2015
ANOXXII | NÚMERO25
JULHO2015
www.ceapia.com.br
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A exigênci
28 e 29/Agosto/2015
AMRIGS/Av. Ipiranga, 5311
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ATUALIDADE
pg. 04 e 05
ADOLESCÊNCIA
LÍTICOS
E MOVIMENTOS PO
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ESPAÇO CULTUpgR. 12Ae 13
MARCA PÁGINA
SESSÃO PIPOCA &
AUTISMO,
AMBIENTOTERAPIA
E PSICANÁLIS.E14
pg
1
EDITORIAL
Bem vindos ao Boletim 2015! É com
grande satisfação que apresentamos ao
leitor nosso informativo anual, recheado
de temáticas interessantes e importantes
informações sobre o que tem acontecido
em nossa Instituição.
Primeiramente, a Presidente do
CEAPIA, Cátia Mello, nos apresenta um
texto reflexivo sobre a cultura na qual
estamos inseridos e as hiperdemandas
da atualidade, principalmente no que se
refere à infância, estimulando o leitor a
pensar sobre o papel do psicoterapeuta de crianças e adolescentes no atual contexto,
introduzindo o leitor ao assunto da nossa próxima Jornada “A exigência da Infância”.
Na coluna Atualidade, a psicóloga Luciane David escreve sobre os jovens e as
manifestações políticas, refletindo sobre a importância da participação da juventude
nos movimentos sociais, tendo em vista o processo adolescente e os aspectos
desenvolvimentais.
Dando seguimento às temáticas da atualidade, Paula Milagre e Norma Escosteguy
compartilham com o leitor algumas ideias de Boris Cyrulnik, a partir de uma entrevista
que este autor concedeu a um jornal francês, após os violentos acontecimentos ocorridos
no início deste ano, na França.
Como vimos no ano passado, em nossa última Jornada, as tecnologias estão cada
vez mais presentes em nosso cotidiano. No ambiente escolar não pode ser diferente.
Ana Margarida Chiavaro nos fala sobre como os tablets estão sendo aproveitados nas
salas de aula, a partir da Educação Infantil. Falando em salas de aula, contamos também
com o Ponto de Vista da nossa colega ceapiana Márcia Fridman e de Mônica Timm
de Carvalho sobre uma nova proposta educacional que implementa o turno integral
nas escolas de Ensino Fundamental, exigindo mudanças de todos os envolvidos nos
processos educacionais.
Como já mencionamos, nossa XXXVI Jornada Anual versará sobre o tema “A
Exigência na Infância”. E para entramos no clima das discussões e trocas de experiências
que teremos nos dias 28 e 29 de agosto, as psicanalistas, professoras e supervisoras do
CEAPIA, Lisiane Cervo e Magali Fischer, convidadas da Jornada, compartilham conosco
suas ideias e percepções sobre esse atual e instigante tema.
No Espaço Cultural, a Sessão Pipoca conta com um texto da colega Luciana Grillo
sobre o lindo e sensível filme francês “Família Belier”, que esteve em cartaz nos cinemas
no verão. Já na coluna Marca Página, Cláudia de Carli escreve uma resenha do tocante e
intenso livro “O Castelo de Vidro”. Ainda contamos com dicas de filmes e livros para o
entretenimento do leitor!
Também, ao longo do Boletim, temos notícias de alguns setores de nossa Instituição,
que escreveram sobre o que têm estudado e sobre alguns eventos que participaram ou
organizaram.
O tema “Autismo” tem sido muito estudado no CEAPIA, visto o curso que tivemos
ao longo de todo o ano passado. E por ser um tema tão relevante, nossas colegas e
integrantes da equipe de Ambientoterapia, Vanessa Giaretta e Paula Milagre, dividem
com os leitores suas convicções e experiências na intersecção autismo e psicanálise no
contexto ambientoterápico.
Parabenizamos a colega Paula Milagre pelo trabalho premiado na Jornada Interna
dos alunos de 2014, que tinha o título “Uma mente em construção: reflexões sobre a
evolução de uma criança no processo psicoterapêutico”.
Para finalizar, o leitor encontrará informações sobre os nossos próximos eventos,
cursos e grupos de estudos.
Agradecemos a todos os colegas que gentilmente aceitaram nosso convite para
escrever ao Boletim e também a Natália Kämpf e a Renata Pechansky Axelrud, que
integram nossa comissão, colaborando diretamente para organização deste informativo
junto conosco!
Esperamos que tenham uma agradável leitura!
Grande abraço!
2
*Os conteúdos dos textos e as produções
científicas são de responsabilidade dos autores.
CEAPIA - Centro de Estudos,
Atendimento e Pesquisa
da Infância e Adolescência.
O Boletim CEAPIA é uma
publicação do CEAPIA.
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Diretoria - Gestão 2015
Presidente
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Vice-Presidente
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Secretária
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Codiretora Administrativa
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Coordenadora de Divulgação
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Comissão Científica e de Divulgação
Aline Bruschi, Aline Restano, Andrea Nieckele,
Cristiane Feil, Denise Botti, Débora Laks,
Fernanda Amorim, Fernanda Matte, Juliana
Garofalo, Mariana Santin, Marília Schmidt,
Paula Milagre, Philip Brew, Renata Kreutz,
Renata Pechansky e Vanessa Giaretta
Comissão de Currículo
Norma Escosteguy, Lisiane Cervo
e Inta Muller
Comissão de Ensino
Patricia Cohn, Paula Pecis, Ana Rita Taschetto,
Cibele Fleck, Henriqueta Sonaglio
Editora da Revista Publicação CEAPIA
Psic. Andrea Pereira
Comissão Editorial
Andréa Zelmanowicz e Luciana Grillo
Comissão de Pesquisa
Angélica Bernardy, Cristiane Feil, Eduarda
Lenz, Fernanda Amorim, Fernanda
Porto, Laura Arnoni, Luísa Mello
e Vanessa Giaretta
Conselho Editorial
Coordenadoras
Ana Luiza Bittencourt Berni e Letícia Orengo
Integrantes
Natália Kämpf e Renata Axelrud
Designer Gráfico
Bárbara Gurgel da Silva
Revisora Português
Mônica Gomes Vico
Tiragem 500 exemplares
PALAVRA DA PRESIDENTE
CÁTIA OLIVIER MELLO
Vivemos numa época definida como a da
hipermodernidade, caracterizada por uma cultura do
excesso. Tudo é urgente, tudo deve ter muita variedade de
cada coisa. Sempre. Agora. Porém, como a subjetividade não
consegue acompanhar as transformações exigidas por esta
cultura, a flexibilidade exagerada e a fluidez aparecem como
tentativas de seguir o ritmo alucinante que a vida impõe.
Hiperconsumo, hipertexto, hipercorpo, hipersexualidade:
tudo é elevado à maior potência possível. Assistimos hoje ao
consumo exagerado de todo o tipo de artigo e relacionamento,
à banalização dos sentimentos, da violência e à diluição
do tempo e da distância promovidos pela espetacular
utilização da Internet em todas as instâncias do cotidiano. A
hipermodernidade põe a descoberto, portanto, o paradoxo
da sociedade contemporânea: a cultura do excesso versus a
cultura da moderação.
Dentre as muitas modificações que se comprovam no
que diz respeito à vida de todos, destaco, para fins deste
texto, o fato de que já se observa que a realidade, imperfeita e
inacabada por definição, vem sendo substituída por imagens
e simulacros mais bem terminados e perfeitos (fotos ou
vídeos maravilhosos, pessoas sempre felizes, bem sucedidas
e sem nenhum sofrimento, por exemplo), impedindo assim
que nos defrontemos com a frustração de ter que terminar,
corrigir, refazer, nos desculpar ou mesmo abrir mão de algo
que não deu certo, não ficou tão bom, não era bem isso, não
era nada disso...
Mas cabe a nós, que trabalhamos com crianças e
adolescentes, pensar se essa nova realidade está alterando ou
não o desenvolvimento tal como se conhece até agora.
Uma maneira de refletir sobre isso é nos perguntar o que
é ser criança hoje. Sabemos que considerar os anos iniciais
da vida como um período distinto física e psicologicamente
da idade adulta é algo historicamente recente (séc. XVIII).
Caberia a pergunta acerca de se ainda há espaço e tempo
para que ocorra a infância ou se já necessitamos de outros
parâmetros para contar o desenvolvimento do ser humano.
Será mesmo...?
O que se espera de uma criança nos dias de hoje...? Que
cresça, se desenvolva e seja feliz, poderíamos responder.
Mas e as que não podem crescer ou se desenvolver porque
estão detidas em seu desenvolvimento por questões físicas
ou psicológicas? Essas não são crianças...? E as que não são
felizes...? Muitas crianças e, sem dúvida, todas as crianças
em algum momento da vida não são felizes. Por isso deixam
de ser crianças, ou ao menos deixam de ser as crianças que
exigimos que sejam...? Temos um modelo de criança em
mente atualmente? Ou ele é apenas um holograma do tempo
em que vivemos, no qual a realidade criada é mais interessante
do que a que “apenas” existe...? E os pais, como enfrentam
a diferença de gerações quando são protagonistas de uma
cultura na qual também deles é exigido que se desempenhem
perfeitamente como pais?
Na Jornada Anual do CEAPIA 2015: A exigência da
infância, além dessas questões também procuraremos refletir
sobre a nossa prática como terapeutas. Nós, que trabalhamos
com crianças, não estaremos exigindo demais das nossas
crianças? Sabemos o que é exigir demais ou já perdemos a
medida do que é bom ou pertinente? Queremos uma “cura”
mais real do que é possível se esperar da realidade? Quando
foi mesmo que a realidade virtual, perfeita, substituiu a vivida
e imperfeita?
Dirigir uma Instituição na qual se deve, penso eu,
promover a subjetividade de crianças e adolescentes
junto com suas famílias é um desafio nos tempos atuais. É
necessário que não se perca de vista que as necessidades
dessas crianças e adolescentes não são as mesmas de nossas
infâncias, e, por isso, devemos auxiliá-los a acompanhar o seu
tempo. E o seu tempo é rápido, é ágil, é dinâmico, é o tempo da
imagem, como já discutimos na Jornada Anual do CEAPIA
de 2014. Mas também é mister que seja proporcionado, a
exemplo de tantas outras épocas, que haja espaço e tempo
para a subjetividade se instalar. Quem sabe um outro tipo de
subjetividade, mas ainda assim uma subjetividade possível,
que dê conta da alma humana em desenvolvimento.
No momento em que estamos nos aproximando de
mais uma Jornada Anual do CEAPIA 2015, nos propomos
a refletir este ano sobre A exigência da infância de um
modo abrangente. Faremos isso como no ano passado:
sem respostas definitivas, mas empenhados em discutir as
questões propostas entre nós que trabalhamos na clínica,
entre colegas que, como nós, partilham das mesmas dúvidas,
que vivem os mesmos ou outros impasses. A nossa época
marca o fim das certezas, o que é bom e pode promover a
diversidade de pensamento e a complementariedade de
ideias e opiniões. Pensar sobre como estamos enfrentando a
mudança de paradigma na qual estamos imersos é algo que
cada terapeuta de crianças e adolescentes precisa refletir. E
discutir com seus colegas, trocar ideias e fazeres do dia-adia do convívio profissional com esta questão pode ser uma
maneira de trilhar esse caminho de forma não tão solitária.
3
ATUALIDADE
DESVENDANDO A TERRA DOS GIGANTES:
ADOLESCÊNCIA E MOVIMENTOS POLÍTICOS
crédito foto: dollarphotoclub
LUCIANE ROMBALDI DAVID - Psicóloga, Especialista em Psicoterapia da Infância e Adolescência pelo CEAPIA.
Os movimentos políticos e sociais têm estado em
evidência na mídia. É possível observar a participação
crescente de jovens em tais movimentos, organizados e
convocados através das redes sociais, locais de grande
domínio dos mesmos, veículos de liberdade e comunicação.
Pensarmos sobre esse tema se faz necessário para
que possamos, enquanto psicoterapeutas, compreender
a importância desses movimentos para o social e para o
exercício de cidadania dos adolescentes, além do que, o
engajamento dos jovens em movimentos políticos e sociais
pode ser um instrumento na avaliação do que é esperado
nessa fase do ciclo vital.
Para essa reflexão proponho uma incursão analógica
pelo que chamarei de terra dos gigantes. A terra dos
gigantes tem um solo arenoso, movediço, onde brotam
altos e baixos a cada instante. Avançar para dentro de
suas fronteiras é tarefa árdua. Diria que, para adentrá-la, é
preciso conversar com o gigante que habita dentro si, para
alguns há muito adormecido, para outros nem tanto.
Observemos sua rotina antes de tomar qualquer atitude
ou julgamento. Todos os dias há uma batalha travada em
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suas terras. Um dos objetivos de tais batalhas é matar os
pais de sua pequenez. Sim, porque os gigantes um dia já
foram pequenos. E tiveram pais detentores de todo o saber.
