– O motorista me garantiu que, de vergonha, ela foi pegar o ônibus lá na saída da cidade... – Ou em Roma... – Joaninha me disse que ela foi se juntar com o namorado, em Salvador... Ela viu a carta... – E os altares, voltam ou não voltam... – Joaninha disse que se o Bento não fosse mole e botasse peito, os altares ficavam... – A gente não deve acreditar muito no que Joaninha diz... – Lininha disse a Mariana que ia estudar em Belo Horizonte... – Estudar... Devia ir era mais para o Convento das Arrependidas... – Nós precisamos falar com o bispo para o padre sair daqui... – Foi se amigar com o telegrafista... Daqui a uns dias está nas pensões da Baixa do Sapateiro... – Prendada? Por que as freiras não lhe ensinaram a defender o que era lá dela? (O que realmente fizeram, os motivos do padre pouco importavam. O que vale, o que conta, o que é possível que tenha acontecido, na mente dos homens acontecera, e se o padre usufruíra o dinheiro dos altares, Lina se entregara também a José Roberto, pois bicho-homem e mulher-nova quando andam juntos dão fogo e amigação). Lá dentro, padre Fernando explicava o Evangelho: – O Senhor prediz a destruição de Jerusalém, ou seja, de qualquer cidade, como, por exemplo, Ponta d’Areia, tão cheia de falta de caridade cristã. O comentário de São Gregório merece ser lembrado: “Se a cidade conhece o destino que a esperava, talvez tivesse chorado seus crimes e recebido o Senhor. E a alma perversa choraria igualmente seus pecados se conhecesse a desgraça terrível que a espera na outra vida”. Porque os que renegam Cristo (aduziu o vigário) perecerão, pois lhe será negada entrada no Reino dos Céus. No entanto, por maiores que forem os enganos do século, os fiéis terão sua vida protegida pelo Senhor, que, somente com a força da verdade, aniquilaria os maus. O profeta Elias, meus irmãos, por três vezes admoestou o povo a que acabasse com seus crimes de idolatria. Mas o povo não o seguiu e ainda o perseguiu, e só a vontade divina é que, com um carro de fogo, o levou para sua glória. E perorou o padre: – Sejamos fiéis aos Mandamentos de Deus, e assim como Cristo expulsou do templo os vendilhões, expulsemos de nosso meio os maus pensamentos, as conversas inúteis, que só prejudicam o próximo. Gravem bem estas palavras do Ofertório: “Os preceitos do Senhor são retos e dão alegria às almas – seus juízos são mais suaves do que o mel puro dos favos. Por isso, ser-lhes-ei fiel”. Palavras, palavras e somente palavras, como metê-las na cabeça daquela gente rude, como forçar-lhes (daqueles homens perdidos em nesga de terra esquecida dos outros homens) o entendimento? Padre Fernando perseverava e, de novo na sacristia, com o sabor do puro mel à boca, achava que algum dia aquele povo a que o Senhor o destinara o compreenderia. Sua renúncia e sua caridade seriam seguidos. Por enquanto a maioria nem lhe ouvia as palavras. Joaninha sempre no primeiro banco, sempre à espera da comunhão, achava lindas as expressões do vigário (tinha mesmo uma paixão secreta por ele), mas nunca as entendia. No mais, na praia ou na praça, toda a gente estaria seguindo a mesma vidinha de sempre: insensata, fútil, sem visão do mundo ou do próximo, rede trançada 83