Título original: Lessons from South Africa’s National Integrated Plan for ECD Extraído do livro ‘Aprendizagem na Primeira Infância: Lições da atuação em escala’, publicado pela Fundação Bernard van Leer Lições do Plano Nacional Integrado para DPI da África do Sul Linda Biersteker, Diretora de Pesquisa, Unidade de Recursos para a Aprendizagem da Primeira Infância, Cidade do Cabo, África do Sul O Plano Nacional Integrado para o Desenvolvimento da Primeira Infância (DPI) da África do Sul 2005-2010 se baseia em programas públicos, com o objetivo de assegurar que todas as crianças de 0 a 4 anos possam ter acesso a um leque abrangente de serviços de qualidade. Neste artigo, Linda Biersteker avalia como o PNI tem funcionado na prática e extrai lições para a implantação, que podem ser aplicadas tanto na África do Sul no futuro quanto no contexto de outros países. A prestação de serviços de desenvolvimento da primeira infância tem se tornado cada vez mais uma prioridade de desenvolvimento na África do Sul desde a mudança para um governo democrático em 1994. Da mesma forma que em muitos países, o foco inicial era facilitar a transição para a escola primária introduzindo um ano de recepção (série R). Embora continuem existindo desafios, principalmente a qualidade variável dos serviços, a introdução deste ano de preparação foi uma conquista considerável (Biersteker, 2010): 60% das crianças de 5 anos de idade o frequentam, e o acesso universal está previsto até 2014. No entanto, o processo de desenvolvimento de políticas para DPI (National Education Policy Investigation, 1992; Congresso Nacional Africano, 1994; Padayachie e outros, 1994) reconheceu que apenas este ano pré-escolar adicional não proporcionaria uma plataforma forte o suficiente para o desenvolvimento das crianças, principalmente as mais vulneráveis e as que vivem em situação de pobreza nas áreas rurais. Documentos de políticas (Departamento de Educação, 1995; 2001) referiram-se à necessidade de uma abordagem multissetorial de serviços para crianças pequenas. Finalmente, em 2005, o Comitê Nacional Interdepartamental para a DPI produziu o Plano Nacional Integrado (PNI) para DPI 2005-2010 (Departamentos de Educação, Saúde e Desenvolvimento Social, 2005). O PNI procurou assegurar que todas as crianças com idade entre 0 e 4 anos pudessem ter acesso a um leque de programas de qualidade de DPI com equipe treinada e serviços abrangentes, visando a saúde, a nutrição e o bem-estar social. O PNI se baseia em programas públicos existentes, incluindo: assistência médica gratuita para crianças com menos de 5 anos de idade, para mulheres grávidas e que estejam amamentando (introduzido em 1994) assistência social na forma de bolsa de apoio à criança (introduzido em 1998) subsídios de pobreza, por criança, em centros comunitários sem fins lucrativos de DPI para crianças abaixo da idade escolar. A abordagem holística do PNI foi reforçada pelo Estatuto da Criança de 2005, que entrou em vigor em abril de 2010 e define o DPI como “o processo de desenvolvimento emocional, cognitivo, sensorial, espiritual, físico, social e de comunicação de crianças desde o nascimento até a idade escolar”. O PNI é um plano ambicioso não só porque reúne diferentes departamentos, mas também devido à sua enorme meta de atender de 2,5 a 3 milhões de crianças pobres e ao seu enfoque multisserviços. Ele reconhece várias abordagens para o desenvolvimento de crianças pequenas, incluindo: serviços diretos para as crianças treinamento de educadores e pais promoção do desenvolvimento da comunidade construção da conscientização pública. Serviços formais com base em centros representam a forma predominante de fornecimento de DPI. Foto: Cortesia da Unidade de Recursos para a Aprendizagem da Primeira Infância Dentre os serviços e programas que necessitam ser fornecidos para crianças de 0 a 4 anos de idade de forma integrada no âmbito do PNI, estão incluídos: registro universal de nascimentos Gestão Integrada de Doenças Infantis (IMCI, da sigla em inglês) promoção de gravidez, parto e primeira infância saudáveis imunização nutrição serviços de encaminhamento para saúde e serviços sociais (bolsas de seguro social e serviços de acompanhamento) estimulação da aprendizagem precoce desenvolvimento e implantação de programas psicossociais. O PNI supera a visão limitada de considerar os serviços de DPI como sendo creches e pré-escolas, e passa a englobar locais de atendimento que incluem as casas das crianças, centros formais de DPI, ambientes comunitários de puericultura, ambientes informais de DPI, presídios, centros de atendimento para jovens e crianças e