Têm que exterminá-los para que possam enxergar novos
referenciais e modelos que habitam em terras longínquas.
Precisam matar os pais para poderem enxergar além dos
muros e ultrapassar a miopia endogâmica.
Os gigantes têm o hábito de esbravejar, reclamar, brigar.
Há épocas em que se reúnem em bandos e tomam os
principais caminhos arenosos, em marcha, bradando em
coro seus descontentamentos.
Os governantes das terras longínquas se atrapalham
com tais manifestações gigantescas, observam de longe,
esperando para ver até onde seus gritos alcançam.
Estremecem as bases, mas não fazem ruir.
Outra característica observada na terra dos gigantes
é que eles costumam andar em bandos. Têm necessidade
de estar sempre conectados, seja pessoal ou virtualmente.
Precisam se comunicar e o fazem de vários modos, desde
a sutileza até a concretude. Escrevem, escutam música,
tocam instrumentos, desenham, batem portas, socam
paredes, choram, gritam, calam, entre outras formas. Não
será possível listar todos os modos de comunicação, pois
muitas vezes nem se percebe que estão se comunicando.
Há épocas nas quais os gigantes ficam sonolentos e
dispersos, oscilando entre o contato com outros gigantes e
o contato consigo mesmo. Dão um respiro aos governantes.
Estes, porém, ficam ressabiados, pois não conseguem
prever quando os gigantes vão acordar novamente.
Em terra de gigantes é preciso de
tradutores. Não é possível observar
muito diálogo entre gigantes e
governantes. A alfândega é muito
turbulenta, não falam a mesma
língua.
Os
adolescentes,
temíveis
gigantes causadores de alvoroço,
têm um papel muito importante
no cenário político e democrático.
Ao participarem de movimentos
sociais e políticos (se bem que todos
os movimentos sociais são políticos
em alguma medida), como os que
têm sido observados no Brasil nos
últimos anos, mais especificamente
desde as jornadas de junho de
2013, surgindo uma nova onda de
manifestações desde as últimas
eleições, questionam a ordem e
buscam revisar as relações objetais
onipotentes de uma infância bem
próxima, da qual estão lutando por
desvencilhar-se, pois é impossível
seguirem submetidos a esses objetos
detentores de todo o saber.
Os nossos gigantes procuram
fora representações dos objetos
internos, com que possam lutar e
confrontar. Nesse momento é que
entra o papel da sociedade, dos
governantes. A função da sociedade
é resistir a essa sacudida e não
sucumbir, mas sim amadurecer e se
reconstituir.
O que o jovem grita, coloca para fora, é um reflexo do seu
mundo interno, das batalhas com seus pais internalizados,
com o enfrentamento das proibições da infância, projetando
no mundo, na sociedade e suas instituições suas questões,
que são universais.
Conforme Peter Blos (1985), o adolescente nos fala,
por meio de seu comportamento mal-adaptado, sobre esse
estado de arrojado desarranjo da função social, chamado de
anomia (falta de objetivos e perda de identidade, provocada
pelas intensas transformações que ocorrem no mundo
social moderno). É esse estado de acontecimentos que o
adolescente expressa, embora ele não seja capaz de articular
a natureza real de sua causa, nem as medidas necessárias
para a regeneração social.
Os gigantes não falam a mesma língua que os
governantes/adultos e é nosso trabalho enquanto
tradutores/psicoterapeutas absorver, conter, decodificar o
grito e devolver em forma de entendimento e palavra mais
elaborada.
É nosso trabalho compreender e conter este gigante
pulsional, chamá-lo para perto, desmistificar o turbilhão
de conflitos através da universalização de suas questões e
desejos, sem menosprezar tais questões. É preciso adolescer
junto com ele, o que reativa as questões adolescentes do
próprio psicoterapeuta. Os adolescentes provocam em nós
nosso próprio gigante, em alguns adormecido. Cutucam as
feridas dessa transição tão essencial que nos leva ao mundo
adulto.
As manifestações políticas e sociais são uma forma de dar
vazão e colocar no mundo, a céu aberto, o que se passa no
mundo interno do adolescente/gigante. Essa reverberação,
quando enxergada, escutada, acolhida e traduzida pode ser
extremamente proveitosa ao ser posto em debate e revisto
o que não está bem em nossa sociedade.
Poderíamos dizer que houve certa mudança entre
as primeiras manifestações (em 2013) e as atuais. Nas
primeiras, não ficava em evidência o desejo de “matar o
pai” e tirá-lo de seu poder, ou seja, tirar os governantes do
poder e instaurar uma nova ordem a partir de sua queda. Os
gritos que pediam impeachment eram esparsos e tímidos.
Nas últimas manifestações fica-se com a impressão de que
esses gritos ganharam forma e estão mais fortes. Os altos
e baixos próprios da fase adolescente e suas revisões de
valores, somados à queda da confiança na ordem vigente
fizeram com que, além de serem contra a corrupção, as
manifestações passassem a ter como pauta derrubar o
governante, incluindo pedidos de intervenção militar.
É possível questionar se o público é o mesmo em todas
estas manifestações, tanto em 2013 quanto em 2015 ou em
1992 (impeachment de Collor). Ao acurar o olhar com
o qual observamos as mesmas, sem dúvida chega-se à
conclusão de que se trata de gigantes. E refletir sobre como
se tratam os gigantes, seja em uma sala de atendimento
psicológico, seja a céu aberto em sociedade, é de extrema
importância.
Aos adolescentes é imprescindível exercitar sua
liberdade de expressão e democracia na medida certa.
Reprimir com policiais, suas armas de bala de borracha
e gás lacrimogêneo só faz com que a força adolescente
(o nosso gigante) pulse com mais vontade ainda, vide
comparação com o funcionamento do aparelho psíquico,
no qual a pulsão exerce sua força para vir à consciência e, em
contrapartida, a repressão faz força contrária para conter
a pulsão, o que causa um desgaste de energia psíquica.
Mas uma repressão também é necessária e só acontece
saudavelmente quando têm bons pais internalizados, pais
cuidadores e não rígidos.
É preciso de cuidadores suficientemente bons em nível
familiar e em nível social. É importante que o governo
possa agir como “pais suficientemente bons”, tomando
emprestado o conceito de Winnicott (1965). O governo
precisa poder ser tomado como um bom exemplo, como
um modelo a ser seguido, ao contrário do modelo falho e
corrompido que vigora atualmente. É preciso de uma nova
ordem, que seja honesta, transparente e democrática de
fato, que venha de cima para baixo, dos pais para os filhos,
do governo para os cidadãos.
As manifestações dos gigantes têm sido escutadas e
consideradas em alguma medida, pois a partir dessas foi
reativada a ideia de um pacote anticorrupção, proposta
pela presidente durante a campanha presidencial. Tal
pacote permitirá a participação de partidos e movimentos
sociais nas discussões. Os gigantes estão se fazendo ouvir.
Fica a esperança de que os gritos e pedidos sejam contidos,
traduzidos e considerados cada vez mais.
5
VIOLÊNCIA, CULTURA
E VULNERABILIDADE
NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA:
PONTO DE VISTA
DE BORIS CYRULNIK
NORMA ESCOSTEGUY - Psiquiatra de Crianças e Adolescentes (ABP), Membro Pleno do CEAPIA
PAULA KERN MILAGRE - Psicóloga, aluna do terceiro ano do Curso de Especialização do CEAPIA
Em janeiro de 2015, o mundo voltou sua atenção à
França, após os atentados realizados na sede da revista
Charlie Hebdo e em outros locais do país. Poucos dias
depois desses ocorridos, Boris Cyrulnik participou de uma
entrevista no canal TV7 Bordeaux da televisão francesa e
transmitiu seu ponto de vista sobre esses acontecimentos.
Cyrulnik é estudioso do trauma e da resiliência. Sua
motivação em estudar esses temas relaciona-se com sua
própria história: quando criança, teve seus pais mortos
em campos de concentração nazistas e foi, aos seis anos,
denunciado como criança judia em troca de pagamento.
Apesar das adversidades, tornou-se um destacado
neuropsiquiatra, autor de numerosos livros. Em seu
último, “Les âmes blessées” (“As almas feridas”), relata sua
história.
Nosso objetivo é expor brevemente neste espaço os
principais tópicos por ele levantados, tendo em vista a
relevância desse tema nos dias atuais.
De acordo com Cyrulnik, o que aconteceu na França
não foi um acidente, mas o resultado de um fenômeno
político-cultural que vem se organizando há tempos. Ele
fala de grupos políticos capazes de utilizar o terrorismo
como arma eficaz para alcançarem seus objetivos e aponta
que movimentos semelhantes já ocorreram ao longo da
história da humanidade, dentre os quais a Inquisição
Cristã, o Nazismo e outros regimes totalitários.
Um dos vários pontos da entrevista que mais
nos chamou atenção diz respeito ao aliciamento de
combatentes que ocorre ainda na infância ou adolescência.
Como, afinal, ingressam nesse sistema?
Cyrulnik refere que os grupos terroristas semeiam
intencionalmente o ódio nas comunidades de risco e
identificam crianças com vulnerabilidade psíquica e
social (consideradas “mais fáceis de fanatizar”) para lhes
oferecerem viagens e cursos de treinamento militar para a
guerra e para enviarem-nas ao sacrifício dos outros à custa
de sua própria existência. Trata-se, portanto, de jovens (e
não monstros) abandonados pela sociedade e com imensa
fragilidade psíquica, que foram recrutados e manipulados
por uma minoria que busca poder.
Nesse contexto, slogans são inseridos lentamente na
cultura para transmitirem representações que as pessoas
reproduzem de forma mecânica e sem julgamento crítico.
Elas assimilam ideologias (religiosas, políticas, científicas)
como verdades absolutas, às quais se submetem - e podem
até matar para defender o que acreditam. Na nossa cultura,
Cyrulnik destaca que a televisão, a internet e as redes
sociais podem se tornar armas, pois muitas vezes veiculam
representações parciais da realidade que nos tornam reféns
da recitação do que chama de “pensamento preguiçoso”.
6
Diante de tragédias como as ocorridas na França,
ele alerta que a pior resposta seria a vingança, quando
os massacres incitam novas ondas de violência, ódio
e preconceito, assim como ocorreu com muçulmanos
inocentes que foram vítimas de ataques com rótulos
xenofóbicos.
Sendo assim, ele destaca que se torna de suma
importância investir na cultura e na educação, sobretudo
das crianças e adolescentes com vulnerabilidade psíquica
e social.
Em suma, Cyrulnik reforça que a solução passa pela
promoção de espaços de encontros em que circulem
opiniões diferentes, com o objetivo de conscientizar que
aquele que possui uma crença diferente da nossa (seja
qual for sua natureza) não é nosso inimigo, nem alguém
inferior a nós. É apenas outra pessoa, cujas ideias são tão
respeitáveis quanto as nossas. Trata-se de podermos nos
enriquecer pela visão do mundo do outro, ao invés de
temê-la, ou, pior, atacá-la e pretender destruí-la.
Ao discutir o valor desses espaços, ele exemplifica
que na Grécia Antiga os artistas encenavam em peças de
teatro os problemas da cidade. Os cidadãos não saíam
do teatro após as apresentações, pois a discussão das
questões e dificuldades apresentadas era parte essencial da
participação da plateia.
Nos dias atuais, cabe nos questionarmos se temos tido
espaços satisfatórios de encontro que promovam discussão.
As escolas são locais privilegiados para a promoção de
debates sobre assuntos polêmicos entre os alunos. São um
contexto ímpar em que crianças e adolescentes podem
experimentar papéis e descobrir novos pontos de vista.
Enfim, ataques terroristas são algumas das
manifestações da ausência de consideração pela existência
do outro diferente: a alteridade. E, se observarmos
nosso contexto mais próximo, podemos perceber que a
intolerância à diferença está na raiz de muitos fenômenos:
o rompimento de vínculos de amizades de longa data nas
recentes eleições pela não aceitação da ideologia política do
outro, com seus consequentes rótulos e slogans (“coxinha”
e “petralha”); a violência nos estádios de futebol, como
ocorreu no futebol argentino, pela impossibilidade de
convivência com um rival, etc.
Nossa realidade (em diferentes proporções) também
tem remetido à importância da troca de ideias, evitando
os atos, especialmente os violentos e destrutivos.
Sabemos que a proposta de Cyrulnik não é simples:
discutir, analisar e combater ideias demanda lucidez,
responsabilidade, decisão e tempo - mas esse é o nosso
desafio!
