialmente justa e ambientalmente correta, Movimentos da Agricultura Orgânica (Ifoam) é a entidade características estas que podem fazer a diferença em um responsável pela elaboração das normas básicas de mercado rigorosamente competitivo. certificação de todas as correntes de agricultura orgânica A agropecuária orgânica faz parte de um amplo e no mundo. Segundo os mesmos, tal atividade de variado conjunto de técnicas e práticas rurais, que são regulamentação começou com a intenção de afastar os adaptáveis conforme a realidade local e de acordo com agentes econômicos oportunistas, que viram a agricultura os princípios sociais, biológicos e ecológicos, buscando orgânica como uma nova oportunidade de lucro. sempre respeitar o bem estar de seus elementos de Segundo Aligleri, Aligleri e Kruglianskas (2009) para as práticas agrícolas serem focadas no desenvolvimento 62 | origem vegetal, animal, do homem e da reciclagem de seus recursos naturais (CARRIJO; ROCHA, 2002). Revista da Este artigo tem como objetivo geral descrever o sistema produtivo da pecuária bovina de corte orgânica identificando suas características e seus pontos fortes e fracos. FAE tema foi realizada conforme informações levantadas sobre a pecuária bovina orgânica. A pesquisa via Internet foi utilizada, pois, con forme afirma Mattar Neto (2005), a pesquisa na Segundo Santos (2005), o sistema de produção Internet é uma fonte de levantamento de dados da pecuária de corte orgânico baseia-se numa visão e informações – desde que se avaliem as formas de holística, dentro de princípios de agroecossistemas sus acesso e as fontes das informações obtidas, e oferece tentáveis, cujo enfoque principal engloba dois compo alguns recursos de busca sobre tópicos atuais que seria nentes essenciais: o ambiental e o social, objetivando difícil ou impossível encontrar em bibliotecas, como é uma produção que mantenha o equilíbrio ecológico dos no caso da pecuária orgânica. agroecossistemas e com a satisfação, direta ou indireta, das necessidades humanas. De posse do material bibliográfico tido como suficiente, de acordo com Gil (1991), passa-se à sua Diante do exposto, o problema de pesquisa que leitura. O método de leitura exploratória foi aplicado este artigo visa investigar está relacionado com o neste artigo, para o qual foi realizada uma leitura rápida processo produtivo da pecuária orgânica, ou seja, o do material levantado, com o objetivo de verificar em conhecimento do processo produtivo por parte dos que medida a obra consultada interessa à pesquisa. Após consumidores e dos pecuaristas potenciais poderá a leitura exploratória, foi realizada a leitura seletiva, que aumentar o consumo e a produção da carne orgânica? se procede à sua seleção. É a fase em que se determina o material que de fato interessa à pesquisa, sendo esta leitura mais profunda em comparação com a leitura 1 Metodologia A metodologia aplicada neste artigo esteve volta da através da pesquisa exploratória, a qual visa prover o pesquisador de maior conhecimento sobre o tema ou problema de pesquisa em perspectiva. A pesquisa exploratória pode ser utilizada para familiarizar e elevar o conhecimento e compreensão de um problema de anterior. Após a leitura seletiva, foi realizada a leitura analítica do material selecionado, na qual foram ordenadas as informações contidas nas fontes, passando por quatro fases distintas, conforme indi cado por Gil (1991): a)leitura integral da obra ou do texto selecionado, para se ter uma visão do todo; pesquisa em perspectiva, além de auxiliar e desenvolver b)identificação das ideias chaves ao longo do texto, a formulação mais precisa do problema em questão e selecionando os parágrafos mais significativos, de auxiliar na determinação de variáveis relevantes a serem forma a identificar as ideias mais importantes; consideradas na pesquisa. Um dos métodos da pesquisa c)hierarquização das ideias após a identificação exploratória é o levantamento de dados em fontes se das mais importantes, organizando-as por cundárias, que compreendem os levantamentos biblio ordem de importância, distinguindo as ideias gráficos e documentais (MATTAR, 1996). principais das secundárias; Conforme Gil (1991), a pesquisa exploratória d)sintetização das ideias, última etapa do pro possui um planejamento bastante flexível, de modo que cesso da leitura analítica, quando foi recom possibilita a consideração dos mais variados aspectos posto o todo pela análise, eliminando os relativos ao fato estudado, envolvendo inclusive o assuntos secundários e fixando-se nos assuntos levantamento bibliográfico. A pesquisa referente ao essenciais. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.61-72, jul./dez. 2009 | 63 2 Revisão bibliográfica No Brasil, a produção orgânica iniciou-se na década de 1970, porém o seu aumento se deu a partir do início 2.1 Origem da pecuária orgânica Os casos de crise sanitária e de “vaca louca” na Europa, nos anos 2000 e 2001, ajudaram o Brasil a triplicar as exportações de carne. Todavia, a pressão externa induz os pecuaristas a criarem gado de forma mais “ecológica”: o boi verde e orgânico. Carrijo e Rocha (2002) afirmam que os alimentos orgânicos têm sido mundialmente procurados, por agregarem qualidade aos produtos e oferecerem dos anos 1980, e a partir daí, em 1999, a Instrução Normativa (IN) nº 7 (Anexo A), do Ministério da Agricul tura estabeleceu normas de produção, certificação e orientação ao órgão colegiado. O Brasil cultiva cerca de 275.576 hectares em 14.866 propriedades, tendo em média 19 hectares por propriedade, sendo o 3º na América Latina, atrás da Argentina que vem em 1º com 3.192.000 hectares, e do Uruguai que vem em 2º, com 678.481 hectares de áreas orgânicas cultivadas (CAMARGO, 2004). segurança à saúde dos consumidores, reduzindo-lhes a Camargo (2004) estima que da área cultivada elevada incerteza sobre contaminações por substâncias sob manejo orgânico no Brasil, de acordo com estudo tóxicas, cancerígenas ou que possam prejudicar a de Ormond et al. (2002), cerca de 158.000 hectares saúde humana ou animal. O sistema de certificação são voltados para a agricultura e 119.000 hectares desempenha um papel fundamental na formação para pastagens, na criação de animais. A maior parte dessa importante imagem mercadológica, com base na da produção orgânica brasileira, 80%, encontra-se rastreabilidade e regras internacionais. Um grupo ainda nos estados do Sul e Sudeste, em torno de 85% da pequeno de produtores dedica-se a estas atividades, por produção orgânica brasileira é exportada, sobretudo isso a produção de produtos orgânicos não consegue para a Europa, Estados Unidos e Japão, e o restante, ainda suprir todo o mercado consumidor. Para a produção orgânica, deve-se limitar o máximo possível o uso de insumos artificiais, e racionalizar ao máximo a utilização dos insumos naturais como: sol, chuva, vento, marés, luas, nitrogênio, oxigênio e outros elementos que a natureza fornece com dispêndios energéticos muito menores. Para produzir organicamente é necessário observar a natureza, respeitá-la de forma a receber o que ela pode oferecer e retornar a ela o que necessitar, tornando uma constante busca de modos mais naturais e inteligentes de produzir (CARRIJO; ROCHA, 2002). 15%, é distribuído no mercado interno. Segundo Carrijo e Rocha (2002), a produção de alimentos orgânicos, tanto vegetais como animal, no Brasil, segue diretrizes definidas pela Ifoam e pelo regulamento da Comunidade Européia (CE). Estas diretrizes são atacadas e executadas por certificadoras de produtos orgânicos e biodinâmicos mundialmente aceitos, com capacidade de acompanhar seus pro cessos de produção e certificá-los, submetendo-os a sistemáticas auditorias propostas pela Ifoam e outras entidades acreditadoras de atuação internacional. Um fator importante que determinou a criação da O diagnóstico do ambiente institucional na pro pecuária orgânica foi a busca da redução do metano dução, processamento e distribuição de alimentos emitido na atmosfera pelos rebanhos. Pesquisadores da orgânicos, no Brasil, caracteriza-se pelas ações de orga Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) nizações governamentais e não-governamentais no que constataram uma redução no volume de gases emitidos diz respeito à difusão do conhecimento, fornecimento na atmosfera e uma diminuição do consumo de água de recursos financeiros, regulamentação do mercado, pelos animais, substituindo parte da proteína consumida reconhecimento dos atributos convencionais e o papel pelo gado por suplementos nas rações. dos consumidores (CAMARGO, 2004). 64 | Revista da Está começando a despontar a pecuária orgânica em áreas extensivas, com destaque para os estados de FAE voltadas para as formas de produção, processamento e comercialização. Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. Camargo (2004) De acordo com Luchiari Filho (2006), quando se enfatiza as informações do Instituto Biodinâmico (IBD), trata de carnes, o termo qualidade é definido com os o qual é considerado uma das grandes certificadores nacionais, a que, em todo o país, o total de bovinos em conversão ao manejo orgânico chega a 600.000 animais. Se esses dados se confirmarem, a área em manejo orgânico no Brasil poderá aumentar em proporções semelhantes a de países como Argentina, Austrália e vários países da Europa. O número crescente de produtores orgânicos no Brasil está dividido em dois grupos: pequenos pro dutores familiares que fazem parte de associações e grupos de movimentos sociais, representando 90% do total de agricultores, responsáveis por cerca de 70% da produção orgânica brasileira; e os grandes produtores empresariais, que totalizam cerca de 10%, e estão ligados a empresas privadas. A produção de origem animal ainda está sendo pouco explorada, devido ao problema de falta de matéria-prima orgânica e por ainda possuir legislação inadequada (CAMARGO, 2004). Segundo Mamede (2000), a produção de produtos orgânicos, tanto os grãos, quanto as carnes, ainda é considerada pequena, se comparada aos produtos não orgânicos. Porém, considera-se um mercado em pleno crescimento, pois o volume de negócios, em 2000, foi de aproximadamente US$ 23,5 bilhões no mundo, sendo US$ 10 bilhões somente nos EUA, US$10,5 bilhões na Europa, US$ 2 bilhões no Japão e cerca de US$ 1 bilhão no resto do mundo. 2.2 Processo produtivo da pecuária orgânica Os consumidores estão se tornando cada vez mais esclarecidos e exigentes com produtos de maior qualidade. No caso das carnes, a exigência dos consu seguintes componentes: a)rendimento e composição: proporção de carne magra e gordura e o tamanho e a forma dos músculos; b)aparência e características tecnológicas: cor e textura da gordura, quantidade de marmorização do tecido magro, cor e capacidade de retenção de água e composição química do músculo; c)palatabilidade: textura, maciez, sabor, suculência e aroma; d)integridade do produto: qualidade nutricional, segurança química e biológica; e)qualidade ética: questões relacionadas ao bem estar animal. Segundo Carrijo e Rocha (2002), no desenvolvi mento da pecuária orgânica, para a produção do boi orgânico, devem existir primeiramente o respeito ao animal, ou seja, devem existir respeito à sua natureza, seus hábitos, costumes e fisiologia. A filosofia da produção orgânica destaca a ne cessidade de se produzir alimentos em sistemas de produção integrados, sustentáveis para os seres humanos, para o meio ambiente e para a economia. Alguns princípios podem ser observados, segundo Figueiredo (2002): a)os sistemas de manejo devem seguir os mais altos padrões de bem estar; b)os animais devem ser alimentados com alimentos adequados às suas fisiologias; c)os alimentos devem ser produzidos principal mente na propriedade; d)a saúde animal deve ser mantida por meio de práticas de manejo saudáveis e preventivas; midores está nos seus atributos intrínsecos de qualidade e)o uso de medicamentos químicos e de vaci como maciez, sabor, quantidade de gordura, como nações deve ser evitado, mas aceitável sob também, pelas características de ordem ou natureza circunstâncias especiais; Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.61-72, jul./dez. 2009 | 65 f) homeopatia e outros regimes terapêuticos al Toda a propriedade em que se instala um projeto ternativos são encorajados nas situações de orgânico terá cinco anos para a conversão total de doenças, no entanto, o uso de quimioterápicos sua área ao sistema orgânico. Este tempo é muito convencionais é aceitável apenas para evitar importante, pois poderão se formar módulos orgânicos sofrimento do animal. dentro de uma propriedade, possibilitando desta forma Na pecuária orgânica não é possível aceitar produção o contato gradativo com o sistema, facilitando assim pecuária que danifique o meio ambiente em qualquer dos o entendimento das normativas, técnicas e manejo da seus aspectos, e que imponha sofrimento desnecessário nova atividade, de tal modo que ao final de cinco anos, aos animais, tais como passar fome, sede, calor, frio, se o criador realmente optar pela conversão de toda a ataques por endoparasitas, bacterioses, viroses etc., pois propriedade, ele estará fazendo uma opção consciente, serão animais com o bem estar prejudicado, mesmo que inclusive com a avaliação de seus resultados financeiros estejam sendo criados soltos, ao ar livre. (CARRIJO; ROCHA, 2002). Segundo Carrijo e Rocha (2002), o processo de A escolha do gado para a propriedade é de produção da pecuária orgânica é transformador e fundamental importância, pois neste momento estará busca ser socialmente justo, inclusive pela transparência que deve transmitir à sociedade, da produção até a comercialização. O sistema pecuário orgânico brasileiro orienta-se pelos sistemas da Ifoam e do Mercado Comum Europeu (MCE). Santos (2005) afirma que na implantação de qualquer sistema de produção, especialmente o orgânico, há necessidade de medir o impacto sobre atributos ambientais, como a erosão do solo, o estado de conservação das pastagens, a diversidade de plantas, as aves e a fauna, a qualidade da água, entre outros. Desta forma, seria necessário conhecer processos ecológicos sendo determinando o sucesso ou insucesso do em preendimento. A relação genética do rebanho, manejo adotado e ambiente do local de criação, deve ser a mais harmônica possível. Durante a escolha das raças ou linhagens devese levar em consideração a capacidade dos animais se adaptarem às condições do local, suas vitalidades, e suas respectivas resistências a doenças. As raças ou linhagens devem ser selecionadas de forma a evitar doenças específicas ou problemas de saúde, como exemplos: a síndrome do estresse, morte súbita, aborto espontâneo e a dificuldade de parto (FIGUEIREDO, 2002). ambientais para tomadas de decisões que possam servir É muito importante a escolha da raça adequada à como base para desenvolver e interpretar sistemas de região de produção quanto à sua adaptação e resistência monitoramento. às condições de manejo que se pretende adotar. Nem De acordo com Fonseca (2002), a conversão para o manejo orgânico leva dois anos, aproximadamente, começando-se a contar o tempo a partir da interrupção de qualquer prática ou uso de produto proibido pelas normas. De acordo com o mesmo, após 12 por isso a variabilidade genética dos rebanhos tem sido desprezada, com possibilidade de inclusão de cerca de 20% de animais convencionais introduzidos no rebanho orgânico, com o objetivo de propiciar um melhoramento genético deste plantel (CARRIJO; ROCHA, 2002). meses, entra-se no período de conversão, que pode A alimentação do gado orgânico deve atender às ser encurtado dependendo do manejo do solo e da necessidades nutricionais dos animais em suas várias vegetação anterior, não podendo a pastagem estar fases de desenvolvimento, ao invés de maximizar a degradada. A certificação da propriedade pode ser produção. Sua alimentação forçada é proibida. parcial, devendo novas áreas serem incorporadas num A pastagem, nativa ou cultivada, é a base alimentar prazo máximo de cinco anos de conversão total da utilizada em sistemas de produção de carne orgânica. Os unidade produtiva. países tradicionalmente produtores de bovinos de corte 66 | Revista da orgânico, como Argentina, Nova Zelândia e Austrália, f) tratamento sanitário dos animais; fazem de suas pastagens o marketing básico de g) origem do indivíduo. divulgação de seus produtos (HADDAD; ALVES, 2002). FAE Através deste sistema de rastreabilidade é possível Todos os animais na unidade de produção devem caracterizar as informações de tal forma que é possível ser alimentados com alimentos produzidos organi encontrar registros sobre procedimentos realizados com camente, preferencialmente na própria unidade de cada animal em particular. É possível ainda identificar produção, e quando houver a necessidade de adquirir também cada sistema de alimentação que o animal mais alimentos, os mesmos devem vir de unidades nutriu ao longo de sua vida, onde nasceu, quem era sua de produção orgânica. A alimentação dos mamíferos mãe e seu pai. Todo esse processo de rastreabilidade visa jovens deverá ser baseada em leite natural, de pre garantir saúde ao consumidor (CARRIJO; ROCHA, 2002). ferência o leite materno, por um período mínimo. Um elemento chave na produção e no mercado Os sistemas de criação para os herbívoros devem ser orgânico é a regulamentação. Segundo Fonseca (2002), baseados no máximo uso de pastagem, de acordo com o Plano Nacional de Controle de Resíduos Biológicos a disponibilidade de pastagem nos diferentes períodos (PNCRB), do Ministério da Agricultura, tem confirmado do ano (FIGUEIREDO, 2002). nos últimos anos que a presença de resíduos de antibióticos, inseticidas e hormônios ainda apresentam 2.3 Rastreabilidade e certificação índices alarmantes nos produtos provenientes de esta belecimentos fiscalizados pelo Serviço de Inspeção Fonseca (2002) sugere que uma das vantagens do Federal (SIF), considerando ainda que nem todos os sistema orgânico de produção é o uso da rastreabilidade abates no Brasil são inspecionados. Por este motivo, há dos animais. Segundo o mesmo, o acompanhamento o interesse em um selo de qualidade em boas práticas do rebanho dá-se desde o nascimento ou da entrada de manejo na agricultura e na indústria. do animal na unidade certificada, e existe também Segundo Zylbersztajn e Scare (2003), a certificação o acompanhamento do rebanho por quilo vivo por de qualidade alimentar tornou-se uma ferramenta hectare ao ano. de mercado fundamental, incorporada ao segmento Segundo Carrijo e Rocha (2002), o sistema de produção de carne orgânica brasileira é mundialmente agroalimentar, principalmente em países desenvolvidos, cuja demanda aponta crescimento. aceito porque tem boa origem, pois confere trans A certificação da produção orgânica nacional é parência e credibilidade ao processo de produção realizada por 21 agências certificadoras, das quais alimentar, do campo, ao processamento e distribuição, 12 são nacionais e 9 internacionais, que atestam se seja para o mercado interno ou externo. O sistema de a produção do alimento obedeceu às normas de rastreabilidade utilizado há alguns anos no Brasil, antes qualidade orgânica. A maioria das certificadoras do sistema oficial atual estar em vigor, já permitia ao nacionais encontra-se no estado de São Paulo, e as consumidor identificar: internacionais são oriundas, sobretudo, de países da a) país de produção; b) estabelecimento que industrializa a carne; c) fazenda onde foi produzido o boi; União Européia (CAMARGO, 2004). Uma das grandes finalidades da certificação é a capacidade de rastrear a origem do produto orgânico. Normalmente, as certificadoras nacionais d) lote a que pertencia o animal; fornecem um certificado com um ano de validade e) alimentação recebida pelo lote; e se paga uma taxa para utilizar seus respectivos Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.61-72, jul./dez. 2009 | 67 selos. Os custos de emissão do certificado orgânico, disso, as grandes cadeias de supermercados começam quando forem pelas certificadoras nacionais, variam a abrir gôndolas exclusivas para produtos orgânicos, de 0,5% a 2% do valor faturado para a mercadoria principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, e cobram-se tantas vezes quantas sejam as remessas Florianópolis e Porto Alegre. Um dos entraves para uma de produto que necessitem de certificação, no caso expansão mais rápida das vendas nos supermercados de exportação. Caso seja para o mercado interno, são os preços, que ficam, em média, 30% acima dos o valor é cobrado pelo total de produto certificado similares convencionais. vendido pela empresa, não sendo necessário emitir A presença dos supermercados exerce uma fun certificados específicos para cada carga. Quando ção importante no segmento de produtos orgânicos, as certificadoras são internacionais, os custos de justamente por fazerem parte do processo de transfor certificação são um pouco maiores, variando entre mação na esfera do consumo alimentar, ao fornecer novas 2% e 5% do faturamento (CAMARGO, 2004). opções, com iniciativas cada vez mais importantes no que diz respeito às inovações e à qualidade dos alimentos. A 2.4 O mercado consumidor da carne orgânica Carrijo e Rocha (2002) afirmam que existe uma grande demanda e uma pequena oferta de produtos orgânicos, tornando o mercado excelente para o tendência internacional coloca os supermercados como canal central e dominante na expansão do consumo de produtos orgânicos, sem levar em consideração os conflitos que podem existir entre fornecedores e produtores e a restrição atual do consumo às classes de maior poder aquisitivo (GUIVANT, 2003). produtor, caracterizando-se como um mercado em O selo de certificação é o que diferencia a carne crescimento, proporcionando remunerações satisfa orgânica das tradicionais nas gôndolas de super tórias e por vezes generosas aos produtores desta mercados, garantindo o processo extremamente natural modalidade. Estes prêmios por qualidade fazem parte de produção da carne orgânica, predominando uma do modelo e de sua técnica produtiva, ao agregar valor qualidade elevada. Estudo realizado por Haddad e Alves a seus produtos antes da porteira, isto é, o produtor (2005), em relação ao comportamento de compra de é considerado como o responsável e possuidor da consumidores das classes A e B, em uma grande rede qualidade dos alimentos e tem seu trabalho valorizado varejista, relata que o principal fator que faz com os financeiramente por isso. clientes adquiram carne orgânica é a preocupação com No mercado interno, de acordo com Camargo a preservação ambiental em sintonia com o sistema de (2004), a maioria dos agricultores vende seus produtos produção. Com isso, revela-se que os consumidores orgânicos para grandes e pequenos varejistas, forma estariam dispostos a comprar a carne orgânica e que dos por lojas de produtos naturais, restaurantes e podem pagar cerca de 20% a mais sobre o preço das supermercados, associações ou unidades processadoras carnes tradicionais. e distribuidoras, e venda direta, realizadas em feiras De acordo com Guivant (2003), à medida que cresce orgânicas, que movimentam entre R$3 e R$4 milhões de a oferta, e estimula-se o consumo, juntamente com as reais por ano, em cidades como Porto Alegre, Curitiba, transformações nos padrões de estilo de vida, pode Florianópolis, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. estar sendo gerada uma dinâmica de fortalecimento da Os agricultores que organizam as feiras são, em sua produção orgânica, o que fugiria das previsões negativas maioria, pequenos e filiados a associações, e, além de parte do movimento da agricultura orgânica. 68 | Revista da 3 Discussão dos resultados FAE Estas condições atingem sensivelmente os consu midores da carne do boi convencional que realmente se É crescente a importância que os consumidores vêm atribuindo à origem dos alimentos e à segurança alimentar, e ainda há aqueles que estão preocupados com a questão ambiental, e que têm interesse em deixar para seus descendentes um local ambientalmente preservado como herança, no futuro. Em busca de atender às necessidades dos referidos consumidores, e ao mesmo tempo reforçar correntes de preservação do meio ambiente, surgiu o conceito da alimentação ambientalmente correta, para a qual a carne bovina não surgiu como alvo de ataque, mas sim como agente transformador desta corrente. A falta de comprometimento com os recursos naturais, que sempre foi parte inseparável da atividade da pecuária, contribuiu e ainda contribui para o dese quilíbrio da planta, do solo e do animal, trazendo consequências desastrosas para o meio ambiente e para a própria atividade; tal aspecto é uma importante barreira não-tarifária a ser imposta por países ricos, nos próximos anos (EUCLIDES FILHO, 2000). Em decorrência da degradação do meio ambiente, com intuito da formação de pastagens, em áreas com forrageiras nativas, assim como de sua formação e manutenção com a ajuda de fertilizantes químicos, e suas importam com a forma como foi produzido o alimento que levou para sua casa, embora ainda sejam poucos, se comparados com os que não se importam, mas que acabam se revelando como formadores de um grande mercado potencial. Da mesma forma que a pecuária orgânica surge como interessante diferencial na mesa do consumidor, a pecuária convencional vem cada vez mais se firmando no mercado, em termos de tecnologia de produção, o que proporciona a redução dos custos e o aumento da produção, e, consequentemente, aumenta o consumo de carne bovina, à medida que aumenta a renda da população, mesmo que este aumento de produção venha às custas da degradação do meio ambiente. De acordo com pesquisas realizadas (FONSECA, 2002), muitas pessoas não sabem o que é o boi orgânico, e nem os benefícios que o mesmo traz à saúde humana e à saúde do meio ambiente. No entanto, para que se faça justiça à formação de opiniões, é indiscutível que se conheça as peculiaridades que fazem o boi orgânico diferir do boi convencional, para que se possa, então, discutir e avaliar a real importância de conhecer suas semelhanças e suas diferenças, o que pode pesar na escolha e na decisão de compra final. formas de exploração, surgiu o conceito de boi orgânico, que não diz respeito tão somente ao animal, mas engloba também todo o sistema do qual o mesmo faz parte, inclusive os insumos e pessoas que a esse sistema estão diretamente, ou indiretamente, relacionados. 3.1 Características do sistema produtivo da pecuária orgânica A pecuária de corte orgânica oferece como van Este novo conceito de produção de carne bovina tagem a sua forma de manejo ambientalmente justo e orgânica permite oferecer ao consumidor um alimento socialmente correto, proporcionando um alimento de alta livre de compostos químicos, que podem futuramente qualidade, livre de agentes químicos para o consumidor. prejudicar a saúde de quem o consome, com garantias No entanto, sua produção é baixa, se comparada com a (concedidas pelas empresas certificadoras) de o mesmo pecuária convencional, que utiliza insumos tecnológicos ter sido produzido sem prejudicar o meio ambiente, e que permitem o aumento da produtividade em menor com o mínimo de mau trato em relação aos animais período de tempo, o que acarreta o aumento do do rebanho. valor da carne orgânica, considerando os custos da Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.61-72, jul./dez. 2009 | 69 certificação, quando chega até o consumidor final. 3.2 Identificação dos pontos fortes e pontos Consequentemente, faz com que a carne orgânica seja, fracos da pecuária orgânica ao menos inicialmente, um produto voltado para um nicho de mercado, e não para as massas. Ao ser analisado o sistema de produção da pe- O quadro 1 mostra em detalhes o processo produ- cuária orgânica, foram identificados pontos fortes, e tivo da pecuária orgânica, conforme as suas caracterís- pontos fracos, que constituem os principais fatores do ticas peculiares. referido sistema produtivo. QUADRO 01 - PROCESSO PRODUTIVO DA PECUÁRIA ORGÂNICA QUADRO 02 - PONTOS FORTES E FRACOS DO PROCESSO PRODUTIVO Características Manejo Pecuária Orgânica O bem estar do animal e a preservação do meio ambiente são prioridade. Atenção especial às pessoas envolvidas no processo. Monta natural. Reprodução Inseminação artificial. Transferência de embriões é proibida Pastagens naturais. Lotação de animais é planejada. Pastagem Proibido o uso de produtos químicos. Utilização de recursos naturais renováveis. Pastejo diferido. Ensilagem, fenação, obedecendo às normas orgânicas de produção. Suplementação Alimentar Permitidos 10% de forragem convencional, desde que livre de agentes químicos. Ureia é proibida. Alimentação forçada é proibida. Hormônios Proibida a utilização de hormônios. Preocupação com a prevenção. Aspectos Sanitários Medicamentos homeopáticos. Medicamentos químicos em último caso. Antibióticos são proibidos. Vacinas de calendário. O acompanhamento do rebanho tem início desde Rastreabilidade seu nascimento, ou entrada do animal na unidade certificada, até o consumidor final. Certificação O produto orgânico só recebe esta classificação se possuir o selo de certificação. Já existem certificadoras conceituadas. Garante confiança e segurança ao consumidor. Instalações Devem atender às necessidades dos bovinos, visando seu bem estar e minimizando ao máximo seu estresse. Devem fazer parte de propriedades certificadas. Transporte e Abate A distância até o local de abate deve ser a mais próxima possível. O abate deve ser realizado em frigorífico credenciado, seguindo normas específicas. FONTE: Os autores (2006) 70 | DA PECUÁRIA ORGÂNICA PONTOS FORTES PONTOS FRACOS As propriedades devem dispor de A pastagem orgânica é a base infraestrutura mínima para ser da alimentação dos bovinos. É convertida ao manejo orgânico. utilizado o pastejo diferido e não Análises devem ser realizadas, é permitida a lotação e nem a e muitas delas impossibilitam a degradação do meio ambiente implantação do projeto orgânico, para a formação das pastagens. o que restringe o número de proA alimentação dos animais é livre priedades que poderiam atender de produtos químicos. o mercado consumidor. O tratamento de doenças e parasitas é realizado de forma preventiva. Medicamentos alopáticos e antibióticos sintetizados são utilizados em último caso, sob a responsabilidade dos veterinários. As vacinas de calendário são realizadas regularmente, como a da febre aftosa. A falta de excedente agrícola orgânico no país, que serve de suplementação alimentar no período da seca, é um problema sério para os bovinos em manejo orgânico, pois os referidos animais não podem consumir suplementos alimentares vindos de lavouras convencionais. A rastreabilidade dos animais é um acompanhamento que tem seu início desde o nascimento do animal, ou de sua entrada na unidade certificada, até o consumidor final. A falta de informações claras enfraquece os conceitos de produtos orgânicos junto aos consumidores, e muitos deles ainda não sabem o que é a carne orgânica. A certificação é um selo de qualidade que oferece procedimentos e padrões básicos aos criadores, que devem ser rigorosamente respeitados e seguidos e que permitem ao consumidor a segurança de estar consumindo uma carne certificada por uma empresa séria e conceituada. O mercado para o boi orgânico é muito restrito. Seu preço é mais caro em função da menor produtividade; devido à proibição de insumos modernos (que agridem o meio ambiente) e o custo da certificação, que onera ainda mais a produção. FONTE: Os autores (2006) Conforme ressalta Medeiros (2002), pesquisador da Embrapa/CPAP, é pouco provável que a pecuária orgânica possa substituir a pecuária convencional, mas não é porque sua oferta atende aos mercados de alta renda que sua produção deverá ser desestimulada, muito pelo contrário, enquanto houver demanda, e mercado potencial, haverá estímulo para sua produção. Revista da FAE As pessoas devem ter as informações à sua disposi a segurança do alimento; os consumidores associam ção para terem acesso ao conhecimento sobre o sistema produtos orgânicos a uma alimentação mais saudável, produtivo da pecuária orgânica. Os consumidores e os problemas que a carne bovina produzida dentro precisam saber que há mais uma opção de carne dos padrões normais vêm sofrendo, contribuem ainda disponível no mercado e que eles podem escolher qual mais para esta associação. delas irá levar para sua mesa. De acordo com Fonseca (2002), os produtores e exportadores de produtos orgânicos em países de baixa renda encontram problemas específicos relacionados à Conclusão produção, às políticas governamentais e à infraestrutura, ao transporte e carregamento, às informações de mercado A carne bovina, consumida mundialmente, já passou, e ainda corre riscos de passar, por vários pro blemas de ordem sanitária como o mal da vaca louca e a febre aftosa, que abalam a confiança do consumidor, tornando-o inseguro na hora de comprar este produto ou mesmo promovendo um estímulo a optar por outros tipos de carne como a de frango, ou até substituir a carne bovina por outros tipos de alimentos, alimentos esses que não irão oferecer riscos à sua saúde. A preocupação com o meio ambiente e com as reservas naturais que ainda existem, e a muito custo preservadas, também fazem parte do interesse de muitos consumidores. Entretanto, embora tais preocupações possuam relevante importância, não podem ser um motivo para desestimular o consumo da carne bovina. Nesse sentido, a carne orgânica surge como uma alternativa capaz de atender este mercado cada vez mais exigente e preocupado com a segurança alimentar. Justamente por possuir características socialmente justas (qual seja todas as pessoas envolvidas – direta e indiretamente, no sistema produtivo da pecuária bovina orgânica), e ambientalmente correta, conforme analisado neste artigo, o sistema produtivo da pecuária orgânica destaca-se em termos de qualidade, se comparado com o sistema produtivo da pecuária bovina de corte tradicional. Prova disto são as certificadoras que garantem ao e à certificação. Com relação à produção, a falta de conhecimento tecnológico sobre a prática de agricultura orgânica, a necessidade do resgate do conhecimento tradicional para combiná-lo com as tecnologias conhecidas, bem como a escassez de insumos disponíveis para uso se destacam como os principais problemas. Os fatores do manejo orgânico que agregam valor à carne orgânica fazem com que sua oferta ainda seja baixa, aumentando seu preço ao consumidor final. Infelizmen te, diante desse quadro, por enquanto, a carne orgânica abastece apenas um pequeno nicho de mercado, ou seja, as pessoas que possuem maior poder aquisitivo. A carne bovina orgânica não surgiu para substituir a carne bovina convencional, mas sim como forma de atender determinadas necessidades de consumidores, um segmento que cresce significativamente, principal mente no mercado externo. No Brasil, poucas pessoas têm conhecimento da carne bovina orgânica, a grande maioria não possui informações a respeito, portanto, a divulgação constitui fator essencial para a abertura do mercado interno para esse tipo de carne. E a partir desta abertura, quando os consumidores tiverem a oportunidade de escolher qual tipo de carne irão levar para sua família, ao tomarem conhecimento de seu processo produtivo e realizarem a comparação entre um e outro, provavelmente sentir-se-ão muito mais seguros ao realizarem sua escolha. consumidor um produto livre de resíduos químicos, sem falhas na produção e que não agridam o meio ambiente. Segundo Ribeiro (2001), um dos fatores mais relevantes na decisão de compra da carne orgânica é Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.61-72, jul./dez. 2009 •Recebido em: 22/07/2009 •Aprovado em: 06/10/2009 | 71 Referência ALIGLERI, L.; ALIGLERI, L. A.; KRUGLIANSKAS, I. Gestão socioambiental. São Paulo: Atlas, 2009. CAMARGO, V. P. Algumas considerações sobre a construção da cadeia de produtos orgânicos. Informações Econômicas, São Paulo, v.34, n.2, p.55-69, fev. 2004. CARRIJO, M. C. G. R.; ROCHA, H. J. Carne orgânica: novos rumos para a pecuária de corte. In: CONFERÊNCIA VIRTUAL GLOBAL SOBRE PRODUÇÃO ORGÂNICA DE BOVINOS DE CORTE, 1., 2002. Anais eletrônicos... Embrapa, 2002. Disponível em: <http://www.cpap.embrapa.br/agencia/congressovirtual/pdf/portugues/06pt02.pdf>. Acesso em: 6 jun.2006. EUCLIDES FILHO, K. Produção de bovinos de corte e o trinômio genótipo- ambiente-mercado. Campo Grande: Embrapa Gado de Corte, 2000. FIGUEIREDO, E. A. P. de. Pecuária e agroecologia no Brasil. Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília, v.19, n.2, p.235-265, maio/ago. 2002. FONSECA, M. F. Certificação de sistemas de produção e processamento de produtos orgânicos de origem animal: história e perspectivas. Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília, v.19, n.2, p.267-297, maio/ago. 2002. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 8.ed. São Paulo: Atlas, 1991. GUIVANT, J. S. Os supermercados na oferta de alimentos orgânicos: apelando ao estilo de vida ego-trip. Ambiente & Sociedade, Campinas, v.6, n.2, p.17-29, jul./dez. 2003. HADDAD, C. M.; ALVES, F. V. Alimentos orgânicos para a suplementação de bovinos. In: CONFERÊNCIA VIRTUAL GLOBAL SOBRE PRODUÇÃO ORGÂNICA DE BOVINOS DE CORTE, 1., 2002. Anais eletrônicos... Cuiabá, Embrapa, 2002. Disponível em: <http://www.cpap.embrapa.br/agencia/congressovirtual/pdf/portugues/03pt05.pdf>. Acesso em: 6 jun.2006. ______. Boi orgânico reflete consciência ambiental. Revista Visão Agrícola – USP/ESALQ, Piracicaba, v.2, n.3, p.25-33, jan./jun. 2005. LUCHIARI FILHO, A. Produção de carne bovina no Brasil: qualidade, quantidade ou ambas. In: SIMPÓSIO SOBRE DESAFIOS E NOVAS TECNOLOGIAS NA BOVINOCULTURA DE CORTE, 2., 2006, Brasília. Anais... Brasília, 2006. Disponível em: <http://www. upis.br/simboi/anais/Produ%E7%E3o%20de%20Carne%20Bovina%20no%20Brasil%20-%20Albino%20Luchiari%20Filho.pdf>. Acesso em: 10 maio 2006. MAMEDE, N. Entrevista concedida ao site Planeta Orgânico – Novembro de 2000. Disponível em: <http://www. planetaorganico.com.br/>. Acesso em: 10 out. 2009. MATTAR, F. N. Pesquisa de marketing. São Paulo: Atlas, 1996. MATTAR NETO, J. A. Metodologia científica na era da informática. São Paulo: Saraiva, 2005. MEDEIROS, S. R. Boi orgânico, boi verde e convencional podem ir mais longe, caminhando na mesma direção. Agronline, Curitiba, 25 set. 2002. Disponível em: <http://www.agronline.com.br/artigos/artigo.php?id=84> Acesso em: 7 jun. 2006. ORMOND, J. G. P. et al. (Orgs.). Agricultura orgânica: quando o passado é futuro. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n.15, p.3-34, mar. 2002. RIBEIRO, A. R. B. M. Cadeia produtiva de carne bovina e o Mato Grosso do Sul. Documento Final. Equipe Técnica: Agricon Consultoria/PENSA, jul.2001. SANTOS, S. A. Sistema de pecuária bovina orgânica no Pantanal. Revista Eletrónica de Veterinaria – REDVET, Espanha, v.6, n.7, jul. 2005. Disponível em: <http://www.veterinaria.org/revistas/redvest/n70705.htm>. Acesso em: 6 jun.2006. ZYLBERSZTAJN, D.; SCARE, R. F. Gestão da qualidade no agribusiness: estudos e casos. São Paulo: Atlas, 2003. 72 | Revista da FAE Automação bancária x atendimento pessoal: a preferência dos clientes em Curitiba Banking automation x personal services: Curitiba’s clients preference Leide Albergoni* Cristiane Pereira** Resumo A busca por vantagens competitivas no setor bancário tem se traduzido em investimentos crescentes em automação bancária, em um esforço para desenvolver inovações tecnológicas e canais mais ágeis de atendimento ao cliente. O resultado de tais ações é a crescente transferência do atendimento pessoal para o atendimento eletrônico, reduzindo a estrutura física das agências bancárias. O presente artigo tem como principal objetivo comparar a preferência e satisfação dos clientes bancários na cidade de Curitiba em relação ao atendimento automático e o atendimento pessoal. Para tanto, realiza uma pesquisa de campo nas cinco maiores instituições de Curitiba com 99 entrevistados. Palavras-chave: inovação bancária; atendimento bancário; satisfação de clientes. Abstract The search for competitive advantages on banking has led to increasing investments in banking automation, in an effort to develop technological innovations and faster ways of customer services. The result of those actions is the rising transference from the personal to the electronic services, thus reducing the physical structure of banking agencies. This article aims at comparing Curitiba’s banking clients’ preference and satisfaction regarding personal and electronic services. Therefore, it brought to effect a field research in the five major institutions of Curitiba with a total of 99 interviewees. Keywords: banking innovation; bank service; client satisfaction. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009 * Mestre em Política Científica e Tecnológica (Unicamp). Professora da FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected] ** Administradora (FAE Centro Universitário). E-mail: [email protected] | 73 Introdução que o processo de satisfação do cliente é uma questão que vai muito além de apresentar uma solução. Até No setor bancário brasileiro, a busca por diferen ciação de produtos e serviços como uma forma de obtenção de vantagens competitivas exige das institui ções investimentos constantes em inovações tecnoló gicas e desenvolvimento de ferramentas que agilizem o atendimento ao cliente. Para acompanhar tais exigências do setor, observa-se uma crescente transferência do que ponto um computador ou uma máquina consegue analisar a real situação do cliente e interagir conforme suas necessidades apresentando soluções? Portanto, o que se deseja saber não é a questão de viabilidade de implantação desses canais, mas sim se a intensificação de tais canais pelas instituições acompanha a preferência dos consumidores em relação aos canais de atendimento. atendimento pessoal para o autoatendimento, o que pode ser percebido nas mudanças ocorridas no ambiente das agências bancárias, que têm ampliado o espaço do autoatendimento e reduzido aquele destinado ao atendimento pessoal. Quando se fala em automação bancária, não se pode pensar apenas em terminais nos quais o usuário acessa determinados serviços sem apoio humano, mas sim na capacidade geral de uma empresa apresentar 1 A inovação como estratégia no atendimento bancário Atualmente, a inovação tecnológica é vista como uma necessidade para a sobrevivência das empresas no mercado. As empresas que investem em inovação soluções imediatas e alinhadas com as necessidades podem contar com a possibilidade de diferenciação, do cliente por meio dos canais responsáveis por seu novos processos, aumento contínuo da produtividade, atendimento. A automação nos canais de atendimento queda dos custos e avanços na qualidade de seus é capaz de disponibilizar um serviço altamente eficiente produtos e serviços. e com baixo custo para as instituições, mas pode não A seção apresenta uma breve perspectiva teórica apresentar nenhum diferencial perceptível ou não trazer dos motivos para inovar, além dos motivos para inovação satisfação ao cliente. no setor bancário. Sendo assim, o presente artigo tem por objetivo abordar a inovação no atendimento bancário, desde a identificação do estágio atual da tecnologia oferecida pela rede bancária, até os resultados finais na satisfação dos clientes, levando em conta fatores como preferência, benefícios e restrições. A hipótese inicial é a de que os 1.1 A motivação para inovar Na perspectiva schumpeteriana, o processo con correncial ocorre não apenas em função da maximização clientes preferem o atendimento pessoal ao automático de lucros, mas da própria sobrevivência e permanência e, ainda, que a automatização dos processos bancários da firma no mercado. Para tanto, a firma deve procurar traz insatisfação aos clientes. Para isso faz-se uma revi adquirir vantagens competitivas através de novas mer são bibliográfica sobre a inovação bancária, seguida cadorias, novas tecnologias, novas fontes de oferta e de uma pesquisa documental sobre os resultados da novos tipos de organização. Nessa busca por vantagens automação nos canais de atendimento bancário e, competitivas, a firma é uma organização que influencia por fim, uma pesquisa de campo buscando identificar o ambiente em que atua por meio de inovações – sejam a preferência e satisfação dos clientes em relação aos elas tecnológicas, mercadológicas, organizacionais ou canais de atendimento. institucionais. Esse processo concorrencial através de Sabe-se que atualmente inovar é um princípio inovações traduz-se em mudanças estruturais que básico de sobrevivência das empresas no mercado, mas são verificadas no surgimento de novas demandas, 74 | Revista da FAE novos hábitos dos consumidores e novas formas de apropriabilidade diz respeito aos ganhos de uma situação se organizar a produção, configurando uma mudança de monopólio temporário resultante da inovação tecnológica (FERRARI; PAULA, 1999). pioneira, a cumulatividade refere-se à capacidade da As inovações introduzidas por uma firma podem empresa em continuar inovando. A cumulatividade e ser incrementais ou radicais. Inovações incrementais a apropriabilidade são complementares, pois a conti são aquelas que derivam de melhorias em produtos nuidade do processo inovativo depende de estímulos e processos já existentes. Este tipo de inovação está relacionados à expectativa de vantagens futuras e, além presente em todas as atividades econômicas, dependen disso, a apropriabilidade proporciona recursos para do da pressão da demanda, de fatores sócio-culturais, futuras pesquisas e desenvolvimento. A oportunidade, de oportunidades e trajetórias tecnológicas. Essas por sua vez, é “a amplitude do conjunto de possibilidades inovações são mais ou menos contínuas e ocorrem que uma inovação abre de incorporar avanços a um não como resultado de uma pesquisa deliberada, mas ritmo intenso, inclusive a geração de novos produtos e como consequência de invenções e aperfeiçoamentos processos produtivos” (POSSAS, 2006, p.34). sugeridos pelos engenheiros e/ou usuários ocupados A inovação, de acordo com Possas (2006), é o no processo produtivo (learning by doing e learning elemento fundamental de sobrevivência no mercado e by using) (FREEMAN; PEREZ, 1988). transforma continuamente o ambiente de concorrência. Inovações radicais, por sua vez, são inovações de Ao introduzir uma inovação a firma modifica o ambiente, produtos ou processos que não têm como antecedente o que condiciona outras firmas a também realizar suas melhorias de produtos e processos existentes. Seria o inovações e novamente alterar o ambiente. caso do nylon, que não poderia ter surgido a partir de Pessali e Fernández (2006) salientam que nas abor melhoramentos na indústria de lã, ou ainda da energia dagens modernas da inovação tecnológica da firma, nuclear que não poderia ter emergido de melhoramentos as inovações podem ser organizacionais (dentro da incrementais nas estações de carvão ou de petróleo. firma) ou institucionais (entre firmas e no mercado). Essas inovações radicais são frutos de atividade delibe No entanto, tais inovações não ocorrem separadas, rada de P&D das empresas, universidades ou centros pois a inovação de uma firma isolada estimula que de pesquisa governamentais. Elas aumentam a produti outras organizações busquem atualização ou inovações vidade e trazem novos produtos e materiais, porém seu diferentes, afetando assim todo o mercado. impacto econômico pode ser localizado ou restrito a Pessali e Fernández (2006) também salientam que alguns setores, não implicando em mudanças funda para que se possa atuar em uma base regular, as firmas mentais no conjunto das organizações industriais buscam as inovações em ações coletivas estáveis, ou (FREEMAN; PEREZ, 1988). seja, um padrão de produção baseado em um mesmo Segundo Drucker (1986, p.40), “a inovação é o ato conjunto de inovações adotados por todas as firmas no de atribuir novas capacidades aos recursos existentes na mercado. “Para produzir e comercializar algo, a firma empresa para gerar riqueza”. Porter (1995) acredita que coordena a interação entre as pessoas e entre pessoas e atualmente a única maneira de uma empresa se tornar equipamentos, e também negocia sua relação com outras competitiva é por meio da incorporação da inovação firmas e clientes” (PESSALI; FERNÁNDEZ, 2006, p.329). tanto tecnológica quanto organizacional. Diante do exposto, a motivação para inovar é a Possas (2006) salienta que a motivação para inovar busca de ganhos extraordinários no mercado, embora depende basicamente de três fatores: apropriabili a adoção generalizada das inovações seja vantajosa dade, cumulatividade e oportunidade. Enquanto que a para as empresas, uma vez que possibilita a atuação em Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009 | 75 um ambiente mais estável e quase padronizado. Ainda assim, ao introduzir uma inovação no mercado, seja ela incremental ou radical, a firma busca a mudança de hábitos de seus consumidores, de forma a criar novas demandas. 