machinarium
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Rio de janeiro, 2013
machinarium
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Assim como qualquer outra área do conhecimento, a arte também
tem se valido dos avanços tecnológicos. O fazer artístico, a ciência e a
tecnologia têm uma ligação antiga e não faltam exemplos de artistas
que trabalharam na direção de borrar os limites desse trinômio –
como Leonardo da Vinci.
De 14 de julho a 8 de setembro de 2013, Machinarium, coletiva
de oito artistas visuais contemporâneos do Brasil e do exterior,
exibiu, no Oi Futuro Ipanema, criações – a maior parte nunca
apresentada ao público brasileiro – que fazem uso das atuais
tecnologias de captação e reprodução de som e imagem, para,
justamente, pôr em evidência as simbioses entre homem e máquina.
Nesse nosso tempo, em que a intimidade com a tecnologia
é forjada praticamente no berço e em que o homem-máquina
já não é mais uma abstração, com a neurociência sendo um
terreno cada vez mais explorado, esse conjunto Machinarium
suscita muitas questões.
Aqui, neste livro-catálogo, reproduções fotográficas das obras
mostradas na coletiva – instalações, vídeos, fotografias e objetos –,
e textos conceituais estão a serviço de instigantes reflexões sobre as
diferenças e semelhanças entre corpo/imagem, carne/artifício, vida/
morte, no contexto da arte contemporânea.
Boa leitura!
ROBERTO GUIMARÃES
Diretor de Cultura
Oi Futuro
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Just like any other area of human endeavor, ar t is also subject
to technological advances. Ar t, science and technology have a
longstanding connection and there is no shor tage of examples
of ar tists who have worked to expand the limits of this trinomial,
such as Leonardo da Vinci.
Between July 14th and September 8th, 2013, Machinarium ,
a collective of eight contemporary visual ar tists from Brazil and
abroad, showed their creations, most of them never seen before
in Brazil, at the Oi Futuro Ipanema Exhibition. The standout
feature of these works was their use of current technologies for
capturing and reproducing sound and images, for the purpose
of demonstrating the symbiosis between man and machine.
In our times, when intimacy with technology is forged
practically in the cradle, and when the concept of man-machine
is no longer an abstraction, due to the constant advances in
neuroscience, this set of works by Machinarium raises many
questions.
This catalog book, with photographic reproductions of the
works shown at the collective exhibition – installations, videos,
photographs and objects – and conceptual texts serves to
instigate reflections about the differences and similarities
between body/image, flesh/ar tifice and life/death, in the context
contemporary ar t.
Good reading!
ROBERTO GUIMARÃES
Director of Culture
Oi Futuro
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su
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Machinarium, Genealogias do corpomáquina | Machinarium, genealogies
of the body-machine
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Exposição | Exhibition
Artistas e cientistas entre vírus,
DNA, plantas e raios X1 | Artists and
scientists among viruses, DNA, plants
and X-rays
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Cris Bierrenbach
Guto nobrega
Herwig turk
Joseph nechvatal
Marta de menezes
monica mansur
Steve miller
ma
chi
na
rium
Machinarium,
genealogias do corpo-máquina
Marisa Flórido Cesar
Curadora
Durante séculos, figuras maquínicas vêm povoando a literatura, invadindo o universo das ar tes, tecendo todo tipo de
associação na filosofia e nas ciências. Sob o signo do fantástico
e do estranho, desafiando a racionalidade moderna, a literatura foi assombrada pelos autômatos de Hoffmann, pelo mito
da criação apropriado pela técnica de A Eva futura , de Villiers
de L’Isle Adam, pela terrível solidão da criatura e do criador de
Frankenstein, de Mary Shelley, ou de Morel, de Bioy Casares.
Tampouco são escassas as comparações na filosofia: do deus
fabricante que cria o homem como um mecanismo de Descar tes
à máquina-corpo de La Mettrie; da psique como um aparelho de
Freud às máquinas celibatárias e desejantes da esquizoanálise
de Guattari e Deleuze.