O USO DE TABLETS
NA EDUCAÇÃO INFANTIL
ANA MARGARIDA CHIAVARO
A Educação Infantil vem ocupando uma importância
significativa na história da educação desde o início do
século XX, visando atender muito além das demandas do
cuidar. Atualmente, exigem-se profissionais especializados
e preparados para desenvolver competências essenciais
no atendimento de crianças de 0 a 5 anos, tendo em vista
os direitos e as necessidades dos alunos no que se refere à
alimentação, à saúde, à higiene, à proteção e ao acesso ao
conhecimento sistematizado. Os instrumentos tecnológicos
utilizados na educação desde o marco da sua História
estão evoluindo nas salas de aula. A visão inovadora na
comunicação e transmissão de informações trazida pelas
tecnologias propiciam o surgimento de um novo sentido
no processo de ensinar.
Muitas atividades da vida moderna têm se modificado
com o aparecimento das tecnologias de comunicação. As
crianças estão inseridas em um ambiente digital, utilizando
com frequência em seu cotidiano celulares, câmeras digitais,
Ipad, Ipod, incluindo alguns brinquedos com tecnologias
mais avançadas. A escola precisa acompanhar a evolução
e aproveitar a nova realidade para também trabalhar com
seus alunos na mesma velocidade da informação que
acontece fora das paredes da sala de aula e influencia todo
processo de ensino e de aprendizagem. O computador
pode exercer um dos seus papéis mais fundamentais,
promovendo redes comunicativas de acesso à informação
e a construção partilhada de saberes. Segundo Amante
(2011), as crianças se mostram confortáveis e confiantes
ao usarem computadores e revelam várias competências na
sua utilização, o que não indica que tenham dificuldade em
operar com a sua linguagem simbólica.
Com efeito, uma
administração que se
preocupe essencialmente
em criar condições que
favoreçam a melhoria do
contexto de aprendizagem,
que se preocupe com o
desenvolvimento profissional
dos seus docentes, tenderá
a constituir-se como um
contexto organizacional
facilitador dos processos de
integração e do seu sucesso
(AMANTE, 2011, p. 65)
crédito foto: dollarphotoclub
Mestre em Gestão Educacional, Coordenadora Pedagógica
da Educação Infantil do Colégio Israelita Brasileiro
Nesse contexto, a utilização de tablets em sala de aula
aparece como um instrumento auxiliar do processo de
ensino e de aprendizagem e, portanto, um recurso que o
aluno utilizará para, por meio de jogos e outras atividades,
criar, pensar e selecionar informações necessárias para a
solução de problemas propostos. Ao mesmo tempo, será
um recurso a mais para o desenvolvimento da autonomia
e da cooperação.
O tablet surge então, como uma nova ferramenta de
apoio ao professor, ligado à proposta pedagógica da escola
e como um novo recurso a ser utilizado principalmente em
sala de aula. Por sua mobilidade, evitam-se deslocamentos
e, além disso, insere-se dentro dos projetos já existentes
no próprio ambiente dos alunos, favorecendo a
contextualização do trabalho.
Contextualizar o conhecimento de forma que ele faça
sentido na vida da criança e trabalhar com elementos que
façam parte dela são elementos que contribuem para o
sucesso do ensino. O computador é uma tecnologia que
faz parte do cotidiano dos nossos alunos. As crianças estão
muito familiarizadas com ele e apresentam facilidade no
uso. Muito atrativo, o tablet precisa ser aproveitado pela
escola de modo a ser utilizado no processo educativo,
pois contribui com uma nova forma de aprender, onde
o aluno, ao interagir com essa ferramenta, aprende
brincando e constrói conhecimentos. As crianças lidam
com as mais diversas informações ao mesmo tempo, de
forma natural, pois estão bastante familiarizadas com
essa tecnologia. Além disso, o professor, ao utilizar o
Ipad em sala de aula, oportuniza situações dinâmicas de
aprendizagem, facilitando o diálogo, a troca e a valorização
das potencialidades e das habilidades de cada aluno. Na
interação que se estabelece com o uso dessa ferramenta,
professor e alunos tornam-se parceiros na aprendizagem.
Vale salientar que o uso da tecnologia não substitui os
livros, o objeto concreto, a massinha de modelar, os jogos e
as brincadeiras ao ar livre. A criança precisa brincar, correr,
pular e interagir com a família e amigos. O tablet poderá
ser utilizado apenas como um diferencial, como uma nova
estratégia de ensino, mas jamais preencher muito tempo da
rotina dos pequenos. O adulto precisa mediar a utilização
dos tempos e espaços desse equipamento para que o uso
do Ipad continue favorecendo seus benefícios e facilidades,
porém que não prejudique o desenvolvimento infantil.
7
QUAL É O SEU PONTO
DE VISTA SOBRE A
IMPLEMENTAÇÃO DE
TURNO INTEGRAL NO
ENSINO FUNDAMENTAL?
SE ATÉ O MOUSSE DE
CHOCOLATE DA MINHA MÃE
NÃO É UNÂNIME... A ESCOLA
INTEGRAL, É?
MÁRCIA FRIDMAN
Pedagoga com ênfase em Pré-escola/UFRGS, Especialista
em Psicopedagogia/Clínica Desenvolver, Coordenadora
do Setor de Psicopedagogia do CEAPIA, Mestranda em
Educação/PUCRS
Escrever sobre a minha opinião a respeito do turno
integral nas escolas é como recomendar o mousse de
chocolate da minha mãe dizendo que ele é o melhor, que
é imperdível. Para os apreciadores e para os chocólatras,
obviamente não restará dúvida sobre a concordância
comigo. Para os que não apreciam tanto assim o chocolate, a
resposta já vai ser um pouco mais constrangedora, para não
dizer antipática... Afinal, estão falando mal da minha mãe!
Há ainda os magros e nada preocupados com a balança,
que vão achar que vale experimentar, pois o máximo que
vai acontecer é não ser tão bom. Há também aqueles que
lutam constantemente com os tracinhos medidores de
cada grama da balança, que vão ponderar muito antes de
provar... Há ainda aqueles que sempre dirão que os mousses
das suas mães são melhores do que o da minha! Assim,
não querendo simplificar um assunto tão complexo como
educação integral, mas já deixando claro que se trata de algo
que envolve diferenças e perspectivas muito individuais,
introduzo este texto.
Educação integral – Traz consigo um significado
de algo que reúne muitas áreas do conhecimento.
Quando pensamos em oferecer uma educação integral
queremos oportunizar que o aluno possa investir em
suas potencialidades de diferentes formas, com inúmeros
recursos dentro da instituição escolar e fora dela. Temos que
compreender que a Instituição escolar não pode, sozinha,
abarcar com o compromisso de contribuir solitariamente
para a formação e para a informação dos novos cidadãos
do mundo. Imagino que educação integral significa
trazer a comunidade para trabalhar junto com a escola
na realização desse compromisso.
As famílias, mais do que nunca, devem ocupar seu
lugar de levar, buscar, opinar, participar de atividades
integradas, conviver no espaço escolar dentro das cantinas,
das comissões de pais, promovendo atividades como feiras
de livros usados, de uniformes que estão em boas condições
e que não servem mais para seus filhos, quermesses para
arrecadação de verbas para novos projetos pedagógicos,
ocupando, assim, espaços dentro da escola, estando na
rotina diária dos filhos. Obviamente as famílias precisam
8
desempenhar também seus papéis em casa, aqueles que
sempre lhes couberam: o de acompanhar, como pais, o
desenvolvimento dos filhos, o papel de afeto, de limite, de
doçura, de organização e de exemplo.
As instituições culturais da cidade têm um papel
extremamente importante, pois elas deverão apoiar e
oferecer às escolas projetos de música, de dança, de teatro,
de cinema, de exposições, de museus, de bibliotecas, de
estádios e de praças que possam complementar o que as
escolas incentivam em seus alunos. É importante dividir,
durante as horas a mais que os alunos estão dentro do turno
escolar, a formação básica com a formação do indivíduo
como um todo, dando oportunidade para que as inúmeras
capacidades e interesses dos alunos possam se desenvolver.
Isso tudo não é possível dentro dos muros de uma única
instituição. Conhecer os espaços da cidade, bem como as
oportunidades de lazer ou a falta dessas, por si só já é uma
grande aprendizagem!
Os
professores, bem, esses têm uma super
responsabilidade, pois acabam sendo um exemplo de vida
ainda maior para os alunos, que agora terão mais tempo
de convivência diária com eles. Para dar conta dessa
responsabilidade, é condição indispensável uma formação
docente voltada para a nova realidade. Impossível imaginar
os mesmos professores apenas com mais horas disponíveis
dentro da instituição. Esses docentes precisam se renovar,
se realimentar de novos olhares sobre si mesmos, sobre
o seu papel na sociedade, no desenvolvimento humano
e no pedagógico de hoje. O professor não pode sentir-se
sozinho, com uma função gigantesca para dar conta. Precisa
de uma rede de apoio que, na minha opinião, começa com
sua própria formação.
Escola de turno integral não acontece do dia para noite.
Ela precisa ser construída como um projeto muito maior,
onde a qualidade do que será feito dentro da escola valha
a pena. O acréscimo de horas por si só não me parece ter
fundamento, nem no ensino privado nem no público.
Os alunos de classes mais favorecidas não precisam ser
acolhidos mais horas por não terem para onde ir. Precisam,
sim, ser melhor vistos, melhor investidos. Precisam de
menos correria no vai e vem do trânsito atrás dos horários
do inglês, do esporte, da aula particular, precisam de mais
tempo para reconhecerem em si suas preferências, suas
facilidades e suas demandas.
Os alunos das classes menos favorecidas, além de todos
esses aspectos, precisam deixar de estar a mercê da sorte, da
rua, do improviso. Estar na escola é ter a oportunidade de
estar mais cuidado e mais protegido. Mas, para isso, a escola
precisa se preparar, senão irá reproduzir, como muitas vezes
já faz, a violência e o abandono da rua.
Concluo este texto dizendo que turno integral é papo
sério, não é opinião sobre receita de mousse de chocolate...
Turno integral é um repensar a educação como um todo e os
papéis de cada um de nós nesse processo de transformação
de um projeto pedagógico. Muito mais do que quantidade
de horas, estamos falando de qualidade de cidadãos para
nosso mundo.
crédito foto: dollarphotoclub
PONTO DE VISTA
UMA NOVA ARQUITETURA
PEDAGÓGICA NA ESCOLA DE
TEMPO INTEGRAL
MÔNICA TIMM DE CARVALHO
Licenciada em Letras/UFRGS, Especialista em Gestão
Empresarial/UFRGS, Mestre em Gestão Educacional/
Unisinos, Diretora Geral do Colégio Israelita Brasileiro.
“...ainda nossas escolas se debatem
e lutam em melhorar. A questão é
que a maioria das salas de aula é
estruturada para uma educação
monolítica em lotes. Portanto os
alunos, em sua maioria, não estão
aprendendo ou estão aprendendo
de forma ineficiente.”
(CLAYTON CHRISTENSEN, 2012)
Ao desconsiderar o fato de que as pessoas aprendem em
ritmos e formas diferentes, o ensino em lotes praticado na
maioria das instituições de ensino não está efetivamente
comprometido com a aprendizagem e o desenvolvimento
de todos os estudantes. Parece descabido desejar manter essa
abordagem educacional. Restam, então, duas perspectivas:
melhorar e/ou inovar o que hoje é feito.
Os novos tempos, dada a complexidade do mundo, exigem
maior dedicação à participação produtiva na vida em sociedade
para o desenvolvimento de habilidades e competências
fundamentais. Esse contexto impõe às instituições de ensino
a revisão da organização de seus tempos e espaços, a
readequação do currículo e a aplicação de novos métodos
de ensino.
A ousadia que se propõe é, portanto, a migração para o
novo paradigma, marcadamente feito por interdependências
na infraestrutura de ensino: temporal (sequências didáticas),
lateral (interdisciplinaridade) e física (arquitetura modular).
Essas interdependências se estabelecem para dar sustentação
a um ensino mais customizado, em que são respeitados e
valorizados os diferentes estilos e ritmos de aprendizagem.
As práticas pedagógicas dessa nova arquitetura pedagógica
buscam não apartar os conteúdos da vida dos alunos,
oportunizando que os processos de ensino e de aprendizagem
se realizem predominantemente através de problematização,
pesquisa e experiência. Uma proposta pedagógica alicerçada
nesses valores precisa de um tempo necessariamente maior
do que o praticado pelas escolas brasileiras em geral, tempo
esse que já é realidade nos melhores sistemas educacionais do
mundo. Agora, as escolas de regime de tempo integral também
estão nas metas das políticas públicas brasileiras e esse parece
ser um caminho sem volta.
O Colégio Israelita Brasileiro, que implementou, em 2015,
no 1º ano do Ensino Fundamental 1, o Regime de Tempo
Integral, estabeleceu o aumento da carga horária letiva com o
propósito de efetivar uma arquitetura pedagógica constituída
por:
ALUNOS PROTAGONISTAS: reconhece os alunos como
seus participantes centrais, incentivando seu engajamento ativo
e desenvolvendo uma compreensão de sua própria atividade
como aprendizes.
