Questões Estéticas em James Joyce e Tomás de Aquino
Aesthetics questions in James Joyce and Thomas Aquinas
Maurício Fernando Pitta1- Universidade Estadual de Londrina
RESUMO: Em sua obra Retrato do artista quando jovem, o escritor irlandês James Joyce, usando de
seu alter ego, Stephen Dedalus, apresenta um breve tratado estético através de uma interpretação
própria de conceitos tomistas. Tal interpretação diverge dos escritos de Tomás de Aquino,
especialmente no tocante a relação entre o belo e o bem, tomada como relação entre o belo e o
verdadeiro por Joyce. No presente artigo, busca-se articular a argumentação de Joyce através de seu
personagem Stephen Dedalus, a fim de dialogar com a teoria estética do filósofo escolástico, diluída
ao longo de suas obras.
Palavras-chave: Belo, Claritas, Escolástica, Estética medieval, Integritas, James Joyce, Proportio,
Tomás de Aquino
ABSTRACT: In his work A portrait of the artist as a young man, the Irish writer James Joyce, using
his alter ego, Stephen Dedalus, presents a brief aesthetic treatise through his own interpretation of
tomists’ concepts. Such interpretation diverges from Thomas Aquinas’s writings, especially regarding
the relation between the beauty and the good, took as a relation between the beauty and the true by
Joyce. In the present article, one seeks to articulate Joyce’s argumentation, though his character
Stephen Dedalus, in order to dialogue with the scholastic philosopher’s aesthetics theory, diluted
through his works.
Keywords: Beauty, Claritas, integritas, James Joyce, Medieval aesthetics, proportio, Scholasticism,
Thomas Aquinas.
1. Introdução
A
ampla obra de Tomás de Aquino não apenas demonstra a magnitude de tal
filósofo, integrante da Escolástica, tanto para o pensamento medieval quanto para toda a
tradição filosófica posterior, como também sua importância como um dos filósofos de seu
período que evidencia a existência de uma reflexão estética em meio à tendência metafísica da
filosofia do medievo. Umberto Eco, estudioso da estética tomista, aponta para a visão muito
1
E-mail: [email protected]. Graduando em Filosofia pela Universidade Estadual de Londrina.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Albertuni
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difundida de que a filosofia medieval, além de acusada de não possuir identidade própria,
carece de sensibilidade estética (cf. 1989, p. 11). A teoria de Aquino refuta esse preconceito,
ao apresentar sua estética do organismo, coadunando forma e matéria em um todo concreto e,
partindo disso, demonstrando as características constituidoras de um objeto belo (cf. id. ibid.,
p. 113-114).
Os trabalhos literários do irlandês James Joyce, sobretudo aqueles presentes em suas
obras semiautobiográficas Stephen Hero e Retrato do artista quando jovem (cf. VIZIOLI,
1991, p. 49), trazem à tona a poderosa influência que a filosofia tomista como um todo
exerceu no pensamento ocidental moderno e contemporâneo. Segundo Robert Scholes e
Marlena G. Corcoran (1992, p. 85-86), é pelo protagonista Stephen Dedalus que Joyce resgata
seus estudos estéticos de juventude, que incluíam reflexões acerca de conceitos elencados por
Aquino em sua obra. O personagem joyceano, nas duas obras citadas, rearticula os conceitos
tomistas de proportio, integritas e claritas, levando-os a outro direcionamento.
A reutilização de conceitos de Tomás de Aquino – que, no romance, serve de
propulsor para a construção do raciocínio de Dedalus em meio a um diálogo com Lynch, em
que o protagonista, um jovem estudante de Estética, pretende expor o resultado de seus
últimos estudos ao colega – nos é apresentada, de fato, para que sirva de suporte para a
argumentação de Joyce acerca de questões estéticas, em diálogo pulsante com a tradição
filosófica e literária. Não obstante, faz-se necessário um resgate dos próprios conceitos
tomistas, a fim de contrapô-los àqueles expostos por Joyce em seu romance, tendo em vista
que há disparidades entre a estética organicista de Tomás e a reinterpretação joyceana da
mesma.
Adiante, expõe-se a interpretação de Joyce, a fim de ser comparada com a verdadeira
teoria estética proposta nos escritos de Tomás de Aquino.
