UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGÜÍSTICA
Rua Barão de Geremoabo, nº147; CEP: 40170-290 Campus Universitário - Ondina, Salvador - BA
Tel.: (71) 336-0790 / 8754 Fax: (71) 336-8355 E-mail: [email protected]
NORMA SUELY DA SILVA PEREIRA
PÁGINAS DE CRÍTICA DE ARTHUR DE SALLES:
AS MARCAS DO DISCURSO.
Salvador
2007
NORMA SUELY DA SILVA PEREIRA
PÁGINAS DE CRÍTICA DE ARTHUR DE SALLES:
AS MARCAS DO DISCURSO.
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Letras e Lingüística da Universidade Federal da Bahia
como requisito parcial para obtenção do grau de
Doutora em Letras.
Orientador: Profa. Dra. Célia Marques Telles
Salvador
2007
À minha mãe, D. Nilza,
que me ensinou a ser forte e persistente.
Ao meu filho, Gabriel,
amigo e companheiro de todas as horas.
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Profª. Drª. Célia Marques Telles, pelo estímulo, pela confiança,
paciência, solicitude e competente orientação e pela disponibilização de sua biblioteca.
À Profª. Drª. Albertina Ribeiro da Gama, por ter me apresentado, um dia, ao universo da
Crítica Textual, e à obra de Arthur de Salles, primeiros passos trilhados na direção deste
trabalho.
Aos funcionários da Academia de Letras da Bahia, da Biblioteca do Instituto de Letras da
UFBA, da Biblioteca Pública do Estado da Bahia, do Centro de Documentação e Informação
Cultural sobre a Bahia – CEDIC e do Arquivo Público Municipal, em especial, aos senhores
Luiz José de Carvalho, da BPEB e Mª. das Graças N. Cantalino, do CEDIC, pela solicitude
com que me auxiliaram na consulta dos respectivos acervos.
Ao Prof. Dr. Gilberto Sobral, amigo e companheiro de estudo, pela leitura e comentário do
capítulo “O discurso crítico de Salles”, pela disponibilização de sua biblioteca e pelo apoio e
incentivo de todas as horas.
À Profª. Takiko do Nascimento, pela tradução do Resumo para o francês.
À colega, Profª. Rosinês Duarte de Jesus, pela troca de informações sobre o vocabulário de
Arthur de Salles.
Aos colegas do Hospital Couto Maia, especialmente a Márcia Fiscina Lima, Auxiliadora
Cavalcanti e Vera Sarmento, pelo apoio e incentivo que tornaram possível administrar a dupla
jornada de profissional e estudante.
Aos amigos e familiares pela compreensão, apoio e incentivo na execução deste trabalho,
especialmente a meu filho, Gabriel Pereira Coelho, pela digitalização e edição das fotos para
confecção dos anexos.
CONSPECTUS SIGLORUM
Corpus de amostragem
DLR
EST
a) Textos impressos
Discurso official; [recitado na sessão
fúnebre commemorativa do falecimento
de Lopes Ribeiro em 23 de Março de
1905]
Estudantinas; leitura crítica sobre a obra
de Alvaro Reis
DXM
Discurso
official;
[proferido
homenagem a Xavier Marques]
CHM
Chronica dos mortos
DDM
Discurso de recepção a Durval de
Moraes
MLA
D Margarida
[Homenagem]
SHF
A saudação do Sr. Arthur de Salles ao Sr.
Hermes Fontes
AVT
A viola e a tirana; allocução proferida em
Santo Amaro, apresentando o folklorista
Leonardo Motta
FRD
Fragmento do discurso do Academico
Arthur de Salles
064:288
CPA
Lopes
de
em
Almeida
SALLES, Arthur de. Discurso official.
Nova Cruzada, Salvador, ano 3, v. 2, n. 5,
p. 1-6, abr. 1905.
SALLES, Arthur de. Estudantinas. Nova
Cruzada, Salvador, ano 4, n. 6, p. 1-3, set.
1905.
SALLES, Arthur de. Discurso official.
Gazeta do Povo. Salvador, ano 2, n. 338,
p.1-2, 12 set. 1906.
SALLES, Arthur de. Discurso official.
Nova Cruzada, Salvador, ano 5, n. 11, p.
4-7, out. 1906.
SALLES, Arthur de. Chronica dos Mortos.
Nova Cruzada, Salvador, ano 10, n. 7, p.
1-2, dez. 1910.
SALLES, Arthur de. Discurso de recepção
a Durval de Moraes. Os Annaes, Salvador,
ano 1, n. 7, p. 158-171, out. 1911.
SALLES, Arthur de. D Margarida Lopes
de Almeida [Homenagem]. A Tarde.
Salvador, n. 5104, p.7, 17/jan./1925. Supl.
Semanal “Letras e Artes”.
SALLES, Arthur de. A saudação do Sr.
Arthur de Salles ao Sr. Hermes Fontes. A
Tarde, Salvador, n. 5110, p. 7,
24/jan./1925. Supl. Semanal “Letras e
Artes”.
SALLES, Arthur de. A viola e a tirana;
allocução proferida em Santo Amaro,
apresedntando o folklorista Leonardo
Motta. A Tarde, Salvador, ano 13, n. 5122,
p.7, 07/fev./1925. Supl. Semanal “Letras e
Artes”.
SALLES, Arthur de. Discurso do
Academico Arthur de Salles. Revista da
Academia de Letras da Bahia, Salvador,
ano 2, v. 2, n. 2-3, p. 37-42, jun.-dez.
1931.
b) Epistolário
SALLES, Arthur de. Carta a Durval de PR-EP-CO-OM-064:0288-XE-06/JM
Moraes. 25,26.06.1913
Carta a Paulo Alberto, impressa no livro SALLES, Arthur de. In: ALBERTO,
Isaura. 14.09.23
Paulo. Isaura. Bahia: Typographia do
povo, 1923.
Fontes primárias
Epistolário
061:0225 PR-EP-CO-OM-061:0225-XE:01/JM de 02/06/19081
062:0237 PR-EP-CO-OM-062:0237-XE-01-04/JM, de 18/01/1911. fº 3-4.
062:0241 PR-EP-CO-OM-062:0241-XE-01-03/JM, de 20/03/1911. fº1
063:0275 PR-EP-CO-OM-063:0275-XE-01/JM, de 30/10/1912
063:0278 PR-EO-CO-OM-063:0278-XE-01/JM, de 21/12/1912
064:0295 PR-EP-CO-OM-064:0295-XE-03/JM, de 30/10/1913.
064:0295 PR-EP-CO-OM-064:0296-XE-02/JM, de 01 /11/1913. fº2
067:0337 PR-EP-CO-OM-067:0337-XE-01-05/JM, de 17/03/1919. fº4
067:0343 PR-EO-CO-OM-067:0343-XE-01-04/JM, de 23/08/1920
068:0346 PR-EP-CO-OM-068:0346-XE-01-04/JM, de 06/07/1921. fº1-2
069:0365 PR-EP-CO-OM-069:0365-XE-01-04/JM, de 22/04/1924
069:0371 PR-EP-CO-OM-069:0371-XE-01-02/JM, de 28/08/1925
Outras siglas utilizadas
ALB
Academia de Letras da Bahia
AN
Os Annaes
AT
A Tarde
BPEB
Biblioteca Pública do Estado da Bahia
CEDIC
Centro de Documentação e Informação Cultural sobre a Bahia
CNPq
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
GP
Gazeta do Povo
ILUFBA Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia
JM
Julival de Moraes
NC
Nova Cruzada
OP
Obra Poética
PIBIC
Programa de Incentivo a Bolsas de Iniciação Científica
PPGLL
Programa de Pós-graduação em Letras e Lingüística
RALB
Revista da Academia de Letras da Bahia
SFR
Setor de Filologia Românica
UFBA
Universidade Federal da Bahia
1
Na indexação coordenada usaram-se as seguintes abreviações: PR = prosa; EP = carta; CO = documento
completo; OM = original manuscrito; IM = texto impresso; XE = documento xerocopiado; JM = original
pertencente ao acervo do Dr. Julival de Moraes, hoje na Academia de Letras da Bahia. A indicação na seqüência
061:0225 indica, o primeiro a pasta onde o documento se acha guardado, o segundo o número de tombo do
documento no acervo. A remissão abreviada far-se-á sempre para esses dois números.
ABREVIATURAS UTILIZADAS
adj.
adjetivo
art.
artigo
bibli.
bíblico
cf.
confira
col.
coluna
dir.
direção
doc.
documento
ed.
Edição
f.
folha
fº
fólio
il.
Ilustrada
lat.
latim
L.
linha
loc.
locução
Mc.
Marcos
m.
masculino
n.
número
op. cit.
obra citada
org.
organização
orient.
orientador
p.
página
sem.
semestre
s.
substantivo
supl.
suplemento
trad.
Tradução
v.
volume
LISTA DE QUADROS
Quadro 1
Delimitação do corpus
15
Quadro 2
Corpus editado
75
Quadro 3
Operadores utilizados na edição semidiplomática
77
LISTA DE FIGURAS
Figura 1
Estema ilustrativo da edição de Discurso official [homenagem póstuma
78
ao poeta João Lopes Ribeiro] (DLR)
Figura 2
Estema ilustrativo da edição de Estudantinas (EST)
90
Figura 3
Estema ilustrativo da edição de Discurso official [homenagem ao poeta
98
Xavier Marques] (DXM)
Figura 4
Estema ilustrativo da edição de Chronica dos Mortos (CHM)
107
Figura 5
Estema ilustrativo da edição de Discurso de recepção a Durval de
112
Moraes (DDM)
Figura 6
Estema ilustrativo da edição de D Margarida Lopes de Almeida
129
[Homenagem] (MLA)
Figura 7
Estema ilustrativo da edição de A saudação do Sr. Arthur de Salles ao
132
Sr. Hermes Fontes (SHF)
Figura 8
Estema ilustrativo da edição de A viola e a tirana (AVT)
135
Figura 9
Estema ilustrativo da edição de Fragmento do discurso do Acadêmico
138
Arthur de Salles (FRD)
Figura 10
Estema ilustrativo da edição da carta Doc. 064:0288
144
Figura 11
Estema ilustrativo da edição de Carta a Paulo Alberto (CPA)
150
RESUMO
A pesquisa de fontes em periódicos do início do século XX revelou a existência de uma
outra face do poeta Arthur de Salles, não mais apenas o poeta do mar, mas um Salles cronista e
crítico. Com o objetivo de conhecer melhor esse outro lado de sua vasta produção, procedeu-se
ao resgate de suas paginas de crítica, de modo a colaborar para a sua justa reinserção no
cânone. A pesquisa objetiva ainda analisar as estratégias de enunciação presentes nos textos
selecionados, a partir do que, espera-se poder ajudar a ampliar o perfil do poeta baiano. Para
tanto, selecionou-se um corpus que compreende 11 textos de discurso crítico, todos em prosa,
sendo nove textos veiculados em periódicos e dois textos de natureza epistolar. O corpus foi
editado, conforme a tradição de cada texto, seguindo-se uma orientação conservadora. A obra
crítica de Arthur de Salles insere-se numa tendência do período em que a crítica literária tem
muitas vezes a feição de recensão crítica. Trata-se da apresentação relativamente breve de
novas publicações, analisadas sob um ponto de vista, sobretudo, impressionista, de teor mais
descritivo do que propriamente interpretativo veiculada em periódicos literários e de
divulgação. Para dar um testemunho da importância dos periódicos no início do século
passado, faz-se uma breve descrição dos jornais e das revistas nas quais foram publicados os
textos editados, salientando-se a relação existente entre os periódicos, os poetas e a sociedade
de então, com destaque para os caminhos percorridos pela crônica e pela crítica literária, e a
participação de Arthur de Salles na crítica literária do período. A partir da análise dos textos
críticos do autor são apresentadas as tendências de linhas temáticas seguidas, observando-se as
estratégias de enunciação realizadas, à luz da teoria bakhtiniana e as estratégias utilizadas na
construção do ethos discursivo, a partir de uma ótica pragmática da linguagem, através da
concepção proposta por Maingueneau, que utiliza o conceito retórico na análise de discurso,
adaptando-o para análise de textos escritos e não necessariamente argumentativos. Salles
demonstra em seus textos críticos erudição, conhecimento enciclopédico e literário, que fazem
dos seus textos mais que simples recensão informativa de obras publicadas. Contudo, não
possui critérios objetivos de análise, sua crítica é de simpatia, predominantemente elogiosa. Na
construção da argumentação as vozes do poeta e do crítico se confundem e o texto, não raro,
toma feições de prosa poética. A análise das escolhas lexicais, assim como das demais
estratégias discursivas utilizadas revelam a intenção do locutor de garantir a adesão do
interlocutor, a legitimação do discurso. As marcas presentes na enunciação mostram um ethos
parcial, erudito e de estilo eclético.
RÉSUMÉ
La recherche de sources dans des périodiques du début du XXème siècle a révélé
l’existence d’une autre face du poète Arthur de Salles, non plus seulement le poède de la mer,
mais un Salles chroniqueur et critique. Avec l’objectif de mieux connaitre cet autre aspect de
sa production, on a cherché à restituer ses pages de critique, partie de son vaste champ
d’activités, de manière à collaborer avec sa juste réinsertion dans le canon. Cette recherche
vise encore à analyser les stratégies d’énonciation présentes dans les textes sélectionnés, en
espérant pouvoir aider à reconstruire le profil du poète baianais. Pour cela, on a sélectionné un
corpus qui comprend 11 textes de discours critique, tous en prose, dont neuf textes véhiculés
en des périodiques et deux textes à caractère épistolaire. Le corpus a été édité, selon la
tradition de chaque texte, en suivant une orientation conservatrice. L’oeuvre critique de Arthur
de Salles s’insère dans une tendance d’une période où la critique littéraire avait souvent
l’apparence de recension critique. Il s’agit de la présentation relativement brève de nouvelles
publications, analysées sous un point de vue surtout impressionniste, de teneur plus descriptive
que proprement interprétative, véhiculée dans des périodiques littéraires et de divulgation. Pour
témoigner de l’importance des périodiques du début du dernier siècle, on fait une brève
description des journaux et des revues dans lesquels furent publiés les textes édités, mettant en
évidence le rapport existant entre les périodiques, les poètes et la société de l’époque,
démontrant les chemins parcourus par la chronique et par la critique littéraire, et la
participation de Arthur de Salles dans la critique littéraire de cette période. À partir de
l’analyse des textes critiques de l’auteur, sont présentées les tendances des lignes thématiques
suivies, en observant les stratégies d’énonciation réalisées, à la lumière de la théorie
bakhitinienne et les stratégies utilisées dans la construction de l’éthos discursif, à partir d’une
optique pragmatique du langage, à travers la conception proposée par Maingueneau, qui utilise
le concept rhétorique dans l’analyse de discours, en l’adaptant à l’analyse de textes écrits et pas
nécessairement argumentatifs. Salles démontre dans ses textes critiques de l’érudition, de la
connaissance encyclopédique et littéraire, qui les rendent plus qu’une simple recension
informative d’oeuvres publiées. Il ne possède cependant pas de critères objectifs d’analyse ; sa
critique est de sympathie, plutôt élogieuse. Dans la construction de 1’argumentation, les voix
du poète et celles du critique se confondent et le texte prend souvent l’apparence de prose
poétique. L’analyse des choix lexicaux, ainsi que d’autres stratégies discursives utilisées
révèlent l’intention du locuteur d’assurer l’adhésion de l’interlocuteur, la légitimation de son
discours. Les traces visibles dans l’énonciation montrent un ethos partial, érudit et de style
éclectique.
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO
13
1.1
ESTRUTURA DA TESE
19
2
O POETA ARTHUR DE SALLES
21
3
O SUPORTE
32
3.1
O JORNAL
34
3.1.1
Canais de divulgação
48
3.1.1.1
Jornais
48
3.2
REVISTAS LITERÁRIAS E DE DIVULGAÇÃO
57
4
A CRÍTICA SALLESIANA
72
4.1
A EDIÇÃO DOS TEXTOS
72
4.2
CRITÉRIOS ADOTADOS NA EDIÇÃO
76
4.3
O CORPUS
78
4.3.1
Discurso official [homenagem póstuma ao poeta João Lopes Ribeiro]
78
4.3.1.1
Versão NC
78
4.3.1.2
Classificação estemática da edição de DLR
78
4.3.1.3
Texto
79
4.3.2
Estudantinas
90
4.3.2.1
Versão NC
90
4.3.2.2
Classificação estemática da edição de EST
90
4.3.2.3
Texto
91
4.3.3
Discurso official [homenagem ao poeta Xavier Marques]
97
4.3.3.1
Versão NC
97
4.3.3.2
Versão GP
98
4.3.3.3
Classificação estemática da edição de DXM
98
4.3.3.4
Texto
99
4.3.4
Chronica dos Mortos.
107
4.3.4.1
Versão NC
107
4.3.4.2
Classificação estemática da edição de CHM
107
11
4.3.4.3
Texto
108
4.3.5
Discurso de recepção a Durval de Moraes.
111
4.3.5.1
Versão AN
111
4.3.5.2
Classificação estemática da edição de DDM
112
4.3.5.3
Texto
113
4.3.6
D Margarida Lopes de Almeida [Homenagem]
129
4.3.6.1
Versão AT
129
4.3.6.2
Classificação estemática da edição de MLA
129
4.3.6.3
Texto
131
4.3.7
A saudação do Sr. Arthur de Salles ao Sr. Hermes Fontes
132
4.3.7.1
Versão AT
132
4.3.7.2
Classificação estemática da edição de SHF
132
4.3.7.3
Texto
133
4.3.8
A viola e a tirana
135
4.3.8.1
Versão AT
135
4.3.8.2
Classificação estemática da edição de AVT
135
4.3.8.3
Texto
136
4.3.9
Fragmento do discurso do Acadêmico Arthur de Salles
138
4.3.9.1
Versão RALB
138
4.3.9.2
Classificação estemática da edição de FRD
138
4.3.9.3
Texto
139
4.3.10
Carta a Durval de Moraes
144
4.3.10.1
Classificação estemática da edição de doc. 064:0288
144
4.3.10.2
Texto
145
4.3.11
Carta a Paulo Alberto
150
4.3.11.1
Classificação estemática da edição de CPA
150
4.3.11.2
Texto
151
5
O DISCURSO CRÍTICO DE SALLES
153
12
5.1
O ENUNCIADO
165
5.1.1
O discurso citado
168
5.1.1.1
A citação integrada
168
5.1.1.2
A citação de autoridade
170
5.2
O ETHOS
173
5.2.1
A construção do ethos e a enunciação na primeira pessoa do plural
175
5.2.2
Outras estratégias enunciativas utilizadas
182
6
CONSIDERAÇÕES FINAIS
186
REFERÊNCIAS
191
ANEXOS
201
Fác-similes das versões textuais que integram o corpus da edição
201
A 1.1
Discurso official [homenagem ao poeta João Lopes Ribeiro]– versão NC
201
A 1.2
Estudantinas – versão NC
207
A. 1.3
Discurso official [homenagem ao poeta Xavier Marques] – versão NC
210
A.1.4
Discurso official [homenagem ao poeta Xavier Marques] – versão GP
214
A.1.5
Chronica dos mortos – versão NC
217
A.1.6
Discurso de recepção a Durval de Moraes – versão AN
219
A.1.7
D Margarida Lopes de Almeida [Homenagem] – versão AT
233
A.1.8
A saudação do Sr. Arthur de Salles ao Sr. Hermes Fontes – versão AT
235
A.1.9
A viola e a tirana – versão AT
238
A.1.10
Fragmento do discurso do Acadêmico Arthur de Salles – versão RALB
240
A.1.11
Carta a Durval de Moraes (doc. 064:0288)
247
A.1.12
Carta a Paulo Alberto
253
A2
Fác-similes de capas de algumas das revistas consultadas
255
A 2.1
Capas da Nova Cruzada
255
A.2.2
Capa da revista Os Annaes
257
A 2.3
Capa da Renascença
258
A 2.4
Capa da Revista da Academia de Letras da Bahia
259
A1
13
1 INTRODUÇÃO
A escolha do autor e de sua publicação dispersa deveu-se ao desejo de continuar a
pesquisa desenvolvida no Curso de Mestrado, da qual resultou a Dissertação Um punhado de
versos e páginas de prosa de Arthur de Salles (uma antologia)2. Este trabalho insere-se na
pesquisa coletiva sobre a obra do poeta baiano, desenvolvida pelo Grupo de Filologia
Românica da UFBA, do qual faço parte desde 1997, quando ingressei no programa de
iniciação científica com bolsa do PIBIC/CNPq/UFBA.
A despeito das edições de que já foi alvo a obra do poeta, vários textos dispersos,
publicados, principalmente, em jornais do início do século passado, permanecem
desconhecidos do grande público. O próprio autor mostrava-se atento ao problema da
fidelidade do texto impresso, especialmente em periódicos, conforme se pode perceber em
suas epístolas ao amigo Durval de Moraes, tratando da publicação de textos de ambos, na
revista Os Annaes:
Procurando o Sr. Carlos Weber para indagar dos “Annaes” elle mostrou as paginas já
compostas e corrigidas: as da tua conferencia eivadas de imperfeições, num typo feio, as do
meu pobre discurso inteiramente illegiveis e, por cima de tudo isto, sem o final. Cheguei,
olhei e revoltei-me. [...]3
O trabalho de levantamento de fontes, longe de resumir-se ao exercício mecânico de
fichamento de revistas e jornais antigos, proporciona ao pesquisador um contato com
elementos de épocas distantes, tornando-se, assim, um trabalho bastante enriquecedor da
cultura acadêmica.
A pesquisa nos periódicos revelou a existência de um outro Salles, não mais apenas o
poeta do mar, mas um Salles cronista e crítico, colaborador regular dos periódicos da época.
Verificou-se, então, a necessidade de conhecer melhor essa outra face do poeta.
Partindo dos resultados obtidos na pesquisa desenvolvida durante o Curso de Mestrado,
deu-se continuidade ao trabalho de levantamento de fontes, começado ainda durante a
2
PEREIRA, Norma Suely. Um punhado de versos e páginas de prosa de Arthur de Salles (uma antologia),
Dissertação de Mestrado apresentada ao PPGLL/UFBA. Orient. Prof.ª Dr.ª Célia M. Telles. Salvador, 2002.
3
PR-EP-CO-OM-062:0248-XE-04/ JM, 08/11/ 1911, L. 10-28. O poeta refere-se aqui à publicação do seu
discurso de saudação ao poeta Durval de Moraes, pronunciado em outubro de 1911 e publicado no número 7 de
Os Annaes, texto que integra o presente trabalho. Cf às f. 113-128. O Diario de Noticias divulgou a solenidade,
destacando o discurso de Salles com a publicação de parte de sua conclusão. (CONFERENCIA Literaria. Diario
Social. Diario de Noticias, Salvador, n. 2514, p. 2, 04/10/1911)
14
Graduação, como bolsista de Iniciação científica. Ampliou-se, então, a coleta de dados,
consultando outros acervos e incluindo o epistolário do autor e os jornais4 de circulação local
nas fontes de pesquisa.
Assim, ao corpus inicial de seis textos críticos5, editados anteriormente, na Dissertação
de Mestrado, foram acrescentados mais cinco documentos, sendo três textos encontrados em
periódicos, publicados no jornal A Tarde, [Homenagem a] D Margarida Lopes de Almeida, A
saudação do Sr. Arthur de Salles ao Sr. Hermes Fontes e A viola e a tirana; e dois textos de
natureza epistolar.
As cartas6, além de contribuírem para a ampliação do perfil do autor, evidenciam o
peculiar modus scribendi do poeta baiano e trazem importantes informações sobre sua vida
pessoal e intelectual, bem como sobre seu envolvimento e importância no movimento cultural
da Bahia e ainda sobre os periódicos e o movimento editorial do período7. O epistolário do
poeta oferece ainda um panorama da sua vasta obra dispersa, na medida em que, além de
variantes autorais, apresenta informações sobre prováveis e efetivas publicações em
períodicos8.
As informações acerca da biografia de Arthur de Salles e do contexto histórico social
em que ele se insere levaram em conta os resultados da pesquisa anteriormente empreendida
para a elaboração da Dissertação de Mestrado.
O quadro 1 mostra a extensão do corpus analisado:
4
Além da consulta direta aos jornais de circulação local, utilizaram-se ainda os resutados do Levantamento em
periódicos da obra dispersa de Arthur de Salles realizado nos jornais Gazeta do povo e O Imparcial, por Mônica
Pedreira de Souza, na época bolsista de iniciação científica. Salvador: ILUFBA,1996.
5
Para a elaboração da Dissertação de Mestrado foram catalogadas 99 revistas com 2662 exemplares consultados.
Dos 86 documentos do autor encontrados, após a eliminação dos textos anteriormente editados, chegou-se ao
corpus de 9 textos poéticos e 11 em prosa. Destes, foram selecionados 6 textos de discurso crítico, todos em
prosa, veiculados em três revistas, para redefinir o novo corpus. (PEREIRA, Norma Suely. Um punhado de
versos e páginas de prosa..., op cit).
6
O epistolário de Salles integra o acervo Julival de Moraes e possui 223 cartas, das quais o Setor de Filologia
Românica do ILUFBA possui as fotocópias.
7
TELLES, Célia Marques; TELES, Maria Dolores; LOSE, Alicia Duhá; PEREIRA, Norma Suely da Silva. A
obra dispersa de Arthur de Salles publicada em periódicos. Estudos Lingüísticos e Literários, Salvador, n. 27-28,
p. 187-208, jan.-dez. 2001.
8
Ibid, p. 191-198.
Quadro 1 − Delimitação do corpus
Textos críticos de A. de Salles
Discurso official [homenagem póstuma ao poeta João Lopes
Ribeiro]
Periódicos
Nova Cruzada
Especificação
ano 3, n. 5, p. 1-6, abr. 1905
Estudantinas [Leitura crítica sobre a obra de Alvaro Reis]
ano 4, n. 7, p. 1-3, set. 1905
Chronica dos mortos
ano 10, n.7, p.1, dez. 1910
Discurso official [homenagem ao poeta Xavier Marques]
Discurso de recepção a Durval de Moraes.
[Homenagem a] D Margarida Lopes de Almeida
Nova Cruzada
ano 5, n.11, p. 4-7, out.1906
Gazeta do Povo
ano 2, n. 338, p. 1 e 2, 12/set./1906
Os Annaes
ano 1, n. 7, p. 158-171, out.1911
A Tarde
ano 13, n. 5104, p.7, 17/jan./1925
A Saudação do Sr.Arthur de Salles ao Sr.Hermes Fontes.
ano 13, n. 5110, p.7, 24/jan./1925
A viola e a Tirana [Allocução apresentando o folklorista
Leonardo Mota]
ano 13, n. 5122, p.7, 07/fev./1925
Fragmento do discurso do Acadêmico Arthur de Salles.
[recepção ao poeta Affonso de Castro Rebello Filho na ALB]
Revista da Academia de Letras da
Bahia
ano 2 e 3, p. 37-42, 1931
Correspondência
Carta a Durval de Moraes
PR-EP-CO-OM-064:0288-XE-06/JM9,
de 25,26.06.1913
Carta a Paulo Alberto, impressa no livro Isaura
9
PR-EP-IM-037-442, de 14.09.23
Na indexação coordenada usaram-se as seguintes abreviações: PR = prosa; EP = carta; CO = documento completo; OM = original manuscrito; IM = texto impresso; XE =
documento xerocopiado; JM = original pertencente ao acervo do Dr. Julival de Moraes, hoje na Academia de Letras da Bahia. A indicação na seqüência 061:0225 indica, o
primeiro a pasta onde o documento se acha guardado, o segundo o número de tombo do documento no acervo. A remissão abreviada far-se-á sempre para esses dois números.
16
No corpus selecionado efetuou-se a análise dos textos em seus aspectos extrínsecos e
intrínsecos, editando-os conforme a tradição de cada um. Assim, fez-se uma edição
semidiplomática para os originais manuscritos e, para os testemunhos impressos de versão
única uma edição interpretativa, baseada em critérios conservadores e acrescida de notas
explicativas, procurando-se apresentar um texto fidedigno, com correção das gralhas de
impressão, e, por fim uma edição crítica com aparato de variantes para o único texto do
corpus que possui duas versões.
Observando-se uma orientação de edição conservadora, foi mantida a ortografia
original dos textos recolhidos em periódicos, favorecendo, assim, a utilização dos textos que
compõem o corpus para estudos em outras áreas do conhecimento.
Num segundo momento, efetuou-se a análise das estratégias discursivas, procurando
seguir as marcas deixadas pelo enunciador na malha textual, buscando desvelar as estratégias
e as intencionalidades do produtor dos enunciados. Utilizaram-se, para tanto, os conceitos de
embreagem e embreantes10, sujeito, enunciado, enunciador e enunciatário ou co-enunciador,
de acordo com uma visão pragmática da lingüística, tomando o sujeito da enunciação como
uma representação no sentido do enunciado.
A pesquisa demonstrou a grande importância dos periódicos, durante as primeiras
décadas do século XX, tanto pela difusão e democratização da cultura, quanto por representar
um meio de sobrevivência dos literatos, já que a publicação de livros, além de difícil, era
bastante onerosa. Na Bahia, como em todo o Norte e Nordeste do país, a imprensa teve papel
decisivo na divulgação das idéias e estéticas que circulavam no centro cultural do país e
mesmo na Europa.
Com o surgimento da grande imprensa, os literatos que colaboravam nos periódicos
com produções de caráter literário, passaram a participar da redação dos jornais publicando
reportagens, entrevistas e notícias de interesse mais geral. As revistas ilustradas passaram a
acolher então os trabalhos de literatura, ficando o jornal principalmente com as notícias, as
crônicas e das seções de crítica literária, que mais tarde darão origem aos suplementos
literários.
No final do século XIX e início do século XX, a crítica literária tem muitas vezes a
feição de recensão crítica. Trata-se da apresentação relativamente breve de novas publicações,
analisadas sob um ponto de vista, sobretudo, impressionista, de teor mais descritivo do que
10
Tradução de shifters, do inglês, termo definido originalmente na teoria sistematizada por R. Jakobson.
(FIORIN, José Luiz. Categorias da enunciação e efeitos de sentido. In: BRAIT, Beth (Org). Estudos enunciativos
no Brasil: histórias e perspectivas. op. cit. p. 109).
17
propriamente interpretativo, e que é veiculada em periódicos literários e de divulgação11. É
precisamente nesse tipo de crítica que está inserida a produção de Arthur de Salles.
Considerando-se que em todo discurso, o locutor, deliberadamente ou não, constrói uma
imagem de si12, empreendeu-se o estudo do discurso argumentativo dos textos críticos
publicados por Arthur de Salles em periódicos que circularam em Salvador no início do
século passado, observando-se as estratégias de enunciação realizadas pelo enunciador, à luz
das teorias da enunciação, a partir de uma ótica pragmática da linguagem, aliado ao estudo do
ethos discursivo, através da concepção proposta por Maingueneau, que utiliza o conceito
retórico na análise de discurso, adaptando-o para a análise de textos escritos e não
necessariamente argumentativos, devido à sua relação com a reflexividade enunciativa13,
visando a uma melhor compreensão do ânimo autoral.
Entende-se que a leitura é também um fenômeno enunciativo. Na medida em que
interpreta um enunciado o leitor faz escolhas, reconstrói sentidos, apresentando ao final uma
possibilidade de interpretação, que nenhuma garantia tem de coincidir com as representações
do enunciador14. Carlos Alberto Faraco, citando Bakhtin15, diz que a compreensão aponta para
o possível, é uma operação sobre o significado e sendo, sobretudo, um efeito da interação, do
encontro de cosmovisões e orientações axiológicas, envolve sempre uma dimensão de
pluralidade16. Afinal, a compreensão é fruto de um processo sociointeracional. Conforme
Bakhtin, “compreender é cotejar com outros textos e pensar num contexto novo17.”
As teorias da enunciação estudam as marcas do sujeito no enunciado, buscando
evidenciar as relações da língua enquanto linguagem assumida por um sujeito, a subjetividade
revelada em situações concretas de comunicação18, a língua posta em funcionamento por um
11
REIS, Carlos. O conhecimento da literatura: introdução aos estudos literários. 2.ed. Coimbra: Livraria
Almedina, 1999. p. 32.
12
AMOSSY, Ruth. Da noção retórica de ethos à análise do discurso. In: AMOSSY, Ruth (Org.). Imagens de si
no discurso: a construção do ethos. Trad. de Dílson F. da Cruz, F. Komesu e S. Possenti. São Paulo: Contexto,
2005. p. 9-11.
13
MAINGUENEAU, D. Ethos, cenografia, incorporação. In: AMOSSY, Ruth (Org.). Imagens de si no discurso:
a construção do ethos. op. cit., p. 69-70.
14
FLORES, Valdir do N.; TEIXEIRA, Marlene. Introdução à lingüística da enunciação. São Paulo: Contexto,
2005. p. 8-9.
15
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. de Maria Ermantina Galvão. 3. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2000.
16
FARACO, Carlos Alberto. Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil: algumas perspectivas. In: BRAIT,
Beth (Org). Estudos enunciativos no Brasil: histórias e perspectivas. Campinas: Pontes, São Paulo: FAPESP,
2001. p. 33.
17
BAKHTIN, Mikhail. Observações sobre a epistemologia das ciências humanas. In: id. Estética da criação
verbal. op. cit., p. 404.
18
FLORES, Valdir do N.; TEIXEIRA, Marlene. op. cit., p. 11-13.
18
ato individual de utilização, conforme teorizado por Benveniste19. Esta situação de enunciação
supõe um enunciador, um destinatário, um momento e um lugar particulares, os quais “são
engendrados de novo a cada enunciação, designando sempre algo novo”20.
Se a enunciação revela a personalidade do enunciador, espera-se, a partir da análise dos
textos críticos que integram a obra dispersa do poeta baiano, através das marcas do discurso,
contribuir para o estabelecimento do perfil do enunciador. A partir da análise das estratégias
de enunciação presentes nos textos selecionados, espera-se poder estar contribuindo para a
ampliação do perfil do autor e para a sua justa revalorização.
A partir da concepção bakhtiniana de que a linguagem não pode ser encarada como
entidade abstrata, mas como o lugar em que a ideologia se manifesta concretamente, fez-se
uma análise de textos críticos do poeta Arthur de Salles, veiculados em periódicos, no início
do século passado e na sua correspondência pessoal com o propósito de seguir as marcas
presentes no seu discurso crítico.
Seguindo o que está proposto nas reflexões acima citadas, partiu-se da recuperação de
dados referentes à vida do poeta Arthur de Salles e ao contexto sócio-histórico de sua época,
para, no confronto com as situações discursivas selecionadas, tentar estabelecer um perfil do
crítico-poeta.
Longe da pretensão de esgotar as discussões em torno dos assuntos aqui abordados, o
presente trabalho pretende apenas oferecer uma colaboração a mais para a ampliação do perfil
de Arthur de Salles, buscando contribuir para a sua reinserção no cânone da Literatura baiana
e, quem sabe, para a reconfiguração da própria história do Simbolismo local, uma vez que
grande parte da produção do período continua dispersa em periódicos ou encerrada em obras
raras, ainda à espera da curiosidade, persistência e tenacidade de pesquisadores que desejem
resgatá-la da sombra e da poeira das estantes, trazendo-a ao lume do conhecimento público.
Muito tem sido feito nesse sentido, no entanto, faz-se necessário reunir os importantes
trabalhos de pesquisa já realizados, para que não se tornem, eles mesmos, novos dispersos
fechados nos acervos da Academia.
19
BENVENISTE, Émile. Da subjetividade na linguagem. In: id. Problemas de lingüística geral. Trad. de Maria
da Glória Novak e Maria Luísa Neri. 4.ed. Campinas: Pontes, 1995. v.1, p. 284-293.
20
BENVENISTE, Émile. O aparelho formal da enunciação. In: id. Problemas de lingüística geral. Trad. de
Eduardo Guimarães el al. Campinas: Pontes, 1989. v. 2, p. 85.
19
1.1.
ESTRUTURA DA TESE
Esta tese está dividida em cinco partes. Na introdução define-se o problema,
estabelecendo-se a justificativa, os objetivos e a metodologia da pesquisa, definindo-se ainda
o corpus a ser editado. Além disso, tecem-se rápidas considerações sobre a crítica literária
veiculada em periódicos situando sua importância para a obra dispersa do autor escolhido e
sobre o fenômeno da enunciação. Na segunda seção, O poeta Arthur de Salles, apresenta-se
um relato sobre a vida e a obra do poeta baiano, no qual se procurou dar ênfase à sua face de
crítico e cronista e ainda discutir sobre as possíveis causas que concorreram para o
desconhecimento a que foi relegado o poeta baiano. Objetivou-se ainda, situar a posição do
autor na literatura baiana de sua época, oferecendo um panorama do seu vasto campo de
atividades, procurando-se, sempre enfatizar sua inserção na crítica do período, com base na
sua correspondência pessoal e em depoimentos de amigos e de outros intelectuais. Segue-se a
terceira seção, O Suporte, em que se tratou dos periódicos, da sua importância no período,
das transformações por que passaram, com destaque para os caminhos percorridos pela
crônica e pela crítica literária. Enfatizaram-se ainda, as relações estabelecidas entre os
periódicos, os poetas e a sociedade do início do século passado. Fez-se, para isso, uma
descrição panorâmica dos jornais e revistas literárias e de divulgação dos quais foram
extraídos os textos que compõem o corpus, dando conhecimento da participação ativa de
Arthur de Salles na sociedade da época, na colaboração nos periódicos, e de sua obra
publicada. Na quarta seção, intitulada A crítica sallesiana, tecem-se considerações sobre a
edição crítica de textos, situando sua importância para a obra dispersa do autor escolhido e se
apresenta a Edição dos textos que integram o corpus, acompanhada da metodologia e dos
critérios obedecidos, fazendo-se a descrição das versões e o estabelecimento do texto crítico,
para o texto com mais de um testemunho. A quinta e última seção, O discurso crítico de
Salles, consiste numa apreciação dos textos críticos do autor em que se procurou apresentar a
linha temática seguida pelo poeta, cronista, contista e crítico baiano, além de observar as
estratégias enunciativas utilizadas na construção do texto crítico. Após as considerações
finais, apresentam-se as referências, que contemplam obras do autor, documentos sobre o
autor e a obra, textos de crítica textual e literária, textos de literatura baiana e brasileira,
periódicos literários e de divulgação, textos sobre periódicos, textos sobre enunciação e
análise do discurso, dicionários e outras obras consultadas. Por fim, nos anexos, oferece-se
um conjunto de fac-símiles relativos ao corpus.
Magro, o seu perfil dá, de momento, a
impressão de que ali existe mais alma do que
corpo. Testa larga, olhar profundo, ampla
cabeleira, phrase curta, quase monossylabica –
Arthur de Salles viveu ali [em Brotas]
exclusivamente para seus versos, na tortura da
forma e da idéia.
Dir-se-ia mysterioso garimpeiro
desapparecido num subterraneo de mina,
procurando á luz de uma lanterna, um diamante
verde [...]21
21
Retrato do autor. In: ARTHUR de Salles. Nossos poetas, nossos literatos, nossos oradores. Bahia Illustrada.
Salvador, n.33, p. 41, dez. 1920.
21
2 O POETA ARTHUR DE SALLES
Faleceu, hoje, o Príncipe dos poetas bahianos22.
A notícia do desaparecimento do poeta Arthur de Salles23, estampada nas
manchetes dos jornais de maior circulação na cidade, causou grande comoção na sociedade
baiana, especialmente entre os homens de letras e demais intelectuais que tiveram o
privilégio de privar da sua companhia24. Comovido profetiza o redator do Diário de
Notícias:
Artur de Sales viverá, pois nas consciências das gerações futuras, que jamais
poderão olvidar essa figura ímpar de poeta, cinzelador de sentimentos na forma das
letras. A Bahia, o Brasil, que hoje choram sua perda, comporão hinos em seu
louvor, através das páginas áureas de sua história literária25.
A maioria dos trabalhos publicados sobre a vida do poeta baiano Arthur de Salles e
sobre a sua inserção no cenário das Letras em nosso estado tomam por fonte o seu necrológio,
que, por sua natureza, compõe um ritual de consagração. São em geral textos inflamados, que
devem ser lidos com algum cuidado, visto que a morte de um escritor, como, de resto, ocorre
com qualquer outra personalidade de destaque numa sociedade, deflagra sempre uma tentativa
de inserção no cânone, que, por vezes, chega a criar uma outra imagem, uma outra biografia.
Entretanto, textos dessa natureza não podem ser simplesmente desprezados, pois sempre
podem veicular depoimentos importantes, mas também não devem ser tomados como
verdades absolutas.
Arthur de Salles, morto a 27 de junho de 1952, aos 73 anos, foi consagrado ainda em
vida, conforme atestam depoimentos e ensaios biográficos examinados ao longo desse
trabalho26.
Após
a
sua
morte,
contudo,
caiu
no
mais
absoluto
ostracismo.
22
FALECEU, hoje, o Príncipe dos poetas bahianos. Estado da Bahia, Salvador, p. 3, 27/06/1952.
Arthur Gonçalves de Salles, nasceu na Cidade do Salvador, no “Cais Dourado”, distrito do Pilar, a 7 de março
de 1879. De origem humilde, filho de Severiano Gonçalves de Salles e de D. Eufrosina Aragão de Salles, o
parnasiano poeta do mar serviu o Exército no 9° Batalhão de Infantaria e chegou a ir ao Rio de Janeiro com
propósitos de fazer carreira. Não obtendo sucesso, retornou a Salvador e entrou no Instituto Normal em 1903,
formando-se Aluno-Mestre em 1905. (PEREIRA, Norma Suely. Um punhado de versos e páginas de prosa..., op
cit., f. 27-28).
23
24
PEREIRA, Norma Suely. Um punhado de versos e páginas de prosa..., op cit., f.38.
MORREU Artur de Sales. Diário de Notícias, Salvador, p. 2 e 3, 28/06/52.
26
CHAVES, Ag. Leitura variada de um poeta bahiano: Arthur de Salles O Imparcial, Salvador, n. 393,
22/06/1919; DISCURSO de posse de Jorge Amado. Revista da ALB, Salvador, n.33, p. 231-240, nov. 1985;
SILVEIRA, Giraldo Baltazar da. Arthur de Salles – esboço bio-literario. A Tarde, Salvador, n. 14.868, p. 14,
08/09/1956, Literatura – Critica e Artes; GOMES, Eugênio. Arthur de Sales. In: id. Prata de casa: ensaios de
25
22
Contemporaneamente, o poeta do mar, a despeito de sua obra e de seu devotamento pela
literatura no estado, é, fora do círculo dos especialistas e dos literatos, um ilustre
desconhecido.
Esse desconhecimento a que foi relegado o poeta baiano, assim como a maior parte dos
simbolistas, e a pouca consideração com que é tratado o próprio movimento simbolista nas
histórias da literatura brasileira, de um modo geral, deve-se, sobretudo, a características do
período. Embora o movimento simbolista tenha sido bastante extenso no Brasil, ultrapassando
as fronteiras do Rio de Janeiro, sua produção ficou muitas vezes restrita à divulgação em
periódicos e em tertúlias locais, não alcançando assim o critério de circulação na memória
coletiva nacional, utilizado pela maioria dos críticos. A indiferença da crítica militante para
com a produção dos novos autores é temática constantemente tratada pelos poetas baianos. É
o que se verifica nesta carta em que Salles, comentando uma carta recebida, faz referência ao
silêncio da crítica sobre o Sombra Fecunda, de Durval de Moraes, além de denunciar a
flagrante parcialidade que se verificava no interior das chamadas ‘panelinhas’:
[...]
Do nosso Campos, que lá dos confins do norte do Brasil não me esquece,
sempre assíduo nas suas bellissimas cartas, destaco este trecho da sua ultima
missiva:
“Na verdade, já reparei que a critica indigna silenciou sobre o livro do nosso
Durval. Apesar de mettido nestas brenhas chegam regularmente seis vapores por
mez e por todos elles recebo jornaes do Rio e de Manáos, e ás vezes da Bahia, se
bem que com grande atrazo. Mas creio que só li uma referencia, aliás muito curta á
Sombra Fecunda [.]
Fora das panellinhas, meu caro, muito custam os pontifices da critica a
descerem do seu fastigio para se dignarem de dizer algo dos que não os
incensam27.” [...]
Por outro lado, os críticos consagrados do período, em sua maioria, naturalistas, não
eram sensíveis à “nova” estética, que foi contemporânea dos movimentos Realista, Naturalista
e Parnasiano. Mesmo Nestor Vitor, crítico simbolista confesso, chegou a atacar os simbolistas
em alguns dos seus primeiros ensaios críticos28.
literatura brasileira. Rio de Janeiro: A Noite, p. 65-69 [195?]; MURICY, Andrade. Artur de Sales. In: id.
Panorama do Simbolismo brasileiro. Rio de Janeiro: MEC/INL, 1951. v. 2, p. 303-305.
27
PR-EP-CO-OM-064:0296-XE-02/JM, de 01.11.1913.
28
MARTINS, Wilson. A crítica literária no Brasil. 2.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983. v. 1, p. 462-463.
23
Sobre o pouco preparo da crítica de fins do século XIX na recepção do Simbolismo diz
Silvio Romero:
Nossos críticos repetem as idosas idéias já assentadas a respeito do classicismo
e do romantismo, porque são duas velharias muito conhecidas. Do satanismo de um
Baudelaire, do cientificismo de um Sully Proudhomme, nem palavra. Um pouco
mais dizem do parnasianismo e do naturalismo, doutrinas mais fáceis e superficiais.
Quanto ao simbolismo, o desnorteamento é completo.
Geralmente o pintam como uma reação mórbida do idealismo, uma espécie de
faquirismo ocidental nos domínios da arte, uma coisa aérea, sem nervo, sem
sistematização, sem saber o que quer29.
A vasta produção do período repousa em textos dispersos e documentos raros,
dificultando sobremaneira o trabalho de pesquisa sobre o movimento em questão, levando à
equivocada conclusão de inexpressividade do Simbolismo em território nacional.
Moderno para a sua época, o Professor Arthur de Salles foi um homem à frente do seu
tempo. Sua produção inicial, na época da Nova Cruzada30, é de feição simbolista e de
inspiração francesa, transferindo-se posteriormente para o Parnasianismo, especialmente em
Poesias31, tendo ainda apresentado incursões pelo modernismo.
Num estudo sobre as características da obra de Arthur de Salles, em que salienta não
só a sua qualidade de poeta, mas, principalmente a de prosador, Astério de Campos comparao em nitidez, sobriedade, energia e elegância à Coelho Neto e Júlio Dantas. Da sua prosa A.
de Campos destaca o texto O assassino do sol, conto realista que autoriza inserir o autor ao
lado de grandes sertanistas32.
Seis meses antes de sua morte, em entrevista concedida ao jornalista Cláudio Tuiuti
Tavares, perguntado se se considerava um simbolista, assim respondeu o poeta: “meu amigo,
29
ROMERO, Sílvio. O Simbolismo e Cruz e Souza. In: id. Teoria, crítica e história literária. Seleção e
apresentação de Antônio Cândido. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: EDUSP, 1978. p.
158-159.
30
Associação Nova Cruzada. Agremiação literária da qual Arthur de Salles foi um dos fundadores e que tinha
como órgão de divulgação a revista homônima, que circulou de 1901 a 1910, na cidade do Salvador.
31
SALLES, Arthur de. Poesias: 1901-1915. Bahia: [s.n.], 1920.
CAMPOS, Astério de. Um escriptor bahiano. In: id. Vários escriptos; 1911-1916. Salvador: Imprensa official,
[191?]. p. 92-98.
32
24
hoje sou um poeta, somente um poeta. Considero-me acima de escolas, longe dessas prisões
literárias de antigamente”33 .
Sem que suspeitasse, Salles já trazia em si, latente, a semente do novo movimento, é o
que indica o depoimento de um seu contemporâneo, Carvalho Filho34:
De toda aquela revoada de escritores, só nos preocupavam, adolescentes já
atraídos pelo fenômeno da literatura em 1922, as personalidades de Kilkerry, de
Chiacchio e de Salles. É que, por intuição da sensibilidade víamos diante de nosso
espírito o panorama de uma cultura respeitável em sua compostura exterior, mas
parada em seu convencionalismo estético. Apenas aqueles três nomes nos atraíam
pelo exemplo com que cumpriam a sua vocação. Mas sobretudo, o que surpreendianos em suas palavras era um inconformismo latente com o estado de estagnação das
nossas letras, esterelizadas na cultura monótona de símbolos esgotados de sua
substância estética. Na atitude mental dos três – notadamente na de Kilkerry –
pressentíamos subjacentes, arestas pelas quais atingiríamos o conhecimento dos
novos processos formais de expressão e de uma nova sensibilidade literária, de cuja
existência não duvidávamos35.
Péricles Ramos expressa igual impressão quando, referindo-se aos representantes do
grupo Nova Cruzada, classifica Arthur de Salles como “precursor do lirismo modernista” e
diz que Pedro Kilkerry “tem expressões e imagens avançadas”36.