ENSINO CUSTOMIZADO: valoriza as diferenças
individuais para potencializar a aprendizagem e o
desenvolvimento de cada um dos alunos.
VALORIZAÇÃO DA COOPERAÇÃO: enfatiza a
natureza social da aprendizagem, estimulando o surgimento
de redes de colaboração.
ÊNFASE NA INTERDISCIPLINARIDADE: promove a
integração entre todas as áreas do conhecimento, bem como
o relacionamento com a comunidade local e de outras partes
do mundo.
USO DE NOVOS MODELOS DE INTERVENÇÃO:
oportuniza um ensino que proporcione, sempre que possível,
a aplicação dos conhecimentos aprendidos (metodologias
ativas), aprimorando o desenvolvimento dos conteúdos
procedimentais e atitudinais, com acentuação no uso de novas
tecnologias educacionais.
USO DE ESTRATÉGIAS DE AVALIAÇÃO
EFICIENTES: explicita com clareza o desenvolvimento das
expectativas firmadas, dando ênfase ao feedback formativo.
Essa arquitetura pedagógica considera a proposição dos
Quatro Pilares da Educação, de Jacques Delors: aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a viver
juntos. Fundamenta-se nas teorias da aprendizagem de base
interacionista, que postulam que as pessoas aprendem na
experiência com o objeto de conhecimento (Piaget), mediada
por outros seres humanos (Vygotsky). A esse arcabouço teórico,
acrescenta a concepção da teoria das Inteligências Múltiplas
(Howard Gardner), que aponta para a existência de diferentes
perfis cognitivos e para o fato de que a inteligência tem mais a
ver com a capacidade de resolver problemas e criar produtos
em ambientes propícios do que com as demonstrações
acadêmicas referentes unicamente às competências leitora e
lógico-matemática. Essa teoria dá sustentação à ideia de que é
preciso investir na lógica do ensino customizado, respeitando
os diferentes estilos e tempos de aprendizagem para garantir
a todos a permanente auto-superação. Os achados das
neurociências vêm também contribuir para o conhecimento
dos processos de aprendizagem, aspecto fundamental na
formação de professores para uma escola do século XXI.
A transformação bem sucedida exige das escolas um novo
profissional, um professor interdisciplinar que, de modo
crescente, tenha foco em resultados, se baseie em pesquisa e
aprenda coletiva e continuamente, o que levou o Israelita a
contratar professores-tutores por 39h semanais de trabalho,
19h das quais destinadas a estudos, orientação, planejamento,
avaliação da prática pedagógica e realização de docência
compartilhada, para o atendimento mais individualizado
aos alunos. Esse professor assume as funções de designer de
currículo, estruturando práticas de ensino que promovam o
potencial máximo de cada aluno. Há objetivos educacionais de
referência e uma bagagem cultural a ser constituída com todos
os estudantes, mas o percurso de construção do conhecimento
de cada aluno sempre será diferente. Um professor designer de
currículo entende e acredita que todos efetivamente podem
aprender e superar a si mesmos.
A escola de Regime de Tempo Integral não pode fazer o
mesmo em mais tempo. Ela precisa estar a serviço de uma nova
lógica em educação. Nossas crianças necessitam da inovação
das instituições de ensino que as acolhem. Assim será possível
fugir da realidade denunciada por Ricardo Semler, sócio e
fundador do Instituto Lumiar: “os alunos fazem de conta que
entenderam, a escola finge que ensinou, e os pais fingem que
acreditam.”
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POR LISIAN
É universal: toda criança, em qualquer época, circunstância
cultural, sócioeconômica e familiar, terá que enfrentar-se com
as exigências da vida. A Psicanálise vai abordar essa questão
de diversas formas, desde as concepções de Freud - todo o
bebê a princípio está dominado pelo Princípio do Prazer
(tudo o que lhe dá prazer lhe pertence e o que lhe dá desprazer
é sentido como externo, algo que o bebê quer “se livrar”).
Porém, como um bebê não se cria sozinho e estabelece laços
de intensa dependência com a mãe e a família, aos poucos vão
sendo apresentados a ele a realidade externa, as inevitáveis
frustrações, os códigos sociais (esses sim, específicos de cada
contexto). Assim, o bebê vai desenvolvendo aos poucos um
novo princípio, o Princípio da Realidade, que vai permitir que
se garantam as trocas ao seu redor, modulando as demandas
pulsionais, o ingresso no processo civilizatório e, mais tarde, a
capacidade de relacionar-se socialmente.
Winnicott, psicanalista que se dedicou muito ao estudo
do desenvolvimento infantil, descreveu em sua própria
linguagem esse processo em que as exigências da vida vão
sendo gradualmente apresentadas à criança. Ele destacou a
importância da ilusão na constituição psíquica de cada criança.
No início da vida, o bebê necessita que seus cuidadores atendam
exatamente as suas necessidades infantis, para que possa ter a
ilusão de que é ele que está criando o mundo ao seu redor. Essa
ilusão, que inicialmente está ligada à órbita de onipotência
do bebê que ainda desconsidera a realidade externa, será a
base futura para todas as experiências criativas posteriores.
Contudo, para que o bebê avance a um estágio em que passe a
ter um brincar compartilhado e a ter um reconhecimento do
mundo externo, ele precisará experimentar a desilusão, sem
a qual não pode haver crescimento emocional. A desilusão,
ocasionada pelas falhas do ambiente, impulsionará o bebê
a criar dispositivos simbólicos para lidar com as decepções
da vida: se a mãe não está presente para atendê-lo, o bebê
pode atribuir a um objeto manipulável, como um ursinho de
pelúcia, por exemplo, algo dessa função materna que atenua
a ansiedade face à separação. Trata-se de uma permanente
dialética ilusão/desilusão (num primeiro tempo: eu preciso
da mãe e ela aparece, então eu criei a mãe; mais tarde, nem
sempre que eu preciso da mãe ela me atende, eu me desiludo,
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então encontro alguma saída para transitoriamente lidar
com essa falta – nova ilusão: nesse momento, o ursinho de
pelúcia é a mãe). É a forma como cada família possibilita e
tolera essa dialética que vai fazendo com que as exigências
da vida possam ser melhor ou pior processadas por cada
criança. Quando algo na família está muito perturbado e um
bebê não pode ser atendido nas suas necessidades inatas de
cuidados e compreensão, ele não poderá se constituir a partir
da experiência primária de ilusão – sua capacidade de brincar
e de criar ficará comprometida. Por outro lado, se não puder
vivenciar a experiência, também imprescindível, de gradual
desilusão, se houver uma disposição incondicional de atender
a todas as demandas do bebê, que ao longo do crescimento
não pode ser frustrado ou conhecer limites, essa criança ficará
detida em seu desenvolvimento, não conseguirá ingressar
numa etapa de um brincar compartilhado ou de socialização,
porque as exigências da vida extrafamiliar serão muito
contrastantes com sua eterna condição de “sua majestade
– o bebê”. Portanto, as exigências da infância, que seriam
naturais e necessárias para que alguém se constitua como um
Ser Humano, transformam-se em demandas excessivas, que,
como todo o excesso, não podem ser processadas por uma
criança, ameaçando a experiência de continuidade de ser do
bebê, sua espontaneidade, sua possibilidade de brincar, criar e
o próprio sentido da infância.
E aqui entramos no que é singular, que modula o cenário
de vida de cada criança junto a seu entorno, pensando
primeiro em sua relação com a mãe e com a família e, a
seguir, numa órbita que vai cada vez se ampliando mais, com
a escola, com a comunidade, com o contexto sócio-cultural
que a envolve... No documentário “A Invenção da Infância”,
dirigido por Liliana Sulzbach, são retratadas crianças
submetidas a exigências excessivas, pondo em cheque o
próprio conceito de infância. Numa dimensão histórica, o
curta-metragem destaca que a idéia de infância nem sempre
esteve presente na cultura. Na Pré-Modernidade não havia
diferenciação entre os encargos das crianças e dos adultos,
nem consideração pelas necessidades inatas e fragilidades das
crianças, como era evidente pelos próprios índices elevados
de mortalidade infantil. A infância, vista como uma etapa de
vida em que a criança está protegida, ocupando-se do brincar
como tarefa essencial, é uma invenção da Modernidade. O
filme, produzido no ano 2000, mostrava depoimentos de
crianças brasileiras e abarcava situações muito contrastantes:
algumas, vindas de regiões paupérrimas do sertão, desde cedo
precisavam trabalhar para garantir a sobrevivência da família e
tinham escassas oportunidades para brincar e estudar. Outras,
num contraponto, eram crianças provenientes de grandes
cidades, mas que também estavam expostas a exigências
excessivas, com agenda lotada, repleta de responsabilidades,
sendo também vítimas de um processo de “adultização”. O
curta retratava a interferência da mídia, especialmente de
programas de TV, que mesmo sendo voltados ao público
infantil, promoviam uma erotização que borrava as diferenças
entre crianças e adultos. A tese principal do filme: “ser
criança não significa ter infância” apresentava a ameaça que
a Pós-Modernidade introduziu no universo das crianças,
comprometendo o próprio conceito de infância.
Parece que se passaram bem mais do que quinze anos
desde o momento em que o filme foi produzido devido aos
vertiginosos avanços tecnológicos ocorridos, como o acesso
a informações promovido pelas várias modalidades de
comunicação virtual. A velocidade das transformações na
contemporaneidade é inegável; a quantidade de estímulos
vindas das telas que magnetizam sensorialmente as crianças
é enorme; a pluralidade de ofertas que requerem escolhas
se ampliou imensamente, como nas excessivas opções de
atividades extra-escolares. Estamos no tempo da aceleração,
em que a cultura da imagem e da visibilidade podem
representar novas exigências às crianças. O ser visível é
condição para o existir, condição essa que, muitas vezes,
ignora as fronteiras do íntimo, do privado e legitima a exibição
contínua do EU. Nesse ideal cultural, o Fazer e o Ter podem
restringir as áreas de experiências do Ser. Diante da demanda
de mudança permanente e de uma busca inesgotável do
prazer, o risco se dá quando a continuidade histórica e o
contato emocional são substituídos pela intensidade e fluidez
das relações virtuais. No entanto, esse panorama atual não traz
necessariamente uma repercussão negativa ou catastrófica. O
que pode neutralizar os excessos dependerá do desejo e das
necessidades dos pais, da capacidade de trocas afetivas dentro
da estrutura pessoal e familiar e de seus desdobramentos no
universo escolar. A tentação do ser humano de substituir
o mundo da subjetividade pelo mundo das imagens
sempre existiu, mas pode ser incrementada pelos recursos
virtuais quando se está diante de lacunas parentais, em que
predomina um sentimento de vazio, com a consequente
incapacidade de sentir e expressar emoções. Muitas vezes os
pais não conseguem filtrar os excessos de estímulos (internos
e externos), por eles próprios estarem sendo “tragados” pelo
apelo tecnológico, submersos em suas demandas narcísicas.
Algumas vezes precisam tomar uma distância excessiva
da virtualidade, demonizando-a, tornando-se retaliadores
ou intrusivos, não conseguindo criar uma conexão com as
necessidades da criança e estabelecer uma linguagem que
os aproxime. Em um polo oposto, há pais que se colocam
no papel de pais amigos e, sem poder dizer “não”, borram
as diferenças geracionais, funcionando como realizadores
dos desejos (do filho e de seus próprios desejos infantis),
tentando evitar sofrimento psíquico, preencher vazios, mas
assim deixando o vazio da “completude.” Como repercussão
podemos encontrar crianças ilusioriamente superpoderosas,
que dirigem seus pais, os quais ficam empalidecidos nas
funções de proteção e de cuidados. Configura-se então
uma inversão e, diante da fragilidade dos pais, pode haver a
terceirização de seu papel, delegando a educação dos filhos a
babás, professores, psicoterapeutas...
Por outro lado, não podemos nos esquivar dos importantes
problemas sociais, como no universo das crianças vítimas de
violência, maltratos, abusos ou que precisam trabalhar para
garantir o sustento, como o filme trazido já denunciava. O
que vemos em comum em todas essas situações atuais são
crianças super exigidas, infâncias abortadas, cuidadores
impossibilitados psíquica e materialmente de cuidar e garantir
a infância. Crianças desamparadas, “desalojadas do seu lugar
de filhos”.
No que diz respeito às possibilidades dos pais, educadores,
psicoterapeutas, o que cabe ser feito para contrabalançar
essas exigências e contemplar as necessidades da infância?