Máquina-celibatária é um termo emprestado de Duchamp.
As metáforas do corpo-máquina, os mecanismos inventados por
ar tistas, como os de Picabia e Tinguely, entre tantos outros,
atravessam as ar tes visuais. Da teknè grega à ars latina, do
ar tista ar tesão grego ao ar tista cientista do Renascimento – no
qual Leonardo da Vinci, com suas máquinas de guerra ou suas
próteses de voar, é figura emblemática – , do ar tista alquimista
e prestidigitador que invade as representações de ateliês no
século XVI às imbricações entre ar te, vida e tecnologia da atualidade, não faltam, na história das ar tes, relações complexas
entre ar te, técnica, ciência.
Todo corpo é ar tificial. Uma construção erguida por discursos, poderes e crenças, em séculos de metafísica e teologia.
No entanto, cada vez mais as promessas de eternidade antes
centradas no corpo teológico foram se transferindo para a vida
perpetuada pelas tecnologias e pela ciência. O corpo (cuja imagem e imaginário vinculavam-se às noções de criação e encarnação) é inspecionado e ver tido em imagens por radiografias e
técnicas afins; a vida é traduzida em código genético, replicada
no cinema e recriada nos laboratórios.
A carne, ao revés, sempre expiou sua opacidade, sua fragilidade e seus contornos incer tos. Se hoje o corpo submete-se à
imagem de um ideal midiático, a carnalidade flácida e imperfeita,
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com suas secreções e visceralidade abjeta, é obsessivamente
controlada por fármacos, regimes alimentares, exercícios físicos, cirurgias plásticas e próteses de silicone. Mas se no imaginário do corpo ar tificial estão as promessas de transcendência da carne, também nele se projeta a complexa mecânica das
ligações e dos sentimentos humanos. Máquinas são concebidas
como organismos: a robótica cria híbridos, vírus se propagam
pela internet corrompendo os aparelhos, seus programas, suas
imagens. Sobre as máquinas nas artes, por sua vez, projetam-se
sentimentos e desejos, terrores e prazeres humanos; sobre elas
se refletem a atração entre os sexos, as relações de poder entre
os homens, entre o homem e o mito, o homem e o estranho que
o habita, entre criador e criatura. Ressoam, em sua mecânica, o
erotismo, a potência de criação e destruição, o poder e o controle,
a servidão e a rebelião (do homem e do autômato), a razão e o
nonsense, as crenças religiosas e as angústias da finitude. É a
complexa dinâmica das relações humanas que aí subjaz.
Em Machinarium , o corpo-máquina é interrogado tanto na
simbiose entre vida e ar tifício como na tradição do retrato
pictórico e fotográfico, repensada nas imagens em raio-X, endoscópicas, tomográficas e nas codificações genéticas. Mas a
interseção da ciência e da tecnologia com a ar te serve, aqui,
sobretudo, à indagação do humano, ínfimo humano.
Machinarium artístico
Quando viu sua mão radiografada, em 1895, a esposa de Wilhelm Röntgen, físico alemão que descobriu os raios X, reconheceu nela a imagem de sua mor te. A estranheza nas radiografias
de Cris Bierrenbach é de outra ordem, no corpo da ar tista estão
inseridos instrumentos cor tantes, como se desejassem devolver
carne àquela imagem fantasmática. Nas radiografias de Steve Miller não apenas animais em extinção como suas imagens
assemelham-se a fósseis. Um bestiário espectral cujas imagens
técnicas parecem situadas em um tempo irreconhecível, entre o
arcaico e a codificação pós-hecatombe.