A atitude ‘moderna’ de Salles pode ser percebida também na resenha que faz do livro
Sombra Fecunda de Durval de Moraes, quando, em carta datada de junho de 1913, ele apóia
a utilização do verso livre e classifica de “crítica espartilhada e grotesca” a atitude daqueles
que defendem apenas a utilização das normas tradicionais37.
33
TAVARES, Cláudio Tuiuti. “Ainda não comecei a fazer o poema da minha dor!” entrevista com Arthur de
Salles. Diário de Notícias, Salvador, ano 76, n. 14802, p. 1 e 2, 16/12/1951, Supplemento.
34
José Luis de Carvalho Filho, nascido em Salvador a 11 de jun. de 1908, diplomou-se em Direito, tendo atuado
como procurador do Tribunal de Contas e Secretário de Justiça. Foi ainda professor e poeta, tendo participado do
Movimento modernista na Bahia. Nesse período integrou os grupos de Arco e Flexa e o Ala das Letras e das
Artes. Publicou Rondas (1928), Plenitude (1930), Integração (1947), Face Oculta (1959) (COUTINHO Afrânio;
SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira, op. cit., s.v).
35
CARVALHO FILHO. Arco e Flexa. In: Valdomiro SANTANA. Literatura baiana 1920-1980. Rio de Janeiro:
Philobiblion; Brasília: INL, 1986, p. 24.
36
RAMOS, Péricles Eugênio da Silva (Org.). Poesia simbolista: antologia. São Paulo: Melhoramentos, 1965. p.
23-24.
37
PR-EP-CO-OM-064:0288-XE-06/JM, de 25-26/06/1913.
25
Em outubro do mesmo ano, de forma mais direta e contundente, citando Eça de
Queirós, Salles volta a defender a necessidade de romper com as formas parnasianas, sempre
que necessário:
... essa imobilidade entedia, nós somos os Ulisses, buscamos fugir a essa
impassibilidade, queremos a forma nova como o mar com os seus temporaes e
bonanças, sem as serenidades olympicas de Ogygia.
Queremos o movimento, a maneira de expressar-se em formas e rythmos fóra
das regrinhas pedagogicas desta daquella escola. E prompto... Fóra de tudo isto é
que está a salvação38.
Esta posição de vanguarda é também asseverada pelo escritor baiano Jorge Amado, em
seu discurso de posse na Academia de Letras da Bahia 39, em março de 1985. Tratando sobre
os movimentos que contribuíram para a renovação da cena literária no Estado, o escritor
destaca o surgimento, na década de 20, das revistas modernistas Arco e Flexa e Samba,
salientando, contudo, o papel decisivo, já na década anterior, da Nova Cruzada, que segundo
ele, lançara as bases para o aparecimento dos grupos modernistas. Dentre os poetas
consagrados com quem conviveu, Amado cita o neocruzado40 Arthur de Salles, que “estava
acima de escolas e grupos, dada a beleza e o poder de sua poesia”41 e para quem espera que se
faça justiça com uma melhor divulgação de sua obra, para que possa ocupar o lugar que lhe
pertence, entre os “vates maiores” da nossa literatura42.
Noutro momento, em depoimento para o Literatura baiana de Valdomiro Santana43,
Jorge Amado relacionou, dentre os escritores mais importantes no início do século XX, na
Bahia, as figuras de Xavier Marques, na ficção, Arthur de Salles, na poesia, e Aloísio de
Carvalho44, o Lulu Parola, no gênero humorístico45. Ele destaca ainda três revelações dentre
os escritores que surgiram na década de 20: Eugênio Gomes, Herman Lima e Godofredo
38
PR-EP-CO-OM-064:0295-XE-03/JM, de 30/10/1913.
DISCURSO de posse de Jorge Amado. Revista da ALB, Salvador, n.33, p. 231-240, nov. 1985.
40
Designação dada aos participantes da Associação Nova Cruzada, agremiação literária que tinha como órgão de
divulgação a revista homônima, que circulou de 1901 a 1910, na cidade do Salvador.
41
DISCURSO de posse de Jorge Amado. Revista da ALB, Salvador, art. cit.
42
Ibid.
43
AMADO, Jorge. A Academia dos Rebeldes. In: SANTANA, Valdomiro. Literatura baiana 1920-1980. Rio de
Janeiro: Philobiblion; Brasília: INL, 1986, p. 11 – 20.
44
Aloysio de Carvalho (1866-1942) – Um dos fundadores da Academia de Letras da Bahia, o jornalista baiano
foi também poeta e deputado estadual. Seu principal destaque é, contudo, como grande epigramista, que
publicava sob o pseudônimo de Lulu Parola.
45
AMADO, Jorge. A Academia dos Rebeldes. In: SANTANA, Valdomiro. Literatura baiana , op. cit. p. 15.
39
26
Filho46. Conforme Carvalho Filho, a atividade crítica local ficava por conta de Damasceno
Vieira, Almachio Diniz e Carlos Chiacchio47.
Salles participou ativamente da vida literária da cidade, tendo fundado, junto com outros
poetas, a Revista Moderna (1900) e a Nova Cruzada (1901). Dentre as atividades intelectuais,
desempenhou as de cronista, contista, jornalista, redator, destacando-se, porém, como poeta48.
Foi redator da Revista Moderna e da Gazeta do Povo; colaborador e fundador da Associação
Nova Cruzada, tendo publicado muito da sua produção simbolista na revista homônima,
órgão de divulgação da agremiação. Colaborou ainda em muitas outras revistas, a exemplo de
Nova Revista (1902-1903), Revista do Grêmio Literário (1902-1903), A Seara de Ruth
(1911), Os Annaes (1911-1914), Renascença (1916-1928), A Cegonha (1917-1918), Bahia
Illustrada (1917-1921), A Fita (1919-1920), A Rajada (1919-1929), Arco & Flexa (19281929), Festa (1934), e ainda em O Percevejo, revista humorística onde trabalhou na série “A
Reformeida”49. Entre os jornais locais, colaborou ativamente em O Imparcial, A Tarde e
Diario de Noticias. Integrou, ainda, o Grupo de ALA das Letras e das Artes50 e foi um dos
primeiros membros da Academia de Letras da Bahia, onde ocupou a cadeira de n. 3. Sua
produção, publicada principalmente em periódicos, tem sido resgatada por pesquisadores, mas
permanece desconhecida do grande público. Publicou: Poesias (1901-1915), 192051; Sanguemau, 192852; Poemas Regionais (Sangue-mau e O ramo da fogueira), 194853 e uma tradução
do Macbeth de Shakespeare54, com Prefácio55 de sua autoria, em 1948.
Formado pelo Instituto Normal em 1905, aos 26 anos, viveu, como professor, uma
dura experiência de peregrino, lecionando em Salvador, no interior da Bahia e em Sergipe.
Sua carreira de servidor público começou, entretanto, como bibliotecário, nomeado em 1908
46
Ibid., p. 13.
CARVALHO FILHO. Arco e Flexa. In: SANTANA, Valdomiro. Literatura baiana, op. cit., p. 23.
48
SILVEIRA, Giraldo Baltazar da, art. cit.
49
LARA, Cecília de. Nova Cruzada: contribuição para o estudo do pré-modernismo. São Paulo: USP/Instituto
de Estudos Brasileiros, 1971. p. 64-66. Em nossa pesquisa, não encontramos nenhum exemplar da revista O
Percevejo.
50
A “Organização Official de Ala das Letras e das Artes” congregava artistas e literatos e tinha redação e
direção situadas na rua Juliano Moreira, no Edifício da Associação dos Empregados no Comércio. O
“Movimento de Ala”, boletim informativo do grupo, saía às quartas feiras, n’O Imparcial, em página específica,
denominada “Pagina de Ala”. Além de Salles, faziam parte do grupo, entre outros, Presciliano Silva, Carlos
Chiacchio, Hélio Simões, Ruy Espinheira e Francisco Afrânio Peixoto (MOVIMENTO de Ala, Boletim n. 9. O
Imparcial, Salvador, p.5, 09/04/1941).
51
SALLES, Arthur de. Poesias, op. cit.
52
SALLES, Arthur de. Sangue máo; poema. Bahia: Imprensa Official do Estado, 1928.
53
SALLES, Arthur de. Poemas regionais: Sangue mau, O Ramo da fogueira. Bahia: Era Nova, 1948.
54
SHAKESPEARE, [William]. Macbeth. Trad. de Arthur de Salles. In: id. Macbeth. Rei Lear. Trad. de Arthur
de Salles e J. Costa Neves. Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 1948. p. 1-131. (Clássicos Jackson, 10).
55
SALLES, Arthur de. Prefácio. In: SHAKESPEARE, [William]. op. cit., p. i-xxv.
47
27
para o Instituto Agrícola São Bento das Lages56, localizado na Vila de São Francisco, hoje
cidade de S. Francisco do Conde, para onde se transferiu então, iniciando um período de
transferências que se estenderia, sem trégua, por toda a sua vida.
No Instituto Agrícola de São Bento das Lages, viveu o poeta um período de grande
produção literária. No silêncio da sua Turris57, encontrou inspiração para versos lapidares,
muitos dos quais integrarão, mais tarde, o seu livro Poesias”58. Na sua poesia de característica
sensualista, na acepção filosófica da palavra, conforme Almáquio Diniz, cantou o homem, o
amor e toda a gama de suas emoções59.
No final de março de 1911, é nomeado professor no Aprendizado Agrícola, anexo à
escola de S. Bento da Lages, localizada no convento de Brotas, próximo de São Bento das
Lages. Neste convento, onde antes funcionava uma antiga Abadia Beneditina, habitou a cela
que teria sido de Junqueira Freire60. Fica noivo de Aurélia Godinho, contraindo matrimônio
dois anos depois, em 1913.
Durante longo período, levou uma vida isolada e humilde, tendo de escolher entre
enfrentar diariamente os caminhos empoeirados ou lamacentos para estar com a família, ou
permanecer em Brotas, com pouquíssimo conforto e alimentação precária. Isto interfere
negativamente no trabalho do poeta, que desabafa com o amigo Durval de Moraes:
Ando esteril como as rochas. Que queres?...
Aqui, de Candeias para Brótas e de Brótas para Candeias, nada sei de novo
quanto á vida litteraria da Bahia61.
56
O Instituto Agrícola foi inaugurado, com grande festividade, em 6 de maio de 1907. (O INSTITUTO Agricola
da Bahia. Gazeta do Povo, Salvador, n. 532, p. 1, 07/05/1907).
57
No antigo Instituto de São Bento das Lages, sua cela se chamava Covadonga e a do amigo Durval, Turris
Eburnea. Algum tempo depois, Durval de Moraes era demitido do Instituto, por um caso de fidelidade ao seu
superior. Salles ficou no casarão tomando a Turris como local de trabalho. O período da Biblioteca foi
extremamente importante para a formação cultural e científica do poeta. “Foi-lhe uma espécie de curso de pósgraduação” diz Eloywaldo Oliveira. (BARBOSA, Dom Marcos. Durval de Moraes, colaborador de A Ordem, A
Ordem; Revista Trimestral de Cultura, Rio de Janeiro, v.77, p. 32-41, jan.-dez. 1982; ver também OLIVEIRA,
Eloywaldo Chagas de. Discurso de posse; pronunciado em 27 de junho de 1953. Revista da Academia de Letras
da Bahia, Salvador, n. 14, p. 64, 1953).
58
CHAVES, Ag. Leitura variada de um poeta bahiano: Arthur de Salles O Imparcial, Salvador, n. 393,
22/06/1919; ver também PR-EO-CO-OM-067:0343-XE-01-04/JM, de 23/08/1920.
59
DINIZ, Almachio. A cultura literária da Bahia contemporânea. Salvador: Typographia Bahiana, 1911. p. 48.
60
Em carta ao amigo Durval de Moraes, Salles conta que ouvira, numa palestra sobre Arte, que Junqueira Freire,
frade beneditino, teria morado em uma das celas do convento de Brotas, a mesma que ele então habitava (PREO-CO-OM-063-0278-XE-01/JM, de 21/12/1912).
61
PR-EP-CO-OM-064:0296-XE-02/JM, de 01 /11/1913. f.2.
28
É, contudo, na solidão do convento de Brotas que o poeta inicia uma de suas grandes
obras, a tradução do Macbeth de Shakespeare. Perfeccionista como era, muitos anos
empenhou o poeta nesse trabalho que o envolvera completamente, conforme depoimento de
Eugênio Gomes:
Poucas traduções já se fizeram em circunstâncias tão curiosas.
Quando a iniciou, Sales morava na Vila de S. Francisco, próximo de S. Amaro,
a pequena distância dali, numa escola agrícola cuja sede era um velho convento, já
sem frades, incrustado no platô de um morro abrupto rodeado de águas. Aí, por
vêzes, o poeta pernoitava. Fechado, de noite, numa cela do convento quase deserto,
com a peça de Shakespeare sob os olhos, Sales via a sua solidão povoar-se
constantemente de sombras trágicas. As feiticeiras, com os seus misteriosos
esconjuros; o velho rei ferido de morte em pleno sono; Lady Macbeth fazendo sua
terrível invocação às potências da treva ou, sonâmbula, a agitar sua pequena mão,
muito branca, que imagina manchada de sangue; Macbeth vendo diante de si
punhais imaginários ou empunhando aquêle com que golpeou Duncan; o porteiro,
com os seus resmungos, os assassinos, todas essas figuras estranhas haviam de
passar e repassar pela cela silenciosa, em que o poeta trabalhava ou meditava,
integrado no mundo shakespeariano62.
Analisando uma das muitas cartas que trocou com o poeta do mar, Astério de Campos
discute a importância da solidão para o engenho criador do autor:
Arthur de Salles é um recluso, um descriptivo, um sonhador, mas sem o
mysticismo das imaginações doentias.
Para elle, é na solidão que se esconde a alma, na solidão fecunda, na ‘solidão
estrellada, de Alberto de Oliveira, a solidão onde se possa sonhar, evocar, amar. A
solidão como um ponto de partida, não como um ponto de parada na vida’63.
Em A Victoria da solidão64, Durval de Moraes também reputa como benéfica a
influência da solidão para a alma do poeta, que não se deixou abater nem mesmo pelo descaso
das autoridades para com a educação ou pelas constantes tranferências que enfrentou dentro
62
GOMES, Eugênio. Macbeth. In: id. Shakespeare no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e
cultura/Serviço de Documentação/Departamento de Imprensa Nacional, 1961. p. 56-57.
63
CAMPOS, Astério de. Um escriptor bahiano. In: id. Vários escriptos; 1911-1916, op.cit., p. 101.
64
MORAES, Durval de. A victoria da solidão; Arthur de Salles – Poesias – Bahia, 1920. Bahia Illustada.
Salvador, n.34, p. 13-15. 1921. O texto integra também a edição póstuma da obra poética de A. de Salles.
(SALLES, Arthur. Obra Poética. Salvador: Mensageiros da fé/SEC, 1973. p. 457-464)
29
do serviço público. Ao contrário, o autor de Sombra fecunda considera que, se tivesse
permanecido na capital, Salles poderia ter-se contaminado pelos modismos da época, o que
lhe enfraqueceria o estro e perderia em originalidade:
O sósinho não cantou os sadismos e os masochismos do amor, nem as miserias
das infimas materialidades.
Envolvendo-se no manto luminoso da alegria calma, equlibrada, sadia, creadora
[...] não quiz ter olhos para ver as pequeninas torturas [...] Não odiou nem chorou.
Sorriu e caminhou. Canta o que deve ser celebrado: a Belleza e a Natureza [...]
Atirado num canto de provincia, que os máos governos arruinaram e
transformaram em pocilga, paupérrimo, supportando o peso atavico das tristezas e
dos pecados das raças de que descende, amarrado ao potro de martyrios do
professorado publico, mal pago e mal visto, poderia, com a clarividencia do seu
intelligentissimo espirito, revoltar-se conta tudo e contra todos e inscrever-se no
meio dos “incomprehendidos”. Não o fez, porém. Mantem-se grande, até nessa
contradicção. [...] E quem o fez assim? [...] Quem foi que o creou assim? A solidão.
Eis a musa, a dona, a inspiradora dessa vocação esplendida [...]65
Em 1921, aos 42 anos, é transferido para o Patronato João Caminha, que
ficava em Barreiros (Pernambuco?), mas não vai assumir o lugar. Descontente com a
distância para onde vai ser mandado, com o salário atrasado66 e com a saúde abalada, ele
tenta, a todo custo, que se revogue a decisão.
Entre 1921 e 1925, o poeta acha-se em disponibilidade, e passa os dias entre Salvador,
onde dá aulas no Instituto Bahiano de Ensino (para garantir o sustento) e a Villa de S.
Francisco onde está a família. Mobiliza amigos para tentar resolver o impasse sobre Barreiros.
Está ameaçado de demissão e tentado a aceitar um emprego no governo para ir ensinar em
Barracão, interior da Bahia, como Inspetor Regional, devendo visitar e fiscalizar escolas desde
a sede até Canudos, disposto a perder os 14 anos de Serviço Federal, para não ter que ir para
Barreiros, onde, àquela época, tropas legalistas se concentravam para enfrentar os
revolucionários. Ali assolava o impaludismo, devido a uma enchente, e, além de tudo, o
salário era muito pouco: 300 mil réis, para dividir com a família e pagar uma pensão no lugar.
65
MORAES, Durval de. A victoria da solidão, art. cit., p. 14-15.
São constantes as referências aos atrasos de pagamentos dos salários nos Institutos Agrícolas. Em junho de
1921, por exemplo, lê-se em um jornal da cidade: “Estão há mais de oito mezes do desembolso dos seus
ordenados vencidos os funcionarios da Escola Agricola” (A Tarde, Salvador, n. 4005, 20/06/1921).
66
30
Foi ainda indicado para o Aprendizado de Mato Grosso, mas não aceitou67. Durante este
período, trabalhou nos poemas regionais, Sangue mau e O Ramo da fogueira, além de sempre
corrigir e retocar os versos do mar e a tradução do Macbeth68.
No entender de E. Gomes, o contato diário com as tradições do Recôncavo teriam,
inspirado o poeta baiano na criação de seu poema dramático Sangue Mau69, publicado em
1928:
Por fim, o mundo shakesperiano passara a ser quase o mundo real de Sales. Êle
falava, por exemplo, sôbre as feiticeiras que vaticinavam a ascensão de Macbeth tão
naturalmente como se estivesse aludindo às bruxas da macumba local70.
Na atmosfera daquela tragédia, como o The Cenci, de Shelley71, nasceu e tomou
forma o seu poema dramático Sangue Mau, escrito entre 1924 e 1925. [...]
O poema inspira-se numa superstição muito generalizada, no recôncavo baiano,
da influência fatalista do sangue, dito “sangue mau”, sob cujo efeito do elemento
negativo a adversidade resulta inevitável. A ação se passa numa pequena povoação
de pescadores. O sangue mau vem de Teresa, a companheira do pescador Sauna.
Sob o efeito do elemento maléfico que a rapariga traz em suas veias, Sauna perde
tudo: a saúde, as embarcações, o ganho, a alegria de viver, até ficar reduzido a uma
espécie de molambo humano. Afinal, advertido da causa de sua desgraça, deixa a
companheira por outra e a felicidade volta a sorrir-lhe. [...]72
Na realidade, o poeta prepara os dois textos na mesma época, conforme atesta a sua
correspondência pessoal. Em carta ao amigo e também poeta Durval de Moraes73, de 27 de
67
SILVEIRA, Giraldo Baltazar da. Arthur de Salles…, art. cit., p. 14.
PR-EP-CO-OM-069:0365-XE-01-04/JM, de 22/04/1924 e PR-EP-CO-OM-069:0371-XE-01-02/JM, de
28/08/1925.
69
SALLES, Arthur de. Sangue mao, op.cit.
70
GOMES, Eugênio. Macbeth. In: id. Shakespeare no Brasil, op.cit., p. 58.
71
A violenta e passional tragédia vivida pela família Cenci, na Itália do séc. XVI, exerceu grande fascínio em
artistas e historiadores dos séculos posteriores. A primeira e mais importante das obras produzidas sobre o
assunto, foi sem dúvida o The Cenci, de Shelley, publicada em 1819. O autor apresenta o drama vivido por
Beatrice de forma vigorosa e sóbria, dotando a personagem de grande lirismo, determinação e firmeza de caráter
(PORTO-BOMPIANI, González. Diccionario literário de obras y personajes de todos los tiempos y de todos los
paises. Barcelona: Montaner y Simon, 1959. t. 3, s.v).
72
GOMES, Eugênio. Arthur de Sales. In: id. Prata de casa..., op.cit., p. 67-68.
73
O poeta baiano Durval de Borges Moraes (Maragogipe 20/11/1882 – Rio de Janeiro 05/12/1948) foi um dos
poetas da Nova Cruzada, agremiação a que pertenceram também, além de Salles, Álvaro Reis, Pedro Kilkerry,
Galdino de Castro e Xavier Marques, entre outros. Em 1911, foi consagrado pelos seus confrades como o maior
de seus poetas. Destacou-se entre os simbolistas pela inovação na métrica, tendo escrito versos de 17 e até 18
sílabas métricas em seu primeiro livro, Sombra Fecunda, de 1913. Mais tarde integrou-se ao grupo dos poetas
católicos, publicando livros de inspiração religiosa. (GÓES, Fernando. Panorama da poesia brasileira. Rio de
Janeiro: Civilização brasileira, 1959. v.4. O Simbolismo p. 261).
68
31
agosto de 1925, Salles fala sobre os problemas pessoais por que passava e faz comentários
sobre os trabalhos que vinha desenvolvendo paralelamente, apesar dos infortúnios:
Pouco tenho escripto. Os dissabores, as tristezas desses ultimos tempos me não
trabalhar [sic]. Depois da morte do meu irmão comecei a por em verso, a glosar, um
assumpto regional
― Sangue máo. Em meio veio a morte de meu velho e de novo parei. destaquei
desse assumpto um episodio – o Ramo da Fogueira – que te mandarei. É essa velha
superstição de que o ramo da fogueira caindo para a porta é fathidico, indica a
morte de alguem da casa. Este e outros assumptos <da> dariam com o nome de
Romanceiro boas paginas regionaes. Estes dous pelo menos eu os darei. Tudo isto
entre pescadores. E nada mais. Corrijo os versos do Mar e algumas paginas de
prosa e o Macbeth.
E aqui fico esperando as cousas e as tuas noticias. [...]74
Em fins de 1926, está em Barracão, “seu novo posto de exilio”75, inicialmente como
professor em comissão do Patronato Agrícola Marquês de Abrantes, cargo em que é efetivado
em 15 de março de 192776, ali permanecendo até 1930, muito triste, distante do mar, que lhe é
tão caro, esperando sempre por uma ajuda de custo para conseguir levar a família para perto
de si, o que dificilmente conseguiria.
O elemento marinho que Salles tão bem cantou em sua produção poética, e que lhe
valeu o epíteto de O poeta do mar, marcou toda a sua vida, conforme registra Eugênio
Gomes, seja como presença reconfortante, seja como ausência doída:
Certo dia, em Salvador, tomando-me pelo braço e descendo comigo a ladeira do
Caminho Novo, Arthur de Salles foi mostrar-me, na cidade baixa, a casa onde
vivera em pequeno. É um dos mais velhos sobradões, a cuja soleira vinha bater
antigamente o mar, no Cais Dourado, local dos mais típicos da Bahia, que o
progresso reduziu a uma praça como as outras. Falou-me êle, nessa ocasião, sôbre
os seus dias de menino passados ali; de uma escada de pedra que já não existia; da
água inquieta que batia, dia e noite, na parede do cais; das embarcações que
chegavam do recôncavo carregadas de frutos frescos e peixes luzidios brilhando à
luz do sol. O mar desaparecido dali, com o aterro das Docas do Porto, fazia-lhe falta
como uma pessoa da família levada pela morte. Aquela água vadia que fôra um de
74
PR-EP-CO-OM-069:0371-XE-01-02/JM, de 27/08/1925.
A expressão ‘exílio’ empregada ao longo da tese é utilizada como citação do texto sallesiano e refere-se às
sucessivas transferências para longe da metrópole que o autor enfrentou em sua vida profissional.
76
Acervo de documentos da Academia de Letras da Bahia, pasta 1, doc 2.4.
75
32
seus companheiros de infância parecia estar boiando no seu olhar ligeiramente
entristecido. Sales não podia se conformar com a retirada, ou antes, com a expulsão
do mar da porta de casa... E isso lhe doía como uma injustiça77.
Foram certamente muito penosos para o poeta os anos em que, transferido inicialmente
para Barracão (Bahia), entre 1926 e 1930 e depois para Quissamã, em Sergipe, entre 1935 e
1949 cumpriu longos períodos de exílio. Longe do mar que lhe era tão caro, apartado do
convívio da família e dos amigos ele se diz cada vez mais triste:
Aqui estou no meu posto, no meu exilio cada vez mais triste e mais amargo
cheg[u]ei sem novidade. Tudo aqui na mesma vida parada, na mesma vida sem
vida, na mesma solidão sem beleza e sem graça, esteril sempre, vasia sempre...78
Mesmo estando em Salvador, mas sem trabalho fixo, muito doente, no período em que
ficou em disponibilidade, após deixar Barracão, o poeta confessa, em carta ao amigo Durval
de Moraes, a tristeza por estar apartado da família:
[...] Porque fiz um lar? Que crime houve nisto?.. E agora escorraçado delle. E agora
ve-lo a furto. <E g gela> E agora apparecer a meus filhos quasi como estranho. Velos crescer de longe. Não ter no calor da sua meninice a vida e a alegria dos meus
dias. Não ter <nada> meu começo de velhice illuminado pelo sol de sua graça
fecunda.
[...]
Sou um exilado na propria terra. O péor dos exilios. [...]
Exilio seria ou será o titulo do meu livro. Expressaria bem este desconforto este
vazio que enchem esta pobre alma ha quatro annos [...]79.
Em 1949, aposentado, volta a Salvador, onde exerce o magistério particular80. Doente
e melancólico, morre três anos depois.
77
GOMES, Eugênio. Arthur de Sales. In: id. Prata de casa..., op. cit., p. 65.
PR-EP-CO-OM-037-441-01, carta ao cunhado, Bonifácio de Carvalho, de 26.02.1942.
79
PR-EP-CO-OM-070:0390-XE-01-02/JM, de 13/05/1934. f.2.
80
CARVALHO FILHO, Aloysio de. Coletânea de poetas bahianos. Rio de Janeiro: Minerva, 1951. p.99.
78
33
Mesmo cumprindo seus longos períodos de exílio, Salles foi sempre um grande leitor.
Lia tanto os autores consagrados, nacionais e estrangeiros, como as obras produzidas por seus
contemporâneos.
Em setembro de 1906, analisando a obra de Xavier Marques, Cavalheiro de honra da
Nova Cruzada, no discurso81 que proferiu durante o Carmina Triunphalia, realizado no Lyceu
de Artes e Officios, Salles compara o nacionalismo presente na obra do autor do Sargento
Pedro com a expressão do sentimento nacional que ocorre noutros autores:
O nacionalismo que se respira largamente em toda a sua obra é a phase
consciente de nossa vida literaria, a volta para as coisas do paiz que se expande
agora em pujantes affirmativas nos versos admiraveis de Alberto de Oliveira e de
Olavo Bilac, nas paginas intensamente brasileiras de Affonso Arinos, de Coelho
Netto, nos contos de Pedro Rebello, de Valdomiro da Silveira, nas marinhas de
Virgilio Varzea, nas narrativas historicas de Rodrigo Octavio, na vasta obra do
glorioso Machado de Assis e tantos outros (DXM, L. 168-175).
Nos discursos que proferiu, assim como no seu epistolário, pode-se perceber sua
atitude crítica, sempre muito bem informado e fundamentado, formulando suas apreciações a
partir de critérios impressionistas, conforme a tendência da época.
É o que se observa, por exemplo, neste fragmento do seu Discurso de recepção
ao poeta Durval de Moraes na Sociedade de Letras e Artes “Nova Cruzada”, publicado na
revista Os Annaes82, no qual, ao analisar o período inicial da obra do neocruzado, ele observa
a influência romântica e evoca Castro Alves:
Ha uns annos elle começou a rimar sonetos e poesias á luz já sem calor do
velho condoreirismo esgotado no forjar as decimas escachoantes, os alexandrinos
indomados por entre os quaes, passavam as figuras homericas dos heroes redivivos
e as figuras constelladas das datas nacionaes, quando nos decassylabos tremulos,
estillando subjectivismos magoados, não se debruçavam as visões tristonhas das
bem amadas como santas piedosas, rainhas com seus cortejos de estrellas e de
auroras, como deusas crueis, cegas e surdas áquelle desbordamento de amor
embebido de lagrimas jamais choradas. Pagou também o seu tributo, mas á
semelhança do viandante, quando dá com uma cruz na estrada, atirando-lhe um
ramo novo e seguindo, assim elle depoz a sua lembrança [,] enxugou as lagrimas e
partiu (DDM, L. 44-53).
81
SALLES, Arthur de. Discurso official. Nova Cruzada, Salvador, ano 5, n. 11, p.4-7, out. 1906. O discurso
integra o corpus do presente trabalho. Cf. às f. 96-103.
82
SALLES, Arthur de. Discurso de recepção ao poeta Durval de Moraes. Os Annaes. Salvador, ano 1, n. 7,
p.158-71, out. 1911.
34
3 O SUPORTE
Já se disse que a obra crítica de Arthur de Salles foi veiculada em jornais e revistas, é
preciso, entretanto, entender um pouco a função desse suporte no seio da sociedade em que
ele viveu. O Catálogo da obra édita de Arthur de Salles, no banco de dados Dossiê Arthur de
Salles indica um total de trinta e sete periódicos de circulação local e nacional (1900-1952),
dois quais vinte e seis são revistas83 e doze, jornais84.
As relações entre texto e veículo de divulgação devem ser consideradas na apreciação
de um texto crítico. As características do veículo – jornais da grande imprensa, revistas de
divulgação, jornais com motivação política, revistas movidas por um ideário específico –
certamente influenciam na produção de um texto. Do mesmo modo, é preciso levar em conta
a motivação que levou o escritor até aqule canal de divulgação e o contexto cultural e
literário em que se dá a produção do texto.
3.1
O JORNAL
Na segunda metade do século XIX, literatura e imprensa estavam intimamente
relacionadas. Como as dificuldades para publicar as obras eram muito grandes, o escritor
precisava dos periódicos tanto como meio de divulgação como para sobreviver. Mesmo
considerando-se o baixíssimo índice de alfabetização da população brasileira no período em
questão, a importância do jornal na difusão e democratização da cultura é inegável.
Machado de Assis, em crônica publicada no Correio Mercantil em 1859, discute o
papel do jornal naquela sociedade que, na sua análise, representou uma revolução, por
permitir maior divulgação do pensamento em relação ao livro e por dignificar o trabalho dos
literatos. Para ele, a Imprensa representou mesmo uma redenção, possibilitando a liberdade
do pensamento, além de configurar-se como importante alavanca social e econômica na
sociedade:
83
A saber: A Cegonha, A Fita, A Luva, A Ordem, A Rajada, Anuario Brasileiro de Literatura, Arco & Flexa,
Bahia Illustrada, Bahia Nova, Festa (2a. phase), Illustração Brasileira, Nova Cruzada, Nova Revista, O Mundo
Literario, Os Annaes, Renascença, Revista da Academia de Letras da Bahia, Revista Bahia-Sergipe, Revista da
Bahia, Revista das Academias de Letras, Revista do Brasil, Revista do Gremio Literario da Bahia, Revista do
Instituto Geopraphico e Historico da Bahia, Revista Moderna, Seára de Ruth, Veneza Americana.
84
A saber: A Tarde, A Verdade, Diario da Bahia, Diario da Tarde, Diario de Noticias, Diario Official do Estado
da Bahia, Dom Casmurro, Gazeta do Povo, Jornal Folha do Norte, O Estado da Bahia, O Imparcial, O
Operario.
35
O jornal é a verdadeira forma da república do pensamento. É a locomotiva
intelectual em viagem para mundos desconhecidos, é a literatura comum, universal,
altamente democrática, reproduzida todos os dias, levando em si a frescura das
idéias e o fogo das convicções.
[...] é a reprodução diária do espírito do povo, o espelho comum de todos os
fatos e de todos os talentos, onde se reflete, não a idéia de um homem, mas a idéia
popular, esta fração da idéia humana.
[...] O jornal abalando o globo, fazendo uma revolução na ordem social, tem
ainda a vantagem de dar uma posição ao homem de letras; porque ele diz ao
talento: “Trabalha! vive pela idéia e cumpres a lei da criação!” Seria melhor a
existência parasita dos tempos passados, em que a consciência sangrava quando o
talento comprava uma refeição por um soneto?85
Machado de Assis assinala também o papel reformador da Imprensa na sociedade,
devido ao caráter mobilizador do jornal na divulgação de idéias pelos diferentes estratos
sociais, funcionando como importante instrumento propulsor nas mudanças que se faziam
necessárias, atingindo desde a aristocracia até o operariado:
Ora, a discussão, que é a feição mais especial, o cunho mais vivo do jornal, é o
que não convém exatamente à organização desigual e sinuosa da sociedade.
[...] a discussão do jornal reproduz-se também naquele espírito rude, com a
diferença que vai lá achar terreno preparado. A alma torturada da individualidade
ínfima recebe, aceita, absorve sem labor, sem obstáculos aquelas impressões,
aquela argumentação de princípios, aquela argüição de fatos. Depois uma reflexão,
depois um braço que se ergue, um palácio que se invade, um sistema que cai um
princípio que se levanta, uma reforma que se coroa86.
No Brasil, o início do século XX marca a transição da pequena à grande imprensa,
que conforme analisa Nelson Werneck Sodré87, acompanhando a tendência nacional do
período, deixa de ser empresa individual para ingressar no mundo das relações capitalistas.
Tal mudança, embora represente avanço do ponto de vista material, pois o capital traz
modernização dos equipamentos, configura-se como retrocesso na liberdade de imprensa e na
isenção das idéias veiculadas. Os periódicos, especialmente os jornais, tornam-se cada vez
85
ASSIS, Machado de. O Jornal e o Livro. In: Id. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v. 3, p.
943-48.
86
ASSIS, Machado de. A reforma pelo jornal. In: Id. Obra Completa, op. cit.. v. 3, p. 963-65.
87
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. 4. ed. atual. Rio de Janeiro: Mauad, 1999. p. 275281.
36
mais servis e tendenciosos, atendendo aos interesses do poder político e do capital,
representado, de início, principalmente pelo comércio lusitano estabelecido no país.
O texto, segundo assinala o mesmo Sodré88, sofre poucas alterações em relação ao
séc. XIX: configurado em poucas páginas, é rico em recursos de retórica e pobre de conteúdo
significativo. O noticiário é redigido de forma empolada, dificultando a leitura. Apenas os
anúncios apresentam alguma evolução: desde fins do séc. XIX a publicidade passa a ser
redigida por literatos que, com criatividade, produzem slogans, sonetos e textos testimoniais
que quebram a monotonia dos jornais que, àquela época, também não podiam contar muito
com os clichês devido ao seu alto custo.
As dificuldades de publicação no país permanecem. Sobre a magnitude do problema e
seus reflexos na produção dos literatos, Astério de Campos assinala:
Salvo o grande Coelho Neto, que vai vivendo de letras numa terra iletrada
como o Brasil, os escriptores aqui, no geral, difficilmente chegam a autores,
fragmentando-se,
uns,
pelas
folhas
volantes
das
gazetas,
nas
páginas
ephemerissimas das revistas, resignando-se outros, a collecionar o que produzem,
nos escaninhos das estantes, no gabinete de estudo; e, outros ainda, se refogem na
vida dos campos natais, á sombra dos alpendres e das arvores, desilludidos, ou se
annullam de mergulho na vida commercial [...].89
Contudo, com o avanço do capitalismo sobre a imprensa, os literatos são coagidos a
diminuir as contribuições de caráter literário, tidas como de interesse limitado e a lançar-se à
redação de reportagens, entrevistas e notícias de interesse mais geral. O esporte, antes tratado
como tema secundário, passa a ganhar mais destaque nas gazetas. Desde então, proliferam as
revistas ilustradas que passarão a acolher os trabalhos de literatura, ficando o jornal
principalmente com as notícias. Os jornais criam então seções de crítica literária, os
rodapés90, que mais tarde darão origem aos suplementos literários91.
88
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil, op.cit., p.281-283.
CAMPOS, Astério de. Vários escriptos; 1911-1916, op. cit. p. 31-32.
90
Rodapé ou pé – a parte inferior de uma página impressa. Originou-se na França do séc. XIX a utilização do
espaço vazio no rodapé dos jornais para a publicação de textos de entretenimento, tais como piadas, charadas,
receitas de culinária e de beleza, crítica literária e narrativas, especialmente as crônicas, entre outros. (MEYER,
Marlyse. Voláteis e versáteis. De variedades e folhetins se fez a chronica. In: CANDIDO, Antonio et al. A
Crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil. Campinas: EDUNICAMP; Rio de Janeiro:
Fundação Casa de Rui Barbosa, 1982. p. 96-99; FARIA, Mª Isabel; PERICÂO, Mª da Graça. Dicionário do
livro. Lisboa: Guimarães, 1988. s.v.).
91
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa, op. cit. p. 275-306.
89
37
Os rodapés começam a ser publicados entre nós em meados do séc. XIX. Inicialmente
uma espécie de vale-tudo, vão-se diferenciando com conteúdos semanais estabelecidos,
abrigando, mais tarde, as narrativas seriadas92.
Surge então a crônica, pequeno texto em prosa, de natureza livre e linguagem
coloquial que visava a relatar ou a comentar fatos marcantes ocorridos durante a semana ou o
mês, analisados com finura e argúcia.
Inicialmente, o termo crônica era usado para designar relatos cronológicos, de caráter
histórico93 pois, como ensina Arthur de Salles, a chronica, divindade multiforme, é filha de
Chronos, o devorador do tempo, com Íris94. O sentido antigo do vocábulo em língua
portuguesa, que com o tempo foi modificando-se, permanece, entretanto, em outras línguas
neolatinas95. Segundo teoriza Salles, a chronica teria herdado de Chronos “o capricho e a
psicologia torturante da fuga” e de Íris, a mensageira dos deuses, ela colheu as cores, com
que “Irisa o momento. Dá-nos um de seus raios para com elle dourarmos o sentimento, a
impressão, a emoção que se nos estende n’alma [...]”96.
A crônica, como bem observa A.
Coutinho, “é um gênero altamente pessoal, uma reação individual, íntima, ante o espetáculo
da vida, as coisas, os seres”97.
A crônica tratava principalmente de aspectos da vida mundana ou fazia crítica de
pessoas .
O argumento era diverso, importando mais o estilo do cronista do que o
assunto em questão. A diluição do fato motivador é, aliás, segundo Antônio Dimas, uma das
funções da crônica98. O cronista observa a realidade e dela retira apenas os dados que julga
significativos, ampliando-os para seduzir emocionalmente o leitor, sem aprofundá-los, no
entanto, podendo levar a uma visão deformada dos fatos99.
Como os cronistas eram quase sempre poetas e escritores, o gênero teve sempre uma
feição literária, o que fez com que mais tarde derivasse para o romance urbano ou de
costumes100. Contudo, conforme analisa Antonio Dimas, a crônica jornalística não se prendia,
92
MEYER, Marlyse, art. cit., p. 96-99.
COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 306.
94
SALLES, Arthur de. A chronica. In: TAVARES, Célia Goulart de Freitas. Alguns aspectos da prosa dispersa
e inédita de Arthur de Salles. Salvador: UFBA, 1986. Dissertação de Mestrado em Letras. Orient. Nilton Vasco
da Gama. f. 111-112
95
COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil., op. cit. p. 305.
96
SALLES, Arthur de. A chronica. In: TAVARES, Célia Goulart de Freitas., op.cit.
97
COUTINHO, Afrânio (Dir.). Simbolismo, Impressionismo e Modernismo: crônica. In: COUTINHO, A. A
literatura no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: José Olympio; Niterói: UFF, 1986. v.4, p. 377.
98
DIMAS, Antonio. Tempos eufóricos: análise da revista Kosmos, 1904-1909. São Paulo: Ática, 1983. p. 73.
99
Ibid., p. 57.
100
COUTINHO, Afrânio (Dir.). Ensaio e crônica. In: A literatura no Brasil. op. cit., p. 117-143; ver também,
GOMES, Eugênio; COUTINHO, Afrânio. Crônica. In: COUTINHO Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.).
Enciclopédia de Literatura Brasileira. 2. ed. rev., ampl., atual. e il. sob a coord. de Graça de Coutinho e Rita
93
38
muitas vezes, a rigores estéticos. Objetivava, sobretudo, informar, sem perder de vista a
ideologia da direção do periódico e a motivação financeira. Importava, antes de mais nada,
seduzir o leitor, vender o periódico, sendo nesse caso classificada entre os textos de baixa
literariedade101.
A princípio chamou-se crônica ou folhetim à crônica propriamente dita e também à
novela ou ao romance, publicados em jornais, ficando, mais tarde, consagrado o tremo
folhetim para designar a seção na qual se publicavam, além de crônicas, a ficção e outras
formas literárias102.
Há grande influência francesa nas crônicas publicadas em jornais brasileiros do
período. Conforme analisa Afrânio Coutinho, isto se deve não só à origem do gênero, como à
“infiltração” daquela cultura através da cultura lusa, uma vez que escritores portugueses
como Eça de Queirós e Ramalho Ortigão, por exemplo, colaboravam regularmente em
jornais brasileiros103. Os francesismos em excesso eram criticados por muitos literatos que
consideravam ser este um aspecto que contribuía negativamente para a formação do espírito
nacional.
Machado de Assis discute o assunto em uma de suas crônicas, ao tempo em que
define o folhetim e o folhetinista, e a relação existente entre folhetim e jornal, condenando a
falta de originalidade dos que abusavam dos francesismos:
[...] o folhetim nasceu do jornal, o folhetinista, por conseqüência, do
jornalista. Esta íntima afinidade é que desenha as saliências fisionômicas na
moderna criação.
O folhetinista é a fusão admirável do útil e do fútil, o parto curioso e singular
do sério, consorciado com o frívolo. Estes dois elementos, arredados como pólos,
heterogêneos como água e fogo, casam-se perfeitamente na organização do novo
animal.
Efeito estranho é este, assim produzido pela afinidade assinalada entre o
jornalista e o folhetinista. Daquele cai sobre este a luz séria e vigorosa, a reflexão
calma, a observação profunda. Pelo que toca ao devaneio, à leviandade, está tudo
encarnado no folhetinista mesmo; o capital próprio.
Moutinho. São Paulo: Global Editora; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional / DNL; Academia
Brasileira de Letras, 2001. v.1, p. 559-63.
101
DIMAS, Antonio. Tempos eufóricos..., op.cit. p. 50-51.
102
COUTINHO, Afrânio (Dir.). Ensaio e crônica. In: A literatura no Brasil. op. cit., p. 117-143; ver também,
GOMES, Eugênio; COUTINHO, Afrânio. Crônica. In: COUTINHO Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.).
Enciclopédia de Literatura Brasileira...op.cit., v.1., p.559.
103
Ibid., p. 561.
39
[...] o folhetinista aqui é todo parisiense; torce-se a um estilo estranho [...]
Força é dizê-lo: a cor local, em raríssimas exceções, tem tomado o folhetinista
entre nós. Escrever folhetim e ficar brasileiro é na verdade difícil104.
O romance-folhetim, como era chamada a narrativa publicada por partes, em doses
diárias, foi muito bem aceito pelo público e, se por um lado serviu para popularizar o
romance, por outro contribuiu para a massificação do mesmo, tornando o romance-folhetim
um produto industrial, sustentáculo dos jornais, garantindo as vendas a custa do
“esticamento” da narrativa, com prolongado adiamento da conclusão dos romances de maior
sucesso, recurso, aliás,
romanesco é avô
105
herdado pela telenovela contemporânea, de quem o folhetim-
.
Consolidado o sucesso do romance-folhetim, a seção variedades deixa o
rodapé e passa ao corpo dos jornais, ainda em meados do séc. XIX106. Além das duas seções
havia ainda, muitas vezes, uma outra intitulada “A pedidos”, que também publicava textos
literários.
A publicação de textos literários nas seções Variedades ou em Folhetins,
obedecia a uma certa hierarquia de prestígio: tinham preferência os autores já consagrados, e
os estrangeiros, especialmente os franceses e ingleses, traduzidos e, às vezes, na própria
língua de origem. Para os iniciantes, mesmo com uma boa indicação, o caminho era bem
mais difícil.
104
ASSIS, Machado de. Aquarelas. In: Id. Obra Completa, op.cit., v. 3, p. 958-60.
MEYER, Marlyse, art. cit., p. 97-102.
106
Ibid., p. 113.
105
40
A Crítica literária propriamente dita desenvolveu-se efetivamente no Brasil por volta
de meados do século XIX, de acordo com cronologias estabelecidas por críticos consagrados,
a exemplo de Silvio Romero e José Veríssimo, havendo, contudo, discordância entre eles
quanto às datas e respectivos precursores107.
A grande subjetividade da crítica de jornais já no século XIX preocupava Machado de
Assis, um dos precursores do movimento de renovação da crítica108. Antecipando-se ao que
outros diriam mais tarde, e contrariando as tendências em voga, o escritor fala da necessidade
de reforma da crítica. Para ele, a crítica literária não é tarefa fácil. Ao crítico, diz o célebre
escritor, são indispensáveis o conhecimento da ciência literária, para fundamentar sua análise,
e a sinceridade. Para que seja útil, é preciso que a crítica seja verdadeira. Além disso, o
crítico deve ser coerente em seus julgamentos e imparcial, deve ainda ser tolerante,
perseverante e, sobretudo, cortês, para reerguer os ânimos, promover os estímulos e guiar os
estreantes109.
Dentre os críticos consagrados no cenário nacional entre fins do século XIX e início
do século XX, destacam-se Araripe Júnior, Sílvio Romero, o polêmico e voluntarioso
representante da Escola do Recife, seu franco opositor, José Veríssimo e Nestor Vítor. Os três
primeiros são os representantes da crítica nacionalista, de origem romântica, empenhados no
estabelecimento do critério de nacionalidade que seria o fator fundamental na avaliação das
obras literárias. A valorização de critérios mais estéticos e menos historicistas começa a ser
feita, conforme Antonio Candido, no início do século XX, a partir de José Veríssimo, o qual,
ainda segundo A. Cândido, seria o mais literário entre os velhos críticos110. A esses se
seguem como nomes importantes, já na primeira metade do século XX, Ronald de Carvalho,
Alceu Amoroso Lima (o Tristão de Ataíde), Jackson Figueiredo e Andrade Muricy, entre
outros. Na Bahia, os principais nomes da Crítica literária no início do século XX são Xavier
Marques, Damasceno Vieira, Almachio Diniz, Carlos Chiacchio e Eugenio Gomes.
O Simbolismo não angariou simpatia entre a crítica consagrada. À exceção de Araripe
Junior, os críticos militantes do período, naturalistas em sua maioria, não viam com bons
olhos a recuperação de traços românticos que haviam sido tão combatidos. Considerado
107
MARTINS, Wilson. A crítica literária no Brasil. op. cit., p. 21-31.
COUTINHO, Afrânio. A literatura como estrutura estética. In: COUTINHO, Afrânio (Org.). Caminhos do
pensamento crítico. Rio de Janeiro: PALLAS /INL-MEC, 1980. v. 2, p.938-939.
109
ASSIS, Machado de. Ideal do crítico. In: COUTINHO, Afrânio (Org.). Caminhos do pensamento crítico, op.
cit. v.2, p.967-971.
110
CÂNDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 5. ed. São Paulo: Ed.
Nacional, 1976. p.112-116.
108
41
como ultrapassado e anacrônico, o movimento sofreu ataques de toda ordem. Seus cultores
eram tachados de sonhadores, desorganizados, falsificadores de sensações, insanos.
Dentre os cultores do Simbolismo, Silvio Romero, em sua História da Literatura
destacou apenas dois autores, Bernardino Lopes (B. Lopes), a quem considerava
principalmente parnasiano, pois a sua fase simbolista ele classificou como de afetada
religiosidade, e Cruz e Souza, para o crítico “um simbolista puro, com nobre espírito de
eleição” e de quem destacou a simplicidade, sinceridade e o poder evocativo111.
José Veríssimo considerava o Simbolismo uma tendência de difícil definição, de
origens e influências heterogêneas e desencontradas. Dentre os simbolistas que mereceram a
sua leitura ele destacou Alphonsus Guimarães, classificado como “um místico, um poeta
católico que tem bons versos, mas nada de excepcional”, e que se permanecesse simbolista
seria apenas mais um estro perdido; e Cruz e Souza, que embora em alguns de seus sonetos
só apresentasse “palavras amontoadas e repetidas”, foi uma alma sensível, de uma poesia
extravagante e de rara distinção. Foi “um negro bom, sensível mas que tinha dificuldade de
expressão, sem nenhuma concepção teórica de sua arte e sem consciência do seu estro”112.
Em sua História da Literatura Brasileira, de 1916, simplesmente não menciona a estética
simbolista.