hospitais psiquiátricos. Todos esses locais foram classificados como serviços domiciliares, serviços comunitários e serviços formais de DPI, com 50% dos serviços realizados em casa, 30% na comunidade e 20% em locais formais. O PNI é supervisionado pelo Comitê Nacional Interdepartamental para o DPI, que inclui entre seus membros o Departamento de Educação, Saúde e Desenvolvimento Social (o departamento que lidera o comitê). O Estatuto da Criança regulamenta e centraliza os serviços e programas, e fornece as normas e padrões. Os comitês interdepartamentais em nível local e provincial são responsáveis pelo desenvolvimento e implantação de planos integrados para os serviços de DPI para crianças pequenas, de acordo com as diretrizes fornecidas pelo Comitê Nacional. O termo “integração” é utilizado no PNI para expressar uma abordagem em que os serviços e programas são fornecidos de forma entrelaçada e abrangente, com o objetivo de assegurar o desenvolvimento holístico da criança. Ele é explicitamente visto como a “descrição das relações e vínculos que estão sendo desenvolvidos entre os departamentos governamentais, ONGs e comunidades para fornecer programas abrangentes de DPI para as crianças da África do Sul” (Departamentos de Educação, Saúde e Desenvolvimento Social, 2005: 16). O PNI foi desenvolvido por meio de uma abordagem em fases, com foco inicial na qualidade e no crescente acesso aos centros. O começo foi com os centros registrados de DPI (Fase 1), com a intenção de ampliar para os centros não registrados na Fase 2. O programa incluía o treinamento dos profissionais que trabalhavam nas instalações dos centros de DPI, o aumento da quantidade de centros subsidiados e de crianças atendidas, e o incentivo para que todos os centros de registrassem. Em apoio ao treinamento foi utilizada uma das principais medidas governamentais de curto prazo para enfrentar a pobreza, o Expanded Public Works Programme Social Sector Plan1, que propiciou oportunidades de desenvolvimento de habilidades e impulsionou muitas das oportunidades de treinamento. A Fase 3 trata do estabelecimento de um “programa mãe-filho”, incluindo visitas domiciliares para prestar apoio aos pais em situação de maior vulnerabilidade, o fornecimento de programas de estimulação precoce e proporcionar uma rota de encaminhamento para os serviços apropriados. Da política à implantação: a situação atual do fornecimento serviços de DPI 1 Nota do Tradutor: Plano de Obras Públicas Expandidas do Programa do Setor Social, em tradução livre. Serviços de DPI (formais) com base em centros representam a forma predominante de prestação dos serviços e já superam a meta do PNI de atender 20% das crianças – pesquisas nacionais indicam que aproximadamente 30% das crianças frequentam um centro de algum tipo. Os centros de DPI que atendem crianças com menos de 5 anos de idade raramente são oferecidos pelo governo, sendo em sua maioria privados ou de organizações sem fins lucrativos, dirigidas por ONGs e grupos comunitários. Isto tem resultado em acesso e qualidade em níveis muito variáveis. O papel do governo é a regulamentação, e os departamentos provinciais de Desenvolvimento Social fornecem subsídios para a triagem de crianças em centros sem fins lucrativos. Os Centros devem se registrar junto às autoridades locais e ao escritório local do Departamento de Desenvolvimento Social, para assegurar o cumprimento dos padrões mínimos e para entrar no sistema de acompanhamento e apoio. É necessário realizar o registro para que os beneficiários dos subsídios possam solicitá-los. A qualificação da equipe também é especificada nas normas e padrões do registro, embora no momento haja uma grande carência de profissionais formados. A infraestrutura é deficiente, o que impossibilita que alguns centros atendam os requisitos mínimos, e as restrições de recursos humanos nos escritórios de distritos e províncias tornaram o processo de registro bastante desafiador. A falta de dados confiáveis sobre o número de crianças matriculadas, a situação da infraestrutura e os níveis de qualificação do pessoal, representam problemas adicionais. A meta do governo é dobrar o número de crianças que recebem subsídios para 600.000 até 2014. Em março de 2011, 476.000 crianças estavam recebendo subsídios – um aumento significativo em relação às 270.000 em 2004-2005. Os subsídios aumentaram anualmente de um mínimo de ZAR 9 (cerca de $1,25) por criança por dia em 2008, para ZAR 12 ($1,70) em 2010-2011, e provavelmente subirão para ZAR 15 ($2,10) no próximo ciclo orçamentário. Não há dúvida de que o financiamento do subsídio é bem segmentado e essencial