Um aspecto fundamental seria o asseguramento de duas
funções essenciais a serem desenvolvidas pelos cuidadores:
a maleabilidade e a apresentação de limites. A elasticidade
é necessária para acompanhar as crianças em seu universo
em expansão. Para estabelecer limites é importante tolerar a
incompletude. O que as crianças necessitam é da presença,
do olhar atento do adulto num terreno seguro de cuidado
e proteção, em que seja possível haver encontros, contar e
criar histórias impregnadas de fantasias, criar espaços para o
brincar. Precisam ter a sensação descrita no desejo de Monteiro
Lobato: “ainda acabo fazendo um livro onde as crianças
possam morar”. Estão aí os alicerces para a imaginação,
criação, simbolização e, com isso, a possibilidade da criança
expressar suas angústias, suas dores e seus sonhos.
Como ilustração, trazemos o fragmento do encontro
analítico com uma criança para quem era muito difícil ter
amigos, relacionar-se, ser acarinhada e acarinhar. Após dias
entrando com seu Ipad e pedindo para não ser atrapalhada,
é questionada: mas assim fica tu sozinha aí, eu sozinha aqui e
nada está acontecendo. “Eu to criando a minha cidade. Tenho
uma cidade inteira só para mim, e eu que fiz todinha ela. E
tu, fica bem quietinha aí”. Depois de um tempo: “Droga, só
que ta difícil, porque eu não to conseguindo fazer o sol, não
encontro o sol”. E se eu tentasse te ajudar a encontrar o sol?
“Não adianta, tu não sabe jogar o minecraft”. Não sei mesmo,
mas achar o sol... talvez. “Então, como se acha o sol aqui no
jogo?” Nesse eu não sei, mas se a gente pudesse montar, o
nosso jogo para encontrar o sol na tua cidade... “Jogo para
encontrar o sol? “Ta louca!!!” Vamos tentar? Tá, tu começa.
Desenha como se encontra o sol”. Foi feito desenho, corpo
de crianças e cabeças de sol. Ela continuou fazendo muitas
crianças com a cabeça-sol. Mostrou a cidade construída no
jogo: É uma cidade grande, bonita, mas tão vazia. “É, não
tem nenhuma gente, nem criança”. Tive uma ideia: vamos
por estas crianças-sol na cidade? “Como será que a gente
faz?”. Podemos imaginar elas na cidade. “Boa ideia”. Foi
dando o nome para as crianças-sol e íamos criando histórias
e brincadeiras na escola, na lancheria, no ônibus escolar da
cidade, agora não mais vazia (...) Um tempo depois: “Sabia
que ontem eu fui numa amiga e hoje vou pedir prá minha mãe
se a minha outra amiga pode ir lá em casa? E daí, depois, se a
gente não brigar, vou pedir outra amiga, outra amiga, assim
de amigas. (...) A profe disse que sala de aula sem brinquedo
e sem amigo é igual a uma sala bem fria, bem triste, como
gaiola. Casa sem amigas também, né?”
Esperamos que essa vinheta ilumine o sentido de estar
com uma criança e, com ela, co-construir e desfrutar da
ilusão compartilhada de permanentemente inventar e
reinventar o mundo.
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ESPAÇO CULTURAL
SESSÃO PIPOCA
A FAMÍLIA
BÉLIER
LUCIANA GRILLO
Psicóloga, Especialista em Psicoterapia da Infância e
Adolescência, Preceptora do CEAPIA
A Família Bélier não é um filme comum... Não é aquele
tipo de enredo que ficamos apenas pensando e construindo
associações a respeito. A Família Bélier é uma história que
nos toca de um modo muito especial, talvez sensorialmente,
pois trata-se de uma obra poética na qual podemos sentir a
humanidade dos personagens e viver suas emoções. Sua densa
trama ganha leveza e, por vezes, humor no encontro de seus
sujeitos, sem com isso perder a profundidade de seu argumento:
a vivência de uma família, seus conflitos e a busca de identidade
de uma jovem que descobre um grande talento. O filme ganha
verdade e autenticidade ao tratar de um tema difícil, sob uma
ótica sensível, através da música e do espírito de liberdade que
essa evoca.
Paula, a protagonista, é uma adolescente de 16 anos não
muito típica. Pouco lembra meninas de sua idade, pois, no auge
do que supostamente seria o turbilhão desta fase, parece já ter
determinado o rumo de sua vida. Ela trabalha na fazenda de sua
família, situada no interior na França, e tem a função (ou peso)
de servir como intérprete do pai Rodolphe, da mãe Gigi e de seu
irmão mais novo Quentin. Todos, menos Paula, são deficientes
auditivos e, em razão disso, dependem integralmente dela para
fazer uma ponte com o mundo. Paula adapta-se a esse lugar,
nem sempre muito confortável, e segue os desígnios familiares.
No desenrolar do filme, assim como costuma acontecer
na vida, surgem oportunidades de mudança para Paula. Ela se
apaixona por um colega e, incentivada por sua melhor amiga,
passa a frequentar o coral da escola para ficar perto dele.
É lá que, pela primeira vez, a partir da escuta atenta de um
professor de música chamado Thomasson, a jovem descobre
seu extraordinário talento para o canto. Paula possui uma voz
exuberante e logo encanta seu professor, o qual reconhece seu
dom e a incentiva a participar de um concurso em Paris na Radio
France, onde ela teria a oportunidade de aprender a aperfeiçoar
seu canto. Thomasson, inicialmente desmotivado com a própria
carreira de músico e com o desinteresse dos alunos, recupera a
esperança e acaba sendo o maior incentivador da jovem a cantar.
Parece haver certa realização pessoal do professor no sucesso
de Paula, mas, sobretudo, vemos em seu encorajamento um
genuíno interesse de ver a adolescente apropriar-se de sua vida
e se encontrar como pessoa. Ao descobrir uma voz poderosa,
Paula vê-se imersa num grande conflito: buscar seu sonho e
separar-se de sua família ou permanecer junto a ela.
Na trama, a ambivalência de Paula com relação a seguir o
seu rumo e o impacto dessa escolha na vida familiar ganham
destaque. Do mesmo modo, os pais se deparam com a própria
necessidade de independizarem-se da filha e de aprender
a viver sem ela. Entre cenas memoráveis está uma em que
Rodolphe, o pai, confronta amorosamente a esposa quando essa
menciona que Paula não saberia sobreviver sem eles em Paris,
afirmando a Gigi que o maior medo deles era o desamparo
12
que experimentariam sem a filha. O amor acalorado entre os
membros dessa família supera o medo do desconhecido e Paula
ganha asas...
Na cena final, em que a jovem participa da audição na Radio
France, vivemos o ápice da emoção desse filme. Paula canta “Je
Vole”, “Eu vôo” de Michel Sardou, artista francês, tocando a alma
do público. A canção diz: “Queridos pais, vou partir. Amo vocês,
mas vou partir. Não terão filha esta noite... Eu não vou fugir, vou
voar, entenda bem: vou voar... sem beber, sem fumar, vou voar,
vou voar...”!
Paula sincroniza o canto com a linguagem dos sinais,
dirigindo especialmente a seus pais um hino de liberdade,
ao qual aplaudem, arrebatados. Conseguem escutar o que a
emoção da filha desperta e é justamente essa sintonia que lhes
permite aceitar o seu vôo!
A Família Bélier mostra não ser apenas um filme sobre
comunicação (ou a falta dela), mas especialmente sobre escolhas,
libertação e seguir em frente, tanto para filhos quanto para pais.
Repleto de personagens fortes, com características humanas,
esse é um filme primoroso, no qual nos encontramos e nos
descobrimos, seja no som, seja no silêncio.
DICAS
RUDDERLESS
LUCAS VALLADARES
O filme trata a jornada de um pai abalado com a
perda de seu filho. Em virtude desse acontecimento,
o pai muda drasticamente sua rotina de vida, mas não
esperava que, ao entrar em contato novamente com
o mundo de seu filho, pudesse estar conectando-se
com um canal de lembranças, conflitos e arte, mais
precisamente a música.
A PELE QUE HABITO
ANGÉLICA BERNARDY
Obra realizada com o roteiro e direção de Pedro
Amodóvar, filme espanhol, produzido em 2011,
apresenta relações familiares com drama e suspense.
O cirurgião plástico Robert vive com a filha Norma. Ela
possui problemas psicológicos, motivados também
pelo suicídio da mãe. Traumatizada, Norma ficou por
seis anos aos cuidados de uma clínica psiquiátrica.
Os médicos da jovem convencem Robert, seis anos
depois, a tentar uma ressocialização da filha, assistida
por muitos medicamentos. Norma e Robert vão a uma
festa, em que ela encontra Vicente, que se drogava.
Ambos, com as percepções alteradas, decidem ir ao
jardim da festa. Robert encontra a filha desmaiada. Esta
acorda em surto psicótico e passa a associar a imagem
do pai àquela do agressor. A partir disso Robert inicia
um plano para se vingar do suposto estuprador.
MARCA PÁGINA
O CASTELO
DE VIDRO
CLÁUDIA GIACOMET DE CARLI
Psicóloga, Professora e Supervisora do CEAPIA
Eu peguei fogo. Assim Jeannette Walls começa a contar
suas memórias de infância. Seu livro “O Castelo de Vidro”
descreve um relato intenso, honesto e corajoso. Uma vida
difícil e os consequentes movimentos e recursos da autora
para superar as adversidades da infância. A forma como ela vai
revelando sua própria história permite ao leitor deparar-se com
emoções variadas e intensas. Permanece ao longo da leitura
uma oscilação entre a incredulidade e a raiva provocadas pela
perversão, bem como admiração e perplexidade com relação à
luta pela sobrevivência física e psíquica.
O título do livro “O Castelo de Vidro” tem origem num
projeto mirabolante do pai de construir, em pleno deserto, um
castelo de vidro onde a família moraria. O mérito da narrativa
fica evidente nas emoções e ambivalências provocadas no
leitor. Os pais são descritos como pessoas muito perturbadas
emocionalmente.
O pai alcoolista, violento, sempre criando planos fora da
realidade alicerçados em um pensamento mágico e maníaco.
Ao mesmo tempo a autora descreve-o com uma idealizada
admiração. A incredulidade é provocada no leitor pela surpresa
com relação ao sentimento da menina, que fica encantada e
seduzida pelo pai, necessitando defendê-lo para não perder a
fé nele, quando, segundo ela mesma diz, ninguém mais tinha.
Uma árdua luta para manter a ideia de um bom objeto. O pai
a chama carinhosamente de “cabrita montesa”, uma analogia à
capacidade da menina de “sempre manter-se em pé, equilibrarse bem, mesmo nos terrenos mais íngremes”. Isso é verdade.
Jeannette Walls, de fato, mostra-se uma “cabrita montesa” na
vida. Seu “equilíbrio” é constantemente posto à prova.
A mãe é descrita como imatura, completamente alienada
da realidade, negligente, abusadora e, ao mesmo tempo, uma
pessoa com uma cultura e conhecimentos que não combinavam
com sua miséria emocional. Sem contar que, no final, revela-se
que essa mãe teria uma condição econômica segura e estável,
não fosse pela loucura que colocava tudo sempre a perder.
Um cenário típico das contradições e estranhezas próprias da
doença mental.
Acompanhar o processo de Jeannette de discriminar-se de
seus pais, aguentar a desilusão protetora da infância e manter
sua saúde e integridade física e mental é algo que emociona de
várias formas. A vida é descrita todo tempo como uma tentativa
de transformar perigo, abuso e negligência em aventura. O
risco e o absurdo, ficam mascarados pela emoção do triunfo.
A autora conta sobre uma coleção de pedras que foi
juntando em suas expedições e aventuras pelo deserto.
Encanta-se com a beleza e diversidade das rochas. Quando
pensa em vendê-las, coloca um preço muito alto. É bonita a
analogia com seu mundo interno. Dura, resistente, bela e
valiosa. Assim é Jeannette Walls. Embora, em mais uma fuga
da família Walls, ela seja obrigada a deixar para trás sua coleção,
o mais importante: a sensação de algo valioso e sua capacidade
de resiliência, ela carregou sempre dentro de si.
As condições de vida são péssimas. As crianças passam
fome, frio, não têm condições básicas de higiene e encontram2
Isso ela nos irá contar em seu segundo livro, “Meus Desacontecimentos”
se sempre em situações de
ameaça a sua integridade física
e mental. A violência é banal e
generalizada. Os pais são sádicos,
enlouquecedores. Como não
recebem do casal parental os
cuidados mínimos necessários,
os irmãos vão desenvolvendo
um senso de cuidado uns com os
outros e consigo muito delicado,
forte e bonito. Em muitos
momentos, ainda enquanto
crianças, eles tem que cuidar dos
pais. A fraternidade se sobrepõe
ao desamparo. São quatro filhos:
três meninas e um menino. Este, o grande companheiro e
defensor de Jeannette em muitas situações.