Dentre aqueles que efetivamente se ocuparam da crítica simbolista no Brasil,
destacam-se Nestor Vitor e Gonzaga Duque. Perfeitamente integrados ao espírito da nova
escola, conforme analisa Massaud Moisés, sua crítica é impressionista e estetizante,
enquadrando-se no perfil do chamado poema crítico113. O primeiro, crítico oficial do
Simbolismo, padece do mesmo esquecimento a que foram relegados os simbolistas de modo
geral. Crítico impressionista, Nestor Vitor é também exigente, aliando simpatia e exaltação
com imparcialidade e espírito crítico em seus julgamentos. Combinando subjetividade e
objetividade, o crítico recria o objeto de análise para melhor criticá-lo114.
Gonzaga Duque, por sua vez, embora fosse principalmente um crítico de arte,
mostrava uma modulação literária em seus ensaios e artigos em torno das artes plásticas,
além de possuir um estilo artístico refinado, o que justifica, conforme M. Moisés, a sua
111
ROMERO, Sílvio. Reações anti-românticas na poesia – evolução do lirismo. In: id. História da literatura
brasileira. 7.ed. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: INL, 1980. v. 5, p. 1682-1688.
112
VERÍSSIMO. José. Teoria, crítica e história literária. Seleção e apresentação João Alexandre Barbosa. Rio
de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: EDUSP, 1977. p. 221-232.
113
MOISÉS Massaud. A crítica. In: Id. A Literatura brasileira.; O Simbolismo (1893-1902). 2.ed. São Paulo:
Cultrix, [ ? ], v. 4, p. 259-260.
114
MOISÉS Massaud, op. cit. p. 267-277.
42
inclusão entre os críticos simbolistas115. È o que se pode observar num fragmento de artigo
em que o crítico sai em defesa do escultor Almeida Reis que havia sido duramente criticado
pela imprensa, após uma exposição. Para reforçar o que dizia sobre as qualidades do artista,
G. Duque cita um outro trabalho do escultor:
Na exposição da Academia, em 1878, Almeida Reis expôs o grupo intitulado O
Genio e a Desgraça.
[...] O todo do Gênio é bom, bem compreendido e executado. A cabeça tem a
grandeza que Fídias talhava; o corpo é natural e bem estudado.
A figura da Desgraça é sublime.
Hão de existir poucos artistas que criam com tanta facilidade: aquele todo
esfarrapado, magro, deluído pela lepra dos bordéis, depauperado pelas noitadas do
vagabundismo, depravado pelas estrumeiras do vício.
Almeida Reis parece que, nesse momento, sentia em si as manifestações da
desgraça. Abandonara o seu ideal da carnação vigorosa, do organismo sadio, da
vida oxigenada e bela, e, descendo até aos antros da dissolução, o seu cérebro
enchera-se daquelas formas raquíticas que destilam, pelos poros, o álcool que
beberam duas horas antes. Ele viu a procissão da miséria lúbrica que não tem
sentimentos nem pão, que canta porque não chora, que se ri porque não sabe gemer,
desfilar funebremente, pelos corredores das sentinas úmidas, entoando umas
canções obscenas como uma marcha de guerra, limpando com os trapos de suas
vestes de maltrapilho o sangue espúrio que goteja das gangrenas sifilíticas. [...]116
Afastado já no tempo, do período de vigência do Simbolismo no Brasil, Afrânio
Coutinho assinala a desatenção e o desapreço com que fora recebida a estética, quando do seu
surgimento nas letras nacionais. Embora analisando a dificuldade que há em definir o
Simbolismo, dada a diversidade de elementos, propósitos e princípios que congregou,
concorda com Araripe Junior, primeiro dos críticos oficiais do período a destacar a chegada
da nova tendência, entendendo o Simbolismo como importante transformador da nossa prosa,
trazendo de volta para o romance nacional a poesia que fora varrida pelo Realismo e
impregnando-o de símbolos e convenções que comunicassem a impressão do real, sem ser o
real, misturando realidade e sonho, real e ideal117. Além de apresentar os principais ícones do
115
Ibid., p. 261.
DUQUE-ESTRADA, Luís Gonzaga. Impressões de um amador: textos esparsos de crítica (1882-1909).
Seleção de Júlio Castañon e Vera Lins. Belo Horizonte: UFMG: Fundação casa de Rui Barbosa, 2001. p. 47.
117
COUTINHO, Afrânio (Dir.). A literatura no Brasil. Rio de Janeio: Livraria São José, 1959. v. 3, t. 1, p. 1822 e 41.
116
43
Simbolismo nacional, Coutinho faz referência aos movimentos provinciais, a exemplo da
Padaria Espiritual, movimento fundador do Simbolismo no Ceará, contemporâneo do grupo
da Folha Popular, do Rio de Janeiro, e da Nova Cruzada, na Bahia, movimento já
considerado crepuscular em relação ao Simbolismo nacional118.
Na cena literária baiana, Almachio Diniz e Damasceno Vieira militavam em grupos
opostos. A rivalidade possivelmente devia-se ao fato de pertencer o segundo ao mesmo grupo
do poeta Pethion de Villar (pseudônimo do Dr. Egas Moniz Barreto de Aragão). Consta que
este teceu críticas severas a Almachio Diniz, quando da sua estréia na seara das letras, em
1901, tornando-se desde então seu inimigo mortal. Além disso, Diniz não suportava o
domínio político que os Monizes exerciam na Bahia119.
Outro grande desafeto de A. Diniz foi José Veríssimo, desde que o crítico baiano fora
preterido na eleição para uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, na vaga deixada por
Euclydes da Cunha, tendo sido derrotado por seu conterrâneo, Afrânio Peixoto. Era então
presidente da Academia o crítico José Veríssimo, o qual, segundo o próprio Diniz, havia
incentivado sua candidatura e lhe prometido apoio, traindo-lhe, contudo, mais tarde120.
Inconformado, Diniz não economiza nos ataques diretos ao crítico paraense, a quem
denomina “tapuia paraense”. Exemplo dessa atitude é a crítica que faz ao livro Homens e
cousas do extrangeiro, na qual qualifica Veríssimo, entre outras coisas, de “pontífice da má
crítica brasileira”, zoilo, pobre de espírito e insensato, afirmando que o nome do crítico
paraense se fez às custas de espalhar o terror de norte a sul, depreciando injustamente obras e
autores121.
Vários têm sido os métodos empregados pela crítica ao longo dos anos. Em vez de
gerações ou períodos, Wilson Martins, inspirado em Sainte-Beuve, classifica as diversas
metodologias críticas em seis “famílias espirituais”: gramatical, humanística, histórica,
sociológica, impressionista e estética. Na sua análise, tais métodos ou famílias não são
excludentes, ao contrário, de acordo com a natureza do crítico, da obra em questão e com o
momento histórico, os métodos se completam ou se complementam, pois não há métodos
universais; cada problema literário requer um método ou métodos diferentes122.
A linhagem histórica, por exemplo, primeira a se desenvolver no Brasil, vê a literatura
como um problema de história, sendo descritiva e documental por excelência. Porém, sem a
118
Ibid., p. 17-23 e 125-226.
DINIZ, Almachio. Zoilos e Esthetas. Porto: Chardron, 1908. p. 176-179.
120
DINIZ, Almachio. Uma campanha eleitoral no domínio das letras. In: id. Moral e crítica. Porto: Magalhães e
Moniz, 1912. p. 235-355.
121
DINIZ, Almachio. Um zoilo dos maiores... In: id. Moral e Crítica. op.cit, p. 125-137.
122
MARTINS, Wilson. op. cit. p. 34-51.
119
44
necessária complementação da interpretação estética, perde seu valor, não alcançando assim
o status de crítica enquanto criação estética123.
A crítica impressionista ou relativista baseava-se em critérios subjetivos, no gosto
pessoal, nas leituras e no conhecimento enciclopédico do crítico. Importava, sobretudo, a
impressão que a obra provocasse no espírito do crítico. Anatole France um de seus maiores
cultores, definiu o bom crítico como “aquele que relata as aventuras de sua alma por entre as
obras primas”124. Os critérios eram, portanto, a sensibilidade e o gosto do crítico.
O impressionismo crítico, tão antigo no Brasil quanto o método histórico, tem,
contudo, seu período de maior esplendor na vigência da estética simbolista na literatura.
Confundida muitas vezes com simples diletantismo, a subjetividade, principal característica
do Impressionismo, é, no dizer de Fidelino de Figueiredo, elemento indispensável na crítica,
seu ponto de partida, já que a obra, como produto estético, não pode ser analisada apenas
objetivamente, como se fosse um produto de lógica. Todavia, assinala o autor, o
impressionismo não pode, a rigor, ser considerado como método, uma vez que pressupõe
plena liberdade no proceder, também não se constitui crítica completa, pois lhe falta o juízo
crítico, ponto de chegada de todo método125. Considerando-se que a impressão deve estar
alicerçada na cultura do crítico e no exame dos fatos estéticos, percebe-se o quanto esse
método é dependente da qualidade pessoal de quem o exercita.
Na análise de Afrânio Coutinho, teriam concorrido para a grande difusão do
impressionismo entre nós, no período em questão, a ausência de preparo universitário de
letras (os literatos de formação superior eram em geral bacharéis em Direito), a
impossibilidade de dedicação exclusiva da maioria dos escritores, que precisavam exercer
outros misteres para sobreviver e a pressa com que tinham que produzir para atender às
necessidades dos periódicos126.
Parte da crítica produzida no início do séc. XX e publicada em periódicos é de caráter
principalmente informativo. A chamada crítica de rodapé oscila entre a crônica e o review127,
123
Ibid., p. 91-96.
COUTINHO, Afrânio. Impressionismo e julgamento. In: Id. Da crítica e da nova crítica. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1975. p.154-157.
125
FIGUEIREDO, Fidelino de. O impressionismo. In: id. A critica litteraria como sciencia. 3.ed. Lisboa:
Livraria Clássica Editora, 1920. p. 45-47.
126
COUTINHO, Afrânio. Impressionismo. In: COUTINHO, Afrânio (Org.). Caminhos do pensamento crítico,
op. cit., v.2, p.652; ver também, COUTINHO, Afrânio. Crítica. In: COUTINHO Afrânio e SOUSA, J. Galante
(Dir.). Enciclopédia de literatura brasileira. op. cit., v.1, p. 553-554.
127
Review – “revista ou recensão de livros: forma leve de crítica aplicada, ao mesmo tempo que um tipo de
jornalismo; visa a informar e orientar o público dos jornais e revistas acerca do movimento editorial,
recenseando os livros do momento em pequenas sínteses do seu conteúdo e apreciações ligeiras do seu valor”.
(COUTINHO, Afrânio. Para onde vai a crítica? In: Id. Da crítica e da nova crítica, op.cit. p.xii-xiv.)
124
45
a crítica noticiário, e é em geral eloqüente. Através dela o público toma conhecimento das
novas publicações. Trata-se de uma crítica em geral inconsistente e de natureza vária,
conforme registra Dulce Mascarenhas em seu livro Carlos Chiacchio: homens e obras128.
Os críticos jornalistas, autodidatas, são formadores de opinião. Os mais prestigiados
tanto podiam alavancar, como derrubar carreiras de escritores, contribuindo decisivamente
com o movimento editorial129. Contudo, falta à maioria dos críticos desse período o método
crítico por excelência, a sistematização de critérios estéticos que devem conduzir o
julgamento de uma obra.
Por outro lado, conforme analisa I. Alves, a crítica curta e de linguagem acessível
alcançava maior número de leitores. Um discurso mais longo e alicerçado no jargão literário
específico poderia não agradar ao grande público, o que poderia entrar em choque com os
interesses dos periódicos130.
A critica impressionista, realizada sem método específico e baseada em impressões
pessoais, na visão da arte e da literatura do crítico incorre em um problema que Dulce
Mascarenhas denomina “contaminação”, interferência do leitor na obra criticada. A produção
examinada acaba por se constituir em pretexto para a criação do crítico impressionista131. É o
que se observa, por exemplo, nos textos críticos de Arthur de Salles: crítica de simpatia,
predominantemente laudatória, que facilmente descamba para a prosa poética.
A crítica encomiástica é muito comum no período. O neocruzado Bento Murila,
pseudônimo do Dr. Manuel Joaquim de Sousa Brito, analisando os versos do Hostiário de
Francisco Mangabeira, depois de muitos elogios conclui:
Eis o que é o Hostiário. Eis o que é o primeiro livro de versos publicado pelo
Sr. Francisco Mangabeira.
– Mas não terá um senão? Não terá um defeito? Perguntará o leitor.
Deve tel-os, responderei, e talvez muito, mas não serei eu quem vá procurar
jaça que possa ter uma ou outra das pedras preciosas de tão custoso cofre de jóias.
128
MASCARENHAS, Dulce. Carlos Chiacchio: homens e obras. Salvador: Academia de Letras da Bahia, 1979.
p. 21-22.
129
SUSSEKIND, Flora. Rodapés tratados e ensaios: a formação da crítica brasileira moderna. In: id. Papéis
colados. 2 ed. Rio de Janeiro: EDUFRJ, 2003. p. 15-24.
130
ALVES, Ívia, Visões de Espelhos: percurso da crítica de Eugênio Gomes. Salvador: Academia de Letras da
Bahia; Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, 2007. p. 91.
131
Ibid., p. 30.
46
Deixo para quem quiser a inglória e odiosa tarefa132.
Xavier Marques, apresentando outra obra do mesmo autor, a Tragédia Épica, poema
épico inspirado na guerra de Canudos, assim diz em sua conclusão:
E findo o poema, não me perguntem quantas vezes destoou, quantas declinou
da sua altura a musa de Mangabeira, de tão largos e sonoros vôos. Responderia que
não o segui como crítico, mas como publico. O que sei é que elle me fez sentir,
como n’aquelles dias de sombras e afllicções...133
A “crítica” de rodapé era, na verdade, uma tentativa de conciliar a crítica
propriamente dita, com a atividade de review, método herdado da tradição francesa, a partir
de Sainte-Beuve. Contudo, segundo A. Coutinho, devido ao crescimento progressivo do
mercado editorial e ao amadorismo e improvisação com que foi por vezes exercida entre nós,
a crítica de rodapé acabou por resumir-se em recensão informativa de obras publicadas134.
Entre os críticos do período, as opiniões se dividem. Medeiros e Albuquerque, crítico
impressionista, considera ser o impressionismo a orientação crítica mais adequada, contanto
que o crítico tenha fixidez em seus pontos de vista, evitando contradições, e seja imparcial,
procurando não levar em conta as influências pessoais na apreciação de uma obra. Para ele, o
objetivo da crítica é dar ao leitor indicações de leitura. O crítico deve dar sua impressão sobre
as obras analisadas, sempre acompanhadas de justificativas, para que o leitor, conhecendo os
seus critérios, possa decidir-se ou não pela leitura135.
Para A. Coutinho, um dos introdutores da crítica acadêmica no país, a crítica de
rodapé, praticada no Brasil entre fins do séc. XIX e início do séc. XX, não pode, a rigor, ser
considerada como crítica. É crônica, registro ou review, uma vez que não há critério
norteador, não há padrão de valores estabelecido para a interpretação, resumindo-se, em
geral, ao critério do “gostei”, “não gostei”136. Coutinho deflagrou verdadeira campanha
contra a crítica de rodapé, a favor do new criticism. Para ele, a crítica publicada
sistematicamente nos jornais, em rodapés ou colunas semanais, com raras exceções, nem
132
MURILA, Bento. Hostiário; versos de Francisco Mangabeira. Revista do Grêmio Literário. Salvador, n. 3,
p.462, fev.1904.
133
MARQUES, Xavier. A Tragédia Épica. Revista do Grêmio Literário. Salvador, n. 3, p.456, fev.1904.
134
COUTINHO, Afrânio. Para onde vai a crítica? op. cit. p.xiv-xv; COUTINHO, Afrânio. A crítica no Brasil. In:
Id. Da crítica e da nova crítica,. op. cit. p.80-84.
135
ALBUQUERQUE, Medeiros e. A crítica literária. In: COUTINHO, Afrânio (Org.). Caminhos do pensamento
crítico, op.cit., v.2, p.667-670.
136
COUTINHO, Afrânio. A crítica e os rodapés. In: Id. Crítica e críticos. Rio de Janeiro: Organização Simões
editora, 1969. p.19-23.
47
mesmo pode ser tomada como impressionismo crítico, cuja prática, explica, “é uma recriação
através da obra literária”, “é literatura feita da literatura” e não “uma opinião ou mero
discurso à margem ou em torno das obras”137.
Mais tarde, com a renovação trazida pelo movimento modernista de 30, a crítica
ganha novos contornos com maior aplicação de critérios estéticos na aferição da obra
literária138. No Brasil, esse movimento de renovação recebe o nome de nova crítica.
A partir dos anos 40, com os primeiros críticos saídos das Faculdades de Filosofia,
Ciências e Letras, criadas no Brasil nos anos 30, intensifica-se a crise entre a crítica de
jornais, não especializada, escrita pelos “homens de Letras” e aquela produzida pelo críticoscholar. Os críticos universitários tentam de toda a forma desqualificar o trabalho dos críticos
jornalistas. Considerados pelos primeiros como amadores e não qualificados para o exercício
da crítica, os críticos de rodapé vão aos poucos perdendo o prestígio para os especialistas. A
polêmica foi intensa e gerou grande número de artigos em torno das obras publicadas e sobre a
própria metodologia aplicada na crítica139.
137
COUTINHO, Afrânio. A crítica no Brasil. In: Id. Crítica e críticos. op.cit, p. 23- 26. Sobre a mesma questão,
ver também COUTINHO, Afrânio. Da crítica e da nova crítica. op. cit.p.xiv-xv, 59-62 e 128-133.
138
COUTINHO, Afrânio (Dir.). Simbolismo, Impressionismo e Modernismo: crítica. In: A literatura no Brasil,
op. cit., p. 379-380.
139
SUSSEKIND, Flora. Rodapés tratados e ensaios…, op. cit., p. 15-36.
48
3.1.1 Canais de divulgação
3.1.1.1 Jornais
Os jornais tiveram importância capital para a literatura no período, não só pela
publicação das obras, como também pela visibilidade que conferia aos autores.
Na primeira década do novecentos, os jornais informam a participação efetiva de
Arthur de Salles em eventos na cidade de Salvador. Em maio de 1907, o jornal Gazeta do
Povo noticia os festejos pelo 5.º ano da Nova Cruzada. O poeta, e seu amigo Durval de
Moraes estão entre os que recitaram versos no torneio ocorrido, ‘como de praxe’, naquela
noite140. Em 1908, Salles representou a Gazeta do Povo como membro na comissão julgadora
que deveria decidir qual a mais bonita entre as casas ornamentadas no distrito de Santo
Antônio, para os festejos do 2 de julho. Nesta ocasião, foi vencedora a casa de n. 47, da rua
direita de Santo Antônio, residência do Dr. Pacheco de Oliveira141.
Dentre os canais de divulgação da obra crítica de Arthur de Salles, destaca-se o jornal
A Tarde, que circula ainda hoje em Salvador. O periódico foi lançado em 15 de outubro de
1912, com a proposta de modernizar a Imprensa baiana e de ser um “jornal independente,
político e noticioso”142. Além dos textos que integram o corpus desse estudo, A saudação do
Sr. Arthur de Salles ao Sr. Hermes Fontes e A viola e a tirana, Arthur de Salles publicou em
A Tarde, entre outros, os poemas Berço Vasio (10.01.1925), Pirajá (02.07.1925) e O Clarim
da Victória (02.07.1925).
Após a sua nomeação para São Bento das Lages, quando começa o seu exílio, o poeta
continua sendo muito solicitado e comparece aos eventos sempre que possível. Em 1925,
numa grande homenagem prestada pelos literatos baianos à recitadora, D. Margarida Lopes de
Almeida143, Arthur de Salles foi o orador oficial, proferindo um belo discurso que se encontra
publicado, junto a outros da mesma ocasião, no Supplemento de Letras e Artes do Jornal A
Tarde144. O jornal transcreve ainda o fragmento de um autógrafo de Salles, que, na ocasião,
foi escrito no álbum145 da homenageada:
140
NOVA Cruzada. Gazeta do Povo, Salvador, n. 536, p. 2, de 14/05/1907.
2 DE JULHO; o julgamento das casas. Gazeta do Povo, Salvador, n. 872, p. 1, de 06/07/1908.
142
A TARDE, Salvador, anno 1, n. 30, 17/11/1912.
143
A famosa recitadora popularizou a poesia A Musica dos Bilros, de Arthur de Salles (SPINOLA, Lafaiete.
Arthur de Salles. In: Id, Harpas e farpas. Bahia: Progresso, 1943).
144
SALLES, Arthur de. D. Margarida L. de Almeida [homenagem]. A Tarde, Salvador, n. 5104, p.7, 17/01/1925.
Texto que integra esta edição.
145
Nos álbuuns eram colecionados textos manuscritos. No álbum em questão, um belo livro, com capa de couro
azul, foram escritos autógrafos dos poetas presentes, o que vai indicado na capa, gravada em prata:
MARGARIDA LOPES DE ALMEIDA – NA BAHIA – AUTOGRAPHOS – DEZEMBRO DE 1924 – JANEIRO DE
1925 (Ibid.).
141
49
Dôr da humana paixão, vida sonho, saudade.
Riso do céo, gayo do mar, queixa do vento.
Penumbra, sombra, tréva, aurora, claridade.
Tudo vem radiando um novo sentimento...
E a Belleza esplandece. E vibra a eternidade
Na gotta de agua do momento...
Bahia, 3 – 1º – 1925
ARTHUR DE SALLES146.
Os jornais humorísticos também marcaram época na Bahia. Em 1928, surgiu O
Periquito, algum tempo depois substituído por O Gavião. Segundo Nonato Marques, ambos
eram considerados “Órgãos de ataques de riso”147. Eles não poupavam ninguém: políticos,
poetas, figuras da sociedade baiana, todos eram vítimas das troças, sátiras e epigramas. Entre
os poetas, os parnasianos eram os mais atacados. Parnaso, diziam eles, “é o nome de um
monte mais fácil de descer que de subir”148. Arthur de Salles, considerado por Nonato
Marques como um dos maiores poetas brasileiros, também não escapou às sátiras:
Aqui jaz Arthur dos Bilros
Poeta de casca e pau...
Os vermes não o comeram
Por estar de “Sangue Mau”149.
Em 14 de janeiro de 1930, na posse do poeta Affonso de Castro Rebello Filho na
Academia de Letras da Bahia, solenidade, que teve lugar no Paço Municipal, Salles proferiu
o discurso de recepção ao novo imortal150, sendo muito aplaudido. Após os discursos, duas
senhorinhas da sociedade declamaram poemas de Castro Rebello e de Arthur de Salles151. No
dia 25 do mesmo mês, Salles participa de um jantar em homenagem ao poeta Carvalho Filho,
oferecido pela intelectualidade baiana. Na oportunidade em animada tertúlia, Salles recitou
Sub umbra152.
146
SALLES, Arthur de. D. Margarida Lopes de Almeida [homenagem] A Tarde, art. cit.
MARQUES, Nonato. A poesia era uma festa... Salvador: GraphCo, 1994. p. 23.
148
Do jornal O Gavião, citado por MARQUES, Nonato. op. cit., p. 25.
149
A autoria destas produções ficava a cargo de muitos dos poetas que compunham o “Grupo da Baixinha”,
jovens intelectuais que gravitavam em torno de Pinheiro Viegas, jornalista e poeta satírico, grande epigramista
(MARQUES, Nonato. A poesia era uma festa... op. cit., p. 25-26.).
150
A edição de fragmento desse discurso integra o corpus deste trabalho. Cf. às f. 139-143.
151
ACADEMIA Bahiana de Letras. A posse solemne de um poeta de raça. O Imparcial, Salvador, n. 3440, p.1,
15/01/30.
152
UMA FESTA de Espiritualidade Encantadora. O Imparcial, Salvador, n. 3449, p.1 e 2, 26/01/1930.
147
50
A GAZETA DO POVO
O periódico que circulou em Salvador, diariamente, entre julho de 1905 e abril de
1916, com 3181 números, era de propriedade do senhor Virgílio Lemos, que também exercia
a função de redator chefe. A redação foi inicialmente localizada na Rua Santa Bárbara, n. 83,
passando, mais tarde, para a Avenida Carlos Gomes, n. 95.
As edições tinham em média quatro páginas, conforme planejado, como explica o
redator, em nota publicada no primeiro número: “As edições serão de 4 páginas, aumentando
para 6 ou 8, conforme o exigirem as circumstancias153”. O número 1 teve oito páginas, devido
à “afluencia de anuncios"154.
No caderno diário, cujas dimensões eram de 587 × 413mm, a matéria estava assim
distribuída: a primeira página trazia na primeira coluna uma artigo editorial, em geral de
conteúdo político, além de notícias locais e nacionais, uma coluna de humor, com anedotas,
intitulada Tangos e Fangos, assinada por Zé do Povo e crônicas jornalísticas. Na segunda
página, notícias do exterior, uma coluna de aniversariantes do dia, intitulada Felicitações,
informações sobre teatro, esporte, política e uma coluna de literatura infantil (que às vezes
vinha na primeira página) e anúncios, entre outros. Na página três, o expediente, indicadores
comerciais, editais, artigo sobre religião, na coluna intitulada Vida religiosa e anúncios
publicitários, entre outros. No rodapé, o folhetim, sendo o texto inaugural, O rei da miséria,
de Paulo Sauniére155, uma tradução do francês. A página quatro era exclusivamente de
anúncios publicitários. O caderno não traz ilustrações, exceto os clichês dos anúncios
publicitários.
Com o passar dos anos, a distribuição da matéria por páginas tem alguma mudança,
mantendo, porém, a preferência pelo noticiário político, notícias da vida local (da capital e do
interior do estado) e a publicação de editais. A quarta página continua sendo dedicada aos
anúncios publicitários. Mantêm-se as colunas Theatros e Cinemas, Sport e a coluna social,
que divulga os aniversários e casamentos ocorridos e que passa a chamar-se Vida elegante.
A Gazeta do Povo era um vespertino político, embora não tivesse, inicialmente, o
compromisso partidário. Mais tarde, tornou-se o órgão oficial do Partido Democrata - depois
chamado de Partido Republicano Democrata (PRD), legenda liderada por J. J. Seabra e à qual
eram filiados Octavio Mangabeira, Antonio Moniz e Ernesto Simões Filho. Durante a
153
A EDIÇÃO de hoje. Gazeta do Povo. Salvador, ano 1, n.1, p.1, 22/07/1905.
Ibid.
155
Paul Sauniére (1827-1894), autor de Le roi misère (1880), foi secretário de Alexandre Dumas, o criador de Os
três mosqueteiros. Com o mestre e amigo, Sauniére aprendeu as técnicas de escritura dos romances de aventura.
154
51
primeira gestão seabrista, serviu também como uma espécie de órgão oficial do governo, até
que em 1915 fosse substituído, nessa função, pelo Diario Oficial do Estado156. Com efeito,
como assinala Carvalho Filho, poucos foram os jornais, no período da chamada República
velha, que ficaram alheios a compromissos partidários. A nota política é invariável e viva no
jornalismo baiano do período, afirma o referido autor. Os poucos jornais que se diziam
neutros, eram, na verdade, apenas apartidários157. Nas primeiras décadas do século XX, entre
os grandes jornais que circulavam em Salvador destacam-se como neutros em relação a
política partidária o Diario de Noticias e o Jornal de Noticias158.
Salles foi redator desse jornal por certo período, tendo aí publicado, além do
discurso em homenagem a Xavier Marques159, cuja versão integra esta edição, mais nove
textos literários, entre prosa e poesia. Compunham ainda a redação do periódico Otávio
Mangabeira e Roberto Correia. Por ele, passaram também o já consagrado escritor Xavier
Marques e o médico e jornalista Pinto de Carvalho.
Em 14 de abril de 1916 circula o último número da Gazeta do Povo. Na edição deste
dia, o n. 3180, é divulgada a resolução da Comissão Executiva do Partido Republicano
Democrata, que determinou o encerramento do jornal e sua imediata substituição pelo
matutino O Democrata, “jornal de feição moderna, que interpretará o pensamento do partido,
como seu órgão official”160.
156
CARVALHO FILHO, Aloysio de. Jornalismo na Bahia: 1875-1960. In: TAVARES, Luis Guilherme Pontes.
(Org.). Apontamentos para a história da imprensa na Bahia. Salvador: Academia de Letras da Bahia/Assembléia
Legislativa do Estado da Bahia, 2005. p. 58-59; ver também, CELESTINO, Mônica. O jornalista Cosme de
Farias e a imprensa como instrumento de mobilização em Salvador. Disponível em
<www.jornalismo.ufsc.br/redealcar/cd4/impressa/m_celestino.doc> Acesso em 07/11/2007.
157
CARVALHO FILHO, Aloysio de. Jornalismo na Bahia: 1875-1960. op. cit. p. 66-69.
158
Ibid., p. 54-59.
159
SALLES, Arthur de. Xavier Marques. Gazeta do Povo. Salvador, n. 338, p. 1-2, 12/09/1906.
160
GAZETA do Povo. Salvador, n. 3180, 14/04/1916.
52
O IMPARCIAL
Folha matutina que circulou em Salvador entre 1918 e 1947, com redação situada na
Avenida Sete de Setembro, número 39, seu primeiro diretor e redator-chefe foi o jornalista
Lemos Brito. Conforme se lê no cabeçalho e está também explicitado no seu manifesto
inaugural, o matutino é um órgão das “classes conservadoras”, que financiaram o
empreendimento. Tinha como propósitos os de ser “leal, resoluto, enérgico e independente,
sem peias de partido”161. Numa época “inçada de difficuldades impressionantes”, o jornal iria
dar voz aos anceios das ditas classes conservadoras, incluindo como propósitos no seu
programa: defesa dos direitos das classes conservadoras, compreendendo aí os problemas
relativos à lavoura, à industria e ao comércio, e outros quaisquer temas que dissessem respeito
à Bahia; função crítica, inspirada em ideais “da justiça, da ordem e do patriotismo”162.
O caderno diário tem em média seis páginas, com dimensões de 560 × 422mm,
aproximadamente. A matéria interna encontra-se assim distribuída: na primeira página,
notícias locais nacionais e internacionais; a segunda página divide-se entre Informações
rápidas e Reportagens minuciosas. Entre as Informações rápidas, está uma coluna intitulada
O Imparcial mundano, em que são divulgadas notícias sobre aniversários, concertos, cursos,
viajantes e ainda uma crônica assinada por Stella Souza. No rodapé o folhetim, publicado em
dias alternados, cujo texto de estréia, A Torrente, assinado por Lemos Britto, oscila de
localização entre o rodapé da página 2 e o início das páginas 4 ou 5.
A página três, denominada de Ultima hora – 2 horas da manhã, traz as notícias
nacionais e internacionais chegadas por telegrama, cujo destaque nos primeiros números do
jornal é a guerra. Essa página traz ainda notícias religiosas, da alfândega, das Forças
Armadas, entre outras e o Expediente. As páginas 4 e 5 são inicialmente reservadas aos
anúncios publicitários. A página 6, além da publicidade, traz as informações comerciais do
câmbio, movimento do porto e estatísticas dos mercados. A localização das informações
comerciais passam depois a oscilar entre as páginas 5 e 6.
A partir do mês de junho de 1918, surge uma coluna de classificados intitulada
Procuras e Offertas, que começa com cerca de três a seis anúncios na página 5, passando
depois a ocupar o terço superior da página.
Com a continuidade, o jornal torna-se mais ilustrado e é acrescido de uma folha,
aumentando o espaço do noticiário e diminuindo o da publicidade. Nesse período se
161
162
O IMPARCIAL. Salvador, ano 1, n.1, p.1 04/05/1918.
Ibid.
53
autodenomina “matutino independente”. O folhetim é substituído pela publicação de contos,
crônicas e poesia. A coluna O Imparcial mundano é substituída por outra intitulada Vida
social. Os “classificados” passam a se chamar Populares e depois Anuncios populares. Nesse
período aparece uma coluna esportiva denominada Momento sportivo, que ocupa a metade ou
toda uma página, oscilando entre as páginas 7 e 8.
É um jornal direcionado às classes mais favorecidas, ocupando-se em noticiar os fatos
pertinentes às escolas, às academias, os fatos sociais e aqueles pertinentes à política e à
economia.
O matutino era imparcial apenas no nome, pois teve sempre uma orientação política.
Foi fundado durante a chamada, segunda campanha civilista, em defesa da candidatura de
Ruy Barbosa à presidência da República163 e, a partir da década de 1930, já sob o comando
do político baiano Álvaro Martins Catharino, aliou-se aos autonomistas164, que lutavam pela
autonomia do Estado contra as intervenções do governo federal. Por essa época, O Imparcial
destacou-se como um dos principais jornais da grande imprensa, ao lado de outros como, o
Diário da Bahia, o Diário de Notícias e A Tarde, informando os principais acontecimentos,
seja no âmbito local, como nacional e internacional165. Ainda na década de 30, passou a
difundir as idéias do integralismo, doutrina que priorizava a defesa da propriedade privada,
do nacionalismo e da ordem política e social dominante, liderada pelo escritor e jornalista
Plínio Salgado, cujo lema era “Deus, Pátria e Família”166.
No início dos anos 40, adquirido pelo coronel Franklin Lins Albuquerque, importante
liderança política do interior do estado, devido a disputas políticas, o jornal assume o papel de
defensor da democracia, encampando violenta campanha contra a ideologia nazi-fascista.
Durante esse período, o jornal ficou sob a direção de Wilson Lins, filho do proprietário, que
deu nova feição ao jornal, transformando-o em um veículo de massa, com reportagens
sensacionalistas e artigos de fundo que abalavam os políticos tradicionais167. A partir de 1946,
contudo, retoma o discurso anti-comunista e seu redator chega a ser tachado de fascista pelos
comunistas168.
163
CURVELLO, André. O Imparcial; biografia de um jornal. A Tarde. Salvador, p.1, 30/11/1987. Caderno 2.
O grupo autonomista era composto, entre outros, por Álvaro Martins Catharino, proprietário do jornal,
Octávio Mangabeira, Aloysio de Carvalho Filho, Simões Filho e Pedro Lago, os dois últimos, proprietários dos
jornais A Tarde e Diário da Bahia (FERREIRA, Laís Mônica Reis. O integralismo na imprensa da Bahia: o
caso de O Imparcial< www.uepg.br/rhr/v11n1/03%2011(1)LFerreira.pdf.> Acesso em 07/11/2007).
165
Ibid.
166
CELESTINO, Mônica. O jornalista Cosme de Farias e a imprensa como instrumento de mobilização em
Salvador. op. cit
167
CURVELLO, André. O Imparcial; biografia de um jornal. op. cit.
168
FERREIRA, Laís Mônica Reis. O integralismo na imprensa da Bahia...op. cit.
164
54
Em 1947, último ano em que circula, o jornal volta ter apenas duas ou três folhas,
exceto aos domingos quando circula com quatro folhas (oito páginas). Nesse período exibe
poucas ilustrações e é composto basicamente de notícias, mantendo a coluna social, na página
2, e a esportiva, na página 4. Aos domingos, uma coluna intitulada Noticias para a mulher,
traz resenhas de filmes, romances e musicais, além de notícias sobre o cinema francês, a vida
dos artistas e artigos de moda, entre outras coisas.
Como situação resultante da última grande guerra, os insumos para a produção do
jornal (papel, chumbo, máquinas, etc.), todos importados, tornam-se escassos e
demasiadamente caros, afetando a vida financeira das empresas jornalísticas. Com isso os
jornais são obrigados a diminuir o número de páginas e aumentar o preço dos exemplares, o
que é esclarecido ao público através de notas169. Não suportando a grave crise, sobrevem a
falência, fecham-se as portas de O Imparcial, encerrando as quase três décadas de
participação do periódico no jornalismo baiano170.
Arthur de Salles foi colaborador desse matutino, aí publicando parte da sua obra
poética171 e sendo freqüentemente citado172, como personalidade de destaque na sociedade
baiana daquela época. Não foram encontrados textos críticos do autor nesse periódico.
169
Ver, por exemplo, as notas Aviso ao público e Imparcial ao publico, a primeira delas assinada conjuntamente
pelas folhas, Diário da Bahia, Diário de Noticias, A Tarde, Estado da Bahia e O Imparcial (O IMPARCIAL.
Salvador, 11/01/1947, p.1).
170
FERREIRA, Laís Mônica Reis. O integralismo na imprensa da Bahia...op. cit.
171
TELLES, Célia Marques; TELES, Maria Dolores; LOSE, Alicia Duhá; PEREIRA, Norma Suely da Silva. A
obra dispersa de Arthur de Salles publicada em periódicos. art. cit.
172
A esse respeito, consulte-se, por exemplo, CHAVES, Ag. Leitura variada de um poeta bahiano: Arthur de
Salles. O Imparcial. n. 393, de 22/06/1919; O 7 DE SETEMBRO na Villa de são Francisco. O Imparcial. n.
1012, p. 2, de 15/09/1921; EM HOMENAGEM a Arthur de Salles, uma sessão no Instituto Histórico. O
Imparcial. n. 1207, p. 1, de 10/05/1922; O MAIOR poeta bahiano é recebido na Academia Brasileira de Letras.
O Imparcial. n. 1334, p. 1, de 07/10/1922, entre outros.
55
A TARDE
Inicialmente um vespertino, A Tarde era dirigido pelo seu proprietário, o jornalista
Ernesto Simões Filho, funcionando a princípio na Rua do Corpo Santo, n. 15, em Salvador.
Desde a sua fundação, o jornal investiu bastante na publicidade, inovando tanto nas
idéias, como nos equipamentos para atingir maior qualidade na propaganda. Segundo afirma
Mônica Celestino, o vespertino foi o primeiro jornal de Salvador a abandonar a técnica do
prelo à mão e a adotar o linotipo, o que representava um avanço e conferia mais qualidade ao
produto e mais agilidade no processo produtivo173. A Tarde marcou, como destaca Carvalho
Filho, a estréia, na Bahia, da imprensa moderna174. A política foi desde sempre o principal
foco de A Tarde. Segundo Aurélio Vellame, embora declaradamente imparcial, o jornal
sempre participou dos embates e das controvérsias que interessassem o bem-estar comum na
defesa dos interesses da sociedade175.
O caderno diário, publicado de segunda a sábado, possuía inicialmente quatro páginas
ilustradas com dimensões de 621×440mm. A coluna social aparece quase sempre na segunda
página, sob o título de Mundanas e Sociaes. Traz a crônica social, assinada pelo pseudônimo
de K, além de divulgar acontecimentos sociais tais como os aniversariantes do dia, as festas,
os proclamas, casamentos, falecimentos do dia anterior e notícias sobre os viajantes, quem
chega e quem parte da cidade.
A utilização de pseudônimos é bastante comum no período. Os autores publicam
textos em periódicos com nomes de fantasia por diversos motivos. Alguns se escondem atrás
de um pseudônimo quando passam a publicar textos de natureza diversa do seu habitual, por
exemplo poetas e romancistas quando se dedicam à critica literária, como é o caso de
Machado de Assis, por exemplo. Outros preferem o anonimato quando estão iniciando a
carreira literária, já sendo, muitas vezes, figura de destaque na sociedade. Alguns autores
usaram mais de um pseudônimo, a exemplo de Machado de Assis, que assinou suas crônicas
como Lélio, Malvolio, Dr. Semana, João das Regras e Policarpo e, por outro lado, alguns
pseudônimos foram usados por diversos autores, fosse por mera coincidência, ou de forma
proposital. Muitas vezes, uma coluna assinada por pseudônimo podia ser escrita por mais de
um autor. Também o poeta do mar utilizou certa feita, um pseudônimo. Arthur de Salles
173
CELESTINO, Mônica. O jornalista Cosme de Farias e a imprensa como instrumento de mobilização em
Salvador. op. cit.
174
CARVALHO FILHO, Aloysio de. Jornalismo na Bahia: 1875-1960. op. cit. p. 67.
175
VELLAME, Aurélio. Obra de Simões Filho, A Tarde espelhou 90 anos do século XX. A Tarde. Salvador,
15/10/2002.
56
assina a poesia A Fonte na revista Festa176 com seu próprio nome e na Revista da Academia
de Letras da Bahia o mesmo texto é publicado sob a assinatura de Flavio Luna177.
A atitude, considerada incomum na obra do poeta baiano, é confirmada pela leitura
dos manuscritos do seu poema dramático Sangue mau178, onde também aparece escrito o
nome “Flavio Luna”.
176
SALLES, Arthur de. A Fonte. Festa. 2ª phase, Rio de Janeiro, ano 1, n.4, p. 6c., out. 1934.
Esta versão póstuma, segundo a nota do redator, descende de uma outra anteriormente publicada na revista
Bahia Nova, que não se conseguiu localizar (SALLES, Arthur de. A Fonte. Revista da Academia de Letras da
Bahia. Salvador, n.17, p. 123, 1956).
178
SALLES, Arthur de. Sangue-mau; Ed. crítica de Nilton Vasco da Gama et al. Salvador: UFBA, 1981. xiii +
332p. il.
177
57
3. 2 REVISTAS LITERÁRIAS E DE DIVULGAÇÃO
As revistas literárias e de divulgação do início do século XX serviam para dar
conhecimento das obras literárias e de seus autores e também veiculavam o que de
importante ocorria na sociedade. Nelas encontram-se refletidos o pensamento e o ambiente
cultural da época. A ideologia era revelada não só pelos textos literários, como também pelas
anedotas e caricaturas, muito espirituosas, e pela farta publicidade divulgada nas revistas.
A revista constitui-se em importante fonte de pesquisa histórica, especialmente porque
documenta o passado através de registro múltiplo, assinala Ana Luíza Martins, que trabalhou
com revistas paulistas publicadas entre 1890 e 1922179. A análise do rico corpus documental
desse tipo de periódico (artigos, material iconográfico, publicidades, etc.) surpreende o leitor,
que é facilmente seduzido pelo apelo das imagens ali contidas. Contudo, conforme alerta
Martins, o pesquisador deve ter o cuidado de não descontextualizar a informação. As
condições de produção dos testemunhos, a natureza das relações sociais e de capital, devem
ser cuidadosamente examinadas para evitar interpretações inadequadas e falsas conclusões180.
Conforme já se disse anteriormente, no início do século passado, a imprensa nacional passou
por um processo de transformação em grande empresa e a produção jornalística fica então
atrelada aos interesses do capital, devendo conformar-se às tendências de mercado,
objetivando, sobretudo, divulgar o que o mercado solicita, aquilo que é economicamente
rentável. Era preciso atender aos interesses dos grupos dominantes e oferecer ao leitor aquilo
que ele queria ler, garantindo a venda do periódico.
Como a publicação de livros era muito difícil e onerosa, a divulgação de textos
literários era feita através de álbuns, almanaques, jornais e revistas. Nos álbuns, muito em
voga àquela época, eram colecionadas as composições literárias de seus possuidores, bem
como produções e autógrafos de personalidades importantes181. Os almanaques eram
impressos em forma de livro ou folheto e divulgavam, além de informações, textos literários
diversos182.
As revistas contribuíram enormemente para a ampliação do público leitor, registrando
especialmente os movimentos de renovação na literatura, bem como no comportamento
179
MARTINS, Ana Luíza. Revistas em revista: imprensa e práticas culturais em tempos de República. 18901922. São Paulo: EDUSP; FAPESP; IMESP, 2001.
180
MARTINS, Ana Luíza. Magazines, hebdomadários e revistas: lugares privilegiados e história e memória.
ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM PERIÓDICOS LITERÁRIOS BRASILEIROS, 1; anais.
PUCRS: Porto Alegre, 2004. p. 1.
181
MARQUES, Nonato. A poesia era uma festa..., op.cit., p. 81-83.
182
Ibid., p. 81-83.
58
social.
Para o leitor contemporâneo a pesquisa em arquivos de periódicos revela além de
aspectos culturais, a constituição social e política de épocas passadas. A revista foi também
fundamental no desenvolvimento da empresa gráfica e editorial no Brasil. Ao incentivar o
crescimento das comunidades leitoras, estimulou a ampliação do setor no desenvolvimento de
novos empreendimentos183.
As associações literárias, também tiveram importante papel na produção e na
divulgação das belas letras e das artes em geral. Elas possuíam sempre seus órgãos
representativos, em geral revistas, que cumpriam, muitas vezes, a função de auto-sustentação
de seus confrades184.
Durante o período estudado, era comum a reunião de autores em academias. Na
Bahia, o grêmio Evolução (1893-1894) congregou, entre outros, Francisco Mangabeira,
Anthero Valladares, Paula Campos, Gustavo Kelsch, Raphael Pinheiro e Manuel Britto. Em
seguida veio a Sociedade Nova Cruzada (1901) que possuía três classes de sócios185,
Neocruzados186, Cavaleiros de honra187 e Cavaleiros beneméritos188, sendo que só os
primeiros podiam votar189. Em 1902 surge o grupo da Nova Revista, que não tinha estatutos
fixos e cujas produções eram publicadas no periódico de mesmo nome. A associação não
conseguiu, contudo, fazer frente à Nova Cruzada, para onde seus sócios acabaram migrando.
Em começos de 1910, onze ou doze novos literatos se congregaram constituindo o Atheneu
Muniz Barreto, que teve vida efêmera e em menos de um ano foi dissolvido, dando origem à
Academia Bahiana de Letras.
183
MARTINS, Ana Luíza. Magazines, hebdomadários e revisas... op. cit., p. 4.
DIMAS, Antonio. Tempos eufóricos... op. cit., p.18.
185
Cada novo sócio devia ser eleito por todos e estava obrigado a pagar uma taxa de 25 mil réis. Para ser
Neocruzado o candidato tinha que comprovar experiência de publicação de no mínimo dois anos. Era um grupo
heterogêneo, ligado pelo amor à Arte e, em especial às letras. Não havia obrigatoriedade de nascimento na
Bahia, e, embora declarassem não fazer discriminação de sexo, não se verifica presença feminina no grupo. A
produção do grupo foi publicada na revista homônima, entre 1901 e 1910, passando depois para Os Annaes
(1911-1914).
184
186
Entre os quais figuravam Ambrósio Gomes, Galdino de Castro, Francisco Mangabeira, Arthur de Salles,
Alfredo Pimentel, Jonas da Silva, Silva Coelho, Roberto Correia, Godofredo Vianna, Alvaro Reis, Otávio
Mangabeira, Carlos Chiacchio, Arnaldo Damasceno Vieira, Pedro Kilkerry, Antonio Vianna, Raphael Leal, entre
outros.
187
Entre estes estavam Karlos Weber, Lopes Rodrigues, Xavier Marques, Pethion de Villar, Damasceno Vieira
(João Damasceno Vieira Fernandes), Aloysio de Carvalho, Bento Murilla e Braz do Amaral. O candidato a
Cavaleiro de Honra não precisava ser escritor; bastava ter influência e ser admirador das letras.
188
Cavaleiros beneméritos eram aqueles que, embora alheios à Arte, prestassem serviços valiosos à agremiação.
189
Constituição da Nova Cruzada, promulgada em 01/09/1910. Nova Cruzada. Salvador, ano 10, n.7, p. 27-29,
dez 1910.
59
Também de curta duração, a Academia Bahiana de Letras190 surgiu em dezembro de
1910, com o propósito de trabalhar com afinco pelo desenvolvimento das letras no Estado. A
Academia impunha como condição para aceitar o literato o nascimento no Estado e,
diferentemente das demais, a congregação baiana não conferia título de imortal aos seus
associados, por julgar que a imortalidade não poderia ser definida e distribuída por seres
mortais! Seu presidente de honra, Almáquio Diniz, temia um levante contra a instituição, pois
não acreditava que os velhos literatos da terra se conformassem com a idéia de ter uma
agremiação desse porte fundada e composta pelos ‘novos’191.
A Academia fazia franca oposição à Nova Cruzada, mas não encontrou grande
receptividade na intelectualidade baiana. Arthur de Salles escreve em carta ao amigo Durval,
que vivia fora do Estado, que os cruzados tinham maior prestígio para representar a Bahia
que os sócios da referida Academia:
Respondo á tua consulta sobre a <tua> Academia Bahiana.
Ella nada tem feito até agora, seus membros não tem ainda uma unidade de
vistas sobre a consolidação dos seus créditos della. Não ha muito um artigo firmado
por um moço que, se não me falha a memoria, fôra riscado do numero dos seus
membros, disse mal dos creditos litterarios da maior parte delles, tecendo, ao
mesmo tempo, elogios á Nova Cruzada.
Ora, Horcades, auctor do artigo, acha, e eu tambem acho, que o titulo é muito
pesado e de muita importância para uma sociedade de lettras ainda em começo,
composta por moços sem creditos firmados.
Quanto á Cruzada: as relações são poucas, sem importancia nenhuma. Quanto
ao titulo de academico correspondente que te quer dar a Academia, penso que
podes passar sem elle [.]