para a sustentabilidade dos programas de centros de DPI em comunidades pobres, mas também de que ele não cobre os custos do fornecimento, e a necessidade de pagar taxas exclui as crianças mais pobres. Somente 14% das crianças pobres recebem atualmente o subsídio. Além disso, os serviços dos centros são desviados para as crianças mais velhas, com a maioria dos recém-nascidos e crianças com até 3 anos de idade sendo cuidadas em casa e em ambientes comunitários. Serviços comunitários e domiciliares incluem programas de visitas domiciliares, atividades educativas em comunidades, programas de educação dos pais e várias combinações destes. A prioridade dada para este tipo de serviço na Fase 3 do PNI é baseada em evidências sobre a capacidade deste tipo de programa para alcançar uma maior cobertura da comunidade e atingir as crianças mais vulneráveis de forma mais integrada. Entretanto, embora muitos modelos tivessem sido testados e operados por ONGs (Biersteker, 2007), houve pouco apoio para implantação de programas de DPI domiciliares e comunitários. Funcionários do Departamento de Desenvolvimento Social, que têm a maior responsabilidade, não apresentaram um plano coerente para a expansão dos serviços de DPI para além dos centros. Tendo em conta que a maioria das crianças mais vulneráveis provavelmente não tem acesso aos centros, este é um problema sério. Embora o PNI enfatize a integração e a prestação de serviços coordenados, é extremamente difícil conseguir isso na prática. Existem obstáculos significativos no caminho da expansão dos serviços domiciliares e comunitários. Os orçamentos de DPI mal acompanham o ritmo das metas para expansão dos subsídios dos centros, e há poucas sobras para outros tipos de programas. Em 2007, apenas uma província estava fornecendo apoio significativo para programas de DPI visando ambientes domiciliares (Biersteker, 2007), embora outras províncias estejam agora começando a fornecer apoio limitado a este tipo de trabalho. Além disso, não há provisionamento e normas de financiamento para programas domiciliares e comunitários e a regulamentação do Estatuto da Criança não lhes dá uma cobertura adequada. Evidentemente, muitos aspectos do PNI estão além das estruturas legais e de financiamento, e a necessária adesão ainda não foi alcançada em todas as províncias ou em nível local. Algumas lições do processo sul-africano de ampliação de escala Integração Embora o PNI enfatize a integração e a prestação de serviços coordenados, é extremamente difícil conseguir coordenar e integrar os serviços oferecidos por vários departamentos. Há dúvidas se as estruturas de coordenação interdepartamental nacional e provinciais realizaram mais do que os departamentos trabalhando por conta própria teriam conseguido. Embora o Departamento de Saúde seja um provedor fundamental para crianças pequenas, ele não tem sido ativo nas estruturas interdepartamentais. A experiência internacional mostra que no âmbito local a integração é mais eficaz, mas há pouca coordenação na maioria dos municípios. Uma complicação adicional é a falta de clareza legislativa sobre o papel das autoridades locais no que diz respeito aos serviços para a primeira infância, além de cuidar da saúde e segurança. Para que a integração funcione é necessário: definição das competências, liderança e coordenação, e das responsabilidades de financiamento dos diferentes departamentos e níveis de governo compromisso orçamentário de cada departamento envolvido para apoiar o planejamento intersetorial conjunto e o processo de monitoramento programas conjuntos envolvendo planejamento colaborativo e entrega de serviços intersetoriais, para fornecer uma plataforma e cultura de prestação de serviços integrados; em certa medida, isto tem sido realizado no planejamento conjunto para treinamento de profissionais de DPI em nível provincial pelos Departamentos de Educação e Desenvolvimento Social. Passando para uma sequência contínua de programas A importância do PNI para crianças pequenas está no seu reconhecimento de que há necessidade de uma variedade de serviços de DPI e de locais para sua realização, para aumentar o acesso das crianças mais vulneráveis. No entanto, tem sido difícil conseguir a mudança do foco em serviços com base em centros, que ainda recebem a maior parte do orçamento para DPI e da atenção dos departamentos. Há alguns motivos para isso, que provavelmente se aplicam a outros países que tentam ampliar sua estrutura de serviços de DPI: 1. Equipe departamental e outros envolvidos estão familiarizados com os centros e não entendem muito o conceito de DPI integrado. 