A mobilização dos irmãos para ajudarem-se uns aos outros
a sair da cidade e buscar algo melhor é tocante. Os aspectos
positivos da fraternidade são exercidos ao máximo. O amor e
o cuidado entre eles permitem a instalação da esperança em
bons objetos. O pacto é “se um conseguir sair daquela cidade
e afastar-se dos pais, busca o outro”. Eles conseguem, não sem
antes enfrentarem o boicote perverso dos pais. Mas enquanto
os filhos estão se organizando para viver uma vida melhor, os
pais resolvem ir ao encontro deles. Ainda assim, com exceção
da filha caçula, que acaba tendo problemas psiquiátricos, os
irmãos conseguem se organizar, crescer e prosperar.
É comovente a tentativa da autora de descrever sua vida
tão difícil como uma grande aventura. Aos leitores cabe a
possibilidade de se emocionar ao ler a história da família Walls.
Uma amostra do quanto os sentimentos amorosos permitem a
possível elaboração dos afetos mais destrutivos e hostis. É uma
história de luta, esperança, adaptação e superação.
Encerro com as palavras de Boris Cyrulnik: “O
traumatizado submete-se a sua história ou dela se liberta
utilizando-a. É essa sua escolha: compulsão a repetir ou a se
libertar.” (Cyrulnik, pg 123). Jeannette parece ter-se libertado
quando consegue expressar seus sentimentos e memórias mais
íntimos, escrevendo sua história. Integra dor e afeto, amor e
ódio, com delicadeza, numa narrativa que permite ao leitor a
empatia com seus sentimentos. O leitor agradece as emoções
compartilhadas com tamanha sinceridade.
DICAS
CASA DAS ESTRELAS:
O UNIVERSO CONTADO
PELAS CRIANÇAS
Seleção de Javir Naranjo / Editora Foz
FERNANDA MATTE
Essa pequena joia literária reúne as ideias de algumas
crianças sobre diversos temas, abordando palavras
como ancião (“É uma coisa muito boa, porque aparecem
rugas na pessoa” – Juliana, 10 anos), brincadeira (“É
estar contente e amado” – Ricardo, 10 anos), medo
(“Um menino que está triste” – Juliana, 6 anos), mãe
(“Mãe é a pele da gente” – Ana, 5 anos), presença (“Uma
moça pressentindo amor” – Julio, 7 anos)... As respostas
dos infantes variam conforme a faixa etária e a fase do
desenvolvimento em que se encontram, o que faz de
Casa das Estrelas um livro doce e divertido, através do
qual podemos mergulhar na mente da criança e no
universo infantil.
13
AUTISMO, AMBIENTOTERAPIA E PSICANÁLISE
PAULA MILAGRE - Psicóloga, Aluna do terceiro ano do Curso de Especialização do CEAPIA,
Membro da Equipe de Ambientoterapia do CEAPIA
VANESSA GIARETTA - Psicóloga, Especialista em Psicoterapia da Infância e Adolescência,
Co-coordenadora da Ambientoterapia do CEAPIA
A Ambientoterapia é um tratamento em grupo, que
sempre foi muito bem recomendado para casos em que há
claras dificuldades com limites, frustração, agressividade
e comportamento intencionalmente opositor e negativista
com figuras de autoridade. Sintomas estes que nos levam
muitas vezes a diagnósticos de transtornos do humor, de
personalidade e de conduta. Há, no entanto, outro grupo
de pacientes que por vezes chega até essa modalidade de
atendimento, cujas dificuldades de socialização se devem a
padrões de interações precárias e disfuncionais, mas porque
sequer foi estabelecida uma noção de si mesmo como
pessoa, que dirá de um outro. Dentro desse perfil estão as
crianças do espectro do autismo. Embora historicamente na
Ambientoterapia do CEAPIA haja relatos de atendimento
a esse perfil de pacientes nos últimos anos a demanda para
crianças com TEA (Transtorno do Espectro do Autismo)
aumentou muito, especialmente para os quadros em que as
habilidades cognitivas estão preservadas.
Hoje, com as inúmeras pesquisas das neurociências e
de outras áreas, tem-se obtido cada vez mais informações
sobre o autismo, inclusive com reformulações nos critérios
diagnósticos do DSM-V, o que tem implicado em um
crescente número de diagnósticos precoces. Em decorrência
disto, a procura pela Ambientoterapia como alternativa de
tratamento também tem aumentado, chegando por vezes
a superar o número de pacientes com outras patologias.
Mesmo assim, alguns profissionais ainda questionam sua
indicação para esses casos, perguntando-nos: “Vocês fazem
psicanálise com crianças do espectro do autismo dentro da
Ambientoterapia? Como?”. E respondemos: “Sim, fazemos!”.
Isso não quer dizer que esperamos de maneira passiva que
associem livremente ou que interpretemos os conteúdos do
seu mundo interno.
O fato é que, para muitas pessoas, no imaginário cultural,
a psicanálise para crianças com autismo é ficção. Contudo, ela
tem muito a oferecer, desde que seja levado em consideração
que cada funcionamento mental exige um enfoque terapêutico
especial. Não são os pacientes que devem se adaptar à técnica,
mas a técnica ao paciente, como já nos alertava Winnicott.
Em outras palavras, a clássica interpretação de conflitos
inconscientes é eficaz com pacientes cuja estrutura psíquica
é mais integrada. Diante de estados mentais primitivos, como
é o caso das crianças a quem estamos nos referindo, a escuta
do inconsciente não é abandonada, mas nossas intervenções
devem ser ajustadas a sua demanda e a sua singularidade.
Se, obviamente, a técnica no atendimento ambulatorial com
esses pacientes precisa sofrer adaptações, na Ambientoterapia
isso não seria desigual.
Em muitas circunstâncias, nossos manejos diferem
daqueles utilizados nos quadros tratados por desvios de
conduta, por exemplo. Ou seja, um soco de uma criança
com autismo que esteja representando uma busca de contato
e um reconhecimento da pessoa que está ao seu lado não
requer manejos “disciplinadores”. No lugar disso, pontuamos
seu movimento, nosso corpo, a dor, e oferecemos outras
possibilidades de interação, tendo em vista que o limite é
fundamental para adquirirem a noção do eu e do outro e
14
aprenderem a administrar seus impulsos e emoções.
Nosso método de trabalho com as crianças do espectro do
autismo, portanto, engloba intervenções não interpretativas,
que visam à sua integração emocional. Priorizamos uma
linguagem simples, lúdica, com foco nos afetos, ajudandoas a nomear sentimentos e a organizar internamente o
que sentem, por vezes, de forma tão caótica. Somos muito
corporais, vivos, ativos, reivindicadores da presença delas
na nossa rotina, como nos orienta Anne Alvarez, e, mais
atualmente, Richard Solomon.
Temos como objetivos ampliar seu universo de interesse
e diminuir sua necessidade de busca pela zona de conforto
– que se refere normalmente a padrões de comportamento
obsessivos ou estimulações sensoriais repetitivas –, porém
respeitando seus sinais para não as invadirmos. Interessanos, mais do que adaptá-las, compreender como veem o
mundo, como funciona sua mente e como se desenvolve seu
psiquismo, para, dessa maneira, sermos capazes de ajudálas. Antecipar acontecimentos da rotina, prever suas reações
e agregar significado emocional aos seus comportamentos,
sem rotulá-los, são estratégias fundamentais de holding, que
têm como objetivo acolher, conter, metabolizar e transformar
suas angústias.
Cabe ressaltar que valemo-nos muitas vezes de técnicas
comportamentais e que frequentemente trabalhamos no
nível sensorial, fazendo uso de instrumentos que contemplem
estímulos visuais, táteis e sonoros. Também nosso tom de voz,
ritmo, postura e olhar podem ser entendidos como estímulos.
Assim, narrar e associar elementos verbais às manifestações
não-verbais dos pacientes são formas de aumentar sua
capacidade de integrar suas experiências, caminhando
de expressões concretas para mais simbólicas. Através do
contato pele a pele, olho a olho, buscamos espelhá-los como
pessoas, desenhando seus contornos e sua imagem corporal.
O terapeuta apresenta-se a essas crianças como uma pessoa
interessante e confiável, com quem podem compartilhar
atividades e experiências emocionais significativas que
preenchem pouco a pouco seus abismos internos com
conteúdos humanos: a brincadeira, a voz, o choro, a dor, o
riso, a falta, o desejo.
Na nossa experiência de trabalho com esses pacientes,
temos observado neles uma ampliação do espaço mental, com
consequente aumento da capacidade de autopercepção, de
controle emocional e de autorregulação sensorial, levando-os
a brincar mais, interagir melhor e assim estabelecer vínculos
mais positivos com os demais. Claro que esses resultados
são muito mais eficazes quando estão associados a outros
atendimentos: psiquiatra, neurologista, fonoaudiólogo,
acompanhante terapêutico e/ou outros.
Por fim, a busca pelo prazer nas relações interpessoais
tem sido acima de tudo nosso principal foco com as crianças
do espectro do autismo. A satisfação em fazer coisas com os
outros as leva a gostar de estar na companhia deles, reconhecêlos como pessoas inteiras e perceber a si mesmas como
parte do universo desse outro, com sensações e sentimentos
humanos. Isto é psicanálise!
SETORES
ATENDIMENTO COLATERAL A PAIS
O Setor de Atendimento Colateral a Pais segue em suas
atividades de atendimento e estudo sobre a Parentalidade.
Este conceito é por nós entendido como um termo que
designa um processo de construção e de exercício de
funções de cuidado e de interação dos pais com seus filhos,
cuja base fundamental deve ser o vínculo afetivo que se
forma entre as partes e que pode ou não coincidir com
os laços de consanguinidade/parentesco. Neste sentido,
os atendimentos psicoterápicos realizados pelo Setor têm
como foco essas questões da parentalidade, procurando
construir uma relação de confiança e de empatia para com
os pacientes-pais e, assim, desvendar os significados que
para eles têm o ser mãe e o ser pai.
Sabemos que o exercício da parentalidade é um
aprendizado constante e que a mulher que vai ser - ou já é
- mãe e o homem que vai ser - ou já é - pai trazem consigo
uma bagagem emocional próprias, advinda de suas
trajetórias de vida. Há, portanto, toda uma carga afetiva
envolvida na experiência de ser mãe/pai, antes mesmo
do bebê nascer. Essa carga afetiva sofre um impacto
importante com o advento da paternidade/maternidade e
é com ela que vamos lidar no atendimento terapêutico aos
pais.
Examinar, com cada um dos pais, como ele, pai, e
como ela, mãe, se enxergam enquanto filhos de seus pais,
como veem o modo como foram tratados por estes, o
que passaram de dificuldades ou de facilidades em suas
vidas familiares no passado, com quem puderam - ou
não - contar na infância e na adolescência, como toleram
seus próprios aspectos frágeis e dependentes, entre outras
questões, é tarefa importante para desvelar o sentido
de ser mãe ou pai para cada um e desfazer conflitos do
passado atualizados na relação com os filhos. São pontos
que buscam abrir oportunidade para o contato emocional
dessa mulher e desse homem - agora pais - com suas
próprias vivências afetivas. Poder estabelecer essa ponte de
ligação deles consigo mesmos abre caminho para poderem
ser empáticos com os filhos, pois podem passar a percebêlos como seres com necessidades afetivas próprias, com
demandas típicas de cada fase do desenvolvimento e como
crianças/adolescentes dependentes deles, pais. Com isso,
podem enxergar melhor seu lugar junto aos filhos, seus
papéis de pai/mãe.
É na relação terapêutica, com alguém empático a eles,
que podem viver uma experiência de compartilhamento
de seu mundo emocional e que podem sentir-se
sustentados mentalmente por alguém - o terapeuta. Às
vezes, é a primeira vez que experimentam esse tipo de
vínculo. Assim, a experiência transferencial de serem
cuidados e sustentados emocionalmente também fornece
boas ferramentas para desenvolverem sua capacidade
cuidadora e criar ou ampliar sua competência parental. O
que temos visto em nossa experiência terapêutica é que,
em muitos casos, a abertura interna de um espaço para
desenvolver esse ser pai e ser mãe melhora a saúde mental
das crianças-filhos, bem como a autoestima e outras
capacidades dos próprios pais.
PSICOPEDAGOGIA
O SIGNIFICADO DA PSICOPEDAGOGIA
MARTA RIBAS SANTOLIM
Para comentar sobre Psicopedagogia, é importante
retomar o conceito sobre este campo de conhecimento, que
tem como objeto de estudo a aprendizagem e que, mesmo
tendo surgindo da fronteira entre psicologia e pedagogia,
não é uma fusão entre as duas, como, erroneamente,
muitos acreditam.
Enquanto área de conhecimento interdisciplinar,
interessa à Psicopedagogia compreender como se
aprende, como essa aprendizagem varia evolutivamente
e está condicionada a vários fatores, como se produzem
alterações nesse processo, bem como reconhecê-las, tratálas e preveni-las.