Não é isto egoismo de néo-cruzado. Tu, ahi em S. Paulo, já representas a cultura
bahiana<,>/.\ Como, pois, representar a Academia que devêra [↑ser], mas que
infelizmente não é <seu> o expoente da cultura bahiana?.. Não achas 192<?>
Outros grupos literários surgidos na Bahia no período foram a Tertúlia das Letras
(1900-1901), o Grêmio Literário Ruy Barbosa, a Academia Manoel Vitorino, a Academia
Literária dos Moços da Bahia, Academia Castro Alves, o Clube da Ficção, a Federação
190
Possuía 25 cadeiras, que homenageavam intelectuais baianos já falecidos. Figuravam entre seus membros:
Affonso Costa, Deraldo Neville, Altamirando Requião, Luís de Sales, Sílio Boccanera Jr., Guimarães Cova,
Astério de Campos, Euphrosina Miranda, Alberto Rebello, Rosendo Filho e Anísio Melhor. (DINIZ, Almachio.
A cultura literária na Bahia contemporânea. Salvador: Typographia bahiana, 1911. p. 62-64).
191
DINIZ, Almachio. Moral e crítica. op. cit., p. 139-147.
192
PR-EP-CO-OM-063:0275-XE-01/JM, de 30/10/1912.
60
Baiana dos Escritores, os Apóstolos do Sonho193, o Grêmio Evolução, o Grêmio Literário da
Bahia, a Academia Livre de Letras194 e a Hora Literária dos Novos.
Em todos os acontecimentos sociais, religiosos e cívicos da época, estavam presentes
as agremiações, representadas por seus poetas, que, de improviso ou não, ilustravam e
animavam com seus versos as mais diversas reuniões sociais, desde as festas domésticas e
cívicas até as sessões fúnebres195. Havia ainda as tertúlias, os torneios literários, os recitais e
os saraus artísticos, eventos especialmente organizados para a fruição de textos literários e de
música. Nesses eventos, os jovens poetas compartilhavam a alegria da criação literária, como
atesta Arthur de Salles, em um de seus discursos196:
Era nos tempos das sessões calorosas e dos torneios. Cada um lia a sua pagina,
entre applausos nervosos e quentes, e a sua foi sempre entre acclamações.
É doce recordar aquelle tempo, aquelle desabrocharmento de idéas, aquelles
brilhos de sentimentos, aquella profusão radiante de rimas, clareando o pobre salão
de uma sociedade de artifices. O espirito, respirando aquella atmosphera illuminada
de sonhos largos, vibrada por aquelles gestos amplos, dizendo alevantamentos e
reivindicações, por aquelle timbre multisono, como as vozes da vida no infinito
desdobrar-se de seus aspectos, sentia que era bem e é ainda a existencia latejante e
bella de uma epoca, de uma geração que irrompia para o triumpho, que era bem a
tradicção da alma bemdita da velha Athenas, reflorindo e continuando-se nas
estrophes e nas paginas de arte de um punhado de moços, de anonymos, de
solidarios no seu trabalho:
“ Solo col suo divin sogno infinito.” (DDM, L. 113-125)
Depois das tertúlias e dos recitais os intelectuais saíam pela noite a percorrer bares e
cafés, não raro terminando as noitadas com mulheres, especialmente as francesas, para quem
recitavam seus poemas e exaltavam as qualidades e belezas da boemia, ao que eram
festivamente aplaudidos197.
O Grêmio Literário da Bahia foi extinto em 1917, dando lugar ao surgimento da
Academia de Letras da Bahia, que herdou sua biblioteca e demais bens198. A Academia, que
193
COUTINHO, Afrânio. Bahia. In: COUTINHO Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de literatura
brasileira. op. cit., v.1, p. 306.
194
ALVES, Lizir. Poesia e vida literária na Bahia de 1890 a 1915. Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP,
1986. Orient. Prof. Dr. José Aderaldo Castello.
195
Ibid. f. 8-9.
196
SALLES, Arthur de. Discurso de recepção a Durval de Moraes. Os Annaes. Salvador, ano 1, n. 7, p.158-71,
out. de 1911. O discurso integra o corpus desse trabalho, texto editado às f.113-128.
197
198
PR-EP-CO-OM-061:0225-XE:01/JM, de 02/06/1908.
ALVES, Lizir. Poesia e vida literária na Bahia de 1890 a 1915. op. cit., f. 40.
61
se mantém atuante até os dias atuais, definiu como propósito inicial o trabalho em defesa da
língua e das letras no Estado, mantendo uma atitude ativa, porém conservadora.
Arthur de Salles foi um dos membros fundadores desta instituição, tendo ocupado a
cadeira de número 3, cujo patrono é Manoel Botelho de Oliveira199.
Alguns anos mais tarde surgem os grupos dos modernos que pretendem dar nova
feição ao cenário das letras na Bahia. O grupo de Samba200, organizado em torno de Alves
Ribeiro e Bráulio de Abreu201, em meados da década de 20, formado por jovens de baixo
poder aquisitivo, ganhou novo impulso com a chegada de Pinheiro Viegas202. O poeta e
epigramista baiano vivia então no Rio de Janeiro e retornou em 1924, tendo integrado-se ao
grupo em 1926.
O grupo de Arco e Flexa203, liderado por Carlos Chiacchio e o mais influente entre os
movimentos modernos locais, pretendia renovar a cena literária na Bahia a partir da doutrina
do tradicionalismo dinâmico, proposta por Chiacchio, valorizando a tradição baiana sem a
dependência do estrangeiro. A Academia dos Rebeldes (1927-1931), grupo de menor peso na
cena literária baiana, pretendia fazer uma literatura nacional. Seus componentes204, que se
diziam modernos e não modernistas, por discordar das bases européias do movimento, eram
boêmios e irreverentes.
199
AMARAL, Braz do. Memória histórica da Academia. Revista da Academia de Letras da Bahia. Salvador, ano
1, n.1, p. 22-27, ago. 1930.
200
O grupo foi também chamado Poetas da Baixinha, porque se reunia regularmente no Café Progresso,
localizado na Baixinha dos Sapateiros, pequeno largo entre a Baixa dos Sapateiros e o Tabuão. Seu primeiro
agregador fora Samuel de Brito Filho, um guarda-civil de estudos primários, autodidata, que dominava o
espanhol e o francês, além de possuir um bom vocabulário da língua inglesa e que era “dotado de grande fascínio
intelectual e conhecedor de literatura, possuía excelente senso crítico e poder expositivo singular” (MARQUES,
Nonato. Os poetas da Baixinha. SAMBA: mensario moderno de Letras, Artes e Pensamento. Salvador: Secretaria
da Cultura e Turismo do Estado da Bahia. n. 1 (nov. 1928); n. 2 (dez 1928) n. 3 (fev. 1929); n.4 (mar. 1929).
Salvador: Conselho Estadual de Cultura, p. xxxii, 1999. Ed. Fac. similar.).
201
Foi alfaiate e poeta autodidata, dono de magnífica poesia, na opinião de Jorge Amado. Publicou Minha
colheita (1983), livro de sonetos. Escreveu também sob o pseudônimo de Breno D’Alba. (ABREU, Bráulio de.
Samba morreu de desgosto... SAMBA: mensario moderno de Letras, Artes e Pensamento. op. cit.)
202
João Amado Pinheiro Viegas (Salvador 1865-1937) Poeta e jornalista baiano de espírito crítico e
questionador, um dos maiores panfletários do Brasil e talvez o maior epigramista da língua portuguesa, na
opinião do poeta e também epigramista Alves Ribeiro. Colaborou em O Imparcial, em A Tarde e em O
Combate. Boêmio impertinente dedicou sua obra à luta pela justiça e pela liberdade. Publicou Vogais e
consoantes (1928) – crítica, e Brasil livro de versos. Utilizou os pseudônimos de Sophos de Arnaud e Arthur de
Fois (RIBEIRO, Alves. Pinheiro Viegas. SAMBA, op. cit., p. xxv-xxvi.).
203
Entre os seus membros estavam: Carvalho Filho, Eugênio Gomes, Eurico Alves, Hélio Simões, Pinto de
Aguiar, Ramayana de Chevalier, Jonathas Milhomens, De Cavalcanti Freitas, José Queiroz Junior e Damasceno
Filho.
204
Faziam parte desse grupo, entre outros, Jorge Amado, Alves Ribeiro, João Cordeiro, Clóvis Amorim, Dias da
Costa, Aydano do Couto Ferraz, Da Costa Andrade, Edison Carneiro, Sosígenes Costa e Walter da Silveira.
Destes, alguns passaram mais tarde para a militância política de esquerda. Seriam os futuros comunistas. A
produção do grupo foi publicada nas revistas Meridiano e O Momento. (SAMBA, op. cit.).
62
Os cafés e as pastelarias205 eram o ponto de encontro habitual de intelectuais,
estudantes, boêmios e amantes das letras206. Neles se comentava de tudo: de política à vida
alheia. Dessas reuniões surgiam os periódicos207. O período era de grande efervescência
cultural na Bahia. Além da influência cultural recebida do Rio de Janeiro, os literatos estavam
sempre ao corrente sobre o que se divulgava na literatura européia, especialmente na francesa.
Contrariando a teoria do “atraso cultural” da Bahia em relação ao restante do país, ou aos
estados do sudeste mais especificamente, a pesquisa revelou que a imprensa local mantinha
correspondentes no exterior, principalmente na Europa, desde meados do século XIX208.
Em Salvador, no início do século XX, a Revista do Grêmio Literário da Bahia, que
circulou entre 1901 a 1904, mantinha correspondentes fixos em outros países da América do
Sul e da Europa, de onde recebe regularmente contribuições em forma de cartas e crônicas
que tratam tanto de crítica literária como de assuntos de interesse geral. A partir de 1902 passa
a receber também contribuições poéticas de sócios efetivos, inaugurando uma coluna fixa
intitulada poetas estrangeiros, publicando textos inéditos de poetas europeus tais como
Salvatore D’Este, Gabriele D’Annunzio, Leon Némo e Philéas Lesbegue. Nesse mesmo ano a
revista aceita como sócios grandes nomes das letras nacionais, a exemplo de Machado de
Assis, Raymundo Correia, Olavo Bilac, Medeiros e Albuquerque, Sylvio Romero, entre
outros209. Arthur de Salles tornou-se sócio efetivo desse periódico em julho de 1903210.
Nas primeiras décadas do século XX, tudo era traduzido em forma de arte. As capas
das revistas, bem como suas ilustrações internas eram feitas por artistas, que sem os recursos
205
Além dos artigos de pastelaria propriamente ditos, esses estabelecimentos comercializavam latarias, bebidas e
artigos importados, abastecendo as famílias mais abastadas. Dentre as principais do período como a Perez, a
Cólon, a Alameda destacava-se a Triunfo que funcionava como “espaço político, social, esportivo e cultural do
centro da cidade”. Sua localização privilegiada, na esquina da Rua da Misericórdia com a Ladeira da Praça,
tendo ainda no espaço circunvizinho a Prefeitura, a Imprensa Oficial, a Biblioteca Municipal e o Palácio Rio
Branco, onde despachava o Governador, fazia atrair para ali, jovens estudantes, políticos, empregados do
comércio e intelectuais. A pastelaria também ficava próxima da Academia de Letras da Bahia, que funcionava
no Terreiro de Jesus, vizinha da Faculdade de Medicina. A Triunfo possuía ainda um bar e um departamento de
livros e jornais, atraindo para suas mesas poetas, professores e acadêmicos que ali recitavam seus poemas,
pronunciavam seus discursos em voz alta e discutiam literatura. (ARAÚJO, Ubiratan Castro de. Salvador era
assim. Salvador: Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, 1999. p. 101, 147 e 164-166). Consta que Arthur de
Salles era um dos freqüentadores assíduos da Triunfo.
206
Em Salvador, nas primeiras décadas do século XX, foram pontos de encontro de intelectuais e literatos,
especialmente, o Café das Meninas, onde se reunia o grupo da Academia dos Rebeldes e o Café Progresso, ponto
de encontro dos colaboradores da revista Samba. (AMADO, Jorge. Alves Ribeiro. Samba, op. cit., p. xxvii.)
Nonato Marques cita ainda outros pontos de encontro dos literatos da época como os Cafés Madrid, Bahia,
Perez, Fim de século, o bar Brunswick e o Café Bernadete, todos localizados entre a Praça Castro Alves e o
Taboão (MARQUES, Nonato. Os poetas da baixinha. Samba, op. cit., p. xxix – xl).
207
MARQUES, Nonato. Os poetas da baixinha. Samba, op. cit., p.xxxi-xxxii.
208
ALVES, Lizir Archanjo. Os tensos laços da nação: conflitos políticos literários no segundo reinado. Tese de
doutorado. Orient. Prof.ª Dr.ª Eneida Leal Cunha. Salvador: PPGLL/ILUFBA, 2000. f. 21-22.
209
REVISTA do Grêmio Literário da Bahia: 1901-1904: publicação mensal, internacional, ecletica independente.
Salvador: Academia de Letras da Bahia/Artes Gráficas e Industria Ltda, 1988. Edição fac-similar. Apresentação
de Cláudio Veiga.
210
Ibid., p.348.
63
modernos precisavam usar de muito engenho para conseguir os matizes e os traçados mais
perfeitos. As matérias publicitárias cantavam, literalmente, em verso e prosa as qualidades dos
produtos anunciados. Até mesmo crimes hediondos ou os grandes desastres eram veiculados
de forma requintada, em linguagem retorcida, dramática e ornamental, para usar as palavras
de Antonio Dimas211. A preocupação com uma descrição de cunho impressionista e
extremamente visual, simbolista, característica do ideário daquele período e que buscava
competir com a crescente expansão do uso da fotografia pelo jornalismo, chegava, por vezes,
a prejudicar o caráter referencial da reportagem, convertendo quase a notícia em ficção,
conforme observa Dimas em sua análise da revista Kosmos212, problema que se observa
também nos periódicos baianos, especialmente nas duas primeiras décadas do século XX.
As revistas tinham quase sempre uma vida muito curta. Algumas não passavam do
número inicial. Dentre as mais longevas, de publicação local, destacam-se a Nova Cruzada,
que circulou de 1901 a 1910, a Renascença, da qual encontramos exemplares de 1916 a 1929
e a Revista da Academia de Letras, criada em 1930 e que continua circulando213.
Arthur de Salles foi um dos fundadores da Nova Cruzada, revista literária criada em
13 de maio de 1901214 na cidade do Salvador, pela Sociedade Nova Cruzada215, da qual o
poeta foi presidente no período de 1913-1914.
A revista, impressa em Salvador, na Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho,
localizada à Rua S. Francisco, n. 29, teve ao todo 30 números, com a proposta de organização
em três volumes. O primeiro volume vai até janeiro de 1902216, com nove fascículos, com
uma média de 20 folhas ornamentadas cada, voltando em 1903 com o segundo volume que
vai de julho de 1903 a dezembro de 1906, com treze números. O terceiro e último volume vai
de setembro de 1907 a dezembro de 1910, com sete números mais uma edição especial.
O primeiro volume tem um formato pequeno, medindo 220 × 150mm217. A partir do
número 2 do ano 3, a revista apresenta um formato maior, medindo 290 × 195 mm, com 10
páginas ilustradas em média, numeradas no recto e no verso. As capas, com ilustrações
211
DIMAS, Antonio. Tempos eufóricos... op. cit. p. 7.
Ibid., p. 7-9.
213
Ibid.
214
Embora o periódico tenha sido criado em 1900, a instalação oficial deu-se somente um ano depois
(MEDALHÕES; I, Ambrosio Gomes. Nova Cruzada. Salvador, ano 3, n.1, p. 12, jul. 1903).
215
A atividade do grupo se estende de 1901 a 1914 e tem como órgão de divulgação, até 1910, a revista Nova
Cruzada, que foi substituída por Os Annaes em 1911, quando a agremiação ingressa numa nova fase.
216
O periódico sofreu uma interrupção entre fev. de 1902 e jun. de 1903. A única referência encontrada sobre o
fato está no final primeiro fascículo de 1903, onde se lê a informação: “Durante o tempo que esteve suspensa a
nossa revista recebemos cerca de 184 publicações nacionaes e estrangeiras (...)” (NOTAS do fim. Nova Cruzada,
Salvador, ano 3, n.1, p. 19, jul.1903).
217
Dentre os acervos consultados, apenas na BPEB foi encontrado este primeiro volume encadernado, com capa
de couro avermelhada, contendo 89f. il. Os demais fascículos localizados não chegaram a ser encadernados.
212
64
diversas, trazem além do nome da revista e do local de publicação as indicações de ano e
número de cada exemplar. A composição gráfica destas não segue um mesmo padrão. A
matéria interna compõe-se de poesia (sonetos e outros tipos de poemas), prosa, crítica,
transcrições de trechos de cartas e noticiário.
A crítica literária aparece no periódico em forma de crônica, ou transcrição de
discursos na abertura de cada fascículo, a partir do n. 2, de junho de 1901, e em forma de
breve recensão de livros e periódicos recém-lançados no mercado, publicada nas páginas
finais da maioria dos fascículos, sob os títulos de Chronica literária, Bibliografia, ou Livros
recebidos, ou ainda inserida em seção mais geral, denominada Noticiário. Num como noutro
caso a crítica é sempre subjetiva, de feição impressionista, assinada por vários dos poetas
neocruzados: Jacintho Costa, Galdino de Castro, Alfredo Pimentel, Filemon de Menezes,
Sanctus, Arthur de Salles, Fernando Caldas. Apenas duas das crônicas de abertura dos
fascículos são escritas por críticos reconhecidos: Cavações, assinada por Carlos Chiacchio,
sobre o livro de contos de Roberto Correia218 e a crônica póstuma de Xavier Marques sobre
Alexandre Fernandes219.
O periódico tinha como principal propósito o incentivo à produção e divulgação da
obra inédita de jovens poetas e escritores baianos, os quais são denominados por Galdino de
Castro como os “Paladinos da Ideia, Legionários d’Arte, Cavalleiros do Sonho”, que
deveriam “terçar armas pela sua Dama, a Nova Cruzada”220.
Alguns manifestos publicados nos números iniciais da revista expressam bem os
propósitos do grupo221: lutar contra as idéias velhas e decadentes da “burguesia estupida e
selvagem”222, contra o Preconceito, o Fanatismo, a Rotina223. A Nova Cruzada, representante
da arte, vem trazer luz aos espíritos das trevas através da comunhão da idéia224. Intrépidos e
altivos, os paladinos chegam dispostos a combater com abnegação em defesa da Arte e da
Liberdade de expressão. A poesia dos neocruzados, entretanto, não era de cunho social. A
parte social deveria sair em um jornal que não chega a ser publicado225.
218
CHIACCHIO, Carlos. Cavações. Nova Cruzada. Salvador. Ano 5, n. 8 e 9, ago. 1906.
MARQUES, Xavier. Alexandre Fernandes; o poeta soffredor. Nova Cruzada. Salvador, ano 6, n. 1, p. 1-3,
set. 1907.
220
CASTRO, Galdino de. Para a Guerra. Nova Cruzada, Salvador, ano 1, n.1, p. 1, mai. 1901.
221
Estes manifestos foram antes analisados por Cecília de Lara em sua obra: Nova Cruzada; contribuição para o
estudo do pré-modernismo, op. cit. e por Lizir ALVES, Poesia e vida literária na Bahia de 1890 a 1915, op. cit.
222
CASTRO, Galdino de., art. cit.
223
MEDALHÕES; I Ambrosio Gomes. art.cit., p.11.
224
COELHO, Silva. Fiat Lux, Nova Cruzada. Salvador, ano 1, n.1, p. 4 – 6, mai. 1901.
225
ALVES, Lizir Arcanjo. Poesia e vida literária na Bahia de 1890 a 1915. op. cit.
219
65
Os jovens literatos pretendiam resgatar a grandeza passada da Bahia, que, pela sua
produção artística, chegou a ser chamada a Athenas Brasileira. Desagradava-lhes a situação
de decadência por que passava o estado na época (1901), devido, certamente, ao interesse
maior da mocidade pela ciência em detrimento da arte, agravado pelo monopólio da
imprensa226. Por isso a revista assume um tom polêmico, opondo-se ao declarado
conformismo à ordem burguesa estabelecida. Daí a utilização da imagem da Cruzada que
parte para a luta, em busca da glória pelo “Ideal da Arte”.
A agremiação Nova Cruzada foi uma espécie de academia de letras, pertencer ao seu
quadro era ambição de todo novo poeta227. “Era o ponto de concentração do escol mental da
hora. (...) A Cruzada demolia como consagrava”228.
Almáquio Diniz, em sua obra A cultura literária da Bahia contemporânea, de
1911229, divide a evolução das letras na Bahia em três períodos históricos, sendo o primeiro o
das transladações literárias, formado por Gregório de Matos e seus contemporâneos; o
segundo das gestações literárias, representado por Castro Alves, Rui Barbosa e outros e o
terceiro, que denomina a literatura definida, que vai de fins do século XIX à primeira década
do séc. XX, época em que a obra foi concebida. Os neocruzados230 integram o terceiro
período literário dessa classificação, ao lado de nomes como os dos poetas Altamirando
Requião, Amélia Rodrigues, Astério de Campos, Lemos Britto e os prosadores Anna Ribeiro
de Góes Bittencourt, Silio Boccanera Jr. e Xavier Marques.
As produções poéticas do grupo Nova Cruzada, bem como suas relações com outros
poetas, concorrem para situá-los no panorama literário brasileiro da época entre os
simbolistas, muito embora seus membros não se definam claramente em termos de
participação em movimentos de caráter nacional ou internacional231. As tendências
parnasianas e simbolistas são então denominadas de Arte Moderna e Nova Arte,
226
PINTO, Souza. Atualidade Literária na Bahia, art. cit., p. 1-2.
VIANNA, Antonio. A Nova Cruzada. Revista da Academia de Letras da Bahia. Salvador, n. 33, p. 136, nov.
1985 e Id. A Tarde, Salvador, 12 /05/1951.
228
CHIACCHIO, Carlos. Pedro Kilkerry – I – O Ambiente. Revista da Academia de Letras da Bahia, Salvador,
ano 2, v.2, n. 2 e 3, p. 3 jun. e dez. 1931.
229
DINIZ, Almachio. A cultura literária da Bahia contemporânea. Salvador: Typographia bahiana, 1911. p. 2330.
230
Ódios e contendas à parte, são citados, entre outros, os poetas Álvaro Reis, Arthur de Salles, Durval de
Moraes, Galdino de Castro e mesmo o grande desafeto do crítico, Pethion de Villar. Diniz destaca ainda boas
promessas daquela geração que, no entanto, morreram precocemente como foram os casos de Ambrósio Gomes
e Raphael Leal (Ibid).
231
LARA, Cecília de., op. cit., p. 27.
227
66
respectivamente232. O grupo buscava combater “o romantismo chorão da época”, diz Arthur
de Salles em sua última entrevista, concedida a Cláudio Tavares, do Diario de Noticias233.
Embora o grupo tenha existido oficialmente até 1914, sua memória e seus frutos
perduraram por muito tempo. Em agosto de 1918, noticiando a criação de uma agremiação
denominada Hora Literaria dos Novos, a revista Bahia Illustrada colocava a Nova Cruzada
entre as importantes agremiações de Letras da Bahia, ao lado da malograda Academia
Bahiana de Letras, de 1910, e da Academia de Letras da Bahia, de 1917:
Varias têm sido as associações literarias na Bahia. A mocidade, alli, avida de
saber e fraternização intellectual, procura a cada epoca fixar sua cordialidade em
instituições literarias. A Nova Cruzada venceu longos annos, e ainda vive, senão em
sessões, ao menos em seus membros, todos elles em evidencia nas letras
nacionaes234.
A Nova Cruzada entre aplausos e críticas, fez história e marcou um real florescimento
literário na Bahia, influenciando na criação de outros periódicos, que mesmo quando
encabeçados pelos grupos descontentes, recebia a colaboração dos neocruzados
235
. Dentre
esses destacam-se a Revista do Grêmio Literário da Bahia (1901-1904), a Nova Revista e a
Bahia Illustrada, todas de vida efêmera236.
O fim da Nova Cruzada, segundo C. Chiacchio deveu-se à degradação moral do
ambiente, que lançava no mercado uma enxurrada de textos “insultuosos” de interesse
político, que distraíam as atenções dos leitores e dispersavam o ânimo dos literatos:
A Cruzada fechou suas paginas, como uma ave as asas, por falta de ar, luz,
horizonte necessario, para seus arrebatados vôos. O ano de 1911 foi o seu ultimo
canto237. O canto de um cisne duma geração, que se não dera gênios, ao menos pôde
atestar a força ponderavel de sua ação, de seus trabalhos e de seus tipos238.
232
Ibid., p. 36.
TAVARES, Cláudio T., art. cit.
234
HORA literaria dos novos. Bahia Illustrada, Rio de Janeiro, ano 2, n. 9, p. 85, ago. 1918. Topicos, Noticias
& Commentarios.
235
CHIACCHIO, Carlos. Pedro Kilkerry – I – O Ambiente. art. cit. p.1.
236
A Nova Revista circulou entre 1902 e1903, a Revista do Grêmio Literário da Bahia, entre 1901 e 1904, e a
Bahia Illustrada entre 1917 e 1921. (TELES, Maria Dolores. A obra dispersa de Arthur de Salles em: Nova
Revista, Bahia Illustrada e A Luva: tentativa de edição crítica. Dissertação de Mestrado apresentada no PPGLL
da UFBA. Orient. Célia Marques Telles. Salvador, 1998. f. 40, 48 e 77.)
237
Conforme se disse antes, embora o grupo da Nova Cruzada tenha existido até 1914, a revista homônima
circulou até 1910 (INDICE dos volumes da revista “Nova Cruzada”. Nova Cruzada, Salvador, ano 10, n. 7, dez.
233
67
O periódico Os Annaes – Revista Mensal Illustrada de propriedade do Sr. Karlos
Weber, surge em 1911, em Salvador com o propósito de publicar exclusivamente a produção
dos neocruzados, substituindo a Nova Cruzada, que se extinguiu em 1910. Naquela ocasião,
ficou também determinado que publicariam uma Antologia semestral, o que não chegou a ser
efetuado. O periódico circulou entre abril de 1911 e novembro de 1914, com interrupção
entre março de 1912 e março de 1913239, totalizando 28 fascículos.
A revista tem formato pequeno, medindo 233 × 147 mm e possui de 20 a 40 páginas
por fascículo, trazendo por matéria textos literários, científicos, de história e artes. Nas
páginas finais de cada fascículo, numa coluna intitulada Chronicas de notas e Noticias,
inicialmente classificado como Supplemento, dada a sua extensão, publicam-se conferências
literárias ocorridas na cidade; comentários sobre Os Annaes, veiculados em outros órgãos de
Imprensa, organizados com o subtítulo de Os Annaes – Juizo da Imprensa, e as publicações
recebidas pela redação, listados sob o título de Livros e Brochuras recebidas. A publicidade
na revista é escassa, resumindo-se a uns poucos anúncios na capa e contra-capa finais. Os
Annaes não tinham fins lucrativos. A revista mantinha-se com as contribuições mensais
compulsórias dos sócios240e com a venda dos exemplares.
O editor proprietário, Sr. Karlos Weber, não era poeta, mas apenas um entusiasta e
grande incentivador das Letras. Desde que nasceu a Sociedade Nova Cruzada ele passou a
apoiá-la, tendo feito àquela época, uma doação de livros para a agremiação. Em
agradecimento, a Cruzada deu-lhe o título de Sócio Honorário e de fundador da sua
biblioteca.
Em julho de 1916, surge Renascença – Revista Illustrada, de propriedade da Photo
Lindemann, de Costa & Gramacho, publicação mensal, de divulgação, dirigida pelo Sr.
Olympio S. Pinto e impressa na Officina Gráfica da Photo Lindemann, em Salvador. O
periódico, produto do trabalho de jovens entusiastas, pretende oferecer à capital baiana “uma
revista séria, bem feita, com escolhida e selecionada colaboração241”. A proposta é de fazer
um periódico mensal, ilustrado, de teor literário, científico e humorístico, com a colaboração
de jovens autores locais242.
1910). Chiacchio refere-se aqui, talvez, à Conferência comemoraiva do decenário da Cruzada, realizada em
13/05/1911, proferida por Pedro Kilkerry (CHIACCHIO, Carlos. Pedro Kilkerry... art. cit. p. 4).
238
CHIACCHIO, Carlos. Pedro Kilkerry – I – O Ambiente. art. cit. p. 4.
239
Não foram encontrados exemplares correspondentes ao que seria o ano II do periódico.
240
Todos os neocruzados são obrigados a pagar mensalidade de 2$000. (Art. 16 dos Estatutos da Nova Cruzada.
Os Annaes, Salvador, ano 1, n.11, p. 279, fev. 1912).
241
RENASCENÇA. Salvador, ano 1, n.1, p. 3, jul. 1916.
242
Entre esses destacam-se Pethion de Villar (pseudônimo de Egas Moniz Barreto de Aragão), Carlos Chiacchio,
Affonso Amorim e Affonso Macedo, além de, Affonso Ruy, Alberto de Oliveira, Alexandre Fernandes,
68
A revista tem em média 44 folhas ilustradas e mede 277 × 187 mm. As capas dos
fascículos são sempre ilustradas, seja com fotos de mulheres, principalmente, ou de
personalidades do cenário militar e político da época, ou do cinema e ainda com fotos de
crianças. Foram consultados exemplares entre os anos de 1916 e 1929.
Compõe-se de matéria jornalística e literária, fartamente ilustrada. A fotografia ocupa
posição de destaque na composição dos exemplares, o que é natural, visto ser a publicação
parte integrante da Photo Lindemann. Ao longo dos exemplares encontram-se fotos de
primeira comunhão, de bebês, de senhores e senhoras da sociedade, de torneios esportivos,
desfiles, datas cívicas, panorâmicas da cidade, festas populares e religiosas, etc.
O periódico é especialmente dedicado às mulheres, aqui chamadas de “gentis
patrícias”, que são tomadas como patronas, “anjos tutelares” da revista, merecendo pelo
menos duas colunas fixas: Postaes femininos, colaborações assinadas por mulheres, e A
mulher – concurso em 12 séries de provérbios sobre mulheres – estes em sua maioria de
caráter pejorativo. Além disso, a revista publica textos literários assinados por mulheres e
uma gama imensa de fotos, charadas e publicidades dirigidas ao público feminino. Ocupam
ainda as páginas do periódico, notícias literárias, crônica social e política, esportes, artigos
científicos, crônica de artes, correspondência sentimental, consultório de beleza, charadas e
concursos diversos. No ano de 1917 a guerra ocupa espaço especial na revista; a participação
dos militares baianos é acompanhada de perto.
A coluna Marteladas faz a crítica literária, comentando de forma irônica os trabalhos
recusados para publicação. Seu autor deixa claro que o tom humorístico adotado tem apenas
o objetivo de deixar mais leve a tarefa do censor e de forma nenhuma pretende representar
uma má vontade para com os novos. Pelo contrário, é intenção do periódico incentivar os
escritores novos, encorajando-os com críticas construtivas e orientações243.
Aqui
encontramos duas possíveis referências a Arthur de Salles: A.S.: Perfídia, soneto recusado e
A.S.: soneto recusado244.
As agremiações e suas revistas muitas vezes se rivalizavam. Isto ocorreu, por
exemplo, entre os grupos das revistas Samba245 e Arco & Flexa, ambos de feição modernista.
Altamirando Requião, Antonio Vianna (o Waltercio), Astério de Campos, Alberto Campos, Galdino de Castro, J.
Elesbão de Castro, Lulú Parola (pseudônimo de Aloísio de Carvalho), Mario Linhares e Xavier Marques, entre
outros.
243
MARTELADAS. Renascença. Salvador (1916- 1928).
244
MARTELADAS. Renascença. Salvador, n. 30, p. 20, 25/ 06/1918 e n. 42, p. 30, 25/05/1919,
respectivamente.
245
Periódico de vida breve circulou, em Salvador, de 1928 a 1929, com quatro números apenas. Entre seus
colaboradores estão, Pinheiro Viegas, Alves Ribeiro, Bráulio de Abreu, Maria de Lourdes Bacellar, Clodoaldo
69
O primeiro representou a tentativa de um grupo de jovens, sem posicionamento político e de
baixo poder econômico, que lutava para não permanecer à margem do Movimento
Modernista246. Propunha uma arte nova e dinâmica, com entusiasmo e vibração, verdadeira
revolução contra o passadismo vigente no Estado. Já o grupo de Arco & Flexa, mais influente
– pois além de ser integrado por pessoas de expressão da sociedade da época, era liderado por
Carlos Chiacchio, médico e jornalista conceituado247 – representaria o grupo “oficial” do
Modernismo na Bahia248. A renovação literária proposta pelo grupo é, entretanto, comedida,
discreta e equilibrada. Eram considerados modernos os textos que levassem em conta
temáticas genuinamente baianas (regionais) ou nacionalizantes. A posição de Chiacchio em
seus artigos em A Tarde, conforme analisa Ivia Alves, chegava a ser hostil em relação ao
grupo paulista congregado em torno de Mário de Andrade249. Arco & Flexa postulava a
doutrina do Tradicionalismo dinâmico, exposta por Chiacchio, valorizando a tradição baiana,
sem a dependência do estrangeiro250.
Na análise de I. Alves, a dificuldade na renovação literária baiana devia-se, sobretudo,
à situação de decadência política e econômica porque passava o estado naquele período.
Aliava-se a isto a tendência conservadora dos maiores expoentes das letras no momento,
entre os quais Damasceno Vieira, Arthur de Salles, Xavier Marques e o próprio Chiacchio,
todos ainda muito presos às ideias finisseculares e às tendências simbolistas. As
experimentações no campo lingüístico, inauguradas pelos modernistas de São Paulo, eram
recebidas aqui como golpes inaceitáveis à tradição e de pronto recusadas por Chiacchio e
seus seguidores251.
Contudo, sustentar um periódico circulando, não era tarefa fácil, especialmente
naqueles anos que precederam a revolução de 30. Arco & Flexa também não se mantém por
muito tempo, sobrevivendo por igual período que sua concorrente: entre 1928 e 29.
Milton, Hermes Fontes, Altamirando Requião, Elpidio Bastos, Otto Bittencourt Sobrinho, Anibal Rocha, Nonato
Marques, entre outros. (SAMBA: mensario moderno de Letras, Artes e Pensamento, op. cit.).
246
AMADO, Jorge. A Academia dos Rebeldes, dep. cit., p. 13. A este respeito, veja-se também: CARVALHO
FILHO. Arco e Flexa. In: SANTANA, Valdomiro. Literatura baiana ..., p. 25, e OLIVEIRA, Waldir Freitas de.
Contra a modorra e o desalento. Samba, ed. cit., n.1, p. ix.
247
Chiacchio era um crítico temido. Seu rodapé semanal de crítica literária, que mantinha no A Tarde desde
1928, fazia e desfazia reputações literárias. (AMADO, Jorge. Revistas e Movimentos literários. Revista da
Academia de Letras da Bahia. Salvador, n. 34, p.6, jan. 1987.)
248
ALVES, Ivia. Arco & Flexa. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1978.
249
Ibid., p. 19, 35-36.
250
COUTINHO Afrânio; SOUSA, J. Galante. Bahia. In: id. (Dir.) Enciclopédia de Literatura Brasileira...op.cit.,
v.1., p.306.
251
ALVES, Ívia, Visões de Espelhos: percurso da crítica de Eugênio Gomes. Salvador: Academia de Letras da
Bahia; Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, 2007. p. 44-45
70
Em oposição ao grupo Arco & Flexa, havia ainda a Academia dos Rebeldes, que
existiu de 1927 a 31, também liderada por Pinheiro Viegas. As produções do grupo foram
publicadas nos periódicos Meridiano252 e O Momento. A primeira, revista de vanguarda que
pretendia combater a rotina e tudo o mais que retardasse a marcha do progresso, circulou com
apenas um número, em 1929. O Momento teve nove números, circulando entre julho de 1931
e junho de 1932. Pretendia apresentar “o belo simples, o útil ameno, a verdade sem
rebuscamentos”, conforme seu editorial de abertura, assinado por Dias da Costa. Nesses
periódicos o grupo publicava manifestos contra o que consideravam exagerado culto à
tradição, ao passado e ao imobilismo praticado pelo grupo liderado por Chiacchio. O n. 6 de
O Momento, a mais expressiva das revistas baianas do período, na avaliação de Waldir
Freitas de Oliveira traz uma coluna intitulada Baianadas, na qual se fazem ferrenhas críticas
ao meio literário da Bahia 253.
A Revista da Academia de Letras da Bahia surge em agosto de 1930, tendo como
propósitos principais, o de ser o porta-voz oficial do prestígio e do trabalho realizado na
Academia de Letras da Bahia, e o de trabalhar pela defesa da língua portuguesa, fortalecendo
e disciplinando as nossas Letras254 , contribuindo para a memória da nossa literatura.
A revista surge num período de transição, nas artes e na literatura, para o movimento
modernista e reflete o pensamento da Academia, assumindo postura conservadora e
cautelosa:
A nossa Revista chega justamente num periodo de lutas magníficas no scenario
das letras. Atravessamos uma epoca de renovações. O instinto do novo, que é o
caracteristico de todos os movimentos literarios, lavra, intenso, largo e fundo, no
campo das competições entre o passado e o presente. Não podemos participar, a
gritos de escandalo, dessa trepidação confusa de ideas ainda mal definidas. A nossa
attitude é espectante sem ser indifferente. É tolerante sem ser passiva. Queremos o
novo, o melhor, o maior das possibilidades efficazes. O typo de conservantismo, em
função de melhoria é o que nos comvem [sic]. Que velhos e moços se congreguem
no alevantado intuito das soluções capazes, eis o nosso legítimo empenho. [...]
252
Colaboraram no periódico: Da Costa Andrade, De Souza Aguiar, Hosannah de Oliveira, Jorge Amado, José
Bastos, Octávio Moura, Pinheiro Viegas e Sosígenes Costa. (AMADO, Jorge. A Academia dos Rebeldes. In:
SANTANA, Valdomiro. Literatura baiana 1920-1980. op. cit., p.14-15; OLIVEIRA, Waldir Freitas. Contra a
modorra e o desalento da Bahia... In: SAMBA, ed. cit. p. vii).
253
Na execução do presente trabalho não se conseguiu localizar nenhum exemplar das referidas revistas. As
considerações aqui apresentadas são extraídas de COUTINHO Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Bahia. In:id.
Enciclopédia de Literatura Brasileira...op.cit., v.1., p.306; OLIVEIRA, Waldir Freitas. Contra a modorra e o
desalento da Bahia... In: SAMBA, ed. cit. p. vii e AMADO, Jorge. A Academia dos Rebeldes. In: SANTANA,
Valdomiro, op. cit., p. 14-15.
254
A FUNDAÇÃO da Academia. Revista da Academia de Letras da Bahia. Salvador, ano1, n.1, p. 8, ago. 1930.
71
Queremos que a Academia de Letras da Bahia seja uma verdade palpitante, dentro
dos moldes conservadores, mas activos, da nossa mentalidade contemporanea.255
De publicação semestral, a revista teve como sede inicial a Biblioteca Pública do
Estado. A coleção consultada, pertencente ao acervo da Academia de Letras da Bahia,
encontra-se encadernada em volumes anuais ou bienais. Seu formato é de 221 × 146 mm com
uma média de 200 a 350 páginas por volume. A encadernação com capa dura ocorre em cores
variadas, vermelha, marrom, verde ou amarela e preta, conforme a coleção em que se
encontre. A indicação do nome da revista, volume e ano, em geral, em letras douradas é
colocada na lombada de cada volume.
A matéria interna compõe-se de artigos e textos literários. Nas páginas finais
encontram-se a relação do quadro social da academia, discriminando, por ordem de cadeiras e
patronos, os acadêmicos falecidos e os atuais, e a relação dos membros correspondentes
atuais, residentes no país e no exterior e os falecidos.
No primeiro número da revista estão registrados os seus passos iniciais, a história da
fundação da Academia de Letras da Bahia. Em A Fundação da Academia, registra-se a
constituição inicial da instituição, com a relação dos ocupantes das cadeiras e dos respectivos
patronos256. Em outro artigo, o acadêmico Braz do Amaral traça a memória da Academia257.
A partir das edições da obra dispersa de Arthur de Salles, publicadas nessas revistas,
Célia Marques Telles escreveu um artigo sobre as revistas baianas no primeiro quartel do
século XX258. Por outro lado, as discussões da I Jornada de Periódicos Literários (Salvador,
2001), levaram à elaboração do artigo A obra dispersa de Arthur de Salles publicada em
periódicos259, onde são apresentados os resultados da recensio já concluída para a edição da
obra dispersa de Arthur de Salles.
Na seção seguinte, tecem-se algumas considerações sobre a importância da edição de
textos modernos, e apresenta-se a edição dos textos que integram o corpus do presente
estudo.
255
A FUNDAÇÃO da Academia. Revista da Academia de Letras da Bahia, art. cit , p. 2 e 3.
Ibid., p. 5-11.
257
AMARAL, Braz do. Memória Histórica da Academia. Revista da Academia de Letras da Bahia. Salvador,
ano 1, n.1, ago. 1930. p. 22-27.
258
TELLES, Célia Marques. Revistas baianas no início do século XX. ENCONTRO NACIONAL DE
PESQUISADORES EM PERIÓDICOS LITERÁRIOS BRASILEIROS, 1; anais. PUCRS: Porto Alegre, 2004.
259
TELLES, Célia Marques; TELES, Maria Dolores; LOSE, Alicia Duhá; PEREIRA, Norma Suely da Silva. A
obra dispersa de Arthur de Salles publicada em periódicos. art. cit.
256
72
4 A CRÍTICA SALLESIANA
4.1 EDIÇÃO DOS TEXTOS
Os problemas relativos às alterações sofridas pelos textos literários durante a sua
transmissão não são, naturalmente, pertinentes apenas aos textos medievais, quando a
transmissão de textos escritos se fazia apenas por via manuscrita. Textos modernos260,
publicados após o advento da imprensa, continuaram sofrendo vários tipos de alteração. Até
fins do século XX, originais manuscritos, ou datiloscritos continuaram sendo alterados, seja
por falha mecânica, a chamada gralha tipográfica, seja por falha humana, intencional ou não.
Quando o autor não podia corrigir as provas antes da impressão, o texto que saía do prelo
dificilmente era isento de erros, não correspondendo, portanto, à sua última vontade261. Essa
situação é bastante comum no período analisado, especialmente na publicação em periódicos,
conforme atesta a correspondência de Salles para o amigo e também poeta Durval de Moraes:
Procurando o Sr. Carlos Weber para indagar dos “Annaes elle mostrou as
paginas já compostas e corrigidas: as [↑da] tua conferencia eivadas de
imperfeições, num typo feio, as do meu pobre discurso inteiramente illegiveis e, por
cima de tudo isto, sem o final. Cheguei, olhei e revoltei- me. A peroração não
sahira porque o Diário de Noticias havia publicado e eu não ajuntara, como se o sr.
Editor não soubesse que era preciso cortal-a e juntal-a. Disse-lhe que não acceitaria
a revista sem uma completa revisão minha. A resposta foi que se eu o quizesse,
pagaria cincoenta mil reis. Mais se quizer, respondi.
Ora, portanto Christo, já há editores na Bahia.
Isto explica a demora dos “Annaes”. A minha escripta é má, porem tanto que pedi
que me enviassem as provas!.. As tuas ainda houve muito que fazer. Hontem
corrigi-as de novo, o resto..... Adeus.
Escrever-te-ei breve.
260
Salles262
Considerando-se aspectos lingüísticos quantitativos e qualitativos, classificam-se como modernos os textos
produzidos a partir do século XVI (HOUAISS, Antônio. Elementos de bibliologia. Rio de Janeiro: INL/MEC,
1967. v.1, p. 269).
261
SPAGGIARI, Bárbara; PERUGI, Maurizio. A tradição impressa. In: id. Fundamentos de crítica textual. Rio
de Janeiro: Lucerna, 2004. p. 21-24.
262
PR-EP-CO-OM-062:0248-XE-04/JM, doc. cit.
73
A edição crítica do texto contemporâneo, ao contrário do que se possa inicialmente
pensar, pode oferecer tanto ou mais dificuldades ao editor do que os textos antigos, seja pela
abundância de materiais textuais ou paratextuais, que podem dificultar a seleção e utilização
dos materiais disponíveis, ou pela absoluta escassez dos mesmos, quando se trabalha com
testemunhos únicos, impressos, disponíveis apenas em exemplares comerciais, sem qualquer
material paratextual263. Vale ressaltar que, embora as operações ecdóticas para o
estabelecimento do texto sejam praticamente as mesmas para textos antigos ou
contemporâneos, estes contam com a possibilidade de reconstituição do texto autêntico, o que
para aqueles raramente será possível264.
Durante o processo de transmissão, os textos estão sujeitos a modificações exógenas e
endógenas. As primeiras dizem respeito às alterações que possa sofrer o suporte no qual está
registrada a versão textual, tais como contato com fogo ou umidade, ação de insetos,
vandalismo e outros, que deixem o texto com passagens ilegíveis, exigindo do editor o
trabalho de recuperação das lacunas, quando dispõe de elementos para tanto. Já as alterações
endógenas resultam do próprio processo de reprodução do texto e subdividem-se em autorais
e não-autorais. O autor pode modificar o texto ainda nas provas tipográficas, corrigindo-o ou
fazendo novas intervenções no texto anteriormente entregue para impressão, ou depois do
texto já publicado, alterando-o para uma próxima edição. As modificações não autorais, por
sua vez, podem ser voluntárias, por discordância deliberada de quem reproduz o texto, ou do
responsável por sua publicação, e involuntárias, por lapso de quem reproduz o texto265.
A edição crítica de um texto é uma operação absolutamente necessária ao seu perfeito
entendimento ou à sua completa interpretação filológica, segundo critérios que melhor
possam aproximá-lo da última vontade de seu autor. A edição crítica de textos modernos tem
por finalidade restituir ao texto a sua genuinidade, com base na tradição manuscrita e
impressa, direta e indireta, da obra, facilitando sua leitura, tornando-o inteligível,
valorizando-o, permitindo o exercício de análises lingüísticas e da Crítica Literária.
Conforme adverte Giuseppe Tavani, “enquanto não se dispõe de um texto fidedigno,
todas as demais operações hermenêuticas, e críticas estão expostas ao risco de resultar
263
TAVANI, Giuseppe. Los textos del siglo XX. In: SEGALA, Amos (Org.) Littérature latino-amricaine et des
Caraïbe du XX siecle: theorie et pratique de edition critique. Roma: Bulzoni, 1988. p. 57-60.
264
TAVANI, Giuseppe. Metodologia y práctica de la edición crítica de textos literários contemporaneos. In:
SEGALA, Amos (Org.) Littérature latino-amricaine et des Caraïbe du XX siecle: theorie et pratique de edition
critique. Roma: Bulzoni, 1988. p. 65.
265
CAMBRAIA, César Nardelli. A mobilidade dos textos. In: id. Introdução à crítica textual. São Paulo:
Martins Fontes, 2005. p. 2-13.
74
arbitrárias, intempestivas e inseguras”266, uma vez que podem partir de dados textuais não
confirmados, estranhos ao pensamento autoral, podendo ser desmentidos a qualquer
momento267.
A moderna Crítica Textual, seguindo uma tendência geral nas ciências, preocupa-se
muito mais em mostrar e estudar a diferença, a variação, do que em perseguir um modelo
‘arqueologicamente’ anterior e puro268.
O número de interessados e adeptos da Crítica Textual tem crescido sensivelmente
nos últimos anos. Mesmo os escritores antes muito refratários à questão, por considerar talvez
os incovenientes da quebra da privacidade dos meandros de sua criação, atualmente, também
estes têm se preocupado com a organização de seus arquivos pessoais, de modo a facilitar o
trabalho dos filólogos no futuro269. Nos arquivos e nas universidades têm-se observado
também um incremento no trabalho de catalogação, conservação e descrição de dossiês de
autores contemporâneos270.
Edvaldo Cafezeiro, em Gênese e processo de edição crítica, salienta a importância de
se conhecer o contexto que gerou o texto para uma melhor construção de sentidos (ou
reconstituição), no momento da elaboração de uma edição crítica e propõe a fixação de textos
que contemplem, além do texto restaurado, as diversas variantes no aparato crítico como
forma de permitir a interpretação não apenas do editor, mas de cada leitor, inclusive no
campo da Crítica Literária ou estética271. O editor de textos deve também procurar
familiarizar-se com os modos de produção, de conservação e de difusão das obras no período
em que se situa o autor escolhido272, e conhecer a língua da época273.
Contudo, só se pode estabelecer a edição crítica de um texto quando se dispõe de mais
de um testemunho para realizar a colação e estabelecer o texto de base, a partir do qual se
fará a reconstituição e o estabelecimemnto do texto crítico. O corpus selecionado para a
presente edição compõe-se de onze textos de crítica literária, sendo nove textos de imprensa,
recolhidos de periódicos e dois de natureza espistolar, manuscritos, a saber:
266
TAVANI, Giuseppe. Los textos del siglo XX. art. cit p. 53.
Ibid.
268
ELIA, Silvio. A crítica textual em seu contexto sócio histórico. In: ENCONTRO DE ECDÓTICA E
CRÍTICA GENÉTICA; 3, anais. João Pessoa: UFPB/APML/FECPB/FCJA, 1993. p. 60-61.
269
TAVANI, Giuseppe. Los textos del siglo XX. art. cit. p. 53-54.
270
Ibid., p. 62.