1.2 A inovação no setor bancário O setor bancário é um exemplo prático do que Porter (1995) preconiza: o processo de inovação bancária vem ocorrendo fortemente em canais de atendimento que possibilitam ao cliente a realização de um número maior de operações em terminais externos de autoatendimento, em sua residência ou escritório, tornando desnecessário o deslocamento do cliente até uma agência bancária. De acordo com Silva e Cardoso (2002), a auto mação bancária atualmente funciona como um apelo de mercado na conquista de um número maior de clientes potencialmente ativos a ter serviços rápidos e, ao mesmo tempo, os bancos passam a contar com um quadro de funcionários voltados à expansão de terminais de computadores à sua disposição. - Banco via telefone, que permite aos clientes realizar muitas de suas transações bancárias por telefone, no conforto de seus lares. - Mudança de escaneamento de imagem para OCRs (Optical Character Readers – Leitoras Óticas de Caracteres) no manuseio de formulários/documentos. - Escritório de apoio “paperless” (sem papéis – todos os documentos são escaneados para registro em compu tadores) (OCDE, 2004, p.57) Grisci e Bessi (2004) consideram que, a partir da segunda metade da década de 1980, os bancos brasileiros passaram por um processo de reestruturação para dentro (reorganização interna), caracterizado pela diminuição de custos operacionais, ampliação e incentivo ao autoatendimento, intensificação da automatização, redução de postos de trabalho, terceirização e mudanças nas técnicas de gestão. De acordo com Molina (2004), neste mesmo período houve a instalação dos primeiros “caixas ele trônicos”, o que proporcionou uma queda drástica no número de funcionários das agências, principalmente na função de caixa. produtos e serviços que fujam a situações triviais da Scheuer (2001) relata que a partir de 1980 os rotina bancária, ou seja, que realmente precisam da bancos instalaram terminais para a entrada de dados intervenção humana para sua comercialização. nas agências, alimentando direta e indiretamente o O sistema bancário brasileiro apresenta considerá veis mudanças tecnológicas desde o início da utilização de computadores em bancos, que ocorreu na década de 1950, segundo Costa Filho (1997). O presente artigo apresenta somente as inovações ocorridas a partir da década de 1980, quando se iniciou um novo paradigma tecnoeconômico baseado nas tecnologias da informação e comunicação (LA ROVÉRE, 2006). O Manual de Oslo apresenta exemplos de inovações de produtos e processos que resultaram em maiores ganhos para o setor bancário. - Introdução de cartões inteligentes e cartões de múltiplos propósitos em plástico. - Nova agência bancária sem qualquer pessoal onde os clientes “fazem normalmente seus negócios” através de 76 | CPD (Centro de Processamento de Dados). Foram dispo nibilizados aos usuários terminais que apresentavam informações atualizadas para consulta e manipulação contábeis e o processamento batch (processamento em lote a partir dos dados digitados) foi substituído pelo processamento online. Costa Filho (1997) acredita que nos anos 1980 houve uma grande arrancada da automação de atendimento ao cliente no Brasil, representada por meio do surgimento do autoatendimento, da interligação online em rede por todo o país, dos primeiros caixas-automáticos e da inauguração do banco 24 horas, em 1983. De acordo com o mesmo autor, a década de 1990 foi marcada pelo surgimento do banco virtual (homebanking) e pela transferência de fundos via Revista da FAE pontos de venda – POS. Nessa mesma fase, as transações A natureza dos investimentos sinaliza os objetivos por meios eletrônicos ultrapassam as transações das do setor em transferir o atendimento pessoal para o agências, com o surgimento dos bancos virtuais e o automático. internet banking, por volta de 1995. Conforme Schwingel (2001), na década de 1990, É necessário investigar, no entanto, os motivos que levam os bancos a inovar. os bancos, principalmente os de varejo, continuaram investindo intensamente em tecnologia, tanto para competir com as grandes instituições estrangeiras que 1.3 A motivação para inovar no setor bancário estavam entrando no mercado bancário brasileiro, quanto para atender seus clientes. Segundo Grisci e Bessi (2004), a partir de meados da década de 1990, as mudanças no setor bancário direcionam-se ao desenvolvimento de novos serviços e produtos, bem como tratamento diferenciado a partir da segmentação de clientes conforme o valor da renda e potencial de consumo de serviços financeiros. Para Neves, Pereira e Mota (2006), a década de 2000 consolida o banco via Internet, com o aumento crescente de usuários. Assim, os bancos investem para oferecer serviços seguros pela Internet e alguns deles investem em novas tecnologias portáteis em palm tops e handbanking para dominar o setor de homebanking e internet banking. Para alcançar tal estágio tecnológico, o setor ban cário é o que mais investe em tecnologia da informação no país, e os investimentos crescem anualmente. Em 2007, o setor bancário brasileiro investiu cerca de R$ 15 bilhões em tecnologia da informação, um aumento de 4% em relação a 2006. Deste montante foram investidos R$ 6,2 bilhões para aquisição de novas tecnologias (aumento de 16% em relação a 2006) enquanto que para manutenção das tecnologias existentes foram gastos R$ 8,7 bilhões (queda de 3,1% em relação a 2006), conforme dados da Federação Brasileira de Bancos – Febraban (2008). Os maiores investimentos foram destinados à aquisição de hardware (Mainframes, PC’s, ATM’s, storages, robôs etc.) e compra de software de terceiros (software básico e aplicativos, fábricas de software, terceirizações etc.), o que representa 30% do total dos investimentos em Tecnologia da Informa ção – TI, de acordo com os dados da Febraban (2008). Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009 Scheuer (2001) cita a economia de custos como um dos motivos que leva as instituições financeiras a gastar grandes somas em inovação bancária, uma vez que o direcionamento dos clientes ao autoatendimento sem a intervenção de um funcionário resulta em economias não só de custos de pessoal como também com as instalações físicas das agências. Porter1 (1999 apud PIRES; COSTA FILHO, 1997) declara que a automação bancária está expandindo os limites das possibilidades das empresas, substituindo intensivamente o esforço humano por máquinas. De acor do com o mesmo autor, o resultado desta mudança é o aumento da lucratividade e da produtividade dos bancos, pois a mudança permite que as instituições atendam um maior número de clientes e não clientes (usuários) com a mesma estrutura no quadro de funcionários. Segundo Duarte (2003), os administradores leva dos a pensar em redução de custos descobriram ganhos reais com o uso da tecnologia para efetuar operações que anteriormente poderiam ser consideradas caras e arriscadas. Ao buscar inovar em seus produtos e serviços, além da economia de custos, as empresas também podem ser motivadas pelo aumento da qualidade, prolongamento do ciclo de vida dos produtos, previsão de aumento nas vendas, adaptação às necessidades dos clientes e posicionamento no mercado competitivo. Nesse caso, a inovação contemplaria também a satisfação do cliente. Segundo Kotler (2000), a satisfação é resultado da 1 PORTER, M. E. Competição: estratégias competitivas essenciais. Rio de Janeiro: Campus, 1999. | 77 comparação do desempenho percebido em relação às desenvolvimento de um relacionamento com o cliente expectativas do comprador, ou seja, consiste na sensação por meio de soluções tecnológicas. de prazer ou desapontamento com o produto ou serviço. De acordo com Neves, Pereira e Mota (2006), o De acordo com Scheuer (2001), muitas empresas resultado positivo das estratégias de marketing no buscam clientes altamente satisfeitos, porque estes são setor bancário, na atualidade, é inquestionável para muito menos propensos a mudar de fornecedor com que os bancos mantenham sua posição no mercado. facilidade. Um alto nível de satisfação ou encantamento Neste contexto, verifica-se que a tecnologia é uma das cria não apenas uma preferência racional, mas sim um principais forças macroambientais, por impulsionar os vínculo emocional com a marca, resultando em um alto bancos a melhorar seus serviços e por aprimorar sua grau de fidelidade do cliente. imagem projetada para o mercado. Outro aspecto importante a ser considerado na As estratégias de inovação bancária, portanto, inovação bancária é a estratégia de marketing adotada possibilitam a lucratividade, diferenciação, competiti pelo setor com o acirramento da concorrência. De vidade, o aumento da qualidade dos produtos e serviços acordo com Mota, Freitas e Silva (2006), o ingresso dos e a redução de custos. bancos estrangeiros no Brasil exigiu adequações dos bancos nacionais nos aspectos tecnológico, gerencial e, principalmente, nas atividades de marketing. As ade quações realizadas na área de marketing passaram a 2 O mercado bancário no Brasil: significar a sobrevivência ou extinção de muitos bancos, as transformações recentes em um espaço curto de tempo. A ampliação dos investimentos realizados em De acordo com a Febraban (2008), o setor ban inovação impulsionou o setor em busca da implan cário do Brasil é composto por 156 bancos privados tação de processos tecnológicos que permitam a nacionais com e sem participação estrangeira, privados comercialização de produtos de serviços diferenciados estrangeiros e com controle estrangeiro, além de da concorrência. Porém, “com os avanços da tecnologia, públicos federais e estaduais. as corporações sofrem com o excesso de informações, sendo imprescindível a gestão eficiente em TI para o sucesso empresarial” (BUENO et al., 2004, p.96). Conforme Neves, Pereira e Mota (2006), inicial mente, o marketing bancário não previa atingir o cliente A tabela 1 apresenta o número de bancos no Brasil por origem do capital. TABELA 01 - BANCOS POR ORIGEM DE CAPITAL NO BRASIL - 2000-2007 PERÍODO 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Privados nacionais com e sem participação estrangeira 105 95 87 88 88 84 85 87 Privados estrangeiros e com controle estrangeiro 70 72 65 62 62 63 61 56 bancário evolui da arte de vender produtos para a Públicos federais e estaduais 17 15 15 15 14 14 13 13 filosofia de conquistar clientes, mantê-los e aprofundar TOTAL DE BANCOS 192 182 167 165 164 161 159 156 no seu próprio local de trabalho ou na residência, e sim atrair o cliente para o ambiente físico do banco por meio de um ambiente agradável nas agênc ias, instalações confortáveis e distribuição de brindes. Ainda de acordo com Neves, Pereira e Mota (2006, p.5), “o marketing os relacionamentos”. FONTE: Febraban (2008) Verifica-se que houve uma mudança na aplicabi Analisando o cenário de 2000 a 2007, verifica-se lidade do marketing bancário, antes mais direcionado que a principal alteração na estrutura bancária brasilei- para o ambiente físico do banco e agora para a busca do ra foi a redução de 18,7% no número total de bancos, 78 | Revista da FAE o que evidencia um período de concentração no setor Embora tenha havido uma expansão em todos os bancário. O pequeno crescimento na participação dos canais, percebe-se que os que mais cresceram foram bancos estrangeiros e a redução dos bancos públicos, os postos eletrônicos e correspondentes. Dessa forma, federais e estaduais demonstram os efeitos das privati- houve uma alteração na participação dos canais no zações ocorridas no período, mas não houve mudanças total da rede no período, conforme se pode melhor estruturais significativas no período analisado. visualizar no gráfico 1. A mudança estrutural ocorreu na rede de atendimento do país, bem como na utilização de tais canais GRÁFICO 01 - REDE DE ATENDIMENTO NO BRASIL - 2000 E 2007 2000 de atendimento. A tabela 2 apresenta a evolução da estrutura da rede de atendimento de 2000 a 2007. 2007 12% 25% 30% 7% TABELA 02 - REDE ATENDIMENTO NO BRASIL - 2000-2007 PERÍODO 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 57% 2007 Número de agências 16.396 16.841 17.049 16.829 17.260 17.515 18.067 18.308 Postos tradicionais¹ 9.495 10.241 10.140 10.045 9.837 Postos eletrônicos 14.453 16.748 22.428 24.367 25.595 27.405 32.776 34.790 Correspondentes ² 13.731 18.653 32.511 36.474 46.035 69.546 73.031 84.332³ 24% 27% 9.527 10.220 10.427 Número de agências Postos tradicionais Postos eletrônicos TOTAL GERAL 54.075 62.483 82.128 87.715 98.727 123.993 134.094 147.857 Correspondentes FONTE: Adaptado de Febraban (2008). NOTAS: (1) Inclui Postos de Atendimento Bancário (PAB), Postos de Arrecadação e Pagamentos (PAP), Postos Avançados de Atendimento (PAA), Postos de Atendimento Cooperativo (PAC), Postos de Atendimento ao Microcrédito, Postos Avançados de Crédito Rural (PACRE), Postos de Compra de Ouro (PCO) e Unidades Administrativas Desmembradas (UAD). NOTAS: Postos tradicionais incluem Postos de Atendimento Bancário (PAB), Postos de Arrecadação e Pagamentos (PAP), Postos Avançados de Atendimento (PAA), Postos de Atendimento Cooperativo (PAC), Postos de Atendimento ao Microcrédito, Postos Avançados de Crédito Rural (PACRE), Postos de Compra de Ouro (PCO) e Unidades Administrativas Desmembradas (UAD); Observa-se que no período de 2000 a 2007 o Além da alteração da estrutura de atendimento crescimento do número de postos eletrônicos foi de por meio da transferência dos serviços para outros esta- 140,7%. Porém o canal com maior crescimento é o de belecimentos, houve também aumento da automatiza- correspondentes bancários, o qual apresenta um cres- ção, ou seja, do atendimento eletrônico. FONTE: Febraban (2008) cimento no período de 514,2% passando de 25,4% dos As ferramentas tecnológicas disponíveis para o canais de atendimento em 2000 para 57% no ano de desenvolvimento do atendimento automatizado estão 2007. Esse crescimento demonstra uma transferência presentes principalmente nos caixas-automáticos, inter- das vendas e serviços bancários para estabelecimentos net banking e correspondentes não bancários. comerciais variados em um processo de terceirização para auxiliar na prestação de serviços dos bancos (FEBRABAN, 2008). Uma das tendências do mercado é a utilização da tecnologia dos celulares para realização de consultas e movimentações financeiras. Um exemplo desta nova for- Embora o número de agências tenha crescido 11,7% ma de prestação de serviços seria o atendimento que o no período, sua representatividade entre os canais de Banco do Brasil oferece aos seus clientes via celular. Con- atendimento caiu de 17,6% em 2000 para 7,1% em forme informações do próprio Banco do Brasil (2008), 2007, ilustrando a mudança física que vem ocorrendo atualmente a instituição disponibiliza aos seus clientes no atendimento tradicional. diretamente pelo celular a opção de consultas de saldo e Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009 | 79 extrato, pagamento de títulos bancários e contas, trans- a existência de correspondentes bancários auxilia na ferências entre contas, DOC (Documento de Ordem de diminuição de filas no ambiente interno das agências e Crédito), TED (Transação Eletrônica de Documento), apli- oferece comodidade aos usuários, que poderão realizar cações e resgate em investimentos, recargas de celulares suas transações sem a necessidade de deslocar até uma pré-pagos, empréstimos pessoais e ainda conta com a agência bancária. opção de envio de mensagens de texto informando so- A utilização dos canais eletrônicos é apresentada bre movimentações realizadas na conta corrente e no no gráfico 2, que compara as transações bancárias por cartão de crédito. origem em 2000 e 2007: A ferramenta mais utilizada e já consolidada é o caixa-automático. Para Kotler2 (1998 apud PIRES; COSTA GRÁFICO 02 - TRANSAÇÕES POR ORIGEM NO BRASIL EM 2000 E 2007 FILHO, 2001), os caixas-automáticos oferecem aos con sumidores as vantagens da utilização por 24 horas, do autosserviço e da ausência da manipulação por tercei ros. Considerados uma máquina de venda altamente especializada, os caixas-automáticos propiciam aos usuários uma série de vantagens, sendo uma delas de fundamental importância: a conveniência de tempo, lugar e acesso. A Internet banking é a tecnologia que mais cresce, por oferecer serviços de consulta de extratos e saldos e a possibilidade de realização de transações como: pagamentos de contas, transferência de saldos, empréstimos, investimentos e outras operações, dependendo de cada instituição financeira. É um canal de atendimento que apresenta um crescimento expressivo em sua utilização, devido principalmente à comodidade e possibilidade de acesso 24 horas por dia. Além disso, de acordo com Scheurer (2001), o home banking significa economia de tempo para o cliente e redução de custos para a instituição, uma vez que a transação eletrônica tem um custo de três a seis vezes menor do que a efetuada nas agências. Outro canal em ascensão é o correspondente não bancário, ou seja, convênios que permitem disponibilizar serviços bancários em empresas como correios, lotéricas, farmácias, supermercados, postos de gasolina e outros estabelecimentos comerciais. A rede de atendimento não atende somente correntistas, mas também a usuários não clientes. De acordo com Ferry (2008), 2 KOTLER, P. Administração de marketing: análise, plane jamento, implementação e controle. 5.ed. São Paulo: Atlas, 1998. 80 | FONTE: Adaptado de Febraban (2008). NOTAS: (1) Débitos automáticos, crédito de salários, proventos de aposentadoria, DOC’s, TED’s, cobranças; (2) Tarifas, taxas, IOF, CPMF etc; (3) Saques, depósitos, transferências, pagamento de contas e boletos bancários, resgates, investimentos, consultas de saldo, extrato, bloqueio e desbloqueio de cheque etc; (4) Transferências, pagamentos, investimentos, financiamentos, consultas em geral, solicitações, remessas de arquivos, instruções de cobrança, transferências, pagamentos, investimentos, empréstimos, agendamentos de transações, desbloqueios, senhas etc; (5) Pagamentos no comércio em lojas, supermercados, postos de gasolina etc; (6) Estabelecimentos comerciais, correios, casas lotéricas etc. O gráfico 2 permite comparar a evolução da utilização dos canais de atendimento pelos clientes. O principal canal utilizado para realização de transações é o autoatendimento, que manteve sua participação no período devido ao aumento de 107% no número de transações. Revista da FAE Percebe-se que os canais tradicionais de transação De acordo com Guntzel (2003), há clientes que tiveram queda no período. A utilização dos caixas das preferem o atendimento pessoal por vários motivos, agências caiu de 20% em 2000 para 10% em 2007 no entre eles pela confiança no funcionário que já virou total de transações realizadas, embora isoladamente o amigo, pelo contato frequente com os funcionários das número de transações tenha crescido 6,3%. No caso da agências e devido à falta de confiança no equipamento compensação de cheques houve uma queda de 41,9% eletrônico. Porém há clientes que não querem se deslocar das transações realizadas e o canal que em 2000 repre- até uma agência, mas desejam o atendimento humano sentava 13% das transações passou para 4% em 2007. A e resistem ao autoatendimento eletrônico. Isto explica utilização de Call Center não teve variação absoluta signi- o sucesso e a sofisticação das centrais de atendimento, ficativa, mas a participação desse canal de atendimento que se transformaram quase em bancos virtuais. reduziu-se de 7% para 3% no período. O autoatendimento, por sua vez, está cada vez Por outro lado, os canais com maior crescimento mais presente no cotidiano de uma nova geração de foram internet banking, POS e correspondentes não ban clientes: sua praticidade e rapidez têm conquistado cários. A utilização de internet banking cresceu 851,6% no um número crescente de usuários. No entanto, o au período: em 2000 o canal representava 4% e passou para toatendimento é caracterizado pela impessoalidade e a 17% em 2007. O canal POS, por sua vez, embora tenha redução do contato humano, o que traz resistências e passado de 2% em 2000 para 4% em 2007 no total de bloqueios a alguns clientes. A principal vantagem do canais utilizados, obteve um crescimento de 441,4% em autoatendimento em relação ao atendimento pessoal termos absolutos. O crescimento do POS explica a redução é seu custo, tanto para as instituições quanto para da utilização dos cheques, pois os clientes passaram a os clientes, que reduzem o tempo de espera, além de utilizar mais os cartões de débito e crédito. A utilização dispensar os deslocamentos constantes a uma agência. de correspondentes bancários, por sua vez, apresentou Para Pires e Costa Filho (2001), a continuidade e aumento de 1.376% no período, embora represente expansão da automação e informatização dos produtos apenas 5% do total de transações realizadas. A evolução e serviços, dependerão, em muito, da forma como os deste canal de atendimento vem proporcionando maior clientes assimilarão e incorporarão essas inovações no comodidade ao cidadão para pagamento de suas contas seu dia-a-dia. em qualquer região do país e uma maior conveniência Para analisar as preferências dos clientes e a satis para a realização de transações bancárias para o público fação quanto aos canais de atendimento disponíveis, o de menor renda ou que não possui conta em banco. presente artigo realizou uma pesquisa de campo, cuja No entanto, demonstra o crescente direcionamento dos metodologia e resultados são descritos a seguir. serviços bancários para terceiros. 4 Metodologia da pesquisa 3 A preferência dos clientes A pesquisa realizada classifica-se como descritiva A evolução da utilização dos canais de atendimento expressa o aumento do atendimento eletrônico de caráter exploratório, por meio de questionários estruturados com perguntas de múltiplas escolhas. entre os clientes, em contraponto à redução da utili- Para realização da delimitação da pesquisa, optou-se zação de atendimento pessoal. Ambas as formas de por cinco instituições financeiras: Itaú, Bradesco, Banco atendimento apresentam vantagens e desvantagens e do Brasil, Caixa Econômica Federal e HSBC, que detém sua escolha dependerá do perfil e necessidade de cada 70% das 323 agências bancárias em Curitiba (BANCO cliente bancário. CENTRAL DO BRASIL, 2008). Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009 | 81 Por seu escopo, o perfil do presente artigo poderia Portanto, o questionário foi aplicado em 21 clien- abranger todos os canais de atendimento eletrônico tes do banco Itaú, 31 clientes do Banco Bradesco, 23 utilizados atualmente pelas instituições financeiras. respondentes do Banco do Brasil, 9 da Caixa Econômica Contudo, considerando a dificuldade em atingir os Federal e 15 do HSBC Bank Brasil. usuários de outros canais de atendimento, o campo de O questionário aplicado foi dividido em cinco pesquisa ficou restrito ao autoatendimento oferecido blocos de perguntas. O primeiro contém questões pelos caixas-automáticos, onde a pesquisa foi realizada sobre o autoatendimento, as quais buscam identificar diretamente com os usuários. o grau de utilização dos caixas-automáticos pelos A delimitação da amostra foi realizada a partir do clientes e os motivos, caso existam, da não utilização seguinte critério: baseando-se no número de contas por do canal para realização de todas as operações ban banco e quantidade de agências do Brasil, encontrou- cárias. O segundo bloco tem por objetivo identificar a se uma média de clientes por agência. Multiplicandose este número pela quantidade de agências da cidade de Curitiba, calculou-se uma média do total de clientes por banco instalado na cidade, conforme a tabela 3. A opção pela realização da média faz-se necessária devido à falta de informações mais precisas. Devido ao grande número de clientes e ao tempo necessário para realização do trabalho, foi considerada uma amostragem não-probabilística de 0,01% da frequência de utilização do atendimento pessoal por semana. O terceiro bloco possui questões que visam descobrir a preferência dos clientes em relação ao tipo de atendimento, os produtos que preferem realizar em cada canal de atendimento e os motivos das suas preferências. O quarto bloco tem por objetivo conhecer a satisfação dos clientes em relação ao autoatendimento e o que pode ser melhorado para utilização do serviço. O quinto e último bloco contém questões sobre o perfil dos usuários do autoatendimento bancário, como média de clientes das cinco instituições selecionadas. sexo, idade, renda média familiar e escolaridade dos Esse critério foi estabelecido pelas autoras a partir entrevistados. da viabilidade de execução da pesquisa. A tabela 3 demonstra os dados e a amostra necessária para cada instituição bancária. aos clientes dos bancos selecionados e respondidos por escrito pelo entrevistado na presença do entrevistador. TABELA 03 - DEFINIÇÃO DA AMOSTRA POR BANCO EM CURITIBA - A pesquisa foi realizada durante os meses de julho e agosto de 2008. Após coletados, os dados foram 9.564.933 2.640 58 210.139 21 Banco Bradesco 18.008.797 3.200 55 309.526 31 Banco do Brasil 21.240.204 4.127 45 231.599 23 Caixa Econ. Federal 4.872.893 2.061 37 87.480 9 Dos 99 clientes entrevistados 65% são do sexo HSBC Bank Brasil 4.590.296 924 30 149.036 15 feminino e 35% do sexo masculino. A maioria dos entre- 58.277.123 12.952 225 987.780 99 vistados possui idade entre 20 e 30 anos (60%), seguido TOTAL NÚMERO DE AGÊNCIAS NO BRASIL Banco Itaú SA. BANCO NÚMERO CONTAS NO BRASIL AMOSTRA (0,01%) tabulados por meio das ferramentas do Microsoft Office MÉDIA DE CLIENTES EM CURITIBA JULHO 2008 NÚMERO DE AGÊNCIAS EM CURITIBA Os questionários foram entregues aleatoriamente FONTE: Adaptado de Banco Central do Brasil (2008) 82 | Excel 2003. 5 Apresentação e interpretação dos resultados da faixa etária entre 31 e 40 anos (33%). A renda Revista da FAE familiar3 predominante é de R$727 a R$2.012,67 (65% autoatendimento são os entrevistados com faixa etária dos entrevistados) e 35% dos entrevistados possuem entre 20 e 30 anos. renda entre R$3.480 e R$6.563. Nenhum dos entrevis- Concernente ao uso do autoatendimento, 40% tados possuía renda inferior a R$727. Em relação à es- dos entrevistados afirmou que realizam todas as suas colaridade, 69% dos entrevistados possuem graduação, transações pelo autoatendimento. Por instituição, a 23% ensino médio e 5% são pós-graduados. Caixa Econômica apresentou menor índice de utiliza- No tocante à frequência de utilização dos termi- ção, o que pode ser explicado pela existência de serviços nais de autoatendimento e do atendimento pessoal, foi sociais (FGTS, PIS e Habitação Popular) que são realiza- possível obter-se os seguintes resultados: dos apenas no atendimento pessoal. GRÁFICO 03 - FREQUÊNCIA DE UTILIZAÇÃO DO AUTOATENDIMENTO E DO ATENDIMENTO PESSOAL Perguntados sobre os motivos que levam os clientes a não utilizarem somente o autoatendimento, a maior parte (43%) afirmou falta de funcionalidade, enquanto 90% 85% 80% que 26% utilizam a Internet. Apenas 9% afirmaram que 70% não sabem operar o caixa e 8% disseram não usar os 60% caixas automáticos por desconforto, conforme se pode 50% observar no gráfico 4. 40% 40% 30% 30% 27% GRÁFICO 04 - MOTIVOS PARA NÃO REALIZAR TODAS AS TRANSAÇÕES 20% 10% 0% 0% 4% Não utiliza Esporadicamente Autoatendimento 9% 2% 1 vez 2 a 4 vezes 2% 0% NO AUTOATENDIMENTO 43% 5 a 7 vezes Atendimento pessoal 26% FONTE: As autoras (2008) lização é maior o percentual de pessoas que utilizam o 3% 2% 2% Gosta do atendi mento pessoal Utiliza Call Center Desconforto 8% Limites baixos para transações mente o autoatendimento. Em todas as opções de uti- 8% Falta de segurança esporadicamente, apenas 40% utilizam esporadica- Utiliza a Internet 85% dos entrevistados utilizam o atendimento pessoal Falta de funcionalidade de utilização é do caixa automático, pois enquanto que Não sabe operar o caixa 9% Percebe-se pelo gráfico 3 que a maior frequência FONTE: As autoras (2008) autoatendimento em relação ao atendimento pessoal e Conforme se pode verificar no gráfico 4, apenas pode-se observar que 4% afirmaram que não utilizam o 2% não utilizam os caixas automáticos por preferir o atendimento pessoal. Os usuários que mais utilizam o atendimento pessoal. Os clientes que alegaram falta de funcionalidade provavelmente realizam suas transações 3 A classificação da renda foi realizada de acordo com o novo critério de classificação econômica do Brasil realizado pela ABEP (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa, 2007), por ser mais conveniente do ponto de vista de segmentação. De acordo com esse critério a renda familiar média pode ser classificada em: Classe A1: acima de 9.733,47; Classe A2: Acima de 6.563.73; Classe B1: 3.479,36; Classe B2: 2.012,67; Classe C1: 1.194,53; Classe C2: 726,26; Classe D: 484,97; Classe E: 276,70. (ABEP, 2008). Na pesquisa a renda familiar foi distribuída em 5 classes: a primeira agrega as classes E e D, a segunda considera as classes C, a terceira somente as classes B e a quinta somente as classes A. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009 no atendimento pessoal ou em canais com mais opções, como a Internet, tendo em vista que são principalmente os usuários com a faixa etária mais jovem e com maior poder aquisitivo. A preferência dos clientes pesquisados em relação ao tipo de atendimento, os produtos que prefere realizar em cada canal de atendimento e os motivos das suas preferências também foram abordados com o objetivo de conhecer a aceitação do autoatendimento pelos | 83 clientes bancários. Nesse aspecto, 44% dos clientes a possibilidade de realização de um número maior de afirmaram preferir o autoatendimento, enquanto que serviços (16%) e o conforto (15%). Apenas 3% dos en apenas 13% disseram que o atendimento pessoal é o trevistados afirmaram que preferem o atendimento preferido. Os demais (42%) disseram ser indiferentes ao pessoal por não saber utilizar o caixa automático. Os tipo de atendimento prestado. resultados dessa questão estão em consonância com O gráfico 5 compara os serviços que os clientes pesquisados preferem realizar no autoatendimento e as respostas para não realizar todas as transações no caixa-automático. no atendimento pessoal. Também foi perguntada a satisfação dos entre GRÁFICO 05 - SERVIÇOS PREFERIDOS NO AUTOATENDIMENTO E NO ATENDIMENTO PESSOAL vistados em relação ao autoatendimento bancário: 81% dos entrevistados consideram o atendimento auto mático ótimo ou bom e 19% avaliaram como regular. 29% 24% 21% 1% 1% 2% 0,3% 1% 0% Compra de produtos Empréstimos Transferências e saldos Pagamento de contas 1% Depósitos Por fim, perguntou-se aos entrevistados o que se 7% 2% Extratos Saques 10% Nenhum dos respondentes que preferem o atendimento automático avaliou o serviço como ruim. Nenhum 8% 1% 23% Outros 15% 13% 24% Investimentos 20% deve melhorar no autoatendimento, cujos dados são apresentados no gráfico 6. GRÁFICO 06 - OPINIÃO SOBRE O QUE DEVE MELHORAR NO Autoatendimento AUTOATENDIMENTO Atendimento pessoal 32% FONTE: As autoras (2008) Os percentuais apresentados se referem aos servi 20% 18% 18% ços preferidos em cada um dos canais: autoatendimento 12% e atendimento pessoal. Percebe-se no gráfico 5 que a os serviços preferidos são investimentos (24%), compra de produtos (23%) e empréstimos (21%). Analisandose os dados, é possível presumir que o atendimento pessoal é preferido para serviços mais complexos e que requerem a assessoria dos funcionários do banco para se efetuar a transação. Maior quantidade de caixas automáticos Disponibilidade de outras operações transferência e saldos (10%). No atendimento pessoal, Presença de funcionários (24%), depósitos (20%), pagamento de contas (15%) e Maior segurança serviços mais simples como saques (29%), extratos Manutenção contínua dos equipamentos preferência dos clientes pelo autoatendimento é nos FONTE: As autoras (2008) Analisando o gráfico 6, constata-se que a maior parte dos entrevistados (32%) considera fundamental a manutenção contínua nos caixas-automáticos, enquanto que 20% desejam maior segurança no local e 18% gostariam de ter a presença de funcionários. Embora Em relação à preferência entre os canais, os princi não seja o item mais importante a ser melhorado no pais motivos para a preferência pelo autoatendimento autoatendimento, o anseio de mais serviços disponíveis foram a rapidez (38%), a conveniência (24%), a dispo no autoatendimento (18%) demonstra que os clientes nibilidade de horários (19%) e a tecnologia (14%). estão preparados para utilizar mais o autoatendimento, Para o atendimento pessoal os principais motivos caso esse canal ofereça mais operações, tendo em vista da preferência por esse tipo de atendimento foram a que o perfil de usuários que marcaram essa questão é de segurança (47%), a qualidade no atendimento (17%), faixa etária mais jovem e com maior poder aquisitivo. 84 | Revista da Conclusões FAE A pesquisa não é conclusiva, sobretudo porque o perfil dos entrevistados (escolaridade, idade e renda) Os resultados da pesquisa na cidade de Curitiba revelaram que a maior parte dos entrevistados prefere o atendimento automatizado oferecido pelos caixasautomáticos, em detrimento do atendimento tradicional e consideram o serviço como bom ou ótimo. Os serviços preferidos no autoatendimento são os mais simples como extratos, depósitos e saques. Dentre as dificuldades que os clientes pesquisados possuem em relação à utilização do autoatendimento e que os levam a preferir o atendimento pessoal, destacam-se a segurança no ambiente de autoatendi mento, a qualidade a desejar dos equipamentos e a falta de funcionalidade ou falta de operações. Segundo a pesquisa, a maior parte dos clientes prefere realizar no atendimento pessoal serviços como: empréstimos, investimentos e compra de produtos. As dificuldades citadas acima são os maiores causadores desta preferência, além de que são serviços que geral mente precisam de assessoria de funcionários. Nas sugestões para melhoria do autoatendimen to bancário a principal solicitação está relacionada à manutenção contínua dos equipamentos, além da disponibilidade de um número maior de operações. aponta para usuários acostumados com tecnologias, especialmente caixa automático. No entanto, dado o crescente aumento do acesso das classes de menor renda e escolaridade a computador e Internet, é possível estender tais resultados para outros perfis de usuários. Outra questão a ser observada é o grau de maturidade da tecnologia do autoatendimento: desde que surgiram, os caixas automáticos passaram por melhorias contínuas, resultando em mais opções de operações e segurança no processamento dos dados. Além disso, a geração que recebeu os primeiros caixas automáticos e tinha mais barreiras a sua utilização não está representada na amostra pesquisada, devido à ausência de respondentes. Sendo assim, o atual estágio de utilização dos caixas automáticos compreende uma geração de usuários acostumados ao paradigma das tecnologias da informação e comunicação, ou seja, as barreiras da mudança de paradigma já teriam sido superadas. Diante disso, percebe-se que o setor bancário foi eficiente em criar e estimular a demanda de seus cli entes as suas inovações e que a difusão da inovação foi ampla e bem sucedida. Tendo em vista os resulta dos, refuta-se a hipótese inicial de que os clientes pre- Percebe-se que os clientes bancários pesquisados ferem o atendimento pessoal ao automático e que a preferem o autoatendimento pela conveniência e automação resultaria em insatisfação para os clientes rapidez, características obtidas da automação no aten bancários. dimento bancário. Ou seja, a automação traz vantagens para os clientes, contribuindo positivamente em sua satisfação. Porém, o que pode impactar negativamente na satisfação dos clientes são a falta de segurança, além da baixa qualidade e funcionalidade apresentadas nos caixas-automáticos. Considerando-se que 18% dos entrevistados dese jam mais operações disponíveis em caixas automáticos, pode-se deduzir que o uso do autoatendimento aumen taria entre os usuários se os bancos oferecessem mais funcionalidades e operações. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009 •Recebido em: 04/06/2009 •Aprovado em: 21/07/2009 | 85 Referências ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE PESQUISA (ABEP). Critério de classificação econômica do Brasil, 2008. Disponível em: <http://www.abep.org/codigosguias/Criterio_Brasil_2008.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2008. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Dados sobre a evolução do Sistema Financeiro: Julho 2008. Brasília, 2008. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/?QEVSFN200807>. Acesso em: 30 ago. 2008. BANCO DO BRASIL. Auto-atendimento BB pelo celular. Disponível em: <http://www.bb.com.br/portalbb/ page22,101,2298,0,0,1,1.bb?codigoNoticia=2612&codigoMenu=161>. Acesso em: 21 set. 2008. BUENO, G. S. et al. Gestão estratégica do conhecimento. Revista FAE, Curitiba, v.7, n.1, p.89-102, jan./jun. 2004. Disponível em: <http://www.fae.edu/publicacoes/pdf/revista_da_fae/fae_v7_n1/rev_fae_v7_n1_07_giovatan.pdf>. Acesso em: 27 jun. 2008. COSTA FILHO, B. A. Automação bancária: uma análise sob a ótica do cliente. In: ENCONTRO DA ANPAD, 21., 1997, Rio das Pedras. Anais... Rio das Pedras, 1997. DRUCKER, P. F. Inovação e espírito empreendedor. São Paulo: Pioneira, 1986. DUARTE, J. C. Marketing de relacionamento: uma estratégia para a fidelidade do cliente numa agência bancária. 2003. 102p. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2003. FEBRABAN. Pesquisa do setor bancário em números: setembro/2008. Disponível em: <http://www.febraban.org.br/ portaldeinformacoes/FRProjetos.asp?id_grupo=760&id_pastaMA=52&id_assuntoMA=186%20&id_assuntoME=0&id_ assunto=186&id_item=0>. Acesso em: 05 jun. 2008. FERRY, S. Filas nos bancos: é possível atender à legislação? Relatório bancário, jul. 2008. Disponível em: <http://www. relatoriobancario.com.br/noticias/noticias_sergioferry.html>. Acesso em: 10 ago. 2008. FERRARI, M. A. R.; PAULA, T. H. P. Inovação tecnológica e dinâmica econômica: uma síntese de algumas contribuições evolucionistas. Revista de Economia UFPR, Curitiba, v.25, n.23, p.139-157, mar. 1999. FREEMAN, C.; PEREZ, C. Structural crises of adjustment: business cycles and investment behavior. In: DOSI, G. et al. Technical change and economic theory. Londres: Pinter, 1988. p.38-66. GRISCI, C. L. I.; BESSI, V. G. Modos de trabalhar e de ser na reestruturação bancária. Revista Sociologias, Porto Alegre, v.6, n.12, p.160-200, jul./dez. 2004. GUNTZEL, J. B. Análise das dificuldades manifestadas pelo cliente na utilização do auto atendimento bancário. 2003. 102p. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Universidade de Santa Catarina, Florianópolis, 2003. KOTLER, P. Administração de marketing: a edição do novo milênio. São Paulo: Prentice Hall, 2000. LA ROVÉRE, R. L. Paradigmas e trajetórias tecnológicas. In: PELAEZ, V.; SMRECZÁNYI, T. Economia da inovação tecnológica. São Paulo: Hucitec, 2006. p.285-301. MOLINA, W. S. L. A reestruturação do sistema bancário brasileiro nos anos 90: menos concorrência e mais competitividade? Intellectus: revista acadêmica digital das Faculdades UNOPEC, São Paulo, v.2, n.3, p.76-95, ago./dez. 2004. Disponível em: <http://www.unopec.com.br/revistaintellectus/_Arquivos/Ago_Dez_04/PDF/texto.wagner.pdf>. Acesso em: 8 fev. 2008. MOTA, M. O.; FREITAS, A. A. F.; SILVA, P. G. Marketing de relacionamento aplicado às instituições bancárias: um estudo em um banco de varejo para clientes com alto desempenho financeiro. Fortaleza. Outubro, 2006. Disponível em: <http://www.abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2006_TR460317_7374.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2008. NEVES, J. A. D.; PEREIRA, M. N. M.; MOTA, M. O. Estratégias de auto-atendimento no serviço bancário: o caso da agência Alfa. Revista Eletrônica do Mestrado de Administração da UNIMEP, Piracicaba v.4, n.2, maio/ago. 2006. Disponível em: <http://www.unimep.br/fgn/ppgma/revistaadm/documents/MicrosoftWord-agencia-alfa_000.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2008. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. Manual de Oslo. Proposta de diretrizes para coleta e interpretação de dados sobre inovações tecnológicas. Traduzido pela FINEP. Rio de Janeiro, 2004. 86 | Revista da FAE PELAEZ, V.; SMRECZÁNYI, T. Economia da inovação tecnológica. São Paulo: Hucitec, 2006. PESSALI, H. F.; FERNÁNDEZ, R. G. Inovação e teorias da firma. IN: PELAEZ, V.; SMRECZÁNYI, T. Economia da inovação tecnológica. São Paulo: Hucitec, 2006. p. 302-332 PIRES, P. J.; COSTA FILHO, B. A. O Atendimento humano como suporte e incentivo ao uso do auto-atendimento em bancos. Revista FAE, Curitiba, v.4, n.1, p.63-67, jan./abr. 2001. PORTER, M. E. Vantagem competitiva. Rio de Janeiro: Campus, 1995. POSSAS, S. Concorrência e inovação. IN: PELAEZ, V.; SMRECZÁNYI, T. Economia da inovação tecnológica. São Paulo: Hucitec, 2006. SCHEUER, L. A qualidade do atendimento eletrônico em uma agência bancária segundo a percepção de seus clientes. 2001. 75p. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2001. SCHWINGEL, C. J. A automação bancária e a satisfação do cliente do Banco do Brasil. 2001. 135p. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2001. SILVA, R. P.; CARDOSO, B. L. O Auto-atendimento bancário e a satisfação dos Clientes. Revista InterAtividade, Andradina, v.2, n.1, p.157-167, jan./jun. 2002. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009 | 87 Revista da FAE Análise da qualidade percebida em uma organização de serviço Analysis of perceived quality in a service organization Resumo Nara Medianeira Stefano* Leoni Pentiado Godoy** O setor serviços destaca-se cada vez mais na economia mundial. Seu grande desafio é oferecer serviços de qualidade aos clientes, que se tornam mais exigentes e críticos em relação aos serviços recebidos. Este artigo tem por objetivo avaliar a qualidade dos serviços prestados em uma empresa localizada na região central do Rio Grande do Sul (RS), bem como identificar quais as variáveis das dimensões da qualidade que superam as expectativas dos clientes. Para a coleta dos dados foi elaborado um questionário adaptado do modelo SERVQUAL, para mensurar o serviço percebido, no qual os clientes avaliaram a qualidade dos serviços nas suas diversas dimensões de qualidade, através de uma escala pré-estabelecida. Para análise dos dados, utilizou-se a ferramenta Análise Fatorial e Modelo Gap (falhas). Os dados foram tratados através do software Statística 7.0 e Excel. Os resultados mostraram que, no geral, a empresa apresenta resultados satisfatórios na percepção dos clientes, porém apresentando algumas oportunidades de melhoria. Palavras-chave: serviços; análise fatorial; gap; qualidade. Abstract The services sector stands out more and more in global economy. Its biggest challenge is to offer service of quality to customers, who have become more demanding and critical in relation to the delivered service. This study has the aim of evaluating the quality of the service provided in a company located in the central region of Rio Grande do Sul (RS), as well as identifying which are the variables of the quality dimensions that overcome customer expectations. For data collection was gathered by a questionnaire adapted from SERVQUAL model for measuring the perceived service, in which customers evaluated the quality of the service in its several quality dimensions, throughout a pre established scale. The Factorial Analysis tool and the Gap Model (failures) were used to analysis the data and the Statitica 7.0 and the Excel softwares were used for processing it. The results showed that, in general, the company presents satisfactory results in the customer perception; however, it presents some opportunities for improvement. Keywords: services; factorial analysis; gap; quality. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.89-98, jul./dez. 2009 * Mestre em Engenharia de Produção (UFSM). Pesquisadora do grupo de Sistemas de Gestão Empresarial da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: [email protected] ** Doutora em Engenharia de Produção (UFSM). Professora do Programa de PósGraduação de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: [email protected] | 89 Introdução empresas de serviços possam monitorar a qualidade no atendimento, e conhecer as necessidades e expectativas O crescimento econômico está desencadeando uma busca na melhoria de gestão do setor de serviços. dos seus clientes, fazendo com que, as mesmas sobre vivam e prosperem no mercado. A preocupação voltada unicamente para o aumento da produtividade já não atende aos novos requisitos do panorama competitivo. Paralelamente, as empresas 1 Qualidade em serviços procuram racionalizar o investimento em atividades de controle e melhoria da qualidade, de modo a garantir uma relação custo/benefício favorável, uma vez que a análise dos fatores que contribuem para a manutenção e conquista do mercado se torna imprescindível. Os serviços apresentam grande participação na economia brasileira, os dados do Anuário Estatístico, publicado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC (2007) mostram que a participação do setor serviços tem ultrapassado 50% nos últimos quinze anos. Em serviços, a avaliação da qualidade surge ao longo do processo de prestação. Cada contato com o cliente é referido como sendo um momento da verdade, uma oportunidade de satisfazer ou não o cliente. A satisfação do cliente com a qualidade do serviço pode ser mensurada pela comparação da percepção do serviço prestado com as expectativas do serviço desejado (PARASURAMAN, 2004; PARASURAMAN; BERRY; ZEITHAML, 1985, 1988). As definições de qualidade em serviço, normalmente, Na prestação de serviços encontram-se oportuni focam o encontro das necessidades e requisitos dos dades para a obtenção de vantagens competitivas. clientes e, também, como o serviço prestado alcança as Estas operações são divididas em duas partes: a que expectativas dos clientes. tem contato com o cliente e outra que não tem, esta vantagem competitiva pode estar relacionada à qualidade do serviço prestado e ao seu processo de fornecimento (RASILA; GERSBERG, 2007). Ter competitividade significa ser capaz de minimizar as ameaças de novas empresas, Zeithaml e Bitner (2003) atribuem a qualidade de serviços, a discrepância que existe entre as expectativas (importância) e as percepções (qualidade percebida) do cliente com relação a um serviço experimentado. Desta forma, a percepção da satisfação dos clientes vencer a rivalidade imposta por concorrentes, ganhar e com a qualidade dos serviços recebidos é diretamente manter fatias de mercado, reduzir o poder de barganha proporcional com a possibilidade da falha de suas de fornecedores e consumidores. expectativas. Logo, quando o prestador de serviços Os desejos e exigências dos clientes sofrem cons compreender como estes serão avaliados pelos clientes tantes modificações. Por essa razão os serviços devem será, então, possível saber como gerenciar essas ser constantemente avaliados (SCHMENNER, 2004). avaliações e como influenciá-las na direção desejada. Assim, considera-se a qualidade dos serviços um fator Nesse sentido, o resultado pode alcançar três fundamental para a manutenção e aumento da compe situações: o serviço prestado excede a expectativa titividade. Este artigo tem como objetivo avaliar a do cliente, sendo que, este percebe uma qualidade qualidade dos serviços prestados, através da análise excepcional; e, quando o serviço prestado fica aquém fatorial, em uma empresa localizada na região central do das expectativas, a qualidade do serviço é inaceitável; RS, bem como identificar quais variáveis das dimensões e, se as expectativas são plenamente correspondidas da qualidade superam as expectativas na ótica dos pela prestação de serviço, a qualidade é considerada clientes externos. satisfatória. Entender as expectativas do consumidor Justificativa-se a importância e a relevância deste é o ponto central (VINAGRE; NEVES, 2008) para o estudo, no âmbito empresarial, pelo fato de que as entendimento da satisfação. O cliente satisfeito retor 90 | Revista da FAE na e divulga a empresa aos amigos e familiares. O de reduzir a dimensão dos dados e possibilitar seu cliente insatisfeito divulga o fato a tantas pessoas que agrupamento em fatores, de acordo com seu compor encontrar, pois ele deseja expor a situação desagradável tamento, sem perda de informação (HAIR et al., 2005). que vivenciou. Assim, a propagação desta experiência A análise fatorial parte da estrutura de dependência negativa alcança maior número de pessoas, gerando existente entre as variáveis de interesse (em geral repre resultados negativos para a empresa. sentada pelas correlações ou covariâncias entre elas), A qualidade dos serviços prestados proporciona um fator positivo (TSAI; LU, 2005) na continuidade do consumo, principalmente, quando se estreitam as relações de intangibilidade entre qualidade e serviços. A garantia e a confiança originadas pelas experiências anteriores são itens fundamentais para determinar a qualidade percebida pelos clientes. Ainda, conforme os autores, a excelente qualidade dos serviços pode criar uma vantagem competitiva, importante para a empresa em sua relação com os clientes. A vantagem competitiva (Porter, 1999) surge fundamentalmente do valor que uma empresa consegue criar para seus compradores e que ultrapassa o custo de fabricação. Na atualidade, os consumidores de serviço bus cam menores preços, serviços personalizados e com qualidade. Futuramente, essas exigências tenderão a serem maiores e mais específicas, devido às exigências do mundo globalizado, onde a concorrência torna-se cada vez mais acirrada e ao mesmo tempo real e virtual, exigindo a criação de serviços que fidelizem os clientes (STEFANO et al., 2007). permitindo a criação de um conjunto menor (variáveis latentes, ou fatores) obtidas como função das originais. É possível, também, saber o quanto cada fator está associado a cada variável e o quanto o conjunto de fatores explica da variabilidade geral dos dados originais. Aplica-se este tipo de análise (LASH; JANKER, 2005), frequentemente, quando estamos interessados no com portamento de uma variável ou grupos de variáveis em co-variação com outras. A análise fatorial é uma técnica de análise multivariada que tem como objetivo examinar a interdependência entre variáveis e a sua principal característica é a capacidade de redução de dados. A extração dos fatores pode ser realizada por meio do modelo de Análise de Componentes Princi pais (ACP). É um método estatístico multivariado que permite transformar um conjunto de variáveis iniciais correlacionadas entre si, num outro conjunto de variá veis não-correlacionadas (ortogonais), as chamadas componentes principais, que resultam de combinações lineares do conjunto inicial (HAIR et al., 2005). Realizada a solução fatorial devem ser examinadas todas as variáveis destacadas em cada fator e nomear um Portanto, a mensuração da qualidade em serviços “rótulo” que melhor o represente. Variáveis com maior está diretamente relacionada ao grau de satisfação do carga fatorial são consideradas de maior importância e cliente. Assim, os conceitos de satisfação e qualidade devem influenciar mais sobre o “rótulo” do fator. percebida são distintos. A qualidade percebida é uma avaliação global do serviço relacionada à superioridade do serviço, enquanto, a satisfação está relacionada a uma transação especifica, isto é, a qualidade num 3 Metodologia determinado momento ou etapa do serviço. O presente artigo é de natureza descritiva e tem como base a pesquisa quantitativa. A coleta de dados 2 Análise fatorial foi realizada através da aplicação de questionário. Foi adaptada da Escala SERVQUAL e então passou a basear-se nas seguintes dimensões da qualidade: tangi A análise fatorial tenta identificar um conjunto menor de variáveis hipotéticas (fatores), com o objetivo Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.89-98, jul./dez. 2009 bilidade, fiabilidade, receptividade, garantia e empatia, conforme o quadro 1. | 91 As questões utilizadas para a análise fatorial foram QUADRO 01 - DIMENSÕES DA QUALIDADE UTILIZADAS NA PESQUISA Dimensões Descrição estruturadas com base no modelo de escala de Likert, Tangibilidade Aparência das instalações físicas, equipamentos, pessoas e materiais de comunicação onde havia cinco opções, as quais variavam de 1 a 5, Fiabilidade Habilidade de realizar o serviço prometido de forma confiável e segura sendo 1 o ponto de menor e 5 o de maior importância. Receptividade Disposição para ajudar o usuário e fornecer um serviço com rapidez de resposta e presteza Garantia Conhecimento e cortesia do funcionário e sua habilidade em transmitir segurança Empatia Fornecimento de atenção individualizada aos clientes, facilidade de contato e comunicação FONTE: Adaptado de Parasuraman, Berry e Zeithaml (1985) Primeiramente, os clientes responderam a respeito do Serviço Ideal: (1) sem importância; (2) pouco importante; (3) indiferente; (4) muito importante; (5) extremamente importante; e, posteriormente, o Serviço Percebido: (1) ruim; (2) regular; (3) indiferente; (4) muito bom; (5) excelente. No questionário foram utilizadas vinte (20) ques Foi definido o tamanho da amostra (equação 1) a tões aplicadas aos clientes externos, como pode ser ser utilizada na pesquisa. A fórmula é mostrada a seguir visualizado no quadro 2. (LOPES, 2008), com distribuição normal: Z2 α/2 = 1,96; QUADRO 02 - ITENS QUE COMPUSERAM O QUESTIONÁRIO DA PESQUISA Abreviatura p = 0,9; q = 0,1; e N= 4950 ao nível de significância de Avaliação da empresa em relação a: 5%, a amostra mínima é de 35 entrevistados, de acordo DIMENSÃO TANGIBILIDADE como a tabela 1. Portanto, foram aplicados cem (100) INSCONF A empresa possui instalações confortáveis e atraentes EQPMODER Possui equipamentos modernos BOAAPRES Os funcionários apresentam boa apresentação MATPROM Os materiais promocionais (cartazes, folders etc.) são agradáveis e de fácil visualização questionários aos clientes. n= DIMENSÃO FIABILIDADE CUMPRAZ Quando a empresa promete fazer algo num determinando prazo cumpre as suas promessas PROBLRESOL Quando você tem um problema os funcionários mostram sincero interesse em resolvê-lo AULTEOR As aulas teóricas e práticas são ministradas e preparadas cuidadosamente PROCECORR A empresa realiza corretamente os procedimentos desde a primeira vez DIMENSÃO RECEPTIVIDADE Z2 α/2 • p • q • N (1) e2 (N – 1) + Z2 α/2 • p • q Onde: Z: valor tabelado (distribuição normal padrão) p: percentual estimado q= (1-p): Complemento de p RESPRAP Você é prontamente atendido e: erro amostral BOMATEND Os funcionários demonstram boa vontade em atender os clientes N: população amostral DISPON Os funcionários estão sempre disponíveis para prestar informações α: nível de significância SOLUCIMED Os funcionários buscam soluções imediatas para os problemas dos clientes TABELA 01 - AMOSTRA MÍNIMA (N) EM FUNÇÃO DO ERRO (E) DIMENSÃO GARANTIA O comportamento dos funcionários da empresa gera confiança nos clientes e n e n e n COMPCONF 1% 2037 2% 737 2,5% 499 SEGUR Como cliente, sinto-me seguro ao chegar à empresa 3% 358 4% 208 5% 136 EDUCCORT Os funcionários são educados e corteses com os clientes 6% 95 7% 71 10% 35 COMP Em sua opinião os funcionários têm competência para responder as suas dúvidas DIMENSÃO EMPATIA ATENDPERS Você recebe um atendimento personalizado ATENÇNESS A empresa tem funcionários que proporcionam atenção adequada às suas necessidades HORFUNC Em sua opinião, a empresa possui um horário de funcionamento conveniente SERQUALI Para você, a empresa está atenta para oferecer o melhor serviço para o cliente FONTE: Adaptado de Parasuraman, Berry e Zeithaml (1988) 92 | FONTE: Lopes (2008) Na análise dos resultados, foi utilizada a técnica de análise fatorial (MALHOTRA, 2001), para tanto, deve ser utilizada a aplicação da rotação nos fatores, para facilitar o entendimento dos mesmos. Na presente pesquisa utilizou-se a Rotação Varimax (HAIR et al., 2005), com o intuito de maximar o peso de cada variável dentro Revista da de cada fator e como critério de extração foi definido autovalor maior que 1. FAE TABELA 02 - GRAU DE ESCOLARIDADE: CLIENTES E GERENTES Grau de Escolaridade Clientes Percentagem 24% A mensuração da adequação da aplicação da aná 1° Frequência 24 lise fatorial para um determinado conjunto de dados 2° 57 57% foi realizada através de dois testes: Kaiser-Meyer-Olkin 3° Total 19 100 19% 100% (KMO) e de Esfericidade de Bartlett. O KMO apresenta FONTE: Os autores (2008) valores normalizados (entre 0 e 1,0) e mostra qual é a proporção da variância que as variáveis (questões do instrumento utilizado) apresentam em comum ou a proporção que são devidas a fatores comuns; em outras palavras, significa se a análise fatorial é apropriada ou não. 4.2 Análise fatorial para o serviço percebido Fez-se necessário testar a consistência interna entre as vinte variáveis. Este procedimento foi feito por meio do Alpha de Cronbach, o qual apresentou um valor geral O teste de Esfericidade de Bartlett é baseado na igual a 0,9367. Um valor de pelo menos 0,70 (variam distribuição estatística de chi-quadrado e testa a hipótese entre 0 a 1) reflete uma fidedignidade aceitável (HAIR (nula H0), onde a matriz de correlação é uma matriz et al., 2005), embora este valor não seja um padrão identidade (cuja diagonal é 1,0, as demais são iguais absoluto. Os autores esclarecem, ainda, que valores a zero), ou seja, não há correlação entre as variáveis Alpha de Cronbach inferiores a 0,70 são aceitos se a (PEREIRA, 2001). Valores de significância maiores de pesquisa for de natureza exploratória. Enquanto para 0,100 indicam que os dados não são adequados para Malhotra (2001), o valor de corte a ser considerado é o tratamento de análise fatorial e a hipótese dever ser 0,60, isto é, abaixo desse valor o autor considera que a aceita. Porém, valores menores que o indicado permitem fidedignidade é insatisfatória. rejeitar a hipótese nula. Na tabela 3, agruparam-se as variáveis pesquisadas Quanto ao teste de Esfericidade de Bartlett, este em grupos, denominados fatores, os quais descrevem visa identificar se a correlação entre as variáveis é a percepção dos clientes externos acerca de itens rela significativa, a ponto de apenas alguns fatores poderem cionados aos serviços prestados pela empresa. A partir representar grande parte da variabilidade dos dados. da geração da fatorial, quatro fatores foram obtidos Caso esse nível de significância seja próximo de zero, com autovalor superior a 1 (critério da raiz latente). então, a aplicação da análise fatorial é adequada. Os quatro fatores equivalem a uma explicação de 65,67% (variância acumulada), aproximadamente, da variabilidade total dos dados. Na análise por meio do 4 Análise dos Resultados teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), foi encontrado um valor de 0,863, indicando adequação dos dados para análise, pois de acordo com Hair et al. (2005), valores 4.1 Análise das variáveis demográficas mais próximos de 1 indicam adequação da mostra para análise. A maioria dos clientes participantes da pesquisa, No teste de esfericidade de Bartlett, obteve-se com ou seja, 64%, são do sexo masculino, e 36% feminino. a aproximação chi-quadrado um valor de 1103,06, com Dos 100 clientes entrevistados, 57% possuem o ensino 190 graus de liberdade e nível de significância 0,01, médio (2° grau), 24% o ensino fundamental (1° grau) e assim rejeitando-se a hipótese nula de que a matriz 19% superior (3° grau). de correlação é uma matriz identidade. A tabela 3, Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.89-98, jul./dez. 2009 | 93 também, mostra o valor da comunalidade para cada avaliação da relevância de cada variável na formação de variável. Comunalidade é a quantia total de variância cada fator. Somente o fator 1, como mostra a figura 1, que uma variável original compartilha com todas as contribui com 38,39% da variabilidade total dos dados, outras análises (HAIR et al., 2005). As comunalidades sendo assim, o de maior importância na análise, e encontra- variam entre 0 e 1, sendo 0 quando os fatores comuns se representado no eixo das abscissas. O fator 1 mostra com não explicam nenhuma variância da variável e 1 quando maior representatividade a variável BOAAPRES com carga explicam toda a sua variância. fatorial de 0,8643. Essa variável questiona a respeito da boa apresentação dos funcionários. Destacam-se, ainda, as TABELA 03 - CARGAS FATORIAIS, AUTOVALORES E VARIÂNCIA ACUMU- variáveis EQPMODER (se a empresa possui equipamentos modernos) com carga fatorial igual a 0,7871, INSCONF LADA APÓS A ROTAÇÃO VARIMAX NORMALIZADA Abreviatura Fator 1 Fator 2 Fator 3 Fator 4 Comunalidade (esta variável questionou se a empresa possui instalações confortáveis e atraentes) com carga fatorial 0,7531 e INSCONF 0,7531 0,0900 0,3185 0,1157 0,65747 EQPMODER 0,7871 0,1244 0,1580 -0,1313 0,66174 BOAAPRES 0,8643 0,1119 0,0994 0,0657 0,63509 MATPROM 0,7309 0,1750 0,2180 0,1950 0,58717 empresa) com carga fatorial igual a 0,7309. Portanto, o CUMPRAZ 0,5433 0,1317 0,5166 0,1508 0,69619 fator 1 foi rotulado (HAIR et al., 2005) como “muito bom” PROBLRESOL 0,3741 -0,0118 0,5678 0,3698 0,66774 na percepção dos clientes. Sendo que estas variáveis que AULTEOR 0,5680 -0,0012 0,5525 0,3034 0,73545 PROCECORR 0,5322 0,0350 0,3182 0,5466 0,74526 compõem o fator referem-se à dimensão tangibilidade. RESPRAP 0,0540 0,2201 0,7616 0,0201 0,71883 FIGURA 01 - REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DO FATOR 1 VERSUS BOMATEND 0,3767 0,3017 0,6024 -0,2945 0,69168 DISPON 0,2628 0,1669 0,7780 0,0644 0,73547 SOLUCIMED 0,3850 0,0950 0,6367 0,2910 0,80892 COMPCONF 0,0384 0,6653 0,2112 0,5056 0,77456 SEGUR 0,0352 0,5860 0,2482 0,4136 0,62176 EDUCCORT 0,1598 0,5842 0,0874 0,4782 0,67821 COMP 0,0847 0,6040 -0,0071 0,5875 0,85890 ATENDPERS 0,1436 0,7058 0,1722 0,0259 0,57482 ATENÇNESS 0,2169 0,7884 -0,0284 -0,0729 0,68929 HORFUNC 0,1224 0,7209 0,0595 0,0527 0,67065 SERQUALI -0,0643 0,7798 0,2243 0,0022 0,79603 7,6780 3,0450 1,2640 1,1470 38,390% 15,227% 6,321% 5,734% Autovalores (eigenvalues) (%) de variância Autovalores acumulados Variância Acumulada 7,6780 10,723% 12,988% 13,135% 38,390% 53,617% 59,939% 65,673% FONTE: Os autores (2008) Levando em conta o critério da significância esta tística, onde a significância da carga fatorial depende do tamanho da amostra em estudo, admitiu-se um valor mínimo de 0,5652 para cargas fatoriais significativas, em uma amostra de 100 elementos. MATPROM (relacionada aos materiais promocionais da FATOR 2 FONTE: Os autores (2008) Quanto ao fator 2, este explica 15,22% da varia bilidade total dos dados, apresentando com maior destaque a variável ATENÇNESS (a empresa tem fun cionários que proporcionam atenção adequada às suas necessidades), com carga fatorial igual a 0,7884. Neste fator é importante destacar que todas as variáveis com cargas significativas fazem parte das dimensões garantia e empatia. Para Gianesi e Corrêa (2006), As figuras 1 e 2 mostram os planos fatoriais entre contribui para boa avaliação nesta dimensão a atenção os fatores. A representação gráfica das dimensões personalizada dispensada ao cliente, principalmente latentes (LOPES; ZANELLA, 2007) possibilita uma melhor quando o cliente percebe que os funcionários do compreensão do comportamento das variáveis e a fornecedor do serviço o reconhecem. A cortesia dos 94 | Revista da funcionários também é um elemento importante para criar uma boa percepção. FAE Quanto ao fator 4, que representa 5,73% da va riabilidade total dos dados, está representado no Gianese e Corrêa (2006), fazendo menção à dimen eixo das coordenadas. Observa-se que apenas uma são da garantia, salientam que o cliente percebe certo variável COMP apresenta significância e possui carga grau de risco ao comprar um serviço por não poder fatorial de 0,5875. Esta variável questiona a respeito da avaliá-lo antes da compra. Esta percepção de risco varia competência dos funcionários para responder as dúvidas com a complexidade das necessidades do cliente e com dos clientes. As demais variáveis estão próximas à ori o conhecimento que este tem do processo de prestação gem das coordenadas, desta forma não influenciando de serviço. Este critério se refere, à formação de uma significamente na explicação do fator 4. A variável COMP baixa percepção de risco no cliente e à habilidade de está relacionada à dimensão garantia da qualidade. transmitir confiança. Reduzir a percepção do risco do cliente é condição fundamental para que ele se disponha a comprar o serviço. Este critério será mais importante quanto maior for o risco percebido pelo cliente e quanto maior for o valor do serviço em jogo na prestação do serviço, ou seja, se é a vida do cliente que está em jogo, ele dará mais credibilidade à segurança No plano fatorial mostrado na figura 2, observa-se a representação do fator 3 versus o fator 4. No fator 3 encontra-se no eixo das abscissas e representa 6,32% da variabilidade total dos dados. Onde a variável de maior significância é DISP (os funcionários estão sempre disponíveis para prestar informações) com carga fatorial igual 0,7780, seguida pela variável RESPRAP (carga fatorial 0,76 16) que questiona a respeito da prontidão 4.3 O modelo gap (falhas) para a análise do serviço ideal A próxima etapa deste estudo constituiu-se na avaliação do nível de qualidade ideal dos serviços no ponto de vista dos usuários. Foi utilizado o modelo gap (falhas) para confrontar o Serviço Ideal e o Percebido. O modelo de análise de gaps da qualidade desenvolvido por Parasuraman, Zeithaml e Berry (1985) é um dos trabalhos mais consistentes produzidos para o setor de serviços e é destinado à análise das fontes dos problemas da qualidade para auxiliar as empresas prestadoras de serviço a compreender como a qualidade pode ser no atendimento. Ambas as variáveis da dimensão recep melhorada. Um gap positivo significa que os usuários tividade. A variável PROBLRESOL, relacionada ao sincero estão muito satisfeitos com os serviços entregues. interesse do funcionário em resolver algum problema que surge, apresentou significância de 0,5678. FIGURA 02 - REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DO FATOR 2 VERSUS FATOR 3 O modelo dos gaps (Falhas) possibilita identificar as “falhas” entre o Serviço Ideal e o Percebido pelos usuários: gap 1 = discrepância entre expectativas dos usuários e percepções dos gerentes sobre essas expectativas; gap 2 = discrepância entre percepção dos gerentes das expectativas dos usuários e especificação de qualidade nos serviços; gap 3 = discrepância entre especificação de qualidade nos serviços e serviços realmente oferecidos; gap 4 = discrepância entre serviços oferecidos e aquilo que é comunicado ao usuário; gap 5 = discrepância entre o que o usuário espera receber e a percepção que ele tem dos serviços oferecidos. Os primeiros quatro gaps contribuem para o quinto, que é exatamente onde reside o problema: expectativa do usuário versus percepção dos serviços oferecidos. Assim, a quinta lacuna foi estabelecida FONTE: Os autores (2008) Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.89-98, jul./dez. 2009 como uma função das quatro lacunas anteriores, isto é, | 95 gap 5 = f (gap 1, gap 2, gap 3, gap 4); o gap 5 ocorre e as médias do Percebido (P), fica evidente que, 75% quando as expectativas não são superadas, quanto maior das afirmações, as médias encontradas para o Ideal esse valor mais insatisfeito estará o consumidor com são superiores as do Percebido. Indicando a existência relação ao serviço prestado. Para este artigo será analisado de espaço para melhorias nas operações realizadas o gap 5. A tabela 4 mostra a análise descritiva dos gaps para o atendimento dos clientes na empresa. Pois, um (falhas), média, desvio-padrão, coeficiente de variação. cliente satisfeito (BENNET; BARKENSJO, 2005) é capaz TABELA 04 - MÉDIAS, DESVIO PADRÃO, COEFICIENTES DE VARIAÇÃO E GAP DAS ESCALAS DE EXPECTATIVA E DE PERCEPÇÃO (CLIENTE EXTERNO) Questões Percebido (P) DP (P) CV %* (P) Ideal (I) DP (I) CV % (I) de retornar ao local de compra em vários momentos e de expor positivamente a imagem da empresa em sua cadeia de relacionamentos. GAP 5 (P-I) Estes gaps observados podem ser indicativos de INSCONF 4,05 0,9031 0,2230 3,90 1,1591 0,2972 0,15 insatisfação dos clientes referentes às diferentes dimen EQPMODER 4,17 0,7792 0,1869 3,71 1,1128 0,3000 0,46 sões de avaliação do serviço prestado. Os maiores BOAAPRES 4,24 0,8776 0,2070 4,13 0,9504 0,2301 0,11 MATPROM 4,48 0,7175 0,16015 4,40 0,9211 0,2093 0,08 gaps foram encontrados na dimensão receptividade Tangibilidade 4,23 0,8193 0,1937 4,03 1,0358 0,2570 0,20 na variável, (os funcionários estão sempre disponíveis CUMPRAZ 4,28 0,8175 0,1910 4,41 0,9857 0,2235 -0,13 para prestar informações – DISPON) e fiabilidade na PROBLRESOL 4,32 0,8514 0,1971 4,37 0,9063 0,2073 -0,05 AULTEOR 4,24 0,9224 0,2175 4,40 0,9320 0,2118 -0,16 variável (as aulas teóricas e práticas são ministradas e PROCECORR 4,31 0,8250 0,1914 4,35 0,9468 0,2176 -0,04 Fiabilidade 4,29 0,8541 0,1990 4,38 0,9427 0,2152 -0,09 Na visão de Zeithaml e Bitner (2003), algumas razões RESPRAP 4,27 0,7895 0,1849 4,36 0,8589 0,1970 -0,09 BOMATEND 4,21 0,7006 0,1664 4,54 0,8810 0,1940 -0,33 contribuem para a existência do gap 5, são elas: falta de DISPON 4,21 0,8563 0,2034 4,47 0,7714 0,1725 -0,26 SOLUCIMED 4,21 0,9022 0,2143 4,42 0,8549 0,1934 -0,21 uso inadequado dos resultados da pesquisa, deficiência Receptividade 4,22 0,8121 0,1924 4,45 0,8415 0,1891 -0,23 na interação entre o gerenciamento e os clientes, comu COMPCONF 4,37 0,8722 0,1996 4,39 0,9309 0,2120 -0,02 SEGUR 4,36 0,8229 0,1987 4,41 0,8420 0,1909 -0,05 nicação inadequada, falta de comprometimento com EDUCCORT 4,52 0,6739 0,1490 4,41 0,8299 0,1882 0,11 COMP 4,40 0,8288 0,1883 4,51 0,8348 0,1851 -0,11 tarefas, carência de ferramentas e tecnologia apropriadas, Garantia 4,41 0,8000 0,1814 4,43 0,8594 0,1940 -0,02 deficiência no trabalho em equipe, comunicação inade ATENDPERS 4,23 0,7635 0,1804 4,24 0,8542 0,2014 -0,01 ATENÇNESS 4,15 0,9143 0,2203 4,32 0,8632 0,1998 -0,17 quada entre os diversos prestadores de serviço. HORFUNC 4,25 0,8087 0,1903 4,32 0,8748 0,2020 -0,07 No geral, o desempenho dos serviços percebidos SERQUALI 4,38 0,8138 0,1858 4,45 0,9303 0,2090 -0,7 se apresentou próximo ao nível ideal, embora havendo Empatia 4,25 0,8251 0,1941 4,33 0,8806 0,2033 -0,08 espaços para a implantação de melhorias. Porém, cabe FONTE: Os autores (2008) Nota: E – Expectativa; P – Percepção; DP – Desvio Padrão; CV – Coeficiente de Variação. O CV é a razão entre o desvio-padrão e a média e está apre sentado como porcentagem (%). Se: Se CV: menor ou igual a 15% – Baixa dispersão (homogênea, estável). Entre 15 e 30% – Média dispersão. Maior que 30% – Alta dispersão – heterogênea. Quanto aos coeficientes de variação encontrados para os clientes, observar-se que, nas vinte questões, tanto em termos do Serviço Ideal como para Percebido, preparadas cuidadosamente – AULTEOR). pesquisa sobre as percepções e expectativas dos clientes, a qualidade de serviço, padronização inadequada das destacar que o mercado no setor serviços está cada vez mais competitivo, e as dimensões da qualidade representadas pelos cinco gaps podem ser estratégias competitivas para a empresa. 5 Propostas de melhoria para a organização obteve-se um percentual inferior a 30%, o que representa que as médias são representativas para o conjunto de Através dessa investigação possibilitou-se iden dados analisados, isto é, os valores são considerados tificar a existência de fatores que podem ser melhorados, satisfatórios. Comparando as médias do serviço Ideal (I) com relação aos serviços prestados pela organização, no 96 | Revista da sentido de oferecer serviços de maior qualidade, estando FAE Considerações finais pronta para atender às demandas dos clientes. O presente artigo buscou mostrar a importância 5.1 Proposta 1: Tangibilidade As sugestões são baseadas nos itens que foram con da qualidade em serviços, em uma empresa prestadora de serviços, considerando as expectativas versus percep ções, por meio da análise e o Modelo Gap (falhas). siderados essenciais pelos entrevistados, sugerindo-se: O Modelo Gap possibilitou mensurar a diferença rever as instalações físicas, tais como edifício, móveis, entre o Serviço Percebido e o Ideal. Os resultados equipamentos, veículos e outros, adequando ou substi deixam claro que, em alguns pontos, as expectativas tuindo por outro, moderno, confortável e funcional. não são excedidas, existindo necessidades de mudanças, principalmente, no que tange à dimensão receptividade, sendo um fator importante para o sucesso em ambientes 5.2 Proposta 2: Receptividade Sugere-se: desenvolver aspectos organizacionais para o cumprimento de prazos e compromisso com o cliente e providenciar treinamento contínuo aos instrutores para que possam estar sempre atualizados e preparados para melhor compreender as necessidades dos clientes. de serviços. Como forma de analisar os dados, utilizou-se a análise fatorial. As variáveis foram agrupadas em quatro fatores, possibilitando, assim, identificar as variáveis de maior importância na percepção dos clientes: fator 1 = instalações confortáveis e atraentes, equipamentos modernos, boa apresentação dos funcionários, mate riais promocionais e aulas teóricas ministradas e pre paradas cuidadosamente; fator 2 = comportamento 5.3 Proposta 3: Garantia Utilizar técnicas de treinamento e relacionamento interpessoal, criar mecanismos de feedback direcionados à solução dos problemas relatados pelos clientes e rever a forma de comunicação entre os departamentos, pois, em algumas situações, a baixa qualidade percebida dos serviços prestados se dá pela comunicação inadequada entre departamentos, e não propriamente por uma falha no serviço. dos funcionários gera confiança, sinto-me seguro ao chegar à empresa, educação e cortesia dos funcionários, competência dos funcionários em responder às dúvidas, atendimento personalizado, atenção às necessidades dos clientes, horário de funcionamento e, a empresa está atenta para oferecer o melhor serviço para o cliente; fator 3 = unicamente a variável os funcionários estão sempre disponíveis (prontidão na resposta) para prestar informações; fator 4 = somente a variável competência dos funcionários em responder às dúvidas. Os resultados deixam claro que, em alguns pontos, as expectativas não são excedidas, existindo 5.4 Proposta 4: Empatia necessidades de mudanças, principalmente, no que tange ao atendimento da empresa, sendo um fator Definir os objetivos para a qualidade de serviços importante para o sucesso em ambientes de serviços. baseados em padrões orientados para os usuários, Em vista disso, no setor de serviço, os clientes são peças- implantar treinamento comportamental com todos os chave para a vantagem competitiva; a organização não envolvidos na prestação dos serviços: de forma que deverá medir esforços para possibilitar aos funcionários adquiram habilidades e capacitação para transmitir treinamentos para superar as expectativas e necessi atenção e empatia aos clientes –, rever o horário de dades dos clientes. A partir dessas considerações, a funcionamento. empresa poderá investir na manutenção dos aspectos Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.89-98, jul./dez. 2009 | 97 considerados positivos e reavaliação dos procedimentos das necessidades e expectativas dos seus clientes, fa para com os de aspectos conflitantes. zendo com que as mesmas possam sobreviver e pros Por fim, evidencia-se neste artigo que é importante para as organizações, principalmente para as empresas de serviços, monitorarem a qualidade no atendimento perar no mercado. •Recebido em: 15/09/2009 •Aprovado em: 05/10/2009 Referências BENNETT, R.; BARKENSJO, A. Relationship quality, relationship marketing and client perceptions of the levels of service quality of charitable organizations. International Journal of Service Industry Management, Bradford, England, v.16, n.1, p.81-106, jan.2005. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Secretaria do Desenvolvimento da Produção. Anuário Estatístico. 2007. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/sitio/>. Acesso em: 10 mar. 2008. GIANESI, I. G. N.; CORRÊA, H. L. Administração estratégica de serviços. São Paulo: Atlas, 2006. HAIR, J. et al. Análise multivariada de dados. 5.ed. Porto Alegre: Bookman, 2005. LASCH, R; JANKER, C. G. Supplier selection and controlling using multivariate analysis. International Journal of Physical Distribution & Logistics Management, Bradford, England, v.35, n.6, p.409-425, Jun. 2005. LOPES, L. F. Estatística e qualidade & produtividade. Fórmula para cálculo da amostra. Disponível em: <http://www. felipelopes.com/principal/principal.asp>. Acesso em: 09 abr. 2008. LOPES, L. F. ZANELLA. A. Identificação de fatores que influenciam na qualidade do ensino de matemática, através da análise fatorial. Revista Eletrônica Sistemas & Gestão, Niterói, v.2, n.2, p.162-174, jan./abr. 2007. MALHOTRA, N. Pesquisa de marketing: uma orientação aplicada. 3.ed. Porto Alegre: Bookman, 2001. PARASURAMAN, A. Assessing and improving service performance for maximum impact: insights from a two-decade-long research journey. Performance Measurement and Metrics, Bingley, UK, v.5, n.2, p.45-52, Apr. 2004. PARASURAMAN, A.; BERRY, L. L.; ZEITHAML, V. A. A conceptual model of service quality and its implications for future research. Journal of Marketing, New York, v.49, n.4, p.41-50, Fall 1985. ______. SERVQUAL. A multiple-item scale for measuring consumer perceptions of service quality. Journal of Retailing, New York, v.64, n.1, p.12-40, Spring 1988. PEREIRA, J. C. R. Análise de dados qualitativos: estratégias metodológicas para as ciências da saúde, humanas e sociais. São Paulo: EDUSP, 2001. PORTER, M. E. Estratégia competitiva: técnicas para análise da indústria e da concorrência. 8.ed. Rio de Janeiro: Campus, 1999. RASILA, H. M.; GERSBERG, N. F. Service quality in outsourced facility maintenance services. Journal of Corporate Real Estate, London, v.9, n.1, p.39-49, Jan./Apr. 2007. SCHMENNER, R. W. Service businesses and productivity. Decision Sciences, Atlanta, v.35, n.3, p.333-347, Summer 2004. STEFANO, N. et al. Utilização das dimensões da qualidade e escala Likert para medir a satisfação dos clientes de uma empresa prestadora de serviços. In: ENCONTRO NACIONAL EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO – ENEGEP, 27., 2007, Foz do Iguaçu. Anais… Foz do Iguaçu, 2007. 1 CD-ROM. TSAI, H.; LU, I. The evaluation of service quality using generalized choquet integral. Information Science, New York, v.2, n.4, p.26-38, mar. 2005. VINAGRE, M. H; NEVES, J. The influence of service quality and patients’ emotions on satisfaction. International Journal of Health Care Quality Assurance, Bingley, UK, v.21, n.1, p.87-103, Jan./Mar. 2008. ZEITHAML, V. A.; BITNER, M. J. Marketing de serviços: a empresa com foco no cliente. 2.ed. Porto Alegre: Bookman, 2003. 98 | Revista da FAE Avaliação de resultado financeiro e não financeiro na perspectiva do consumidor: aplicação no varejo de serviço Evaluation of financial and non-financial result in the perspective of the consumer: applied to service retail Resumo Eliane Cristine Francisco Maffezzolli* Paulo Henrique M. Prado** O presente artigo se propõe a avaliar a relação de receitas financeiras e resultados não financeiros da ótica do consumidor, considerando o contexto brasileiro de telefonia celular. O estudo está apoiado nas teorias de relacionamento com o consumidor, com foco na qualidade do relacionamento, tendo em vista a dinamicidade e o crescimento do respectivo mercado. De acordo com os pressupostos teóricos, espera-se maior rentabilidade de clientes satisfeitos e que tenham perspectiva de longo prazo com o uso dos serviços da empresa. Para isto, avaliações não financeiras como satisfação, comprometimento, confiança e lealdade, foram relacionadas com o resultado financeiro de acordo com informações declaradas pelos respondentes sobre o investimento mensal com o serviço de telefonia celular. Foram pesquisados 493 casos em caráter não-probabilístico entre clientes de 4 operadoras de telefonia celular. Para a análise dos dados foi utilizada modelagem estrutural. O modelo de avaliação de qualidade do relacionamento foi corroborado, embora a relação esperada entre satisfação e lealdade com o retorno financeiro não tenha sido observada. Os resultados encontrados sugerem avaliações específicas do setor, onde o comportamento do usuário de telefonia celular não se mostra de forma linear. Os achados sugerem novas perspectivas de análise de qualidade do relacionamento para clientes de mercados em expansão que contam com vasta oferta entre concorrentes. Palavras-chave: marketing; qualidade do relacionamento; resultado financeiro. Abstract The present study intends to evaluate the relationship between financial and non-financial results in the perspective of the consumers in the Brazilian industry of cellular phone. This study is based on the theories of consumer relationship, focused on quality relationship, considered in the dynamics and growth of that market. Regarding theoretical inferences a higher profitability of satisfied consumers who have long term perspective by the use of the company service is expected. According to information stated by the surveyed non-financial evaluations as satisfaction, commitment, trustiness and loyalty were directly to financial results as key factors to their monthly expenditure with cellular phone service. 493 cases were investigated applying non-probabilistic character among clients from four different cell phone companies. The structural equation was used for the data analyses. The model of the evaluation of the quality relationship was confirmed, although the expected relation between satisfaction and loyalty with financial result was not observed. The results founded suggest specific evaluations about the cell phone industry where the consumer’s behavior is not linear. The results suggest new perspectives to analyze the quality relationship for clients of growing markets that present a large competitor offer. Keywords: marketing; quality relationship; financial result. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009 * Doutoranda em Administração de Empresas com ênfase em Comportamento do Consumidor e Estratégias de Marketing (UFPR). Professora no Centro Europeu e na FAE Centro Universitário, onde também é Coordenadora dos cursos de Publicidade e Propaganda e Desenho Industrial. E-mail: [email protected] ** Doutor em Administração de Empresas (FGV-SP). Professor de Marketing da UFPR. E-mail: [email protected] | 99 Introdução considerando que o consumidor adquire uma linha e tende a utilizá-la num período de médio e longo prazo, A gestão da base de clientes e a relação desta com os resultados financeiros da empresa é um ponto crítico a ser estudado em empresas caracterizadas como varejo de serviços. Afinal, tendo em vista que os consumidores tendem a comportamentos diferenciados, por exemplo, em razão dos serviços utilizados e da intensidade de uso, também diferentes receitas são geradas deste consumidor, além de distintas percepções como a ava liações sobre a satisfação e a lealdade do consumidor. Comumente é aceito que um cliente satisfeito tende a ser leal, e que tal situação acerca-se a um melhor rendimento deste para a empresa. Como tais resultados podem ser tratados de forma conjunta e gerar informações úteis para a formulação estratégica de marketing? Além desta necessidade prática, a relevância de estudos e contribuições na área de produtividade de marketing, e mais especificamente, em relações de impacto de resultados não financeiros e financeiros é ressaltada por autores como Guo e Jiraporn (2005), Yeung e Ennew (2000), Calciu e Salermo (2002), Reinartz e Kumar (2003) entre outros. e (2) devido às características do setor, o qual revela números de crescimento otimistas (150,6 milhões de linhas ativas em dezembro de 2008) apesar da ins tabilidade entre os consumidores devido às taxas de troca entre prestadoras deste serviço. O contexto observado nas operadoras de telefonia celular traz algumas questões relevantes a serem refletidas como: qual resposta esperar do cliente em razão dos serviços oferecidos? E desta avaliação, qual resultado pode ser esperado sobre o mesmo, ou seja, quais indicadores podem ser orientadores para uma gestão eficiente da base de clientes? Por fim, os objetivos que nortearam este artigo foram: (1) verificar a relação entre os componentes da Qualidade do Relacionamento (Satisfação, Confiança e Comprometimento) sobre a Lealdade, (2) determinar o modelo de cálculo para o resultado financeiro e (3) examinar a influência dos componentes da Qualidade do Relacionamento (Satisfação, Confiança e Compro metimento) e da Lealdade sobre o indicador de resultado financeiro em um caso aplicado no varejo de serviços. Para operacionalizar um estudo que ilustrasse tal relação, optou-se por verificar na ótica do marketing de relacionamento, como a avaliação dos conceitos 1 Justificativa de Qualidade do Relacionamento e de Lealdade (aqui tratados como resultados não financeiros) estaria rela O mercado de telefonia celular tem apresentado cionada com a receita gerada pelo cliente (LTR – Lifetime mudanças significativas nos últimos anos, seja pelo Revenue), aqui tratado como resultado financeiro. A desenvolvimento tecnológico, aumento da concorrência literatura referente ao conceito de Lealdade indica uma ou pela mudança de comportamento de consumo. Em possibilidade de impacto positivo e significativo destas face destas alterações de mercado, o desenvolvimento variáveis (REICHHELD; SASSER 1990; FORNELL, 1992). de uma ferramenta gerencial que permita monitorar a Desta forma, o presente artigo propôs uma adapta ção entre o modelo estrutural sugerido por Prado (2004) performance não-financeira e seu impacto no valor da carteira de clientes se torna relevante. sobre a Qualidade no Relacionamento, e agregou uma Mais especificamente no Brasil, segundo estatís variável de resultado financeiro representada pela receita ticas da Teleco1 (2009), até dezembro, foram registrados gerada pelo cliente. O contexto empírico utilizado foi o de varejo de serviços de telefonia celular. Dois principais motivos orientaram a escolha deste setor: (1) este serviço é enquadrado sob a ótica de relacionamento, 100 | 1 A Teleco é um serviço virtual de informação em telecomu nicações que disponibiliza um panorama mundial da área, seja por crescimento, perfil de concorrência no mercado, entre outros. Revista da FAE 150,6 milhões de linhas ativas. Este número demonstra o estudo empírico. Em seguida, é feita uma revisão que no país houve uma variação de 24,5% superior dos conceitos apresentados no modelo estrutural ao ano de 2007. Além disto, o crescimento continua. desenvolvido na operacionalização do estudo, bem De acordo com dados do primeiro trimestre de 2009, já como a dedução das hipóteses a serem testadas. eram 153.7 milhões de linhas ativas. Este cenário, de crescimento e expansão de mercado, justifica ações de monitoramento entre o relacionamento do cliente com a empresa e ações de manutenção com os mais rentáveis. Ainda segundo informações divulgadas na Teleco, visto que a ARPU2 dos usuários de pré-pago chega, em algumas operadoras, a ser 7 vezes menor que os de pós-pago, passou-se a dar maior ênfase à aquisição e fidelização de usuários com maior consumo, promovendo planos de controle intermediários entre o pós e pré-pago. Neste sentido, o artigo proposto prevê uma sistematização deste controle. Sendo assim, o modelo proposto tem por objetivo auxiliar na formulação das estratégias competitivas da empresa, visto sua característica de reconhecer pontos fortes e os de maior fragilidade na avaliação do serviço pelo consumidor, além de mostrar a relação entre as variáveis que compõem a Qualidade do Relacionamento e a Lealdade no impacto das avaliações de percepção 2.1 Varejo de serviços O varejo de serviços é definido como uma atividade de prestação de serviços, onde o consumidor não adquire a posse dos bens comprados, mas seus benefícios (PARENTE, 2000). Segundo o mesmo autor, esta é uma das atividades que tem demonstrado crescimento cada vez maior na economia e na vida dos consumidores. Kotler (2000, p.448) conceitua o serviço em si como “qualquer ato ou desempenho, essencialmente intangível, que uma parte pode oferecer a outra e que não resulta na propriedade de nada. A execução de um serviço pode estar ou não ligada a um produto concreto.” Somadas a esta definição, o autor ressalta quatro características, sendo elas, a intangibilidade, a insepa rabilidade, a variabilidade e a perecibilidade. sob a rentabilidade do cliente. Em especial, esta ava Desta forma, o serviço ofertado pelas operadoras liação sobre a Qualidade do Relacionamento se torna de telefonia celular é caracterizado como um tipo relevante na medida em que se compreende que as de varejo de serviço. Apesar do contato com alguma pesquisas de satisfação amplamente utilizadas por lógica física para a aquisição de um aparelho e um empresas como as de telefonia celular podem estar número, após esta compra o consumidor passa a ter sendo subutilizadas, já que este construto não é o único um relacionamento direto com a operadora. É neste indicador que pode afetar o desenvolvimento de uma momento, por exemplo, que a conta do celular passa relação de lealdade, e, por consequência, o crescimento a ser debitada direto na conta do cliente, e este passa das próprias empresas, na ótica do consumidor. a contar com os serviços do site ou da central de atendimento da operadora. Neste sentido, o estudo está focado neste relacionamento do cliente diretamente 2 Revisão da literatura A lógica desenvolvida para apresentar o tema proposto no estudo contempla a uma breve contextua lização do setor de varejo de serviços escolhido para com a sua operadora de serviço. 2.2 Contexto do varejo de serviços de telefonia celular no Brasil Face às mudanças do mercado de telefonia celular 2 Receita média mensal por cliente (e por operadora). Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009 brevemente já apresentadas, somam-se outros índices | 101 de crescimento como a taxa de penetração domiciliar trimestre deste ano, foi umas das duas empresas que demonstra a inclusão que a telefonia celular está pro registraram ARPU maior que a média do Brasil. A TIM, movendo sobre o uso deste tipo de serviço. São 24,5% a embora tenha perdido espaço para Claro e Vivo nos mais de 2007 para 2008. Dos 150,6 milhões de celulares dois últimos anos, demonstra um resultado acima da (dez/2008), 81,47% são pré-pagos. média do Brasil no começo deste ano. A Brasil Telecom, Entretanto, das operadoras ativas no Brasil , o embora tenha se beneficiado às mudanças nas regras market share das empresas foi, até o primeiro trimestre de interconexão promovida pela Anatel em 2005, o que de 2009, respectivamente: Telefônica/Vivo (29,7%), promoveu a volta da cobrança integral dos minutos de Oi/BrT (20,7%), Claro/Embratel/Net (25,8%), Tim (23,5%), uso da rede, demonstra uma redução da rentabilidade outros (0,3%). Destas, Vivo, TIM e Claro respondem por da base de clientes nos dois últimos anos. 3 maior share desde 2008 e a Oi demonstra crescimento acumulado desde 2007. Com tais informações é possível perceber o potencial de crescimento e a atratividade de investimento do Apesar do crescimento e atratividade do setor, setor de telefonia celular. Este é apenas um dos serviços tais resultados podem ser compreendidos ao observar prestados na área de telecomunicações e é tratado detalhadamente o ARPU, onde a média de todas as como foco deste artigo. empresas ativas demonstrou, até o 1º trimestre de 2009, o valor mensal de R$ 24,80 (vinte quatro reais e oitenta centavos). No 1º trimestre de 2009, a Vivo apresentou o maior ARPU, sendo R$ 27 (vinte e sete reais). Já o nível mais baixo (R$ 21,9) foi da Oi, neste mesmo período. Esta situação pode ser compreendida por uma estabilização da Vivo no mercado, recuperando a liderança perdida em 2006, e da entrada da Oi em novos mercados. A Teleco ainda abre estes valores por empresa, conforme mostra a tabela 1: A Qualidade do Relacionamento é sugerida por Henning-Thurau e Klee (1997) como o nível de adequa ção de um relacionamento em atender às necessidades do indivíduo/cliente, integrando para isto os construtos de confiança, comprometimento e qualidade enquanto mediadores da satisfação e retenção do consumidor. Prado (2004), seguindo a lógica de relação antecedenteconsequente entre satisfação e qualidade percebida, TABELA 01 - ARPU POR EMPRESA* EMPRESA 1T08 2T08 3T08 4T08 1T09 propôs uma adaptação na composição deste conceito, VIVO 29,5 28,8 29,4 29,1 27,0 ficando este formado por três variáveis: a satisfação, a CLARO 26,0 26,0 25,0 25,0 23,0 confiança e o comprometimento. Esta segunda com TIM 29,5 29,8 29,7 29,9 26,0 posição foi adotada neste estudo. OI 21,7 22,0 21,4 22,7 21,9 Sendo assim, o construto Qualidade do Relacio BRT 29,8 29,2 28,8 28,6 24,0 namento é tratado como uma variável de segunda ARPU BRASIL 27,5 27,3 27,1 27,2 24,8 FONTE: Adaptado de Teleco (2009) * Não foram divulgados das outras empresas É possível observar que a Vivo está em um processo de recuperação saudável de mercado. No primeiro 3 2.3 Qualidade do relacionamento A Teleco relaciona os grupos de operadoras, sendo elas: Telefônica/Vivo, Oi/BrT, Claro/Embratel/Net, Tim. 102 | ordem e a mensuração deste ocorre de forma individual em cada variável latente que contempla o mesmo. Por este motivo, são definidos os conceitos utilizados no presente construto, sendo eles: Satisfação, Confiança e Comprometimento. A satisfação do consumidor é um construto am plamente estudado em marketing, desde a década de 1960 (OLIVER, 1981). O conceito comumente trabalhado Revista da FAE entre autores da área trata da comparação (ou avaliação) JOHNSON, 1999; GRÖNROOS, 1990). Complementando subjetiva dos níveis esperados e recebidos da experiência esta concepção, Morgan e Hunt (1994) argumentam com o produto ou serviço (OLIVER, 1981; SOLOMON, que esta dimensão existe num relacionamento quando 2002; ENGEL; BLACKWELL; MINARD, 2000), o qual está uma parte acredita na integridade e responsabilidade do relacionado ao paradigma da desconformidade. respectivo parceiro de troca, e afirmam que a dinâmica Este paradigma compreende que a resposta de sa global em que o mercado está imerso traz algumas tisfação ou insatisfação do indivíduo ocorre por meio de premissas como: para ser um competidor eficaz, requer comparação entre a expectativa e o desempenho. Caso a que a empresa seja um cooperador confiável na rede de primeira seja melhor avaliada, uma situação desfavorável relacionamento. é desencadeada. Já se o segundo for predominante, Esta variável é então vista como um ingrediente uma situação favorável será obtida. Ainda num terceiro fundamental para o sucesso no relacionamento momento, se expectativa e performance estiverem equi (GARBARINO; JOHNSON, 1999; DWYER; SCHURR; OH, librados, o resultado será nulo (OLIVER, 1981). 