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2. Uma interpretação da teoria estética tomista na obra de Joyce
Em todo o seu romance Retrato do artista quando jovem (1964), Joyce demonstra a
veia artística pulsante em seu alter ego, Stephen Dedalus, e sua vocação esteticista, que parte
de potência a ato ao longo dos cinco episódios constituintes da obra. Paulo Vizioli explicita o
fato de que, tanto da parte do autor quanto da parte do protagonista, “o único compromisso
[...] é com sua própria arte, que deve sobrepor-se a tudo” (1991, p. 51), sendo a obra de Joyce
sua verdadeira “profissão de fé estética.” (id. ibid.) Ao longo do romance, o protagonista
cresce e se forma não apenas enquanto indivíduo, mas também como esteta e artista, ao passo
que a própria linguagem empregada na prosa modifica-se, refletindo esta progressão, pois
passa “da linguagem infantil das páginas iniciais para a linguagem intelectual dos debates
filosóficos” (id. ibid., p. 52) Porém, é no quinto episódio, que cobre o período em que o
personagem está a cursar na universidade católica de Dublin, que se evidencia a teoria estética
joyceana em meio à tentativa de autoafirmação do jovem artista.
Joyce articula sua argumentação através do diálogo entre os personagens Stephen
Dedalus e Lynch (cf. 1964, p. 189-199), que culmina, enfim, na reinterpretação da teoria
tomista em questão. Dedalus inicia a conversa com seu colega, partindo da tragédia
aristotélica. Para Aristóteles, a poesia, para ser definida como trágica, deve suscitar no
espectador os sentimentos de piedade e terror, a fim de purificá-lo pela catarse (cf. 2003, p.
111). Joyce, na voz de seu personagem, cria definições para tais sentimentos, a fim de
formular uma distinção entre arte própria e imprópria. Essa distinção, conforme apresenta
Scholes e Corcoran (1992, p. 79, 80), já havia sido desenvolvida por Joyce na sua juventude,
em sua tentativa fracassada de tratado estético que, posteriormente, culminou nos escritos de
Stephen Hero e Retrato... Para Joyce/Dedalus, a arte própria é estática, enquanto que a
imprópria é cinética (1964, p. 190). A tragédia, na definição aristotélica, seria um exemplo de
arte própria, pois suscita sentimentos que “detém a mente [do observador] na presença de
qualquer coisa que seja grave e constante no sofrimento humano” (id. ibid., p. 189; trad.
nossa). Tal detenção da mente caracteriza o caráter estático da arte própria, em contraposição
à arte imprópria, que desperta sentimentos dinâmicos, como o desejo e a repugnância, que
aproximam ou afastam o observador do objeto observado. A estase é característica da arte
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própria, justamente porque designa a verdadeira emoção estética, que é aquela na qual “a
mente é detida e elevada acima do desejo e da repugnância” (id. ibid., p. 190; trad. nossa). Os
sentimentos cinéticos, segundo Joyce, são físicos: respostas corpóreas a estímulos externos,
como, por exemplo, a atração sexual ou o nojo. Continua ele, através de seu personagem:
“[...] sua carne responde ao estímulo de uma estátua nua, mas ela [a resposta] foi,
digo eu, simplesmente uma ação reflexiva dos nervos. A beleza expressa pelo artista
não pode despertar em nós uma emoção que seja cinética ou uma sensação que seja
puramente física. Ela desperta, ou deveria despertar, ou induz, ou deveria induzir,
um estase estético, uma piedade ideal ou um terror ideal [...]”.
(JOYCE, James. A portrait of the artist as a young man. Introdução e notas de J. S.
Atherton. Londres: HEB, 1964. p. 191. [tradução minha, grifo meu]).
Tendo feito a distinção entre arte própria e imprópria e posto em questão a beleza,
Lynch pressiona Dedalus, para que ele defina o que é esta beleza; e é nesse momento que
Joyce começa o dialogar com Tomás de Aquino através de uma citação livre feita pelo
protagonista, a saber, “a conclusão de que são belas as coisas cuja apreensão agrada.”
(SCHOLES & CORCORAN, 1992, p. 80) – “Pulcra (sic) sunt quae visa placent” (JOYCE,
1964, p. 192). A apreensão citada, no caso, é uma instância estática que apreende o objeto a
ser considerado belo. “[Aquino] usa a palavra visa [...] para dar conta de apreensões estéticas
de todo tipo [...] Essa palavra, apesar de vaga, é clara o bastante para manter afastado bem e
mal, que excitam desejo e repugnância.” (id. ibid.; trad. nossa) Dessa forma, estabelece-se a
correlação da citação de Aquino com a definição joyceana de arte própria e de beleza, assim
como a relação do bem com a arte imprópria, sendo que aquele está relacionado ao
sentimento cinético do desejo (cf. SCHOLES & CORCORAN, 1992, p. 81). A beleza,
segundo Joyce, está mais relacionada com o conceito de verdade do que com o de bem: “E
quanto ao verdadeiro? Ele produz também uma estase da mente. Você não escreveria seu
nome a lápis ao longo da hipotenusa de um triângulo reto” (JOYCE, 1964, p. 192; trad.
nossa). A partir da relação entre verdade e beleza, Joyce propõe duas faculdades distintas
relativas aos dois conceitos: intelecto e imaginação. Scholes e Corcoran clarificam essas duas
faculdades:
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quando as encontra, chama o resultado de verdade. A imaginação deseja relações
satisfatórias do sensível (o que é acessível aos sentidos – visão, audição, tato e assim
por diante) e, quando as encontra, percebe-as como beleza.”