271
CAFEZEIRO, Edvaldo. Gênese e processo da edição crítica. In: ESTUDOS UNIVERSITÁRIOS DE
LÍNGUA E LITERATURA; homenagem ao Prof. Dr. Leodegário A. de Azevedo Filho. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1993. p. 149.
272
CUNHA, Celso. O ofício de filólogo. In: CUNHA, Celso; PEREIRA, Cilene da Cunha. (Org.). Sob a pele das
palavras. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004. p. 354.
273
CAMBRAIA, César Nardelli. Introdução à crítica textual. op. cit. p. 34.
267
75
Quadro 2 – Corpus editado
DLR
EST
DXM
Discurso official; [recitado na sessão
fúnebre commemorativa do falecimento
de Lopes Ribeiro em 23 de Março de
1905]
Estudantinas; leitura crítica sobre a obra
de Alvaro Reis
Discurso
official;
[proferido
homenagem a Xavier Marques]
SALLES, Arthur de. Discurso
official. Nova Cruzada, Salvador, ano
3, v. 2, n. 5, p. 1-6, abr. 1905.
SALLES, Arthur de. Estudantinas.
Nova Cruzada, Salvador, ano 4, n. 6,
p. 1-3, set. 1905.
em SALLES, Arthur de. Discurso
official. Nova Cruzada, Salvador, ano
5, n. 11, p. 4-7, out. 1906.
SALLES, Arthur de. Discurso official.
Gazeta do Povo. Salvador, ano 2, n. 338,
p.1-2, 12 set. 1906.
CHM
Chronica dos mortos
DDM
Discurso de recepção a Durval de Moraes
MLA
D Margarida
[Homenagem]
SHF
A saudação do Sr. Arthur de Salles ao Sr.
Hermes Fontes
AVT
A viola e a tirana; allocução proferida em
Santo Amaro, apresentando o folklorista
Leonardo Motta
FRD
Fragmento do discurso do Academico
Arthur de Salles
Lopes
de
Almeida
064:288 PR-EP-CO-OM-064:0288-XE-06/JM
CPA
SALLES, Arthur de. Chronica dos
Mortos. Nova Cruzada, Salvador, ano
10, n. 7, p. 1-2, dez. 1910.
SALLES, Arthur de. Discurso de
recepção a Durval de Moraes. Os
Annaes, Salvador, ano 1, n. 7, p. 158171, out. 1911.
SALLES, Arthur de. D Margarida
Lopes de Almeida [Homenagem]. A
Tarde. Salvador, n. 5104, p.7,
17/jan./1925. Supl. Semanal “Letras,
Artes”.
SALLES, Arthur de. A saudação do
Sr. Arthur de Salles ao Sr. Hermes
Fontes. A Tarde, Salvador, n. 5110, p.
7, 24/01/1925. Supl. Semanal “Letras
e Artes”.
SALLES, Arthur de. A viola e a
tirana; allocução proferida em Santo
Amaro, apresedntando o folklorista
Leonardo Motta. A Tarde, Salvador,
ano 13, n. 5122, p.7, 07/fev./1925.
Supl. Semanal “Letras e Artes”.
SALLES, Arthur de. Discurso do
Academico Arthur de Salles. Revista
da Academia de Letras da Bahia,
Salvador, ano 2, v. 2, n. 2-3, p. 37-42,
jun.-dez. 1931.
SALLES, Arthur de. Carta a Durval
de Moraes. 25,26.06.1913
Carta a Paulo Alberto, impressa no livro SALLES, Arthur de. In: ALBERTO,
Isaura. 14.09.23
Paulo. Isaura. Bahia: Typographia do
povo, 1923.
76
4.2
CRITÉRIOS ADOTADOS NA EDIÇÃO
A escrita de Arthur de Salles e de seus contemporâneos está situada no período
etimológico274 da ortografia da língua portuguesa. Nos manuscritos posteriores a 1945,
entretanto, mostra uma tendência para a modernização da grafia, numa tentativa, talvez, de
adequação às regras ortográficas que passaram a vigorar no período275.
Nesta edição seguiram-se os critérios adotados pelo Grupo de Edição Crítica de
Textos da UFBA na publicação da Obra dispersa de Arthuer de Salles276, procurando-se ser
fiel ao texto de base, mantendo uma postura conservadora277, com vistas a preservar ao
máximo as características lingüísticas do texto278, por entender que elas fazem parte do usus
scribendi do autor e ainda porque representam a realidade gráfica do período. Assim, esperase favorecer os estudos em outras áreas do saber.
Para o corpus ora editado fez-se uma edição semidiplomática para o original
manuscrito e, para os testemunhos impressos de versão única, uma edição interpretativa,
baseada em critérios conservadores e acrescida de notas explicativas, procurando-se
apesentar uma edição fidedigna, com correção das gralhas de impressão, e, por fim uma
274
O sistema ortográfico de uma língua é sempre uma convenção que tem a função de comunicar, de permitir o
entendimento entre seus falantes. Tal sistema sofre influência direta de duas forças contrárias: a fonética, que é
por natureza inovadora, e a histórica, conservadora. Com o tempo, vai a escrita se ‘desatualizando’, pois a grafia
não consegue acompanhar tais mudanças impostas pela oralidade. Considerando-se as transformações sofridas
pela ortografia da língua portuguesa, os estudiosos apontam para a existência de três períodos distintos: o
período fonético ou impressionista, o etimológico e o reformado. O período etimológico, que buscou representar
as palavras com uma grafia alatinada, vigorou desde o século XIV até o início do século XX (ARAÚJO,
Antonio Martins de. Breve notícia da ortografia portuguesa. In: PEREIRA, Cilene da Cunha e PEREIRA, Paulo
Roberto Dias (Org.). Miscelânia de estudos lingüísticos, filológicos e literários in memoriam de Celso Cunha.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1955. p. 431. A esse respeito, veja-se também VAZQUEZ CUESTA, Pilar;
MENDES DA LUZ, Maria Albertina. Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 1970). A
propósito da escrita praticada pelos literatos desta época diz Suzana Cardoso: “A inexistência de um padrão
ortográfico foi-se agravando de tal modo que praticamente quase todos os escritores findavam por possuir as
suas peculiaridades ortográficas”. (CARDOSO, Suzana Alice. Português: língua que falo, língua em que
escrevo. Conferência pronunciada no VIII ENEL. Aracaju: UFS, 18.08.1987. f.10). Ocorre que nem sempre se
procurou investigar a origem real das palavras, e muitos vocábulos de ‘suposta’ origem grega ou latina passaram
a receber acréscimos de h, ch, ph, rh, th e y, arbitrariamente, gerando o que se chamou depois de grafia pseudoetimológica. Silvio Elia cita como exemplo a palavra hontem, que ganhou o h inicial por analogia com hoje, mas
sua base latina – ad noctem – não inclui essa letra. É do mesmo período a substituição do s final por z e o
acréscimo do h mudo inicial, dos grupos ct, gm, gn, mn e mpt em vocábulos de origem latina e o desdobramento
de consoantes que já se haviam simplificado na pronúncia: elle, annus, etc. (ELIA, Silvio. Um século de
separação ortográfica. In: HEYE, Jürgen (Org.). Flores Verbais: uma homenagem lingüística e literária para
Eneida do Rego Monteiro Bomfim no seu 70º aniversário. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. p. 306).
275
GAMA, Albertina Ribeiro da, TELLES, Célia Marques. A lição conservadora e a análise lingüística do texto.
Boletim da Assiciação Brasileira de Lingüística. Fortaleza: Imprensa Universitária; UFC, p. 464, 2001.
276
GAMA, Albertina Ribeiro da, TELLES, Célia Marques. Critérios para a edição crítica da Obra dispersa de
Arthur de Salles. In: ENCONTRO DE ECDÓTICA E CRÍTICA GENÉTICA, 3; anais. João Pessoa:
UFPB/APML/FECPB/FCJA, 1993. p. 356-7;
277
Conservou-se, inclusive, a variação de grafia para o nome do poeta, Arthur de Salles, como ele próprio
assinava, ou Artur de Sales, como aparece em muitas das fontes consultadas, por entender que isto reflete a
variação ortográfica do período.
278
GAMA, Albertina Ribeiro da, TELLES, Célia Marques. A lição conservadora e a análise lingüística do texto.
art. cit., p. 463-465.
77
edição crítica com aparato de variantes para o único texto do corpus que possui dois
testemunhos.
Conservou-se a grafia pseudo-etimologizante do autor, respeitando-se, inclusive as
oscilações. Deste modo, conservaram-se as grafias das consoantes geminadas, como em
desapparecimento (DLR, L.30) assim como as grafias de ch para /k/ a exemplo de chiméra
(DXM, L. 34), echoar (DLR, L. 293); ph para /f/ como em triumphante (DXM, L.4); sc para
/s/ a exemplo de scenas (DXM, L.138) e y para /i/, como em mysterioso (EST, L.4). Do
mesmo modo foram mantidas as representações gráficas para os ditongos ou como em cousas
(MLA, L. 6) e eo como em seos (DLR, L.294) e o uso de m por n, como em circumdada
(CHM, L.17) entre outros usos comuns à referida grafia.
A pontuação e a acentuação foram rigorosamente mantidas. Maiúsculas e minúsculas
foram conservadas conforme a representação no original, assim como os estrangeirismos e
neologismos do autor.
Abreviaturas correntes bem como os sinais convencionais, já dicionarizados, foram
mantidos como nos originais.
Utilizaram-se colchetes para indicar as correções de gralhas tipográficas e chaves para
letras expurgadas.
A expressão sic, entre colchetes foi utilizada para destacar usos
específicos, não convencionais, de grafia, de acentuação, ou os erros óbvios.
Na edição semidiplomática indicaram-se os acrescentos, supressões, palavras ilegíveis
e riscadas conforme operadores279 indicados abaixo:
Quadro 3 – operadores utilizados na edição semidiplomática
[ † ] palavra ilegível
[ ↑ ] acrescentamento lançado na entrelinha superior
[ ↓ ] acrescentamento lançado na entrelinha inferior
[←] acrescentamento lançado à margem esquerda
[→] acrescentamento lançado à margem direita
< > segmento autógrafo riscado
< † > riscado autógrafo ilegível
< > / \ substituição por superposição, na relação <substituído> /substituto\
< > [ ↑ ] substituição por riscado e acrescentamento na entrelinha superior
< > [ ] substituição por riscado e acrescentamento na seqüência
[ ] texto interpolado
[ ? ] leitura duvidosa
leitura impossível pelo suporte danificado
279
Esses são operadores geralmente utilizados em aparato genético e foram utilizados na edição
semidiplomática para assinalar o movimento das correções do autor no processo de construção do texto.
78
4.3 O CORPUS
4.3.1 Discurso official [Recitado na sessão funebre comemorativa do falecimento de
Lopes Ribeiro em 23 de Março de 1905280].
4.3.1.1 VERSÃO NC
SALLES, Arthur de. Discurso official. Nova
Cruzada. Salvador, ano 3, v.2, n. 5281, p. 1-6, abril
de 1905.
O texto contém 574 linhas, impressas em duas colunas distribuídas entre as páginas 1
e 6 do fascículo que é todo dedicado à memória do falecido poeta e neocruzado, João Lopes
Ribeiro. Nas L. 1 e 2, à direita, a saudação, em itálico, seguida de dois pontos: Meus
Senhores: Meus companheiros de jornada: Na L. 3, inicia-se o texto com uma maiúscula
ornada: É, que ocupa o espaço correspondente a duas linhas. Ao longo do texto, maiúsculas
são largamente utilizadas para enfatizar substantivos comuns. Na L. 18 da p.2, col. a, três
asteriscos marcam uma divisão no texto, finalizando a introdução e marcando o início da
biografia do homenageado. No final da col. b da p. 5, L. 50, uma linha de pontos faz nova
divisão no texto, marcando o final da biografia, o mesmo acontecendo no início da col. a da p.
6, L. 10, marcando o início da conclusão. Na p. 6, a mancha escrita ocupa apenas a metade
superior do fólio. Na metade inferior, há uma ilustração que semelha um túmulo, coberto com
ramos de parreira. Os jornais da época divulgaram a eloqüência e o estilo de Salles que
comoveu, com seu pronunciamento, o público presente no salão nobre do Grêmio Literário282.
4.3.1.2. Classificação estemática.
A versão NC, única de que se dispõe, serviu de base para a edição, com o seguinte
estema:
O
NC
edição283.
Fig. 1. Estema da edição de DLR.
280
Discurso proferido em sessão fúnebre, no Grêmio Literário, na noite de 23 de março de 1905, por ocasião da
passagem dos 60 dias de falecimento do poeta, neocruzado e alferes-aluno João Lopes Ribeiro, ocorrida no Acre
em 28 de janeiro de 1905 (NOVA Cruzada. Salvador, ano 3, n. 5, p. 16 e 17, abr. 1905).
281
Fac-símile do exemplar localizado no acervo do CEDIC.
282
NOVA Cruzada. Salvador, ano 3, n. 5, p. 16 e 17, abr. 1905.
Dados importados da Dissertação de Mestrado (PEREIRA, Norma Suely. Um punhado de versos e páginas
de prosa..., op cit.).
283
79
4.3.1.3 TEXTO
*p.1, col. a
[Discurso Official Recitado na sessão funebre comemorativa de 23 de Março de 1905, por
Arthur de Salles]
Meus Senhores:
Meus companheiros de jornada:
É sempre nova a velha impressão da Morte!...
Nunca nos podemos conciliar com esta verdade atroz e nos revoltamos toda a vez que
5
ella nos faz curvar a fronte diante da fatalidade de seos arestos irrevogaveis.
Quer voltando o olhar para os espaços, caminho estrellado e sereno dos que vão para a
Bemaventurança, ou dirigindo o olhar para a terra, termo final da carreira humana, na
crença dos que não admittem outra vida melhor, de eterna paz e de eterno repouso; quer
sejamos simples matéria ou tenhamos além desta materia outra cousa luminosa,
10
intangivel, incorruptivel, immortal, o certo é que a idéa da Morte nos traz sempre uma
especie de torpor sagrado, de scisma religiosa, nos faz parar contemplativos e silenciosos,
diante de um tumulo.
Invade-nos uma sombra fria de desconforto, sentimos o gelo chegar até nós, ouvimos o
Alarido surdo e confuso de trombetas proclamando a partida para essa viagem de onde se
15
não volta mais, para essa Jerusalem anciada por tantos corações enfermos e amaldiçoada
pelos que amam gyrar ainda nos centros ruidosos do Mundo.
Mas, de tudo isso, desse embater de idéas, dessa opposição de sentimentos, desse indagar
incessante e perenne, resta-nos a dôr gemendo e ferindo cruciantemente: fica-nos essa
realidade sem a qual não seriamos perfeitamente humanos!...
20
*col. b
Ella desabrocha em nós, nesses momentos angustiosos, como uma extranha flor
*maravilhosa emergindo de um lago quieto e esverdeado e cujo aroma, penetrante e
Mágico, nos faz vibrar em emoções fundas, ao mesmo tempo que nos altera a visão e
transmuda o aspecto das cousas circumdantes.
Povoa-nos a Tristeza, acabrunha-nos a Magoa, e a Saudade envolve-nos neblinamentos
25
dos seos crepusculos emotivos e pungentes.
Mais uma vez, subjugados e vencidos por esta verdade tremenda, paramos contristados
a beira de uma sepultura que ainda ha pouco se fechou para guardar, por todo o sempre, na
sua inalteravel mudez, um coração grande e bello, uma robusta organisação de moço.
E cousa singular, senhores: passa um anno que nos reunimos para chorar o
80
30
desapparecimento do poeta do Hostiario284. Hoje nos congregamos para lamentar a morte
de um talento de escol: Lopes Ribeiro.
O destino tem dessas ambiguidades tenebrosas: compraz-se em discrever essas órbitas
sinistras.
Temos gravado na imaginação de amigos e de companheiros um scenario imponente e
35
funebre: vasto
trecho de terra saibrosa, queimada pelos torridos verões, sob a flammejação
barbara e rutilante dos sóes tropicaes. Perto, escachoando-se, em rebojos revoltos,
borboteando tumultuoso, rolando triumphalmente as aguas enturvescidas, o Rio-Mar
cantando o hymno soberano de sua força e magestade. Grandes e vetustas arvores levantam
*col. a, p. 2
para o espaço cálido e *fulgurante os longos braços torcidos e verdes, cyprestes d’aquelles
40
cemiterios. E no Meio desta paysagem de aspectos grandiosos e épicos, um moço estendido
de face voltada para o céo, todo resplandescido da luz do sol que lhe põe brilhos nos botões
da farda e fagulhamentos chispantes no aço da espada. Vemol-o assim no arquejo supremo,
na agonia derradeira, firme e varonil, perdendo a vida com essa altivez dos que morrem
vencidos e gloriosos, com essa serenidade heroica dos que, na hora extrema, lhes não falta
45
a profunda comprehensão do dever! Depois, sobre a terra exsicada e aspera avulta uma
cruz solitaria, esguia e tosca, dominando aquellas paragens onde vagueiam os phantasmas
multiformes da Morte!...
*
*
*
João Lopes Ribeiro nasceo em 1871, de paes legitimos.
50
Entrado na adolescencia, destinou-se á carreira commercial, abandonando-a logo depois
para destinar-se á carreira das armas. Assentou praça no 9º batalhão de Infantaria, neste
Estado, matriculando-se depois na então Escola Militar do Ceará. Ahi desabrochou o seo
talento, affirmando-se, dia a dia, nos bancos escolares em bellissimas producções literarias.
A Escola Militar, uma porção de moços árdidos, cada qual com seos sentimentos e
55
ideaes, suas diversas aptidões, trouxe não pequeno desenvolvimento ás letras cearences.
Della partio um largo e sadio sopro de vida intellectual.
Por esse tempo surgio na gloriosa terra de Alencar uma aggremiação, a Padaria
284
O neocruzado Francisco Mangabeira, falecido a 27/01/1904 (NOVA Cruzada. Salvador, ano 3, n.4, de fev.1904, fascículo
dedicado à memória do poeta).
81
Espiritual285, que marcou na historia da literatura patria um estadio de progresso e de
alevantados tentamens. O conto, o romance e sobretudo a poesia, foram tratados e cultivados
60
por intelligencias robustas. Uma nova seiva de vida mental alentou aquella phalange de
moços guiados pelo ideal civilisador, convergindo as energias para o emgrandecimento
das letras nacionaes.
Quem acompanhar o movimento belletristico do paiz, verá que o Ceará durante periodo
pequeno, mas fecundo de dez annos, foi o Estado em que, mais forte e bella cresceo e
65
floresceo a seara das letras.
Esse transbordamento de vida affectiva, essas pujantes manifestações do pensamento,
essa expansão, vivificadas pelos ideaes da mocidade progressista, tudo isto surgiu em parte da
*col. b p.2
Escola Militar286, que, como diz *Rodrigues de Carvalho287, “trouxe sinão todo o elemento da
nossa vida lieraria ao menos um prurido de actividade mental: revistas, aggremiações,
70
opusculos, etc”. A mocidade marchava por um caminho aberto e desbravado, enobrecida
pelo exemplo e pelo incentivo de vultos eminentes como o Dr. Studart288 e outros. Como a
285
A Padaria Espiritual, Sociedade de Lettras e Artes (Fortaleza maio de 1892 – dezembro 1898) foi importante órgão
literário do Ceará, congregando simbolistas, românticos, parnasianos e realistas. Surgiu nas dependências do Café Java, onde
se reunia um grupo de literatos: Antônio Sales, Lopes Filho, Ulisses Bezerra, Sabino Baptista, Álvaro Martins, Themístocles
Machado e Tibúrcio de Freitas. A estes juntou-se depois Adolfo Caminha. Os “padeiros” tinham um pseudônimo, ou nome
de guerra e as reuniões eram denominadas “fornadas”. Antônio Sales (Moacir Jurema), idealizador da agremiação, foi o
responsável por seu nome e programa. Os padeiros eram boêmios excêntricos e bem humorados. Eram inovadores, mas
prezavam os vultos do passado. Seus objetivos eram fornecer “o pão do espírito” e combater os lugares comuns, e os
costumes românticos e burgueses. Teve duas fases, sendo a primeira de 1892 a 1894, quando foi reorganizada, recebendo 14
novos sócios (inicialmente eram 20). A 2ª fase vai de1894 a 1898, quando se realizou a última sessão. A primeira fase teve
caráter principalmente excêntrico, com brincadeiras que visavam escandalizar a burguesia. Na segunda fase os padeiros se
apresentam mais graves, ponderados, sem as audácias do primeiro tempo. Seu órgão de divulgação, O Pão teve duas fases, de
julho a novembro de 1882 e de janeiro de 1895 a outubro de 1896. (AZEVEDO, Sânzio de. A Padaria Espiritual e o
Simbolismo no Ceará. Fortaleza: Secretaria da Cultura e Desporto, 1983. p. 67-68 e BARREIRAS, Dolor. História da
literatura cearense. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará Ltda. História do Ceará. Monografia n. 18, 1948. t. 1, p. 141-147).
286
A Escola Militar do Ceará, criada em fevereiro de 1889 teve grande influência no desenvolvimento das letras no Estado a
partir da década de 1890. Para ela confluíram jovens intelectuais que depois se consagraram em grêmios literários como a
Padaria Espiritual e o Centro Literário. Assim como João Lopes Ribeiro, vários eram os soldados poetas, a exemplo de
Ulisses Sarmento, Aníbal Teófilo, Álvaro Bomílcar entre outros. A escola teve também os seus órgãos de divulgação
literária, sendo o primeiro deles a revista Primeiro de maio, surgida em junho de 1891 e cujo nome homenageia a data de
inauguração da Escola. (BARREIRAS, Dolor. História da literatura cearense. op. cit. p. 261-268). No seu número inaugural
os redatores declaram que “é um grande erro supor que a cultura intelectual do soldado deve só abranger o que entende
directamente com os misteres de sua profissão: muito ao contrário, ela deve ser ampla, abranger os diversos domínios das
ciências, das letras e das artes com mais ou menos perfeição, conforme o valor intrínseco de cada um desses ramos da
actividade humana”. (Artigo de apresentação da revista Apud BARREIRAS, Dolor. História da literatura cearense. op. cit.
p. 264).
287
José Rodrigues de Carvalho (Alagoinha, hoje Tanatuba (PB) 1867 – Recife (PE) 1935) poeta, ensaísta, folclorista,
crítico, advogado, diplomado pela Faculdade de Direito do Ceará. Foi ainda Deputado estadual e Procurador da República.
Foi membro da Academia Cearense de Letras e do Centro Literário, do qual foi o último presidente. Publicou O coração
1894, Prismas, 1896, Ceará Literário (publicado na revista da Academia Cearense, tomo de 1899), Cancioneiro do Norte
1903, entre outros. Colaborou nos periódicos O Ceará 1895, A Pena 1895, Iracema 1895-1896, O Germinal 1904, e foi
redator do Fenix Caixeral 1893-1903, Revista Acadêmica 1903-1908 e da Rev. Ceará 1905, todos de Fortaleza.
(COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira. op. cit..., 2001.s.v).
288
Guilherme Studart (Barão de Studart) (Fortaleza 1856 – 1938) fez os primeiros estudos no Ateneu Cearense,
transferindo-se, posteriormente, para o Ginásio Bahiano. Matriculou-se, em 1872, na Faculdade de Medicina da Bahia, onde
82
Padaria Espiritual, o Centro Litterario289 era outro fóco de vida e de trabalho. Neste, Lopes
Ribeiro distinguio-se como poeta, produzindo bellissimos sonetos. Antonio Salles290, primoroso
poeta, Frota Pessoa291, notavel polemista e critico, Ulysses Sarmento292, Themistocles
75
Machado293, Bomfim Sobrinho, Papi Junior294 e tantos outros fizeram parte daquelle movimento
doutorou-se em 1877. Foi também ensaísta orador, biógrafo, bibliógrafo, historiador e Vice-cônsul do Reino Unido no Ceará.
Foi membro e patrono Academia Cearense de Letras e membro de diversas outras instituições: Instituto do Ceará, o Centro
Médico Cearense, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, o Instituto
Histórico e Geográfico Pernambucano, o Centro Literário, o Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, o Instituto
Histórico de São Paulo, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, o Instituto Histórico e Geográfico Fluminense, a British
Medical Association, a Sociedade de Geografia de Paris e a Sociedade de Geografia de Lisboa. Publicou Palavras proferidas
na festa do tricentenário de Camões 1880 (orat.), Elementos da Gramática Inglesa, 1888; Dicionário biobibliográfico
cearense 3v. 1910, 1913 e 1915, além de obras de história, medicina e geografia. (COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante
(Dir.).
Enciclopédia
de
Literatura
Brasileira.
op.
cit.,.s.v.
e
BARÃO
de
Studart
"http://pt.wikipedia.org/wiki/Bar%C3%A3o_de_Studart").
289
Sociedade literária cearense fundada em 27 de setembro de 1894 por Temístocles Machado e Álvaro Martins (o Alvarins),
dissidentes da Padaria Espiritual, aos quais se juntaram Juvenal Galeno, Viana de Carvalho, Papi Júnior, Luís Agassiz, Pedro
Moniz, Ulisses Sarmento, Bonfim Sobrinho, Frota Pessoa, Farias Brito, Rodolfo Teófilo, entre outros. Num segundo
momento foram admitidos novos sócios, entre eles, o crítico paraibano Rodrigues de Carvalho, o baiano João Lopes Ribeiro
e o Barão de Studart. Embora nascida uma da cisão da outra, as duas agremiações não se rivalizavam, chegando mesmo a
promover sessões em comum. O número de sócios efetivos do Centro, a princípio indeterminado, foi reduzido a 30, a partir
de outubro de 1895, com o propósito de valorizar o título de sócio do grêmio e, ao mesmo tempo, de diminuir as chances de
intriga entre os confrades. Além dos sócios efetivos havia os beneméritos, os honorários e os correspondentes. Entre estes
últimos figurava um outro baiano, Damasceno Vieira. O Centro tinha como objetivos difundir o gosto literário e artístico,
realizar conferências e sessões literárias, criar fundos para editar as obras de seus sócios, além de manter comunicação e
auxílio com outras agremiações congêneres no Estado ou mesmo fora dele. Seu órgão de divulgação, a revista Iracema,
surgiu em 2 de abril de 1895 e circulou até 1896. o Centro Literário manteve-se atuante até inícios de 1905. (BARREIRAS,
Dolor. História da literatura cearense. op. cit. p. 226-260).
290
Antonio Sales (Moacir Jurema) (1868 – 1940) O poeta e epigramista cearense foi um dos fundadores da Padaria
Espiritual, tendo participado também do Centro Literário e do Centro Republicano do Ceará. Foi diretor d’O Pão e colaborou
no Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, assinando em parceria com outros a seção Pingos e Respingos. Publicou Versos
diversos 1890, Trovas do Norte 1895, Poesias 1902, Panteon 1919, Minha Terra 1919, Aves de arribação (romance
inicialmente publicado em folhetim no Correio da Manhã em 1903), além de obras de teatro e memórias, entre outros.
Postumamente foram editados: Águas passadas 1944, Fábulas brasileiras 1944 e Obra poética 1968. (AZEVEDO, Sânzio
de. A Padaria Espiritual e o Simbolismo no Ceará, op. cit. P. 135-136).
291
José Getúlio da Frota Pessoa (Sobral 1875 – Rio de Janeiro 1951) poeta, contista, crítico, polemista, professor, bacharel
em direito, jornalista. Publicou Psalmos 1898 (poesia), Crítica e polêmica 1902, Mensagem do Centro cearense ao Ceará
1904. Colaborou em diversos periódicos. (COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura
Brasileira. op. cit..., 2001.s.v).
292
Ulisses Teixeira da Silva Sarmento (Vitória – ES 1875 – Rio de Janeiro 1923) poeta, prosador e matemático, cursou a
Escola Militar do Ceará e foi um dos fundadores do Centro Literário. Publicou Clamides 1894 (poesia), Torturas do ideal
1900 (poesia), Contemplações 1902 (poesia) e A voz da natureza 1923 (poesia). Colaborou em diversos periódicos.
(COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira. op. cit., 2001.s.v).
293
Themístocles Machado (Túlio Guanabara) (1874 – 1921) escritor, jornalista, advogado e professor cearense, participou
da Padaria Espiritual e foi um dos fundadores do Centro Literário, do qual foi o primeiro presidente. Publicou Mirtos 1897, A
Fileteida 1898 (Sátira ao governados Fileto Pires, do Amazonas), A esmola 1900, O maldito 1901, Pela República 1902 e
Invocação de vítima 1904. usou vários pseudônimos, a exemplo de João da Ega, Alfredo César, Padre Teobaldo, Têmis e
outros. (AZEVEDO, Sânzio de. A Padaria Espiritual e o Simbolismo no Ceará, op. cit. p. 138-139).
294
Antônio Papi Junior (Rio de Janeiro 1854 – Fortaleza 1934) romancista, contista, poeta, teatróogo, professor, crítico
literário, militar, considerado um dos maiores escritores regionalistas da literatura brasileira e sobretudo cearense. Membro e
patrono da Academia Cearense de Letras. Publicou os romances O Simas 1898, Gêmeos 1914, Sem crime 1920, A casa dos
azulejos 1927, Almas excêntricas 1931, e ainda Exorcismos 1910 (contos) e Contos 1954 (póstumo), entre outros. Colaborou
em diversos periódicos. (COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira. op. cit.,
2001.s.v).
294
Referência a Leónidas I, rei e general de Esparta entre 491 e 480 a.C. Uma de suas ações mais importantes se deu por
ocasião da invasão da Grécia pelos persas, em 481 a.C. Defendendo o desfiladeiro das Termófilas, que une a Tessália à Beócia,
Leônidas e uma tropa de apenas 7.000 homens, sendo que apenas 300 eram espartanos, conseguiram repelir os ataques iniciais
de Xerxes, rei da Pérsia, que trazia cerca de 200.000 soldados. Leônidas foi traído por um pastor local (Efialtes) que auxiliou os
soldados de Xerxes, conduzindo-os por um caminho que contornava o desfiladeiro até cercar o exército de Leônidas. Mesmo
83
restaurador. Hoje aquelles grupos estão dispersos; já não palpita com a mesma intensidade
de então o enthusiasmo daquelles moços inflammados na chamma de tão sagrados ideaes.
Uns dormem no tumulo e outros andam trabalhando fóra de lá.
Restam os velhos lutadores. Mas, os ceos serenos daquella terra guardam as harmonias
80
dos poetas; e o som daquellas lyras vibra ainda pelas quebradas e valles cearences,
murmura ainda pelos pincaros alcantilados daquellas serras e pelos campos nataes “onde
canta a jandaia nas frondes da carnaúba”.
Repartindo o tempo entre o estudo e o cultivo das letras, a guerra de Canudos veio
arrancal-o para o entrechocar dos combates. Conscio do seo dever e do seo patriotismo, o
85
seo valor nunca fôra desmentido lá naquella Bastilha negra do fanatismo. A sua organisação
de moço e de sadio, blindada de coragem, não se dobrara vencida nem se alquebrantara aos
despotismos daquella zona, que se fizera cemiterio de tantos bravos. Fora talhado para esses
embates; tinha a grandeza serena dos resignados; não se acurvava á idea do perigo:
affrontava-o calmo e sobranceiro, recebia-o firme e resoluto.
90
Suspendendo o augusto pavilhão estrellado não n’o arrastaria dobrado, não n’o deixaria
na promiscuidade dos mortos e dos agonisantes; erguel-o-ia triumphante e desdobrado –
vulto errante e symbolico da Patria pairando, como uma grande aza piedosa e afflictiva,
sobre aquelle duello formidavel de irmãos!
Por um profundo sentimento de humanidade, lamentava áquelles homens abroquelados
*col. a, p. 3
no seo fanatismo, eivados da torpeza * do crime, enrijados na couraça bronzea de uma
95
coragem indomavel. Não n’os culpava a elles, os esquecidos por tres seculos de
civilização. Lastimava e sentia no seo coração de patriota e de brazileiro, a sorte do
soldado digno de melhor campo de batalha, digno de melhor morte que não a ingloria
nas barrancas e nos desfiladeiros dessas Termophylas defendidas até o extremo pelos
100
Leonidas295 de bacamarte.
Voltando de Canudos, segue para a Escola Militar onde termina o curso brilhantemente e
recebe o galão de alferes-alumno. Regressa ao torrão natal de onde vivera affastado tantos
sabendo da traição, Leônidas manteve os espartanos, que durante três dias mataram 20 mil persas, e dispensou o restante do
exército. Para aqueles que ficaram, ele disse: "Almocem comigo aqui, e jantem no inferno". Leônidas sabia que sua morte era
certa, mas resolveu ficar e morrer lutando, pois nenhum espartano voltava fugido para sua cidade. Conforme sua própria
filosofia, ou voltavam vitoriosos, ou mortos em cima de seus escudos.
84
annos na conquista de seos ideaes; viera gozar o fructo do seo trabalho no remanso
amoravel do lar, no convivio dos seos velhos paes e de seus estremecidos irmãos.
105
Entrou para a nossa Aggremiação, de que foi um dos lutadores mais decididos, affirmando,
positivando, dia a dia, seus peregrinos dotes intellectuaes na prosa e no verso. Foi então que
podemos, de perto, avaliar a grandeza de sua alma, os nobres sentimentos que a
aformoseavam, a sua intelligencia solidamente cultivada, os seos ideaes largos, e sobre
tudo, o seo caracter immaculado.
110
Desvendou-se-nos em toda a clareza, na intimidade e na convivencia de todos os dias, no
trato e no commercio das ideas, abrindo-nos o livro d’ouro de seo espirito para lermos
todas as maneiras delicadas de seo sentir, do seo pensar e do seo ver.
Consciencia rectilinea, observador imparcial, critico desapaixonado, onde quer que
existisse o poderio do forte contra o fraco, a Justiça torcida e ageitada ao modo dos
115
interesses pequenos, o Direito recalcado ao capricho, a Lei amoldada ás necessidades
ambientes, alli estava a sua palavra, o seo protesto de reivindicação, a invectiva de sua
penna adestrada, tanto no talhar do alexandrino sonoro e suggestivo quanto no verberar
as investidas e os assaltos a esses principios sagrados. Isto feito com larguezas de vista
percuciente, sem as sentimentalidades falsas de espiritos timidos e dobradiços.
120
A invulnerabilidade de seo caracter, a immaleabilidade de seo dever amaciadas pela
doçura e pela bondade, avigoradas pela seiva de sentimentos grandiosos faziam-no um
exemplo vivo e bello de acrysoladas virtudes. Nunca por seus labios passou uma phrase,
*col. b p. 3
uma expressão, um conceito que não fossem *depurados nos cadinhos purificantes da
Verdade.
125
Soldado, sonhava a Paz como um eterno manto radiante e resplandescente, cahindo
sobre a Humanidade numa uncção divina de refrigerios, num banho caricioso o ineffavel de
engrandecimentos supremos; sonhava a Humanidade expurgada de todas as culpas limpa
de todas as manchas, milagrosamente rejuvenescida nas agoas purificadoras dessa
piscina – Lazaro millenario exsurgindo do sepulcro numa gloriosa ressurreição.
130
Homem, estava sempre voltado para esse outro lado escuro da vida onde pulula a
multidão dos nús, dos miseraveis, dos vencidos.
O homem que se debate no crime era um braço de menos para as batalhas flammejantes
do Progresso; o burguez que suga o sangue do proletario era a hydra de mil braços
85
asphixiando e matando as energias da Patria; a mulher que resvala no Erro era a victima do
135
Egoismo que transforma o homem num antro onde se acoutam chacaes; a criança que
cresce no vicio e na miseria era um braço perdido para a construcção da excelsa Cathedral
do Futuro. Tudo isto os seos olhos espirituaes viam, recebiam essas perspectivas tragicas;
elle comprehendia o entrecho desses dramas e scismava nos problemas da Liberdade!...
“Nós precisamos de um banho lustral” era a sua phrase expressiva ao deparar um
140
phantasma da Miseria ou uma cariatide do Crime – expressão profunda traduzindo o
sentimento que lhe pairava nalma[sic], num plenilunio sereno e emocionante de piedade e
de bem!...
Artista, tinha a ancia do Perfeito, do Sonoro; queria o verso e a prosa vibrantes como as
emoções que o abalavam, reflectindo crystallinamente os estados de su’alma ansiosa, os
145
extranhos momentos em que a sua sensibilidade vibrava no evocar uma reminiscencia
querida do Passado, no recordar um trecho florido e fugitivo de sua adolescencia, de sua
mocidade.
Tinha nos instantes em que o Artista penetra essa Região azul e oiro da Phantazia, em que
elle se perde na Abstracção e na Scisma sob a força poderosa de emotivas concentrações,
150
o desejo inquietante de traduzir numa linguagem vibratil, malleavel, concisa, tudo o que se
*col. a, p.4
agitava no Pensamento, linguagem que tivesse melopéas, surdinas, *orchestrações, toda a
plangência infinita da Lagrima, todos os gritos vermelhos da Dor. Queria que na hora da
Saudade o verso plangesse numa dolencia evocativa de Angelus; que na hora da Alegria,
essa alegria toda espiritual, pura, que não a que se estampa em esgares e gargalhadas
155
balofas de clown, no rosto dos que só conhecem a vida pelo seo lado ficticiamente luminoso,
queria nessa hora o verso cantante, risonho, num harpejamento ruidoso de campanarios em
festa!... Anceiava descer ao fundo das almas, abrir-lhes um rasgão para prescutar as
indefinidas vibratibilidades, os mais pequenos estados emocionaes, os mais imperceptiveis
traços, os modos de ser e de sentir como quem aspirasse abrir um rasgão no Oceano para,
160
debruçado sobre o seo fundo singultoso, prescrutar as suas revoluções e os seos movimentos
incessantes e eternos. Uma paysagem que a sua vista abrangesse, clarinante de sol, gorgeante
de passaros, elle a queria com suas tonalidades e perspectivas fulgindo dentro da Estrophe.
Suggeria-nos o pensamento eschylliano de que o Artista deve ser o Zeos no Olympo
acorrentando o Prometheo da Idea no Caucaso ciliciante da Forma. O seo estylo é claro,
165
vibrante, sincero, simples de uma simplicidade que não é trivial. Quem ler o Raymundo,
86
Epilepsia do Amor, Alma Sequiosa, e outras publicadas na Nova Cruzada e em muitos
jornaes, sentirá a delicadesa da idea casada á sonoridade da phrase, ao vigor da expressão; a
propriedade do termo, casada á sobriedade. Os seos versos estão impregnados de um
lyrismo sadio, delicioso, brazileiro. Quanta belleza e sentimento nesses tercetos.
170
Um dia me beijaste e allucinado,
Tonto de amor, de febre desvairado,
Cahi virgem de todo nos teus braços
E adormeci no valle dos teos seios...
Quanta ventura nesses dias cheios
175
Dos meos assombros e dos teos abraços!...
Assim, gozavamos o beneficio de tão grande amizade e de tão bella e venturosa
convivencia, quando o invicto 16 de Infantaria partio para as terras longinguas do Matto
Grosso, em defesa do territorio nacional.
Vimol-o seguir convicto de seo dever, sereno e forte para a luta onde o seo patriotismo ia
180
inda uma vez affirmar-se. Um anno depois abraçamol-o contentes e felizes. Pouco, porém,
durou esta alegria.
*col.b, p. 4
*Parte de novo para a Capital da Republica e, depois de alguns dias fruidos na paz bemdita
do lar que tanto adorava, segue a seu pedido, para o Amazonas com destino ao alto Perús. A
nova de uma invasão peruana sobresaltava [sic] a Nação. Lopes Ribeiro marchava
185
imcorporado [sic] ao 33 batalhão de Infantaria.
Mesmo atravez de todas as difficuldades, vicissitudes e perigos de uma viagem penosa
que tão funesta lhe havia de ser, o nosso chorado Irmão não descançou. Relata-nos em
paginas claras e fulgentes de estylo aprimorado as impressões que recebera ao subir o
Amazonas.
190
“Emquanto subia o Amazonas sentia envolver-me a grandeza desmesurada do colosso
que, insinuando-se nas mattas ribeirinhas, tinha como limites marginaes uma orla de frondes
virentes, pelucia verde rutilando ao sol, e feita, dir-se ia, de dois infinitos camalotes entre os
quaes o vapor singrava; raro surgia uma cabana, aqui denominada barraca, construida de
lascas ou talas de palmeira e coberta de palhas, por baixo da qual o rio se estendia, rente ao
195
soalho da paxeiuba; uma canôa á porta, uma mulher e varias crianças enfezadas e chloroticas
sobre uma estiva alta de um metro, acocoradas e immoveis, pensativas e tristes como
87
cegonhas, na contemplação desse humido e viscoso deserto voraz e traidor, condemnadas
á immobilidade e ás scismas na quadra do movimento, da irreflexão e dos risos, flores que
fenecem, fructos que peccam numa primavera que se fez outomno; adeante, proximo da
200
margem, um homem, immovel, sentado á prôa de uma canôa como elle immovel, de arco
prompto e olhar fixo, espera que surja ao alcance da setta, presa a um fio, a tartaruga
salvadora que lhe quebre a monotonia do pyrarucú secco e das conservas doentias. Depois o
Purús e outra a perspectiva. Elle já se despejara quasi todo no Amazonas; como fiel
tributario, quase todo se dera ao gigantesco tucháua destas regiões e offerecia o espetáculo
205
de suas praias desnudas, de seos barrancos barrentos e cavados, num capricho idiota de
incoherentes curvas e de estirões desorientados que tudo elle reforma e procura simplificar de
anno para anno, cavando saccadas e formando lagos em sua obediencia fecunda ao principio
da sua rectitude”.
*col. a p. 5,
210
Descreve-nos em phrases tocantes e, contristadoras o estado sanitario de dez *batalhões
‘do sempre glorioso e sacrificado exercito Nacional constantemente votado ao
martyrologio, ‘victimas do beriberi e da febre aos quaes chegou a faltar mais de um dia
um simples sal de quinino.”
São delle estas palavras pungentes “O que podemos affirmar é que nos retiramos
daquella casa de soffrimento, levando a impressão de haver assistido a uma hecatombe
215
horripilante, e, dentro de nossa alma velada pela tristeza, a, imagem desalentada da Patria,
ferida de morte, no abandono da indigencia, se nos afigurou amortalhada já nos farrapos
esgarços da farda de seos defensores”.
Ainda assim triste e acabrunhado pelo que vira, perdoava “os erros do momento” na
inteira convicção, na fé inabalavel de que o restante daquelles bravos, faces nunca voltadas
220
á imminencia do perigo, peitos nunca voltados ás rajadas da morte, sustaria com a força
indomável de seos braços de heroes o arrojo tempestuoso de esquadrões inimigos; faria
retroceder o passo e dobraria a cerviz do estrangeiro ousado e sacrilego que tentasse pisar
o solo sacrosanto da Patria; esses heroes desprezados, como elle proprio diz, iriam, os que
escapassem constituir a trincheira valorosa sobre a qual se quebraria a onda desleal dos
225
invasores estrangeiros.
Mas, ah! Senhores, o golpe mais cruel, mais duro, mais lancinante que lhe traspassou
lado a lado a alma, agoniando-a, amargurando-a, desolando-a, foi que os seos companheiros
88
d’armas não iriam empenhar a vida pela defesa nacional!... Era tudo mentira!. Fôra
verdadeira illusão a de quebrar, á força de heroismos, a onda desleal dos invasores
230
estrangeiros[.]
Com aquella imparcialidade que lhe era peculiar, indagando, inquirindo, observando,
pondo-se ao corrente dos factos que de ha muito se desenrolam naquella riquissima zona
longinqua, transmittio ao paiz pelo Diario de Noticias deste Estado, sob o pseudonymo de
Patricio Stelio, a illusão da pretendida invasão peruana. Elle denunciou á Republica que um
235
grupo de desordeiros e bandidos, capitaneados por um brazileiro desalmado, anda roubando
e assaltando os pacificos trabalhadores do alto Purús, saqueando e incendiando-lhes as
habitações. Incapaz de uma mentira, levando o culto da verdade até o sacrificio, elle provou
*col. b, p. 5
com factos irrefragaveis, de uma realidade *cruel, as depredações, os assassinatos feitos
em nome da Patria; que o que creara a phantazia de uma invasão peruana se fizera alli o
240
defensor estrenuo dos interesses nacionaes recebendo armas para o trucidamento de irmãos
e estrangeiros.
Dizem as suas palavras revestidas de justa indignação:
“As sepulturas em que dormem nas margens do Purús e do Rio Negro soldados
brazileiros, a cruciante amargura que revolve o seio de uma pobre mãe, de uma saudosa irmã
245
e das innocentes creaturinhas que a orphandade empolga, a téla negra que é hoje um veo
asperrimo de desolada viuvez, não são o golpe sangrento do peruano que invade, são a obra
infame e negra do salteador que violenta e rouba”.
A penna de Lopes Ribeiro revelou-nos estas verdades que não passariam despercebidas,
nós bem o sabiamos, tal era o espirito de Justiça que o caracterisava.
250
Mas uma vez, sobre o manto sagrado da Patria cahe o sangue forte dos seos proprios
filhos, Mater Dolorosa assistindo, muda e crucificada na sua agonia, o conspurcamento de
suas tradições, de seo passado glorioso e de seos louros immarcessiveis.
Ella, porem, surgirá sempre victoriosa e triumphadora, guardada pelas legiões invenciveis
da Mocidade, que a fará forte dentro de seos limites e respeitada fóra de suas fronteiras. O
255
povo que lhe escreveo a Illiada de 23 nos plainos de Pirajá, que lhe traçou as Epopéas de
Humaytá e Riachuelo e lhe estrellou a fronte com os sóes de 13 de Maio e de 15 de
Novembro, transmitio-nos o mesmo amor e a mesma fé impolluta para levarmos pelas areias
do tempo, para a Palestina do Futuro, a arca inviolada de suas glorias. “A rocha viva de
89
uma nacionalidade” enrijada no patriotismo e na liberdade, no Direito e na Justiça não se
260
fragmenta, não se esborôa; abalada, ruirá por inteiro.
Mas, quando esses collossos desabam, a Historia, como o propheta sobre os escombros
de Babel, levanta-se e brada ao mundo: aqui agitou-se um povo!
..................................................................................................................................................
Eis em traços pallidos, ligeiros, desalinhados, a vida do intimorato moço, do nobre soldado
265
do exercito nacional! Toda ella foi um poema de Abnegação e de Dever. A sua espada nunca
*col.a, p. 6
se fez punhal, penna com que escreveria as Odysséas da Victoria; *a sua penna nunca fôra
vendida, espada fulgurante com que batalhara na sua arena das Idéas.
O ideal da Patria foi-lhe o pharol acceso, illuminando-lhe o caminho; a alvorada que o
deslumbrava, o sonho supremo e divino que lhe cantava. É-lhe applicavel a legenda do
270
solitario da gruta de Macau:
Para cantar-vos mente ás Musas dada
Para servir-vos braço ás armas feito.
...............................................................................................................................................
Moço, do bloco inteiriço do teo caracter, da grandeza dos teos sentimentos, do teo
275
exemplo de patriota e de brazileiro, nós iremos fazendo monumento imperecivel levantado
dentro de nossa alma! Para elle nos voltaremos sempre que dermos um passo ou precisarmos
de um pharol que nos guie na senda invia e escabrosa da vida!..
Tua memoria, teo nome, ficarão, por todo o sempre, custodiados e venerados cultualmente,
na ambula sagrada de nosso coração, invocados nos grandes e solemnes momentos da
280
Saudade e da Recordação; para elle voltar-se-ão a nossa Tristeza e a nossa Prece,
espiritualisadas num profundo sentimento de Amor.
*col. b, p. 6
*Viverás comnosco na communhão espiritual de nossa Fé, ungindo-nos com os Santos
oleos da tua Bondade!
Ver-te-emos sempre onde quer que haja um soluço, uma alma que sinta, um coração que
285
gema, um rosto banhado de lagrimas!..
Neste jornadear incessante, neste mourejar de todos os dias, lutando, trabalhando pela
victoria da Arte, foste, entre nós, um soldado estrenuo, um campeão affeito ao combate.
Esta singela e humilde homenagem não exprime somente um dever de associação: é uma
romaria espiritual, é um culto civico rendido ao teo Espirito de Eleito, de Abnegado e de
290
Forte.
90
Dorme Irmão e Amigo!
Quando pelas quebradas de nossas serras altaneiras echoar, offegante, o hymno da guerra;
quando, para o cumprimento do mais sagrado dos deveres, a Patria congregar os seos filhos
á sombra do glorioso pavilhão; ver-te-emos sereno, grande, altivo, marchando ao lado dos
295
que forem morrer pela Justiça e pela Liberdade!...
Irmãos! gloria ao poeta e ao soldado!
Soldados! gloria ao soldado brazileiro!
4.3.2 Estudantinas – Leitura crítica sobre a obra de Alvaro Reis
4.3.2.1 VERSÃO NC
SALLES, Arthur de. Estudantinas. Nova. Cruzada.
Salvador, ano 4, n. 6296, p. 1-3, set. 1905.