Nesses tempos líquidos, em que tudo é realizado
com muita rapidez, é preciso compreender que, assim
como para o andar, o falar, o se alimentar sozinho, entre
outras atividades importantes para o desenvolvimento
do ser humano, para aprender também é preciso tempo,
dedicação, reflexão e investimento.
O trabalho psicopedagógico busca um olhar mais
amplo para a aprendizagem da criança ou do adolescente,
buscando um entendimento e compreensão maior não só
das fraturas que o paciente apresenta, como também das
suas possibilidades de aprendizagem, sempre considerando
que muitas das nossas capacidades se alteram de acordo
com inúmeros fatores. Daí a importância de um trabalho
interdisciplinar com outros profissionais.
Quando o paciente chega ao consultório
psicopedagógico, na maioria das vezes, já vem com a
“etiqueta” de que não é inteligente o suficiente. Além disso,
os pais, como sabemos, depositam grande expectativa
na vida escolar de seus filhos e para eles é uma grande
frustração esses filhos não “estarem indo bem na escola”.
Já nesses primeiros contatos com paciente e família, o
profissional da psicopedagogia deve atuar mostrando que
as possibilidades de cada um vão muito além das notas do
colégio e que dificuldades na escola podem ser decorrentes
de aspectos cognitivos e/ou afetivos.
Uma ação psicopedagógica eficiente busca interferir na
relação no paciente com a sua aprendizagem, resgatando ou
até mesmo criando um vínculo com o prazer de aprender.
Cabe ao psicopedagogo fotografar e investigar o seu
paciente, de todos os lados, para uma maior compreensão
da individualidade de cada um, sempre tendo presente
que o seu paciente é único, como também os seus saberes
e dificuldades.
15
INTERVENÇÕES
PRECOCES
Recktenvald e Juliana Abulé trouxeram sua experiência de viagem
a Budapeste (Hungria), quando tiveram a oportunidade de estudar
e visitar o Instituto Loczy. A palestra “A constituição da criança e a
filosofia de Emmi Pikler” nos propiciou importante troca.
No final do ano, a psicóloga Adriana Ribas, que por catorze
anos esteve na Coordenação do Setor, despediu-se desta função.
Nossa querida colega e amiga, profissional exemplar, segue,
porém, nos acompanhando no Setor eventualmente.
A Coordenação passou, então, para a psicóloga Inta Muller,
profissional que participa do Setor há mais de vinte anos, que tem
toda sua trajetória associada a esta Instituição. A co-coordenação
será da psicóloga Daniela Raskin. Sejam bem vindas!
Atualmente nosso grupo conta com oito profissionais da área
da psicologia. Além das coordenadoras, também participam
Adriana Ribas, Bruna Detoni, Desirée Trois, Giuliana Chiapin,
Lisandra Fuchs, Luciane Kruse e Natália Leusin. Damos as boas
vindas às terapeutas Fernanda Amorim e Viviane Silveira, que
passaram a compor nossa equipe.
Ao longo deste novo ciclo do nosso Setor, buscamos cada vez
mais pensar nas bases do desenvolvimento infantil, podendo assim
auxiliar as famílias que nos procuram, assim como contribuir com
o ensino na nossa Instituição.
COMUNIDADE
escolas. Nessa oportunidade, o público pôde participar
de uma vivência de terapia comunitária integrativa,
manifestando
satisfação
e
grande
envolvimento.
Em abril, a advogada Herta Grossi falou sobre Mediação
Familiar. Esta prática vem sendo cada vez mais utilizada, tanto
no meio jurídico quanto na clínica privada e objetiva possibilitar
o diálogo e a discussão dos conflitos, tendo como função
primordial a manutenção dos vínculos familiares. No primeiro
semestre, contamos ainda com a equipe da Ambientoterapia do
CEAPIA, que abordou formas de lidar com crianças de difícil
manejo e com a psicóloga Denise Bandeira, que falou sobre o
comportamento agressivo na infância.
Tem sido uma satisfação organizar esses encontros ricos e
com temas diversificados e relevantes.
Durante o segundo semestre do ano de 2014, o Setor de
Intervenções Precoces seguiu com as atividades de atendimento a
pais e bebês (0 a 3 anos), estudos teóricos e reuniões clínicas. Nossas
reuniões clínicas são abertas a profissionais do CEAPIA e de áreas
afins e ocorrem no horário em que esse grupo se reúne, nas sextasfeiras, das 15h até às 16h30min. Contamos com a participação de
profissionais da área da saúde que vieram compartilhar conosco
suas experiências, visando assim enriquecermos e ampliarmos
nossos conhecimentos no que diz respeito ao desenvolvimento e
interação das crianças pequenas com seus pais e/ou cuidadores.
Essas atividades estender-se-ão igualmente ao longo do ano de
2015.
Em 2014 estiveram conosco a psicóloga Maíra Meimes, para
falar sobre sua dissertação de Mestrado intitulada “Mãe-criança
e autismo: a contribuição dos fatores psicossociais” e o médico
gastroenterologista Cesár Augusto Detoni e sua esposa, para
falarem sobre sua experiência com a Escola de Pais, que visa a
medidas preventivas dentro do convívio pais/filhos.
Neste primeiro semestre de 2015, as psicólogas Karina
ADRIANA FERREIRA, LEONORA BELLINI
E KÁTIA LUDWIG (COORDENADORA)
Os Encontro da Comunidade têm reunido um grande
número de participantes. Eles acontecem no CEAPIA, um
sábado por mês.
A escolha dos temas é feita a partir das sugestões dos
presentes que prestigiam regularmente este evento, fazendo dele
um momento de troca de experiências e construção de novas
ideias e formas de pensar.
O primeiro encontro do ano, no mês de março, contou
com a participação da psicóloga Cláudia Buarque, que
trouxe sua experiência em Terapia Comunitária com as
ADOÇÃO
Desde o ano passado, o Setor de Adoção, a partir de uma
parceria estabelecida com o Ministério Público, vem pensando
e discutindo a respeito do Programa de Apadrinhamento
Afetivo. Este programa tem como objetivo propiciar
às crianças, afastadas de seu contexto familiar original,
experiências e referências afetivas além das vivenciadas
no ambiente de acolhimento institucional. Tivemos a
oportunidade de participar da seleção dos padrinhos em um
projeto piloto e, tendo em vista a importância dessas figuras
na vida dos afilhados, ficamos com a convicção de que
tal processo deva ser bastante criterioso, para que haja um
encontro exitoso em que laços de confiança e afeto possam
ser construídos.
A adoção é uma das formas para a constituição de uma
família. No entanto, algumas crianças, pela idade mais
elevada, por problemas de saúde, por pertencerem a um
grupo grande de irmãos, dentre outros motivos, acabam não
TRANSTORNOS
ALIMENTARES
16
O Setor de Transtornos Alimentares do CEAPIA surgiu
em dezembro de 2012, com o intuito de atender crianças,
adolescentes e adultos que apresentam problemas relacionados
à alimentação, excesso ou redução preocupante de peso,
assim como outros comportamentos alimentares com padrão
tendo a chance de serem adotadas. São essas as crianças que
podem ser apadrinhadas.
Assim como ocorre com pais adotivos, os padrinhos
precisam estar dispostos a assumir uma função terapêutica,
ressignificando histórias de abandono e oferecendo a seus
afilhados um ambiente continente e estruturante.
Dentre nossos casos do Setor de Adoção, há alguns
de crianças abrigadas, em que os padrinhos afetivos se
responsabilizam financeiramente pelo tratamento. Há outros
em que padrinhos tiveram tamanho envolvimento com seus
afilhados que buscaram habilitar-se e vieram a adotar as
crianças.
O que nos fica claro é que ser Padrinho Afetivo requer muita
disponibilidade emocional, capacidade de escuta e de assumir
a função de cuidador dessas crianças e adolescentes que já
vivenciaram tantas perdas e privações. Acreditamos que essa
é uma oportunidade verdadeira para que os afilhados afetivos
possam conviver com uma família, tendo a possibilidade de
reestruturar conceitos familiares e afetivos que possibilitarão o
estabelecimento de relações duradouras e significativas.
repetitivo que possam comprometer o seu desenvolvimento.
Nossa equipe é multidisciplinar, composta por nutricionistas,
psicólogas e médicas. O Setor vem atendendo casos que se
deslocam do interior do Estado para realizar acompanhamento
especializado. A dinâmica do tratamento dos pacientes
consiste no atendimento nutricional semanal e atendimento
psiquiátrico e psicológico, cuja frequência de consultas varia
conforme a gravidade do caso, podendo aumentar se necessário.
AMBIENTOTERAPIA
PROJETO PORTO ALEGRANDO
Na nossa Ambientoterapia, além das atividades habituais
da rotina – lanche, pátio, hora do conto, psicopedagogia,
dentre outras – com certa regularidade realizamos
passeios externos com as crianças. A realização de passeios
oportuniza aos pacientes que eles se experimentem em
locais fora do setting da Ambiento, com a segurança de
que estarão devidamente acompanhados pela equipe de
terapeutas. Isto é fundamental especialmente porque a
maior parte de nossas crianças apresenta pouca interação
com a cidade e com sua comunidade, ficando limitada
ao convívio com sua família e com um grupo restrito de
pessoas. Portanto, visamos acima de tudo ajudar nossos
pacientes a retomarem o vínculo com a comunidade e
conectarem-se com o ambiente por onde circulam.
Em vista disso, este ano elaboramos um projeto muito
querido e investido por toda a equipe da Ambientoterapia,
o qual tem sido muito bem recebido pelos nossos
pacientes. É o projeto “Porto Alegrando”, que tem por
objetivo apresentar os pontos turísticos da nossa cidade,
estabelecendo elos afetivos dos pacientes com esses locais.
A ideia é possibilitar que possam conhecer e/ou perceber
esses lugares de maneira diferente, ressignificando
suas vivências pela cidade e tornando-as parte da sua
identidade.
Como ponto de partida para o projeto, contamos a
história “Um dia especial”, da autora Léa Cassol, na qual
ela apresenta detalhes e encantos sobre os bairros de Porto
Alegre através do olhar dos personagens. Depois, ouvimos
músicas temáticas a respeito da cidade. A finalidade foi
instigar a curiosidade dos pacientes quanto aos espaços e
PESQUISAS EM
CLÍNICAS-ESCOLA
Clínicas–escola são serviços de atendimento que
funcionam nas instituições de ensino superior de psicologia
e nas instituições de formação em psicoterapia com o
objetivo de praticar a clínica e atender a população de baixa
e média renda1. Nesses serviços de atendimento os alunos
completam a formação, realizando a prática clínica sob a
orientação de um professor-supervisor2. As clínicas-escola
promovem ações e procedimentos que possibilitam o
ensino e a pesquisa, contribuindo para a formação do aluno
e o atendimento à comunidade2. As clínicas-escola foram
criadas pela lei de regulamentação da profissão e de cursos
de Psicologia3. Existem vinte e três clínicas-escola em todo
os estado do Rio Grande do Sul4.
Muitos estudos colocam em evidência a necessidade
de que sejam produzidas pesquisas nas clínicas–escola,
principalmente pesquisas de caracterização de clientela2.
Estudos de caracterização de clientela buscam melhorar o
COORDENAÇÃO: RENATA KREUTZ E VANESSA GIARETTA
(PSICÓLOGAS) - EQUIPE FIXA: FERNANDA AMORIM,
PAULA MILAGRE E PHILIP BREW (PSICÓLOGOS);
ADRIANA FERREIRA (PSICOPEDAGOGA); RAQUEL
BRODACZ (FONOAUDIÓLOGA) E GABRIELA FARIAS
(ASSISTENTE SOCIAL) - TRAINEES: FERNANDA MATTE E
MARÍLIA SCHMIDT (PSICÓLOGAS)
ao cotidiano da cidade.
No mês de março escolhemos fazer um passeio na
Redenção, em comemoração aos 243 anos do aniversário
de Porto Alegre. Para tal, as crianças realizaram um
mapeamento prévio do parque através de imagens,
com a identificação das suas zonas (Monumento ao
Expedicionário, Buda, Lago dos Pedalinhos...). Fomos de
ônibus até o Parque Farroupilha e lá, após um tour a pé
pelos locais pesquisados, sentamos na grama, cantamos
parabéns para nossa querida cidade e desfrutamos de
um maravilhoso piquenique embaixo das árvores. Cada
criança pôde tirar fotos suas em diferentes locais do
parque, para que essas imagens venham a compor um
álbum individual que será construído no desenrolar do
projeto, com fotos delas em todos os lugares visitados.
Em maio, fizemos um city tour de van. Antes desse
passeio traçamos a rota e construímos juntos um mapa
que nos guiou por todos os pontos da cidade que nos
interessam: Usina do Gasômetro, Arena do Grêmio,
Estádio Beira-Rio, Laçador, Orla de Ipanema, dentre
outros. Foi escolhido um desses lugares para descermos e,
mais uma vez, tirarmos fotos, lancharmos, brincarmos e
vivermos juntos experiências emocionais enriquecedoras.