2. Os argumentos a favor do DPI que tendem a gerar maior apetite fiscal são os que se inclinam para o seu papel de melhorar os resultados escolares, e isto também tende a favorecer os serviços de pré-escola. 3. As intervenções multifacetadas exigem maior capacidade de recursos humanos do que os departamentos provinciais e a sociedade civil possuem no momento. Deveria haver vários modelos de prestação de serviços para a estimulação precoce em casa e apoio psicossocial, conforme a necessidade, e ainda não foi determinada ou orçada uma abordagem do serviço. Será preciso desenvolver um quadro de trabalhadores para esses programas e as ONGs têm sido úteis na concepção de programas de capacitação para este fim. 4. A ampliação de escala pode muitas vezes ser realizada mais rapidamente utilizando a infraestrutura existente – por exemplo, acrescentando-se ao sistema escolar. Não existe uma rede de pontos de atendimento para oferecer o leque de serviços domiciliares e comunitários previstos no PNI. O uso de centros de apoio como nódulos está sendo testado, mas a possibilidade de construir sobre a infraestrutura já existente de clínicas precisa ser explorada, principalmente para a assistência às necessidades psicossociais mais amplas de crianças abaixo de 3 anos de idade e de seus primeiros educadores. Apoio e comunicação A realização progressiva de serviços para a primeira infância na África do Sul tem sido uma grande conquista, apoiada por compromissos internacionais como a Convenção sobre os Direitos da Criança, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e a Educação para Todos. A legislação é essencial para impor a prestação dos serviços, pois as políticas muitas vezes não são implantadas, e poucos países têm destacado o DPI na legislação para crianças do modo que a África do Sul fez no Estatuto da Criança. No entanto, o Estatuto deixa o financiamento dos serviços de DPI a critério das províncias, e sempre há o perigo de prioridades concorrentes em um país que luta contra a pobreza, o subdesenvolvimento e a desigualdade. O perigo de argumentar pelo financiamento público com base na promessa de melhoria dos resultados educacionais, é que o investimento pode ser retirado caso os resultados não sejam suficientemente bons – um perigo agravado pela possibilidade de que as expectativas sejam excessivamente elevadas, considerando as circunstâncias difíceis em que as crianças pequenas estão sendo criadas. Está claro que uma defesa muito maior do programa é necessária em todos os níveis: em primeiro lugar, para fornecer informações para os pais e outros cuidadores de crianças pequenas, para que serviços aceitáveis sejam exigidos e utilizados; em segundo lugar para fornecer informações aos políticos, funcionários públicos e ao povo em geral sobre o que significam serviços holísticos de DPI e por que eles são importantes para o bem-estar das crianças pequenas e futuros cidadãos. Para resolver estas questões é necessária uma defesa dedicada dentro do governo, bem como de organizações e instituições da sociedade civil. Referências Congresso Nacional Africano. (1994). A Policy Framework for Education and Training, documento para discussão. Johanesburgo: Departamento de Educação, Congresso Nacional Africano. Biersteker, L. (2007). Rapid Assessment and Analysis of Innovative Community and Home-based Childminding and ECD Programmes in Support of Poor and Vulnerable Babies and Young Children in South Africa. Pretória: UNICEF. Biersteker, L. (2010). Scaling-up Early Child Development in South Africa: Introducing a Reception Year (Grade R) for children aged five years as the first year of schooling. Wolfensohn Center for Development Working Paper 17. Washington, DC: Brookings Institution. Departamento de Educação. (1995). White Paper on Education and Training. Pretória: Government Gazette. Departamento de Educação. (2001). White Paper 5: Early childhood development. Pretória: Departamento de Educação. Departamento de Educação, Departamento de Saúde e Departamento de Desenvolvimento Social. (2005). National Integrated Plan for Early Childhood Development in South Africa 2005–2010. Pretória: Departamento de Educação. National Education Policy Investigation (NEPI). (1992). Early Childhood Educare: Report of the National Education Policy Investigation. Cidade do Cabo: National Education Coordinating Committee/Oxford University Press. Padayachie, R., Atmore, E., Biersteker, L., King, R., Matube, J., Muthayan, S. e outros. (1994). Report of the South African Study on Early Childhood Development. Johanesburgo/Washington, DC: Centro para o Desenvolvimento de Política da Educação/Banco Mundial.