(Robert; CORCORAN, Marlena G. “A Teoria Estética e os Estudos Críticos”. In:
NESTROVSKI, Arthur (org.). Riverrun: ensaios sobre James Joyce. Tradução de
Jorge Wanderley, Lya Luft, Marco Lucchesi... (et al.). Rio de Janeiro: Imago, 1992.
p. 80).
Diante dessas considerações, Joyce retoma Tomás de Aquino, citando três conceitos
tomistas, para explicar o processo de apreensão de um objeto belo: integritas et proportio et
claritas – integridade, proporção e luminosidade, aos quais Joyce traduz por “wholeness” ou
inteireza, “harmony” ou harmonia e “radiance” ou esplendor (cf. id. ibid., p. 196). Segundo
Scholes e Corcoran, os conceitos tomistas são pegos de empréstimo, para renomear termos da
teoria da apreensão estética elaborada nos escritos de juventude de Joyce, que formulavam o
processo apreensivo através de três estágios: percepção simples do objeto, reconhecimento e
satisfação (1992, p. 82). Sendo assim, “[...] os termos de Tomás de Aquino, ligados aos seus
próprios, deram à fórmula um vigor novo de pensamento e de linguagem” (id. ibid.).
A claritas joyceana merece atenção especial. Ao defini-la não por luminosidade, mas
por esplendor, ele aproxima, novamente, a concepção da estética tomista à sua própria, mas
por outro viés. Esplendor, para Joyce, é “a luminosa e silenciosa estase de prazer estético”
(JOYCE, 1964, p. 197; trad. nossa). Conforme explicita Scholes e Corcoran, essa definição
implica que o claritas de Tomás de Aquino, distorcido em prol da radiance joyceana, está em
estrita ligação com o sentimento estético da arte própria, que é estático (1992, p. 83).
Outrossim, Joyce aprofunda a relação de sua própria teoria com o pensamento escolástico, ao
afirmar que “o esplendor do qual ele [Aquino] fala é o escolástico quidditas, o quê da coisa.”
(1964, p. 197; trad. nossa) Assim, faz-se, pela apreensão estética, uma conexão entre o belo,
percebido pela imaginação, e o verdadeiro, concebido pelo intelecto, pondo a verdade como
um resultado da apreensão estética. Joyce cumpre, dessa forma, uma das finalidades de sua
obra, ao elencar o artista ao grau de filósofo, da mesma maneira como o faz na prática,
expondo seu tratado de estética da mocidade em sua narrativa literária de maturidade.
“Stephen, com a bênção de Joyce, submeteu a verdade à beleza de maneira mais completa e
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mais poderosa do que o fizera Keats ou qualquer outro poeta romântico” (SCHOLES &
CORCORAN, 1992, p. 83).
3. A estética do organismo tomista frente às considerações joyceanas
A reinterpretação da teoria tomista operada por Joyce no Retrato... é de suma
importância em uma análise que parta do ponto de vista da literatura ou de teorias estéticas da
modernidade, sobretudo no jogo que ele opera entre as escolas de pensamento filosófico e
literário, combinando, no mesmo diálogo, elementos aristotélicos, escolásticos, românticos e
realistas (cf. id. ibid., p. 85). No entanto, se essa reinterpretação for tomada à luz da teoria de
Tomás de Aquino, a fim de comparação, percebem-se discrepâncias e distorções na forma
como ele articula os elementos da estética do escolástico.
A primeira citação feita por Joyce referente a Aquino, mostrada no capítulo anterior, é
uma variante da frase original versada pelo filósofo, a saber, “[...] chamamos uma coisa de
bela quando agrada aos olhos [...] (pulchra enim dicuntur quae visa placent).” (id. ibid., p. 81)
Anterior a essa frase, Aquino ainda diz que “o bem está relacionado propriamente com o
desejo” (id. ibid.). Na concepção de Joyce, conforme visto anteriormente, o bem é associado à
arte imprópria e, por isso, deixado de lado. Aquino, no entanto, não o ignora e faz, entre o
bem e o belo, uma importante distinção, apesar de ambos pertencerem à mesma realidade
formal do objeto. Essa distinção é expressa por Eco: “[...] o bem faz com que a forma seja
objeto de apetite [...]; o belo, ao contrário, coloca a forma em relação ao puro conhecimento.