Texto crítico com 228 linhas distribuídas em duas colunas, impresso em tinta preta,
ocupando as p. 1 a 3 do fascículo. Mancha escrita medindo 150 x 140 mm na p.1 e 202 x 141
na p. 2, cada uma com duas colunas. Na p. 3, apenas uma coluna com 166 x 67 mm. Na p.1, o
texto é precedido pelo nome do periódico – em tipos grandes, ao lado de uma ilustração –, o
qual é impresso entre a indicação de número e data do fascículo, na borda superior da página,
e a indicação de local de publicação, antecedendo o início do texto. Na página1, L.1, col. a, o
título, centralizado, em maiúsculas destacadas por fonte maior, ESTUDANTINAS e na L. 2,
à direita, a indicação da autoria da referida obra, e a sua origem, em maiúsculas de tipos
menores que os do corpo do texto: ALVARO
REIS – BAHIA. Na L.3, iniciando o
parágrafo, a palavra HA, em maiúsculas, com destaque para o H, ornado e em negrito,
ocupando um espaço correspondente a três linhas. Na coluna da p. 3, à L. 42, à direita, em
itálico, a indicação de autoria do texto: Arthur de Salles. Após o término da mancha escrita,
uma ilustração de uma paisagem campestre: três pássaros bebem água em um tacho, diante de
um casebre. Suporte amarelado pelo tempo.
4.3.2.2 Classificação estemática.
A versão NC, única de que se dispõe, serviu de base para a edição, com o seguinte
estema:
O
NC
edição.
Fig. 2. Estema da edição de EST297.
296
Exemplar encontrado no acervo da BPEB.
91
4.3.2.3 TEXTO
col. a, p.1
ESTUDANTINAS298
ALVARO REIS299 – BAHIA
Ha quatro annos que o nosso espirito, alentado pela seiva poderosa de ideaes
nobilitantes ruma para esse paiz mysterioso da Arte, sopeando entraves como quem
5
vinga montanhas abruptas ou abre uma estrada no intrincado bravio de uma floresta.
Quatro annos sem que o nosso esforço affrouxasse ou diminuisse de intensidade,
sem que as nossas energias se esvanessessem, embora o vehiculo de nossos pensamentos, que é também a historia e o roteiro de nossa perigrinação de Sonhadores,
10
tenha sido, maugrado nosso, contrariado na sua marcha pela influencia fatal de
circumstancias[sic] inalienaveis. Mas, nesse espaçar de mezes em que elle parece ter
parado em meio da viagem, as nossas forças concentram-se, as nossas vistas não se
affastam do alvo sonhado e elle apparece agora sem nada ter perdido da primitiva
envergadura que lhe demos com a qual affrontará todas as bravezas do caminho por
15
tamanhas que se lhe antolhem.
E assim é que no campo aberto pelo esforço e pelo amor para o desdobramento de
nossos ideaes e para o triumpho supremo de nossos sonhos, floresce mais um louro,
canta-nos n’alma a vibração solemne e proclamadora de mais uma victoria: este
formoso livro de versos que Alvaro Reis cinzelou com carinho e onde a sua alma
20
desbordante de lyrismo e de sentimento palpita e se desenha em cada soneto, em cada
poesia. Sem pretensões sem affectações estylisticas, fugindo ao trivial, numa
*col. b
*linguagem correcta, harmoniosa e sincera vae deixando por toda a obra, bem
delineadas e seguramente expressas, as multiplas modalidades de sua organização de
poeta. Caracterisam-lhe[sic], a demais, a simplicidad[e] adoravel de que se revestem
297
Dados importados da Dissertação de Mestrado (PEREIRA, Norma Suely. Um punhado de versos e páginas
de prosa..., op cit.)
298
Texto crítico sobre obra homônima do neocruzado Alvaro Reis.
299
Álvaro Borges dos Reis (Bahia 1880-1932), poeta, tradutor, diplomado em medicina e em farmácia. Publicou:
Estudantinas (1904), Pátria (1914), Lusitânia (1922) e O beijo das raças (1923), colaborou em diversos
periódicos. (COUTINHO Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira. 2.ed. rev.,
ampl., atual. e il. sob a coord. de Graça de Coutinho e Rita Moutinho. São Paulo: Global Editora; Rio de
Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional / DNL; Academia Brasileira de Letras, 2001. s.v).
92
os seos versos, a musica que delles se evola e sobre tudo a verdade de expressão no
25
desenhar uma paysagem ou no exprimir uma idéa. A este conjuncto de qualidades
nobres que lhe exornam o caracter artistico e que tornam bella a sua obra em todos os
seus lineamentos, allia-se uma imaginação viva e brilhante.
As Estudantinas dividem-se em tres partes: Nascentes, Caniculares e Poentes.
30
Na primeira ha bellissimos sonetos como Intima, Fragas, A Sós, A Beira-Mar e os
tres sonetilhos300 septisylabos Manhã, Meio-dia e Entardecer, Só, Sobre as Ondas.
Em todos elles predomina um lyrismo delicioso e rico de emoções.
Transcrevamos Fragas.
35
Veleja o brigue  As brisas marinheiras
Sopram ruflando os pannos do velame,
E a voz dos ventos surdamente brame
A voz do mar nas rochas traiçoeiras...
Corre o brigue veloz  range o maçame
40
Ás manobras de bordo mais ligeiras 
Azas abertas, pandas, condoreiras,
Deixando após o espumarado enxame...
Mas, eis que de repente, impetuoso,
Bate de encontro a rochas invisíveis
45
E depois... calmo o céo, tudo bonança,
O mar sereno, limpo e magestoso!
 Assim tambem de encontro aos Impossiveis
Quantas vezes naufraga uma Esperança!
Quem, nesse oceano revolto da vida, não já sentio a verdade dolorosa destes
50
versos?!
A Caniculares dá-nos esplendidas descripções como:
col. a, p.2.
Reconcavo, Paysagem Oriental, *sonetos artisticamente sentidos, poesias
lavoradas com esmero. Morena, Rei-Mar, Hierarchico e outros demonstraram-no
claramente.
55
300
As palavras os tres sonetilhos aparecem juntas no periódico.
93
O Sonho do Canhão é uma poesia vibrante; o poeta deu-lhe alentos épicos: dorme
o velho canhão no dorso da fortaleza onde a vaga bate noite e dia, bramindo; descança
abandonado, recordando os tempos da guerra em que pela sua guela hyante sahia o
vomito de fogo:
60
<<A mensagem formal emissaria da morte>>.
Cresce, enlaçando-o, a parasita e mostrando-lhe as campanulas rubras,
<<Qual junto ao velho emir estende ás mãos trementes
A taça estonteante a escrava favorita>>.
As campanulas aguçam-lhe a saudade da guerra.
65
<<Quem lhe dera a beber o tonico de ferro!
Encher a transbordar campanulas de sangue!>>
Scisma e sonha ver as galeras e as naus, desapparecerem no oceano abertas pelas
balas; a agitação, o barulho tonitruoso das carretas, o retintim das armas chocando-se,
toda a movimentação sinistra da guerra.
70
E como uma lembrança querida do passado que o tortura e entristece, evoca:
<<Bello tempo feliz! entufada de velas
Toda a arena do mar em luta formidanda...
E o renhido embater dos cruzeirros da Hollanda
Sobre as naves da Hespanha e as luzas caravellas>>
75
Hoje, abandonado, tem somente o mar que lhe ruge aos pés, os pios da coruja e
<<O enfadonho bater das azas do morcego>>.
Talvez que o velho bronze desperte e retumbe como outrora no acceso das
batalhas.
Dorme, pois, bronze inerte, envolvido em tristeza
80
Que algum dia talvez se realise o teu sonho!
E despertes, de sús, estrondoso e medonho
No dorso collossal da velha fortaleza!
Por estes magestosos alexandrinos, podemos aferir a organisação poética do
94
auctor das Estudantinas.
85
Temol-o aqui vibrante; mais adiante delicado e suave em Odio e Amor e em
Intangivel. Neste delinêa-se a paysagem da alma insolada pelo desejo irrealisavel que
estúa ardente como a terra abrasada aos raios do sol impolgavel...
É o supplicio agrilhoante do sonho de Moysés, condemnado a gosal-o somente
*col.b p.2
90
de *longe, na fugitiva visão da Chanaan intangivel.
INTANGIVEL
És para mim o pomo prohibido...
Eu bem o sei! mas, apezar de tudo,
Meu coração, n’um brado extranho e rudo,
Revoltado de amor, de amor ferido
95
Para onde estás impelle-me! e, comtudo,
Fico tremulo, extatico, esquecido,
Em contemplar-te, oh pomo appetecido!
Em contemplar-te tristemente mudo...
Mas, se os meus labios nem uma palavra
100
Podem dizer-te, o meu olhar procura
Mostrar-te o incendio que em meu peito lavra...
O leão do desejo que supplanto!
Toda a afflição, toda a intima tortura
De não poder te amar, te amando tanto!
105
Nos Poentes brilham composições inspiradas: Reflexos vivos, Dous Oceanos,
Ausencia, Alcoolatra, Oceano Aretico e este adoravel e evocativo
ESTUDANTINA
Noite de Hespanha. Na amplidão etherea
Brilha serena e branca a lua cheia...
110
Tudo em baixo na terra delinêa
A intensa luz da alampada [sic] siderea;
De longe, vem, na ondulação aerea,
Confusa vozearia que se altêa;
95
Ouve-se um canto alegre, outro que ancêa...
São de estudantes serenando, em féria.
115
Segue cantando á luz da lua branca,
A divertida e tarda estudantina,
Pelas ruas sem fim de Salamanca;
E surgem, se divisam, debruçadas
Nos varandins abertos á surdina,
120
Sombras, perfis de moças namoradas...
Ornam ainda o livro bem trabalhadas traducções de obras francezas de Pethion de
Villar, Phileas Lebesgue e Heredia, o glorioso parnasiano dos Tropheos. Quem cotejar
as obras destes auctores com as versões do poeta verá que elle se inteirou da idéa e a
125
transportou para o vernaculo com verdade, harmonia e belleza.
Vejamos o
PÔR DO SOL
(HEREDIA)
Os rutilos sarçaes, joias da penedia,
Douram todo o alcantil que o poente enrubesce;
130
Longe, ainda a brilhar pela extensa ardentia,
Nasce o infindo oceano onde a terra fallece.
Cae a sombra, o silencio. O ninho se emmudece;
E chega o camponez á choupana alvadia;
Só o Angelus na bruma, abalando, une a prece
135
Á alta oração do mar, monotona e sombria.
col. a, p.3
Qual do seio sem fim de um abysmo escarpado,
Das grotas dos sirgaes, sobem vozes do vento
De pastores tangendo o rebanho atardado;
140
A noite ensombra o céo  rico e empanado espelho 
E o sol fecha, ao dormir, no horisonte nevoento,
As varetas reaes do seu leque vermelho.
Como se vê, a estréa de Alvaro Reis é uma das mais auspiciosas. As justas
referencias que elle tem recebido da critica imparcial e sensata deste e dos outros
96
145
estados e tambem do extrangeiro provam-no, sobejamente. Theotonio Freire301, olhar
arguto e percuciente em cousas de Arte, individualidade cujo destaque avulta
soberanamente no quadro das letras patrias, assim se exprime: “Nesse travar continuo
de renhidos combates, nesse luctar sem treguas pela conquista de louros, sempre
novos e verdejantes, o Sr. Álvaro Reis vibra de esthesia em esthesia, percorre
150
a gamma quasi infindável das sensações, e de trabalho em trabalho revela nos sempre
uma nova face de seu talento de bom fazedor de versos. Estes lhe saem correctos,
fluentes, sem grande esforço e mais ou menos revestidos da farfalhante roupagem do
estylo”.
E terminando a sua brilhante noticia, diz: “Estudantinas é a promessa formal
155
de um bom poeta”.
Foi isto o que uma critica malavisada não vio no desacertado e no disparatado
de suas affirmativas e negativas, cabriolando, ás tontas no labyrintho de suas
contradicções e incongruencias sophomaniacas.
Assim, alargando o circulo de suas vistas estheticas, cultuando fervorosamente
160
a Arte, sentindo a sua obra, o nosso querido Companheiro irá, nós o cremos,
caminho de um futuro fulgente, fechando os ouvidos ao barulho surdo e confuso que
por acaso, e só por inconsciencia, lhe soar em torno.
301
Manuel Teotônio Freire Filho (Acari (RN) 1865 - Recife (PE) 1917) poeta, romancista, jornalista, crìtico,
contista, diplomado pela Escola Normal do Recife. Escreveu sob o pseudônimo de Américo Yetim, Castor,
Laura da Fonseca, Yetim. Publicou: A república (1884), Ritornelos lìricos (1889), Lavas (1890), A esmola da
justiça (1902), Cartas e crônicas (1903), Pátria (1908), entre outros. Foi redator dos Arquivos do Norte, entre
1892 e 1900 e da Revista Contemporânea entre 1894 e 1896, ambos do Recife. (COUTINHO, Afrânio; SOUSA,
J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira. op. cit., 2001. s.v).
97
4.3.3 Discurso official 302[proferido em homenagem a Xavier Marques303]
4.3.3.1 VERSÃO NC
SALLES, Arthur de. Discurso official. Nova
Cruzada. Salvador, ano 5, n. 11304, p.4-7, out. 1906.
O texto possui 382 linhas, distribuídas em duas colunas, impressas em 4 páginas.
Mancha escrita medindo 43 x 68 mm na col. a da p. 4, e 204 x 68 mm na col. b. Nas p. 5 a 7,
a mancha escrita é de 204 x 140 mm em cada uma. Suporte bastante amarelado pelo tempo,
apresentando pequenas perfurações sugestivas da ação de insetos, que, no entanto, não
prejudicam a leitura. Na col. a, p. 4, L.1, inicia-se o texto com uma letra ornada, o P, de
Paragem, de tamanho maior que as do corpo do texto, ocupando o espaço correspondente a
duas linhas. Na L. 12 da col. b da p. 5, três asteriscos marcam uma divisão no texto. Também
neste texto, observa-se a singularidade no uso das maiúsculas, como em Ideal, Belleza,
Alegria e Graça, L. 6 e 7 da col. b, p. 4, e na pontuação, com o uso de exclamação seguida de
reticências: L. 7, col. b, p. 4, L.3, col. a, p. 6, e L. 5, col. b, p. 7.
302
O aplaudido discurso foi proferido durante o “Carmina Triumphalia”, festa realizada pela Nova Cruzada, em
homenagem ao poeta Xavier Marques, cavalheiro de honra da agremiação, ocorrido no dia 9 de setembro de
1906, às 18 horas, no Lyceu de Artes e Officios, na qual compareceu, além dos neocruzados, a fina flor da
sociedade baiana. Foi dito, na ocasião, que o Virgilio Lemos, da Gazeta do Povo, tencionava publicar em livro
todos os discursos e poesias recitados nesta festa. (NOVA Cruzada. Salvador, ano 5, n. 11, p. 3, out. 1906). No
levantamento de fontes empreendido, foram localizados apenas os dois testemunhos publicados em periódicos.
303
Francisco Xavier Ferreira Marques (Itaparica (BA)1861 - Salvador 1942) Embora tivesse apenas estudos
primários, logrou adquirir grande cultura pelo seu esforço. Foi jornalista, ensaísta, poeta, romancista e biógrafo.
Foi também redator e colaborador da Imprensa de Salvador, funcionário público e deputado federal. Membro da
Academia Brasileira de Letras (1919). Sua obra ficcionista é das mais representativas na área praiana baiana.
Publicou, entre outros: Temas e variações 1884 (poesia), Simples histórias 1886 (ant.), Uma família baiana 1888
(rom.), Insulares 1896 (poesia), Jana e Joel 1899 (rom.), Pindorama 1900 (rom.), Praieros 1902 (nov.), O
Sargento Pedro1902 (rom.), Vida de Castro Alves 1911 (biogr.), A boa madrasta 1919 (rom.), Cultura da
Língua Nacional 1933 (filol.), Evolução da crítica literária no Brasil e outros estudos 1944. (COUTINHO,
Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira. op. cit.., 2001.s.v).
304
Exemplar locaizado no acervo da BPEB.
98
4.3.3.2 VERSÃO GP
SALLES, Arthur de. Discurso official. Gazeta do
Povo. Salvador, ano 2, n. 338305, p.1-2, 12 set. 1906.
Texto com 510 linhas, distribuídas em quatro colunas, impressas em 2 páginas.
Mancha escrita medindo 487×0,53mm na col. a da p. 1, e 585×0,53mm nas col. a e b e
273×0,53mm na col. c, da p. 2. Suporte bastante amarelado pelo tempo, apresentando
algumas letras apagadas, que, no entanto, não prejudicam a leitura. O texto está inserido em
um artigo maior, assinado pelo neocruzado Roberto Correia, sob o título geral de Xavier
Marques, grafado em detaque na L. 1, da primeira coluna, p. 1. No primeiro parágrafo da
coluna, em oito linhas, o comentário do redator sobre o discurso, sua autoria e data de
pronunciamento. Após a transcrição do discurso, no final da quarta coluna, sob o subtítulo “A
nossa festa”, grafado em maiúsculas, a transcrição do soneto distribuído no programa da festa
e recitado, na ocasião, pelo neocruzado Alvaro Reis. O texto traz variação em relação ao da
versão NC, o que pode ser indicativo de correção pela redação do jornal.
4.3.3.3 Classificação estemática.
A versão NC, apresenta-se mais completa que a GP, muito embora esta seja de data
mais recente em relação à alocução. Desse modo, utilizou-se a versão NC como base para a
edição, que traz as variantes da versão GP em aparato crítico à direita do texto. A edição tem
então o seguinte estema:
O
NC
edição.
Fig. 3. Estema da edição de DXM.
305
Exemplar locaizado no acervo da BPEB.
99
4.3.3.4 TEXTO CRÍTICO
[Discurso Official de Arthur de Salles]
*p.4 col. a
Paragem luminosa da Historia que a alma evoca e busca
anciosamente, quando, por algumas horas, liberta das tangibilidades terrenas, alça o vôo triumphante para esse fundo remotis-
5
*p.4 col. b
simo das Eras, na revivescencia sagrada das coisas mortas;
*estancia de paz e de saudade, que para certos espiritos profun-
GP que, (seguido de vírgula).
damente tocados de sonho, é um cyclo da vida vivido subjectivamente, livre, no tempo e no espaço, sem os truculentos pezadellos
da Realidade; fonte do Ideal e da Belleza, da Alegria e da Graça,
10
a Hellade gloriosa!...
De há muito emmudeceram as aguas cantantes de seus rios
sombreados de salgueiros e de myrtaes em flor; as nayades não
cantam mais e as oreades não correm por entre as sebes e os
loureiraes perseguidas pelos faunos coroados de parra e de pampano. GP loureiraes (l apagado)
15
Despovoaram-se os prados alfombrosos ridentes de eterna primavera por onde os pastores deixavam pascer o rebanho; e os sons
da frauta de Pan morreram nos sombrios reconcavos dos valles,
não mais repercutem no viso das collinas contemplativas, nem se
derramam pelos ares merencoreos da hora tristonha dos esmoreci-
20
GP dos dos (repetido)
mentos do dia.
Consummara-se a tragedia estupenda do Calvario – baliza
soerguida entre um mundo que se estorcia e morria, ferido pela
GP Consumara-se
GP extorcia
luz da nova Idea, e outro, que se desdobraria, largo e amplo,
aureolado pelo esplendor da philosophia do humilde filho do carpin25
teiro de Nazareth.
Aquelles que beberam o amôr, a justiça, a liberdade nos evagelhos profundos de suas parabolas immortaes, nos jordões inexhauriveis do seu perdão e da sua misericordia, consummada a grande
obra, foram, cidades a dentro, pregando e evangelizando. E o
30
verbo suave e manso do louro essênio chegára aos ouvidos dos
Deuses num regougo ullulante de cem batalhas; e elles, transidos
de espanto, tomados de pavor e de mêdo, morriam envoltos nas
suas chlamydes resplandescentes, levando o encanto divino da
GP pregando
100
Vida, a Illusão doirada, a Chiméra seductora.
35
Partiam-se as tripodes das pythonissas, calavam-se os oraculos,
as nymphas e os tritões expiravam no fundo entristecido e desolado dos mares. Pelos pendores dos montes, pelas escarpas das
montanhas sagradas ergue-se-iam os mosteiros severos, as grutas
dos anachoretas, os refugios dos eremitas, para as macerações da
40
GP cenobitas / anachoretas
carne, para os delirios da ascese, para o esquecimento da Vida.
Naquelles tempos em que a alma pagan ria e cantava, os gregos
* p.5
reuniam-se na Eolida *para a festa nacional das olympiadas. Os
col. a
vencedores recebiam as palmas do triumpho por entre as acclamações das cidades congregadas.
45
Pindaro enaltecia-lhes o valor, Phidias esculpturava-os para
GP esculptava-os
que ficassem na memoria dos vindoiros.
Revivemos na imaginação aquellas festas em honra de Zeus
Olympico e celebramos esta olympiada branca do amor em honra
da Athenas Brasileira.
50
E para celebral-a, eis-nos sob o zimborio glorioso deste templo
GP E, (seguido de vírgula)
do Trabalho, que umas almas boas e grandes, eternas na memoria
das gerações, levantaram para o consolo balsamico de muitas
almas.
Nas suas naves augustas, paira a poesia profunda e solenne do
55
passado, infiltrando um sentimento emocionante de evocação, um
grato recordar de lutas incruentas, de risonhos alvoreceres de
victorias e de refulgências e loiros immarcessiveis, colhidos nesses combates pujantes de civilização. Sentimos, envolvendo-nos
numa resplandescencia olympia, a claridade perenne de suas
60
glorias, o fulgor inextinguivel de suas tradições. E mais do que
nunca se nos afigurou tão grande, nem tão majestoso se nos descortinára qual se nos mostra hoje, com o seu frontão severo e vetusto, suas estatuas brancas e frias, avivadas no sopro immorredoiro da Arte, as suas salas e as suas officinas onde o hymno épico
65
e forte do Trabalho passa rumorejando nas almas. E nenhum outro
nos serviria no momento que se nos depara: pagode de Brahma,
que pompeasse na opulencia dos seus orientalismos, ou mesquita
GP affigurou
101
que se alteasse imponente, apunhalando o azul com as cristas
esguias dos seus minaretes. É que para as homenagens ao Merito
70
se faz mister a majestade dos Templos do Trabalho – centros ruidosos da Vida, de onde o homem contempla, como o viajor, do
GP vida (com minúscula)
fastigio de uma montanha, o extensissimo caminho percorrido, a
sua marcha ascensional pela estrada infinita do seculos, desde que
se diatanciára da caverna e levantára as pedras brutas para o seu
75
primeiro esconderijo, até as idéalizações da Belleza, do Amor e da
GP às
Liberdade.
Busca-o, ainda uma vez, a mocidade, na hora suprema de suas
transfigurações, quando o Dever lhe abre n’alma os irradiamentos
GP abre-lhe
da Justiça.
80
Entra-lhe as portas num regorgitamento transbordante de enthu-
GP regorgitamente
p.5 col. b
siasmos e traz comsigo [sic] alguém que fôra arrancado da paz
abençoada do seu retiro claustral, do recesso tranquillo e remansoso de sua vida, da solidão em que mergulha o espirito de Eleito
para alcandorar-se ás altas serenidades do Pensamento. Traz com85
sigo [sic] o velho campeão das Letras. Seu Nome é uma flammula
de guerra nos arraiaes da Conquista.
Vós todos o sabeis: Xavier Marques.
*
*
*
Dentre a plêiade dos que, há decennios, se alistaram na fileira
90
das letras bahianas e que se tornaram os guardas zelosos de suas
tradições, no dominio da Intelligencia, destaca-se a individualidade triumphante do autor do Holocausto.
Ella é a mais distincta, a mais notavel. Essa distincção e essa
notabilidade avultam mais aos nossos olhos, impõem-se-nos mais
95
GP nossosolhos (junto)
caracteristicas e mais bellas quando inquirimos o meio em que ella
se desenvolvera, se ampliara e se definira – meio baldo de incitamentos, pauperrimo de iniciativas, deserto vigiado pela esphinge
do Indifferentismo, assombrando, como aos laphitas a sombra de
Hercules, a quem por afoiteza lhe tentasse palmilhar os areiaes. E
100
ainda mais: quando attentamos no esforço nobre de que se revestira, na vontade immalleavel de que se blindara para florir essa
GP affoiteza
102
esterilidade.
Tal se nos mostra o lavrador, curvo sobre a enxada a quem o
succeder benefico das estações faltasse á sua seara e que no emtan105
GP a
to [sic] consegue vel-a viçosa e loirejante, á custa da persistencia
do seu braço e do carinho do seu cuidado.
Talhado para essas lutas accesas do espirito, arrebanhara as
energias, acastellara-se nas convicções e puzera-se na faina ardua
e nobilitante.
110
A luta pela vida impõe-se forte, cercam-n-o as vicissitudes, rodeam-n-o, como para obstar-lhe a marcha, mil tropeços. Embora!
GP lucta /
GP rodeam-no
os que são, os que sabem ser, fazem desses entraves a forja em que
se lhes enrija a tempera.
Cresce a luta e com ella a fortaleza e a serenidade. Nada ha
115
mais grandioso do que no auge da tempestade, que referve em tor-
p.6, col.
no, ter-se a alma alvorecida de bonanças. Ser fórte e ser sereno: é
GP lucta
a
de fortaleza e de serenidade que é feita a envergadura indomada e
inflexivel dos Heróes!...
Passa em tropel a turba-multa ruidosa dos nullos para os assal120
tos, nebulosas que não se fazem mundos, no brilho ephemero de
suas glorias de momento. Elle fica sosinho, rasgando fundo, sul-
GP sósinho
cando largo, a mesma leira ingrata e safara de onde ha de rebentar
GP leira
a florescencia de sua seara. E esta irrompe, banhando-o na alegria
GP banhando-lhe
confortadora das compensações.
125
Nesse decorrer de annos em que elle moireja e trabalha, clausurado na sua modestia, votado ao culto do seu idéal, e em que, por
phases successivamente evolutivas, se lhe vae destacando a perso-
GP vae-se-lhe
nalidade, a poesia era quasi unicamente o signal de vida literaria
na Bahia; e no verso vasou as primeiras manifestações do seu
130
talento.
Dahi por deante, nova orientação guia-lhe os passos: a prosa
abre-lhe os mananciaes em que a sua inspiração vae buscar os assumptos dos seus romances e de suas novellas. A imitação franceza, devido á influencia do naturalismo com que o grande autor do
135
Rougon-Macquart revolucionara os dominios da Arte, não lhe ten-
GP diante
103
tou a esthesia nem o arrastou para a desnacionalização das letras
patrias. Tinha aqui o filão precioso e inédito que lhe havia de opulentar o escrinio, e que lhe abriria riquissimas jazidas. As scenas
da vida local provinciana, a vida desses humildes lavradores do
140
mar, elle as foi surprehender, traçando-lhes as almas simples, em
GP traçando lhes (s/ hífen)
suas espontaneidades emocionaes, em paginas sinceras de sentimento e de verdade, de observação e de analyse, repassadas de um
um intenso lyrismo brasileiro e de um nativismo sadío e exuberante, porque em toda a obra do narrador do Sargento Pedro vibra o
145
sentimento nacional, vive a vida que vivemos, brilha o céu que nos
cobre, pompeia a flora que nos cerca, canta este pedaço do Atlantico que ruge nas penedias, espuma nos alcantis, rebôa na soturnidade das noites, accordando o silencio absoluto das praias ermas –
GP acordando
este mar que as paginas evocadoras do Pindorama nol-o faz recor150
dar, deserto, solitario, cortado apenas pela piroga achamboada do
cabloco, reflectindo o vulto aprumado e negro das montnhas e desenhando a coma gigantéa e farfalhante das mattas, quando a terra,
col. b
entresonhada vagamente no verso de Camões, ostentava ainda as
suas majestades insolitas e as suas virgindades selvagens.
155
Tudo ahi está desenhado sentido e vivido: o encanto louro das
nossas tardes, a serenidade grega de nossas manhans, a fulvescencia de nossos poentes, o estrellejamento palpitante de nossas noites,
todo o tropicalismo de nossos verões, tudo ahi vibra em largos
estos epicos e em amenidades de idylio na tela polychroma de suas
160
paginas.
A lingua – o marmore em que se entalham e encarnam as emoções do Artista e se perpetúa o sentimento nacional os cyclos da
civilização, vem se depurando, mais se aprimora no desdobramento
de sua evolução esthetica. O estylo floresce, numa evidencia typica
165
de individualidade; canta em rythmações suggestivas, fulge em facetamentos rebrilhantes na rendilhadura sonora e imprevista da
phrase.
O nacionalismo que se respira largamente em toda a sua obra é
a phase consciente de nossa vida literaria, a volta para as coisas do
GP perputua (s/acento)
104
170
paiz que se expande agora em pujantes affirmativas nos versos
admiraveis de Alberto de Oliveira e de Olavo Bilac, nas paginas
intensamente brasileiras de Affonso Arinos, de Coelho Netto, nos
contos de Pedro Rebello, de Valdomiro da Silveira, nas marinhas
de Virgilio Varzea, nas narrativas historicas de Rodrigo Octavio,
175
na vasta obra do glorioso Machado de Assis e tantos outros.
Diz o estylista do Inverno em flor: “Ultimamente tem-se notado
um pronunciado desejo de autonomia, os escriptores concentramse na Patria, tiram os olhos dos horizontes extrangeiros, volvem á
dos mestres da lingua, abandonando, por momentos, os francezes
180
que tanto têm contribuido para a despersonalização da nossa literatura”. O que diz este escriptor, encontra-se no novellista de Jana e
Joel. A cultura da lingua, a convergencia de vistas para as fontes
indigenas, o nacionalismo em que são vazados os seus trabalhos e
o engenho, com que os tem tratado deram-lhe a saliencia notavel
185
entre os modernos escriptores nacionaes e o fizeram o primeiro em
todo o Norte do paiz.
E logo adeante fala ainda Coelho Netto: “É bom que assim seja,
*p. 7
GP adiante
porque, com a grande corrente de immigração extrangeira, *princi-
col. a
palmente para o Sul da Republica, é necessario que a lingua tenha
190
uma defesa para que se não deixe supplantar pelo alienigenismo,
desapparecendo, ou apenas subsistindo em dialecto rude”.
Sim! si algum dia esse invasor arvorar a bandeira da conquista
no pincaro de nossas montanhas e entrar pela terra anniquilando as
tradições de nosso passado, esboroando os bronzes e marmores que
195
eternizam as nossas glorias e os nossos heróes encontrará, si não
fizer como os soldados de Aniru, a alma brasileira vivendo e palpi-
GP Aniru (i/r apagados)
tando na sua obra como em um refugio inviolavel e sagrado.
Senhores: Esta homenagem rendida a este distincto e glorioso
bahiano, sincera como a alma da mocidade, simples na sua fórma,
200
grande e eloquente no seu fundo, é a expressão genuina do nosso
amor e da nossa admiração áquelles que se destacam pelo trabalho
e cuja vida é a synthetização do mais vivo, mais puro e mais nobre
dos exemplos. Na luta empenhada contra a estreiteza do meio, o
GP estreiteza (t/a apagados)
105
mercantilismo, o brilho dos triumphantes do dia, não se lhe entibia
205
a coragem, essa energia secreta que nos faz emprehender e
supportar.
Vae sosinho, a alma estrellada na Fé, purificada no crysol da
GP crysol (r apagado)
vontade, accesa na chamma fecundadora da Arte, vitalizada na idéa
GP fecundadora (n apagado)
sacrosanta do combate sem treguas, da luta sem armisticios.
GP treguas (e apagado)
210
Sôa-lhe em torno o rugido surdo da Indifferença – apanagio das
almas; a inveja, porque elle é um victorioso, o odio, porque elle
GP elle é victorioso
é um justo, espiam-no para os abocanhamentos, tentando rastrear-
GP espiam-lhe
lhe os passos, numa guerra de mocho que se revoltasse contra o
condor, numa rebelião de sapo que apostrophasse a estrella. A essa
215
onda assoberbante e avassaladora oppõe o talento e o carater, e envereda intimorato, sem desalentos, com desassombros no olhar.
Em cada trecho do caminho desbravado vem deixando um marco
–
pavilhão conquistador tremulando plantado no torreão de uma
praça vencida. Esses marcos são a sua historia de Artista, onde se
220
vão sentindo a distensão cada vez mais larga de suas vistas, as
GP distenção
novas percuciencias, as fundas penetrações e as regiões ineditas
de sua esthesia, que vão aflorando num luxuoso e soberano
desabrochamento.
col. b
225
A Nova Cruzada ha cinco annos vem rompendo esse adensado
bravio de tormenta... Quanto esforço, quanta coragem para cavar na
muralha sagrada o vexillo de uma Idéa!...
E na hora amarga, sombria das cogitações, sentindo o descon-
GP vexillo (e/i apagados)
GP sombria,
forto quasi assediar-nos a alma, seu nome tem sido o brado de incitamento e, sem que o saiba, seguimos banhados na grandeza edi230
ficante de seu exemplo, abençoando o seu trabalho e bemdizendo o
seu valor e a sua fortaleza inamolgavel de stoico.
GP estoico (s apagado)
Coração aberto aos grandes sentimentos, caracter moldado no
oiro puro de virtudes civicas e moraes, no livro – é o poeta, o narra-
GP sem travessões
dor, o romancista, o novellista; na imprensa – é o defensor estrenuo
235
das idéas liberaes, o republicano sincero, o amigo dos operarios
lançando o seu contingentte para o alargamento de suas liberdades
e de seus direitos delles.
GP de seus direitos.
106
Tudo o que é, a si o deve, á sua persistencia, ao seu amor, ao seu
trabalho, ao seu talento, á sua vontade.
240
Nos tempos que passam, em que são frequentes esses eclypses da
alma, vencida pelo interesse, batida pelas paixões mesquinhas, rebolcada na ebriedade de gozos mentidos, faz bem, tonifica e reconforta, fortalece e encoraja contemplar os que passam assim acobertados na austeridade do caracter, na pureza diamantina dos senti-
245
mentos, na inviolabilidade do dever!...
Senhores: – Os soldados romanos entoavam aos seus guerreiros
os cantos triumphaes, quando estes entravam ás portas da cidade
domadora do mundo com os loiros e os despojos opimos das campanhas vencidas.
250
Hoje cantamos ao glorioso patricio os cantos do triumpho...
E, nesta hora, sentimos que a Bahia, envolta no manto resplandecente e excelso de suas glorias, com um grande sorriso de mãe
coroavel pairando nos labios, olhando a geração que ha de amar e
cultuar as tradições immortaes do seu Nome, segreda-nos, numa
255
ressureição de fé, as palavras do digno descendente do Patriarcha
GP as palavras do Patriarcha
da Independencia: Eu ainda sou a heroina herculea dos seios titanicos, que trazia do exilio as sombras dos desterrrados para corôal-os
de luz...
GP corôal-as
107
4.3.4 Chronica dos mortos
4.3.4.1 VERSÃO NC
SALLES, Arthur de. Chronica dos Mortos. Nova
Cruzada. Salvador, ano 10, n. 7, dez. de 1910, p.1-2.
Texto em prosa, escrito à feição de necrológio, possui, originalmente, 144 linhas
dispostas em duas colunas que ocupam duas páginas do fascículo. A primeira página traz ao
centro uma foto de Damasceno Vieira, um dos poetas já falecidos homenageados na crônica.
Sinais em forma de pequenas linhas onduladas e entrelaçadas, estabelecem a separação do
texto em quatro partes: em cada uma delas, são tecidas considerações sobre um poeta já
falecido, todos membros da Nova Cruzada: Raphael Leal, Bento Murilla, Damasceno Vieira
e Souza Pinto. No final da segunda página, à direita, em itálico, a indicação da autoria do
texto: Arthur de Salles. Após a mancha escrita, ilustração, com o desenho de uma palma.
A Crônica é o texto de abertura do último fascículo publicado da revista, funcionando
aqui também como um editorial, pois, exaltando as qualidades dos mortos, festeja ainda, de
certa forma, os sucessos da Nova Cruzada.
4.3.4.2 Classificação estemática e escolha do texto de base.
A versão NC, única de que se dispõe, serviu de base para a edição, com o seguinte
estema:
O
NC
edição.
Fig. 4. Estema da edição de CHM306.
306
Dados importados da Dissertação de Mestrado (PEREIRA, Norma Suely. Um punhado de versos e páginas
de prosa..., op cit.)
108
4.3.4.3 TEXTO
CHRONICA DOS MORTOS
col. a
Quizeramos não fechar este ultimo numero da Revista com esta pagina
rememorante de saudade e de evocações dolorosas.
No nosso largo tirocinio, na nossa marcha não é a primeira vez que paramos
5
para encher de flores e de saudades a cruz de uma sepultura. Temos o nosso cemiterio
e as nossas cruzes. Para elles, em certas horas de tristeza a nossa alma, romeiro [sic]
dessas paragens melancolicas da morte, vae, piedosa e boa, rememorando,
abençoando os que se foram, os que comnosco lutaram, combateram, amaram e
soffreram, os que emquanto se agitaram no vortilhão da vida, ficaram gemendo,
10
mas ficaram sonhando, como diria o divino Paginario das Evocações.
O primeiro dos que ultimamente cairam foi Raphael Leal, um dos mais
enthusiastas fundadores da Nova Cruzada. Uma existencia de trinta e quatro annos
abreviada pela miseria e pelo abandono. Foi a que mais nos cruciou o coração de
companheiros.
15
Os outros lutaram, vieram rompendo caminhos asperos, abrindo clareiras
matta cerrada da vida.
*col. b
Para estes ella foi uma “cruz *circumdada de rosas”307. Para Raphael as rosas que
por ventura espontaram em risonhos botões, cedo cairam queimadas. Os espinhos
somente ficaram vivos, circundando-a tenazmente.
20
A escassez dos meios, a luta ingente para levar aos filhos o pão de cada dia
quebrantaram-lhe, pouco a pouco as energias do robusto organismo.
Veio a molestia, prostou-o, exanime; e com ella fugiu do pobre tecto o derradeiro
esforço que o sustentava. Raphael não mais se ergueu do leito. E na triste tarde de
26 de Julho de 1909 o inspirado prosador dos Selvagens descançava no seio bom e
25
piedoso da terra.
-------------
307
“A vida é uma cruz circumdada de rosas” – citação do Barão de Feuchtersleben, no seu livro Hygiene d’Alma.
(Nova Cruzada.Salvador, ano 9, n. 6, p.1, jul.1909).
109
Bento Murilla308!..
A Bahia literaria conheceu este incansavel trabalhador. Poeta inteirado, prosador
correcto, o nosso extincto deixou um não pequeno numero de obras ineditas,
30
reveladoras de sua cultura e do seu talento pujante. O estudo acurado do nosso
folklore que elle de muito vinha fazendo e que infelizmente não teve a gloria de ver
publicado, abrangia, nos seus ultimos tempos, uma bella parte da sua actividade.
*col. a p. 2
Collaborador e fundador das principaes *revistas literarias da Bahia, o nome de
Bento Murilla, nosso cavalheiro de honra, tornou-se um dos mais populares e um dos
35
mais queridos do nosso meio literario.
-----------Damasceno Vieira309, tambem nosso cavalheiro de honra, cujo retrato illumina
a primeira pagina desta Revista, foi o primeiro que nos veio ao encontro quando, vae
por dez annos, surgimos na arena das letras. Deu-nos o brado de incitamento e bateu
40
palmas á nossa iniciativa. Pelos versos do soneto com que então nos saudou, o
enthusiasmo do velho Artista das Albatrozes vibra forte e claro como um clarim de
guerra.
E desde então o nosso affecto por esse velho forte, por esse poeta delicado, por
esse Artista nobre foi se intensando. A sua figura veneranda e bella, a sua palavra,
45
macia, inspirada e correta, davam ás nossas sessões solennes mais brilho e mais
solennidade.
É grande o escrinio do notavel poeta e prosador rio-grandense. Fora longo
enunciar toda as suas obras, onde o estylo se conserva puro e sereno, onde a lingua
brilha na sua pureza e frescura e onde a sua erudição se desdobra triumphante, já nas
50
308
suas paginas de polemica e de critica, já nas suas paginas de historiographia.
Pseudôniumo de Manuel Joaquim de Sousa Brito (Bahia, 1860-1910), poeta, teatrólogo, diplomado em
medicina, professor, um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia. Usou também o
pseudônimo de Zé da Venta. Publicou: A bicharia (1898), 13 de Maio (1898), Lições de literatura (1906).
(COUTINHO Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira, op. cit., s.v).
309
João Damasceno Vieira Fernandes (Porto Alegre 1850 – Salvador, 1910), poeta, teatrólogo, jornalista,
historiador, patrono da Academia Riograndense de Letras, membro do IHG, colaborador de diversos periódicos.
Publicou, entre outros, Uma história de amor (1876), Adelina (1880), Amália (1889), Castro Alves (1898), A
flor do manacá (1900), Albatrozes (1908). (COUTINHO Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de
Literatura Brasileira, op. cit., s.v).
110
Poeta, ahi estão os seus sonetos lavorados, as suas poesias, os seus poemas.
*col. b, p. 2
Que aquelles que o leem sintam e digam *a emoção que se goza no beber o
lyrismo sadio e bom de suas estrophes esplendidas.
O artista da Flor do Manacá nunca descreu da arte. Foi um forte. A sua vida
55
correu entre o trabalho honesto e o culto da Arte – culto sincero, fervoroso e bello que
é a aureola fulgente e immorredoura que illuminará o seu Nome!...
-----------Fechemos esta pagina triste e magoada com o nome querido de Souza Pinto.
Foi um dos alegres e cheios de esperança que fundaram a Nova Cruzada. Era sua
60
alma apaixonada, enthusiastica do Bello. Desde os tempos academicos Souza Pinto
começou a traçar paginas claras e versos sonoros.
Terminado o brilhante tirocinio academico, o jovem bacharel foi levar a outras
plagas o brilho do seu talento.
No Paraná o moço não desmentiu a firmeza da nossa crença no seu esforço.
65
Infelizmente, a morte veio sustar-lhe a carreira brilhante, em Fevereiro deste anno,
longe da terra natal, que, em suas cartas aos velhos companheiros, apparecia coroada
de saudades e das mais doces recordações da mocidade sonhadora.
A todos esses que a morte arrancou da nossa convivencia e do nosso carinho
as bençãos do nosso affecto e da nossa bondade.
111
4.3.5 Discurso de recepção a Durval de Moraes
4.3.5.1 VERSÃO AN
SALLES, Arthur de. Discurso de recepção a Durval
de Moraes. Os Annaes. Salvador, ano 1, n. 7310,
p.158-71, de outubro de 1911.
O texto possui 559 linhas, dispostas entre as páginas 158 e 171, em uma coluna.
Mancha escrita medindo 117 x100 mm na p. 158 e 168 x 100 mm nas p. 159-170. Na p. 171 a
mancha escrita ocupa apenas 2 terços da página, medindo 93 x 100mm, havendo no terço
final da página uma linha ondulada de 45 mm, na horizontal, seguida pelo desenho de um
ramo de flores, indicando o término do texto. Na p.158, antecedendo o texto, indicação da
finalidade bem como da data e local em que foi proferido o discurso: “Discurso De Recepção.
Proferido por ocasião da Recepção solemne, promovida pela Sociedade de Letras e Artes
“Nova Cruzada” ao seu Socio Effectivo Durval de Moraes – o maior Poeta da geração actual
bahiana311 – na noite de 3 do corrente, no salão nobre do Lyceu de Artes e Officios, pelo
brilhante poeta Arthur de Salles”. Uma grega separa esta breve introdução do início do texto.
Nas L. 1-3, a saudação, à direita, em itálico: Ex.mas (mas sobrescrito) Senhoras: Meus
Senhores: Caros confrades da Nova Cruzada: Na L. 4, o primeiro vocábulo está grafado em
maiúsculas, sendo a inicial uma letra ornada P, que ocupa o espaço correspondente a três
linhas: PARA. Algumas vezes o nome do poeta homenageado é grafado em maiúsculas: L.
39, p. 160; L. 26, 29 e 42, p. 166 e L.8, p. 167. O texto do exemplar consultado apresenta
algumas interpolações manuscritas em tinta preta ou a lapis, com passagens riscadas e
reescritas: na L.23 da p. 163, o segundo e de Inveje-os, está corrigido a lápis para o. Na p.
165, L.e, em sorver o s e o r iniciais foram riscados com tinta preta e à margem direita
corrigiu-se para v/l.o traço colocado sobre a letra s, manchou a página anterior, fazendo
parecer uma vírgula no final da L. 4. Ainda na p. 165, na citação do poema Valle das
Sonoridades de Durval de Moraes, L.9, foi acrescentado um s final em sonoridade e na L. 28,
um s final em cambaleio, escrito sobre outra letra; na L.29, em gargalhando, foram riscados
310
Há uma marca de dobradura no sentido vertical de todas as páginas do exemplar. Fascículo localizado no
acervo do CEDIC.
311
Também na opinião de Almáquio Diniz, Durval de Moraes é o maior poeta baiano do período. Além da sua
fecundidade e da originalidade da forma, o crítico destaca a sua força de pensamento e o fundo filosófico de sua
poesia como características que o colocam como uma personalidade a parte no cenário das letras do Estado e até
mesmo do país (DINIZ, Almachio. A cultura literária da Bahia contemporânea. op. cit., p. 42-45).
112
as letras a iniciais e corrigido à margem direita para o/o. Na página 166, continuando a
citação, corrigiu-se na L.1, varêdas para verêdas, riscando o a e acrescentando o e sobrescrito
e circulado; e a palavra cuspiando para cuspinhando, riscando o a e acrescentando a correção
à margem esquerda, nha. Na p. 167, L.8, foi riscado o ponto de segmento após a palavra
composições e acrescentando, à margem direita, o relativo que, criando uma oração
subordinada. Na linha seguinte, foi acrescentado um acento grave à palavra garçoniere, sobre
o penúltimo e. Finalmente, na p. 168, L.29, foi riscada a letra d em dos, corrigindo para a, à
margem direita, modificando a preposição. Acredita-se que tais correções tenham sido feitas
pelo neocruzado Antônio Vianna, a quem pertenceu a coleção consultada. Os intervalos no
texto são marcados por três asteriscos: L. 10, p. 167; L. 15, p. 168; L. 18, p. 169; L. 23, p. 170
e L. 13, p. 171, e a fragmentação nas citações com linhas de pontos: L. 8, 12, p.160; L. 16, 18,
21, 28 e 29, p. 164; L.7, p. 165, L.12, p. 168, e L. 17, p. 169. O suporte encontra-se amarelado
pelo tempo, bordas rasgadas e amassadas, que, porém, não comprometem a leitura.
4.3.5.2 Classificação estemática e escolha do texto de base.
A versão AN, única312 de que se dispõe, serviu de base para a edição, com o seguinte
estema:
O
AN
edição
Fig. 5. Estema da edição de DDM313.
312
O Diário de Noticias publicou parte da conclusão desse discurso. Ver nota 2, f. 13.
Dados importados da Dissertação de Mestrado (PEREIRA, Norma Suely. Um punhado de versos e páginas
de prosa..., op cit).
313
113
4.3.5.3 TEXTO
[Discurso de Recepção. Proferido por ocasião da Recepção solemne, promovida pela
Sociedade de Letras e Artes “Nova Cruzada” ao seu Socio Effectivo Durval de Moraes314 – o
maior Poeta da geração actual bahiana – na noite de 3 do corrente, no salão nobre do Lyceu
de Artes e Officios, pelo brilhante poeta Arthur de Salles]
Ex.mas Senhoras
Meus senhores:
Caros Confrades da Nova Cruzada:
Para os espiritos contemplativos que uma vez se afundaram nessa região
5
sombria do isolamento, ouvindo, no discurso monotono dos dias, o brado, o grito de
suas proprias idéas, de seus proprios pensamentos, muita vez nascidos e mortos no
ambito estreito em que se agitaram, sem se corporificarem, larvas que se não
chrysalidaram, chrysalidas que não romperam o casulo, ganhando o mundo nas azas
flammejantes da palavra, rugitando na estrophe ou vibrando na prosa, para esses o
10
encontro com aquelles de escol, a convivencia passageira entre irmãos do mesmo
credo, distanciados pelas brutalidades tragicas da vida, são um bem que se não apaga,
um consolo ineffavel, uma caricia que se crystalisa num mundo de emoções
transfiguradoras, miraculosas, como se doces mãos bemditas que se estendessem,
messianicas, pelo mar empolado da alma, asserenando-lhes o tempesteio, ou sobre o
15
coração, na hora gethsemanica, alevantando-o para o amor e para a fé.
Não é que a solidão abafe, por inteiro, as energias do pensamento nem que
estenda sobre elle o frio polar do desconforto, porque o Artista mesmo no tumultuo
estuante da multidão é um solitario, essa voz de solus ex-anima, a vez e vez, lhe chega
aos ouvidos da alma e elle sente, chega a palpar o vacuo que se lhe faz em
20
torno: não. Cremos que ella lhe imprime uma feição de fortaleza, arrebanha porções
esparsas de vontade, fundindo-as num bloco inteiriço, abre-lhe os mundos da
314
Durval Borges de Morais (Maragogipe (BA) 1882 – Rio de Janeiro1948) Poeta que pertenceu ao grupo de
Nova Cruzada, era diplomado em Química e Farmácia. Exerceu diversos cargos públicos. Sua poesia é
simbolista e de fundo religioso. Publicou Sombra fecunda 1913, Lira franciscana 1921, Cheia de graça 1924,
Rosas e o silêncio 1926, O poema de Anchieta 1929, Conquistador do infinito 1941, Solidão sonora 1943, além
de obras inéditas de poesia e teatro. (COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de
Literatura Brasileira. op. cit..., 2001.s.v).