As tomografias de Marta Menezes, realizadas durante ações
diferenciadas (como ouvir um piano ou ler um livro), são retratos
sinestésicos: mapeiam as cores do cérebro que variam de acordo
com os afetos e sensações despertados durante a realização das
tarefas. Endophilia, de Monica Mansur, remete a antigas cosmologias em que o homem é um microcosmo, onde o macrocosmo
se prefigura, em que os extremos do universo, o dentro e o fora,
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o infinito e o ínfimo, a esfera mais alta e luminosa e a entranha
mais obscura do corpo humano se aproximam por analogias. Correspondências próximas a Inner Cloud de Marta Menezes, em que
cinco nuvens de DNA seco em precipitação reverberam um firmamento que tem o código genético como medida.
Em DNA Film , de Herwig Turk, um vídeo de sequências de
DNA é projetado em uma mesa cirúrgica. O corpo cor tado pelo
bisturi é substituído pela assepsia de uma mensagem codificada e sua gramática, e ambos pretendem fornecer, aos seres
vivos, seu modelo hereditário, a decifração de sua existência, a
memória de suas dores e prazeres. Interceptar as mensagens,
devolver a opacidade e o enigma das palavras, dos seres e de
suas imagens é o que ensaiam os vídeos de Mansur, em que
imagens de suas cordas vocais falando ‘Sopro’ e ‘Silêncio’ não
nos permitem discernir a anatomia ou as palavras emitidas.
A simbiose entre bio e artifício é abordada na criação de vírus
virtuais que devoram a imagem eletrônica de Joseph Nechvatal
ou nos híbridos robóticos de Guto Nóbrega. Um robô que retira a
planta de sua suposta indiferença e imobilidade: basta tocarmos
sutilmente suas folhas ou expirar próximo a ela, que o híbrido
reage ao estímulo movimentando-se em nossa direção.
São obras que vêm per turbar o limiar entre homem e máquina, corpo e imagem, carne e ar tifício, vida e codificação científica, criação e mor te.
Marisa Florido Cesar
Pesquisadora, crítica de ar te e curadora independente
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Machinarium, genealogies of the
body-machine
Marisa Flórido Cesar
Curator
Mechanical figures have been present in literature for
centuries, invading the universe of the ar ts, weaving all types of
association in philosophy and the sciences. Under the moniker
of the fantastic and the strange, defying modern rationality,
literature was haunted by the automatons of Hoffmann, by the
myth of creation appropriated by the technique of A Eva futura ,
by Villiers de L’Isle Adam, by the terrible solitude of the creature
and creator in Frankenstein, by Mary Shelley, or of Morel, by
Bioy Casares. And philosophy does not lack comparisons: from
the fabricator God who creates man as a mechanism theorized
by Descar tes to the machine-body of La Mettrie; from the psyche
as an apparatus of Freud to the bachelor machine and desiring
machines of the schizoanalysis of Guattari and Deleuze.
Bachelor machine is an expression borrowed from Duchamp.
The metaphors of the body-machine, the mechanisms invented
by ar tists, such as those of Picabia and Tinguely, among many
others, pass through the visual ar ts. From the Greek teknè
to the Latin ars , from the Greek ar tisan to the ar tist-scientist
of the Renaissance, among whom Leonardo da Vinci, with his
war machines or flying prostheses, is the emblematic figure,
from the ar tist alchemist and prestidigitator who invades the
representations of the ateliers of the sixteenth century to
the imbrications among ar t, life and technology of nowadays,
the history of ar t does not lack the complex interplay of ar t,
technique and science.
All bodies are ar tificial, a construct erected by discourses,
powers and beliefs, during centuries of metaphysics and
theology. However, the promises of eternity previously centered
on the theological body are increasingly being transferred to the
life perpetuated by technologies and science. The body (whose
image and imagination are connected to the notions of creation
and incarnation) is expected and depicted in radiographic
images and similar techniques; life is translated into genetic
code, replicated in the cinema and recreated in the laboratories.
In contrast, the flesh has always been characterized by its
opaqueness, its fragility and its uncer tain outlines. If today the
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