São belas as coisas que visa placent [agradam aos olhos].” (1989, p. 110) O belo, aqui, é
relacionado ao conhecimento e posto no mesmo nível, a saber, formal. Joyce distingue duas
faculdades: a imaginativa e a intelectiva, dizendo que o visa da citação tomista refere-se à
apreensão pelos órgãos sensitivos. Em Aquino, visa é mais do que simplesmente apreensão de
dados sensíveis: é a própria cognição. “A visio é conhecimento porque diz respeito à causa
formal: não é visão de aspectos sensíveis, mas percepção de mais aspectos organizados
segundo o desenho imanente de uma forma substancial. Compreensão intelectual e conceitual,
portanto.” (id. ibid.) Aqui se opera outra distorção com relação aos dois, essencial para o
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aprofundamento do abismo entre a teoria tomista e a joyceana. A beleza e a verdade, para o
escolástico, não são divididas entre duas faculdades distintas, mas sim se operam em uma
apenas, que é a cognição. A respeito dessa apreensão cognitiva em Tomás de Aquino, Andrey
Ivanov diz:
A cor é o sensível próprio da visão e o som, da audição. No entanto, a visão não
apreende os sensíveis comuns, como a grandeza e a figura, que são propriedades do
belo, senão enquanto apreende algo colorido. É o sentido interno da cogitativa que
discerne os sensíveis comuns que aparecem junto dos sensíveis próprios na
apreensão do belo. Discerne a composição, ordem ou figura, em que consiste a
unidade e a perfeição do todo, correlacionando as intenções individuais, assim como
a razão correlaciona noções universais. A cogitativa é o sentido perfeito da
sensibilidade; participa da razão universal por refluxo do intelecto nos sentidos. Por
analogia de operação, este sentido também é denominado “razão” e “intelecto”.
(IVANOV, Andrey. A noção do belo em Tomás de Aquino. 2006. 167 f. Tese
(Doutorado em Filosofia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Federal de Campinas, Campinas, 2006. p. 137).
Outra dessemelhança a ser notada entre a interpretação joyceana e a teoria tomista é a
referente às qualidades de um objeto belo, transformadas pela apropriação de Joyce em
estágios de apreensão estética. Tomás de Aquino apresenta o que Eco chama de estética do
organismo. “[...] quando fala de forma a propósito do pulchrum [beleza], ele tem em mente
não tanto a forma substancial quanto toda a substância, o organismo como síntese concreta de
matéria e forma” (ECO, 1989, p. 113). Dentro dessa perspectiva organicista, Aquino faz
distinção entre algumas características que identificam o objeto, ou melhor, o organismo
como belo, com destaque para as três rearticuladas por Joyce: integritas, proportio e claritas
– integridade, proporção e luminosidade. Aqui, esses conceitos menos se aproximam de
estágios da apreensão estética do que de critérios para avaliação da própria constituição do
ente belo. O filósofo escolástico denomina o primeiro deles como “a presença, em um todo
orgânico, de todas as partes que concorrem para defini-lo como tal” (id. ibid., p. 117); o
segundo refere-se à proporção harmoniosa das partes, já que “a beleza corporal requer
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membros bem proporcionados e a beleza espiritual requer comportamento bem
proporcionado” (SCHOLES & CORCORAN, 1992, p. 82); já no que se refere ao claritas
tomista, denominado por Eco como “[luz] que sobe de baixo, do íntimo da coisa, como
automanifestação da forma organizante” (1989, p. 121) ou ainda como “a própria e verdadeira
capacidade expressiva do organismo” (id. ibid.), distancia-se ele da noção de esplendor
joyceana, afim com seu processo estático de apreensão estética que se opera num nível
imaginativo. Em Aquino, claritas – que, a nível ontológico, é clareza em si – se torna clareza
para o observador, estética, “quando uma visão se especifica, ao se lançar sobre ela” (id. ibid.,
p. 121). Eco relaciona essa clareza estética pela visão com um ato de juízo, ato este que possui
certo dinamismo, contrariando a estase do radiance e fazendo supor que haja um esforço, isso
é, um movimento por parte do observador para apreensão e apreciação da obra:
“[...] depois do trabalho da compreensão discursiva, o intelecto goza o espetáculo de
uma ordem e de uma integridade que se manifesta com clara presença de si. Então
sobrevem, com o deleite, a paz, a paz que implica a remoção da perturbação e do
que impede a obtenção do bem [...] As coisas belas visa placent [agradam a visão]
não porque sejam intuídas sem esforço, mas porque são conquistadas através do
esforço e fruídas em sua resolução.”