114
*p.159
concentração; e no in-pace dos seus silencios, na *tristeza dos seus retiros, que são,
bem muitas vezes, os retiros de nossa tristeza, diluem-se os desejos rastejantes, expiram
as ambições curtas, estratificam-se os
25
egoísmos reptantes, fossilisam-se as
alegrias ephemeras. Não é uma renuncia á vida como a dos monges, a dos anachoretas
enlapados nas covas dos montes, dilatando a alma pelo aniquillamento da carne: é uma
hora forte de amor á vida, quando para lá levamos a fé na realisação de um ideal. De
um lado a esperança, “sempre mais larga do que a vida”, como diria Sully Proudhome,
sempre a dar ao cardo o purpuro das rosas, ao tojo o nevado dos lyrios, ás
aguas mortas o murmurio dos regatos, e de outro lado, a visão prolongada para o Além,
30
vibrada pelo intenso tacteiar de mundos, ella se nos affigura um promontorio
distendido largamente para um mar sem raias, de onde partirá um dia a nave
guerreira que elle vae architectando, rostro numa attitude arrogante de porfiar com as
procellas, velame pando, dando-se ao desafio dos pampeiros, o bojo blindado
35
fortemente em que cada taboa, cada cavilha vale uma revolta, um bocado de odio, uma
porção de crença morta, de dor, de lagrimas até; e lá, no topo agulhante dos mastros, a
flamula de guerra. E é levantar as ancoras e largar as velas e zarpar pelos desatados
regougantes do deserto marinho.
Então, a Odysséa começa a surgir nos lances magnificos e épicos.
É na tosca phrase, na velha comparação, a imagem dos que no silêncio e no retiro vão
40
architectando o nome, forjando o verbo com que hão de conclamar ao mundo a sua fé, a
sua alma. Tal se nos mostra hoje o Poeta que é o motivo de mais uma festa no seio da
Nova Cruzada.
Ha uns annos elle começou a rimar sonetos e poesias á luz já sem calor do
45
velho condoreirismo esgotado no forjar as decimas escachoantes, os alexandrinos
indomados por entre os quaes, passavam as figuras homericas dos heroes redivivos e as
figuras constelladas das datas nacionaes, quando nos decassylabos tremulos, estillando
subjectivismos magoados, não se debruçavam as visões tristonhas das bem amadas
como santas piedosas, rainhas com seus cortejos de estrellas e de auroras, como
50
deusas crueis, cegas e surdas áquelle desbordamento de amor embebido de lagrimas
jamais choradas. Pagou também o seu tributo, mas á semelhança do viandante, quando
dá com uma cruz na estrada, atirando-lhe um ramo novo e seguindo, assim elle depoz a
sua lembrança [,] enxugou as lagrimas e partiu.
* p. 160
55
São desse tempo entre outras poesias e sonetos, o *dialogo entre os dous
genios: o da raça germanica e o da raça latina.
115
Dialogo por causa de Santos Dumont.
O genio da Germania falla arrogante, blasphemo, orgulhoso:
Tenho filhos inspirados,
Tenho filhos geniaes.
60
.........................................................
A reforma é obra minha,
A Imprensa, essa rainha,
Faz minha gloria também.
.........................................................
65
Vê Klopstock, divino,
Cantando um rutilo hymno
Á vinda do bom Jesus.
Vê Schiller, Werner e Goethe,
Que da morte o styllete
70
Sentindo, pedia luz!
Mas o insulto redobra, nos lábios do genio Germanico:
Foste a mãe do Fanatismo
E fizeste a Inquisição...
E mais ainda:
75
Tens a grilheta de Roma
Que te prende, que te doma...
Eu sou livre pensador...
Diante disto:
Então das brumas horriveis
80
Um velho vulto se ergueu;
Tinha os olhos terriveis
E os braços de Briareu.
Era o genio da raça latina que surgia para aniquillar o orgulho. E nomes
rutilos passam e feitos refulgem.
85
Fui Petrarca, Cezar, Dante,
O meu genio auri flamante
Possue gloria, eterna luz ...
Preguei nas selvas immensas,
Nas selvas horridas, densas,
90
A religião de Jesus.
116
Durval de Moraes de longe nos foi acompanhando; e um dia num jornal da Capital
apparece um soneto dedicado a um poeta da nova agremiação. Foi um alvoroço.
*p. 161
Era novo, *as maiusculas resaltavam valorosas, affirmando as tendencias symbolicas
do auctor. A partir dahi, não o perdemos de vista, nem elle se ficou no velho S.
Gonçalo dos Campos, arrancando estrellas ou chorando amores á luz da lua. O verso
95
refundia-se, facetava-se, a mão já se ia afazendo ao retraço do contorno, o escopro ia
bem na mão do novel estatuario. São desse tempo os alexandrinos fortes do Sonho do
Tamborete e a porção de versos dos Poemetos e Odes: é o poeta revolucionario da
Morte de D. João, quem lhe anda inspirando estrophes cheias de justiça e ide{i}ais315
100
de amor e de bondade.
Por vezes, relampeia uma imagem nova, uma rima revolta, um hemistichio
nervoso: é um mundo de originalidade na plastica e no fundo que se alvoroça, que
reponta aqui, ali, como claridades esparsas de sol. E isto vae se accentuando, cresce o
anceio de alargar o ambito de seu mundo pelo consultar intimo de suas próprias forças
105
intellectivas, desligando-se, a mais e mais, dos pendores, das inclinações a este ou
aquelle processo, para integralisar-se, individualisar-se.
Quando de novo voltou á Capital, deixando a paysagem do reconcavo, para a
conquista de um diploma scientifico, trazia um punhado de versos novos, coloridos,
bellos; e, uma noite, a Cruzada o recebeu entre enthusiasmos sinceros.
110
Estudante, dividiu a actividade entre os livros de sciencia e os versos, recluso
voluntario sem as correrias e as abaladas da bohemia, a “ rosa de amor ensopada
de vinho”, como diria um poeta.
Era nos tempos das sessões calorosas e dos torneios. Cada um lia a sua pagina,
entre applausos nervosos e quentes, e a sua foi sempre entre acclamações.
115
É doce recordar aquelle tempo, aquelle desabrochamento de idéas, aquelles
brilhos de sentimentos, aquella profusão radiante de rimas, clareando o pobre salão de
uma sociedade de artifices. O espirito, respirando aquella atmosphera illuminada de
sonhos largos, vibrada por aquelles gestos amplos, dizendo alevantamentos e
reivindicações, por aqulle timbre multisono, como as vozes da vida no infinito
120
desdobrar-se de seus aspectos, sentia que era bem e é ainda a existencia latejante e
bella de uma epoca, de uma geração que irrompia para o triumpho, que era bem a
315
No periódico ideiais.
117
tradicção da alma bemdita da velha Athenas, reflorindo e continuando-se nas
estrophes e nas paginas de arte de um punhado de moços, de anonymos, de solidarios
no seu trabalho:
125
“ Solo col suo divin sogno infinito.”
Aqui foi que sempre se amou a Patria e a serviu, não somente no pintar as suas
*p.162
graças naturaes ou enaltecel-as, *no reproduzir e no contar as suas aguas, o arrojado
de suas montanhas, a magestade de suas mattas, mas em amar o seu passado, em
cultival-o no prestigio inapagado dos seus feitos. Aqui foi que o seu nome nunca
130
rolou, como moeda azinhavrada, sobre o balcão, na taberna das ambições, dos
interesses de momento; aqui nunca foi elle, como nas missas satanicas, apunhalado
sobre as aras da propria fé republicana.
Durval de Moraes avultava entre nós, refulgindo a sua imaginação, agora em
plena magnificencia.
135
Temp{l}os316 depois, a luta pela vida o levou para S. Bento das Lages, internou-o
num laboratorio chimico, junto a um scientista profundo, hollandez, athletico, que
amava Goethe e lamentava Nietz[s]che, e o único que se salvou daquella comedia da
Escola Agricola.
Alli, naquelle casarão sombrio, solitario, incomprehendido, revoltado, o poeta
140
abriu a alma para a natureza, prescutando-a, percebendo-lhe os primas, as feições e
transportando-os para essas paginas esplendidas que formam as suas obras. Almas e
Trasgos, esse livro que ha de annunciar á litteratura nacional uma poderosa
organisação artistica, moldada na plastica suggestiva e original dos rythmos novos,
surgiu quasi por inteiro no retiro de S. Bento. Passam por essas paginas, alentadas
145
por uma seiva abundante de emoções e sensações, odios, revoltas, segredos, vozes e
gritos, anceios, symbolos extranhos, sonhos, duvidas, [sic] Tudo o que o cerca, o
valle, a paysagem tristonha, o rio, o sino fanhoso da capellinha do antigo convento,
o cão a ladrar pela longa noite morta, a bruma a cobrir com os véos fragillimos a
paysagem matutina, vibra-o e esperitualisa-se [sic] em valores estheticos das mais
150
finas delicadezas ás mais graves cogitações.
Lede o Valle das Sonoridades, onde o poeta, insulado na solidão, fica a escutar a
voz da Eleita:
[“]Horas a fio317,
Como um doente que as torturas cale,
316
317
No periódico, templos.
No peródico, não abre aspas.
118
155
Para escutar uma adorada falla,
Mudo me torno, qual se perto fosses
E a tua voz ouvisse e de escultal-a
Julgasse inutil minha voz agreste.”
No entanto, a paysagem é triste aos seus olhos; falta-lhe a elle, a alma:
160
*p.163
“Jamais vivi tão perto
Da natureza e entanto,
No eterno seio da Renovadora
Sinto a mudez maldita do deserto
E a feral solidão do Campo Santo.
165
Porque não vives aqui, Senhora,
Interpretando as vozes da floresta,
Dando amor ás estrellas
E entendendo das aves a linguagem
Porque eu pudesse lucido entendel-as ?...
170
Vem para que eu adore e sinta e estime,
Atravez da tua alma
As arvores em festa,
A festa de plumagem,
O aroma e a cor e o ceu, o rio e o vime!
175
Vem, divindade calma,
Vem dar vida á paysagem.”
O valle vibra no trino e no tatalamento das azas, o poeta ama, como nunca
os passarinhos, inveja-os, na sua ventura, na humildade de seus amores:
Nos solares dos ramos,
180
Á paz de sombra perfumada e pura,
Invej{e}[o]-os318, porque nós, que nos amamos,
Não vivemos no amor dessa ventura!
Aos pares,
Soffrendo unidos e cantando unidos,
185
Servindo o instincto, que lhes faz eternos
O amor, e a forma, e os ninhos, e os cantares,
318
No periódico, inveje-os.
119
Multiplicando por milhões de invernos,
Verões e primaveras,
Os pares confundidos
190
Em sonhos e chimeras!...
Penso em nós, que a torpesa
De nossa sorte de existencia humana
Esconde á Natureza soberana,
Escarnecendo assim a Natureza!
195
Penso em nós, que sentimos
Fome de affectos
E sêde de ternuras,
Que nos amando não nos possuimos,
Que vivemos acima dos insectos
200
Sem vivermos em novas creaturas!...
*p.164
Pensando em nós, sosinho, em teus suaves
Olhos e nos meus olhos, minha amada,
Sonho vêr nossa forma eternisada
Como a forma futura dessas aves.
205
E o delirio me empolga e se me pinta
Um quadro luminoso,
Em que resurge minha vida extincta
Para a vida do goso...
Resplende o valle palpitante e flammeo...
210
Dentro do meu delirio
Canta a seiva um doirado epithalamio
No calice de um lirio...
As arvores, que o sol de raios franja,
São teu real cortejo
215
Atirando corolas aos teus passos ...
..................................................................
Em tudo vibra um trinulo de beijo! ...
...................................................................
120
Coroada de flores de laranja...
220
Comprehendes os mysterios dos espaços!...
.....................................................................
Beija-te um raio irriquieto e loiro...
Ouves pulsar os corações dos montes
E a terra te sorrir á mocidade ...
225
E entre os hymmos das aves e das fontes
Para a victoria da perpetuidade
Segue o noivado pelo valle de oiro!...
....................................................................
....................................................................
230
Quem me trouxe a visão?... A luz fremente?...
O instincto ?... A alma ?... Não sei... não sei!...Supponho
Fosses, nevoa da tarde!... E assim somente
Nevoa, nevoa morreu na tarde o Sonho!...
Então, no Valle, a solidão me espanta,
235
A solidão que trago e me devora !...
Tudo fora de mim palpita e canta !...
Tudo dentro de mim maldiz e chora !
Eis como ás tardes dos domingos, quando
Dos domingos o sol se compadece,
240
Eu, que o poeta esqueci, fico sonhando !
*p. 165.
*E Quando a noite sobre o valle desce,
Atiro ás aves as barbaridades
Do meu immenso desespero horrendo!
Doudo, abatido, entre terrores, digo:
245
Não mais virei para sorver gemendo
“A via dolorosa das saudades !...”
.....................................................................
E agora mesmo, para estar comtigo
121
Estou no Valle das Sonoridade[s]319 !
250
Lavorando menos o soneto, que no entanto o faz com segura mão, explica-se,
define-se a sua visão de Artista no objectivar assumptos de mais distensão exigindo
o poema, o poemeto, o dialogo, a poesia em que todos os metros apparecem, e
os que elle creou, desdobrando-se, refugindo, alongando-se tão naturaes, tão
flexiveis, tão sonoros que a idéa se nos apresenta mais empolgante, mais incisiva
mais
255
dominadora.
Esses rythmos novos! Ahi está o que escandalisará a reverenda critica indigena
muito zelosa dos seus velhos t[i]t{i}ulos320 de “puissance des impuissants” do seu
cortejo de porquês todavias e entretantos e porventuras.
Mas a critica sem convenções sentirá nestes harmonia, sentimento, alma:
O SINO
260
Sino azinhavrado, velho sino doudo, praguejando ao vento,
Que o maldiz em vivos, sibilantes gritos de agonias vagas,
Quer desperte o dia, quer o dia morra dentro do convento!...
Pensaria um ébrio procurando ao vinho magistraes triagas,
265
Entre cambaleio[s], queixas e rugidos, e risadas feras,
Quem te ouvisse á noite, como um cão á lua, gargalhando pragas...
Porque gemes, sino?... Sino, porque choras?... Que desdita esperas?...
Ha que tempo vives na galé da torre, como um condemnado?...
E por ti passando vão chorando invernos, rindo primaveras!...
270
Quem te poz um dia junto da Capella como um namorado?...
E risonho fôras, bimbalhando festas, sob o céu festivo,
Velho sino doudo, praguejando ao vento, todo azinhavrado...
319
320
No periódico, Sonoridade, sem o s final.
No periódico, ttiulos.
122
Sob as noites frias, aos subtis olhares do contemplativo,
Entre largas azas funeraes de corvo, segues rente ao rio
275
Que se encolhe afflicto, dobres escutando, como um deus captivo.
Pescadores fogem por ouvir-te as vozes, carrilhão sombrio,
Porque vaes deixando maguas e desgraças sobre as aguas tredas,
E, grasnando em bandos, garças brancas fogem de terror e frio!...
*p.166
Outras noites passas (dizem camponezes) junto das v{a}[e]rêdas321...
280
E se alguem te segue fica logo presa de um fatal encanto,
Vendo tuas vozes a chamal-o dentro das lagôas quêdas!...
Ninguem passa á noite perto do convento...(Mesmo a legua e tanto
– Dizem camponezes – póde achar-se o sino.)... que, se alguem passasse,
Um fantasma vira como um velho frade penitente, em pranto,
285
Com um rosario immenso, chocalhando os ossos, sem mostrar a face...
(Continúa a lenda.) Fogos fatuos sobem se enrolando ás cruzes,
Zurzinando a treva, tal se um corpo de homem se chicoteasse!...
Dizem mais: que chegam, occultando os rostos dentro dos capuzes,
Almas penitentes a cravar no frade finas disciplinas,
290
Lentamente vindo, psalmeando rezas e trazendo luzes...
Fora um pobre monge que negava as forças infernaes das sinas,
E, no desespero de viver a vida natural do Instincto,
Maldissera os sinos, em manhans geladas, ao tocar matinas.
Bronze, pelos odios dos invernos bravos de azinhavre tinto,
295
Junto da Capella, cuspiando as horas desditosamente,
Bem melhor te fôra, com teu sonho de oiro de ventura, extincto,
Que ficares velho, miserando espectro do Passado Crente!...
Durval de Moraes.
321
No periódico, varêdas.
123
A critica sem convenções dissemos.
300
E aqui está o que Santos Maia, numa pagina bella, nova e forte sobre a Franco
Poetica, diz do nosso poeta:
“Ao lado do Mario Pe{r}de[r]neiras322 figuraria brilhantemente se não se
houvesse recolhido a um quasi ineditismo criminoso, um poeta bahiano, Durval de
Moraes, que tive a felicidade de conhecer em meiados do anno passado, graças á
305
amabilidade do pintor Presciliano Silva.
Durval, o que não é muito vulgar em nosso meio artistico, possue uma criteriosa
cultura scientifica, especiali[s]ando-se323 na chimica, que estuda com amor e encara
de um
ponto
de vista antes superior e philosophico do que
pecuniário e
pratico.
310
Dir-se-hia que desta cultura, lhe resulta o que se pode chamar a ruskinização da
visão esthetica.
Fundamentalmente lyrico, elle, por familiarizado com as eloquencias da
linguagem atomica e com as architeturas da stereochimica, tornou-se (dir-se-hia
que por um phenomeno de educação reflexa) um dos mais amestrados e
315
espontaneos virtuoses do metro, um dos mais habeis manejadores do rythmo e rimas
que tenho ouvido.
Em excellente artigo que publicou (junho 1909) no Diario da Bahia, Durval
editava a sua profissão de fé, reduzia as formulas a sua habilidade de perfeito e
*p. 167
320
habilissimo *jongleur do rythmo, dos variados rythmos que a sua complexidade
emotiva lhe ensina.
Vae desde o verso de 17, 16, 15 e 14 syllabas, que elle ondula, deforma, contorce,
fracciona, com uma pericia singular, até o t{r}et[r]asyllabo324 galante, em que elle
tece deliciosas filigramas lyricas.
E deixou a mais decidida impressão de sympathia e admiração a leitura de suas
325
composições{.}[que]325 Durval fez para uma roda amiga reunida uma noite em minha
garçoniere326.
322
No periódico Perdeneiras.
No periódico, especialiando-se, sem o s.
324
No periódico, tretasyllabo.
323
124
*
*
*
É numerosa a obra, e forte e nova, deste Artista de vinte e oito annos.
Na prosa clara, nervosa e fina, vasou elle a Lucia Flora, tragedia em moldes
330
dannunzianos, de lances fortes e largos traços psychologicos, obra de gabinete, que
não de theatro, e em cujas paginas passam e vibram figuras do nosso meio literario.
No verso, porém, é que está o seu poder; é nesta modalidade esthetica que a sua
individualidade surge e se desdobra triumphantemente: De Lembranças, Telilhas,
Ao Acaso.
335
A Pedra é uma tragedia em versos, é a ancia de um Artista incomprehendido no
seu sonho, que morre entre esplendores tropicaes, numa riba escarpada, tendo ao lado
a mulher que o amou e que amou a sua obra, a mulher forte que odeia a pieddade e a
misericordia.
Ouvi este trecho de um dialogo, quando Julival sente o rugido da turba a
340
renegar-lhe o esforço bemdito, a corvejar em torno de suas paginas. Celina, a voz que
redime e que alevanta, diz-lhe suavemente:
Que nos importa que te negue o Mundo,
Quando eu te adoro e creio no teu verso!
Julival:
345
Não! É a piedade que esta phrase dita,
Teu amor... vale o Universo.
Celina, cruzando os braços orgulhosamente sobre os seios palpitantes:
Piedade de ti? Fora maldita
A compaixão que meu amor tivesse;
350
Meu amor não se fez para misericordia!
Não ergo a um falso deus a minha préce,
*p.168
Nem beijo os pés de idolo risivel!
Odeio o plaino da concordia...
Detesto o nivel!...
355
Adoro-te porque, teu ser amando,
Amo quem vale meu amor! Se fosse
Preciso ter piedade de quem ama,
325
326
O ponto, conforme aparece no periódico, deixa a segunda oração incompleta.
Garçoniére sem acento; não fecha aspas.
125
Dar um sorriso amargamente doce,
Raivosamente brando
360
De commiseração ao homem que proclamo
O soberano de mim mesma,
Preferira morrer........e vel-o morto!...
................................................................
A Piedade é uma lesma,
365
Babando o sapo do Desconforto!
Plasmas, outro livro, são assumptos talhados em pequenas poesias: ironia fina e
aguda, dolorisante ás vezes, relevos psychologicos, o homem, a vida, evocações,
saudades, revoltas, tudo ahi se condensa nos rythmos novos dos Plasmas.
Ouçamol-o numa pagina de saudade, recordando o Natal do torrão patricio:
370
Ingenuas tradições de minha terra,
Que mal fiz eu por vos perder tão cêdo?...
Presepios aromados a pitanga
Com o Menino Jesus na mangedoura,
Núsinho como um filho de mendigo,
375
Sorrindo aos bois pacificos de joelhos
E {d}[a]os327 felizes zagaes ajoelhdos...
Zazerinantes ruflos de pandeiros
Dos bailes pastoris em que surgiam
Venus em frente de Nossa Senhora
380
E Jesus Christo em face de Cupido...
Lôas das velhas tremulas e brancas,
E tyrannas dos negros das fazendas...
Melancolicas violas tabaroas,
Sob as azas nocturnas do silencio
385
Enchendo os campos de vetustas dores,
Enchendo as almas de saudades vagas...
Ó sinos da Matriz á meia noite,
Ponteando o espaço de repiques de oiro,
327
No periódico, dos.
126
Chamando á prece os tabaréus ingenuos
390
De roupas curtas e botinas largas...
*p.169
*Dias á beira-mar numa choupana
De barro e palhas ante as ondas verdes,
As velas brancas, as alventes garças
E o sol da praia escurecendo as vistas
395
E escameando o dorso do oceano...
Fructas e flores do Natal do Norte,
Vazando o “cheiro do Natal” nos valles...
Ó cajuadas do cair das tardes...
Ó beijos leves sob os arvoredos...
400
Tende pena do pobre, ó castanholas,
Que vos não ouve tatalando aos dedos
Das pastorinhas que diziam lendas
De amores gregos junto dos presepios,
Como se a Natureza vingadora,
405
Morta por vinte seculos surgisse
Para a gloria pagan do sonho helleno...
................................................................
*
*
*
Para longe, saudades e lembranças...
410
Para longe, venturas enterradas...
Não persigaes quem veio neste exilio,
Como um terrivel beduino doudo,
Procurar no Deserto da Esperança
Um pedaço de pão e um gole de agua!...
415
E este de fina ironia dolorosa:
Um mendigo escrevendo a outro mendigo:
“Deus te conceda, amigo,
Felizes Festas
Bellos dias de risos no Anno Novo,
420
Radiantes de raros esplendores,
Cheios das fortes illusões honestas
De mais um filho que ha de
127
Constituir por certo
O lucido conforto
425
De ultimo renovo
Num velho tronco rebentando em flores,
Como um thesouro para o céo aberto
Mostrando as joias da Felicidade
Ao Firmamento absorto.”
430
Em muito desses pequenos trechos encontrareis a genese, a cellula mater de
grandes poemas, caso o poeta quizesse desdobrar.
*p.170
Que o acoimem de prolixo os que na obra de arte buscam o leve, o gracil, a
filigrana, o perfumado, o fugitivo, o inconsistente, os sonetilhos esvoaçantes, os
villancicos e villancetes, sacudindo o pó multi-secular de suas rimas – revivescencia
435
tardia que nos desencanta as horas de viagem para esses tempos, quando as vamos
beber na fonte pura, ainda mais bellas e mais claras pelo seu prestigio de remotas, –
porque não no farão as almas anciosas de almas, sedentas de almas remordidas pelo
espiculo do sonho, insoffridas por saberem de outras almas porque rumos andavam
perdidas, porque infernos e porque ceus andaram,
440
Em que Calvarios se crucificaram,
Em que Thabores se transfiguraram,
que dizem da vida, do soffrimento, do amor, se elle é “o augusto Segredo justificando
a vida”, se é uma palavra ôca e sem grandeza, se a vida é um bem ou se é um mal a
vida. Esses acharão ahi, nessas paginas dos seus poemas, o sombrio dessas
445
interrogações, o torturado e afflictivo dessas idéas, desses pensamentos, dessas
cogitações.
Dahi a feição grave de sua obra, porque, sacudida desses abalos, porque
convulsionada por esses terremotos, porque, surgida da dor e da natureza.
*
*
500
*
Foi nesse retiro de S. Bento das Lages que o encontramos no trabalho dessas
obras. Foi um trecho de existencia vivido intensamente, num commercio intimo de
idéas, num estreitamento affectivo a que a Arte illuminava de luz que se não
extinguirá jamais.
Hellenisamos aquelle pedaço de terra, estendemos-lhe em cima da nudez
505
exsicada e brutal o manto do sonho pagão. O ermo floriu transfigurado na evocação
da Hellade.
128
Os oiteiros escalvados [sic] cobriram-se de nomes sonoros. Era o Pentelico, o
Helicon, o Parnaso, a aléa das Scismas, as Propyléas. A geographia complicava-se, ás
vezes, entremeiada de nomes barbaros e adoçada por um toponymico biblico.
510
Era a Covadonga, a Turris Eburnea, o Valle das Sonoridades, era, emfim, o
Signus, o rio calmo, sem escachôos ruidosos, mal-assombrado, á noute, de velas
brancas que desciam lentas, na vasante, e, a quando e quando, se a lua o illuminava,
vibrado da saudade, do desejo, do amor, que voavam, no silencio da hora morta, no
tosco e tristonho da canção patricia dos barqueiros.
515*p.171
Aquelle devaneio ditavam-no a solidão e a soledade que nos envolviam, a revolta,
o odio sagrado contra os que amaldiçoavam, a toda hora, a terra moça e bella e farta e
generosa até á infantilidade, contra as covardias, a mentira, a empafia de mutilados;
ditavam-no a duvida e o desconforto de certas horas em que nos abrigavamos nessa
era de belleza, de graça, de vida radiante, quando sentiamos a fibra esvaecer na tortura
520
de não podermos gravar, eternisar um atomo de belleza, um grito de alma, uma porção
de Sonho, na aza de uma Rima que voasse eterna, gemendo ou cantando não importava como! mas que dissesse a nossa passagem pela terra e pela vida.
*
*
*
Eis, meus senhores, o grande poeta que quizemos vagamente vos mostrar, e que
525
na hora presente, é a mais forte, a mais bella organisação artistica da Bahia e uma das
mais originaes da literatura nacional.
Quando toda a sua obra surgir, todas as almas sedentas de ideal, de sonho, de arte,
sentirão que ella é uma perenne fonte de gozos e de inesgotavel frescura.
E um gesto largo, nobre e triumphante de amor, surgirá de todas ellas para
530
aquelle que glorifica a sua terra, o seu tempo e a sua geração.
129
4.3.6 D Margarida Lopes de Almeida [Homenagem]
4.3.6.1 VERSÃO AT
SALLES, Arthur de. D Margarida Lopes de Almeida
[Homenagem]. A Tarde. Salvador, n. 5104328,
Supplemento semanal – Letras, Artes. p.7, de
17/01/1925.
Texto com 61 linhas impressas em tinta preta, lançadas em duas colunas, à esquerda
da página329. Na L.1, o título: D Margarida Lopes de Almeida, em maiúsculas. Na L. 61, a
indicação de autoria, Arthur de Salles, em maiúsculas e negrito. Na margem superior da
página, o título geral: Margarida Lopes de Almeida – na Bahia – Saudações e folhas de
album, seguida de foto da homenageada, no alto e ao centro da página, acompanhada da
legenda: “Dirás que sim?...Dirás que não?...” Pose artistica de MARGARIDA LOPES DE
ALMEIDA na Bahia. – Photo T. Dias. O suporte encontra-se manchado e amarelado pelo
tempo, com marcas de dobraduras que, entretanto, não dificultam a leitura.
4.3.6.2 Classificação estemática e escolha do texto de base
A versão AT, única de que se dispõe, serviu de base para a edição, com o seguinte
estema:
O
AT
edição
Fig. 6. Estema da edição de MLA.
328
Versão localizada no acervo da Biblioteca do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.
Toda a página é dedicada à recitadora que esteve visitando a Bahia entre dezembro de 1924 e janeiro de 1925.
Na festa de homenagem organizada no Instituto Histórico, em 13 de janeiro de 1925, Arthur de Salles foi orador
oficial. Na oportunidade, falaram também outros poetas, a exemplo de Carlos Chiacchio, Álvaro Reis, Aloysio
de Carvalho, Castro Rebello Filho, Roberto Correia, Godofredo Filho e Leoplodo Braga, além de muitos
oradores, como Pinto de Carvalho, Anísio Teixeira, Octávio Simões, Nestor Duarte entre outros.
329
130
4.3.6.3 TEXTO
D. Margarida Lopes de Almeida
Aqui estão nas paginas deste livro330, numa recordação duradoura de vossa
pasagem pela Bahia, as flores da espiritualidade desabrochadas ao influxo da vossa
arte. A maravilha dos vossos gestos e atitudes ao encanto multicôr, multimodo e
5
multisono da vossa expressão, quando nos destes em momentos inolvidaveis, a
vibração da alma dos homens e das cousas, quando nos destes a gozar, na gotta da
agua de alguns instante[s] fugidios, a graça e a luz da Belleza.
Das impressões que nos ficaram da [am]plitude desses instantes – clareira
sonora e luminosa, aberta entre sombras crepusculares dos nossos desconsolos –
10
uma, sobre todas, nos domina. E foi como uma alvorada de velas pardas, florindo a
monotonia de uma praia deserta...
*Col. b
É sua nesta hora perturbada da arte, *neste entrechocar de escolas e correntes,
nesta ansia incontida, vacillante, amarga de cousas novas, nesta tentativa de
relegação de todas as cousas do passado, a vossa destacada personalidade de artista
15
apparece, num relevo fulgido de ressurreições – força mantenedora, de equilbrio, a
proclamar, victoriosa, a perpetuidade indestrutivel das cousas immortaes.
Appareceis enquadrada no largo esplendor do verso de Rostand:
Dans ce temps sans beauté seule encore [t]u mous [sic] restes...
20
E andaes, por estas terras americanas, levantando almas e corações
saccudindo-nos com o fremito dos vossos gestos... ó reveladora das almas em seus
momentos eternos de sonho, ó genio errante dos rythmos, ó portadora de harmonia
e de belleza, nestes tempos sem belleza!
25
Por tudo isso – ó interprete dos sentimentos humanos! – todas as almas vos
[s]audam. Por isso – artista – todas as cousas vos bemdizem: essas pedras
seculares, esses zimborios, essas télas e esses marmores da velha cidade legendaria
– toda a vida do passado, todas as vibrações de ideal esparsas, como um luar de
gloria e de immortalidade, sobre essas collinas acolhedoras.
30
E dentro de nós, na nossa visão interior, ficará sempre, num prestigio evocador
de mytho grego, um vulto de mulher derramando sob os ceus da Acropole
330
Trata-se de um álbum de poesias com capa de couro azul, com a seguinte inscrição em prata: MARGARIDA
LOPES DE ALMEIDA – NA BAHIA – AUTÓGRAPHOS – DEZEMBRO DE 1924 – JANEIRO 1925 e que foi
entregue à homenageada.
131
brasileira, á beira do golpho de cujas aguas sóbe o marulho das ondas e das lendas,
o verbo miraculoso do Sonho, da Graça e da Belleza.
Avé!
132
A saudação do sr. Arthur de Salles ao sr. Hermes Fontes331
4.3.7
4.3.7.1 Versão AT
SALLES, Arthur de. A saudação do Sr. Arthur de Salles ao Sr.
Hermes Fontes. A Tarde. Salvador, n. 5110332, Supplemento
semanal – Letras, Artes, p.7, de 24/01/1925.
Trata-se da reprodução do discurso de apresentação do poeta Hermes Fontes,
proferido por Arthur de Salles. Texto impresso em duas colunas, em tinta preta, medindo 316
× 65mm a primeira coluna e 150 × 65mm a segunda. Após o título da seção, impresso em
negrito: Poetas por poetas..., o título do texto: A saudação do Sr. Arthur de Salles ao Sr.
Hermes Fontes, seguido da indicação de local e data do discurso, entre parênteses e em fonte
de tamanho menor: (Na noite de 22, no Salão da Associação dos Empregados do
Commercio). Logo abaixo uma foto do poeta Arthur de Salles, seguida do texto. À direita e ao
centro da página, poesias do poeta homenageado, sob o título “Versos de Hermes Fontes”,
trazendo ao centro uma foto do mesmo. O suporte encontra-se manchado e amarelado pelo
tempo, com marcas de dobraduras que dificultam a leitura.
4.3.7.2 Classificação estemática e escolha do texto de base
A versão A T, única de que se dispõe, serviu de base para a edição, com o seguinte
estema:
O
AT
edição
Fig. 7. Estema da edição de SHF.
331
Hermes Fontes (Buquim (SE) 1888 – Rio de Janeiro 1930), jornalista, orador e poeta de relevo. Publicou,
entre outros: Appoteoses (1908), Gênese (1913), Um mundo em chamas (1914), A lâmpada velada (1922),
Poesias escolhidas (s.d.). (COUTINHO Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura
Brasileira, op. cit., s.v).
332
Versão localizada no acervo da Biblioteca do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.
133
4.3.7.3 TEXTO
A Saudação do Sr. Arthur de Salles ao Sr. Hermes Fontes
“Senhoras,
Senhores,
Poeta!
5
Eu vos apresento o poeta HERMES FONTES. E este nome, essa palavra só
bastariam... Deveria ella só ficar cantando, como um dístico num frontão grego ou como um
epigramma sonoro e florido ao mármore branco de u[m]a Stella votiva... Porque já vae tão
ampla a trajectoria do Poeta, já sobrepairam tanto e se desdobram as suas asas por esses
céus brasileiros, que é por demais sediça, aqui na Bahia, a apresentação do porta lyra das
10
Apotheoses. Valha-nos, no entanto, a velhacaria protocollar, uma vez que nos depara o
ensejo de saudar um dos príncipes da poesia brasileira contemporanea, e ouvil-o nesta noite,
que nos deverá ficar como uma pagina de commoção e belleza.
Sim, de commoção e belleza...
Pela obra de HERMES FONTES anda esse prestigio, esse poder, essa força de nos
15
comover. Essa magia de nos dar, num verso, um relance de belleza. Quem quer que lhe
percorra as paginas todas, quem quer que lhe vá pedir instantes de vibração, horas de sonho
ou de scisma... ahi encontrará, na complexidade de seus poemas, a fonte vária, onde se
dessedente da sêde ideal.
Não é uma Lyra monocordia, não é uma palheta de tintas monotonas, não é uma
20
musica gemendo surdinas ou queixas lunares, só: é um heptacordio de sons multiplos, uma
palheta em que fremem cor e valores, musica de harmonia muitas vezes perturbante e
perturbadora. É o sentimento, a tristeza, a tortura, a ansia a alma das cousas, em
estremecimentos de volupia num cântico disperso. Não é somente uma Lyra deante da
natureza, que lhe deu segredos do seu encanto, na gama de suas maravilhas: é uma Lyra
25
chamando almas, alliciando-as, repartindo com ellas o pão da belleza.
Não caberia aqui, uma hora de louvor, neste ambiente desejoso do verbo novo do
Poeta, assignalar, ao menos, os marcos deixados por esta alma viajeira do sonho. Basta
apontal-os, como quem da riba marulhosa, aponte pharóes alumiando a incerteza das ondas
e a imprecisão dos horizontes. – Aphotheoses, Gênese, Cyclo da Perfeição, Mundo em
30
Chammmas, Juízos Ephemeros, Miragem do Deserto, A Lampada Velada... Explosões de
som, de luz, de cor; penumbras, suavidades, meios tons; vozes acariciadoras ou tumulto de
134
pensamentos, de sensações; perspectivas de mundos sonhados e inattingidos; fantasias
leves, escoaçantes, seductoras, como um raio de sol brincando no crystal de uma taça...
...............................................................................................................................................
35
Mas em nenhum delles, talvez, subiu mais alto a alma do Artista, como quando
appareceu, por ultimo, á luz de sua Lampada Velada.
Os críticos rastrearão nesses rythmos tecidos de tristeza, de melancolia, de sonhos
desfeitos, de desillusão lucida, no travo amargo das realidades – um momento, o seu
momento culminante. Na ascenção, tocou o cimo. É o Thabor em que elle se transfigurou ou
40
... se integra.
Ahi, nesse cume, a que já não chegam ou mal chegam o eco das antigas correrias
Col. b
batalhadoras, o canglor das fanfarras incitadoras, o resôo das vozes gritando no
*turbilhão, — o seu desejo, a sua febre, o seu orgulho, que é uma fortaleza, a sua gloria,
45
que é uma cathedral, tudo é serenidade, é paz, é quietação.
E os rythmos que de lá descem vêem ungidos dos oleos santos de uma larga piedade
envolvente, batidos de uma refulgência de bondade christã, tocados de um esplendor de
perdão para todos os que não quizeram escutar o seu verbo ou que, escutando-o, lá se foram,
avaros do bem que levavam e esquecidos da mão que o derramou:
50
Não sinto – nem rancor, nem odio, Quedo,
emquanto o espolio entre elles se reparte.
Nem choro – Sonhador, Mago ou Aédo –
Vendo entre espurias mãos o aureo Estandarte!
.........................................................................................................................................................
55
Poeta. Em meio da Odysséa de uma Sombra, já á luz daquella Lampada, tiveste da
Bahia uma visão longinqua e fugace, ao cair de um desses crepúsculos tropicaes, soberbos e
ephemeros. E numa estrophe deixaste a paisagem fixada e um traço de alma surprehendido:
O casario constellando a serra
lembra, ainda mesmo a olhar de olhos atheus,
60
o presepio festivo com que a Terra
engasta o berço do Menino-Deus.
E, sob a bençam luminar do Espaço,
no porto, em baixo, a terra-firme tem
a configuração de um grande abraço
65
de acolhimento a todos os que vêm...
E agora tens a Bahia a ouvir-te, acolhedora. Poeta, a Bahia te sauda.
Bahia 22 de janeiro de 1925
Arthur de Salles.
135
4.3.8
A viola e a tirana
4.3.8.1 VERSÃO AT
SALLES, Arthur de. A Viola e a Tirana. A Tarde.
Salvador, ano 13, n. 5122333, Supplemento semanal –
Letras, Artes. p.7, 07/fev./1925.
Texto impresso em uma coluna, em tinta preta, medindo 425×65mm, ocupando quase
toda a margem esquerda da página. Na L.1, o título: A Viola e a Tirana, seguido da indicação
do conteúdo do texto, entre parênteses e em fonte de tamanho menor: (Allocução proferida
em Santo Amaro, apresentando o folklorista Leonardo Motta). À direita encontram-se poesias
de Hermes Fontes e textos de Caio Pedreiras e Antonio Vianna, além de uma pequena coluna
intitulada Pensamentos soltos. No rodapé, completando a página, conclusão de um discurso
de Ruy Barbosa, apresentado por Anatole France.
O suporte encontra-se manchado e
amarelado pelo tempo, com marcas de dobraduras que, entretanto, não dificultam a leitura.
4.3.8.2 Classificação estemática e escolha do texto de base
A versão AT, única de que se dispõe, serviu de base para a edição, com o seguinte
estema:
O
AT
edição
Fig. 8. Estema da edição de AVT.
333
Versão localizada no acervo da Biblioteca do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.
136
4.3.8.3 TEXTO
A Viola e a Tirana
[Allocução proferida em Santo Amaro, apresentando o folklorista Leonardo Motta334]
Minhas senhoras, meus senhores:
Vós já ouvistes falar, por certo, em Leonardo Motta, este cantor dos cantadores desses
5
rincões sertanejos do nordeste brasileiro, este homérida das glórias obscuras da gente tabarôa,
este revelador da alma sertaneja nos arrancos épicos de sua vida e no lamento longo e ardente
de sua poesia.
Vistes passar nas páginas de seu livro uma porção de figuras: poetas broncos vates
rudes, orgulhosos do seu mister de cantores, de aédos, de rhapsodos, gravando na redondilha
10
esvoaçante o concerto profundo, a tristeza fundamental da raça, a alegria fugitiva, a saudade
perenne de não sei que região, a queixa longa do desejo e o gesto heroico do ultimo recontro.
A missão que este moço se impoz tem o brilho magnífico de um poema, tem a belleza
heroica de um sacrificio, tem o fulgor de um apostolado! Como aquelles velhos cantores
gregos que iam derramando pelas terras douradas da graça, de cidade em cidade, de ilha em
15
ilha, os hexametros de Homero, ou como os troveiros medievaes, alvoroçando os castellos
com a narrativa das façanhas do rei Arthur e os esplendores guerreiros do cyclo carlovingio,
assim Leonardo Motta se foi, sertões a dentro, surprehender a vida e a alma desses homens
rudes da vaquejada e do cangaço. E trouxe para o encanto de nossos ouvidos, para os
extremecimentos de nossa surpresa, para o silencio das nossas cogitações a alma em flor
20
desses sertões e o sertão em flor dessas almas... E uma Illiada, uma Odysséa rebentam
dolorosas e amargas, heróicas e simples, dessa farta messe de versos da simplicidade
envolvente dessas redondilhas, ás vezes de uma belleza tragica como a das aldeias
esbarronadas pelo flagello das seccas, ás vezes de uma belleza cantante de água sorridente de
arvores, quando o sertão resplandece na manhã rebentada ao sol dos eitos, aza sedenta.
É o que ides ouvir, é o que sentireis, é o que palpitará neste ambiente: a vida e a alma
25
da gente sertaneja, na vibração larga de seus estados emotivos, na rijeza de aço de suas
energias Moraes, na onda revolta e sangrenta de um gesto desfeito, muita vez na espumarada
branca de uma tirana.
O portuguez tem a guitarra e o fadinho. A alma sonhadora da gente que descobriu
334
Leonardo Mota (1891-1948), escritor cearense, folclorista, professor, bacharel em Direito. Publicou
Cantadores (1921), Violeiros do norte (1925), Sertão alegre (1928), No tempo de Lampião (1930), Prosa vadia
(1932) e Adagiario (póstumo). (COUTINHO Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura
Brasileira, op. cit., s.v).
137
30
mundos debruça-se sobre o instrumento e canta. O canto resumbra de oceanos longinquos e
de caravellas perdidas em fundos sombrios de horizontes. O trinado da guitarra portugueza
recorda a saudade dos marinheiros guardando lagrimas no concavo das vagas.
É um soluço [s]ecular illuminado de glorias e de immortalidades...
O sertanejo tem a viola e a tirana335. Viola que não atravessou mares desconhecidos,
35
tirana que é uma flor dorida de espuma dos mares do coração. A viola é a alma solitaria das
cousas, travada do sofrimento da terra e amargurada do esquecimento dos homens, voz
profunda da vida, multipla como a dor e eterna como a belleza. A tyrana sedenta voejando
ansiosa no circulo de um horizonte abrasado.
Eu não sei meus senhores, si é a viola que vae acordar na gruta silenciosa do coração a
40
aza adormecida da tirana, ou si é a tirana que faz borbulhar esta agua tremula e soluçante,
doce como um conforto, piedosa como um apaziguamento, divina como a voz da Esperança
na fragoa de um desespero...
Que seria do sertanejo sem a viola? Si ella morresse, si as cordas soltassem como
pedaços do coração, si a sua voz emmudecesse com o ultimo clamor da terra e da vida, a
45
tirana morreria, por certo, ou correria louca pelos descampados e taboleiros, ultima
sobrevivente do naufragio de um mundo.
É o que Leonardo Motta vos vae dizer: a vida sertaneja, illuminada por esse dialogo
eterno e sempre novo entre a viola e a tirana. E nisso está a gloria immarcessivel deste
homérida da cousas brasileiras, deste que vos vae falar dos poetas maravilhosos – Leonidas de
50
rifle e cartucheira – de alma de sol e coração de luar, esquecidos por quatro secullos de
civilização!
Arthur de Salles.
335
Tiranas são composições poéticas populares que têm como característica predominante a melancolia. Eram
cantadas por boiadeiros, lavradores, garimpeiros, sertanejos de modo geral, que além das quadras das tiranas,
também compunham sambas e cocos para os sapateados e repinicados de suas festas nos terreiros. DINIZ,
Almachio. A cultura literária da Bahia contemporânea, op. cit. p. 33-35.
138
4.3.9 Fragmento do discurso do Academico Arthur de Salles336
4.3.9.1 VERSÃO RALB
SALLES, Arthur de. Discurso do Academico Arthur
de Salles. Revista da Academia de Letras da Bahia.
Salvador, ano 2, v. 2, n. 2-3337, p.37-42, jun.-dez. de
1931.
O texto possui 169 linhas, distribuídas em uma coluna, impressas em 6 páginas, em
tinta preta. Na primeira página, o texto ocupa os dois terços inferiores, com mancha escrita
de 112 × 101 mm. As páginas 38 a 41, possuem mancha escrita de 164 ×101 mm, cada uma.
Na página 42 o texto finaliza-se em 4 linhas cuja mancha escrita é de 20 ×101 mm. Na p. 37,
antecedendo o texto, indicação de autoria, em caracteres maiores que os do corpo do texto:
Resumo do Discurso de Academico Arthur de Salles. Na L.3 da p. 38, uma linha de pontos
marca uma fragmentação do texto. Na L. 2 da p. 38, está apagada a letra c em coroamos, o
mesmo ocorrendo com a letra e de estranha, L. 21. Na mesma linha, grafadas unidas as
palavras ha de. Também unidas estão minhalma, na citação, L. 33, p.41 e afé, L. 2, p. 42. Na
p. 42, para além da mancha escrita, ao centro, um sinal indicativo de término do texto,
composto por dois fragmentos de reta, no sentido horizontal, unidos por um ponto central.
4.3.9.2 Classificação estemática e escolha do texto de base.
A versão RALB, única de que se dispõe, serviu de base para a edição, com o seguinte estema:
O
RALB
edição
Fig. 9. Estema da edição de FRD338.
336
Fragmento do aplaudido discurso proferido, em recepção a Affonso de Castro Rebello Filho na ALB, posse
oficial ocorrida na noite de 14 de janeiro de 1930, no Paço Municipal. (A POSSE solene de um poeta de raça. O
Imparcial, Salvador, n. 3440, p.1, 15/01/1930).
337
Exemplar consultado no acervo da BPEB.
338
Dados importados da Dissertação de Mestrado (PEREIRA, Norma Suely. Um punhado de versos e páginas
de prosa..., op cit.)
139
4.3.9.3 TEXTO
[Fragmento do Discurso do Academico Arthur de Salles]
Dissestes bem, meu novo e eminente confrade, do gesto bom desta Academia que
vos acolheu no seu seio: como justiça que lhe andava a cair das mãos e não como
recompensa dos vinte annos de vida sonora com que enaltecestes o vosso nome,
a vossa terra e a vossa geração. Ella sim, a Academia, que ficou recompensada deste
5
mister, deste labor de sustentardes na velha cidade, assentada sobre as suas montanhas
legendarias, a chamma perenne da intelligencia, do sonho e da belleza, como aquellas
vestaes romanas, vigilantes do fogo sagrado nos altares do templo do Povo dominador.
Foi vossa modestia, refugindo sempre ao chamado de vossos amigos que
10
demorou vossa entrada neste gremio onde nunca fostes estranho. Um dos seus patronos
tem o vosso nome e é de vossa linhagem: aquelle soberbo poeta dos Louros e Myrtos339
que, poderiamos chamar, no conceito do Sr. Afranio Peixoto, de castrida, talvez do
ultimo castrida, cuja imaginação foi, como elle o disse de Carlos Gomes,
esplendida effusão da natureza em festa
15
transbordamento azul do americano céo
e cuja lyra, como um sol poente, despediu sobre a terra brasileira os ultimos fulgores do
romantismo, os derradeiros flamejamentos do condoreirismo.
E se me é dado evocar, se é dado crer na presença invisivel dos que estão nessa
*p.38
20
região do Alem, creio que o espirito do poeta *da Orientalis Visio340 aqui está
risonho e feliz nesta hora em que vos [c]oroamos341 com as rosas dos vossos versos.
......................................................................................................................
Fizestes passar diante dos nossos olhos as figuras dos grandes poetas, de
Homero, o poeta das heroicidades, a Shak[e]speare, o poeta do coração e da alma, de
modo que esta sala se encheu da luz e do esplendor desses pharóes eternos.