Nos próximos meses, novos passeios serão programados.
Acreditamos que a cidade é um espaço de encontros
possíveis e de experimentação da sociabilidade. Poder
retomar vivências sociais e culturais é, sem dúvida, algo
vital e fundamental para o desenvolvimento!
atendimento psicológico das clínicas-escola e desenvolver
estratégias de ação para elaboração de intervenções mais
eficazes5. Além disso, a clínica-escola pode contribuir para
produção de conhecimento psicológico, fundamentando
novas formas de atendimento4.
O CEAPIA, enquanto clínica-escola com mais de 30
anos de existência, pode ser pensado como um importante
fornecedor e produtor de bases para o conhecimento
do atendimento emocional de crianças e adolescentes6.
A Comissão de Pesquisa do CEAPIA estima que a
Instituição possua cerca de cinco mil prontuários em
seu arquivo permanente. A coleta e estudo desse acervo
vêm sendo desenvolvidos há oito anos pela Comissão de
Pesquisa do CEAPIA. Ao finalizar esse estudo, o CEAPIA,
além de aprender mais sobre sua história e o perfil de sua
clientela, terá mais ferramentas para aprimoramento de
seus serviços clínicos.
SÍLVIA HALLBERG E MILENE MERG
Direção de Pesquisa CEAPIA
REFERÊNCIAS
1) Löhr, S. & Silvares, E. (2006) Clínica-escola: Integração da formação acadêmica com as necessidades da comunidade. In: Silvares, E. F. M. (Org.) Atendimento
Psicológico em Clínicas-escola (p.11-22). Campinas: Alínea.
2) Gauy, F. &; Fernandes, L. (2008) Um panorama do cenário brasileiro sobre atendimento psicológico em clínicas-escola Paidéia (Ribeirão Preto) vol.18 no.40.
3) Brasil (27 de agosto de 1962). Lei no 4.119, que dispõe sobre a formação em Psicologia e regulamenta a profissão de Psicólogo. Capítulo IV (Artigo 16, p. 3).
Disponível em http://www.pol.org.br/legislaçao/pdf/lei_n_4.119.pdf
4) Campezatto, P.& Nunes, M. L. Caracterização da clientela das clínicas-escola de cursos de Psicologia da região metropolitana de Porto Alegre. Psicol. Reflex.
Crit. vol.20 no.3 Porto Alegre 2007
5) Merg, M. (2008). Caracterização da clientela infantil em clínicas-escola. Diss. de Mestrado. Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul.
6) Lucas, B. ; Matos, C. ; Feil, Cristiane Friedrich ; VESCOVI, G. ; SA, I. ; MERG, M. M. G. ; AXELRUD, R. ; Hallberg, S. (2013). Perfil da clientela que buscou atendimento no
CEAPIA: estudos iniciais da comissão de pesquisa. Publicação CEAPIA, v. 22, 102-113.
17
ESTÁGIO
ANELISE MARIATH RECHIA
Trabalhar no Setor de Estágio tem sido uma
experiência gratificante e enriquecedora. Muitas reflexões
e questionamentos têm surgido a partir desses encontros
tão instigantes e mobilizadores com os estagiários. Refirome a eles com essas palavras porque acredito que os
alunos, jovens na idade e/ou na profissão, são especialistas
em questionar, desacomodar o estabelecido e provocar
movimento. Envolvidos com a atividade de estágio,
estamos implicados diretamente nos primórdios das
experiências profissionais dos alunos, as quais ligam-se
diretamente à questão das escolhas. Dentro do currículo
das universidades, diversos estágios são obrigatórios,
em diferentes áreas da Psicologia, mas o que mais temos
observado é que os alunos que “escolhem” o CEAPIA, na
sua grande maioria, já estão identificados com a clínica,
desejam dela se aproximar e experimentarem-se como
“psicoterapeutas”. Nesse espaço, que envolve leituras,
estudos teóricos, técnicos e supervisões, vivem momentos
muito intensos, sobretudo pela possibilidade de encontro
com o nosso principal instrumento de trabalho: nossa
mente e a mente de um outro que nos procura! Vivemos
experiências intensas, momentos de incertezas, dúvidas,
desafios e angústias mobilizadoras. Não se passa por aqui
sem levar na bagagem marcas que, se bem digeridas,
poderão fazer parte de nosso arsenal de recursos teóricos,
técnicos e pessoais.
Bem, não temos como prever a repercussão da
experiência de estágio nos alunos e que efeitos ela terá
sobre seu desenvolvimento profissional e emocional, pois
muitas são as possibilidades de vínculos mentais que cada
um pode fazer dentro de si. Para Grolnick (1993), a prática
inicial é sempre portadora de ansiedades e essas podem
tornar-se úteis quando geram movimentos de busca pelo
que falta. É lógico que não se pode conceber que o estudante,
ou mesmo o profissional, chegará no momento em que
não lhe faltará nada, estará pronto, acabado. Acredito que
isso equivaleria a estar morto. A cada novo estágio, a cada
nova leitura, avistamos um horizonte de conhecimentos e
experiências que ainda nos faltam... Entretanto, sabemos
que certos requisitos são básicos nessa caminhada e que,
ainda que a formação acadêmica e muito estudo sejam
indispensáveis, a formação pessoal do profissional, através
de sua análise, experiências, práticas e uma vida rica de
vivências pessoais, fundamentam um processo individual
de crescimento e transformação. Pensando nessa busca
pela identidade profissional e desenvolvimento pessoal,
gostaria de transcrever para o leitor uma poesia de Cyro
Martins, psicanalista e escritor, que diz o seguinte:
“Pois fica decretado
a partir de hoje,
que terapeuta é gente também.
Sofre, chora,
ama e sente
e, às vezes, precisa falar.
O olhar atento,
o ouvido aberto,
escutando a tristeza do outro,
quando, às vezes,
a tristeza maior está dentro do seu peito.
Quanto a mim,
fico triste,
fico alegre
e sinto raiva também.
Sou de carne
e sou de osso
e quero que você saiba isto de mim.
E agora,
que já sabes que sou gente,
quer falar de você para mim?”
Um grande abraço!
(CYRO MARTINS)
NÚCLEO DE ESTUDANTES
VANESSA GIARETTA
O Núcleo de Estudantes foi criado em 2010 com
o objetivo de estabelecer um elo entre o CEAPIA e os
estudantes de psicologia (estagiários e ex-estagiários da
Instituição) que, através desse espaço, comunicam seus
interesses de estudo e atuação, ajudando a criar grupos
de estudo, seminários e outros eventos voltados para o
público universitário dentro da Instituição. O Núcleo tem
se mostrado um espaço de valorização e entrada para as
renovações, evidenciando-se também como um vínculo
importante para a Instituição, já que muitos ex-estagiários
acabam mantendo um contato frequente com o CEAPIA e,
até mesmo, seguindo sua trajetória profissional no Curso
de Especialização.
Coordenar essa comissão de universitários tem sido
uma grande alegria, pois a turma que compõe o Núcleo
atualmente é engajada, cheia de ideias criativas e com
muita ânsia de crescer e aprender sempre mais e mais!
Eles têm participado ativamente das diversas atividades do
CEAPIA e, em 2014, o espaço que eles foram conquistando
18
levou ao fato de que a Jornada dos Estagiários no final
do ano ocorreu concomitante à dos alunos do Curso de
Especialização. Aqueles que prestigiaram as apresentações
dos estagiários surpreenderam-se com a qualidade técnica
dos trabalhos, que em nada deixaram a desejar para o nível
ao qual se propuseram. Confesso, no entanto, que a mim
não surpreendeu... Fiquei apenas com os olhos brilhantes
de orgulho e já ansiosa com o que eu teria que correr
atrás em 2015, pois essa turma não se cansa de desejar,
felizmente!
Este ano já temos três grupos de estudo em andamento
e muitos planos pela frente. Na primeira semana de julho
será nossa 1ª Jornada Interna dos Estagiários de 2015, que
ainda estamos organizando e em breve divulgaremos com
maiores detalhes. A 2ª Jornada ocorrerá no final do ano,
quando novamente faremos parceria com os alunos do
Curso de Especialização!
Valeu Adriana, Aline, Angélica, Júlia, Laura, Marina,
Rafaela e Victória, minha querida comissão!
PRÊMIO CEAPIA
DIVULGAÇÕES
Inscriç
õe
de Julh s abertas
para o o a Outubro
proce
da 36º sso seletivo
turma.
Curso de Especialização
em Psicoterapia
da Infância e Adolescência
(Início em Dezembro de 2015)
Objetivo
Desenvolver a capacitação teórica e clínica para o exercício
da especialidade de psicoterapeuta de orientação analítica
da infância e adolescência, através do estudo
do desenvolvimento normal e patológico, desde as relações
precoces pais-bebê, passando pela infância até a adolescência,
havendo seu complemento pela abordagem clínica
de todas essas faixas etárias.
Carga Horária
1940 horas, em 3 anos letivos
Foi com imensa alegria que recebi a notícia de que tinha
ganhado o Prêmio CEAPIA com o trabalho “Uma mente em
construção: reflexões sobre a evolução de uma criança no
processo psicoterapêutico”.
A partir do caso clínico de um paciente, teci considerações sobre
a possibilidade de construção e de ampliação do espaço mental
no trajeto da psicoterapia infantil. Discorri sobre pontos-chave
do tratamento em termos de estruturação psíquica, através de
vinhetas ilustrativas. Integradas com a poesia de Vinícius de
Moraes “O Operário em Construção”, elas foram pensadas com
base na literatura científica de autores contemporâneos e na
teoria de Winnicott e de Green.
Gostaria muito de agradecer à Magali Fischer, orientadora do
meu trabalho, e à Lisiane Cervo, minha supervisora, pela
disponibilidade e pelo carinho que tiveram comigo que foram
fundamentais na elaboração da minha escrita. Também
agradeço à Norma Escosteguy por suas ricas contribuições.
Por fim, queria agradecer ao CEAPIA
pela valorização e pela premiação. O `reconhecimento e a
oportunidade de compartilhar meu trabalho
com outros colegas é muito gratificante
e estimulante!
Paula Kern Milagre, Psicóloga
Aluna do terceiro ano do Curso
de Especialização do CEAPIA
Título: Desafios da Clínica Atual
de Crianças e Adolescentes:
Subjetividade e Virtualidade
Coordenação: Psic. Ana Cristina Guimarães
Dia: Quintas-feiras
11h15min às 12h30min
Título: Winnicott
Coordenação: Caroline Milman
Dia: Terças-feiras
12h40min às 13h50min
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28/Agosto - Sexta-feir
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15h Temas Livres
17h15min Encontro com a Comunidade
Título: Sobre a Escola - Exigente ou exigida?
Convidada: Rosália Alvim Saraiva (Mestre em Educação)
Adriana Longoni Moreira (Mestre em Educação)
19h Coffee Break
19h30min Abertura e entrega do Prêmio Temas Livres
Cátia Olivier Mello - Presidente CEAPIA
Aline Restano - Diretora Científica CEAPIA
20h Sobre a Infância: Há tempo?
Convidadas: Maria Lucrécia Zavaschi (Psicanalista SPPA e FAMED-UFRGS)
Olga Falceto (Psiquiatra INFAPA e FAMED-UFRGS)
Coordenação: Abraham Turkenicz (Psicanalista CEAPIA)
29/Agosto - Sábado
20
9h Discussão Clínica
Supervisoras: Lisiane Cervo (Psicanalista SBPdePA e CEAPIA)
Magali Fischer (Psicanalista SPPA e CEAPIA)
Coordenação: Ineida Aliatti (Psicóloga CEAPIA)
14h Sobre ser Pais
Convidadas: Eluza Enck (Psicanalista SBPdePA)
Tânia Wolff (Psicóloga CEAPIA)
Coordenação: Cláudia Giacomet De Carli (Psicóloga CEAPIA)
10h30min Coffee Break
15h30min Coffee Break
11h Sobre ser Criança
Convidadas: Alice Lewkowicz (Psicanalista SPPA)
Vera Mello (Psicanalista SBPdePA)
Coordenação: Paula Pecis (Psicóloga CEAPIA)
16h Sobre ser Psicoterapeuta de Crianças
Convidadas: Nara Caron (Psicanalista SPPA)
Norma Escosteguy (Psiquiatra CEAPIA)
Coordenação: Ester Litvin (Psicanalista SBPdePA e CEAPIA)
12h30min Intervalo para Almoço
17h30min Encerramento da Jornada
Cátia Olivier Mello - Presidente CEAPIA
Inscrições: www.ceapia.com.br
Rua Cel. Bordini, 434 - (51) 3342.7974
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Boletim 2015