(ECO, Umberto. Arte e beleza na estética medieval. Tradução de Mario Sabino
Filho. 2. ed. Rio de Janeiro: Globo, 1989. p. 122.)
4. Considerações finais
Conforme mostrado, a principal diferença entre filósofo escolástico e o escritor
irlandês está na intenção da criação de seus discursos e nas premissas levadas a cabo por cada
um. A tradição do pensamento aristotélico-escolástico de Tomás de Aquino tendia a
considerar relações entre o belo, o bom e o verdadeiro de maneira distante em relação ao que
James Joyce (preocupado com renovações estéticas de seu tempo e aculturado às renovações
literárias, como o Romantismo Alemão e o Realismo Francês) considerava. Como afirma Eco,
“[...] o jovem Joyce encontrava no repertório da escolástica as fórmulas que lhe serviam para
fazer passar por sabedoria tradicional os dados da sensibilidade decadente do fim do século”
(1969, p. 54). O escritor irlandês na maturidade, quando de seu livro Retrato..., amadurecido
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pela frustração de Stephen Hero, sua tentativa anterior de autobiografia, e pelos não
concluídos tratados de estética da juventude, deixa seu legado teórico nas mãos de seu alter
ego ficcional, Stephen Dedalus. “De certa forma, [no Retrato...] ele não é mais Stephen, que
dele se distanciou por sua imaturidade. Aliás, o próprio título, ao acrescentar a ressalva
‘quando jovem’, já nos sugere algo a esse respeito.” (VIZIOLI, 1991, p. 50) Joyce doou sua
teoria estética a seu personagem, tanto para se isentar dos erros oriundos de seu caráter
intolerante e presunçoso de outrora (cf. id. ibid., p. 50-51), quanto para expor, em um diálogo
sucinto “entre as carroças das ruas de Dublin” (SCHOLES & CORCORAN, 1992, p. 86), o
fruto de seis anos de labor intelectual sobre o assunto. “A teoria, que é tão importante para
Stephen e para o nosso entendimento do personagem, não era, afinal, importante para Joyce”
(id. ibid. p. 87). O Joyce maduro precisou destilar sua teoria estética antiga, simbolizada pela
visão tradicionalista da escolástica medieval em seu jovem personagem, para se livrar dos
fantasmas do passado, se libertar e, enfim, caminhar rumo à outra direção. A teoria estética
joyceana não é importante mais para o velho escritor, mas “deve ser, contudo, para nós, pelo
que demonstra, não só sobre a visão da arte que Joyce vinha desenvolvendo, mas também
sobre a luta em direção ao modernismo e ao pós-modernismo dramatizada por ela” (id. ibid.,
p. 88), luta essa que parece antever “uma nova ordem para o mundo, na qual a arte tem um
papel iniciador e ordenador [...]” (id. ibid.).
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Referências
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Paulo: Loyola, 2001. v. 1-3.
ARISTÓTELES. Poética. Tradução e comentários de Eudoro de Sousa. 7. ed. Lisboa:
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2003. p. 111.
ECO, Umberto. Arte e beleza na estética medieval. Tradução de Mario Sabino Filho. 2. ed.
Rio de Janeiro: Globo, 1989.
______. “Uma noção joyceana”. In: Joyce e o romance moderno. Org. Stéphane Cordier.
Trad. de T. C. Netto. São Paulo: Editôra Documentos, 1969. p. 53-63.
IVANOV, Andrey. A noção do belo em Tomás de Aquino. 2006. 167 f. Tese (Doutorado em
Filosofia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Campinas,
Campinas, 2006.
JOYCE, James. A portrait of the artist as a young man. Introdução e notas de J. S. Atherton.
Londres: HEB, 1964.
SCHOLES, Robert; CORCORAN, Marlena G. “A Teoria Estética e os Estudos Críticos”. In:
NESTROVSKI, Arthur (org.). Riverrun: ensaios sobre James Joyce. Tradução de Jorge
Wanderley, Lya Luft, Marco Lucchesi... (et al.). Rio de Janeiro: Imago, 1992. p. 79-102.
VIZIOLI, Paulo. “Retrato do Artista quando Jovem e Stephen Herói”. In: James Joyce e sua
obra literária. São Paulo: EPU, 1991. p. 49-55.
Submetido em: 27/04/2013
Aceito em: 12/12/2013
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