1987; MORGAN; HUNT, 1994), e conforme proposto Estas considerações implicam na forma como a em outros estudos (SIDERSMUKH; SINGH; SABOL, 2002; satisfação é utilizada no contexto a ser analisado. Para PRADO, 2004) é um antecedente da lealdade. Uma fins deste estudo, esta dimensão deve ser compreendida das considerações feitas por esta relação é a redução segundo a ideia de acumulação ou processo, de maneira do risco percebido no relacionamento, seja o risco da semelhante à concepção utilizada por Anderson, Fornell indústria ou do relacionamento em si, conforme já previa e Lehmann (1994, p.54), na qual os autores afirmam que o estudo de Morgan e Hunt (1994) ao comentar sobre “a satisfação cumulativa do consumidor é uma ampla a redução de incerteza e comportamento oportunístico. avaliação baseada em toda a experiência de consumo, Neste contexto, é apresentada a hipótese 3, onde: durante o tempo de relacionamento”. Sendo assim, ao conceito cumulativo atribuído à satisfação na ótica de relacionamento, soma-se o H3: Quanto maior a Confiança, maior será a Lealdade. fato da composição previamente comentada sobre a Qualidade do Relacionamento, e de forma similar ao O comprometimento tem sido conceituado na lite proposto no estudo de Prado (2004), são testadas as ratura como o desejo de continuar um relacionamento relações deste construto com os outros dois, Confiança e manter sua continuidade (WILSON, 1995), e tem sido e Comprometimento, da seguinte forma: usado como um bom indicador de relações duradouras (noção de longo prazo) entre cliente e empresa H1: Quanto maior a Satisfação, maior será a (DWYER; SCHURR; OH, 1987). Esta variável é estudada confiança no fornecedor de Serviço. comumente em ambientes interorganizacionais e in H2: Quanto maior a Satisfação, maior será o traorganizacionais (MAVONDO; RODRIGO, 2001). comprometimento com o fornecedor de Serviço. Outra definição atribuída a este construto se refere ao comprometimento como uma crença de Outro componente da Qualidade do Relaciona que a troca entre parceiros num relacionamento é tão mento, a Confiança, é tratada com grande importância importante como garantir o máximo de esforço para no marketing de relacionamento, visto que em sua mantê-lo, ou seja, a parte comprometida acredita no essência está implícita a noção de confidência e confia relacionamento com tempo de duração indefinida bilidade entre parceiros numa relação (GARBARINO; (MORGAN; HUNT, 1994). Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009 | 103 A relação entre confiança e comprometimento foi Outra definição e classificação desta variável pode delineada como relevante e positiva no estudo de Morgan ser encontrada nos estudos de Oliver (1999), onde e Hunt (1994). Segundo os autores, acredita-se que a são contempladas seis possibilidades de relação entre confiança é o maior determinante do comprometimento a satisfação e a lealdade. Conforme proposto neste do relacionamento. Como o estudo em questão trata de estudo empírico, a satisfação é compreendida como um um contexto altamente competitivo (desenvolvimento elemento antecedente da lealdade, portanto, espera-se tecnológico, concorrentes próximos em nível de con uma relação positiva e significativa na hipótese 6: corrência, entre outros), espera-se que esta relação além de ser positiva seja indício de fortalecimento na H6: Quanto maior o índice de Satisfação, maior lealdade para com o relacionamento. Desta forma, são será a Lealdade. apresentadas as hipóteses 4 e 5: H4: Quanto maior a Confiança no fornecedor de serviços, maior será o Comprometimento. H5: Quanto maior o Comprometimento no forne cedor de serviços, maior será a Lealdade. 2.5 Resultado financeiro A premissa utilizada inicialmente como resultado financeiro partiu da perspectiva de atração e retenção do consumidor trazida nos estudos de tempo de vida rentável do consumidor. Sendo assim, um consumidor 2.4 Lealdade Apesar de primeiramente ter sido analisada numa ótica mais operacional, onde seu conceito estava lucrativo é um consumidor cuja receita gerada du rante o relacionamento comercial excede os custos destinados à atração e manutenção deste (CALCIU; SALERMO, 2002). associado a questão de re-compra de um determinado A tentativa de associar investimentos da empresa produto ou serviço (YI; JEON, 2003), Oliver (1999, (com ênfase nas práticas de marketing) e retornos p.35) atribui um significado mais profundo no que obtidos é tratada de várias maneiras entre os autores. tange o julgamento de melhor opção do consumidor Berger e Nasr (1998) acreditam que o tempo de vida pela empresa: “[...] para um consumidor se tornar rentável do cliente é uma forma de quantificar o leal, ele deve acreditar que uma empresa ou seu relacionamento: “para saber se um relacionamento serviço continua a oferecer a melhor alternativa a ser é lucrativo ou não, a empresa deve ser capaz de consumida”. Neste trecho, o autor também já deixa quantificá-lo” (BERGER; NASR, 1998, p.27). O foco dos um indício da necessidade antecedente de confiança e modelos desenvolvidos pelos autores é determinar a comprometimento com o relacionamento. margem de contribuição líquida. Ainda pode ser agregado ao conceito de lealdade Já o modelo proposto por Ryals (2005), pode ser um sentimento de adesão e afeição de uma pessoa compreendido como a forma genérica de Receita menos por uma empresa, produto ou serviço (JONES; SASSER, Custos, sendo estes tanto históricos quanto projetados. 2005). Goodstein e Butz (1998) ressaltam ainda o O índice resultante é considerado o valor do cliente. caráter comportamental desta variável, de forma dis Desta forma, o estudo proposto buscou uma forma de tinta à qualidade e à satisfação, que são conceitos quantificar o tempo de relacionamento apoiado na receita atitudinais. gerada pelo cliente, ou seja o LTR – Lifetime Revenue. 104 | Revista da 2.6 Qualidade do relacionamento, lealdade e resultado financeiro FAE Este fato também desencadeia o efeito “boca a boca” em que o cliente satisfeito ou não, mostrará sua opinião em seu círculo de relacionamento. Segundo Bolton (1998), nos anos 1990 houve uma Todavia, a dificuldade de medida e relação destas intensificação tanto na academia quanto nas empresas variáveis financeiras e não-financeiras é presente na em buscar formas de monitorar o desempenho finan literatura: “[...] claramente, um ponto para debate é ceiro com o não-financeiro. Na revisão de literatura a escolha de medidas de performance financeira dada de Yeung e Ennew (2000), a relação entre satisfação e as diferentes interpretações e significados destas lucratividade é tida como “aceita” e são citados diversos medidas” (YEUNG; ENNEW, 2000, p.315). autores que comprovam esta relação: Reichheld e Sasser (1990), Fornell (1992), Anderson e Sullivan (1993), Taylor e Baker (1994) e Gurau e Ranchhod (2002). Entretanto, os autores também concordam que são necessários mais estudos que demonstrem a relação de forma mais direta. Desta forma, na sequência satisfação → lealdade → retenção está implícito que o argumento de maior reflexo no impacto financeiro é a retenção, visto que a relação entre Satisfação e Resultado financeiro seria provada através da redução de custo da empresa 2.7 Modelo proposto Considerando os conceitos e as relações apre sentadas entre as variáveis utilizadas neste estudo, é apresentado o modelo proposto na figura 1, o qual procurou identificar o impacto da Qualidade do Relacionamento e da Lealdade sobre o indicador de Resultado Financeiro. FIGURA 01 - MODELO DE ESTUDO PROPOSTO (em investir em novos clientes). Sendo assim, na Confiança relação positiva esperada entre a lealdade e o retorno financeiro pode ser observada a última hipótese em H1 H4 H3 estudo: Satisfação H6 Lealdade H7: Quanto maior o nível de Lealdade, maior será o H2 índice Resultado Financeiro do consumidor. H7 Resultado Financeiro H5 Comprometimento Segundo Guo e Jiraporn (2005), a lealdade Qualidade do Relacionamento pode ser compreendida como mediadora entre a satisfação e a lucratividade. Outras relações ainda FONTE: Os autores (1999) são esperadas entre os clientes satisfeitos, como Para operacionalizar a mensuração das variáveis a redução da elasticidade de preço (ANDERSON, propostas no modelo, foram adaptadas do estudo 1996). No entanto, Zeithaml, Berry e Parasuraman de Prado (2004) as escalas de Satisfação (4 itens), (1996) argumentam que esta “não sensibilidade Confiança (7 itens), Comprometimento (9 itens) e a preço” pode estar presente apenas em alguns Lealdade (6 itens). Para a mensuração do indicador contextos. Outro fator considerado como efeito de resultado financeiro, foi sugerida uma adequação positivo da satisfação dos clientes é a percepção ao modelo proposto por Ryals (2005), considerando favorável da empresa/produto na mídia, tornando as informações disponíveis para a realização do seus investimentos em propaganda mais efetivos. cálculo. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009 | 105 3 Metodologia da área de telefonia celular, 3 pesquisadores e 3 usuários. Após as considerações de cada avaliador Este artigo se refere a um survey de caráter cross sectional (MALHOTRA, 2001). A dimensão da pesquisa foram realizados os ajustes necessários para a fase seguinte. é traçada como quantitativo-descritiva e o método O processo de análise de resultados foi submetido aplicado trata-se de um hipotético-dedutivo (GILL; a quatro principais etapas: (1) preparação da base, onde JOHNSON, 1997). O consumidor representa a unidade foram verificadas a estatística descritiva univariada e de análise do estudo. multivariada, como a conferência de médias, limites, A população corresponde a todos os elementos capazes de responder à investigação, por apresentarem características semelhantes (MALHOTRA, 2001). Sendo assim, homens e mulheres brasileiros, usuários de tele desvios padrão, curtose e assimetria, normalidade, linearidade e colinearidade; (2) verificação do modelo de mensuração para a análise estrutural proposta, onde foi verificado por meio de análise fatorial exploratória fonia celular pré e pós paga foram contemplados neste a consistência interna de cada dimensão, definida pelo estudo. A conhecer, no Brasil, são 97,3 milhões de Alfa de Cronbach, e a análise fatorial confirmatória para telefones ativos, dentre os oito grupos de operadoras estabelecer a validade convergente e discriminante de existentes. Destes, aproximadamente 81% são caracte cada construto do modelo; (3) determinação do cálculo rizados como pré-pagos. Como este estudo não teve a do indicador de resultado financeiro; e (4) verificação pretensão de analisar uma operadora, banda, tecnologia do modelo estrutural proposto por meio de equações utilizada ou área geográfica isoladamente, qualquer estruturais. usuário, independente do possível perfil mencionado Desta forma, os resultados são apresentados na acima poderia ser contemplado como integrante da seguinte ordem: caracterização da amostra, breve população do referido estudo. descrição da preparação dos dados e verificação do Para a viabilização do estudo, o procedimento modelo para a mensuração proposta, sendo, por fim, amostral utilizado foi caracterizado por não probabi apresentados com maior ênfase os resultados obtidos lístico, tendo ainda sido utilizada a técnica amostral com o modelo. por conveniência, conforme definido por Malhotra (2001). Para definir a quantidade de observações a serem realizadas no estudo, foi considerado o mínimo 4 Resultados necessário para o uso de equação estrutural (SEM), ou seja, a técnica de análise a ser utilizada no estudo. Numa situação de maior adequação, Hair et al. (2005) menciona 10 observações por item. Este número seria, no mínimo, 260. 4.1 Caracterização da amostra Do total das 493 respostas válidas obtidas, 58% (288) foram referentes a usuários de celular pré-pago e A realização da pesquisa ocorreu em duas etapas: 42% (205) de usuários de celular pós-pago. A distribui- a primeira buscou verificar a validade de conteúdo das ção de gênero entre os tipos de celular ocorreu de for- dimensões das variáveis propostas no modelo; a segunda ma predominante significativa de mulheres entre os contemplou o teste do modelo e hipóteses de estudo. pré-pagos (T=48,808, p<0,001) e de homens entre os A validação de conteúdo foi realizada por meio do julgamento de 10 avaliadores, sendo 4 executivos 106 | pós-pago (T=44,012, p<0,001). A tabela 2 resume esta etapa de caracterização: Revista da dados foram obtidos considerando o relacionamento TABELA 02 - CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA Total Casos válidos Gênero Critério Brasil Operadora FAE Pré Pós com a última, ou seja, a atual. A intenção de troca 493 (100%) 288 (58%) 205 (42%) mencionada revelou que 69% do total já pensaram em Homens 47% 42% 54% trocar de operadora. Destes 308 respondentes, 55% Mulheres 53% 58% 46% trocaria possivelmente em menos de 6 meses e 37% AeB 73% 73% 89% CeD 27% 27% 11% possivelmente em 1 ano. Brasil Telecom 11% (54) 65% 35% Claro 16% (78) 66% 33% Tim 51% (253) 55% 45% Vivo 22% (108) 56% 44% Tempo de Relacionamento Valor de Recarga (mensal) 4.2 Preparação dos dados e verificação do modelo 49,2 meses 41,8 meses 59,6 meses (dp=34,944) (dp=27,598) (dp=41,091) R$ 76,50 R$ 25,00 R$ 128,00 (dp= 11,150) (dp= 91,348) FONTE: Os autores (2009) Não foram observadas diferenças significativas na inspeção descritiva das avaliações dos construtos do modelo entre usuários de pós e pré-pagos. Tal resultado contribuiu para a verificação do modelo com o total da Entre o total de respondentes, 53% foram mulheres base, visto que o objetivo inicial não foi o de examinar e 47% homens. A caracterização de poder de compra, separadamente características como tipo do celular ou segundo o critério Brasil, indicou 38% B2, 27% B1, operadora. 26%C, 7% A2 e 1% D e 1% A1. Em relação à proporção O resultado da análise fatorial confirmatória afir- de operadoras existentes na base, 51% dos casos foram mou o caráter unidimensional da Satisfação (Alfa de Tim, 22% Vivo, 16% Claro e 11% Brasil Telecom. Entre 0,912) e da Lealdade (Alfa de 0,896). Já Confiança e as operadoras houve maior concentração de pós-pagos Comprometimento rejeitaram o caráter multidimensio- na Tim e de pré-pagos na Claro. Esta informação nal proposto e carregaram apenas uma única dimensão ocorreu de forma proporcional à presença total de cada com respectivos Alfas de 0,896 e 0,912. Os valores de operadora na base. confiabilidade desta mensuração estão na tabela 3. Apesar de o desvio padrão demonstrar uma grande variabilidade (e heterogeneidade) encontrada na amostra pesquisada, o tempo de duração médio de relacionamento com cada operadora foi de 49,2 meses (dp=34,944). Sendo 41,8 (dp=27,598) entre pré-pagos e 59,6 (dp=41,091) pós-pagos. Esta informação foi perguntada diretamente ao cliente. Da mesma forma, foi perguntado sobre o valor e tempo de recarga com o objetivo de obter um valor médio de consumo. Sendo assim, entre usuários de pré-pagos, na média o valor mensal de contribuição foi de R$ 25,00 (dp=11,150). Já entre os usuários de pós-pago foi de R$ 128,00 (dp=91,348). TABELA 03 - INDICADORES DE CONFIABILIDADE E VALIDADE CONVERGENTE RESULTANTES DA ANÁLISE FATORIAL CONFIRMATÓRIA Indicadores / Construtos Satisfação ComproConfiança metimento Alfa de Cronbach 0,912 0,896 0,912 0,896 Confiabilidade Composta 0,932 0,841 0,891 0,909 Variância Média Extraída 0,775 0,629 0,672 0,770 Lealdade FONTE: Os autores (2009) Posterior a esta análise, dos 26 indicadores propos tos inicialmente, 14 foram mantidos com o melhor valor de ajustamento do modelo. Foram também observados os valores de confiabilidade composta (CONF), os quais deveriam estar acima de 0,7 e de variância média Sobre o histórico de uso, 56% dos 493 avaliadores extraída (AVE), os quais deveriam estar acima de 0,5 (HAIR já tiveram mais de uma operadora. Sendo assim, os et al., 2005), como indicadores de validade convergente. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009 | 107 Os resultados obtidos foram considerados plausíveis respectivamente: 6, 12, 24 e 36. Desta forma, o tempo para a análise efetuada. A validade discriminante foi foi tratado apenas como expectativa de permanência. observada por meio da correlação das variáveis duas a Com tais informações, o cálculo abaixo foi utili- duas, sendo então observada a diferença entre o qui- zado para gerar o indicador de resultado financeiro quadrado livre e o fixo (1). Os valores aceitáveis deveriam utilizado neste estudo: ser inferiores a 3,5. Os resultados demonstraram que não houve sobreposição de construtos. O mesmo Resultado Financeiro procedimento foi observado em Moura (2005). Os índices de ajustamento do modelo estrutural, consi derando ainda apenas as variáveis latentes, foi aceitável RH Rf (1+d) (1+d) Onde, e satisfatório segundo Hair et al. (2005): X2 = 444,760, RH = Receita histórica gerada GL = 84, p<0,001, X2/GL = 5,295, NFI = 0,928, CFI = RF = Receita futura gerada 0,941 e RMSEA = 0,09. (1+d) = Taxa de desconto tf = tempo histórico 4.3 Determinação do indicador de resultado ti = tempo futuro projetado financeiro Para a determinação do indicador de resultado financeiro, frente às limitações encontradas em campo 4.4 Teste do modelo e hipóteses (a impossibilidade de acesso aos históricos do cliente O modelo estrutural foi testado com o uso de diretamente na operadora), foi considerada apenas a 4 variáveis latentes e uma diretamente observável, receita declarada pelo usuário nas condições apresen conforme já apresentado. O resultado das hipóteses tadas na sequência. testadas pode ser observado na tabela 4: A determinação do valor de receita correspondeu à soma do valor médio mensal histórico com a soma do valor médio projetado (com base nas informações de intenção de continuidade). Para o cálculo foram TABELA 04 - COEFICIENTES PADRONIZADOS (PATHS) ESTIMADOS PARA AS RELAÇÕES TEÓRICAS PROPOSTAS NO MODELO Relação Estrutural utilizadas as fórmulas financeiras de valor futuro e valor Status da verificação da hipótese Coeficiente Padronizado Total Pré-Pago Pós-Pago Hipótese presente, respectivamente. A taxa de desconto utilizada Satisfação → Confiança 0,694* 0,669* 0,724* H1 Confirmada foi a taxa de juros Selic (valor de dezembro de 2008 Satisfação → Comprometimento 0,334* 0,244* 0,518* H2 Confirmada Confiança → Lealdade -0,020 -0,170 0,084 H3 Não-Confir mada ao indicador proposto, no entanto, de acordo com Confiança → Comprometimento 0,676* 0,761* 0,507* H4 Confirmada Gupta (2006), as operações com alto teor de comple Comprometimento → Lealdade 0,986* 0,990* 0,995* H5 Confirmada Satisfação → Lealdade -0,086 -0,075 -0,188 H6 Não-Confir mada Lealdade → Resultado -0,008 Financeiro 0,027 -0,078 H7 Não-Confir mada = 1,12%) em ambos os casos (histórico e projeção). É reconhecida a limitação que tais simplificações trazem xidade, muitas vezes, inviabilizam o uso na prática. Para determinar o tempo projetado de continui dade foi investigada a intenção declarada dos consumi dores em escala intervalar com 4 opções de resposta, FONTE: Pesquisa de campo da seguinte forma: (1) possivelmente menos de * Resultados significativos a 0,001 6 meses, (2) possivelmente 1 ano, (3) possivelmente O resultado do modelo apresentado trata da 2 anos, (4) possivelmente mais de 2 anos. Os valores avaliação dos 493 casos observados. Embora não corres em meses considerados para fins do cálculo foram pondesse diretamente ao objetivo do estudo, foram 108 | Revista da FAE separados e testados os tipos de celular. Os resultados Observando o peso das relações antecedentes do obtidos confirmaram a mesma situação de confirmação Comprometimento, construto com maior R², percebe- e não-confirmação das hipóteses em estudo. se que a Confiança (ß = 0,676; p<0,001) exerce maior a) Análise da Qualidade do Relacionamento influência que a Satisfação (ß = 0,334; p<0,001). Este Sendo assim, as hipóteses 1, 2 e 4, as quais repli resultado demonstra que para fortalecer o compro cam a proposta de Prado (2004) sobre a Qualidade do Relacionamento, foram comprovadas. Garbarino e metimento dos usuários a Confiança é um antecedente a ser considerado. Johnson (1999) evidenciam a possível complementaridade b) Relação entre Satisfação e Lealdade entre tais variáveis, tornando plausível a relação positiva A hipótese 6, a qual relacionava a Satisfação com e significativa entre Satisfação, Confiança e Compro a Lealdade, diferente de muitos estudos que relacionam metimento. tais variáveis, também não foi confirmada (ß=-0,086, A hipótese 3, que previa uma relação positiva e p=não significativo). Apesar de estudos como de significativa entre a Confiança e a Lealdade, não foi McDougall e Levesque (2000) e Hurley e Estelami confirmada (ß=-0,020, p=-0,135). Para Oliver (1999), (1998), os quais comprovaram empiricamente a relação a continuidade da relação entre empresa e consumidor positiva e significativa da satisfação em relação à ocorre em partes pela crença de que a escolha é a mais intenção de compra e continuidade do relacionamento, adequada. Neste momento, a confiança na marca, na sendo estes, indicadores da lealdade do individuo, é empresa ou na imagem (por exemplo), seriam fortes relevante mencionar que esta relação é encontrada na indicadores para a lealdade à mesma. Esta relação, no literatura de forma controversa. Alguns autores, como entanto, rejeitada no ambiente de telefonia celular, Jones e Sasser (2005), comentam sobre uma relação pode ser compreendida pelo próprio contexto brasileiro, não necessariamente linear deste relacionamento se considerado alguns elementos como as altas taxas de (satisfação→lealdade). Aliás, os autores comentam reclamação entre todas as operadoras operantes no país. que características ambientais como alto custo de troca, A relação do Comprometimento com a Lealdade vantagens promocionais e regulamentações governa (H5) foi confirmada (ß=0,986, p<0,001). Este resul mentais, são alguns fatores que estimulam a falsa lealdade tado concorda com Gröonros (1990), ao afirmar a e uma relação ‘fraca’ com a satisfação, visto que neste importância deste construto na continuidade de um contexto o tempo de relacionamento não é definido relacionamento, e também com Oliver (1999) ao propor unicamente pela escolha do usuário, mas por outras a compreensão da lealdade por fases, onde, quanto variáveis que oferecem conveniência ou certa limitação. maior o comprometimento, maior a probabilidade O coeficiente de determinação deste construto de desencadear uma situação de lealdade afetiva ou demonstra que o mesmo foi explicado em 80%. Este valor conativa em lealdade de ação. se refere basicamente ao impacto do comprometimento, Além do teste de hipóteses, também foram obser o qual é desencadeado pelo julgamento de confiança e vados os coeficientes de determinação dos construtos satisfação. Incentivos em relação ao estímulo do desejo (R²), para verificar a performance de explicação de de continuidade do relacionamento (Instrumental), à cada variável utilizada. Para o construto de segunda demonstração para o cliente que a empresa está dis ordem, Qualidade do Relacionamento, as variáveis posta a auxiliá-lo – e quem sabe personalizar soluções – latentes: Comprometimento (83%), Satisfação (77%) (Comportamental) e o apoio ao sentimento de parceria e Confiança (52%), demonstraram bom desempenho, entre empresa e cliente (Normativo), são possibilidades respectivamente. Estes valores foram superiores aos de desenvolver o comprometimento, e em consequência, encontrados em Zancan (2005). incitar o comportamento de lealdade no consumidor. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009 | 109 c) Relação entre Lealdade e Retorno Financeiro GRÁFICO 02 - RESULTADO FINANCEIRO E LEALDADE: PÓS-PAGO Já a hipótese 7, na qual era esperada uma relação positiva entre a Lealdade e o índice de resultado finan 8,00 ceiro, apesar da relação positiva apontada para esta Lealdade_Ponderada hipótese (YEUNG; ENNEW, 2000; JOHNSON et al., 2001; GUO; JIRAPORN, 2005), alguns autores já questionaram sobre a linearidade e a significância da afinidade dos construtos. Gurau e Ranchhod (2002) comentam sobre a dificuldade de obter uma relação positiva considerando a subjetividade da mensuração das variáveis latentes e o 6,00 4,00 2,00 viés que o cruzamento de dados pode ter devido algum outro fator. Nas limitações levantadas pelos autores, foi 0,00 mencionado o tipo de coleta (cross sectional). É possível 0 que acompanhamentos longitudinais possam oferecer informações mais concretas. 2000 4000 6000 8000 10000 12000 Resultado_Financeiro FONTE: Pesquisa de campo Também foram separados os grupos de usuários de celular pós-pago (ß= -0,078; p = -1,091) e de pré-pago (ß= 0,027; p= 0,443). Entretanto, os índices da H7 observados no modelo estrutural rejeitaram igualmente a associação esperada. Para visualizar este resultado, os gráficos 1 e 2 demonstram a dispersão das respostas ao cruzar o índice Para complementar a informação visual gerada nos gráficos, a tabela 5 apresenta o valor das correla ções entre as variáveis. Também foram incluídas as correlações entre os índices de Retorno Financeiro obtidos e os escores ponderados entre as variáveis latentes que compõem o construto de Qualidade do Relacionamento. Os resultados foram demonstrados de resultado financeiro (LTR) com o escore ponderado por tipo de celular para verificar se esta característica da variável latente Lealdade entre os tipos de celular: poderia ter influenciado o resultado geral obtido. pré e pós-pagos. Estas informações oferecem suporte TABELA 05 - CORRELAÇÃO ENTRE O RETORNO FINANCEIRO E AS ao resultado obtido na H7 testada. GRÁFICO 01 - RESULTADO FINANCEIRO E LEALDADE: PRÉ-PAGO Lealdade_Ponderada 8,00 6,00 4,00 VARIÁVEIS LATENTES Correlações Estabelecidas Resultados Resultados PRÉ-PAGO PÓS-PAGO Retorno Financeiro e Lealdade r = -0,004, p = 0,941 r = -0,013, p = 0,855 Retorno Financeiro e Satisfação r = -0,086, p = 0,144 r = 0,022, p = 0,759 Retorno Financeiro e Confiança r = 0,051, p = 0,393 r = -0,089, p = 0,202 Retorno Financeiro e Comprometimento r = 0,042, p = 0,144 r = 0,031, p = 0,655 FONTE: Pesquisa de campo Estes valores demonstram que, independente do tipo de celular, não foi registrada correlação entre as 2,00 variáveis. Entretanto, esta afirmação poderia ainda levantar suspeitas de que os valores são distintos entre 0,00 0 2000 4000 6000 8000 Resultado_Financeiro FONTE: Pesquisa de campo 110 | 10000 12000 as operadoras, e que algum resultado específico pode ter influenciado o geral, já que no modelo total todas as empresas foram agrupadas. Desta forma, além de não Revista da FAE ter sido observado distinção entre os tipos de celular, satisfação não é determinante (ao menos para o a tabela 6 demonstra que tampouco houve entre as grupo analisado) da lealdade. Apenas por estarem operadoras presentes na base. satisfeitos, não foi constatada uma expectativa positiva TABELA 06 - CORRELAÇÃO ENTRE O RESULTADO FINANCEIRO E AS VARIÁVEIS LATENTES – POR OPERADORA Correlações Estabelecidas BRASIL TELECOM CLARO TIM VIVO RF* e Lealdade r = 0,082, p = 0,554 r = 0,062, p = 0,590 r = -0,024, p = 0,708 r = 0,051, p = 0,600 RF* e Satisfação r = 0,035, p = 0,802 r = 0,107, p = 0,350 r = -0,013, p = 0,834 r = 0,053, p = 0,584 RF* e Confiança r = 0,225, p = 0,102 r = 0,068, p = 0,557 r = -0,073, p = 0,249 r = -0,097, p = 0,320 RF* e Comprome- r = 0,113, timento p = 0,417 r = 0,099, p = 0,389 r = -0,010, p = 0,877 r = 0,102, p = 0,291 FONTE: Pesquisa de campo Por fim, de forma complementar aos objetivos deste artigo, também foram observados os efeitos indiretos observados no modelo estrutural. Os valores da tabela 7 demonstram os resultados obtidos: TABELA 07 - EFEITOS INDIRETOS ENTRE OS CONSTRUTOS DO MODELO ESTRUTURAL Efeitos Indiretos entre os construtos do modelo foi observada em Moura (2005), ao testar o índice ACSI (American Consumer Satisfaction Index) no setor de telefonia celular, especificamente no estado de Minas Gerais. No estudo, a autora comprova a relação positiva e relevante entre as variáveis. Esta situação demonstra que ainda são necessários outros estudos que investiguem e aprofundem o assunto. Pode ser que a territorialidade tenha afetado a conclusão da análise. Ainda, segundo consta no trabalho de Moura (2005), as médias obtidas para mensurar a *Resultado Financeiro de continuidade do relacionamento. Situação oposta Coeficientes padronizados* satisfação foram superiores às registradas neste estudo. Além da especificidade do estado, outras variantes, como o uso de escala likert de 5 pontos podem ter sido alguns fatores determinantes para o contraste dos resultados obtidos. Somado a estas considerações, pode-se ainda trazer à reflexão o estudo de Oliver (1999), em comentar sobre as seis possíveis representações entre a satisfação e a Satisfação → Lealdade 0,791* lealdade. A ótica previamente utilizada neste artigo foi Satisfação → Comprometimento 0,466* a compreensão do processo (cumulativo) que há entre Confiança → Lealdade 0,630* a satisfação e a lealdade. Entretanto, esta definição FONTE: Pesquisa de campo pode ter sido afetada pela coleta cross sectional, que * valores significativos a 0,001 prejudica a percepção do “processo” comentado. Observando especificamente o resultado entre a Já a relação da confiança, considerada um ingre Satisfação em relação à Lealdade (ß= 0,791, p<0,001) e diente fundamental para o desempenho satisfatório a Confiança em relação à Lealdade (ß= 0,630, p<0,001), do relacionamento (GARBARINO; JOHNSON, 1999; caminhos estes não comprovados de forma linear e DWYER; SCHURR; OH, 1987; MORGAN; HUNT, 1994), foi direta, sugere-se que estudos posteriores poderiam comprovada como construto antecedente da lealdade ser realizados sobre as relações indiretas obtidas neste em Prado (2004) e Sidersmukh, Singh e Sabol (2002). estudo, o que parcialmente corroboraria, no primeiro Esta variável é tida como um fator de redução do risco e caso, com Jones e Sasser (2005), e no segundo, com da incerteza do relacionamento, como o comportamento Henning-Thurau e Klee (1997). oportunístico das partes (MORGAN; HUNT, 1994). Apesar de a relação direta ter sido rejeitada, o im 5 Discussão dos resultados pacto da confiança no comprometimento foi relevante. Desta forma, é possível considerar que a confiança exerce certa influência na lealdade por intermédio do Em relação ao primeiro objetivo deste artigo, comprometimento do usuário. No ambiente prático, é o contexto de telefonia celular demonstrou que a plausível imaginar que o usuário do serviço em questão Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009 | 111 receba certos estímulos para confiar na operadora (como No entanto, a limitação de acesso a informações a imagem, o atendimento, os serviços prestados, entre que permitissem o cálculo adequado do LTR fez outros), ao desenvolver o sentimento de confiança pela com que a simplificação utilizada descaracterizasse empresa (em caso positivo), tende a ser desencadeado conceitualmente o princípio deste (receita menos o desejo de continuidade e da crença de que a empresa custo). Desta forma, acredita-se que a melhor nomen é a melhor opção para resolver seus problemas e clatura para esta variável, seja LTR (lifetime revenue), ou necessidades. Este fato, se confirmado, tende a manter seja, a receita gerada durante a permanência do cliente o cliente leal à companhia. na carteira. O comprometimento, especificamente, explicita o No terceiro e último objetivo, apesar de haver na anseio pela continuidade do relacionamento (DWYER; literatura uma expectativa de que clientes mais satisfeitos SCHURR; OH, 1987) e a disposição em mantê-lo, mesmo estariam menos sensíveis a preço (ANDERSON, 1996), que isto implique em certo esforço (MORGAN; HUNT, Zeithaml, Berry e Parasuraman (1996) afirmam que esta 1994). A continuidade proposta aponta para uma “não sensibilidade a preço” pode ter comportamentos tendência de o cliente ser leal à empresa. Esta premissa foi constatada neste estudo, conforme apresentado. Apesar do caráter unidimensional, diferente do proposto na literatura consultada, os indicadores que demonstraram maior impacto neste construto foram de origem instrumental, comportamental e normativa, ou seja, foi explicitado pelas situações de desejo de continuidade, de esperança de auxílio nos momentos necessários e de parceira no relacionamento. Para a empresa intensificar os resultados do comportamento de seus clientes, um direcionamento plausível seria o estímulo da aspiração por estes sentimentos. Desta forma, a qualidade do relacionamento, distintos em contextos específicos. Este fato é comentado porque a tentativa do teste entre os grupos de usuários pré e pós pagos poderia esclarecer algumas relações específicas, por exemplo: grupos de maior consumo poderiam ter maior tendência a serem leais (resultado não-financeiro). No entanto, estas especulações não foram comprovadas em nenhum caso. A não comprovação direta da lealdade com o resultado financeiro não é exaustiva, mas até certo ponto, exploratória. Afinal, outros índices financeiros diretamente da operadora em relação ao cliente não foram possíveis de serem obtidos. Por este motivo, mesmo com os resultados alcançados, é possível imaginar que exista, por exemplo, alguma relação entre constituída pelos construtos satisfação, confiança e a probabilidade de permanência com o relacionamento comprometimento demonstrou impacto positivo sobre com o desempenho financeiro da empresa. a lealdade. Diretamente por meio do comprometimento, e indiretamente pela confiança e satisfação, respec tivamente. Por fim, a preocupação em determinar o rendi mento do cliente para a empresa parece fator rele vante para este setor, basta observar os esforços Em relação ao segundo objetivo do artigo, Reichheld realizados para aumentar as margens de ARPU. A Vivo, e Sasser (1990), Fornell (1992), Anderson e Sullivan por exemplo, como obteve um crescimento ínfimo em (1993), Taylor e Baker (1994) e Gurau e Ranchhod 2006 reciclou sua base de clientes para manter apenas (2002) comprovam a relação positiva entre indicadores os clientes ativos. Apenas no terceiro trimestre de não-financeiros e financeiros. Entretanto, a maioria dos 2006 a empresa deu baixa em 1.823 clientes inativos, casos considera índices de satisfação como retorno não- entre pré e pós-pagos. Este procedimento, segundo financeiro e o market share ou a receita líquida, ou ainda especialistas da área, apesar de ter aumentado a taxa o índice de vendas da empresa, como financeiro. de churn no período, evitou maior queda no ARPU (já 112 | Revista da que o cálculo deste valor considera a receita gerada FAE Limitações pela quantidade de clientes na base). Em especial, sobre a definição do resultado financeiro, a simplificação da estrutura algébrica em razão das infor- Conclusões mações disponíveis para o cálculo também são limitações deste estudo, a considerar: (1) o tempo de relacionamento Considerando as discussões apresentadas para e o valor gasto mensalmente foram apenas declarados pe- cada objetivo proposto e os resultados encontrados, é los clientes, não houve possibilidade de confirmação dos possível considerar que o setor de telefonia celular, no dados; (2) o valor gasto mensal foi extrapolado para todos contexto brasileiro, realmente apresente certas parti os meses de relacionamento, em forma de contribuição cularidades na avaliação das variáveis propostas. Um constante; (3) o tempo projetado para a permanência do dos indicadores que demonstram esta possibilidade cliente com a operadora foi considerado em termos de é a homogeneidade de avaliação em cada operadora, possibilidade, sem precisar datas, de forma simples e di- mesmo sendo percebida a heterogeneidade na amostra, reta; (4) por não ter acesso aos custos, foi calculada uma o que poderia ser considerado como possibilidade margem de contribuição em relação ao resultado líquido para desenvolvimento de estratégias de diferenciação de cada operadora (no modelo 1); (5) foi realizado um de serviço. cálculo apenas com a margem bruta (no modelo 2), o que Neste contexto, as principais premissas que levan tam (no mínimo) curiosidade sobre a “não-comprovação” foram a relação entre satisfação e lealdade, e desta, com o resultado financeiro. Tal situação, embora sejam relevadas as restrições de ordem metodológica utili zadas, ressalta que esta relação precisa ser melhor aprofundada e que, possivelmente, não se comporte de forma linear. No entanto, pode ainda ser considerada como uma fonte de informação sobre a avaliação do setor e as respostas de mercado, afinal, as taxas de pode superestimar os resultados obtidos. Acrescenta-se ainda o caráter não probabilístico e a coleta por conveniência utilizada com caráter não longitudinal. Estas definições apesar de terem sido fundamentais à realização do estudo, prejudicam a capacidade de generalização e de abrangência do modelo. Também é considerado como fator restritivo o uso de uma única base com empresas diferentes. É possível que haja alguma particularidade entre a oferta deste tipo de serviço, que neste artigo não foi constatada. troca são expressivas (se considerado o valor extra polado ao ano). Por fim, a confirmação da relação positiva e sig nificativa entre os construtos da Qualidade do Relacio namento, de acordo com a proposta de Prado (2004), comprovou que o modelo sugerido pelo autor é robusto e pode ser aplicado em diferentes contextos. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009 •Recebido em: 05/08/2009 •Aprovado em: 02/09/2009 | 113 Referências ANDERSON, E. Customer satisfaction and price tolerance. Marketing Letters, Boston, Mass., v.7, n.3, p.265-274, July 1996. ANDERSON, E. W.; FORNELL, C.; LEHMANN, D. R. Customer satisfaction, market share, and profitability: findings from sweden. Journal of Marketing, Chicago, Ill.,v.59, n.2, p.53-66, July 1994. ANDERSON, E.W; SULLIVAN, M.W. The antecedents and consequences of customer satisfaction for firms. University of Chicago. Marketing Science. v.12, n.2, 1993. BERGER, P. D.; NASR, N. I. Customer lifetime value: marketing models and applications. Journal of Interactive Marketing, New York, NY, v.12, n.1, p.17-30, Winter 1998. BOLTON, R. N. A dynamic model of the duration of the customer’s relationship with a continuous service provider: the role of satisfaction. Marketing Science, Providence, RI, v.17, n.1, p.45-65, Dec.1998. CALCIU, M.; SALERMO, F. Customer value modelling: synthesis and extension proposals. Journal of Targeting, Measurement and Analysis for Marketing, London, UK, v.11, n.2, p.124-147, Sept. 2002. DICK, A. S; BASU, K. Customer loyalty: toward an integrated conceptual framework. Journal of the Academy of Marketing Science, Greenvale, NY, v.22, n.2, p.99-113, Mar. 1994. DWYER, F. R; SCHURR, P. H; OH, S. Developing buyer-seller relationships. Journal of Marketing, Chicago, Ill., v.61, n.2, p.11-27, April 1987. ENGEL, J. F.; BLACKWELL, R. D.; MINIARD, P. W. Comportamento do consumidor. 8.ed. Rio de Janeiro: LTC, 2000. FORNELL, C. A national customer satisfaction barometer: the swedish experience. Journal of Marketing, Chicago, Ill., v.56, n.1, p.6-21, Jan. 1992. GARBARINO, E.; JOHNSON, M. S. The different roles of satisfaction, trust, and commitment in customer relationships. Journal of Marketing, Chicago, Ill., v.63, n.2, p.70-87, Apr. 1999. GILL, J.; JOHNSON, P. Research methods for managers. 2nd. London: Sage, 1997. GOODSTEIN, L. D.; BUTZ, H. E. Customer value: the linchpin of organizational change. Organizational Dynamics, New York, NY, v.27, n.1, p.21-34, Summer 1998. GUO, C.; JIRAPORN, P. Customer satisfaction, net income and total assets: an exploratory study. Journal of Targeting, Measurement and Analysis for Marketing, London, UK, v.13, n.4, p.346-353, July 2005. GURAU, C; RANCHHOD, A. How to calculate the value of a customer. Measuring customer satisfaction: A platform for calculating, predicting and increasing customer profitability. Journal of Targeting, Measurement an Analysis for Marketing, London, UK, v.10, n.3, p.203-219, Feb. 2002. GRÖNROOS, C. Relationship approach to the marketing function in service contexts: the marketing and organizational behavior interface. Journal of Business Research, Athens, GA, v.20, n.1, p.3-11, Jan. 1990. HAIR, J. F. et al. Análise multivariada de dados. 5.ed. Porto Alegre: Bookman, 2005. HENNING-THURAU, T.; KLEE, A. The impact of customer satisfaction and relationship quality on customer retention: a critical reassessment and model development. Psychology & Marketing, New York, NY, v.14, n.8, p.737-764, Dec.1997. HURLEY, R. H.; ESTELAMI, H. Alternative indices for monitoring customer perceptions of service quality: a comparative evaluation in a retail context. Journal of the Academy of Marketing Science, Greenvale, NY, v.26, n.4, p.209-222, Oct. 1998. JOHNSON, M. D. et al. The evolution and future of national customer satisfaction index models. Journal of Economic Psychology, v.22, n.2, p.217-245, Apr. 2001. JONES, O. T.; SASSER, W. E. Why satisfied customers defect. Harvard Business Review, Boston, Mass. v.73, n.6, p.87-100, Nov./Dec. 2005. KOTLER, P. Administração de marketing: a edição do novo milênio. 10.ed. São Paulo: Prentice Hall, 2000. 114 | Revista da FAE KUMAR, A. Customer delight: creating and maintaining competitive advantage. 1996. 245p. Tese (Doutorado em Administração) – Indiana University. Graduate Faculty. Bloomington, 1996. MALHOTRA, N. K. Pesquisa de marketing: uma orientação aplicada. 3.ed. Porto Alegre: Bookman, 2001. MAVONDO, F. T.; RODRIGO, E. M. The effect of relationship dimensions on interpersonal and interorganizational commitment in organizations conducting business between Australia and China. Journal of Business Research, Athens, GA, v.52, n.2, p.111-121, May 2001. MCDOUGALL, G. H. G.; LEVESQUE, T. Customer satisfaction with services: putting perceived value into the equation. The Journal of Services Marketing, Santa Barbara, CA, v.14, n.5, p.392-410, 2000. MORGAN, R.; HUNT, S. The commitment: trust theory of relationship marketing. Journal of Marketing, Chicago, Ill., v.58, n.3, p.20-38, July 1994. MOURA, A. C. Validação do modelo de satisfação ACSI modificado no setor de telefonia móvel. In: ENCONTRO DA ANPAD – ENANPAD, 29., 2005, Brasília. Anais… Rio de Janeiro: ANPAD, 2005. p.141-157. OLIVER, R. L. Measurement and evaluation of satisfaction process in retail settings. Journal of Retailing, New York, NY, v.57, n.3, p.25-48, 1981. ______. Whence consumer loyalty? Journal of Marketing, Chicago, Ill., v.63, special issue, p.33-44, Oct. 1999. PARENTE, J. Varejo no Brasil: gestão estratégica. São Paulo: Atlas, 2000. PRADO, P. H. M. A avaliação do relacionamento sob a ótica do cliente: um estudo em bancos de varejo. 2004. 497p. Tese (Doutorado em Economia de Empresas) – Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2004. PRADO, P. H. M.; SANTOS, R. C. Comprometimento e lealdade ao fornecedor: dois conceitos ou duas dimensões de um único conceito? In: ENCONTRO DA ANPAD – ENANPAD, 27., 2003, Atibaia. Anais… Rio de Janeiro: ANPAD, 2003. p.1-13. REICHHELD, F. F.; SASSER, W. E. Zero defections: quality comes to services. Harvard Business Review, Boston, Mass, v.68, n.5, p.105-111, Sept./Oct. 1990. REINARTZ, W. J.; KUMAR, V. The impact of customer relationship characteristics on profitable lifetime duration. Journal of Marketing, Chicago, Ill., v.67, n.1, p.77-99, Jan. 2003. RYALS, L. Marketing customer relationship management work: the measurement and profitable management of customer relationships. Journal of Marketing, Chicago, Ill., v.69, n.4, p.252-261, Oct. 2005. SIDERSHMUKH, D.; SINGH, J.; SABOL, B. Consumer trust, value, and loyalty in relational exchanges. Journal of Marketing, Chicago, Ill., v.66, n.1, p.15-37, Jan. 2002. SOLOMON, M. R. Comportamento do consumidor. 5.ed. São Paulo: Bookman, 2002. TAYLOR, S. A; BAKER, T. L. An assessment of the relationship between service quality and customer satisfaction in the formation of customer purchase intention. Journal of Retailing, New York, NY, v.70, n.2, p.163-178, Summer 1994. TELECO. Telefonia celular. Disponível em: <http://www.teleco.com.br>. Acesso em: 23 jul. 2009. WILSON, D. T. An Integrated model of Buyer-seller relationships. Journal of the Academy of Marketing Science, Greenvale, NY, v.23, n.4, p.335-346, Sept. 1995. YEUNG, M. C. H; ENNEW, C. T. From customer satisfaction to profitability. Journal of Strategic Marketing, London, UK, v.8, n.4, p.313-326, Dec. 2000. YI, Y.; JEON, H. Effects of loyalty programs on value perception, program loyalty, and brand loyalty. Journal of the Academic of Marketing Science, Greenvale, NY, v.31, n.3, p.229-240, July 2003. ZANCAN, C. Antecedentes e consequências da qualidade do relacionamento: a perspectiva de produtores de maçã brasileira. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005. ZEITHAML, V. A; BERRY, L.; PARASURAMAN, A. The behavioral consequences of service quality. Journal of Marketing, Chicago, Ill., v.60, n.2, p.31-46, Apr. 1996. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009 | 115 Revista da FAE Saúde e segurança no meio ambiente do trabalho como garantia constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado Health and security in the work environment as constitutional guarantee to the ecologically balanced environment Rafaela Luiza Pontalti Giongo* Renata Cristina Pontalti Giongo** Resumo No presente artigo analisa-se a temática do direito do trabalhador de exercer sua atividade laborativa em um meio ambiente de trabalho saudável e seguro. Desse modo, este estudo apresenta como objetivo geral investigar os direitos e as garantias do trabalhador a um meio ambiente de trabalho sadio e seguro, como forma de prevenção de infortúnios. E, como objetivo específico, conceituar o meio ambiente do trabalho, identificando sua importância na saúde e na segurança do trabalhador. Os métodos utilizados neste estudo foram o descritivo, tendo como referencial o aporte da observação de fatos e teorias, e o qualitativo, por interpretação da realidade, através de citações diretas de doutrina e legislação. Como resultado, evidenciou-se que o meio ambiente do trabalho engloba tudo que envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local onde o homem obtém os meios necessários para prover a sua subsistência, devendo ser protegido em função da sua capacidade de causar danos à saúde do trabalhador. Com este pensamento, o legislador da Constituição Federal de 1988, através de seu art. 7º, inciso XXII, incluiu entre os direitos sociais do trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Palavras-chave: meio ambiente do trabalho; trabalhadores; saúde; segurança. Abstract This work analyzes the worker’s rights of working in a healthy and safe environment. Therefore the main purpose of this study is to investigate the rights and guarantees of the worker in a healthy and safe work environment, as a way of avoiding accidents and injuries. The methods used in this work were the descriptive, by using the observation of facts and theories, and the qualitative through the observation of the reality, associated to quotations of doctrine and legislation. As a result, it was proven that the work environment involves directly and indirectly everything within once workplace where he strives for his earnings. Considering this, the Federal Constitution 1988, by its article 7th (XXII), included in the workers social rights, the reduction of the inherent risks, setting norms of health, hygiene and safety. Keywords: work environment; workers; health; safety. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.117-131, jul./dez. 2009 * Mestranda em Direito Público (Unisinos). Advogada. E-mail: [email protected] ** Mestranda em Ciências Criminais (PUC-RS). Advogada e docente da disciplina Direito Comercial e Legislação Ambiental na Universidade de Caxias do Sul – UCS. E-mail: [email protected] | 117 Introdução fundamentando-se em uma filosofia preventiva. Com efeito, foram concebidas segundo essa concepção A necessária integração do homem com o ambiente é fator imprescindível à saúde e à segurança de todos. Viver e trabalhar em ambiente saudável são condições essenciais para uma melhor qualidade de vida. A impor tância do meio ambiente traz a inquietante questão sobre sua proteção e sua preservação, enfatizando o atual posicionamento de empregadores, trabalhadores e do próprio Estado. A Constituição Federal de 1988, refletindo as preocupações da sociedade internacional com a viabi lidade de vida no planeta, alçou através do artigo 225, caput, a direito fundamental, o meio ambiente enquanto bem essencial à sadia qualidade de vida, tanto para a geração atual, como para as futuras. Diante da amplitude da assertiva constitucional contida no mencionado artigo, evidencia-se que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado alcança todos os aspectos que o compõem, nele incluindo-se o meio ambiente do trabalho. O meio ambiente do trabalho engloba tudo o que envolve e condiciona, direta ou indiretamente, o local onde o homem obtém os meios necessários para prover a sua subsistência, devendo ser protegido em função da sua capacidade de causar danos à saúde do preventiva as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, aprovadas pela Portaria n. 3.214/78, assim como o dever do empregador na emissão da Comunicação de Acidente do Trabalho – CAT (art. 22, caput, da Lei n. 8.213/91). Dessa forma, o presente artigo apresenta como temática o direito do trabalhador de exercer sua atividade laborativa em um meio ambiente de trabalho saudável e seguro, objetivando a prevenção de infortúnios, de modo que é impossível alcançar-se qualidade de vida sem ter qualidade de trabalho, nem se pode atingir um meio ambiente equilibrado e sustentável, ignorando-se o meio ambiente do trabalho. Assim, no intuito de se contribuir para a necessária reflexão e atenção que este tema merece, pretendese abordar o conceito de meio ambiente do trabalho, identificando sua importância, uma vez que ele está inserido no meio ambiente geral (artigo 200, VII, CF/88), como também sua conceituação frente à atual globalização da economia e a análise do surgimento da disciplina Direito Ambiental do Trabalho, a qual tem como característica investigar e descrever o sistema normativo que tutela o meio ambiente do trabalho e a saúde do trabalhador. trabalhador. No Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988, o meio ambiente do trabalho passou a receber tutela constitucional imediata (art. 200, VIII) e mediata (art. 225, caput, § 1.º, IV, VI e § 3.º). A saúde do traba 1 Do meio ambiente do trabalho: delimitação conceitual lhador deixou de ser matéria apenas de legislação ordi nária, elevando-se à categoria de direito fundamental (art. 7.º, XXII, XXIII CF/88). A integração do homem com o ambiente é fator de extrema relevância à saúde e à segurança de Embora a perspectiva tradicional de proteção todos. Pode-se dizer que a evolução e o crescimento à saúde e à segurança dos trabalhadores tenha sido da produção em grande escala, o uso contínuo de mantida na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, máquinas, o emprego de novas e modernas técnicas, por meio de medidas de segurança, equipamentos de elementos químicos e a presença de agentes nocivos à proteção individual e adicional de periculosidade e saúde, são, atualmente, apenas alguns dos fatores que insalubridade, as novas legislações infraconstitucionais influenciam e alteram o habitat no mundo moderno. incorporaram a temática ambiental do trabalho, Dessa forma, este estudo inicia pela conceituação de 118 | Revista da FAE meio ambiente, pois, como será visualizado, a partir ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do da Constituição Federal de 1988, o meio ambiente do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se trabalho está contido naquele, sendo sua compreensão ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo fundamental para análise e reflexão desta abordagem. e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Rocha (1997, p.23) ensina que “o termo meio Padilha (2002), após firmar seu entendimento sobre ambiente deriva do latim ambiens e entis, podendo a natureza abrangente e interdisciplinar do conceito de ser entendido como aquilo que rodeia”. Em verdade, meio ambiente, cita os eminentes juristas Celso Antonio a expressão “meio ambiente” constitui um pleonasmo, Pacheco Fiorillo, Marcelo Abelha Rodrigues e Rosa pois meio e ambiente possuem um mesmo significado: Maria Andrade Nery, que também denotam a amplitude lugar, recinto, espaço onde se desenvolvem as atividades aludida, afirmando que: humanas e a vida dos animais e vegetais. Porém, trata-se de expressão consagrada, inclusive constitucional mente, razão pela qual se permanecerá com ela neste artigo. Sobre o mesmo tema, Rocha (1997) sustenta que o meio ambiente, academicamente, tem sido compreendido como o conjunto, em um dado momento, dos agentes físicos, químicos, biológicos, e dos fatores sociais susceptíveis de terem efeito direto ou indireto, imediato ou a termo, sobre os seres vivos e as atividades humanas (Poutrel; Wasserman, 1977); A soma das condições externas e influências que afetam a vida, o desenvolvimento e, em última análise, a sobrevivência de um organismo (The World Bank, 1978); O ambiente físico-natural e suas sucessivas transformações artificiais, assim como seu desdobramento espacial; (Sunkel apud Carrizosa, 1981); [...] todos os fatores [...] que atuam sobre um indivíduo, uma população ou uma comunidade (Ínterim Mekong Committee, 1982) (ROCHA, 1997, p.24). Em sede legal, o conceito de meio ambiente é dado [...] o conceito de meio ambiente é amplíssimo, na exata medida em que se associa à expressão “sadia qualidade de vida”. Trata-se, pois, de um conceito jurídico inde terminado, que, propositadamente colocado pelo legislador, visa criar um espaço positivo de incidência da norma, ou seja, ao revés, se houvesse uma definição precisa do que seja meio ambiente, numerosas situações, que normalmente seriam inseridas na órbita do conceito atual de meio ambiente, poderiam deixar de sê-lo, pela eventual criação de um espaço negativo inerente a qualquer definição (PADILHA, 2002, p.21). A mesma autora ainda sustenta: [...] claro que quando a Constituição Federal, em seu art. 225, fala em meio ambiente ecologicamente equilibrado, está mencionando todos os aspectos do meio ambiente. E, ao dispor, ainda, que o homem para encontrar uma sadia qualidade de vida necessita viver nesse ambiente ecologicamente equilibrado, tornou obrigatória também a proteção do ambiente no qual o homem, normalmente, passa a maior parte de sua vida produtiva, qual seja, o trabalho (PADILHA, 2002, p.21). pelo inciso I do art. 3º da Lei n. 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, como “um Nesta mesma linha de raciocínio, Rocha (1997, conjunto de condições, leis, influências e interações de p.25), em sua obra Direito Ambiental e Meio Ambiente ordem física, química e biológica, que permite, abriga e do Trabalho, defende que rege a vida em todas as suas formas”. A atual Constituição Federal de 1988, refletindo as preocupações da sociedade internacional com a viabilidade de vida no planeta, alçou o meio ambiente, enquanto bem essencial à sadia qualidade de vida, a Quando a Constituição Federal, em seu art. 225, fala em “meio ambiente ecologicamente equilibrado”, está mencionando todos os aspectos do meio ambiente. Podemos, portanto, compreendê-lo como meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho. direito fundamental, tanto para a presente como para Neste sentido, adota-se no presente artigo, a as futuras gerações, nos termos do art. 225, caput, que intenção de Rocha de propor uma classificação do meio assim dispõe: “todos têm direito ao meio ambiente ambiente que atenda a fins didáticos. Dessa forma, Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.117-131, jul./dez. 2009 | 119 baseando-se em seus ensinamentos, secciona-se o meio O trabalhador participa da atividade econômica em interação com os meios de produção e toda a infraestrutura necessária ao desenvolvimento da prestação laboral. Ao conjunto do espaço físico (local da pres tação de trabalho ou onde quer que se encontre o empregado, em função da atividade e à disposição do empregador) e às condições existentes no local de trabalho (ferramentas de trabalho, máquinas, equipamentos de proteção individual, temperatura, elementos químicos etc. – meios de produção) nas quais se desenvolve a prestação laboral, denominamos meio ambiente do trabalho. ambiente artificial, propondo-se que seja entendido como ambiente urbano, periférico e rural, separando por suas peculiaridades o meio ambiente cultural e por último o meio ambiente de trabalho, que será analisado de forma mais aprofundada por ser um dos principais objetos deste estudo. O meio ambiente natural pode ser entendido como aquele constituído pelo solo, pela água, pelo ar atmosférico, pela fauna e pela flora, ou seja, recursos naturais, bens ambientais naturais ou ecológicos, assim como o sistema de elementos bióticos e abióticos. Conceitualmente, segundo Rocha (1997), compreende- Conforme a lição de Mancuso (2002, p.129), meio ambiente de trabalho é o Habitat laboral, isto é, tudo que envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local onde o homem obtém os meios para prover o quanto necessário para a sua sobrevivência e desenvolvimento, em equilíbrio com o ecossistema. A contrario sensu, portanto, quando aquele “habitat” se revela inidôneo a assegurar as condições mínimas para uma razoável qualidade de vida do trabalhador, aí se terá uma lesão ao meio ambiente do trabalho. se o meio ambiente artificial como o espaço físico transformado pela ação continuada e persistente do homem com o objetivo de estabelecer relações sociais e viver em sociedade, sendo composto pelo meio ambiente urbano, periférico e rural. Já o meio ambiente cultural, é constituído por bens, valores e tradições aos quais as comunidades emprestam relevância, porque atuam diretamente na sua identidade e formação. E o meio ambiente do trabalho, o que vem a ser? Visualizar-se-á a seguir o entendimento de alguns De acordo com o ensinamento de Fernandes (2006, p.04) autores acerca deste aspecto do meio ambiente, como O meio ambiente de trabalho é, na verdade, o local de trabalho do trabalhador, podendo ocorrer em um meio ambiente artificial ou construído, ou mesmo em um ambiente natural, embora sua ocorrência seja menos frequente, haja vista a existência de alguma intervenção humana que possibilite a sua fruição. forma de melhor fixar sua compreensão jurídica. Na concepção de Fiorillo (2004, p.22), meio ambiente do trabalho pode ser definido como O local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físicopsíquica dos trabalhadores, independentemente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc.). Süssekind (2003, p.919), ao tratar sobre o tema da Ação Prática e Normativa da Organização Internacional do Trabalho pontifica o seguinte: [...] dos estudos realizados pelo PIACT1 resultou a Convenção n. 155, complementada pela Recomendação n. 164, ambas de 1981, que ampliou o conceito de ambiente de trabalho para fins de segurança e saúde dos trabalhadores. Hoje é necessário considerar tanto Para Moraes (2002, p.25) meio ambiente do trabalho é O local onde o homem realiza a prestação objeto da relação jurídico-trabalhista, desenvolvendo atividades de profissional em favor de uma atividade econômica. 120 | 1 PIACT é a abreviatura para Programa Internacional para Melhorar as Condições de Trabalho e Meio Ambiente de Trabalho. Revista da a agressão que o local de trabalho pode sofrer, oriunda do meio ambiente circunvizinho, quanto a poluição, por vezes imensurável, que pode ser gerada no esta belecimento industrial. FAE Como pano de fundo deste momento econômico verifica-se uma mudança de padrões de produção, união de mercados financeiros, aumento da importância das empresas multinacionais, ajuste estrutural e privatização. [...] Esse processo globalizado traz ainda consequências bastante pessimistas no campo das relações de trabalho. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima cerca de um bilhão de pessoas sem ocupação. Surgem como fatores preocupantes a “flexibilização” dos direitos sociais, a terceirização e o desemprego estrutural2. Cabe ressaltar que identificar o meio ambiente do trabalho atualmente, requer maior atenção dos operadores do direito, pois as mudanças nas relações jurídicas de trabalho e, mais acentuadamente, as flexibilizações no Direito do Trabalho, têm resultado em transformações nas atividades e prestações laborais. As novas formas de exclusão geradas pela econo Com a globalização da economia e o consequente e mia capitalista, como desemprego aberto, ocupações iminente desenvolvimento industrial brasileiro, mui atípicas e precarização das condições e das relações tas empresas já utilizam novas metodologias sem o de trabalho, inserem a temática da flexibilização da uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), legislação trabalhista, sob o fundamento de que os indispensáveis à segurança dos trabalhadores, uma elevados encargos sociais são os responsáveis pela vez que as buscas do aumento da produtividade e da crise do emprego formal. Por outro lado, diante da redução dos custos, não são, necessariamente, seguidas desordem ecológica mundial produzida pelo capitalismo pela melhoria das condições de trabalho. contemporâneo, ninguém questiona a necessidade de Considerando-se que a globalização tem propor proteção legal para evitar o colapso do meio ambiente. cionado acentuadas modificações no mundo do As duas perspectivas, tanto de redução dos trabalho e, em específico, ao meio ambiente do trabalho, direitos trabalhistas quanto de ampliação dos direitos a seguir, analisar-se-á o meio ambiente do trabalho de proteção ao meio ambiente, apesar de muito partindo-se de sua conceituação como tudo aquilo que divergentes, convergem, porém, no seu atendimento envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local à dinâmica das forças do mercado globalizado. Em onde o homem obtém os meios para prover o quanto âmbito mundial, observa-se que a reformulação das necessário para a sua sobrevivência e desenvolvimento, políticas trabalhistas tem sido utilizada para rebaixar o em equilíbrio com o ecossistema, frente às mudanças padrão de uso e remuneração do trabalho, enquanto a nas atividades e relações de trabalho. questão ambiental tem servido de argumento para os países centrais tolherem o desenvolvimento dos países pobres e em desenvolvimento. 2 Meio ambiente do trabalho e globalização Outrossim, segundo Rocha (2002), as temáticas sobre o meio ambiente e sobre as relações de trabalho aproximam-se em sua origem. Através de uma rápida O atual processo de globalização da economia está em curso desde o início dos anos 1980, com a formação de grandes conglomerados continentais, marginalizando cada vez mais os países periféricos no cenário internacional. Rocha (1997, p.44) aborda este tema ponderando que Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.117-131, jul./dez. 2009 observação, tanto dos impactos em escala massiva contra os trabalhadores, quanto da degradação da natureza em 2 Para Silva (1995) o desemprego estrutural, em geral, resulta da desproporção qualitativa entre demanda e oferta de força de trabalho, devido, sobretudo, à falta de força de trabalho qualificado ou mesmo à inadequação do tipo de qualificação às necessidades do empregador. | 121 âmbito global, conclui-se que ambos são decorrentes do processo de industrialização. Tanto as legislações tra balhista quanto a ambiental surgiram da necessidade de ausência de controle da sociedade sobre esse processo, enfraquecem a participação coletiva dos trabalhadores em defesa de melhores condições de trabalho. proteção estatal contra os efeitos e perigos resultantes De fato, há uma redução dos custos de mão-de-obra da atividade produtiva. O Estado, em épocas diferentes, com a eliminação de patamares básicos de condições viu-se forçado a atuar no sentido de subordinar a do trabalho, agravando-se mais do que nunca os pro atividade econômica a uma existência digna e a limitar blemas da esfera circundante do trabalho. E, segundo a exploração dos recursos naturais, por meio da adoção disposição de Rocha (2002, p.295), de instrumentos legais apropriados. Em virtude de uma série de mudanças no cenário internacional, como, o aumento de empresas multinacionais, a mundialização da economia, a desconcentração do aparelho estatal, em meio a uma onda de demissões generalizadas e à ausência de postos de trabalho, trabalhadores têm sido submetidos a empregos precários atingindo dire tamente a saúde físico-psíquica do indivíduo. a desterritorialização e a reorganização do espaço de produção, a fragmentação das atividades produtivas A preocupação aumenta quando se constata que a e a expansão de um direito paralelo ao dos Estados, transformação no meio ambiente do trabalho, provocada de natureza mercatória, evidencia-se uma redução do poder de intervenção do Estado, diante das forças do mercado e de outros atores não-estatais, que atinge um de seus mais significativos instrumentos: a norma estatal (ROCHA, 2002). Atualmente, além de riscos mais graves no meio ambiente do trabalho (acidentes, doenças ocupacionais etc.) e no meio ambiente em geral (vazamentos, con taminações, desastres ecológicos etc.), observa-se que há uma normatividade nos mais diversos níveis (nacional, regional e global) e em países como Estados Unidos, Holanda e Brasil surgem experiências alternativas ao processo tradicional de controle legal, por meio de práticas autorregulatórias para indústrias e demais setores produtivos, que estipulam normas de pela flexibilização daquilo denominado organização do trabalho, não repercutiu na diminuição de infortúnios. Ao inverso, pois conforme Dejours (2003, p.19), O modo flexível de produção trouxe um aumento das patologias ditas de sobrecarga. Junto com a robotização e a automatização, que se pensava que pudessem livrar os seres humanos da parte mais danosa do trabalho, apareceram novas patologias, novos sofrimentos foram revelados e algumas doenças conhecidas outrora se desenvolveram muito. Portanto, Rocha (2002, p.134) ensina que as relações no mundo do trabalho continuam a sofrer alterações e, por conseguinte, a noção do meio ambiente do trabalho não pode ser imutável, pelo contrário, necessita refletir as evoluções sociais e técnicas que constantemente se aprimoram. conduta do que seja ecologicamente equilibrado, às quais estes devem adequar-se – série de Standards ISO (ROCHA, 2002). No entanto, o cenário econômico e o contexto social não indicam perspectivas animadoras para a Conceituar meio ambiente do trabalho levando em consideração as flexibilizações no direito, a glo balização da economia, as mudanças nas relações laborais e nos modos de produção, tem gerado dúvidas garantia dos próprios trabalhadores a ambientes de aos operadores do direito e evidenciado a lacuna da lei trabalho saudáveis. Ao contrário, pois, conforme Rocha frente às mudanças. (2002, p.295) A crise do emprego formal, o enfraquecimento esta tal (ou erosão do poder de intervenção do Estado), o aumento desmedido do poder do mercado e a 122 | Dessa forma, é tarefa do intérprete conciliar caso a caso, aplicando o conceito de meio ambiente do trabalho que esteja adaptado a tudo aquilo que envolve e condiciona, direta ou indiretamente, o local Revista da FAE onde o homem obtém os meios para prover o quanto do Trabalho, torna-se oportuna a análise da localização necessário para a sua sobrevivência e desenvolvimento, dessa disciplina, ou seja, sua natureza jurídica, nos em equilíbrio com o ecossistema. ramos do Direito. Tal abordagem, in statu nascendi, baseando-se no direito ao meio ambiente ecologica mente equilibrado, consagrado inquestionavelmente 3 Direito ambiental do trabalho: natureza e tutela jurídica do meio ambiente do trabalho pela Carta Constitucional de 19883, constitui direito eminentemente difuso, ou seja, aquele conceituado legalmente como “interesse transindividual, de natureza indivisível, cujos titulares sejam pessoas indeterminadas, ligadas por circunstâncias de fato” (art. 81, I, do Código Por tudo o que aqui já foi exposto, constata-se que de Defesa do Consumidor). o meio ambiente do trabalho sofre incursões tanto do Conforme ensina Mancuso (1991, p.275), Direito do Trabalho como do Direito Ambiental e embora Os direitos difusos são transindividuais porque despassam a esfera de atuação dos indivíduos isoladamente consi derados, para surpreendê-los em sua dimensão coletiva; são de natureza indivisível, pelo fato de que a satisfação de um só constitui lesão da inteira coletividade; são titulares dos direitos, pessoas indeterminadas ligadas por circunstâncias de fato. Quanto à natureza da lesão, decorre “de afronta aos interesses difusos, lesão esta que poderia ser disseminada por um número indefinido de pessoas, tanto podendo ser uma comunidade, uma etnia ou mesmo toda a humanidade”. o tema meio ambiente do trabalho receba tratamento doutrinário no campo de ambas as matérias, conforme Rocha (2002, p.275), as duas disciplinas possuem racionalidades e princípios bastante específicos: enquanto o Direito Ambiental busca proteger o meio ambiente e o ser humano tomado na sua generalidade, o Direito do Trabalho objetiva a regulação das relações laborais e a proteção do ser humano trabalhador. Padilha (2002, p.46) tem a seguinte opinião sobre o assunto: [...] o meio ambiente do trabalho embora se encontre numa seara comum ao Direito do Trabalho e ao Direito Ambiental, distintos serão os bens juridicamente tute lados por ambos, uma vez que, enquanto o primeiro se ocupa preponderantemente das relações jurídicas havidas entre empregado e empregador, nos limites de uma relação contratual privatística, o Direito Ambiental, por sua vez, irá buscar a proteção do ser humano trabalhador contra qualquer forma de degradação do ambiente onde exerce sua atividade laborativa. A proteção ao meio ambiente do trabalho associase à tutela da saúde do trabalhador. Sob fundamento constitucional da tutela da vida com dignidade, Fiorillo (1995, p.98) menciona com bastante ponderação que [..] tendo como objetivo primordial a redução do risco de doença e de outros agravos, as normas constitucionais sobre a saúde dão ao Sistema Único de Saúde com petência, dentre outras atribuições, para colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o Meio Ambiente do Trabalho (art. 200, VIII). Destarte, para a Constituição Federal, a proteção do Meio Ambiente do Trabalho tem natureza vinculada à proteção da saúde, que, sendo direito de todos, está tutelada pelas normas instrumentais destinadas à proteção de aludidos interesses difusos. Por conta disso, surgiu a disciplina Direito Ambiental do Trabalho, caracterizada por analisar e descrever o sistema normativo que tutela o meio am biente do trabalho e a saúde do trabalhador, por meio de elementos colhidos principalmente do Direito do Trabalho (proteção à incolumidade do trabalhador) e do Direito Ambiental (proteção ao meio ambiente). Diante das discussões a respeito do Direito Ambiental Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.117-131, jul./dez. 2009 3 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologi camente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. | 123 Normalmente, o meio ambiente do trabalho é do trabalho não se fundamenta na realização de um compreendido diante de um grupo determinado de interesse específico (coletivo stricto sensu), ao con pessoas, como por exemplo, uma categoria de traba trário, surge do reconhecimento da necessidade de lhadores. Esta proteção tem uma natureza eminente- uma proteção metaindividual (difusa), devendo o meio mente coletiva. O Código de Defesa do Consumidor, ambiente do trabalho saudável e equilibrado ser sempre em seu artigo 81, inciso II, estabelece o conceito norma- tutelado como um interesse difuso. Da mesma forma, tivo do que sejam interesses ou direitos coletivos, sendo entende que ainda é prematuro afirmar a autonomia aqueles “transindividuais de natureza indivisível de que do Direito Ambiental do Trabalho, sobretudo porque seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas liga- a tutela ao meio ambiente do trabalho continua a ser das entre si ou com a parte contrária por uma relação estabelecida em face da relação de trabalho, mantendo- jurídica base”. Dessa forma, através dos seguimentos se a legislação sobre a matéria fragmentada. grupo, categoria ou classe, possibilita-se que os coletivos organizados possam defender interesses corporativos em suas diferentes matizes. Assim, cabe trazer à lume o entendimento de Rocha (2002, p.280): [...] o liame entre os direitos difusos e os direitos coletivos reside no seu caráter metaindividual, podendo ser agrupados, na maioria das vezes, na denominação de direitos coletivos lato sensu; de outra maneira, os interesses difusos podem ter uma amplitude maior do que a órbita de uma coletividade organizada e definida, ressaltada pelo caráter corporativo; além disso, nos direitos difusos, considera-se o ser humano em sua dimensão genérica, agregado ocasionalmente pela ocorrência fática que determina sua tutela. Portanto, torna-se prudente questionar sobre as questões de saúde do trabalhador e meio ambiente do trabalho que envolvem o interesse coletivo stricto sensu, cogitando-se sobre o contingente de operários de uma indústria específica ou, ainda, com relação à categoria que trabalha em determinado setor industrial. Nesse ponto, acorre Rocha (2002, p.281), explicando que Apesar de muitas vezes os efeitos decorrentes de danos ao meio ambiente do trabalho atingirem um contingente específico de trabalhadores (coletivo), também existe a possibilidade desses efeitos incidirem numa coletividade incalculável (massa indefinida), como por exemplo, no caso de contaminação orgânica pelo trabalho em ambiente que utiliza telhas de amianto (fabricada com substância cancerígena). Entretanto, Rocha (2002) reconhece que a ela boração dessa proteção tem sofrido a influência de um paradigma preventivo, muitas vezes superando a forma tradicional de tutela à higiene e à segurança dos trabalhadores. Além disso, os princípios inspiradores da tutela ao meio ambiente do trabalho, apesar de não serem exclusivos, tomam, conforme esse autor, uma dimensão específica e peculiar, dos quais podem ser destacados: o princípio da precaução-prevenção, o princípio do desenvolvimento sustentável, o princípio do poluidorpagador, o princípio da proteção plena do trabalhador, o princípio da equidade e o princípio do in dubio pro ambiente-operário. Tais princípios surgiram da interrelação entre o Direito Ambiental e o Direito do Trabalho, na tutela de um objeto comum: o meio ambiente do trabalho. Seguindo a lição de Rocha (2002), o princípio da precaução-prevenção surge na medida em que há que se atuar preventivamente e com a necessária precaução para romper com o paradigma da compensação pecuniária pelo trabalho em condições insalubres. Já o princípio do desenvolvimento sustentável tem como objetivo conciliar atividade econômica e produtiva com salubridade dos ambientes do trabalho. Quanto ao princípio do poluidor-pagador, aplica-se na obrigação do empregador-poluidor reparar os danos causados ao ambiente e aos trabalhadores, assumindo a responsabilidades civil, administrativa e criminal pelo Segundo o autor anteriormente citado, a proteção ato. Trata-se de responsabilidade objetiva, inclusive com que se busca por meio da tutela ao meio ambiente relação aos infortúnios, devendo ser apurada apenas a 124 | Revista da FAE relação de causalidade (nexo causal) entre dano e ação pétrea. Além disso, nas atribuições do Sistema Único ou omissão do empregador-poluidor. de Saúde, consta a de “executar as ações de vigilância Por conta do princípio da proteção plena ao trabalhador, qualquer que seja a forma contratual, o empregador torna-se responsável pela saúde de seus empregados, exerçam ou não atividade na unidade sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador” (art. 200, II)6. O meio ambiente do trabalho passou a receber tutela mediata (art. 225, caput, § 1.º, IV, VI e § 3.º)7 e imediata (art. 200, VIII)8. produtiva. O princípio da equidade fundamenta-se na No plano infraconstitucional, a tutela ao meio igualdade de proteção e, portanto, não admite que ambiente do trabalho continua a ser regulada pela determinados contingentes de trabalhadores sejam Consolidação das Leis do Trabalho. No capítulo V do mais protegidos que outros, na aplicação da política de Título II denominado Da Segurança e da Medicina salubridade dos ambientes do trabalho. Por fim, o prin do Trabalho (arts. 154 a 201), além de serem apre cípio in dubio pro ambiente-operário consubstancia-se sentadas disposições gerais sobre o tema, a CLT define na máxima de que, havendo dúvida, deve-se proteger o as atribuições da administração pública, as respon meio ambiente do trabalho. Isso significa que, mesmo sabilidades dos empregadores e dos empregados, assim não havendo certeza quanto ao grau de periculosidade como os procedimentos de inspeção prévia, embargo e ou salubridade, o empregador e o Poder Público ou interdição. devem atuar de modo a impedir que ocorram danos ao meio ambiente e à saúde dos trabalhadores. Esse capítulo ainda dispõe sobre os órgãos de segurança e de medicina do trabalho e disciplina a Quanto à sua tutela jurídica, o meio ambiente do constituição da Comissão Interna de Prevenção de trabalho engloba tudo que envolve e condiciona, direta Acidentes (Cipa), a utilização dos equipamentos de pro e indiretamente, o local onde o homem obtém os meios teção individual, a normatização das medidas preven necessários para prover a sua subsistência, devendo ser tivas de medicina do trabalho, além de estabelecer os protegido em função da sua capacidade de causar danos requisitos de segurança com relação às edificações, à à saúde do trabalhador. Não é necessário que exista subordinação para garantir a tutela jurídica ao ambiente no qual os trabalhadores prestam seus serviços. Conforme Fiorillo (2004), o próprio legislador constitucional fez referência à relação de trabalho em diversas passagens e, quando quis destacar a relação de emprego, fez isso expressamente, como no art. 7.º, inciso I, da CF/884. A partir da Constituição Federal de 1988, a saúde do trabalhador deixou de ser matéria apenas de legislação ordinária, elevando-se à categoria de direito fundamental (art. 7.º, XXII, XXIII)5 e, portanto, cláusula Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos. 5 Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei. 4 Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.117-131, jul./dez. 2009 Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: [...] II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador. 7 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologi camente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...] IV exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; [...] VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; [...] § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. 8 Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: [...] VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. 6 | 125 iluminação, ao conforto térmico, às instalações elétricas, De acordo com a Portaria n. 1.127, de 02.10.2003, do à movimentação, à armazenagem e ao manuseio de ma Ministério do Trabalho e Emprego, os procedimentos teriais, às máquinas e aos equipamentos, às caldeiras, aos para a elaboração de normas regulamentadoras relacio fornos e aos recipientes sob pressão. Também trata das nadas à saúde, segurança e condições gerais de trabalho atividades insalubres e perigosas, da prevenção da fadiga, adotam como princípio o Sistema Tripartite Paritário, de outras medidas especiais de proteção, bem como das garantindo a participação do governo, dos trabalhado- penalidades aplicáveis às infrações dos seus dispositivos. res e dos empregadores, com a previsão de realização De acordo com Rocha (2002, p.227), embora deno de audiências públicas, seminários, debates, conferên- minadas preventivas, as medidas descritas acima, cias ou outros eventos, quando necessário, como forma constituem-se, de fato, em disposições protetivas à saúde de promover a ampla participação da sociedade. dos trabalhadores. Tal dimensão preventiva, segundo Por outro lado, embora a necessidade de medidas esse autor, somente pode ser observada nas Normas de restrição aos riscos do trabalho pareça algo inques Regulamentadoras (NR) do Ministério do Trabalho e tionável, qualquer tentativa nesse sentido pode afetar Emprego. Para exemplificar, podem ser destacadas as a produção e, diante da ausência de uma atuação normas que tratam do embargo ou interdição em caso prioritária e sistemática das empresas, a fiscalização dos de grave e iminente risco ao meio ambiente do trabalho órgãos públicos torna-se imprescindível para garantir a (NR-3); dos serviços especializados em engenharia de segurança e a saúde do trabalhador. segurança e medicina do trabalho – SESMT, com a fina lidade de promover a saúde e proteger a integridade do trabalhador no local de trabalho (NR-4); da norma que regulamenta o funcionamento da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, vedando a dispensa arbitrária do empregado eleito membro da Cipa, desde o registro 4 A importância do meio ambiente do trabalho à saúde e à segurança do trabalhador rural e urbano de sua candidatura até um ano após o final de seu mandato (NR-5); do programa de controle médico de Em razão de fatores variados, a relação homem e saúde ocupacional – PCMSO (NR-7); do programa de meio ambiente do trabalho reflete na relação homem e prevenção dos riscos ambientais – PPRA (NR-9); das meio ambiente de vida, daí a relevância na análise do condições do trabalho na indústria da construção civil papel do meio ambiente do trabalho nos três níveis de (NR-18); das condições sanitárias e de conforto nos mão-de-obra: setores primário, secundário e terciário. locais de trabalho (NR-24). A Lei n. 8.080/909 (Lei Orgânica da Saúde) também se reporta várias vezes ao meio ambiente do trabalho e à saúde dos trabalhadores, tomando como base um paradigma preventivo. Sob a mesma perspectiva, a Lei n. 9.795/9910 (Lei da Educação Ambiental) atribui às empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas, a promoção de programas destinados à capacitação dos trabalhadores, visando à melhoria e ao controle efetivo sobre o ambiente do trabalho. 9 Art. 6º, II, III, V, VIII; art. 16, V; art. 17, VII. Art. 3º, V. 10 126 | Segundo Araújo (2008), fazem parte do setor pri mário da economia As entidades econômicas voltadas para a silvicultura (extração de recursos naturais de florestas), extra tivismo (mineração) agricultura e pecuária. Parte da produção do setor primário destina-se a servir como matérias-primas para outros setores ou ao consumo direto da população (normalmente os produtos hortifrutigranjeiros) (ARAÚJO, 2008, p.4). E continua o mesmo autor ensinando que [...] o setor secundário é constituído pela atividade indus trial (de transformação). Dentro da produção industrial Revista da destacam-se a indústria de bens de capital (máquinas, equipamentos e instalações industriais), que tem como finalidade aumentar a capacidade produtiva da economia e a indústria de bens de consumo. Os bens de consumo podem ser classificados como de consumo imediato e de consumo durável. Já no setor terciário estão classificadas as empresas comerciais e de prestação de serviços. As empresas comerciais funcionam como intermediários de marketing: não agregam transformação da natureza dos produtos, mas agregam os serviços de promoção, distribuição e comercialização (ARAÚJO, 2008, p.4). Portanto, pode-se dizer que cada espécie de meio FAE Através do art. 3º, §1º da mesma Lei, entende-se por meio ambiente de trabalho rural, o lugar onde o trabalhador está a serviço ou à disposi ção daquele que desenvolve atividade agroeconômica, incluídas as de natureza industrial em estabelecimento agrário. No meio ambiente do trabalho rural está o obreiro que desenvolve atividades em contato direto e maior com os fatores naturais. Estão nas chamadas regiões rurais, em tarefas agrícolas ou artesanais, bem como em ambiente possui características próprias e peculiari ocupações similares ou conexas, tratando-se tanto de dades relativas à atividade desenvolvida pelo traba assalariados, como daqueles que trabalham por conta lhador (ao ocupar determinada função na produção própria, como os arrendatários e pequenos proprietários industrial, agrícola, prestação de serviço etc.). Conhecer (GENEBRA, 1975). as condições do meio ambiente do trabalho pode ser A vida do trabalhador rural tem sofrido profundas interpretado como o mesmo que conhecer as pers transformações, baseada, originalmente, no emprego da pectivas de vida e saúde no meio ambiente geral. energia humana, tem sido modificada pela mecanização, Assim, iniciar-se-á uma análise da importância do meio pelo crescimento da industrialização, bem como pelo ambiente do trabalho à saúde e à segurança para os emprego de produtos químicos e a utilização de abonos trabalhadores do meio rural e em seguida para os artificiais no lugar dos naturais. Moraes (2002, p.36), trabalhadores do meio urbano e industrial. O meio ambiente do trabalho rural está entre os mais prejudicados e desprezados, desempenhando os trabalhadores suas atividades habituais em condições delicadas à sua saúde e segurança. Acerca deste fato, a autora Moraes (2002, p.34) comenta que O maior fator do descaso empresarial se sustenta na própria fragilidade do trabalhador rural que, na grande maioria, carece de conhecimento sobre seus direitos e, até mesmo, acerca de sua dignidade como pessoa humana. A necessidade de subsistência encontra na pessoa do trabalhador rural a vantagem de que precisam os empregadores para a exploração e intensificação do descaso com a saúde e segurança no meio ambiente do trabalho rural. A Lei n. 5.889/73 traz em seu artigo 2º o conceito de trabalhador rural nos seguintes termos: empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.117-131, jul./dez. 2009 acerca do presente tema, ensina: [...] por meio de técnicas inoperantes para a proteção da saúde e segurança, o meio ambiente do trabalho rural passa por transformações que avançam em proporção inversa à industrialização, provocando desequilíbrio considerável no meio ambiente em geral. Por exemplo, no campo ou na plantação, o trabalhador, ao utilizar inseticida, lança ao ar partículas que se depositam sobre troncos, solo, frutos etc. Deve-se proporcionar orientações e instruções sobre como utilizar tais produtos, bem como promover a proteção dos trabalhadores contra os possíveis danos que o contato com essas substâncias podem ocasionar. E continua a mesma autora enunciando que Sendo a natureza o principal recurso do trabalhador rural na execução de seu labor, é indispensável sua correta utilização, por meio do respeito e da observação das normas de proteção ao meio ambiente em geral e, em conseqüência, das normas de proteção ao meio ambiente do trabalho. Pois que, a contaminação ou a deterioração dos elementos naturais (solo, água, plantas, ar, animais etc.) resulta em prejuízos graves | 127 e irreversíveis, quer para a vida do trabalhador rural, quer para a vida de toda uma coletividade, sendo o meio ambiente do trabalho saudável resultado do meio ambiente de vida equilibrado, numa interação conjunta à proteção da saúde e da segurança do trabalhador. Já a importância do ambiente do trabalho para a saúde e a segurança no meio urbano e industrial caracteriza-se pelo avanço da industrialização, uma vez que o homem passou do campo para a cidade, em busca de melhores condições de vida e de trabalho. O crescimento industrial mostrou-se adverso ao obreiro urbano, traduzido hodiernamente por meio da crescente deterioração da qualidade de vida, com sérias repercussões no futuro, facilmente constatadas no surgimento das doenças ocupacionais. O trabalhador urbano é aquele que exerce suas atividades dentro de área considerada desenvolvida, com infraestrutura (água, esgoto, gás, eletricidade etc.) e/ou com serviços urbanos (transporte, educa ção, saúde etc.). A evolução dos métodos de produção e dos meios de transporte e de comércio tem possibi litado a instalação de indústrias em distintos locais, o que em alguns aspectos, descaracteriza o conceito de trabalhador urbano, em virtude de o mesmo exercer suas funções em área escassa de urbaniza que não mais se suprem com a terra, mas, com o salário que o trabalhador recebe como contraprestação pelos serviços realizados. É preciso observar e respeitar as condições laborais e os fatores que possam influenciar e agredir o direito ao meio ambiente do trabalho saudável. Esses fatores são variados, podendo ser físicos, como temperatura, umidade, pressão, gases, vapores, radiações ionizantes, ruídos e vibrações etc.; ser referentes à organização do trabalho, como o trabalho repetitivo ou monótono, o trabalho extraordinário e noturno etc.; ou ainda, ser relacionados ao clima psicológico inerente na empresa, envolvendo a saúde mental do empregado. A luta pelo meio ambiente do trabalho saudável deve começar pela sua própria proteção, por meio da prevenção das atividades laborais contra as condições agressivas à saúde e segurança. As medidas de prevenção correspondem, essencialmente, às de caráter técnico e médico. A respeito deste tema, Moraes (2002) ensina que no campo técnico, entre as possíveis atuações têm-se a substituição de substâncias perigosas e a utilização de sistemas de aspiração, de umedecimento e de filtração, para captar ou neutralizar substâncias nocivas nos lugares onde se formam ou de onde se desprendem, como forma de encontrar soluções para ção. Portanto, trabalhador urbano na concepção de as novas doenças resultantes do efeito industrialização. Moraes (2002, p.39) No âmbito médico, as medidas de proteção objetivam Também é aquele que presta serviços nas periferias das cidades, em áreas onde não se observa infraestrutura suficiente para prover as necessidades da população. No entanto, assim como no trabalho rural é a natureza da atividade econômica desenvolvida pelo empregador que identifica a espécie de ambiente de trabalho e seus sujeitos. revelar os efeitos do meio ambiente laboral à saúde e prevenir o aparecimento de enfermidades profissionais (doenças ocupacionais), através do controle e de exames periódicos. Sendo assim, quer no meio urbano e industrial, quer no meio rural, devem ser promovidas medidas que viabilizem atividades e condições de trabalho dignas da O trabalhador urbano está para a máquina como pessoa humana, priorizando-se o respeito e a aplicação o trabalhador rural está para a terra. A máquina é sua das normas de segurança do trabalho, para que os ferramenta de trabalho e a energia mecânica substitui trabalhadores possam adquirir os subsídios de sua a força física. O campo e a terra são trocados pelo meio existência, sem ter de pôr em risco a própria saúde ou industrial e alimentação e moradia são necessidades integridade física. 128 | Revista da Considerações finais FAE nos modos de produção, tem gerado dúvidas aos operadores do direito e evidenciado a lacuna da lei O presente artigo objetivou demonstrar os direitos frente às mudanças. e as garantias do trabalhador a um meio ambiente de Nesse sentido, embora o meio ambiente do tra trabalho sadio e seguro, como forma de prevenção de balho esteja condicionado ao local onde o homem infortúnios no exercício de sua atividade laboral. Nesse obtém os meios para prover o quanto necessário para campo de incidência, conceituou-se o meio ambiente a sua sobrevivência e desenvolvimento, em equilíbrio de trabalho, identificando sua importância para a saúde com o ecossistema, é tarefa do intérprete conciliar caso e a segurança do trabalhador. a caso e aplicar o melhor conceito, sempre em prol da Evidenciou-se que a atual Constituição Federal de proteção jurídica do trabalhador. 1988, refletindo as preocupações da sociedade inter Além disso, também pôde ser visualizado que, nacional com a viabilidade de vida no planeta, alçou a partir da Constituição Federal de 1988, a saúde o meio ambiente, enquanto bem essencial à sadia do trabalhador deixou de ser matéria apenas de qualidade de vida, a direito fundamental, tanto para as legislação ordinária, elevando-se à categoria de direito presentes como para as futuras gerações, nos termos do fundamental (art. 7.º, XXII, XXIII) e, portanto, cláusula caput de seu art. 225. Observou-se que quando a Norma pétrea. O meio ambiente do trabalho passou a receber Fundamental menciona “meio ambiente ecologicamente tutela mediata (art. 225, caput, § 1.º, IV, VI e § 3.º) e equilibrado”, ela se refere a todos os aspectos do meio imediata (art. 200, VIII). Porém, apesar da existência ambiente. E, ao dispor que o homem, para encontrar uma de todos os aparatos da tutela da ambiência laboral, a sadia qualidade de vida, necessita viver nesse ambiente verdadeira prevenção das questões do meio ambiente ecologicamente equilibrado, tornou obrigatória, tam do trabalho somente será efetiva e definitiva, quando bém, a proteção do ambiente em que passa a maior a sociedade e o empresariado tomarem consciência parte de sua vida produtiva, qual seja, o do trabalho. de que o custo da prevenção é muito menor e mais Assim, caracterizou-se o habitat laboral como sendo tudo o que envolve e condiciona, direta e indiretamente, significativo que o custo da reparação dos danos causados aos trabalhadores. o local onde o homem obtém os meios para prover o Sendo assim, quer no meio urbano, industrial ou necessário à sua sobrevivência e desenvolvimento, em rural, devem ser promovidas medidas que viabilizem equilíbrio com o ecossistema. Portanto, a contrario atividades e condições de trabalho, dignas da pessoa sensu, quando este “habitat” revela-se inidôneo para humana, priorizando-se o respeito e a aplicação assegurar as condições mínimas a uma razoável quali das normas de segurança do trabalho, para que os dade de vida do trabalhador, ter-se-á uma lesão ao meio trabalhadores possam adquirir os subsídios de sua ambiente do trabalho. existência, sem pôr em risco a própria saúde ou Outrossim, as relações no mundo do trabalho integridade física. continuam a sofrer alterações e, por conseguinte, a Busca-se, dessa forma, uma nova visão de proteção noção do meio ambiente do trabalho não pode ser aos trabalhadores, não mais na esfera individualista imutável, pelo contrário, necessita refletir as evoluções do Direito do Trabalho, da monetarização dos riscos sociais e técnicas que constantemente se aprimoram. e do pagamento dos adicionais, sejam eles os de Conceituar meio ambiente do trabalho levando em periculosidade, insalubridade ou penosidade, mas na consideração as flexibilizações no direito, a globalização perspectiva de uma inovadora temática de prevenção, da economia, as mudanças nas relações laborais e informação e precaução. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.117-131, jul./dez. 2009 | 129 Porém, percebe-se que, apesar da legislação trabalhadores. E isso, efetivamente, tem implicado a existente, infortúnios decorrentes das atividades labo degradação do ambiente em que se desenvolvem as rais costumeiramente acontecem, em que pese a atividades laborativas. acentuada evolução do direito do trabalhador à saúde Não se pode propor direito a um ambiente ecolo e às condições dignas de trabalho. Infelizmente, apesar gicamente equilibrado, como reiteradamente referido de constar em nosso ordenamento jurídico a segurança, neste artigo, sem que se tenha por objetivo a garantia a higiene e a medicina do trabalho como direito pú da preservação da própria vida humana com dignidade blico dos trabalhadores de exercerem suas funções e salubridade. Portanto, não há como se falar em em ambiente de trabalho seguro e sadio, a realidade democracia e Estado Democrático de Direito no tocante das estatísticas das doenças e acidentes do trabalho à saúde, à segurança e à prevenção de acidentes do evidencia que os interesses econômicos ainda superam trabalho, se não houver verdadeira, pronta e eficaz os interesses humanos. atuação integrada de toda a sociedade na proteção ao Conquanto, ainda que paradoxalmente, sobreleve-se meio ambiente do trabalho. Assim, espera-se que estas a mundial preocupação com a preservação e recupe reflexões despertem interesse para outras de maior ração do meio ambiente, numa visão equivocada, a alcance e conteúdo, com o objetivo de sensibilizar busca pelo lucro material parece mais intensa nesta a todos da necessidade de fazer valer os princípios era de globalização econômica, em que se integram os normativos da ambiência laboral, que garantam ao mercados e libera-se o comércio internacional. De fato, trabalhador a sua saúde e a sua segurança. essa nova ordem mundial vem impondo profundas mudanças na organização dos processos de trabalho, visando ao aumento da produtividade e à redução dos custos, em um contexto no qual ganha nova dimensão a relação entre trabalho e as condições de vida dos •Recebido em: 23/06/2009 •Aprovado em: 02/09/2009 Referências ARAÚJO, O. P. O Sistema econômico. Disponível em: <http://www.dearaujo.ecn.br/cgi-bin/asp/sistemaEconomico04.asp>. Acesso em: 6 mar. 2008. BRAGA, B. Introdução à engenharia ambiental. São Paulo: Prentice Hall, 2002. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 29.ed. São Paulo: Saraiva, 2002. ______. Lei n.º 5.889, de 08 de junho de 1973. Estatui normas reguladoras do trabalho e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 11 jun. 1973. ______. Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 02 set. 1981. ______. Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 11 set. 1990. ______. Lei n.º 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 20 set. 1990. 130 | Revista da FAE ______. Lei n.º 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 28 abr. 1999. ______. Portaria n.º 1.127, de 2 de outubro de 2003. Estabelece procedimentos para a elaboração de normas regulamentares relacionadas à saúde, segurança e condições gerais de trabalho. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 03 out. 2003. Disponível em: <http://www.trt02.gov.br/geral/tribunal2/orgaos/MTE/Portaria/P1127_03.htm>. Acesso em: 05 mar. 2008. ______. Ministério do trabalho e Emprego. Normas regulamentadoras. Disponível em: <http://www.mte.gov.br>. Acesso em: 05 abr. 2008. DEJOURS, C. A banalização da injustiça social. 5.ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2003. FERNANDES, F. A. O princípio da prevenção no meio ambiente do trabalho e o ministério público do trabalho. Revista LTr, São Paulo, v.70, n.12, p.1460-1471, dez. 2006. FIORILLO, C. A. P. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004. ______. Fundamentos constitucionais da política nacional do meio ambiente: comentários ao artigo 1º da Lei 6.938/81. In: Direito n.2 – Programa de Pós Graduação em Direito da PUC-SP. São Paulo: Max Limonad, 1995. GENEBRA. Convênio da Organização Internacional do Trabalho, n.141, 1975. Dispõe sobre as organizações de trabalhadores rurais. MANCUSO, R. C. Ação civil pública trabalhista: análise de alguns pontos controvertidos. Revista do Ministério Público do Trabalho, Brasília, 2002. ______. Comentários ao código de proteção ao consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991. MORAES, M. M. L. O direito à saúde e segurança no meio ambiente do trabalho: proteção, fiscalização e efetividade normativa. São Paulo: LTr, 2002. PADILHA, N. S. Do meio ambiente do trabalho equilibrado. São Paulo: LTr, 2002. PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO – PNUD. Relatório do desenvolvimento humano de 1998: padrões de consumo para o desenvolvimento humano. Disponível em: <http://www.pnud.org.br>. Acesso em: 29 fev. 2008. ______. Relatório do desenvolvimento humano de 1999: globalização com uma face humana. Disponível em: <http://www.pnud.org.br>. Acesso em: 29 fev. 2008. ROCHA, J. C. S. Direito ambiental do trabalho: mudanças de paradigma na tutela jurídica à saúde do trabalhador. São Paulo: LTR, 2002. ______. Direito ambiental e meio ambiente do trabalho: dano, prevenção e proteção jurídica. São Paulo: LTr, 1997. SILVA, J. P. Repensando a relação entre trabalho e cidadania social. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.9, n.4, p.6-12, 1995. SÜSSEKIND, A. L. Instituições de direito do trabalho. 21.ed. São Paulo: LTr, 2003. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.117-131, jul./dez. 2009 | 131 Revista da FAE Estatuto da criança e do adolescente: 19 anos de subjetivações Statute of the child and adolescent: 19 years of subjectivations Mário Luiz Ramidoff* Crianças que “brincam” no pátio da escola ou nas ruas estão construindo e reconstruindo o mundo das normas dos adultos. Quanto mais autonomia tiverem, mais inventivas e democráticas serão para reconstruir a sociedade brasileira em normas mais justas e aceitáveis para todos. (FREITAG, 1993) Resumo Nesses 19 (dezenove) anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente foi possível constatar avanços práticos significativos para a expansão da cidadania infanto-juvenil através da efetivação dos direitos individuais e do asseguramento das garantias fundamentais destinados à proteção integral da infância e da juventude. Palavras-chave: adolescente; cidadania; constituição; criança; direitos; emancipação; estatuto; garantias; infância; juventude; subjetivação; subjetividade. Abstract In these 19 (nineteen) years of the Statute of the Child and Adolescent practical developments could see significant expansion of citizenship to the children and youth through the realization of individual rights and the securing of fundamental guarantees for the full protection of children and youth. Keywords: adolescent; citizenship; constitution; chil; rights; emancipation; statute; status-guarantees; children; youth; subjectivations; subjectivity. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.133-143, jul./dez. 2009 * Promotor de Justiça no Ministério Público do Estado do Paraná; Doutor em Direito (PPGD-UFPR); Professor Titular no UniCuritiba; [email protected] | 133 Introdução Em virtude disto, observa-se que a comunicação entre os segmentos sociais e os Poderes Públicos é a pedra O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990) para além de regulamentar a proteção integral que se destina a proteger a infância e a juventude (art. 1º), bem como a designar criança e adolescente como sujeitos de direito (art. 3º), e, assim, conceituá-los (art. 2º), também lhes angular para a articulação das ações governamentais e não-governamentais, isto é, para a construção das “redes de proteção”. As “redes de proteção” se cons tituem, assim, através das ações governamentais e nãogovernamentais de atendimento direto à criança e ao adolescente. reconhece a titularidade de garantias fundamentais A atuação dos atores e protagonistas sociais não (art. 4º). A titularidade desses direitos e garantias advém deve ser limitada somente ao cumprimento das funções da qualidade jurídico-legal (constitucional e estatutária) originárias, mas, diversamente, exige imersão na con de poder ser sujeito de direito. A capacitação de crianças flituosa realidade que se apresenta no quotidiano do e adolescentes para a titularidade e o exercício de mundo da vida vivida. A mobilização da opinião pública direitos individuais e das garantias fundamentais requer que se constitui numa das diretrizes da política de criação e manutenção das estruturas sociais (familiar e atendimento, pois numa democracia é indispensável comunitária) e estatais (equipamentos, instituições e a participação dos diversos segmentos da sociedade, órgãos públicos) que lhes assegurem o pleno desen consoante dispõe o inc. VI, do art. 88 da Estatuto, volvimento de suas potencialidades humanas. também se caracteriza como meio de comunicação Essas instâncias estruturais devem articular não só entre a sociedade e o Estado. suas ações de atendimento, mas, também informações, As instituições públicas, de seu turno, devem ser experiências, e contribuições multidisciplinares que estruturadas material – equipamentos adequados – e possam oferecer soluções, cada vez mais, adequadas à pessoalmente – por exemplo, com a criação e manu capacitação que potencializa a humanidade, o respeito tenção de equipes interprofissionais, consoante arts. e a responsabilidade daqueles novos sujeitos de direito. 150 e 151, do Estatuto. Os operadores que atuam no Na área internacional, por exemplo, toda pessoa com “sistema de garantia dos direitos” – então, constituído idade inferior a 18 (dezoito) anos é considerada criança, pelas instâncias legislativa e judiciária (Magistratura, e esta é uma das diretrizes, ideologicamente, orientada Ministério Público e Advocacia, dentre outros atores pela centralidade da pessoa humana como núcleo jurídico-sociais) – não devem se limitar às suas funções irredutível de preocupação de toda norma jurídico-legal. originárias, pois, mais do que nunca, tornou-se A criança e o adolescente se constituem na imperativa a articulação comunicacional com a “rede matéria-prima da presente e das futuras sociedades de proteção”. (comunidades humanas), as quais deverão ser construí Eis, pois, a possibilidade de superação da buro das e reconstruídas através da participação ativa desses cratização funcional das instâncias públicas e sociais, novos sujeitos de direito na formulação de normas mais as quais invariavelmente têm reduzido as suas ações justas e democráticas. A mencionada participação é ao oferecimento de respostas setoriais dissociadas da decorrência direta do processo de redemocratização confluência transdisciplinar indispensável para a prote que se deu, no Brasil, e, que, culminou com a instalação ção integral da criança e do adolescente. E a superação da Constituinte de 1987/1988, através da qual foram dos obstáculos jurídicos, políticos e sociais assegura adotadas democraticamente as diretrizes internacionais a expansão dos direitos individuais e das garantias relativas aos direitos humanos da criança. fundamentais desse segmento social, senão, que é sinal 134 | Revista da FAE da emancipação humanitária desses novos sujeitos de O direito da criança e do adolescente se constitui direito não só para a titularidade, mas, principalmente, num subsistema jurídico-legal, que, também depende para o exercício pleno da cidadania infanto-juvenil. de seu “estatuto” próprio, conforme o qual o exercício dos direitos e garantias atribuídos aos novos sujeitos de direito, possibilita o reconhecimento de novos 1 Subjetivação A subjetivação, em perspectiva emancipatória, é o processo pelo qual se capacita a pessoa humana para ser titular de direitos e garantias. A emancipação subjetiva da criança e do adolescente, isto é, a melhoria da qualidade de suas vidas individuais e coletivas, é decorrência direta do asseguramento e efetivação desses direitos e garantias cuja implementação perpassa pela concretização jurídica, política e social do ideário democrático. O ideário democrático, por sua vez, que orienta a efetivação dos direitos individuais e da garantias fundamentais especificamente destinados à proteção integral da infância e da juventude, encontra suas orientações político-ideológicas nas “Leis de Regência” (RAMIDOFF, 2008a), quais sejam: a Constituição da República de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir dessas bases político-ideológicas pode ser afirmado que a criança e o adolescente são sujeitos de direito – senão, na feliz conceituação de Tercio Sampaio Ferraz Júnior (2007), sujeitos jurídicos –, pois são titulares de direitos individuais e garantias valores (humanitários), bem como assegura proteção integral da infância e da juventude. Pois, como adverte Ferraz Júnior (2007), o reconhecimento legal – aqui, constitucional e estatutário – de tais direitos e garantias à criança e ao adolescente, constitui-se num processo específico de subjetivação, a qual a “própria ordem jurídica encarrega-se, então, de isolá-los e integrá-los num sistema dentro do qual adquirem sentido”. Esses processos de subjetivação que permitem a emancipação humanitária da infância e da juventude, também promovem o asseguramento de garantias, em perspectiva absolutamente prioritária, enquanto instrumental adequado para superação dos obstáculos jurídicos, políticos e sociais, potencializando, assim, a efetivação dos direitos individuais, de cunho fundamental, que são afetos aos novos sujeitos de direito. Essas “vias de obstrução” são identificadas por Freitag (1993) e, assim, exemplificadas pela exclusão da criança da escola e a imposição feita às crianças fora da escola de se submeterem aos ditames dos mais velhos e das classes dominantes, integrando-as prematuramente no processo de trabalho para asse gurarem sua sobrevivência. fundamentais que cabe ao direito objetivo reconhecer e assegurar. Nessa passagem doutrinária, é possível constatar A subjetivação pode ser identificada então como que os obstáculos jurídicos, políticos e sociais ao sinal de respeito e responsabilidade pela infância e pleno exercício da cidadania infanto-juvenil, quando juventude, pois se constitui em expressão da condição não impedem a efetivação dos direitos individuais e humana peculiar às pessoas que se encontram numa o asseguramento das garantias fundamentais, cons daquelas fases da vida. Em razão disto, o exercício tituem-se, na verdade, em ameaças e violências ao dos direitos individuais e das garantias fundamentais pleno exercício da cidadania infanto-juvenil. destinados à proteção da infância e da juventude Em virtude disto, a legislação especial (estatutária) dependerá do que dispuser cada uma das legislações foi estabelecida no ordenamento jurídico brasileiro, especiais, as quais, contudo, deverão guardar confor com o intuito de que fossem objetivadas as normas que midade com as bases político-ideológicas das “Leis de conferem capacidade a essas novas titularidades para Regência” do direito da criança e do adolescente. o exercício pleno da cidadania infanto-juvenil. Esses Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.133-143, jul./dez. 2009 | 135 avanços práticos são decorrentes da política jurídica – resolução adequada, senão, mesmo para efetibilidade nos moldes do que sempre pontuou Melo (1994)1 – que social (PERELMAN, 1999) das decisões judiciais. teve compromisso com o agir protetivo, como ainda Enfim, é preciso reconstruir a dimensão política deve ter “toda ação político-jurídica”, a qual se define que seja voltada para o direito da criança e do “como uma operação do fazer ou seja o conjunto de adolescente. E isto é possível através da elaboração procedimentos que levem o agente à realização de uma de políticas institucionais que incentivem mudanças idéia, de um querer”, aqui, protetivo. significativas na atuação profissional para a proteção Por exemplo, cabe a todo aquele que atua no da infância e da juventude. Porém, a elaboração dessas “sistema de garantia dos direitos”, participar sempre que políticas institucionais devem ser permanentes, e, acima possível das reuniões dos Conselhos dos Direitos; ouvir, de tudo, observar a participação paritária daqueles que orientar e reunir-se para trocas de informações com os desenvolvem as atribuições e competências funcionais. Conselheiros Tutelares; visitar equipamentos públicos e A elaboração participativa (democrática) dessas comunitários para prevenção de ameaças e violências aos políticas institucionais deve observar as orientações direitos da criança e do adolescente; atender diariamente humanitárias consagradas normativamente tanto crianças, adolescentes, pais ou responsável, bem como na Constituição da República de 1988, quanto no membros de seus respectivos núcleos familiares; manter Estatuto da Criança e do Adolescente. Essas políticas conversação com as equipes técnicas que atuam nos institucionais que se destinam a reordenar a atuação equipamentos e programas de atendimento, bem como profissional na área da infância e da juventude, por com as equipes interprofissionais do Juizado da Infância certo, não podem mais circunscrevê-las tão somente e da Juventude; acompanhar, orientar e fiscalizar a às atribuições e competências originárias que são execução dos programas sociais de proteção à infância desenvolvidas no interior do Sistema de Justiça e à juventude – ainda, que, incompletos, mas que na Infanto-Juvenil, isto é, no âmbito estritamente pro prática são os que efetivamente atendem crianças e cessual (procedimental). adolescentes –, pois somente assim será possível o seu aperfeiçoamento e adequação. A atuação político-social (extrajudicial) que não se reduza apenas ao desenvolvimento das atribuições Essas são dentre tantas outras atividades extraju e competências judiciais pelos operadores do “sistema diciais que diariamente se desenvolvem de forma de garantia dos direitos”, talvez, mais do que tudo isso, imperceptível nas estatísticas oficiais; quando não, assegure, sim, a plenitude e a expansão dos direitos sequer são contabilizadas na atuação profissional origi individuais e da garantias fundamentais que constituem nária daqueles que atuam no “sistema de garantia a cidadania infanto-juvenil. dos direitos”, mas, que, indiscutivelmente, previnem Por isso, a atuação político-social dos operadores demandas judiciais desnecessárias através de contri do direito também se configura numa significativa buições transdisciplinares que são decisivas para a contribuição nos processos de subjetivação que permitem 1 Segundo o autor, os “elementos básicos de uma ação dotada de eficácia se configuram na existência de um agente (ente capaz de determinar-se); de meios hábeis (estratégias sob orientação normativa); e de um fim desejado (o desenho do devir ou da utopia). Esses três elementos pois terão que estar presentes em toda ação política-jurídica”. 136 | a emancipação humanitária da criança e do adolescente, isto é, a melhoria da qualidade de vida individual e coletiva da criança e do adolescente, precisamente, por assegurar a efetivação de direitos e garantias que constituem a cidadania infanto-juvenil. Revista da 2 Subjetividade FAE Esse novo subsistema jurídico-legal denominado de direito da criança e do adolescente, por seu turno, A subjetividade jurídica (DIMOULIS, 2007), é “uma qualidade conferida única e exclusivamente pelo ordenamento jurídico, que pode reconhecer ou não a determinadas pessoas a qualidade de sujeito de direito”. A subjetividade jurídica (constitucional e possui orientação teórico-pragmática que lhe permite legitimar e justificar (argumentativa e discursivamente) a intervenção estatal e social que se destina à proteção integral da infância da juventude. Essas orientações teórico-pragmáticas devem estatutária) reconhecida à criança e ao adolescente tem ser desenvolvidas em torno do que se convencionou o intuito precípuo de lhes assegurar o protagonismo denominar de “doutrina da proteção integral”, a qual não só jurídico-legal, mas principalmente político-social sintetiza os direitos humanos que são especificamente através da titularização de direitos individuais e garan destinados à criança e ao adolescente, conforme pode tias fundamentais, em perspectiva emancipatória. se constatado pela própria elaboração legislativa do A criança e o adolescente são sujeitos de direito art. 227, da Constituição da República de 1988. que se encontram na condição humana peculiar A doutrina da proteção integral se compõe de de desenvolvimento (art. 6º do Estatuto), e, assim, um sistema que possui “duas vertentes: uma positiva enquanto cidadãos se constituem nos elementos de e outra negativa” (SOUZA, 2001). A dimensão posi preocupação central do ordenamento jurídico brasileiro, tiva da doutrina da proteção integral ensejaria o motivo pelo qual lhes são reconhecidas específicas reconhecimento de uma sistemática de concessões à garantias absolutamente prioritárias. É o que se encontra criança e ao adolescente, isto é, enquanto sujeitos de expressamente consignado tanto na Constituição da direitos originários e fundamentais são merecedores República de 1988, quanto no Estatuto da Criança e do das medidas legais, políticas, sociais, econômicas dentre Adolescente, quando, então, distinguiu-se esses novos outras para a “fruição de tais direitos (informação, cidadãos pela garantia da absoluta prioridade para o saúde, desenvolvimento, etc.)”. asseguramento (art. 227 da Constituição) e a efetivação A dimensão negativa daquela doutrina determinaria (art. 4º do Estatuto) de seus direitos individuais, de “um sistema de restrições às ações e condutas” que cunho fundamental. pudessem se constituir em ameaça ou violação dos A subjetividade jurídica (NOLETO, 1998), é direitos individuais (humanos) e às garantias funda identificada pela titularidade de direitos em pers mentais afetos à infância e à juventude, inclusive, pectiva emancipatória, vale dizer, “o da titularidade utilizando-se de medidas legislativas necessárias para emancipatória de direitos, em razão dos quais as tal desiderato (RAMIDOFF, 2008a). identidades individuais e coletivas se constituem A criança e o adolescente deixam de ser objetos de em luta pela ampliação dos espaços de liberdade, tutela (objeto de algo) para se transformarem em sujeitos na coexistência social”. A criança e o adolescente de direito, isto é, em novas subjetividades jurídicas, reconhecidos constitucional e estatutariamente como políticas e sociais. É precisamente esta qualidade de sujeitos de direito – vale dizer, como titulares de sujeitos de direitos que lhes conferem a possibilidade subjetividade jurídica, política e social, em perspec de referenciar seus próprios direitos e garantias espe tiva emancipatória –, constituem o núcleo irredutível ciais. A criança e o adolescente (subjetividades) passam de preocupação do novo subsistema jurídico-legal. a constituir, a fazer de algo um objeto apreensível Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.133-143, jul./dez. 2009 | 137 (titularidade), através da referenciabilidade protetiva da existência humana transcendental infanto-juvenil. Daí ser possível afirmar com Luiz Bicca (1997), que, “objetivar, ou seja constituir, fazer de algo um objeto, é uma prerrogativa da subjetividade”. Mas, tal subjetividade certamente não se confunde com eventuais individualismos e, sim, com a transcendentalidade da proteção integral à infância e à juventude, enquanto Paulo Sérgio Pinheiro (1993) já havia destacado que a maioria da população brasileira é constituída por pobres, indigentes e miseráveis que não tem os direitos individuais assegurados efetivamente na prática; senão, que, “os direitos individuais somente podem prevalecer na medida direta em que forem reconhecidos como direitos sociais para todos os grupos marginalizados, mortificados e anulados na sociedade brasileira”. A emancipação da pessoa deve representar, fases da existência humana que configuram a cidadania infanto-juvenil. A objetivação jurídico-legal de direitos individuais e de garantias fundamentais configura-se numa prerrogativa da titularidade de direitos, isto é, numa expressão da própria subjetividade infanto-juvenil. Com efeito, observase que a “principal finalidade dos direitos fundamentais é conferir aos indivíduos uma posição jurídica de direito subjetivo”, de acordo com Dimoulis e Martins (2007), e, “consequentemente, limitar a liberdade de atuação dos órgãos do Estado”. Já as garantias fundamentais corresponderiam “às disposições constitucionais que não enunciam direitos, mas objetivam prevenir e/ou corrigir uma violação de direitos”, conforme entendimento daqueles doutrinadores. então, a superação dos obstáculos jurídicos, políticos e sociais, pois somente assim será possível assegurar a efetivação dos direitos individuais e das garantias fundamentais afetos à criança e ao adolescente. A titularidade e o exercício da subjetividade jurídica, política e social infanto-juvenil – assim como os pro cessos de subjetivação – deverão ser desenvolvidos à luz das orientações humanitárias ideologicamente consagradas, na doutrina da proteção integral, senão, através de ações emancipatórias que assegurem a melhoria da qualidade de vida individual e coletiva para a criança e o adolescente. Não basta, pois, tão somente plasmar na Consti tuição da República de 1998 e ou mesmo no Estatuto da Criança e do Adolescente direitos individuais e garantias fundamentais, como, por exemplo, o relativo à não responsabilização penal de crianças e adolescentes. É 3 Cidadania infanto-juvenil preciso, pois, diversamente, adotar impeditivos jurídicos, políticos e sociais para o enfrentamento de ameaças A ideia do que se possa entender, hoje, por “cida dania infanto-juvenil”, vincula-se indissociavelmente à noção de emancipação da pessoa humana. Neste sentido, Schimdt (1993) tem observado que “falar, portanto, em cidadania é reafirmar o direito pela plena realização e violências à cidadania infanto-juvenil, como, por exemplo, representadas por aprovações parlamentares de propostas legislativas que se destinem a suprimir, quando não, restringir o exercício de direitos e garantias afetos à criança e ao adolescente. do indivíduo, do cidadão, e de sua emancipação nos O “grande aprendizado talvez tenha sido a cons espaços definidos no interior da sociedade”. A noção de tatação de que a vigência de um regime tenden emancipação, assim, vincula-se ao princípio fundamental cialmente democratizante não é condição automática da dignidade da pessoa humana, então, enunciado no inc. III, do art. 1º da Constituição da República de para o alastramento e consolidação desses direitos sociais” (PINHEIRO, 1993)2. 1988, enquanto signo maior da redemocratização das ações e relações sociais, senão, principalmente, dentre aquelas estabelecidas com as instâncias estatais (Poderes Públicos). 138 | 2 Pois, para o autor uma coisa “é fazer a defesa de direitos individuais e sociais de pequeno grupo de oprimidos (politicamente) na ditadura; outra é promover a defesa desses direitos para a esmagadora maioria da população”. Revista da FAE A superação dos obstáculos que se verificam no para a qualquer ação humana, seja ela jurídica, política quotidiano brasileiro, é a superação emancipatória ou social. A mutação que tais necessidades sofreram que se opera em relação às mais diversas formas comprova que o progresso humano não é linear, preci de ameaças e violências contra direitos, garantias, samente, quando “é entendido como o aumento da senão, diretamente, sobre a própria transcendência da capacidade humana de superar suas privações no cidadania infanto-juvenil. sentido de recuperação e ampliação de sua qualidade A efetivação da cidadania infanto-juvenil corres ponde à expansão permanente do atendimento das de vida e de bem-estar e de emancipação individual e coletiva” (GUSTIN, 1999). necessidades pessoais e sociais da criança e do adoles A efetivação dos direitos individuais e das garan cente, com vistas à capacitação para a titularidade e o tias fundamentais afetos à infância e à juventude exercício de direitos individuais e garantias funda asseguram o atendimento das necessidades através mentais que lhes são pertinentes. da implementação das políticas públicas (programas A capacidade humana para a superação do conjun to de necessidades que circunstanciam a existência das sociais), senão, pela intervenção jurídico-legal do Poder Judiciário. pessoas, aqui, na área destinada à proteção da criança e do adolescente, pode ser potencializada através do apoio institucional a ser oferecido por programas sociais de atendimento desenvolvidos por ação governa mentais e não-governamentais. Portanto, tais direitos e garantias afetos à criança e ao adolescente são indispensáveis para o “desenvol vimento pleno da autonomia” infanto-juvenil, conforme relata Gustin (1999), ao demonstrar que “o princípio da satisfação de necessidades (das políticas sociais ou da A superação dessas necessidades passa a ser, na esfera jurídica) deveria orientar-se não somente num sociedade moderna, uma demanda permanente pela sentido restrito de satisfação de carências materiais, melhoria da qualidade de vida individual e coletiva; e, nas áreas relacionadas à proteção da infância e da juventude, apenas verificada com a efetivação dos direitos individuais, senão, pelo asseguramento das garantias fundamentais de que são titulares a criança e o adolescente. Cada uma das superações se constitui expressão dos processos de emancipação subjetiva que são inter mináveis, senão, aqui, cotidianamente, verificados durante a infância e a juventude, enquanto fases da existência humana. mas de atribuírem aos cidadãos capacidades de se auto-regerem e de participarem com autonomia crítica da sociedade, tanto no que se refere à ação quanto à capacidade argumentativa”. Assim como a Constituição da República de 1988 continua constituindo (RAMIDOFF, 2003)3, o Estatuto da Criança e do Adolescente permanece subjetivando crianças e adolescentes como sujeitos de direito, através do reconhecimento, o asseguramento e a efetivação dos direitos e garantias fundamentais que lhes são afetos. É o que entende Miracy Barbosa de Sousa Gustin (1999) por processo de emancipação humana identificado, pois, por ser um “processo de construção normativa que, através da expansão das relações democráticas, realiza-se no constante desvendamento de novas alienações e das variadas formas de exclusões do mundo contemporâneo”. Com isto, demonstra-se que as necessidades so ciais que as pessoas experimentam são estruturantes Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.133-143, jul./dez. 2009 3 Isto é, “enquanto possibilidade de constitucionalidade, ou seja, de vínculos mais fortes de substancialidade, entendidos como tais à interpretação do texto constitucional segundo os valores da dignidade e do respeito pela pessoa humana, tornando, desta forma, coerente e compatível toda atividade estatal, precisamente quando assegura a correspondência entre a comunidade e a constituição”. | 139 4 Emancipações subjetivas: que são relativos, por exemplo, ao planejamento familiar; avanços e retrocessos à inclusão digital; à sustentabilidade econômico-ambiental; Em perspectiva, permanecem as proposições afirmativas que têm por objetivo a superação de toda sorte de obstáculos, ameaças e violências aos direitos e garantias destinadas à criança e ao adolescente, enquanto sujeitos de direito que se encontram na condição humana peculiar de desenvolvimento. As orientações políticas e jurídicas oriundas dos fundamentos e princípios derivados da doutrina da proteção integral deverão constituir, por assim dizer, o conteúdo significativo de uma “lógica político-jurídica” protetiva que se destine a preservar os valores humanos optados democraticamente como fundamentais para crianças e adolescente – art. 227 da Constituição da República de 1988. Em que pese entendimentos contrários ao reco nhecimento do ordenamento jurídico como um “corpo lógico de ideias (norma jurídicas, súmulas jurispru denciais, interpretações doutrinárias), porque a relação existente entre elas é incompatível com os princípios do pensamento lógico (identidade, não-contradição e terceiro excluído)” (COELHO, 1992)4. Eis, pois, impor tante limitador dos determinismos e dos fatalismos sociais. Esses determinismos e fatalismos são, por vezes, à responsabilidade empresarial social; à formulação e à execução programas empresariais de atendimento; à destinação orçamentária aos fundos para a infância e juventude (FIA) conjugada ao Plano Plurianual (PPA). Com tais avanços práticos é possível reduzir as desigualdades sociais, de gêneros, econômico-finan ceiras, políticas, raciais, dentre outras; e, assim, assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e das garantias fundamentais que integram a cidadania infanto-juvenil. Pois, somente assim será possível estabelecer critérios objetivos para a formulação de recomendações aos organismos governamentais e não-governamentais, bem como oferecer contribuições técnicas para resoluções cada vez mais adequadas e culturalmente aceitas, através da conversão político-social (ideologicamente) em prol da infância e da juventude. O convencimento projetado pelo reconhecimento e a assunção de novos valores (humanitários), por certo, requer mutação ideológica, a qual se constrói estrutural e funcionalmente pela análise reflexiva de um dado conhecimento que passa, assim, a considerar criticamente os objetos estudados e as questões funda mentais que vão se apresentando ao longo da revisitação investigativa. expressos através de “juízos de realidade” dissociados Não se pode desprezar que sazonalmente existem da “aplicação criteriosa de juízos de valor” (MELO, indícios de retrocessos, como, por exemplo, a recente 1998), em prol dos direitos e da proteção da criança e aprovação pela Comissão de Constituição, Justiça e do adolescente. Cidadania do Senado Federal de proposição legislativa A emancipação jurídica, política e social dessas que discute a redução da idade de maioridade penal – novas subjetividades deve ser permanente, pois somente inimputabilidade penal, então, reconhecida como assim a proteção integral poderá proporcionar à criança direito individual, de cunho fundamental, nos termos e ao adolescente titularidade e exercício de novos direitos do art. 228, combinado com o art. 60, § 4º, inc. IV, ambos da Constituição da República de 1988. 4 Mas, “o sistema jurídico não é um agrupamento totalmente desordenado de ideias estranhas entre si; ele possui certa unidade. Essa unidade é retórica. Ou seja, se as pessoas certas da comunidade jurídica [...] se convencerem da pertinência de certa idéia relativa ao direito, então essa idéia passa a integrar o sistema jurídico”. 140 | Não fosse apenas isto, recentemente, deparouse com o denominado “toque de recolher” através do qual administrativamente o órgão julgador estabeleceu por “portaria judicial”, de forma genérica, um determi nado horário limite para a circulação de crianças e Revista da FAE adolescentes nas vias públicas. As “Leis de Regência” da proteção integral” (RAMIDOFF, 2008a), quando são firmes em assegurar à criança e ao adolescente o não, o estabelecimento do direito da criança e do direito individual, de cunho fundamental, de ir, vir e adolescente, como disciplina obrigatória nos cursos de permanecer; bem como em determinar a adoção de graduação e de pós-graduação relativas às áreas do medidas legais para a prevenção de ocorrências que conhecimento que se destinam ao estudo, pesquisa e ameacem ou violentem aqueles sujeitos de direito. extensão protetiva da infância e da juventude; como, Em que pese as mais diversas motivações para adoção desta “bondade dos bons” (RAMIDOFF, 2008b), por exemplo, direito, medicina, psicologia, pedagogia, serviço social, dentre outros. inclusive, sob o argumento de que seriam salvaguardados Assim será possível distinguir a ideia de direito os direitos fundamentais afetos à criança e ao ado como ordenamento jurídico, senão, como um dos seus lescente, certamente, não se constitui no meio e, sequer, subsistemas ou mesmo como disciplina jurídica curricular na proteção adequada para aqueles sujeitos de direito, (conhecimento/saber) consoante dispõe o art. 149 do Estatuto. semânticas acerca do objeto (infância e juventude, que deve conter dimensões É o que já se experimentou no México através enquanto condição peculiar de desenvolvimento da de decisões judiciais que se constituem em critérios personalidade humana); dos objetivos (proteção inte jurídico-legais para elaboração de recomendações gral enquanto cuidado especial dos direitos individuais, para o asseguramento dos direitos humanos afetos à difusos e coletivos afetos à criança e ao adolescente criança e ao adolescente. Tais decisões declararem a para emancipação da personalidade humana); dos fun inconstitucionalidade de tais medidas, uma vez que a damentos (direitos humanos e direitos fundamentais); da aplicação de um horário restringido para a circulação de metodologia (estratégias de viés inter e transdisciplinar); crianças e adolescentes viola o direito de liberdade de ir, dos princípios (dignidade da pessoa humana e doutrina vir e permanecer, isto é, de “trânsito” daqueles sujeitos da proteção integral); e dos sujeitos de direito (criança e de direito. Senão, como afirmam Graciela Sandoval adolescente – subjetividades) (RAMIDOFF, 2008a). Vargas e Edgar Corzo: “en agravio de los menores de edad, advirtiéndose un trato discriminatorio a ese sector de la poblácion” (VARGAS; SOSA, 2006)5. Considerações finais Os avanços civilizatórios e humanitários devem servir como orientações ideológicas que impeçam tais retrocessos, e, isto, pode ser muito bem assegurado através da formulação de políticas públicas destinadas à criança e ao adolescente, que, contemplem programas sociais, em prol da infância e da juventude. O Estatuto da Criança e do Adolescente nesses 19 (dezenove) anos de vigência, e, assim, de eficácia e validade formal e material tem proporcionado às pessoas que se encontram na condição humana peculiar de desenvolvimento, isto é, na infância ou Afigura-se, pois, imprescindível o desenvolvimento na juventude, à subjetivação necessária para o reco doutrinário e pragmático de uma “teoria jurídica nhecimento (titularidade) e o exercício de direitos e garantias (subjetividade jurídica). Posto que “no constituye el médio legal e idóneo para disminuir o erradicar el vandalismo o la delincuencia juvenil en la localidad y, al contrario, la propia autoridad municipal actúa de manera arbitraria [...] la aplicación de sanciones que no se encuentran contempladas en ningún ordenamiento que emane de una autoridad competente para tal efecto, violando con ello los derechos a la legalidad y a la seguridad jurídica”. 5 Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.133-143, jul./dez. 2009 A subjetivação é o processo pelo qual são reco nhecidos direitos individuais e garantias fundamentais às pessoas. E, aqui, na área jurídico-legal destinada à proteção da infância e da juventude, tal reconhecimento atribui | 141 titularidade daqueles direitos e garantias, às pessoas tatar retrocessos contundentes à subjetividade jurídica, que se encontram na condição humana peculiar de política e social inerente à infância e à juventude. desenvolvimento, ou seja, às crianças e adolescentes. Mas, é possível dizer que a criança e o adolescente Assim, crianças e adolescentes passam a ter reconhecida desde o advento da Constituição da República de 1988, a qualidade de sujeitos de direito, pelo ordenamento quando não, pelas proposições afirmativas do Estatuto jurídico brasileiro, o qual “atribui a faculdade de da Criança e do Adolescente, nos últimos 19 (dezenove) adquirir e exercer direitos” (DIMOULIS, 2007). anos, tiveram ampliado o âmbito jurídico, político e A criança e o adolescente são sujeitos de direito social da cidadania infanto-juvenil. porque não só são tidos como titulares de direitos, Por tudo isso, continua ser plausível tanto jurídico, mas, também, porque são reconhecidos como tais quanto político e socialmente afirmar que as “Leis (protagonistas) por todo ordenamento jurídico brasileiro de Regência” constituem e subjetivam a infância e a através de garantias diferenciadas e especiais, como, por juventude, no Brasil, através da destinação de proteção exemplo, a proteção integral e a absoluta prioridade, integral, aquelas pessoas que se encontram na condição dentre outros asseguramentos distintivos. humana peculiar de desenvolvimento, quais sejam: A criança e o adolescente são novas subjetividades crianças e adolescentes. reconhecidas pelos avanços e conquistas jurídico-legais Isto é, tanto a Constituição da República de e sociopolíticos, o que, por certo, possibilitou não só o 1988, quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente, exercício de seus direitos individuais, mas, também, o permanecem respectivamente a constituir através do asseguramento de suas garantias fundamentais. reconhecimento e a titularização de direitos e garantias A cidadania infanto-juvenil, assim, deve ser proje afetos à infância e à juventude, bem como através tada através da compatibilidade entre os processos dos processos de subjetivação desses novos sujeitos de subjetivação – reconhecimento, asseguramento de direito que os capacita em potencialidades para o e efetivação – e do exercício pleno da subjetividade exercício responsável da cidadania infanto-juvenil. jurídica, política e social pertinente à criança e ao ado lescente. Por isso mesmo, um dos mais significativos conteúdos que se possa atribuir à ideia dessa nova “cidadania infanto-juvenil” é precisamente a noção de emancipação da pessoa humana. Porém, nesses 19 (dezenove) anos da vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente apesar de se veri ficar significativos avanços práticos para a consolidação da cidadania infanto-juvenil, também foi possível cons 142 | •Recebido em: 22/07/2009 •Aprovado em: 20/10/2009 Revista da FAE Referências BICCA, L. Racionalidade moderna e subjetividade. São Paulo: Loyola, 1997. (Coleção Filosofia – 43). BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 29.ed. São Paulo: Saraiva, 2002. ______. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 16 jul. 1990. COELHO, F. U. Lógica jurídica: uma introdução; um ensaio sobre a logicidade do direito. São Paulo: EDUC, 1992. DIMOULIS, D. Manual de introdução ao estudo do direito. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. DIMOULIS, D.; MARTINS, L. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. FERRAZ JÚNIOR, T. S. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2007. FREITAG, B. A norma social: gênese e conscientização. In: SOUSA JÚNIOR, J. G. (Org.). Introdução crítica ao direito. 4.ed. Brasília, 1993. (Série o direito achado na rua. v.1). GUSTIN, M. B. S. Das necessidades humanas aos direitos: ensaio de sociologia e filosofia do direito. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. NOLETO, M. A. Subjetividade jurídica: a titularidade de direitos em perspectiva emancipatória. Porto Alegre: SAFE, 1998. MELO, O. F. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: SAFE, 1994. ______. Temas atuais de política do direito. Porto Alegre: SAFE, 1998. PERELMAN, C. Lógica jurídica: nova retórica. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. PINHEIRO, P. S. Dialética dos direitos humanos In: SOUSA JÚNIOR, J. G. (Org.). Introdução crítica ao direito. 4.ed. Brasília, 1993. (Série o direito achado na rua. v.1). RAMIDOFF, M. L. A constituição ainda constitui? Revista Ciência e Opinião do Núcleo de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas do UniCenP, Curitiba, v.1, n.1, p.115-125, jan./jun. 2003. ______. Direito da criança e do adolescente: teoria jurídica da proteção integral. Curitiba: Vicentina, 2008a. ______. Lições de direito da criança e do adolescente: ato infracional e medidas socioeducativas. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2008b. SCHIMDT, M. D. A questão da cidadania. In: SOUSA JÚNIOR, J. G. (Org.). Introdução crítica ao direito. 4.ed. Brasília, 1993. (Série o direito achado na rua. v.1). SOUSA JÚNIOR, J. G. (Org.). Introdução crítica ao direito. 4.ed. Brasília: 1993. (Série o direito achado na rua, v.1). SOUZA, S. A. G. P. Os direitos da criança e os direitos humanos. Porto Alegre: SAFE, 2001. VARGAS, G. S.; SOSA, E. C. Criterios jurídicos de las recomendaciones de la Comisión Nacional de los derechos humanos (1990-2005). México: Universidad Nacional Autónoma de México. Comisión Nacional de Derechos Humanos, 2006. (Serie Estúdios Jurídicos, nº 92). Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.133-143, jul./dez. 2009 | 143 Revista da FAE Indicadores para avaliar a responsabilidade social nas instituições de ensino superior Indicators to assess social responsibilities in colleges Gilmar José Hellmann* Resumo O artigo apresenta uma síntese do conceito de Responsabilidade Social (RS) passando do entendimento empresarial ao âmbito universitário. Também sugere a necessidade de se utilizar indicadores para avaliar a RS nas Instituições de Ensino Superior (IES), dentre os quais se destaca a nova ISO 26000. Palavras-chave: responsabilidade social; gestão; sustentabilidade; indicadores. Abstract This article aims at presenting a synthesis of the Social Responsibility (RS, Portuguese acronym) concept, from the business to the college perspective. It also suggests the necessity of utilizing indicators to assess the RS in Colleges (IES, Portuguese acronym), among which the new ISO 26000 is highlighted. Keywords: social responsibility; management; sunstainability; indicators. * Graduado em Filosofia e Administração. Professor no Ensino Fundamental e Superior. E-mail: gilmarjhellmann@ hotmail.com Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.145-156, jul./dez. 2009 | 145 Introdução como um ideal comum a ser atingido por muitos povos e nações. Formulou-se um padrão para mensurar o grau O Brasil tem apresentado mudanças significativas na vida política e econômica do cidadão. Percebe-se isto na formação da consciência cidadã que movimenta o meio acadêmico e empresarial entorno do tema: Responsabilidade Social (RS). Com a expansão do setor educacional, ampliou-se o interesse por pesquisas e estudos referentes à RS no meio acadêmico. Além de estudar o tema, a Instituição de Ensino Superior (IES) tornou-se um espaço social privilegiado para aplicação, manutenção e avaliação das ações de RS no campo educacional. Várias organizações sugerem indicadores e metodologias para avaliar um processo de ações socialmente responsáveis. Neste artigo, apresento alguns conceitos de RS e se propõem alguns indicadores sociais que contemplem diversas facetas da RS e diferentes grupos de interesse da IES: gestores, colaboradores, alunos, stakeholders, de respeito e cumprimento de normas internacionais de direitos humanos. Neste sentido, a RS é uma conquista coletiva, que segundo Melo Neto e Froes (2001, p.97) “busca estimular o desenvolvimento do cidadão e fomentar a cidadania individual e coletiva”. Por isso se diz que a RS é um movimento de interesse global, mas de atuação local. Tais são as aspirações e preocupações humanas nas agendas internacionais, como o Pacto Global e a Declaração e Metas do Milênio. Antes do fortalecimento do Terceiro Setor e dos movimentos sociais em diferentes culturas, instituições tradicionais como a Igreja Católica já orientavam os seus seguidores para a compreensão do pensamento com ênfase social; como ocorreu com a Doutrina Social da Igreja Católica1. Desta forma a instituição oferecia indicativos para dirigentes e fiéis avaliarem a ética pessoal e o comportamento social. Num processo de globalização, temas como des comunidade e governo. Neste artigo, privilegiou-se a metodologia explora tória, obtendo informações consistentes sobre o tema proposto, respeitando um planejamento flexível na formulação de problemas e hipóteses. O processo de construção do trabalho envolveu a identificação da bibliografia, delimitação do assunto, definição de objetivos, formulação do problema de pesquisa e sugestão de possíveis pistas de resolução. Consi derando a diversidade de fontes, priorizou-se a busca de referências no meio acadêmico e nos bancos de dados das IES. truição do meio ambiente, explosão populacional, narcotráfico, proliferação de doenças, instabilidade dos mercados financeiros e aumento da pobreza e desemprego, tornaram-se pauta de discussão de governos e da sociedade civil. As Organizações Não Governamentais (ONGs), Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) e entidades filantrópicas e sem fins lucrativos, abriram espaço ao cidadão, que passou a desempenhar um papel decisivo na definição de comportamentos e parcerias entre empresas e governo, sociedade civil e estado. Segundo Pacheco e Mendonça (2006) Emile Durkheim considera a sociedade como um sistema coercitivo e a 1 Fundamentos da responsabilidade social A RS está fundamentada na conquista dos direi tos humanos: direitos básicos à vida, à segurança, à liberdade e à igualdade. Esta conquista foi concebida 146 | educação numa visão funcionalista, podemos dizer que a interligação entre diversos sistemas de comunicação, pesquisa, gestão e administração financeira torna as 1 Citam-se as Encíclicas Rerum Novarum (1981) do papa Leão XIII; a Laborem Exercens (1981), Sollicitudo Rei Socialis (1987), Centesimus Annus (1991) e o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, do papa João Paulo II. Revista da FAE instituições sociais co-responsáveis pelos benefícios o Instituto Nacional de Normalizacíon do Chile, este e malefícios das ações públicas e privadas. No setor evento colaborou com a elaboração da ISO 26000 de público, cita-se o caso da Lei de Responsabilidade Fiscal Responsabilidade Social. que exigiu mais rigorosidade da administração nas finanças públicas. Na iniciativa privada, o marketing social vem se tornando um meio de socialização que dá maior visibilidade às ações sociais. Segundo Araújo (2001), o marketing social pode ser entendido como 2 Contexto conceitual da responsabilidade social estratégia de mudança comportamental e atitudinal, a ser utilizado em qualquer tipo de organização (pública, Segundo Roman (2004), a RS tem seus funda privada, lucrativa ou sem fins lucrativos), desde que mentos no pensamento econômico de que o governo esta tenha uma meta final de produção e de trans não necessita interferir na economia; princípio este, formação dos impactos sociais. Contudo, este meio defendido por Adam Smith, na obra A Riqueza das pode ser restritivo se enfatizar mais os resultados mer cadológicos que a contribuição social. A necessidade de se avaliar um processo de RS nas empresas e nas instituições educacionais tornou mais transparente e compreensível o tema, seja para o público interno da empresa, como para a comunidade onde as instituições estão inseridas. Para Tarapanoff (2006), a Carta de Princípios do Dirigente Cristão de Empresas, de 1965, marca o início da utilização da expressão “RS” no meio empresarial brasileiro. Contudo, as primeiras manifestações sobre este tema, envolvendo empresários, comunidade, polí Nações, e por Hayek, na obra O Caminho da Servidão. Contudo, com o crescimento da economia após a Segunda Guerra Mundial, as teorias econômicas de Keynes suplantaram aqueles fundamentos, pro pondo a intervenção estatal na vida econômica, bem ao contrário do que pregava a ideologia liberal. Neste contexto, a RS foi assumida pelo Estado. No prosseguimento histórico, houve mudanças no cenário político e econômico internacional, como ocorreu simbolicamente na “Queda do Muro de Berlim” (MESQUITA, 2003). Em 1989, o “Consenso de Washington” propôs um programa de reformas que incluía desregulamentação dos mercados, abertura ticos e meios de comunicações, somente ganharam comercial, flexibilização das leis trabalhistas, rigoroso ênfase a partir da década de 1990. Iniciativas como ajuste fiscal e privatizações, reduzindo a atuação a campanha do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises do Estado e sua interferência na economia. Vários Sociais e Econômicas), com o apoio da Gazeta Mer governos nacionais e instâncias representativas da cantil, convocou os empresários a um engajamento sociedade desobrigaram-se da RS por falta de condi social, incentivando a elaboração e publicação do ções políticas, financeiras e técnicas, reafirmando a Balanço Social no Brasil. Outra iniciativa foi a da fun pregação neoliberal e a incompetência estatal. dação do Instituto ETHOS, que vem elaborando Para Ferés (2006), a RS deve ser compreendida material para ajudar as empresas a compreenderem na ótica do neoliberalismo; num processo de inter e incorporarem o conceito da RS no cotidiano de sua nacionalização da economia e numa política que trouxe gestão (PASSADOR, 2002). A Conferência Eco 92, no transformações complexas, favorecendo a exclusão Rio de Janeiro, foi um marco social que contribuiu na social. Os avanços científicos e tecnológicos do mundo reflexão sobre a responsabilidade de ações sociais em globalizado favoreceram a acumulação do capital, a relação à comunidade, ao meio ambiente e ao corpo maior desde o século XVIII, contudo não acabaram com de funcionários de diferentes instituições sociais. Para as desigualdades e misérias humanas. Compreende-se, Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.145-156, jul./dez. 2009 | 147 desta forma, que a RS faz parte da articulação das O conceito de “empresa-cidadã”, segundo Melo forças econômicas que buscam amenizar os flagelos Neto e Froes (2001), surgiu em decorrência do movimento que o neoliberalismo criou, oferecendo certo alívio para de consciência social internalizado por diversas empresas. a consciência empresarial. De acordo com Frey (2005), Este movimento se compromete com a promoção da a RS das empresas é a resposta aos questionamentos e cidadania e o desenvolvimento da comunidade, investindo críticas no campo social, ético e econômico, por adotarem em experiências e projetos nas áreas sociais, voltados à uma política baseada na economia de mercado. melhoria da dignidade humana. Segundo Frey (2005), é Com o esvaziamento da capacidade do Estado um exercício de ações sociais de longo prazo, envolvendo para cumprir funções sociais, que lhe cabiam histo os públicos interno e externo da empresa, resultando ricamente, surgiu um vácuo social que deveria ser em uma nova postura empresarial e um processo de preenchido por alguém. Presencia-se uma nova conscientização sobre a sustentabilidade dos negócios. racionalidade social. Segundo Busatto (2001, p.101), Compreende-se a “sustentabilidade como o desen “há uma onda histórica que traz em seu bojo uma volvimento que satisfaz as necessidades presentes, profunda crítica à atual configuração da nossa sem comprometer a capacidade das gerações futuras sociedade”. A nova concepção social reafirma a de suprir suas próprias necessidades” (KINLAW, 1997, consciência cidadã, que não admite mais conviver p.82). Este conceito nos remete a RS das pessoas e numa sociedade desigual, injusta e desumana. das instituições em favor da sociedade, objetivando o Para Guaragna (2005 apud FREY, 2005), a RS é bem estar social da comunidade. De acordo com Kotler um movimento interno, que nasce do interior do e Armstrong (1998), é cada vez maior a exigência de ser humano, e não apenas como uma jogada de que as empresas se responsabilizem pelo impacto social marketing ou modismo. Neste entendimento, muitas e ambiental. Esta visão exige uma nova postura das instituições sociais superam o foco da eficácia e instituições, na qual “o comportamento socialmente buscam o desenvolvimento social sustentável de responsável termina por ser mais sustentável em longo longo prazo. prazo do que o comportamento meramente opor tunista” (ALVES, 2001, p.81). O desempenho sustentável é um processo que exige a adoção de um conjunto de 3 A responsabilidade social sustentável princípios e envolve todos os que se relacionam com a sustentabilidade. Relacionamos alguns princípios citados por Kinlaw (1997, p.11), que sugere a susten tabilidade como um processo de: O movimento de RS trouxe novos termos e conceitos para o ambiente empresarial e institucional, dentre os quais destacamos: empresa cidadã e sus tentabilidade. A RS significa interagir com diversos públicos, respeitando o meio ambiente, o ambiente de trabalho, o ambiente social, a qualidade de vida, o ambiente urbano, a qualidade dos bens e serviços, enfim, é o que também pode ser denominado de cidadania empresarial. 148 | • análise e integração em termos de sistemas; • interdependência ecológica e exigência que todos os processos, bens e serviços sejam compatíveis com os ecossistemas; • orientação para o compromisso de resultados espe cíficos e mensuráveis; • construção de um senso comunitário; • abertura para a comunicação completa de todos os aspectos de seu desempenho ambiental real e planejado a todas as partes nelas interessadas; Revista da • melhoria contínua no desempenho da empresa e no pleno envolvimento de cada um dos membros de sua força de trabalho; FIGURA 01 - IES NO AMBIENTE SOCIAL Macro ambiente meso ambiente • fundamentação em dados e em informações concretas obtidas das auditorias, medições e relatórios do desempenho ambiental da empresa; • tecnologia e exigência que as empresas desenvolvam parcerias com governos, outras empresa, entidades educacionais, grupos de pesquisa e desenvolvimento, fornecedores e clientes, de modo a descobrir e im plementar formas de melhorar o desempenho sus tentável; • envolvimento da empresa inteira e exigência que todos os seus sistemas de planejamento, de processo decisório e de recursos humanos estejam em plena harmonia para com o desempenho sustentável. FAE micro ambiente gestão Educação básica Admissão - Estrutura - Cultura - Validação mercado de trabalho recursos Fluxo em uma Instituição de Ensino Superior FONTE: Adaptado de Rodrigues, Ribeiro e Silva (2006) No microambiente, a IES exerce influência Em síntese, a sustentabilidade numa instituição sobre todo o fluxo. Em seguida, ela interage com o socialmente responsável possui quatro caracterís meso-ambiente (local e nacional), o qual impõe ticas: é plural (colaboradores, stakeholders, governo, certas exigências sobre a instituição de ensino (como meio-ambiente e comunidade), é distributiva (negó cios, cadeia produtiva, fornecedores e consumidores), é sustentável (recursos e impactos socioambientais), e é transparente (divulgação de relatórios). Para Ashley e Queiroz (2005), a RS é um compromisso da organização com a sociedade, expresso por meio de atos e atitudes que afetem positivamente a comunidade e age pró-ativamente e coerentemente no seu papel social e na prestação de contas com a sociedade. regulamentos) e provê a ela certos recursos (proporções de seus fundos). Inserida no macroambiente, a IES age como um veículo para determinados fenômenos geopolíticos que exercem pressão sobre a mesma. A IES não é algo neutro. Percebe-se que dois sistemas governam os processos de transformação na IES: o de admissão de alunos, que constitue a matéria-prima das IES, e o de validação, que especifica as caracterís ticas que esta matéria-prima deve possuir quando deixar a instituição. Neste sistema social, Calderón (2005) ressalta 4 A IES num contexto social de mercado que a IES brasileira vem passando por profundas mudanças a partir da institucionalização do mercado universitário. Desde a década de 1990, as IES foram se identificando com o mercado capitalista: aprenderam De acordo com Rodrigues, Ribeiro e Silva (2006), a conviver com a competição mercadológica, incorpo a Conferência Mundial Sobre a Educação Superior no raram, perderam a filantropia e estruturaram seu Século XXI, realizada em 1998, sob o ponto de vista do sustento através da cobrança de mensalidades para gerenciamento, compreendeu a IES como um sistema financiamento das atividades; surgiram grandes global, composto internamente por subsistemas envol empresas educacionais tirando as máscaras sociais e vendo interações complexas com o mundo exterior, deixando evidente a finalidade mercantil, entre outras conforme pode ser visualizado na figura 1. características. A homogeneização das IES privadas Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.145-156, jul./dez. 2009 | 149 na categoria de empresas educacionais, indepen ser concebido em função das vantagens econômicas dentemente da finalidade ou não de lucros, exigiu do empreendimento, mas ter em vista a qualidade do mais respostas do ensino superior quanto a sua ensino que se vai oferecer. participação na Responsabilidade Social. Neste con texto, a IES necessitou profissionalizar o sistema de gestão, expressando de alguma forma a missão, o processo e o resultado que espera ao cumprir com seu papel social. O Estado procura cumprir seu papel com a RS por meio de seu poder legislativo. A Constituição Federal de 1988, no artigo 205, diz que educação é direito de todos e dever do Estado e da família; é promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo 5 A gestão da responsabilidade social da IES para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Para Durham (2005), se a função básica da IES, pública ou privada, é promover educação como função social, todas elas trazem em seu A RS, segundo Borger (2001), deve ser vista cerne, em sua razão de existir, o compromisso com como parte da cultura, da visão e dos valores da uma determinada RS. Também para Macedo (2005), empresa, requerendo a filosofia e a missão como a RS da IES de qualquer natureza não pode ser compromissos articulados. Neste sentido, Schmidt entendida como instrumento que permita ao Estado e Silva (2005) ressalta a importância da missão nas omitir-se no desempenho de funções que lhe são organizações e principalmente nas IES, uma vez que inerentes, ou ser interpretada como pretexto para é por meio dela que se pode identificar o conjunto dela fazer um substituto do Estado ou uma agência de atividades utilizadas por uma organização como de implementação de políticas governamentais. balizadoras e orientadoras de seu progresso dentro da Como ponderou o Ministro Eros Grau, “o ensino comunidade em que se insere. Para Calderón (2005), universitário, qual o básico, não se o pode tomar a busca de soluções para os problemas sociais não é como objeto de mercancia. O Estado é responsável um compromisso que a universidade pode cumprir ou pela sua prestação à sociedade. Ele, não o mercado, deixar de cumprir. Trata-se de uma obrigação social deve orientar essa provisão”. que, se ela não cumprir, torna-se uma instituição Em 1994, a RS no ensino superior do Brasil ganha socialmente irresponsável. Para Sordi (2005), mesmo novos contornos e grande relevância com a opera que a educação superior no Brasil esteja concentrada cionalização do Sistema Nacional de Avaliação da nas mãos da iniciativa privada, não se deve confundi- Educação Superior (Sinaes). Segundo Rösler e Ortigara la com uma mercadoria e tratá-la apenas sob a ótica (2005), o objetivo central é promover a realização e a ética da empresa. O objetivo de maximização de autônoma do projeto institucional, de modo a garantir lucros não deveria ser o primordial, mas a eficácia em a qualidade no ensino, na pesquisa, na extensão, de que a missão e o plano estratégico são executados. acordo com as definições normativas de cada insti Por isso, Rösler e Ortigara (2005) reflete que no ensino tuição e as ações de cada estabelecimento de ensino. superior os fins pedagógicos hão de prevalecer sobre No processo de avaliação, o Sinaes solicita três docu o interesse no lucro do empreendimento. Noutras mentos: Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), palavras, o projeto pedagógico de um curso não pode Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e o Projeto 150 | Revista da FAE Pedagógico dos Cursos (PDC). Conforme o site do “norteador de todos os instrumentos de avaliação Inepe, para o Governo Federal o PDI consiste num pública e privada; é considerado o principal regulador documento em que se definem a missão da institui em termos de verificação da qualidade em suas ção de ensino superior e as estratégias para atingir múltiplas dimensões”. Também é um instrumento de suas metas e objetivos. Abrangendo um período de prestação de contas à sociedade, para cada um dos cinco anos, deverá contemplar o cronograma e a usuários e para as próprias IES. metodologia de implementação dos objetivos, metas e ações do Plano da IES, observando a coerência e a articulação entre as diversas ações, a manutenção de padrões de qualidade e, quando pertinente, o orçamento. Deverá apresentar, ainda, um quadro- 6 Indicadores para avaliação de RS na IES resumo contendo a relação dos principais indica dores de desempenho, que possibilite comparar, Para Ferés (2006), a avaliação é, sem nenhuma para cada um, a situação atual e futura (após a dúvida, um processo vital para a universidade brasi vigência do PDI). leira. Faz parte de sua essência e é, ao mesmo tempo, O PDI também é o documento que identifica uma demonstração efetiva de responsabilidade social a filosofia de trabalho, a missão, as diretrizes pe Rodrigues, Ribeiro e Silva (2006) reflete que é necessá dagógicas que orientam as ações, a estrutura orga rio que existam indicadores que auxiliem no processo nizacional e as atividades acadêmicas que a IES pre de avaliação, considerando aspectos qualitativos e tende desenvolver. Este documento tem validade de quantitativos. Os indicadores devem ser simples e cinco anos, sendo necessária sua revisão e atualiza compactos, de modo a permitir rápida análise, desdo ção. O PDI não é apenas um documento burocrático a bramento, detalhamento e acompanhamento de todas ser apresentado ao MEC, mas uma ação que da ênfase as perspectivas. especial à autoavaliação das IES. O indicador é um índice de monitoramento de O Sinaes é também um importante passo na algo que pode ser mensurável, normalmente ligado direção de formar para a RS, porque possui um com a gestão da empresa. No caso da RS na IES, há forte potencial formativo e reflexivo, induzindo a IES necessidade de um sistema amplo de indicadores que ao aprendizado de outra cultura de avaliação e de gerencie de forma estratégica a avaliação de suas ações currículo. Segundo Rösler e Ortigara (2005), o Sinaes sociais. No setor privado, a certificação social tem se prevê a avaliação interna e externa da instituição, constituído a prática mais usual de se avaliar a RS. em nível de declaração, normas, organização e de Contudo, além da certificação existem organizações de resultados. As dimensões desta avaliação abrangem a vários tipos, envolvidas com implementação, orientação, missão, a política e a responsabilidade social da IES. O mensuração, avaliação, auditoria e com relatórios que Sinaes avalia a RS no que se refere à inclusão social, podem corroborar para a visão mais ampla da RS. No ao desenvolvimento econômico e social, à defesa do quadro a seguir, apresentam-se algumas organizações meio-ambiente, da memória cultural, da produção de nível internacional, nacional e regional que dispõem artística e do patrimônio cultural. Para Rodrigues, de indicadores e de ferramentas para avaliar aspectos Ribeiro e Silva (2006, p.113), o Sinaes tem sido o distintos da RS. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.145-156, jul./dez. 2009 | 151 QUADRO 01 - INDICADORES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL ENTIDADE REFERENCIAL INÍCIO PERTINÊNCIA ALVO Projetos alternativos de RS Instituto Brasileiro de Balanço Análises Sociais Social e Econômicas (Ibase) Ceres Balanced Scorecard Institute Relatórios sobre Sustentabilidade Climática Balanced Scorecard (BSC) ética nas organizações. 1981 1989 1990 Público Reflete sobre democraPrivado cia, igualdade, liberdade, participação cidadã, Nacional diversidade e solidariedade. Network nacional de acionistas, organizações ambientais e grupos de interesse público; assessora companhias e acionistas sobre sustentabilidade e clima global Planejamento estratégico e sistema de gestão: alinhar atividades empresariais à visão e à estratégia da organização, melhorar comunicações internas e externas, monitorar o desempenho. Privado ONGs OCIPs Internacional Público Privado Ongs Internacional LOCALIZAÇÃO Ibase Av. Rio Branco, nº 124, 8º andar - Centro - Rio de Janeiro - CEP 20040-916 Telefone: (21) 2178-9400 http://www.ibase.br Ceres 99 Chauncy Street - 6th Floor Boston, MA 02111 Phone: 617.247.0700 Fax: 617.267.5400 http://www.ceres.org BSC - Corporate Headquarters 975 Walnut. St., Suite 360 Cary, NC 27511 (919) 460-8180 Fax (919) 460-0867 Accountability Institute of Social and Ethical Accountability Padronização AA1000 Council on Economic Priorities Padronização Accreditation SA 8000 Agency Padronização ISO 14000 International Organization for Standartization (ISO) Padronização ISO 9000 152 | Criadores da padronização contábil. 1996 Visa à qualidade social e ética da contabilidade das empresas. Público Privado Regional offices - Sao Paulo Tel: +55 11 8267 3637 [email protected] Internacional http://www.accountability21.net/ 1997 Norma internacional sobre relações trabalhistas: verificar ações antissociais ao longo da cadeia produtiva, trabalho infantil, trabalho escravo ou discriminação. 1993 a 2006 Certificação de responsabilidade ambiental: legislação, diagnóstico, padronização, planos e qualificação de pessoal. 1994 a 2005 Certificação para padrões de Qualidade para projeto, desenvolvimento, produção, http://www.iso.org/iso/home.htm montagem e prestadores Internacional de serviço. Privado Council on economicPRIORITIES 30 Irving Place New York, NY 10003 [email protected] Internacional Phone: (212) 420-1133 Público InternationalOrganizationFor Standardization (ISO) Nacional 1, ch. de la Voie-Creuse, Internacional Case postale 56 CH-1211 Geneva 20, Switzerland Público 41 22 749 01 11 Privado 41 22 733 34 30 Nacional Privado (continua) LOGO MARCA Revista da QUADRO 01 - INDICADORES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL ENTIDADE REFERENCIAL INÍCIO PERTINÊNCIA ALVO LOCALIZAÇÃO FAE (conclusão) LOGO MARCA Global Reporting Initiative Metropool Building, 5th Privado Floor ONGs Weesperstraat 95, 1018 VN Amsterdam OCIPs The Netherlands 31 (0)20 531 00 00 Internacional http://www.globalreporting.org Público Ceres Diretrizes para Relatório de Sustentabilidade (GRI) Indicadores de ResponInstituto Ethos sabilidade de Empresas Social para e de ResponsaMédias e bilidade Social Grandes Empresas Organização das Nações Unidas (ONU) Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) Federação das Indústrias do Paraná (Fiep/PR) Ministério da Educação United Nations Global Compact ABNT/ NBR16001 Médias e Grandes 1998 Diagnóstico de autoavaliação: transparência e governança; público interno; meio ambiente; fornecedores; consumidores; comunidade; governo e sociedade. Nacional (11) 3514-9910 Pacto Global das Nações Unidas para alinhar estratégias que tratem sobre direitos humanos, trabalho, meio ambiente e anti-corrupção. Público Secretary-General of the United Nations 2000 2001 a 2004 Gestão da RS: Empresas ONGs Instituto Ethos Rua Dr. Fernandes Coelho, 85, 10º andar, Pinheiros, 05423-040, Setor Público São Paulo, SP, Brasil Privado Voluntariado New York, NY 1001 Fax: 1(212) 963-1207) Internacional http://www.unglobalcompact.org Público Privado aplicabilidade, entendimento, comprometimento e política de RS. Nacional Inmetro Rua Santa Alexandrina, 416 Rio Comprido - Rio de Janeiro - RJ CEP: 20261-232 - 0800 285-1818 http://www.inmetro.gov.br Orbis Observatório Regional Base de Indicadores de Sustentabilidade Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes) (Inep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Lei n° 10.861, Nacional Anísio de 14 de Teixeira) abril de 2004 Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) 1997 Relatórios de sustentabilidade aplicáveis a leis, normas, códigos, padrões de desempenho e voluntariado. 2004 2004 Organiza e monitora indicadores de sustentabilidade, produz estudos, análises e reflete o desenvolvimento regional. sistemas e pessoas. 2009 Orbis Privado Rua Dr. Correa Coelho, 741 Jardim Botânico 80210-350 Curitiba-PR Fone/Fax: (41) 3362.0200 Nacional Regional Avalia instituições, cursos e estudantes. Eixos: ensi- Público no, pesquisa, e extensão. Privado Temas: RS desempenho de alunos, gestão Nacional institucional, docente, instalações e outros. Certificação de produtos, ISO 26000 Público Norma internacional de Responsabilidade Social aplicável a qualquer instituição. Público Privado Nacional Inepe SRTVS, Quadra 701, Bloco M, Edifício Sede do Inep CEP: 70340-909 Brasília - DF http://www.inep.gov.br/ institucional/ ABNT Rua Minas Gerais, 190 Higienópolis 01244-010 - São Paulo - SP - Brasil Telefone (11) 3017-3600 e-mail: atendimento.sp@ abnt.org.br http://www.abnt.org.br FONTE: O autor (2009) Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.145-156, jul./dez. 2009 | 153 Além das organizações citadas, outras 50 insti Considerações finais tuições fazem parte das comissões de avaliação para a elaboração da ISO 26000. No Brasil, as normas ISO 14000 e 9000 são mais difundidas. Contudo, muitos trabalhos de pesquisa em nível de pós-graduação sugerem uma variedade de modelos de indicadores, conforme a área de atuação da empresa ou organização, e em diferentes áreas: gestão administrativa, gestão ambiental, gestão social etc. A ISO, com sede em Genebra, difunde nor mas internacionais no âmbito intelectual, científico, tecnológico e econômico; é aceita em mais de 150 países, facilitando o intercâmbio de produtos e serviços. Para a II Conferência Mundial sobre o Ensino Su perior, em Paris, em julho de 2009, as mudanças da economia pós-industrial conduziram o mundo a uma demanda massiva pelo ensino superior, chegando a 152,2 milhões de estudantes em 2007; um aumento de 50% nos últimos oito anos. Neste encontro mun dial, refletiu-se sobre a mobilidade estudantil, a internacionalização da educação, a necessidade de um currículo mundial, a necessidade de políticas abertas anti-discriminatórias, a dificuldade do financiamento público e privado, a influência das tecnologias da informação, a necessidade de um currículo que con 7 ISO 26000: norma internacional de responsabilidade social temple os problemas mundiais como aquecimento e poluição, entre outros assuntos. Em síntese, o quadro geral reforçou a necessidade de o Ensino Prevista para ser lançada oficialmente no ano de 2009, a ISO 2600 de RS tende a ser uma referência para as IES avaliarem a compreensão, o processo e os resultados das ações sociais. Comenta Credidio (2008) que nunca uma ISO foi tão esperada quanto à futura ISO 26000. Segundo o Instituto Nacional de Normalizacion (INN) do Chile, as premissas desta norma são: relevância dos aspectos qualitativos sobre os qualitativos, e pretende ter aplicabilidade em todo tipo de organização, independente do tamanho, Superior fortalecer sua “função social” de promover a paz, a liberdade de expressão e o desenvolvimento sustentável. Por isso, há contundente necessidade de se avaliar a responsabilidade social da IES, estabelecendo parâmetros e indutores de qualidade, atualizados e de âmbito regional e mundial. O tema é amplo e exige mais pesquisas. Não basta cumprir com a legalidade, é necessário audácia, persistência, e sobretudo iniciativa no âmbito acadêmico para que a IES cumpra com seu papel social. objetivo, valores, cultura, meio social e ambiental. A ISO não substitui as responsabilidades e obrigações próprias dos governos e organismos de controle. Esta ISO deverá ganhar muita repercussão nacional, pois o Brasil foi eleito como participante do comitê de organização desta norma. Através da ABNT/NBR16001, o Brasil foi pioneiro no mundo ao desenvolver um pro grama de avaliação de conformidade para a área de responsabilidade social. 154 | •Recebido em: 10/08/2009 •Aprovado em: 05/10/2009 Revista da FAE Referências ABMES. Projeto institucional, qualidade e avaliação nas IES. Brasília Notícias, n.74. Brasília, n.74, jan./mar. 2002. ALVES, L. E. S. Governança e cidadania empresarial. RAE: Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v.41, n.4, p.78-86, out./dez. 2001. Disponível em: <http://www16.fgv.br/rae/artigos/1135.pdf>. Acesso em: 24/07/2009. ANDRADE, A. R. Gestão estratégica de universidades: análise comparativa de planejamento e gestão. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPAD – ENANPAD, 27., 2003, São Paulo. Anais... São Paulo: ANPAD, 2003. 1 CD-ROM. ANDRADE, M. A. Introdução à metodologia do trabalho científico. 4.ed. São Paulo: Atlas, 1999. ARAÚJO, E. T. Estão “assassinando” o marketing social? Uma reflexão sobre a aplicabilidade deste conceito no Brasil. 2001. Disponível em: <http://www.ucb.br/comsocial/mba/Estao_assassinando_o_MKT_Social.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2009. ASHLEY, P. A.; QUEIROZ, A. Ética e responsabilidade social nos negócios. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. BORGER, F. G. Considerações teóricas sobre a gestão da responsabilidade social empresarial. São Paulo: Instituto Ethos, 2001. ______. Responsabilidade social: efeitos da atuação social na dinâmica empresarial. 2001. 258p. Tese (Doutorado em Administração) – Universidade de São Paulo. Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, São Paulo, 2001. BUSATTO, C. Responsabilidade social: revolução do nosso tempo. Porto Alegre: CORAG, 2001. CALDERÒN, A. I. Responsabilidade social: desafios à gestão universitária. Estudos, Brasília, v.23, n.34, p.13-35, abr. 2005. CARCANHOLO, M. et al. Crise financeira internacional: natureza e impacto. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. CARVALHO, V.; SILVA, C. L. A responsabilidade social no ensino superior: da origem ao cotidiano educacional. Estudos, Brasília, v.23, n.34, p.13-39, abr. 2005. CHILE. Instituto Nacional de Normalizacion. ISO 26000 Guia sobre Responsabilidade Social. 2008. Disponível em: <http://www.inn.cl>. Acesso em: 27 jul. 2009. CREDIDIO, F. ISO 26000: a norma internacional de responsabilidade social. Revista Filantropia OnLine, n.91,. Mensagem recebida por: <[email protected]> em 22 fev. 2007. Disponível em: <http://www.cereja.org.br/arquivos_upload/ iso26000_revistafilantropia91.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2009 DURHAM, E. A responsabilidade social das instituições de ensino superior. Estudos, Brasília, v.23, n.34, p.59-61, abr. 2005. FERÉS, M. J. V. A LDB e a responsabilidade social das instituições universitárias: pontos para discussão. Estudos, Brasília, 10 mar. 2006. Disponível em: <http://www.abmes.org.br/publicacoes/revista_estudos/estud18/est18-03.htm>. Acesso em: 15 jul. 2009. FREY, I. A. Sistema de referenciamento da responsabilidade social empresarial. 2005. 233p. Tese (Doutorado em Engenharia da Produção) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005. GARCIA, C. G. et al. Responsabilidade social empresarial no Brasil. Revista Synergismus Scyentifica, Pato Branco, v.1, n.1/4, p.2-12, 2006. GRAU, E. Constituição e reforma universitária. Folha de São Paulo, São Paulo, 23 jan. 2005. INMETRO. Responsabilidade social. Disponível em: <http://www.inmetro.gov.br/qualidade/responsabilidade_social/index.asp>. Acesso em: 24 jul. 2009 KINLAW, D. C. Empresa competitiva & ecológica. São Paulo: Makron Books, 1997. KOTLER, P.; ARMSTRONG, G. Princípios de marketing. 7.ed. Rio de Janeiro: Prentice Hall do Brasil, 1998. MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Técnicas de pesquisa. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2002. MELO NETO, F. P.; FROES, C. Responsabilidade social & cidadania empresarial: a administração do terceiro setor. 2.ed. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2001. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.145-156, jul./dez. 2009 | 155 MACEDO, A. R. O papel social da universidade. Estudos, Brasília, v.23, n.34. p.07-12, abr. 2005. MESQUITA, F. B. C. A queda do muro de Berlim e a presentificação da história. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. 8 JEITOS DE MUDAR O MUNDO. Disponível em: <http://www.nospodemos.org.br/>. Acesso em: 06 jul. 2009. PACHECO, Ricardo Gonçalves Pacheco; MENDONÇA, Erasto Fortes. Educação, sociedade e trabalho: abordagem sociológica da educação. Profuncionário – Curso Técnico para Funcionários da Educação. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. 2.ed. Brasília: Universidade de Brasília, Centro de Educação a Distância, 2006. PACTO GLOBAL. Rede brasileira do pacto global. Disponível em: <http://www.pactoglobal.org.br>. Acesso em: 20 jul. 2009. PASSADOR, C. S. A responsabilidade social no Brasil: uma questão em andamento. In: CONGRESO INTERNACIONAL DEL CLAD SOBRE LA REFORMA DEL ESTADO Y DE LA ADMINISTRACIÓN PÚBLICA, 7., 2002, Lisboa. Anais... Lisboa, 2002. REVISTA ELETRONICA DE RESPONSABILIDADE SOCIAL. Disponível em: <http://www.responsabilidadesocial.com/>. Acesso em: 23 jul. 2009. RODRIGUES, C. M. C.; RIBEIRO, J. L. D.; SILVA, W. R. A responsabilidade social em IES: uma dimensão de análise do SINAES. Revista Gestão Industrial (online), Ponta Grossa, v.2, n.4, p.1-9, 2006. ROMAN, A. Responsabilidade social das empresas: um pouco de história e algumas reflexões. Revista FAE Business, Curitiba, n. 9, set. 2004. RÖSLER, M. R.; ORTIGARA, C. J. Qualidade na educação e desafios da globalização. Revista ABMES, Brasília, v.23, n.34, p.83-96, abr. 2005. SANÉ, P. La université doit consolider sa fonction social. In: CONFERÉNCE MONDIALE DE L’ENSEGNEMENT SUPERIEUR, 07/07/2009. Disponível em: <http://www.unesco.org/fr/wche2009/single-view/news/academia_must_consolidate_its_social_ responsibility_role/back/9712/>. Acesso em: 28 jul. 2009. SANTOS, E. R. Responsabilidade social ou filantropia? Revista FAE Business, Curitiba, n.09, set. 2004. SCHMIDT, P.; SILVA, R. GMC: Gestão da missão compartilhada: gestão do ensino superior a partir da missão compartilhada. Universia: rede de universidades, rede de oportunidades, São Paulo, 09 set. 2005. Disponível em: <http://www.universia. com.br/materia/materia.jsp?id=8480>. Acesso em: 27 jul. 2009. SILVA, J. M. Formação socialmente responsável: um estudo sobre o papel da instituição de ensino superior na construção de cidadãos comprometidos com a sociedade. Revista Análise, Porto Alegre, v.18, n.1, p.161-169, jan./jun. 2007. SORDI, M. R. L. A responsabilidade social como valor agregado do projeto político pedagógico dos cursos de graduação: o confronto entre formar e instruir. Revista da ABMES, Brasília, v.23, n.34, p. 29-39, abr. 2005. TACHIZAWA, T.; ANDRADE, R. O. B. Gestão de instituições de ensino. Rio de Janeiro: FGV, 1999. TARAPANOFF, K. Responsabilidade social das empresas e a educação corporativa. Brasília: Universidade de Brasília. 2006. WRASSE, C. L. Responsabilidade social como ferramenta do marketing das Instituições de ensino superior privadas no Oeste do Estado do Paraná. Blumenau: FURB, 2004. 156 | Revista da FAE Amicus Curiae: instituto processual de legitimação e participação democrática no judiciário politizado Amicus Curiae: institute procedural legitimacy the democratic participation in politicizad judiciary Luana Paixão Dantas do Rosário* Resumo O objetivo deste trabalho é demonstrar, por uma abordagem dialética, que o Amicus Curiae é instrumento processual de participação e legitimação democrática. Analisará também, obliquamente, a legitimação democráticahermenêutico-discursiva da Jurisdição pelo viés do processo. Versará sobre o fenômeno da abertura do processo à “comunidade de intérpretes”, expressão cunhada por Peter Häberle. Ressaltará que o Judiciário realiza os valores e princípios democráticos constitucionais, pela participação dos cidadãos e atores estatais, na concretização dos valores fundamentais. Analisará a doutrina acerca da politização do Poder Judiciário. Conclui que o Amicus Curiae, instituto de participação política na Jurisdição, fortalece a legitimidade democrática desta, na concretização dos Direitos Fundamentais. Palavras-chave: Amicus Curiae; democracia; legitimidade; politização; judiciário. Abstract The objective of this papper is to demonstrate, through literature review, the Amicus Curiae is a procedural instrument of participation and democratic legitimacy. It will also analyze, obliquely, the democratic legitimacy of the discursive-hermeneutic of jurisdiction, the bias of the process. Will address the phenomenon of the opening of the “community of interpreters,” a term coined by Peter Häberle. Highlight that the judiciary carries out the democr-atic values and constitutional principles, the participation of citizens and state actors, in achieving the core values. Examine the doctrine about the politicization of the judiciary. Concludes that the Amicus Curiae, Institute of political participation in the Jurisdiction, strengthen the democratic legitimacy of this, the achievement of fundamental rights. Keywords: Amicus Curiae; democracy; legitimacy; politicization; the judiciary. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009 * Mestranda em Direito Público (UFBA). Professora de Direito Constitucional e Econômico na Universidade Federal da Bahia e Universidade Católica de Salvador. E-mail: [email protected] | 157 Introdução A abertura do processo à “comunidade de intér pretes”, reforça a legitimidade da Jurisdição e consolida O Judiciário, como poder do Estado, possui fun ção política inerente à sua natureza. Não obstante a a Democracia contemporânea, além de extrair da sociedade a concretude dos valores Constitucionais. propalada neutralidade positivista que alguns queiram a ele imprimir, como poder intrinsecamente político, se constitui consoante princípios axiológicos que emanam do espaço político, do espaço público. 1 Premissas teóricas no estudo da função política do poder judiciário O exercício da função política pelo Judiciário – sua intervenção em aspectos políticos do Estado – é Convém esclarecer que o termo política, do grego típica. Meio adequado para a garantia dos princípios politiké, advém da polis grega, e por isso, em essência, democráticos, tão importantes na construção de uma o poder político é aquele que se volta à coletividade, e Democracia que adquiriu o elemento teleológico de que, para além do governo, abrange as escolhas do que preservação e respeito aos Direitos Fundamentais. Ao é conveniente para o homem da polis. exercer esta função, o Judiciário assegura o funciona Nesse ínterim, o conceito de Aristóteles para mento harmônico dos poderes do Estado no tocante às o termo política é o de ciência que visa à felicidade suas obrigações Constitucionais. humana. A felicidade consistiria numa certa maneira O ponto merecedor de destaque no exame do de viver no meio que circunda o homem, nos costumes exercício da função política do Judiciário é a análise de e nas instituições adotadas pela comunidade à qual legitimidade deste poder na Democracia Constitucional, pertence. O objetivo da política seria primeiro, descobrir tendo em vista que sua composição, distintamente da a maneira de viver que leva à felicidade humana, e dos outros poderes do Estado, não é representativa. depois, a forma de governo, e as instituições sociais Embora, se reconheça a legitimidade democrática e a capazes de a assegurarem (SCHILLING, 2006). legitimidade discursiva da função política de Judiciário, não podemos negar que a evolução dos institutos processuais, de modo a servirem de ensejadores da participação democrática direta na realização da Juris dição, densificam a legitimidade do Judiciário e prestam um serviço à Democracia Constitucional, que se torna participativa. Neste desiderato, insere-se o instituto do Amicus Curiae, em sua feição cunhada pela lei 9.868/99 e doutrina pátria, evoluída da doutrina estrangeira. O objetivo principal deste trabalho será analisar a contribuição do Amicus Curiae para a realização da Democracia Constitucional e de seus fins, num novo cenário de participação política, a seara do Judiciário. Frise-se que esta proposta de participação política dos cidadãos na condução do Estado, por meio do Poder Judiciário, assume destaque diante da reconhecida crise da representatividade política instaurada. 158 | Em todas as artes e ciências o fim é um bem, e o maior dos bens e bem em mais alto grau se acha principalmente na ciência todo-poderosa; esta ciência é a política, e o bem em política é a justiça, ou seja, o interesse comum; todos os homens pensam, por isso, que a justiça é uma espécie de igualdade, e até certo ponto eles concordam de um modo geral com as distinções de ordem filosófica estabelecidas por nós a propósito dos princípios éticos (ARISTÓTELES apud SCHILLING, 2006). A política, na concepção habermasiana, deve ser en tendida como lócus onde se desenvolvem as relações vitais do senso ético, uma forma de reflexão sobre os nexos deontológicos da sociedade, impondo aos cidadãos a consciência de sua dependência recíproca (AGRA, 2005, p.112). Não obstante a Política vise à felicidade dos homens em comunidade, a titularidade do poder político fora, Revista da FAE nos primórdios, atribuída ao divino; concepção que teve a fim de garantir a autolimitação do poder político. Se a seu apogeu derradeiro na “teoria do direito divino dos própria teoria clássica de Montesquieu – que não visava reis” de Jean Bodin, teórico da monarquia francesa. Para à realização de um regime democrático politicamente Montesquieu, que explicitou pela primeira vez de forma pluralista, mas garantia uma dinâmica governamental cuja sistemática1 a “teoria da tripartição dos poderes”, o povo principal finalidade é à manutenção do funcionamento é de todo incapaz de discernir sobre os reais problemas racionalmente ordenado, mediante normas jurídicas, do políticos da nação e, portanto, não deve e nem pode ser próprio Estado – já não defendia uma separação estanque o titular da soberania política (MONTESQUIEU, 2000, entre os poderes, imagine falar-se nisso hodiernamente, p.56). Em contribuição precursora, o abade de Siéyes, depois de ter se atribuído ao Estado uma finalidade em sua obra “O que é o Terceiro Estado?”, publicado às social e um rol extenso de obrigações (ALVES, 2004). vésperas da Revolução Francesa, e com base na doutrina Essas digressões fazem-se necessárias na averi do contrato social de Locke e Rousseau, atribuiu a guação da natureza política do Poder Judiciário, e na titularidade do poder Constituinte à nação e legitimou destruição do mito de uma suposta necessidade de ideologicamente a ascensão do terceiro Estado ao poder “apolitização” das decisões judiciais a fim de não se político (SIEYÉS, 2001, p.5). violar o princípio da “separação” de poderes. Por óbvio, É a organização do poder político, que para Siéyes, se encontrava difuso na nação2, que forma o Estado. Destarte, o Estado é verdadeira emanação do poder político, único e soberano, não obstante a sua tripartição nas funções executiva, legislativa e judiciária. Portanto, todas essas três funções, ou poderes como classicamente denominados, são intrinsecamente políticas, inclusive a Judiciária. Motivo pelo qual a doutrina3 tem falado em teoria da tripartição de poderes, e não mais separação, visto que o poder é uno. A teoria “montesquiana” da separação de poderes, sendo o Poder Judiciário político, as decisões judiciais não podem ser apolíticas e não violam a separação de poderes, visto que esta não existe. Oportuna a colocação do jurista italiano Mauro Cappelletti, ao se referir às possíveis posições assumidas pela Justiça constitucional nos países de tradição romano-germânica, como o Brasil, quando aponta o dilema da justiça constitucional de nosso tempo: permanecer restrita aos limites tradicionais da função judicial do século XIX ou elevar-se ao nível dos outros poderes, convertendo-se no “terceiro gigante” para controlar o legislador mastodonte e o administrador leviatã (LEITE, 2006). já previa que “somente o poder freia o poder”, essa noção, quando levada aos Estados Unidos da América Antes, um Judiciário moldado por uma carta consti à época da Revolução Americana, evoluiu para a teoria tucional que segue um modelo de opção política do sistema de “pesos e contrapesos” políticos mútuos, de Estado, tem o comprometimento com tal opção política Constitucional e seus fins, ou como preconizou Aristóteles já havia delineado as três funções essenciais do Estado, executiva, legislativa e judiciária, porém, à divisão funcional não fez corresponder a divisão orgânica. Também John Locke, filósofo liberal inglês, cerca de um século antes de Montesquieu já tinha formulado, ainda que implicitamente, a teoria da tripartição de Poderes. 2 O conceito de nação antecedeu ao de povo, entendido como nação o conjunto formado pelas pessoas nascidas no mesmo lugar, ligadas por vínculos de sangue e de origem, que assim compartilhavam os mesmos valores, costumes e a mesma língua. Ver na Teoria do Estado a distinção conceitual entre nação e povo. 3 Por todos, Dirley da Cunha Júnior, em seu Curso de Direito Constitucional. Salvador: JusPodivm, 2007. 1 Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009 Aristóteles, o compromisso com o bem comum e a felicidade dos homens. Assim, decisões jurisdicionais têm natureza política porque implicam na análise de elementos políticos e resultam em escolhas do que seja conveniente para o homem da polis Estatal, consoante as diretrizes da Carta Política Maior. A esse respeito: “As decisões judiciais fazem parte do exercício da soberania do Estado, que embora disciplinada pelo direito, é expressão do poder político” (DALLARI, 2002, p. 90). | 159 O juiz sempre terá de fazer escolhas, entre normas, argumentos, interpretações e até mesmo entre inte resses, quando estes estiverem em conflito e parecer ao juiz que ambos são igualmente protegidos pelo direito. A solução dos conflitos será política nesse caso, mas também terá conotação política sua decisão de aplicar uma norma ou de lhe negar aplicação, pois em qualquer caso sempre haverá efeitos sociais e alguém será beneficiado ou prejudicado (DALLARI, 2005, p.96). emerge, em primeiro lugar, da realização jurisdicional As decisões do Judiciário serão políticas também sendo a Jurisdição dialética na sua formulação; ou pela por versarem sobre normas jurídicas. Sucintamente, os participação direta do cidadão da polis na confecção dispositivos normativos têm natureza política porque da Jurisdição, pela intervenção do Amicus Curiae, pelo compõem o regramento da vida em sociedade, e porque debate, diálogo e abertura do processo. oriundos de um processo político de formulação – na dou trina clássica, emanando da vontade geral, como preco nizado por Jean Jacques Rousseau. Às normas jurídicas, por sua vez, resultantes da interpretação e aplicação dos dispositivos normativos em determinado contexto, inexoravelmente deve se atribuir natureza política. Deve recuperar-se o critério de que de que o direito é uma ordenação imposta pela razão prática, não pela razão pura. A neutralidade jurídica é uma quimera. Todo Direito, por sua própria condição está inspirado numa ideologia política, à qual serve como ferramenta jurídica do sistema (DROMI apud DALLARI, 2002, p.96). Hodiernamente, ultrapassado o dogma positivista de neutralidade, têm-se observado que a doutrina cunhou a expressão “politização” do Poder Judiciário. Nesse contexto, Glauco Salomão Leite destaca que há possibilidade do sistema jurídico registrar decisões políticas em forma jurídica e de a política utilizar o direito para implantar seus objetivos, ou, “a relação entre Política e Direito deixa de ser vertical-hierárquica e passa a ser horizontal-funcional” (LEITE, 2006). dos Direitos Fundamentais; valores axiológicos e normativos das Democracias Constitucionais emanados do poder Constituinte, numa legitimação teleológica sob o aspecto pragmático. Depois, pela demonstração de participação democrática do jurisdicionado no âmbito deste Poder. Seja por meio das máximas garantias Constitucionais da ampla defesa e do contraditório, A expansão do âmbito de atuação do Judiciário e sua politização não são contrárias à Democracia, mas estão em consonância com ela, com o seu conteúdo e os seus princípios. As relações entre direito e política na dimensão Constitucional hodierna criam um novo espaço aberto ao ativismo positivo de agentes sociais e judiciais na produção da cidadania, diversamente do constitucionalismo liberal de outrora (MACIEL; KOERNER, 2002). O constitucionalismo liberal preza pela defesa do individualismo racional, a garantia limitada dos direi tos civis e políticos e clara separação dos poderes; o constitucionalismo democrático prioriza os valores da dignidade humana e da solidariedade social, a ampliação do âmbito de proteção dos direitos e a redefinição das relações entre os poderes do Estado (MACIEL; KOERNER, 2002). Para o Estado Constitucional Democrático abre-se no Judiciário um novo espaço público, no qual participam novos agentes “a comunidade aberta de intérpretes”, os quais, através do processo, devem dedicar-se à interpretação aberta dos valores Constitucionais com 2 Politização do judiciário: afirmação da democracia vistas à sua efetivação (HÄBERLE, 1997). Inclusive, em nosso entender, a efetivação dos mandamentos e valores Constitucionais por meio da prestação jurisdicional deve superar a limitação à atuação Há necessidade de desfazer a concepção de déficit do Judiciário como legislador-negativo e autorizar o uso democrático do Poder Judiciário. A legitimidade deste de sentenças interpretativas e criativas, utilizadas pela 160 | Revista da FAE Jurisprudência italiana4. Tendo como ponto de início e decisões políticas. Isto não enfraquece a Democracia contornos limitatórios – até certa medida – o texto. Pois, representativa, mas a complementa, ao contemplar os na esteira da lição de Friedrich Müller, a interpretação princípios democráticos (VERBICARO, 2006, p.7). que constrói a norma, sendo o texto, mero dado de [...] Neste mundo governado por uma plutocracia cosmopolita suficientemente flexível e móvel pra mar ginalizar ao mesmo tempo os Estados, os cidadãos e os juízes, a Democracia precisa ser reinventada tanto sob a sua forma tradicional de Democracia representativa quanto sob a forma mais recente de Democracia participativa (MIREILLE DELMAS-MARTY apud FREIRE JÚNIOR, 2005, p.32). entrada (MÜLLER apud ADEODATO, 2007, p.239). Gisele Cittadino, em seu trabalho Poder Judiciário, ativismo Judiciário e Democracia, frisa que “é preciso não esquecer que a crescente busca, no âmbito dos tribunais, pela concretização de direitos individuais e/ou coletivos também representa uma forma de participação no processo político” (CITTADINO, 2007, p.2). Destarte, é imperativo, inclusive, fazer menção à crise da representatividade clássica mencionada em elucidativa passagem em que Américo Bedê Freire Junior, para desconstruir a certeza de que participação democrática se efetiva pela representação, traz à colação, lição de José Eduardo Faria: “[...] a tradicional política representativa tende a ser muito mais rito do que um efetivo processo democrático de afirmação da vontade coletiva” (FREIRE JÚNIOR, 2005, p.32) a qual, Walber de Mora Agra, atribui a expansão da Jurisdição política. Uma das causas que mais influenciam a expansão da jurisdição constitucional no campo das decisões políticas é a paulatina perda de legitimidade do processo político. A complexidade do debate político, o poder econômico, a falta de locais para o debate público, bem como os meios de informação são algumas das razões para a perda de legitimidade dos representantes populares (AGRA, 2005, p.116). A partir da observação de que a Democracia tem sido formal e excludente, extrai-se a necessidade da reinvenção democrática. Primeiro pelo critério subs tancialista da efetivação dos Direitos Fundamentais, que perpassa, necessariamente pela atuação do Judiciário – não tão somente dos direitos individuais, a despeito do preconizado por Dworkin5, mas também sociais e coletivos, como preleciona a doutrina contemporânea. Depois pelo reconhecimento de que o Judiciário deve constituir espaço legítimo de participação político democrática, que possibilite a participação do cidadão na criação do direito, enquanto norma que emana da aplicação – participação da própria condução do Estado, para além da representação no processo legislativo. Formas de ação estão à disposição do homem comum para participar da criação do direito estatal tanto através da Democracia representativa como pela via judicial. Essa participação não é fragmentadora dos princípios da vontade geral representativa, mas representa as possibilidades de adensamento do Direito pela intervenção, na esfera estatal, da eticidade da sociedade civil (MACIEL; KOERNER, 2002). A politização do Judiciário – para utilizar corrente expressão doutrinária, embora esta expressão possa dar a entender que signifique conferir a natureza de político a algo que não tivesse esta natureza originariamente, o que seria um grave equívoco – possibilita a construção da Democracia, porque torna este um importante nível A politização do Judiciário está em consonância com a Democracia que nossos tempos exigem, e não em de acesso do cidadão às instâncias do poder. Desta forma, possibilita-se na sociedade plural, que grupos não possuidores de representatividade influam nas 4 Sobre sentenças interpretativas e aditivas discorre Dirley da Cunha Júnior em seu Curso de Direito Constitucional. Salvador: JusPodivm, 2007. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009 Para este autor, os direitos sociais e coletivos dependiam de implementação de diretrizes políticas dos atores políticos do Estado pelos critérios da representatividade e da maioria, fundada em política e não em princípios; o que as distinguia da efetivação dos Direitos Fundamentais individuais que poderiam, em seu entendimento, serem fixados pelo Judiciário, porque fundados em princípios. (VERBICARO, 2006, p. 18) 5 | 161 antagonismo, pois possibilita a realização dos direitos Para além da discussão realizada por Dworkin de todos, sobretudo os da minoria, a edificação de um de que os Direitos Fundamentais6 prevalecem sobre a verdadeiro Estado Democrático de Direito que zele pela soberania popular externada pela maioria represen dignidade da pessoa humana e surja da concretização tada – observe-se que um grande contingente não se da Constituição, num processo do qual participe o ser faz representar – é preciso, portanto, um avanço teórico, da polis. de modo a reconhecer que o próprio Poder Judiciário é um espaço de exercício da soberania política. Inclusive, 2.1 Democracia majoritária, democracia constitucional, soberania complexa proporcionando incorporação política das minorias à agenda do Estado, não obstante a violação de direitos praticada pela maioria. e acesso das minorias [...] Esses Direitos Fundamentais constitucionalmente garantidos – direitos individuais – preenchem o próprio conteúdo da Democracia, bem como traçam os limites e contornos de atuação dos poderes estatais. Isso significa que o paradigma liberal de Democracia concebido por Dworkin – Democracia Constitucional – consagra que os direitos individuais são trunfos frente à maioria e, por isso, sobrepõem-se frente ao governo e a eventuais grupos representativos de maiorias que participem de procedimentos de formação da vontade pública e tentem restringir as liberdades e direitos individuais (VERBICARO, 2006, p.8). Para consolidar a Jurisdição política, ou “politi zação do Judiciário”, e a participação política no âmbito deste poder, é basilar a distinção que Dworkin estabelece entre a Democracia majoritária, fundada no princípio da maioria, e o que designou de Democracia Constitucional. Para este autor, o princípio majoritário não asse gura o governo pelo povo, senão quando todos os membros da comunidade são concebidos, e igualmente respeitados, como agentes morais; a Democracia por Neste diapasão, é interessante ressaltar conceito ele conceituada respeita os Direitos Fundamentais e de soberania complexa de Werneck Vianna, que consiste neles preenche o seu conteúdo. na combinação de duas formas de representação [...] Dworkin confere supremacia aos Direitos Funda mentais frente à soberania popular. Com essa relação de prioridade, protege-se certos núcleos de direitos ante eventuais interferências advindas de processos majoritários de deliberação. Para Dworkin, portanto, os Direitos Fundamentais devem restringir a soberania do povo a fim de se resguardar os direitos e as liberdades individuais. Isso porque nem sempre uma lei pautada na vontade de uma suposta maioria será uma lei justa; nem sempre essa lei contemplará os direitos individuais e o direito a igual respeito e consideração – crítica à Democracia majoritária e à autodeterminação do povo que podem conduzir à própria degradação de seus direitos. Democracia não é, para Dworkin, a simples obediência à regra de maioria. Numa Democracia constitucional concebida em paradigmas liberais, deve-se, sobretudo, assegurar a garantia aos Direitos Fundamentais dos cidadãos, atribuindo-se respeitabilidade à Constituição e à dinâmica de direitos nela materializada (VERBICARO, 2006, p.8). 162 | e duas dimensões de cidadania. A representação política, atrelada à cidadania política, é exercida pelos representantes eleitos segundo os procedimentos demo cráticos. A representação funcional, por sua vez, atrelada à cidadania social, é exercida pela comunidade de intérpretes, composta inclusive pelos agentes judiciais. Logo, numa leitura fundada neste autor, a poli tização do Judiciário, manifestação da cidadania social, é forma de participação na vida pública, alternativa à 6 É certo que para Dworkin a atuação do Judiciário para efetivar os Direitos Fundamentais se limita aos direitos individuais e não se estende aos direitos sociais. Porém, a construção de sua teoria representa um ponto de partida – ao qual devem acrescentar-se os direitos coletivos – quando diz que o Judiciário cumpre com o papel da Democracia ao afirmar os Direitos Fundamentais do cidadão, que tem o direito de exigi-los do Judiciário não obstante a inércia dos demais poderes. Revista da FAE representação, e adequada à Democracia, nos termos Estado de Direito e Democracia. [...] Quando os cidadãos desta soberania complexa. vêem a si próprios não apenas como os destinatários, [...] se a cidadania política dá as condições ao homem comum de participar dos procedimentos democráticos que levam à produção da lei, a cidadania social lhe dá acesso à procedimentalização na aplicação da lei por meio de múltiplas formas, individuais ou coletivas, de um simples requerimento a uma ação pública, pro porcionando uma outra forma de participação na vida pública (VIANNA, 1999, p.372). A politização do Judiciário possibilita o acesso do cidadão comum, que por vezes não é representado politicamente; sobretudo em nossa Democracia ainda mas também como os autores do seu direito, eles se reconhecem como membros livres e iguais de uma comunidade jurídica” (CITTADINO, 2007, p.04-06). Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto é, indireta ou, até mesmo diretamente, intérprete dessa norma. O destinatário da norma é participante ativo, muito mais ativo do que se pode supor tradicionalmente, do processo hermenêutico. Como não são apenas os intérpretes jurídicos da Constituição que vivem a norma, não detêm eles o monopólio da interpretação da constituição (HÄBERLE, 1997, p.15). infante, advinda de um sistema político autoritário e de exceção do qual ainda existem vestígios, principalmente Porém, reconhece que em países em que os cida na educação para a participação política; à efetivação dãos não compartilham os valores, devido a rupturas do direito. Cria, assim, “um direito responsivo”, aberto no processo histórico de sedimentação da Democracia aos interesses e concepções éticas do homem comum. Constitucional, em que não há uma nação de cultura, (MACIEL; KOERNER, 2002) se faz necessário o comprometimento do Judiciário com A Democracia brasileira, não obstante seu processo de consolidação institucional, experimenta um déficit no modo do seu funcionamento, resultante da pre dominância do Executivo sobre o Legislativo e do insulamento da esfera parlamentar em relação à sociedade civil. Conquanto, observa-se reações da cida dania ao fechamento desses poderes às suas demandas e expectativas, através da busca crescente do Poder Judiciário contra leis, práticas da Administração ou omissões tanto do Executivo quanto do Legislativo (VIANNA apud MACIEL; KROENER, 2002). a concretização da Constituição, dos valores oriundos do consenso formal da qual emanou, com a ressalva de que não é imprescindível o domínio dos tribunais, mas de uma cidadania participativa que sobre eles atue (CITTADINO, 2007, p.06). Paulo Bonavides elabora outra advertência rela cionada a certo grau de dificuldade da abertura do processo quanto ao estágio de amadurecimento dos sistemas políticos democráticos de nações subdesen volvidas: Gisele Cittadino adverte que esta participação política no âmbito do Judiciário não deve presumir uma ausência de correspondência entre os textos normati vos7 e os cidadãos, pois “uma cidadania ativa não pode supor a ausência de uma vinculação normativa entre 7 Com a devida vênia à expressão utilizada pela autora, pre ferimos utilizar a expressão ausência de correspondência entre o texto normativo e os cidadãos, porque entendemos que foi neste sentido que empregou a palavra Direito, como texto normativo advindo do processo legislativo. Necessária esta observação porque consoante a concepção por nós compartilhada, o texto normativo não encerra o Direito, pois a norma se perfaz com a interpretação. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009 Demais, o método concretista da “Constituição aberta” demanda para uma eficaz aplicação a presença de um sólido consenso democrático, base social estável, pressupostos institucionais firmes, cultura política bas tante ampliada e desenvolvida, fatores em dúvida difíceis de achar nos sistemas políticos e sociais de nações subdesenvolvidas ou em desenvolvimento, cir cunstância essa importantíssima, porquanto logo inva lida como terapêutica das crises aquela metodologia cuja flexibilidade engana à primeira vista (BONAVIDES, 2003, p.516). Feitas estas observações, sobremaneira pertinen tes, de que o estágio de amadurecimento do sistema | 163 político democrático pode não culminar no auto-reco nhecimento da “comunidade aberta de interprétes”, na expressão de Häberle, como comunidade políticojurídica autora de seu direito, há que ser feitas duas observações. A primeira de que o Judiciário deve estar imbuído do compromisso com a efetivação da Constituição e dos valores democráticos, funcionando como dito pelo próprio Härbele, como um intérprete qualificado. A segunda é no sentido de resgatar a noção da antiguidade clássica romana, de que Direito é, sobretudo, prudência, de determinadas ações, especialmente aquelas de natu reza coletiva e/ou de dimensão constitucional – ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, etc., torna-se um instrumento privilegiado de participação política e exercício permanente da cidadania (GUERRA FILHO apud DEL PRÁ, 2008, p.73). O advento da Ação civil pública, a legitimidade do Ministério Público para a propositura de ações, o poder geral de cautela do magistrado, a mitigação ao princípio da demanda, o desenvolvimento de microssistemas, a responsabilização de pessoas jurídicas, as tutelas e que, portanto, “a comunidade de interpretes” é de urgência e todo o desenvolvimento recente dos qualificada neste quesito e sob este aspecto. Nesta institutos de Processo Civil buscaram a superação do esteira é crucial a abertura do processo à participação modelo individualista de demanda e instrumentaliza democrática, à “comunidade aberta de intérpretes”, ao ram crescente politização do Poder Judiciário. cidadão da polis. 3 A tutela dos interesses coletivos: marco para a abertura democrática do processo A abertura do Processo teve início com a criação de institutos processuais aptos a salvaguardar os dis positivos constitucionais que fixaram direitos subje tivos transindividuais. O direito coletivo à efetivação da Constituição fez com que o Judiciário passasse a atuar no espaço público e que os institutos processuais, que se destinavam às demandas individuais, evoluíssem para a tutela de interesses coletivos. O novo Direito Processual remodelou sua legitimidade, surgindo a tutela coletiva A tutela coletiva tem condições de instrumentalizar o controle de políticas públicas de modo a fornecer à Constituição densidade suficiente para a tutela de Direitos transinidividuais (FREIRE JÚNIOR, 2005, p.97). A implantação de políticas públicas é dever do admi nistrador, que se não as realizar conforme manda a Cons tituição e a legislação respectiva, poderá ser acionado, jurisdicionalmente, por qualquer legitimado coletivo, interessado arrolado nos art.s 5° da LACP e 82 do CDC (ALMEIDA apud FREIRE JÚNIOR, 2005, p.98). Dentre estes institutos, o Amicus Curiae se reveste de destaque sob a perspectiva da participação política. Inclusive, o projeto de lei que culminou na Lei 9.868/99, de autoria de Gilmar Ferreira Mendes, foi apresentado no mesmo ano (1997) em que o douto doutrinador traduziu a “sociedade aberta dos intérpretes da Cons tituição”, de Peter Härbele. e as ações correspondentes. 164 | Capelletti, já em 1976, apontava que “eram quatro os pontos nos quais seria necessária uma profunda reforma do processo civil tradicional, a fim de garantir um novo canal de acesso ao Judiciário: legitimidade ativa, garantias processuais (contraditório e ampla defesa) dos ausentes; efeitos da decisão (secundum eventus litis); e tipo de provimento e de sanção que se pode obter do juiz” (FREIRE JÚNIOR, 2005, p.97). 4 Análise do Amicus Curiae O processo Judicial que se instaura mediante a propositura do Amicus Curiae, no Year Books, no direito inglês 4.1 A origem do Amicus Curiae Del Prá, em dissertação de mestrado pela PUC/SP publicada em 2008 informa que, a respeito da origem Revista da medieval, este sujeito tinha papel meramente informa FAE partes, é terceiro interveniente ou auxiliar do juízo. tivo no processo, levando à Corte matérias de fatos Fredie Didier, em análise da natureza jurídica do desconhecidas desta. Tratava-se um sujeito imparcial Amicus Curiae, o enquadra como “um auxiliar do juízo” e desinteressado, e a discricionariedade do juiz em aceitá-lo, assemelhava-se, de certa forma, ao atual poder instrutório do juiz (DEL PRÁ, 2008). Segundo este autor, com a absorção do instituto pelo direito norte-americano, ele foi se afastando desta função neutra. Sobretudo no momento global pós II Guerra, quando organismos internacionais de proteção dos direitos humanos utilizaram-se deste instituto para pleitear sua participação em processos que tinham por objeto a violações destes direitos, nos mais diversos países. O autor traça acuradamente a evolução jurisprudencial e positivação deste instituto que integra “ao lado do juiz, das partes, do Ministério Público e dos auxiliares da Justiça – o quadro dos sujeitos processuais” (DIDIER, 2002, p.79), Já Milton Luiz Pereira identifica o Amicus Curiae como intervenção de terceiros, caracterizando para o autor, uma forma qualificada de assistência (PEREIRA, 2002, p.39-44). Para Del Prá, nos casos em que a manifestação se dá por iniciativa do juiz, este exerce função de auxiliar do juízo. Já nas hipóteses de intervenção voluntária assumiria a natureza de terceiro interveniente – inclu sive, sendo-lhe atribuídos os poderes de recorrer da em diversos países, a quem remetemos à leitura para decisão que indefere sua manifestação; sustentar que não fujamos do escopo de nosso trabalho. oralmente suas razões e juntar documentos, por Assim, o instituto evoluiu, em linhas gerais, para a configuração que tem hoje em nossa legislação, a exemplo – distinta daquelas do Código de Processo civil. O autor sustenta que a atuação distinta do participação de um terceiro desprovido de interesse Amicus Curiae nas duas hipóteses revela sua natureza direto em causas de repercussão social. Embora nos dúplice e que, a depender da modalidade de ingresso, Estados Unidos, admita-se a participação do Amicus será determinada sua modalidade de participação Curiae mesmo sem a transcendência social da matéria (DEL PRÁ, 2008). debatida, isto porque os ordenamentos da common Para o citado autor, a resistência em admitir o law não possuem disciplina semelhante à intervenção instituto como uma hipótese da intervenção de tercei de terceiros dos sistemas de civil law, servindo o Amicus ros está na tendência de interpretação restritiva das Curiae a sanar essa lacuna. hipóteses cabíveis de intervenção de terceiros em O autor aponta a origem do instituto, em nosso processo alheio, cara ao nosso sistema processual, de ordenamento, nas previsões legais de manifestação, tradição romano-germânica, que teve Liebman por nos processos com que tenham pertinência temática, expoente e influenciador de nossas codificações. da CVM – Comissão de Valores Mobiliários, do CADE – No entanto, o próprio autor alude à dificuldade Conselho Administrativo da Defesa Econômica e do de enquadramento do instituto nas categorias legais INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial existentes, visto que os terceiros arrolados no CPC, só são (DEL PRÁ, 2008). terceiros, até o momento de sua entrada no processo, quando, então, adquirem a qualidade de parte, somente 4.2 A natureza jurídica do Amicus Curiae permanecendo como terceiro o assistente. Assim, a intervenção do Amicus Curiae não seria No que tange a este ponto, a celeuma está em saber a intervenção do clássico terceiro interessado, visto se o Amicus Curiae, ora sujeito neutro que informa à que o interesse que o legitima não é próprio, mas um Corte questões de fato, ora sujeito parcial, embora não interesse que decorre da transcendência do objeto comprometido diretamente com a vitória de uma das da causa, um interesse, por falta de termo melhor, Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009 | 165 público, respaldado, imediatamente, na lei autoriza processo como assistentes litisconsorciais ou Amicus dora, mediatamente no princípio democrático e na Curiae (DEL PRÁ, 2008). legitimação da Jurisdição. Na ADPF, a possibilidade legal de participação do Sob o aspecto procedimental, os terceiros clássi Amicus Curiae está no artigo 6º, parágrafo 1º, como cos, como dito, à exceção do assistente, depois de seu possibilidade de manifestação, para o fim de fornecer ingresso no processo, transformar-se-iam em partes, elementos técnicos, fáticos ou jurídicos para a melhor o que não ocorre com o Amicus Curiae, dada a sin construção da decisão. Uma especificidade digna de nota gularidade de seu interesse, em qualquer dos casos em é que na ADPF a participação voluntária é autorizada a que é previsto, ou especialmente em sede de controle “quaisquer interessados”, não somente aos “órgãos e concentrado, pois nesta seara nem mesmo há partes entidades”. (DEL PRÁ, 2008). Também é possível a participação do Amicus Curiae em sede de Controle Difuso. Neste caso se dará sempre 4.3 As hipóteses legais de participação do Amicus Curiae voluntariamente. Poderão assumir a sua função, nos termos da Lei 9.868/99 “as pessoas jurídicas de direito público responsáveis pelo ato impugnado, os co- As ações de controle concentrado, abstratas e obje legitimados do artigo 103 da Constituição e quaisquer tivas, não servem à defesa de interesses subjetivos de outros órgãos e entidades”. Neste ponto, há que se particulares ou terceiros. O interesse a ser resguardado salientar a inovação operada pela Emenda Constitucional no palco do judicial review é a guarda da Constituição. nº 45 que instituiu a “Repercussão Geral da matéria” como Desta forma, poderia parecer inadequada a intervenção condição de admissibilidade do Recurso Extraordinário, ao do Amicus Curiae em processo objetivo, o que se trata adicionar o parágrafo 3º ao artigo 102 da Constituição de engano, haja vista a intervenção do Amicus Curiae Federal, nos seguintes termos: não atender, dada a feição da lei 9.868/99, ao clássico arcabouço da intervenção de terceiros. Desta forma, a participação do Amicus Curiae em processo objetivo de controle de constitucionalidade, reveste-se da elogiável função de trazer a sociedade ao debate, ao diálogo constitucional. Considerando a Art. 102 [...] § 3º No recurso extraordinário, o recorrente deverá demonstrar a Repercussão Geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros (BRASIL, 2008, p.35). preconizada legitimidade discursiva do Judiciário, a figura Por Repercussão Geral, conforme expõe André deste instituto reforça esta legitimidade, posto que trará Ramos Tavares em seu Curso Direito Constitucional, “outras vozes” à confecção do discurso constitucional. deve-se compreender as temáticas que afetem um A previsão de possibilidade de participação do grande número de populares, que aborde de assuntos Amicus Curiae na ADIN está no artigo 7º, parágrafo 2º, relevantes e significativos socialmente, transcendendo da Lei 9.868/99, havendo “relevância da matéria e aos interesses processuais das partes (TAVARES, 2007). a representatividade dos postulantes” admite-se a Destarte, observe-se que a “Repercussão Geral da “manifestação de outros órgãos e entidades”. Há matéria” – requisito para a análise do Recurso Extraor possibilidade de participação do Amicus Curiae também dinário, e, portanto, da Jurisdição Constitucional na na ADC, por analogia. modalidade concreta em grau recursal – coaduna-se Del Prá acentua a possibilidade dos co-legitimados com a repercussão social da causa ou relevância da à propositura das Ações Constitucionais ingressarem no matéria, requisito para a admissão do Amicus Curiae. 166 | Revista da FAE O que evidencia não só o cabimento da participação de qual, “eventuais interessados, ainda que não sejam Amicus Curiae em sede de Recurso Extraordinário, mas partes no processo, poderão se manifestar, no prazo de também, a consonância de propósitos destes requisitos trinta dias”. de admissibilidade. Ainda no âmbito da uniformização de jurisprudência, A previsão legal infraconstitucional da Repercussão o mesmo dispositivo aplica-se também, por previsão Geral está assentada no Código de Processo Civil, nos expressa, ao processamento do Recurso Extraordinário, artigos 343-A e 543-B acrescidos pelo advento da Lei hipótese inclusive reconhecida pela Emenda Regimental nº 11.418/06. Bem como no Regimento Interno do 12 de 12/12/2003, do STF. STF que disciplina a matéria nos artigos 322 a 328. A Repercussão Geral delimita a competência recur sal do STF às questões com relevância social, política, econômica ou jurídica. Por este motivo, o parágrafo 6º do artigo 543-A do Código de Processo Civil favorece a intervenção de terceiros em sua análise, in verbis: “O 5 Amicus Curiae: instituto de legitimação e participação democrática no judiciário politizado Relator poderá admitir, na análise da Repercussão Geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador O instituto em análise corrobora com a abertura habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo do processo, de modo a ampliar a participação da Tribunal Federal.” Embora o Amicus Curiae, não seja sociedade na realização da tutela Jurisdicional, uma um dos clássicos casos de intervenção de terceiros, sua abertura democrática do processo hermenêutico, admissibilidade é necessidade teleológica estabelecida nos moldes da doutrina de Peter Härbele. Este autor pelo liame estabelecido entre a Repercussão Geral e a aborda a legitimidade da pluralidade de intérpretes transcendência da matéria. pelo viés da Teoria da Democracia. Para ele, embora A admissibilidade de terceiro na análise da Reper cussão Geral consagra a proposta de Peter Häberle no tocante a “sociedade aberta dos interpretes da Constituição” estes intérpretes não tenham legitimação represen tativa, isto não lhes retira a legitimidade. Porque Democracia não se exerce somente por representação, mas numa sociedade aberta, principalmente, pela realização dos Direitos Fundamentais e pela inter A interpretação constitucional é, em realidade, mais um elemento da sociedade aberta. Todas as potências públicas, participantes materiais do processo social, estão nela envolvidas, sendo ela, a um só tempo, elemento resultante da sociedade aberta e um ele mento formador ou constituinte dessa sociedade. [...] Os critérios de interpretação constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais pluralista for a socie dade (HÄBERLE, 1997, p.13). pretação pluralista da Constituição. Por isto, defende Há também previsão de manifestação do Amicus da soberania política, espaço público de participação Curiae no pedido de uniformização de interpretação de democrática, aberto ao ativismo de agentes sociais e lei federal, figura do art. 14 da Lei 10.259/01, fundada na judiciais na produção plural da cidadania, através do divergência de decisões das Turmas Recursais da mesma processo. Espaço de representação funcional atrelada à região, no âmbito dos Juizados Especiais Federais. Tal cidadania social, no conceito de Werneck Vianna, para a previsão assenta-se na parte final do parágrafo 7º, pelo consolidação da Democracia Constitucional de Dworkin. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009 a substituição do conceito de “democracia do povo”, fundada na soberania popular, pelo de “democracia do cidadão”, fundada nos Direitos Fundamentais. Destarte, o pluralismo dos Direitos Fundamentais converte-se no cerne da Constituição Democrática (HÄRBELE, 2002, p.39). O Poder Judiciário constitui-se espaço de exercício | 167 A participação popular passa a não mais restringir-se à esfera política, no sentido, v.g, de representação direta pelo voto, mas, ao contrário, inunda campos maiores de atuação, possibilitando mais amplo debate nas instâncias jurisdicionais, objetivo de fazer valer os direitos constitucionalmente assegurados, quer de forma individual, quer coletiva (DEL PRÁ, 2008, p.73). A pluralidade da sociedade reclama a expansão da previsão de participação do Amicus Curiae sempre que a transcendência do objeto da ação o justificar, em processo objetivo de controle de constitucionalidade, em controle difuso, em ações coletivas, ou outras hipóteses, que entendemos, devem ser ampliadas. Chegou-se a um estágio no reconhecimento, em todas as instâncias, da politização do Judiciário, politização esta que faz necessária a extensão dos institutos de abertura democrática do processo para além dos limites do processo objetivo de controle de constitucionalidade, ao procedimento das ações coletivas. [...] é necessária a modificação da lei de ação civil pública para permitir que, durante o processo, haja essa abertura como forma de viabilizar que o juiz, ao decidir, tenha plena consciência de todas as teses efetivamente extraíveis do caso em questão. [...] Essa abertura provoca até mesmo a superação do pseudodéficit democrático, pois, permitindo a participação direta da sociedade na resolução da demanda, não há que se falar em falta de legitimidade para uma importante decisão judicial sobre políticas públicas (FREIRE JÚNIOR, 2005, p.107). Trazer a sociedade pluralista à participação política, no âmbito do Poder Judiciário, reforça a legitimidade democrática deste poder. Democratizar as discussões A composição do Supremo Tribunal Federal deve ser plural, porque permitirá a participação das forças políticas imperantes na sociedade, e conseqüentemente menores serão as resistências às suas decisões. [...] Há a formação de uma simbiose intrínseca entre o órgão que exerce a jurisdição constitucional e os demais estabelecidos, impedindo que as decisões de tutela da Constituição sejam tomadas através de um forma lismo auto-referencial, alienadas das demandas sociais (AGRA, 2005, p.284). Além disto, a democratização dos debates impede o arbítrio, a argumentação hermética, a distância das contingências sociais e enriquece a jurisprudência. Existem muitas formas de legitimação democrática, desde que se liberte de um modo de pensar linear e eruptivo, a respeito da concepção tradicional de democracia. Alcança-se uma parte considerável da democracia dos cidadãos (Burgerdemokratie) com o desenvolvimento interpretativo das normas consti tucionais. A possibilidade e a realidade de uma livre discussão do indivíduo e de grupos “sobre” e “sob” as normas constitucionais e os efeitos pluralistas sobre elas emprestam à atividade de interpretação um caráter multifacetado. [...] A sociedade tornou-se aberta e livre, porque todos estão potencial e atualmente aptos a oferecer alternativas para a interpretação constitucio nal. [...] os instrumentos de informação dos juízes cons titucionais devem ser ampliados e aperfeiçoados, es pecialmente no que se refere às formas gradativas de participação e à própria possibilidade de participação no processo constitucional (especialmente nas audiências e nas intervenções). Devem ser desenvolvidas novas formas de participação das potências públicas pluralistas enquanto intérpretes em sentido amplo da Constituição (HÄRBELE, 2002, p.39). travadas no STF, estabelecendo um diálogo com os Del Prá, fazendo menção à teoria de Niklas setores organizados da sociedade civil, não acarreta Luhmann, afirma que: “Na verdade, a legitimação do ato na perda de independência do Tribunal Constitucional, de poder não se dá somente em razão da observância confere-lhe maior legitimidade social, visto que a do procedimento previsto, mas principalmente pela interpretação da norma não interessa apenas aos seus participação dos destinatários que essa observância intérpretes formais, mas a todos aqueles que convivem proporciona” (DEL PRÁ, 2008, p.198). na sociedade. Quanto maior o respaldo que seus membros gozarem na sociedade, maior será a autoridade de suas decisões. 168 | Porém, este trabalho não pode se furtar a men cionar, ainda que brevemente, que a legitimidade do Judiciário é também discursiva. Repousa também Revista da na capacidade de convencimento do argumento, na FAE Conclusão capacidade de, diante das inerentes tensões da demo cracia, escolher um dos argumentos dentre os que colidem na “comunidade de valores compartilhados”, para criar algum nível de consenso, a partir de uma verificação racional do argumento. Embora a representatividade seja instituto essen cial das democracias, estas não são configuradas apenas por ela. Com o advento do Estado Social de Direito, e o que se assistiu após ele, as democracias Neste ponto, há que se ressaltar a doutrina de agregaram ao seu conceito um conteúdo finalístico, Habermas, em que a legitimação discursiva se opera assumindo como sua razão de ser a realização dos pelo alcance da “verdade consensual”, advinda do Direitos Fundamentais. debate, da construção do consenso a partir do dis Na Democracia Constitucional, surgem outros senso, externada em linguagem “autêntica, justifi espaços políticos de atuação da cidadania que não os cável e cons ensual”. Para o estudo da legitimidade clássicos métodos de representação, entre os quais se discurs iva há que se entender o discurso normativo destaca o Judiciário, que em crescente atuação política, (HABERMAS, 1997) reinventa a sua Jurisdição e legitimidade. Pode-se assim dizer que a administração da justiça é o resultante de um paralelogramo de forças no qual os vetores dominantes são a consciência jurídica formal e a consciência jurídica material, A decisão obtida é determinada pelo efeito combinado da interpretação cognoscitiva da lei e da atitude valorativa da consciência jurídica. Seria errôneo limitar a atividade valorativa àquelas ocasiões, relativamente raras, nas quais ela se manifesta como desvio do resultado a que conduziria uma interpretação meramente cognoscitiva da lei. A consciência jurídica material está presente em todas as decisões. [...] Se os postulados político-jurídicomorais de sua consciência jurídica tivessem levado o juiz a considerar que a decisão era inaceitável, este teria podido também, mediante uma argumentação adequada, descobrir a via para uma melhor solução (ROSS, 2000, p.168-169). Desta forma, são reinventados também os instru mentos processuais, de modo a possibilitar a abertura do processo à participação democrática. A este desi derato serve o Amicus Curie, numa demonstração de que o processo adequa-se à nova roupagem das Democracias Constitucionais, na qual a necessidade de inclusão das minorias e a proteção dos Direitos Fundamentais são imperiosas. A participação política no Poder Judiciário, legi timada pela vontade do poder Constituinte e pela opinião pública, cerceia o excesso do poder constituído e contorna uma grave crise de representatividade ins taurada que ameaça transformar a Democracia em teorema formal. Assim, participação do Amicus Curiae é partici Assim, a participação direta da sociedade na pres pação do cidadão na vida pública na seara do Poder tação jurisdicional pelo instrumento do Amicus Curiae; Judiciário, possibilita o pluralismo e complementa a para além dos limites liberais da ampla defesa e do Democracia representativa, pelo viés da concretização contraditório, que atendem aos interesses das partes; os Direitos Fundamentais. De modo a consolidar a em situações em que o debate hermenêutico judicial “Democracia Constitucional Participativa” em detrimento tem transcendência social, tende a pacificar as tensões da “Democracia Majoritária”, pelo reconhecimento entre os vários argumentos existentes na “comunidade de uma representação política, ou funcional, atrelada de interpretes” – que em uma democracia deve à cidadania social, exercida pela comunidade de participar dos atos de poder – criando uma decisão intérpretes e agentes judiciais. com força argumentativa potencialmente indutora de consenso. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009 Estabelecido o direito “à máxima efetividade da Constituição”, tendo a função jurisdicional deixado de | 169 ser reguladora de conflitos intersubjetivos, consagrou-se Por tudo quanto exposto, há que se buscar o o Judiciário como um cenário político apto a realizar aumento da participação política do jurisdicionado, as prestações sociais do Estado Democrático Consti de sua consciência e compromisso com a Constituição, tucional, com a participação do cidadão, que não é e, por fim, o aumento da participação, da figura do mais o Jurisdicionado inerte de outrora. Amicus Curiae. Assim, considerando a premissa de que a Juris prudência cria direito, porque a norma se perfaz no momento da interpretação, os cidadãos participam da criação do direito estatal pela interpretação e aplicação do direito, não somente pela representatividade confe rida ao Legislativo, mas pela via judicial. O Poder Judiciário é poder político, suas instâncias são espaços democráticos de atuação e produção política, não representativa, mas participativa, regidos por regras de processo. Assim, o Judiciário realiza os valores e princípios democráticos constitucionais, pela participação dos cidadãos e atores estatais, na concre tização dos valores fundamentais. •Recebido em: 18/06/2009 •Aprovado em: 19/10/2009 Referências ADEODATO, J. M. Ética e retórica. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. ALVES, R. L. Montesquieu e a teoria da tripartição dos poderes. Jus Navigandi, Teresina, v.8, n.386, jul. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5484>. Acesso em: 10 mar. 2007. AGRA, W. M. A reconstrução da legitimidade do Supremo Tribunal Federal: densificação da jurisdição constitucional brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2005. ARISTÓTELES. A política. São Paulo: Hemus, 2005. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nº 01/92 à 56/2007. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2008. BOBBIO, N. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. 5.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. BONAVIDES, P. Do estado liberal ao estado social. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2001. ______. Teoria constitucional da democracia participativa: por um direito Constitucional de luta e resistência, por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2003. CAPPELLETTI, M. Juízes legisladores? Porto Alegre: S. A. Fabris, 1993. COMPARATO, F. K. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. In: MELLO, Celso Antonio Bandeira (Org.). Direito administrativo e constitucional: estudos em homenagem a Geraldo Ataliba. São Paulo: Malheiros, 1997. p.343-359. 170 | Revista da FAE CRUZ, J. G. Politização da justiça constitucional ou constitucionalização da justiça? Disponível em:<http:// ultimainstancia.uol.com.br/ensaios>. Acesso em: 02 dez. 2006. CUNHA JUNIOR, D. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004. ______. Curso de direito constitucional. Salvador: JusPodivm, 2007. DALLARI, D. A. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 2002. ______. Separação de poderes e garantia de direitos. Folha de São Paulo, São Paulo, 04 fev. 2006. Disponível em: <http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=247679>. Acesso em: 06 dez. 2006. ______. O que é participação política? São Paulo: Brasiliense, 1999. (Primeiros Passos, 104). DEL PRÁ, C. G. R. Amicus Curiae: instrumento de participação democrática e de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2008. DIDIER JUNIOR, F. Recurso de terceiro: juízo de admissibilidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. DWORKIN, R. A matter of principle. Cambridge, MA: Harvard University, 1985. FREIRE JÚNIOR, A. B. O controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. GUERRA FILHO, W. S. Introdução ao direito processual constitucional. Porto Alegre: Síntese, 1999. HÄBERLE, P. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1997. HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. HESSE, K. A força normativa da constituição. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1991. LEITE, G. S. Direito e política: a politização da justiça constitucional é inevitável. Disponível em: <http://conjur.estadao.com. br/static/text/41320,1>. Acesso em: 11 nov. 2006. LOCKE, J. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: M. Claret, 2002. MACIEL, D. A.; KOERNER, A. Sentidos da judicialização da política: duas análises. Lua Nova: revista de cultura e política, São Paulo, n.57, p. 113-134, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 06 jun. 2006. MALISKA, M. A. Acerca da legitimidade do controle da constitucionalidade. Revista Crítica Jurídica, Curitiba, n.18. Disponível em: <http: //www.unibrasil.com.br>. Acesso em: 11 nov. 2006. MONTESQUIEU, C. S. O espírito das leis. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. PEREIRA, M. L. Amicus Curiae: intervenção de terceiros. Revista de Direito Renovar, Rio de Janeiro, v.24, p.11-17, set./dez. 2002. ROUSSEAU, J. Discurso sobre o fundamento e as origens das desigualdades entre os homens. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. SADEK, M. T. A. Poder judiciário: perspectivas de reforma. Opinião Publica, Campinas, v.10, n.1, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.br>. Acesso em: 11 nov. 2006. SIEYÉS, E. J. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. TAVARES, A. R. Partido-politização da justiça constitucional. Folha de São Paulo, 04 fev. 2006. Disponível em: <http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=247679>. Acesso em: 06 dez. 2006. ______. Curso de direito constitucional. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. VIANNA, L. W. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999. Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009 | 171 Orientações aos colaboradores da Revista da FAE Histórico e missão A Revista da FAE, existente desde 1998, é um espaço para divulgação da produção científica e acadêmica de temas multidisciplinares, que enfoca, principalmente, as áreas de administração, contabilidade, economia, direito, engenharia, educação, sistemas de informação, psicologia e filosofia, com o intuito de discutir o posicionamento das organizações e o desenvolvimento local. Por ter como missão fomentar a produção e a disseminação de conhecimento em áreas correlatas à discussão sobre a gestão de negócios e o posicionamento das organizações no processo de desenvolvimento local, entre nossos leitores, encontram-se professores, alunos de graduação e pós-graduação, consultores, empresários e profissionais de empresas públicas e privadas. Objetivo o processo de desenvolvimento da organização. Trata-se de uma visão holística sobre a gestão de negócios, a partir de uma abordagem multidisciplinar das áreas de ciências sociais aplicadas (administração, contábeis e economia), jurídica (direito) e exatas (engenharias). Já com o tema organizações e desenvolvimento, o objetivo é analisar o papel e a interação da organização, qualquer que seja sua origem ou situação societária, no processo de sustentabilidade econômica, social, ambiental e política. Além de trabalhos puramente teóricos, serão aceitos para apreciação artigos resultantes de estudos de casos ou pesquisas direcionadas que exemplifiquem ou tragam experiências, fundamentadas teoricamente, e que contribuam com o debate estimulado pelo objetivo da revista. Enfatiza-se a necessidade de os autores respeitarem as normas estabelecidas nas Notas para Colaboradores, especialmente as referentes ao limite de tamanho. Os trabalhos serão publicados de acordo com a ordem de aprovação, porém será priorizado o conteúdo multidisciplinar do debate. O objetivo da Revista da FAE é promover a publicação de temas relacionados à gestão de negócios e à inserção das organizações no processo de desenvolvimento local. Todos os artigos estão disponíveis para download, exceto a última edição. A Revista da FAE deseja motivar e instigar os seus leitores a compreenderem o papel das organizações no processo de desenvolvimento local, tendo acesso à discussão de temas atuais e relevantes para definição estratégica e operacional das organizações. Focos Assim, será dada prioridade à publicação de artigos que, além de inéditos, nacional e internacionalmente, versem sobre o papel das organizações no desenvolvimento local e discutam sobre temas contemporâneos da gestão de negócios. Orientação editorial Os trabalhos selecionados pela Revista da FAE serão aqueles que abordem temas relacionados ao seu objetivo, ou seja, que se refiram a ferramentas, técnicas e teorias relacionadas à gestão de negócios e à função das organizações no processo de desenvolvimento local. Com o tema gestão de negócios, visa-se contribuir com o debate sobre sistemas de gestão de produção e gestão econômica de sistemas produtivos, com o intuito de discutir O principal requisito para publicação na Revista da FAE consiste em que o artigo represente, de fato, contribuição científica. Tal requisito pode ser desdobrado nos seguintes tópicos: • O tema tratado deve ser relevante e pertinente ao contexto e ao momento e, preferencialmente, pertencer à orientação editorial. • O referencial teórico-conceitual deve refletir o estado da arte do conhecimento na área. • O desenvolvimento do artigo deve ser consistente, com princípios de construção científica do conhe cimento. • A conclusão deve ser clara e concisa e apontar implicações do trabalho para a teoria e/ou para a prática administrativa. Espera-se, também, que os artigos publicados na Revista da FAE desafiem o conhecimento e as práticas estabelecidas com perspectivas provocativas e inovadoras. Escopo • As referências bibliográficas devem ser citadas no corpo do texto pelo sistema autor-data. As referências A Revista da FAE tem interesse na publicação de artigos de desenvolvimento teórico e trabalhos empíricos. Os artigos de desenvolvimento teórico devem ser bibliográficas completas deverão ser apresentadas em ordem alfabética no final do texto, de acordo com as normas da ABNT (NBR-6023). sustentados por ampla pesquisa bibliográfica e devem propor • Diagramas, quadros, figuras e tabelas devem ser novos modelos e interpretações para fenômenos relevantes numerados sequencialmente, apresentar título e fonte, com relação à gestão de negócios e à interação das organiza- bem como ser referenciados no corpo do artigo. ções no desenvolvimento local. • Os artigos deverão ser enviados em disquete ou CD, Os trabalhos empíricos devem fazer avançar o acompanhados de duas vias impressas ou via e-mail conhecimento na área, por meio de pesquisas metodologi- em arquivo eletrônico anexo. O autor receberá a camente bem fundamentadas, criteriosamente conduzidas confirmação de recebimento. e adequadamente analisadas. Notas para colaboradores Permuta A Revista da FAE faz permuta com as principais faculda- A Revista da FAE está aberta a colaborações do Brasil e do des e universidades do país. exterior. A pluralidade de abordagens e perspectivas é incentivada. Podem ser publicados artigos de desenvolvimento teórico e artigos baseados em pesquisas empíricas (de 5.000 a 8.000 palavras). A aceitação e publicação dos textos implicam a trans- Assinatura Periodicidade: Anual ferência de direitos do autor para a Revista. Não são pagos Valor: R$ 50,00 direitos autorais. • Para assinar, favor entrar em contato pelo telefone Os textos enviados para publicação são apreciados por (41) 2105-4093 ou [email protected] pareceristas pelo sistema blind review. Os artigos deverão ser encaminhados para o Núcleo de Pesquisa Acadêmica (NPA) com as seguintes características: • Em folha de rosto deverão constar o título do trabalho, Envio de artigos Os artigos deverão ser encaminhados para: o(s) nome(s) completo(s) do(s) autor(es), acompanhado(s) de breve currículo, relatando experiência profissional e/ou acadêmica, endereço, números do telefone e do fax e e-mail. • A primeira página do artigo deve conter o título FAE Centro Universitário Núcleo de Pesquisa Acadêmica Rua 24 de Maio, 135 (máximo de dez palavras), o resumo em português 80230-080 Curitiba/PR (máximo de 250 palavras) e as palavras-chave E-mail: [email protected] (máximo de cinco), assim como os mesmos tópicos vertidos para o inglês (title, abstract, keywords). Fone: (41) 2105-4093 - Fax (41) 2105-4080 • A formatação do artigo deve ser: tamanho A4, editor de texto Word for Windows, margens 2,5 cm, fonte 174 | times new roman 13 e/ou arial 12 e espaçamento Agradecemos o seu interesse pela Revista da FAE e 1,5 linha. esperamos tê-lo(a) como colaborador(a) frequente.