25
Dissestes tanto da poesia, do seu poder, da sua força fecunda entre os homens e os
povos que ainda estamos a sorver o vinho da belleza e da graça e a rever, na phrase
desses philosophos e desses poetas, perquiridores da verdade, escaphandristas do
339
Refere-se ao poeta Castro Rebello Junior.
Soneto do Dr João Baptista de Castro Rebello Junior (1853 –1912) – insígne poeta, jurista e jornalista baiano,
autor dos livros Louros e Myrthos, Poema do Lar, Livro de um Anjo e Ardentias. (HOMENAGEM da Revista
“Os Annaes”. Os Annaes, ano 3, n.2, p. 33, mai. 1913).
341
No periódico, a letra c está apagada.
340
140
sentimento, os vossos proprios anceios, a vossa propria alma e a vossa propria terra.
Fizestes assim, sem que o quizesseis, pensar na vida espiritual do Brasil, neste dominio
30
da poesia, em que elle tem de affirmar a sua individualidade no convivio universal,
como já projecta victoriosamente a sua sombra no seio das assembléas politicas e
scientificas do mundo. Se as nossas forças economicas se intensificam dia a dia, se a
natureza se desentranha a toda hora em novas fontes de riqueza, se as nossas tradições
de heroísmo não se desdouram, nem se apoucam do brilho antigo nos campos de
35
batalha, em terra [e]stranha, como ha de a Poesia, crescer, crear, subir, sem a seiva
latejante da terra, sem reflectir nos seus rythmos a alma dos homens e das cousas, sem
espelhar na trama dos seus poemas esse cunho, essa expressão propria, que girando no
concerto universal, não se confundem, não se perdem, antes fallam alto, num relevo
vivo de realidade paupavel ?
40
Ella, porém, nos apparece, ás vezes, como uma flôr vinda de um paiz frio, abrindo
as petalas medrosas ao sol esbrazeante dos tropicos, como assombrada da luz,
como fugidiça do rumor das florestas, como espantada do rullo das cachoeiras, como
espavorida do tróo dos rios e do marulho desta faixa do Atlantico onde dorme Moema,
que encheu o berço da terra com o perfume perenne da lenda.
45
No entanto, em nenhum paiz do mundo a poesia brota com tanta maravilha e tanto
esplendor.
Em nenhum paiz da terra o alcandorado da epopéa se casa ao intenso do drama, ao
sombrio da tragedia e ás delicadezas infinitas e diaphanas do lyrismo. Em nenhum
*p. 39
50
trecho do planeta *ha maior somma de ineditismo, de rythmos ineditos, de vida inedita,
themas e cousas ahi estão na tortura do ineditismo, palpitando pelo momento luminoso e
creador da libertação.
Almas e cousas ahi estão como a floresta á espera do bandeirante que a desvende,
como o ouro escondido, á espera do garimpeiro que o apresente ao mundo para
embevecer os olhares do mundo.
55
Conheceis o Yrapurú, rouxinol das paludes da região amazonica, assombro do
sabio, maravilha onde os rios tacteiam na ansia de estabilidade e a terra nos apparece
mais formidavel nos periodos euclydeanos. Elle é o Ariel daquelle mundo luminoso e
tenebroso. É manhã. A floresta canta, ruje, gorgeia, trilla, arrulha, pipila, assovia,
gurincha, trina, crocita, esvoaça, rufla, guaya, esplendece e tatala{s}, rumoreja e
60
crespuscula.
Subito o Yrapurú põe-se a cantar. E o silencio se faz. A corruira cessa o galreio na
ramaria rasteira. O gavião para o grito na extrema da sicupira secular. Como que os
141
repteis detêm o rastejamento ondulante. E o canto sobe, cresce ante a passarada
espectante, amplia-se, toma conta da floresta e vae-se enroscando, como invisivel
65
sipoal [sic] sonoro, pelos troncos, e rebentando lá em cima, nas comas, como uma flor
agreste de sons, e descendo e fluctuando, como outra estranha rosa que a Yara deixasse
cair das tranças verdes na sua fuga apressada para o seu palacio.
Essa ave é bem o symbolo da poesia brasileira. Cantar assim, com um cantar
differente, de modo que os outros cantores silenciem para ouvil-a cantar.
70
Sentiu-a o poeta maravilhoso em cuja cadeira vos assentaes. Em versos francezes
Pethion de Villar universalizou a Yara e aquella Tulipa Negra em versos de quatorze
syllabas, de um rythmo estranho, poderoso e bello.
Na hora presente em que a volta ás cousas nacionaes anda inspirando rythmos
novos a uma pleiade de poetas, estes dous sonetos ficam dominando pela expressão e
75
pela brasilidade.
Vós a sentistes tambem. Atravez das notas quentes do vosso lyrismo, dos sonetos
parnasianos em que ainda surgem nymphas e deuses, ha muito dormidos nos sepulchros
frios, salta clara e viva a nota brasileira. O verso tem um novo brilho. As rimas têm
*p.40
80
*irrequietismos passaraes. A natureza vem a nós com os seus encantos, suas graças,
sua vida selvagem, suas proprias tristezas fecundas. Deixae que eu delicie os vossos
confrades e este auditorio com a vossa poesia.
CARDO
Em pleno agreste do sertão adusto.
Abraza o sol. É tudo ermo e silente,
85
Turva, a pupilla deslumbrada, a custo
Descobre o trilho no estendal candente.
Freme, estua, referve o atroz ambiente ...
No ardor da sêde, resequido arbusto
Os braços ergue ao ceo surdo, inclemente,
90
Agua implorando para o chão combusto.
Desdobram-se sem fim planicies rasas
Em taboleiros aridos, maninhos ...
Não soam cantos, não palpitam asas.
142
E em meio a toda a natureza exangue
O cardo mostra, roto dos espinhos,
95
O rubro coração vertendo sangue.
Agora já não é a visão da terra abrazada, já não é o martyrio da terra exsicada
gritando a sua dôr pela bocca muda de uma flôr: é a visão da terra selvagem, bella e
rude, das tabas e das poracês. É o Ypê, symbolo verde e ouro da terra.
Que insolito rumor! Findae este descante.
100
Em meio á solidão dorme o ip é [sic] secular.
Mudam-se as flores de ouro em prata rutilante
Á claridade fria e saudosa do luar.
Dorme e, em sonhos, revê e passado distante:
A tribu prosternada e supplice a invocar
105
Pela voz dos pagés, em extase adorante,
Do iracundo Tupan a bençam tutelar,
*p.41
*E se a noute é de inverno e, de subito, forte
Das montanhas rolando, o temporal do norte
110
A floresta sacode, o solitario ipé
Cuida ouvir no fragor da selva que braceja
A pocema da guerra, o clamor da peleja,
Os rugidos da inubia e os silvos do boré
Ora esse cardo, desabotoando sangrento no taboleiro sertanejo, esse ipê frondejando
115
ao vento, tem mais vida e são mais bellos do que as faias zingarreadas das cigarras
vergilianas, do que os alamos pelos valles da Arcadia e os platanos á beira do Illisus.
Em todo o vosso livro ha um largo sopro sadio de poesia brasileira. Nos versos da
Terra Natal, da Palmeira e outros tantos affirmaes o vosso sentimento brasileiro.
No hymno á Terra Natal ha um fervor de brasilidade esvoaçando pelos
120
alexandrinos. Brasilidade! Ella anda ahi malbaratada por uns tantos poetas desvairados
que abandonando a rima e o metro não buscaram, dentro dos rythmos novos,
143
surprehender as bellezas da terra e a alma da gente. Escolas, credos e cenaculos que
nada edificam, desfazendo em prosaismos incolores o que já vem estuando na alma
ansiosa de um punhado de moços. Brasilidade! Ella está ahi a pedir as nossas horas de
125
inspiração, os nossos instantes de sonho, os nossos desejos de reconquista. Sim.
Reconquistar o que se perdeu. Sacudir da nossa alma essa poesia revelha de deuses
mortos, de paisagens gregas e de guerreiros romanos.
E porque trazeis bem largo este sentimento e bem forte e alta a vibração da
vossa lyra é que esta casa, attenta ao renovamento da poesia nacional, vos envia os seus
130
saudares. No vosso poema Ascenção dizeis em uma estrophe.
Em assomos viris meu ser transborda
De nova seiva e de soberbo alento;
E minhalma resôa, corda a corda,
Qual bronzea lyra que tangesse o vento!
*p.42 135
*É esta seiva nova, é este resôo largo da vossa alma que nos dão a fé num lidador
intimorato na luta pela ascenção cada vez mais alta da poesia brasileira.
Sêde benvindo.
144
4.3.10 Carta a Durval de Moraes
4.3.10.1 Indicação do documento:
SALLES, Arthur de. PR-EP-CO-OM-064:0288-XE06/JM342. Salvador, 25, 26.06.1913.
Texto manuscrito, com 150 linhas, distribuídas em 6 fólios numerados, com a seguinte
disposição por fólios: f. 1, 24 linhas; f. 2, 26 linhas, f. 3, 26 linhas, f. 4, 25 linhas, f. 5, 25
linhas, f. 6, 24 linhas. A numeração é lançada com algarismos arábicos, sublinhados (exceto o
fólio 4), no ângulo superior esquerdo dos fólios 2, 3 e 4; e ao centro da margem superior nos
fólios 5, 6. Nos fólios 2, na margem superior, e 4, na L. 9, separa o texto em partes com um x.
Escrita lançada com tinta preta no recto de papel de carta, pautado, dobrado em quatro; com
manchas de tinta provocadas pela pena. No primeiro fólio, L. 1, a indicação do destinatário:
Durval. Nas L. 22-24 do último fólio, as fórmulas finais da correspondência, com indicação
de autoria na L. 23, Teu Salles e, local e data na L. 24: Bahia – 25 e 26 de Junho de 913.
Trata-se de um documento pertencente ao epistolário do autor, em que este faz uma resenha
do livro de versos Sombra fecunda, de autoria do poeta Durval de Moraes, destinatário da
correspondência.
4.3.10.2 Classificação estemática:
O manuscrito catalogado como PR-EP-CO-OM-064:0288-XE-06/JM, serviu de base
para a edição, com o seguinte estema:
O
edição
Fig. 10. Estema da edição da carta Doc. 064:0288
342
A descrição, assim como a transcrição desse documento foram feitas a partir de leitura anterior feita por Célia
Marques Telles, em 30/05/2001. Para a realização da presente edição não se teve acesso ao documento original,
trabalhando-se apenas com documento xerocopiado.
145
4.3.10.3 TEXTO (Transcrição Paleográfica):
1
Durval:
Desce, numa suavidade mystica, risonhamente magoada, este crespuculo de Junho; as derradeiras claridades pallidas, diluencias do ouro triste do poente esparzidas pelo
5
casario confuso do bairro, entrava pelo salão silencioso onde
ha largas horas já, folheio as paginas amadas do Sombra Fecunda. Á doce evocativa emoção da hora vesperal, abrindo aos
contemplativos os fundos momentos graves e solemnes, as mais
affastadas sombras do Passado, casa-se á profunda emoção do
10
livro folheado que, a cada pagina voltada e lida, abre uma porta
que dá para um mundo onde a minhalma vive, por onde
onde rasurado
ha longos dias, desde a manhã de Maio, anda feliz, transfigurada e gloriosa, vivendo a vida magnifica e sonhando os sonhos immortaes. Maio veio assim <†>, sulcando lar15
go e fundo a alma e a vida de duas eternas emoções:
A Sombra Fecunda e o meu Noivado.
E hoje, o espirito mais em calma, o dia primeiro da minha
volta á tenda augusta do Sonho, dediquei-me inteiramente
a ti, reservei para este colloquio com a tualma, sempre bella,
20
sempre para mim de raro encanto e de intensa vida illuminada e fecunda – a grande fonte que o Destino abriu no meu
Sahara por que não estallassem na febre das sêdes tenebrosas
os <meu> labios da minhalma, humilde mas revoltada, presa ao
fio tortutante de ideaes, de sonhos e de immortalidades.
2
2
x
O mundo das lettras já deve estar de posse do teu livro e tambem
dos sentimentos e idéas do teu livro. Resultará da leitura,
5
se feita intelligentemente, sem os preconceitos dos dogmatismos ambientes, um pensamento todo novo, unico da litteratura nacional. Salteia logo, á primeira vista, a maneira
N manchado
146
dos versos, exquisita, gerando rythmos novos e em os quaes
versos vão se materialisando os teus estados emocionaes.
10
E o artista, o critico, têm diante de si uma dessas organisações revoltadas que quebram, não por um simples capricho ou por um desejo de novidades e bizarrias, de modismos futeis, mas por uma necessidade imperiosa do seu tempera-
necessidade rasurado
mento, por uma ancia incontida de sua visão, as normas
15
e as formulas estatuidas; vê, se aprofundas o pensamento
Dominante na obra, que é uma fatalidade a que não pode
fugir a tua esthesia. E sendo assim, a idea, o sentimento, toda a vida do Sonho, só se integralisariam dentro desses
rythmos ou só poderiam attingir ao pino de sua vibração pela
20
escada desses rythmos.
A poesia, como a alma, evolue. A cada passo, a cada etapa,
a cada assisa[?] que o homem vence nessa eterna perquirição
da vida e da morte, [ † ] mais um horizonte se desdobra, mais um aspecto se descubra, mais uma perspectiva
25
se dilata; e o Poeta o mais batido desse [sic] desejos insaciaveis
o que mais alto falla a esses mysterios, o que mais fundo sente
3
3
a dor e a tristeza dessa eterna mudez das cousas eternas, elle o
interprete <desses> de todos os gritos de almas, vae no incessante
rastrear desses caminhos, creando novas linguagens para expri5
mir o seu sonho, novos rythmos para cantar a sua própria
dor a sua propria tristeza, vae recebendo das proprias cousas
que o cercam novas interpretações, verbos novos que se plas
que manchado
mam nos seus poemas.
E essas visões que se plasmam, esses sonhos que se corporisam
10
e esses gritos, essas idéas, esses pensamentos que se humanisam no verbo, ficam eternos, incorruptiveis e amados
“sob as azas do tempo” não porque se modelassem por este ou
aquelle principio, não porque obedecesse a esta ou aquella
porque rasurado
147
formula, mas porque deram aos homens, ás outras [↑almas] uma porção
15
almas sobrescrito
de Belleza, mas porque deram ás outras almas o apasiguamento de sua dor ou mesmo uma intensidade maior
a uma dor, a um sonho, a uma ancia.
Como, <†> será possivel que toda a emoção de uma alma caiba dentro de um alexandrino ou que <um> o alexandrino seja o ultimo
20
um riscado
estadio a que possa chegar um pensamento, uma idéa, a
morte de um lyrio ou o desabamento de um imperio?.
Visão errada da Arte reduzida ao pesado, ao contado ao medido
ou a lei do “não passeis daqui:”
O conhecimento physico do mundo alargou-se: o telescópio devas-
25
sou o ceo, a terra percebida nos seos extremos, o mar pulsado
nos seus reconditos, a vida rastreada nas suas intimas vibra-
4
4
ções. E a essa delatação nos circulos da vida a essa constante
percepção de verdades no grande Cosmos, ha de a Poesia ficar
muda e cega, ha de ficar á sombra do seu salgueiro, nova
5
Ophelia, cantando a sua canção de morte e de tristura!
Toda [sic] essas revelações não lhe bateram nalma. Não lhe deram
uma mais larga visão da vida, não lhe accordaram
novos sonhos, não lhe geraram novas energias, não lhe augmentara[↓m] o numero das azas para voar mais longe?
10
x
É o que triumpha nas tuas paginas. O teu poder de evocador
da Belleza, a tua visão funda e larga da vida, teus sonhos,
funda rasurado
teus gritos, tuas ancias de solitario e de triste, teu espirito
livre, revoltado, livre diante da vida e da natureza para
15
melhor perceber os seus aspectos, para melhor beber o
vinho amargo e doce, <para melhor>, toda a magnifica
floração de tua alma – tudo ahi está: em versos tensos
fortes, novos, em rythmos que os olhos e os ouvidos e a alma
bebem, sentem, com um encanto raro e com uma emoção
para melhor riscado
148
20
nobre. Todos os gestos heroicos de tualma estão ahi nas tuas
paginas, limpidos, transparentes, e por ellas, <†> alléas claras
e perfumadas, vae<†>/−\se até ao confin [sic] dos teus sentimentos,
vence-se, etapa a etapa, a trajectoria de tua Esthetica.
Esses rythmos que a critica espartilhada e grotesca
25
dos áridos, dos saharicos, talvez refulte [sic] por incomprenhensiveis [sic]
5
sem pontuação
5
são o que de mais suggestivo, de mais bello tem a poesia brasileira. Não é uma imitação dos poetas francezes nas suas
variadas modalidades <poeticas>, de expressão. O verso livre
5
triumphando em grande numero delles, foi por ti percebido
e o fizeste sem outro sentimento que o teu, sem outra escola
que a tua propria maneira de projetar em toda a tua obra
a tua radiosa individu[a]llidade.
Os teus rythmos confirmam essa ancia de individualisa-
10
ção: vão allem do verso livre, é o verso durvaliano, original comportando uma variedade de rythmos, cujo encadeiamento produz essa poesia magnifica, esse vehiculo
em que deixas correr livre, poderosa, a tua Flamma.
Bemditos os que não soffreiam os impetos generosos de
15
sualma com o receio covarde de offender as normas
tradiccionaes de uma escola, de uma seita, abafando
os seus vôos, affogando a sua visão propria, destruindo no silencio criminoso a força creadora, como um
condor que voluntariamente se encerrasse numa
20
gaiola, onde as suas azas, anciosas de azues e de infinitos,
perdessem a gloria dos <re†igios> [↑surtos] para ficarem no terra a terra dos rastejamentos e dos voejos.
Daqui, da tenda amada, eu te saúdo: com a alma coroada de sonhos e o coração rejuvenescido de canticos. Eu
25
te saúdo <no> em nome do meu Sonho, da minha Esperança,
nunca vacillante, nunca descrente da tua victoria, da tua
livre rasurado
149
6
6
Flamma.
Este livro que é o primeiro marco plantado na estrada da
tua peregrinação artistica é uma das mais bellas e
imorredouras paginas da minha mocidade. Vi-o
5
surgir quasi todo do teu espirito, no retiro de S. Bento,
na solidão em que gemeste incomprehendido e
revoltado, extendendo sobre a frieza polar das horas o
manto verde e ouro das tuas estrophes. Dahi essa
nota vivamente pessoal da maior parte dellas
10
sem pontuação
É o Signus, é o Valle das Sonoridades, é a Alléa das
<†>/S\cismas. [sic] onde passeiaste a tua alma e a tua tristeza
Amor rasurado
os teus sonhos e o teu Amor.
Alli, escreveste-o, alli <esc> magnificaste a poesia humana
<†>/c\om “Irmãos na Dor” com a “Neblina” e essa pagina
15
sem pontuação
maravilhosa do “Noivado das Velas”
Se ainda houver sentimento esthetico, se ainda houver
quem vibre diante de uma pagina, quem estremeça ao
ler uns versos, certo, a “Sombra Fecunda” ficará radiando nas almas de eleição e refulgindo nas lettras nacio-
20
naes.
Adeus
Teu Salles
Bahia – 25 e 26 de Junho 913.
150
4.3.11 Carta a Paulo Alberto
4.3.11.1 Indicação do documento:
SALLES, Arthur de. In: ALBERTO, Paulo.
Isaura. Bahia: Typographia do povo, 1923343.
Texto impresso[in 8º], com 17 linhas, mancha escrita 110 mm x 81 mm. Na L. 1, a
saudação inicial: Meu caro Paulo Alberto. Nas L. 15-17, as fórmulas finais da
correspondência, com indicação de autoria na L. 16, Arthur de Salles e, local e data na L. 17:
Bahia, 14 de setembro de 1923. Trata-se de um documento pertencente ao epistolário do
autor, em que este faz um prefácio ao livro Isaura344, de autoria do poeta Paulo Alberto,
destinatário da correspondência.
4.3.11.2 Classificação estemática:
O texto impresso e publicado como prefácio no livro Isaura, de Paulo Alberto, serviu
de base para a edição, com o seguinte estema:
O
edição
Fig. 11. Estema da edição de CPA.
343
Para a realização da presente edição não se teve acesso ao documento original, trabalhando-se apenas com
documento xerocopiado e as indicações da leitura realizada por Célia Marques Telles, em 12/07/1990.
344
ALBERTO, Paulo. Isaura. Bahia: Typographia do povo, 1923.
151
4.3.11.3 TEXTO:
Meu caro Paulo Alberto:
Teus versos naturaes, espontaneos, todos do
coração, todos da alma, são um punhado de flores
que dás á tua eleita. Nestas estrophes quizestes ser
5
somente o poeta do amor, o cantor dos encantos,
das graças da mulher escolhida pelo teu coração
para a vida do lar. No entanto, sente-se que com
o estudo, a leitura dos mestres, o teu estro se
alargará, tomará novas azas, novos rythmos. Teus
10
versos teem vibração, espontaneidade e flexibilidade. Alguns denunciam um poeta lyrico de
um lyrismo suave e encantador. Elles são em
summa os teus versos, a risonha promessa de
um bello poeta.
15
Teu
Arthur de Salles
Bahia, 14 de setembro de 1923
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
[...]345.
345
MELO NETO, João Cabral de. Tecendo a Manhã. In: id. Poesias completas. Rio de Janeiro: Sabiá, 1968.
p. 19-20.
153
5 O DISCURSO CRÍTICO DE SALLES
A reunião de textos de imprensa num contexto diverso acaba por apagar determinadas
marcas características dos periódicos em sua veiculação original. Os textos dispersos nos
periódicos cumprem uma função. Deslocados de seu contexto original os textos dispersos
além de formar novo conjunto, passam a cumprir diferente função, favorecendo o estudo da
obra do autor, possibilitando uma melhor apreciação do seu percurso, de suas contradições,
da sua evolução.
Arthur de Salles foi sempre um grande leitor. Como professor primário, demonstra
erudição, conhecimento enciclopédico e literário, que fazem dos seus textos críticos mais do
que simples recensão informativa de obras publicadas. Entre os critérios que orientam suas
análises, os resultados dessa pesquisa apontam para a valoração do nacionalismo, do senso de
justiça, da sinceridade, da clareza, e da simplicidade, qualidades que em conjunto devem levar
ao “verso e à prosa vibrantes”, que possam refletir a alma do artista, demonstrando, ao mesmo
tempo delicadeza e vigor, sonoridade e sobriedade, erudição e harmonia, que se traduzem em
beleza, em brilho, em emoção. Em determinados momentos valoriza também a eloqüência, a
exuberância das imagens e a ousadia na criação literária.
Em Salles, como em grande parte dos literatos baianos da época, o nacionalismo
baseado em ideais liberais é inspirado pelas lutas da Independência, ocorridas na primeira
metade do século XIX. As batalhas que culminaram no Dois de Julho de 1823346 e a bravura
de seus heróis são evocadas nas imagens da guerra e na exaltação da justiça e liberdade como
bens maiores da humanidade. A evocação da memória, do prestígio dos heróis do passado é,
para Salles, sinal inconteste do nacionalismo na obra dos literatos baianos:
Aqui foi que sempre se amou a Patria e a serviu, não somente no pintar as suas
graças naturaes ou enaltecel-as, no reproduzir e no contar as suas aguas, o arrojado
de suas montanhas, a magestade de suas mattas, mas em amar o seu passado, em
cultival-o no prestigio inapagado dos seus feitos. Aqui foi que o seu nome
nunca
rolou, como moeda azinhavrada, sobre o balcão, na taberna das ambições, dos
interesses de momento; aqui nunca foi elle, como nas missas satanicas, apunhalado
sobre as aras da propria fé republicana (DDM, L. 126-132).
346
Data máxima da Bahia, o 2 de Julho é igualmente data histórica do Brasil. Neste dia consolidou-se a
separação política entre Brasil e Portugal (TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia. São Paulo:
EDUNESP; Salvador: EDUFBA, 2001, p. 247).
154
Em discurso fúnebre proferido em homenagem ao neocruzado e soldado Lopes
Ribeiro347, em março de 1905, Salles destaca o senso de justiça e a imparcialidade que
movem a pena do autor:
Consciencia rectilinea, observador imparcial, critico desapaixonado, onde quer
que existisse o poderio do forte contra o fraco, a Justiça torcida e ageitada ao modo
dos interesses
pequenos, o Direito recalcado ao capricho, a Lei amoldada ás
necessidades ambientes, alli estava a sua palavra, o seo protesto de reivindicação, a
invectiva de sua penna adestrada, tanto no talhar do alexandrino sonoro e
suggestivo quanto no verberar as investidas e os assaltos a esses principios
sagrados. Isto feito com larguezas de vista percuciente, sem as sentimentalidades
falsas de espiritos timidos e dobradiços.
A invulnerabilidade de seo caracter, a immaleabilidade de seo dever
amaciadas pela doçura e pela bondade, avigoradas pela seiva de sentimentos
grandiosos faziam-no um exemplo vivo e bello de acrysoladas virtudes. Nunca por
seus labios passou uma phrase, uma expressão, um conceito que não fossem
depurados nos cadinhos purificantes da Verdade (DLR, L. 113-124).
Como exemplo ele cita as denúncias que fizera aquele poeta no Diário de Notícias,
sobre uma pretensa invasão peruana, que se dizia ocorrer no Amazonas, para onde foram
deslocados soldados do exército brasileiro, mas que não passava de um caso de “grilagem”
orquestrado por outros brasileiros. Na análise que faz da participação de Lopes Ribeiro no
episódio, evoca as imagens das batalhas que culminaram no 2 de Julho e que se juntam a
outros episódios da história nacional como o 13 de Maio e o 15 de Novembro, na
representação do nacionalismo:
A penna de Lopes Ribeiro revelou-nos estas verdades que não passariam
despercebidas, nós bem o sabiamos, tal era o espirito de Justiça que o caracterisava.
Mais uma vez, sobre o manto sagrado da Patria cahe o sangue forte dos seos
próprios filhos, Mater Dolorosa assistindo, muda e crucificada na sua agonia, o
conspurcamento de suas tradições, de seo passado glorioso e de seos louros
immarcessiveis.
347
SALLES, Arthur de. Discurso official [homenagem póstuma ao poeta João Lopes Ribeiro] Nova. Cruzada.
Salvador, ano 3, n. 5, p. 1-6, abr. 1905.
155
Ella, porem, surgirá sempre victoriosa e triumphadora, guardada pelas legiões
invenciveis da Mocidade, que a fará forte dentro de seos limites e respeitada fóra de
suas fronteiras. O povo que lhe escreveo a Illiada de 23 nos plainos de Pirajá, que
lhe traçou as Epopéas de Humaytá e Riachuelo e lhe estrellou a fronte com os sóes
de 13 de Maio e de 15 de Novembro, transmitio-nos o mesmo amor e a mesma fé
impolluta para levarmos pelas areias do tempo, para a Palestina do Futuro, a arca
inviolada de suas glorias. “A rocha viva de uma nacionalidade” enrijada no
patriotismo e na liberdade, no Direito e na Justiça não se fragmenta, não se esborôa;
abalada, ruirá por inteiro (DLR, L. 249 -261).
A vitória dos artistas do presente, ele compara às glórias dos heróis do passado:
Hoje cantamos ao glorioso patricio os cantos do triumpho...
E, nesta hora, sentimos que a Bahia, envolta no manto resplandecente e excelso
de suas glorias, com um grande sorriso de mãe coroavel pairando nos labios,
olhando a geração que ha de amar e cultuar as tradições immortaes do seu Nome,
segreda-nos, numa ressureição de fé, as palavras do digno descendente do
Patriarcha da Independencia: Eu ainda sou a heroina herculea dos seios titanicos,
que trazia do exilio as sombras dos desterrrados para corôal-os de luz... (DXM L.
250-258).
No comentário que tece sobre a Guerra de Canudos e a participação do poeta Lopes
Ribeiro, soldado do nono batalhão de Infantaria, percebe-se uma análise contraditória do
episódio, que inicialmente reproduz a ideologia da classe dominante do período, a qual
considera o sertanejo um fanático que se torna criminoso na defesa de um ideal. O
patriotismo equivocado não impede, contudo, que mais adiante reconheça, concordando com
o poeta homenageado, que os sertanejos são na verdade vítimas, “esquecidos por tres seculos
de civilização”, como já afirmara Euclides da Cunha, em Os Sertões, de1902. Canudos é
então comparada às Termófilas e os sertanejos são os Leônidas de bacamarte (DLR, L.83 100).
Herdeiros da tradição regionalista do romance romântico, os simbolistas baianos
também constroem o nacionalismo a partir da valorização de temas ligados ao elemento
regional, constituído, principalmente, pelas tradições folclóricas e regionais e pelo
delineamento da cena local, com personagens sertanejas e marinhas. Contudo, é grande a
tensão entre o desejo de afirmação do nacionalismo e a imitação consciente de padrões
herdados da tradição européia. Na análise de Antonio Candido, o regionalismo desse período
156
tendeu muitas vezes para um gênero artificial e pretencioso, por encarar com olhos europeus
a realidade local, desenhando um sertanejo pitoresco, sentimental e jocoso348.
Em discurso proferido em homenagem ao poeta Xavier Marques349, Salles destaca o
nacionalismo que norteia a prosa do autor, que não se deixa levar pela grande influência
francesa em voga no período:
A imitação franceza, devido á influencia do naturalismo com que o grande
autor do Rougon-Macquart revolucionara os dominios da Arte, não lhe tentou a
esthesia nem o arrastou para a desnacionalização das letras patrias. Tinha aqui o
filão precioso e inédito que lhe havia de opulentar o escrinio, e que lhe abriria
riquissimas jazidas. As scenas da vida local provinciana, a vida desses humildes
lavradores do mar, elle as foi surprehender, traçando-lhes as almas simples, em suas
espontaneidades emocionaes, em paginas sinceras de sentimento e de verdade, de
observação e de analyse, repassadas de um intenso lyrismo brasileiro e de um
nativismo sadio e exuberante, [...] (DXM L. 133 -144).
Na apresentação que faz do folclorista cearense Leonardo Mota350 a exaltação da
valorização do elemento regional é ainda mais patente. A pesquisa empreendida pelo escritor
para um melhor conhecimento e posterior revelação da tradição sertaneja, Salles a compara
ao processo de composição de Homero e daqueles trovadores medievais que cantaram as
façanhas do Rei Arthur e de Carlos Magno. Mota é denominado um “homérida das cousas
brasileiras”! (AVT, L. 13-18 e 49).
A efetiva influência da cultura helênica, que é evocada com estatuto de superioridade
nos seus primeiros textos, passa a ser re-significada nos textos da maturidade. A partir da
década de 30, prevalece a valorização do sentimento de brasilidade. É o que se pode observar
na comparação entre um fragmento Discurso em homenagem ao poeta Xavier Marques351, de
1906,
Naquelles tempos em que a alma pagan ria e cantava, os gregos reuniam-se na
Eolida para a festa nacional das olympiadas. Os vencedores recebiam as palmas do
triumpho por entre as acclamações das cidades congregadas.
348
CÂNDIDO, Antonio. Literatura e sociedade, op. cit., p. 109-114.
SALLES, Arthur de. Discurso official [homenagem ao poeta Xavier Marques] Nova. Cruzada. Salvador, ano
5, n.11, p. 4-7, out. 1906.
350
SALLES, Arthur de. A viola e a Tirana [Allocução apresentando o folklorista Leonardo Mota]. A Tarde.
Salvador, ano 13, n. 5122, p.7, 07/fev.//1925.
351
SALLES, Arthur de. Discurso official [homenagem ao poeta Xavier Marques], op. cit.
349
157
Pindaro enaltecia-lhes o valor, Phidias esculpturava-os para que ficassem na
memória dos vindoiros.
Revivemos na imaginação aquellas festas em honra a Zeus Olympico e
celebramos esta olympiada branca do amor em honra da Athenas Brasileira (DXM
L.41 -49).
ou ainda no Discurso de recepção a Durval de Moraes352, de 1911:
Hellenisamos aquelle pedaço de terra, estendemos-lhe em cima da nudez
exsicada e brutal o manto do sonho pagão. O ermo floriu transfigurado na
evocação da Hellade.
Os oiteiros escalvados cobriram-se de nomes sonoros. Era o Pentelico, o
Helicon, o Parnaso, a aléa das Scismas, as Propyléas. A geographia complicava-se,
ás vezes, entremeiada de nomes barbaros e adoçada por um toponymico biblico.
Era a Covadonga, a Turris Eburnea, o Valle das Sonoridades, era, emfim, o
Signus, [...] (DDM, L. 504-510).
e esse outro extraído do Fragmento do Discurso de Recepção ao Acadêmico Afonso de Castro
Rebelo Filho353, na ALB, proferido em 1930, em que festeja a expressão de brasilidade na lira
do novo acadêmico e na de outros jovens poetas. Salles critica alguns dos livres metristas, os
quais classifica de desvairados, que ainda não compreenderam a singularidade e a
superioridade dos temas nacionais. E conclama: é hora de “Sacudir da nossa alma essa poesia
revelha de deuses mortos, de paisagens gregas e de guerreiros romanos”. É hora de lutar pela
renovação e ascensão da poesia brasileira. A evocação dos clássicos se faz então,
principalmente, através da comparação, com destaque para a singularidade da poesia nacional:
Conheceis o Yrapurú, rouxinol das paludes da região amazonica, assombro do
sabio, maravilha onde os rios tacteiam na ansia de estabilidade e a terra nos
apparece mais formidavel nos periodos euclydeanos. Elle é o Ariel daquelle mundo
luminoso e tenebroso. É manhã. A floresta canta, ruje, gorgeia, trilla, arrulha, pipila,
assovia, gurincha, trina, crocita, esvoaça, rufla, guaya, esplendece e tatala, rumoreja
e crespuscula.
352
SALLES, Arthur de. Discurso de recepção a Durval de Moraes. op. cit, p. 158-171.
SALLES, Arthur de. Fragmento do discurso do Acadêmico Arthur de Salles. Revista da Academia de Letras
da Bahia. op. cit, p. 37-42.
353
158
Subito o Yrapurú põe-se a cantar. E o silencio se faz. A corruira cessa o galreio
na ramaria rasteira. O gavião para o grito na extrema da sicupira secular. Como que
os repteis detêm o rastejamento ondulante. E o canto sobe, cresce ante a passarada
espectante, amplia-se, toma conta da floresta e vae-se enroscando, como invisível
sipoal [sic] sonoro, pelos troncos, e rebentando lá em cima, nas comas, como
uma flor agreste de sons, e descendo e fluctuando, como outra estranha rosa que a
Yara deixasse cair das tranças verdes na sua fuga apressada para o seu palacio.
Essa ave é bem o symbolo da poesia brasileira. Cantar assim, com um cantar
differente, de modo que os outros cantores silenciem para ouvil-a cantar.
Sentiu-a o poeta maravilhoso em cuja cadeira vos assentaes. Em versos
francezes Pethion de Villar universalizou a Yara e aquella Tulipa Negra em versos
de quatorze syllabas, de um rythmo estranho, poderoso e bello.
Na hora presente em que a volta ás cousas nacionaes anda inspirando rythmos
novos a uma pleiade de poetas, estes dous sonetos ficam dominando pela expressão
e pela brasilidade.
Vós a sentistes tambem. Atravez das notas quentes do vosso lyrismo, dos sonetos
parnasianos em que ainda surgem nymphas e deuses, ha muito dormidos nos
sepulchros frios, salta clara e viva a nota brasileira. O verso tem um novo brilho. As
rimas têm irrequietismos passaraes. A natureza vem a nós com os seus encantos, suas
graças, sua vida selvagem, suas proprias tristezas fecundas (FRD, L. 55-80).
A valorização da língua portuguesa e seu aprimoramento, assim como a valorização
da cena local e dos autores nacionais integram o ideal de nacionalismo que se desenha no
discurso sallesiano:
A lingua – o marmore em que se entalham e encarnam as emoções do Artista e se
perpetúa o sentimento nacional os cyclos da civilização, vem se depurando, mais se
aprimora no desdobramento de sua evolução esthetica. O estylo floresce, numa
evidencia typica de individualidade; canta em rythmações suggestivas, fulge em
facetamentos rebrilhantes na rendilhadura sonora e imprevista da phrase.
O nacionalismo que se respira largamente em toda a sua obra é a phase
consciente de nossa vida literaria, a volta para as coisas do paiz que se expande
agora em pujantes affirmativas nos versos admiraveis de Alberto de Oliveira e de
Olavo Bilac, nas paginas intensamente brasileiras de Affonso Arinos, de Coelho
Netto, nos contos de Pedro Rebello, de Valdomiro da Silveira, nas marinhas de
159
Virgilio Varzea, nas narrativas historicas de Rodrigo Octavio, na vasta obra do
glorioso Machado de Assis e tantos outros (DXM L.161 -175).
A sinceridade é um dos requisitos de valor para a obra literária no período. É isto, por
exemplo, que o crítico José Veríssimo destaca quando analisa o livro de versos Hostiário, de
Francisco Mangabeira354.
O subjetivismo impressionista na crítica sallesiana destaca a
verdade, a clareza e a simplicidade como importantes requisitos na obra de arte, que deve
deixar transparecer a expressão da alma. É o que se pode observar na crítica que faz à obra
Estudantinas, do poeta Álvaro Reis355:
[...] este formoso livro de versos que Alvaro Reis cinzelou com carinho e onde a
sua alma desbordante de lyrismo e de sentimento palpita e se desenha em cada
soneto, em cada poesia. Sem pretensões sem affectações estylisticas, fugindo ao
trivial, numa linguagem correcta, harmoniosa e sincera vae deixando por toda a
obra, bem delineadas e seguramente expressas, as multiplas modalidades de sua
organização de poeta. Caracterisam-lhe[sic], a demais, a simplicidad[e] adoravel de
que se revestem os seos versos, a musica que delles se evola e sobre tudo a verdade
de expressão no desenhar uma paysagem ou no exprimir uma idéa. A este
conjuncto de qualidades nobres que lhe exornam o caracter artistico e que tornam
bella a sua obra em todos os seus lineamentos, allia-se uma imaginação viva e
brilhante (EST L. 18-28).
Simplicidade e clareza são também qualidades destacadas por Salles na obra de Lopes
Ribeiro356:
Suggeria-nos o pensamento eschylliano de que o Artista deve ser o Zeos no
Olympo acorrentando o Prometheo da Idea no Caucaso ciliciante da Forma. O seo
estylo é claro, vibrante, sincero, simples de uma simplicidade que não é trivial (DLR
L.163-5).
Por outro lado, confere destaque às imagens grandiosas, que valorizem a expressão do
sentimento, como se pode verificar na crítica que faz a uma conferência pronunciada pelo
poeta Rafael Ribeiro357:
354
VERISSIMO, José. Opiniões da crítica – Hostiário. Revista do Grêmio Literário da Bahia, Salvador, ano 3,
n.3, p. 456, fev.1904.
355
SALLES, Arthur de. Estudantinas. Nova. Cruzada. op. cit. p. 1-3.
356
SALLES, Arthur de. Discurso official [homenagem póstuma ao poeta João Lopes Ribeiro], op. cit.
160
Horas! Bello thema. Quanta cousa para enc/†\ [h]er um verso ou um pedaço de
prosa torturada a Cruz e Souza !.. Quanta evocação de sonhos mortos, de illusões,
de trechos de vida quando, na concentração ouvimos “la voix grave des heures”
como diz o verso de Hugo! No entanto, a conferencia não satisfez inteiramente.
Ainda ficou muito por dizer[.] O leve, o pacato e brilhante contaram alli. O
grandioso, o profundo, andaram longe. Não houve um bramir de oceano na hora
extranha da procella, um rugido da alma na hora gethsemanica da Dor, na hora
suprema da Revolta, na hora augusta da Victoria !...
Cantou mas não vibrou; trinou mas não repercutio; sorrio mas não gemeu.
Aquillo foi como uma paisagem formosa sem a nota humana para tornal-a real e
profunda.
Salles
(061:0223, L. 3-14).
Homem de grande erudição e vasto conhecimento literário, Salles não ficou preso a
nenhuma estética em especial. Na sua produção literária, como se disse antes, trilhou pelos
diversos caminhos que se apresentaram à sua época, fazendo incursões inclusive pelo
modernismo, como o atestam seus poemas publicados em revistas ditas futuristas e sua prosa
de temática regional. Assim também no exercício da crítica, Salles mostra-se aberto ás
novidades que surgem, não se deixando prender pelos “preconceitos dos dogmatismos
ambientes”358, para usar suas palavras. Na análise que faz do livro Sombra Fecunda, de
Durval de Moraes359, é justamente a novidade do verso livre, a ousadia de tratar novos temas
e de experimentar novas formas que são postas em destaque e valorizadas por representar uma
renovação da poesia:
[...] Salteia logo, á primeira vista, a maneira dos versos, exquisita, gerando rythmos
novos e em os quaes versos vão se materialisando os teus estados emocionaes.
E o artista, o critico, têm diante de si uma dessas organisações revoltadas que
quebram, não por um simples capricho ou por um desejo de novidades e bizarrias,
de modismos futeis, mas por uma necessidade imperiosa do seu temperamento, por
uma ancia incontida de sua visão, as normas e as formulas estatuidas; vê, se
aprofundas o pensamento dominante na obra, que é uma fatalidade a que não pode
fugir a tua esthesia. E sendo assim, a idea, o sentimento, toda a vida do Sonho, só se
integralisariam dentro desses rythmos ou só poderiam attingir ao pino de sua
vibração pela escada desses rythmos.
357
PR-EP-CO-OM-061:0223-XE-01/JM, de 21/05/1921.
Carta a Durval de Moraes (064:0288, fº2, L. 5-6), doc. cit.
359
Idem (064:0288 fº2, L. 7-27 e fº3, L. 1-8).
358
161
A poesia, como a alma, evolue. A cada passo, a cada etapa, a cada assisa[?] que
o homem vence nessa eterna perquirição da vida e da morte, [†] mais um horizonte
se desdobra, mais um aspecto se descubra, mais uma perspectiva se dilata; e o Poeta
o mais batido desses desejos insaciáveis o que mais alto falla a esses mysterios, o
que mais fundo sente a dor e a tristeza dessa eterna mudez das causas eternas, elle o
interprete de todos os gritos de almas, vae no incessante rastrear desses caminhos,
creando novas linguagens para exprimir o seu sonho, novos rythmos para cantar a
sua própria dor a sua propria tristeza, vae recebendo das proprias cousas que o
cercam novas interpretações, verbos novos que se plasmam nos seus poemas
(064:0288).
A imperiosa necessidade de ousar, de buscar novas fórmulas para a renovação do fazer
poético, de acompanhar a transformação natural do mundo e da vida, é reiterada ao longo da
carta, condenando a atitude da crítica tradicionalista que teima em não aceitar a novidade e
exaltando a singularidade do estro durvalino, a qual será mais tarde reconhecida pela crítica
nacional360:
Como, <†> será possivel que toda a emoção de uma alma caiba dentro de um
alexandrino ou que <um> o alexandrino seja o ultimo estadio a que se possa chegar
em pensamento, uma idéa, a morte de um lyrio ou o desabamento de um imperio?.
Visão errada da Arte reduzida ao pesado, ao contado ao medido ou a lei do “não
passeis daqui.”
O conhecimento physico do mundo alargou-se: o telescopio devassou seus
reconditos, a vida rastreada nas suas intimas vibrações. E a essa delatação dos
eirados da vida a essa constante percepção de verdades no grande Cosmos, ha de a
Poesia ficar muda e cega, ha de ficar á sombra do seu salgueiro, nova Ophelia,
cantando a sua canção de morte e de tristura!
[...]
Esses rythmos que a critica espartilhada e grotesca dos aridos, dos saharicos, talvez
refute por incomprenhensiveis [sic] são o que de mais suggestivo, de mais bello tem
a poesia brasileira. Não é uma imitação dos poetas francezes nas suas variadas
modalidades <poeticas>, de expressão. O verso livre triumphando em grande
numero delles, foi por ti percebido e o fizeste sem outro sentimento que o teu, sem
outra escola que a tua propria maneira de projetar em toda a tua obra a tua radiosa
individualidade.
Os teus rythmos confirmam essa ancia de individualisação: vão allem do verso
livre, é o verso durvaliano, original comportando uma variedade de rythmos, cujo
360
Carta a Durval de Moraes (064:0288, fº3, L.16-24, fº4, L. 1-4 e fº5, L. 1-12), doc.cit.
162
encadeiamento produz essa poesia magnifica, esse vehiculo em que deixas correr
livre, poderosa, a tua Flamma [...] (064:0288).
A religiosidade é característica recorrente na obra de Arthur de Salles. Suas marcas,
disseminadas por todo o texto crítico do autor, mostram o conflito do ser que crê, mas que
vacila diante do que não compreende. A morte é entendida como “verdade tremenda,
fatalidade irrevogável”, que causa revolta, capricho de um destino cruel que se compraz em
semear o terror, mas é aceita como o “caminho estrelado e sereno” dos Bem aventurados,
aqueles que anseiam pela Jerusalém prometida (DLR, L.4 -33).
A larga utilização de vocabulário religioso, especialmente termos católicos e
litúrgicos, é outra característica própria dos simbolistas que se pode destacar na obra
sallesiana como um todo e que aparece também nos textos críticos. É recorrente a evocação
da paz, estado de espírito sempre ansiado pelos simbolistas, que para fugir das vicissitudes,
do “lado escuro”, das “brutalidades da vida”, se refugiavam na solidão de seus retiros
claustrais, de suas “Torres de Marfim”, na busca da inspiração.
Soldado, sonhava a Paz como um eterno manto radiante e resplandescente,
cahindo sobre a Humanidade numa uncção divina de refrigerios, num banho
caricioso o ineffavel de engrandecimentos supremos; sonhava a Humanidade
expurgada de todas as culpas limpa de todas as manchas, milagrosamente
rejuvenescida nas agoas purificadoras dessa piscina – Lazaro millenario exsurgindo
do sepulcro numa gloriosa ressurreição.
Homem, estava sempre voltado para esse outro lado escuro da vida onde pulula
a multidão dos nús, dos miseraveis, dos vencidos (DLR, L.125 -131).
[...] para esses o
encontro com aquelles de escol, a convivencia passageira
entre irmãos do mesmo credo, distanciados pelas brutalidades tragicas da vida, são
um bem que se não apaga, um consolo ineffavel, uma caricia que se crystalisa num
mundo de emoções transfiguradoras, miraculosas, como se doces mãos bemditas
que se estendessem, messianicas, pelo mar empolado da alma, asserenando-lhes o
tempesteio, ou sobre o coração, na hora gethsemanica361, alevantando-o para o
amor e para a fé.
361
GETHSEMANICA – adj. triste, angustiante. A locução adjetiva HORA GETHSEMANICA – um neologismo
significa hora decisiva, hora de grande tribulação. Relativo a Gethsemani (Bibl.) Jardim situado no monte das
Oliveiras, lugar onde Jesus foi, após a ceia pascal, com alguns dos seus discípulos, esperar pelo momento da
traição de Judas. (Mc. 14,32-42. BÍBLIA SAGRADA. Trad. e notas Euclides M. Balancin e Ivo Storniolo.
163
Não é que a solidão abafe, por inteiro, as energias do pensamento nem que
estenda sobre elle o frio polar do desconforto, porque o Artista mesmo no tumultuo
estuante da multidão é um solitario, essa voz de solus ex-anima362, a vez e vez, lhe
chega aos ouvidos da alma e elle sente, chega a palpar o vacuo que se lhe faz em
torno: não. Cremos que ella lhe imprime uma feição de fortaleza, arrebanha
porções esparsas de vontade, fundindo-as num bloco inteiriço, abre-lhe os mundos
da concentração; e no in-pace363 dos seus silencios, na tristeza dos seus retiros, que
são, bem muitas vezes, os retiros de nossa tristeza, diluem-se os desejos rastejantes,
expiram as ambições curtas, estratificam-se os egoismos reptantes, fossilisam-se as
alegrias ephemeras (DDM, L.9-25).
A arte, o fazer literário não é visto em Salles como simples inspiração, obra das
musas, mas como trabalho árduo e gradual, em que o artista com persistência constrói a sua
individualidade:
Tudo o que é, a si o deve, á sua persistencia, ao seu amor, ao seu trabalho, ao seu
talento, á sua vontade.
Nos tempos que passam, em que são frequentes esses eclypses da alma, vencida
pelo interesse, batida pelas paixões mesquinhas, rebolcada na ebriedade de gozos
mentidos, faz bem, tonifica e reconforta, fortalece e encoraja contemplar os que
passam assim acobertados na austeridade do caracter, na pureza diamantina dos
sentimentos, na inviolabilidade do dever!... (DXM, L.238-245).
Por vezes, relampeia uma imagem nova, uma rima revolta, um hemistichio
nervoso: é um mundo de originalidade na plastica e no fundo que se alvoroça, que
reponta aqui, ali, como claridades esparsas de sol. E isto vae se accentuando, cresce
o anceio de alargar o ambito de seu mundo pelo consultar intimo de suas
próprias forças intellectivas, desligando-se, a mais e mais, dos pendores, das
inclinações a este ou aquelle processo, para integralisar-se, individualisar-se.
(DDM, L. 101-106)
Edição Pastoral. São Paulo: Paulus, 1990, p. 1303-4). Sobre os neologismos de Arthur de Salles, ver também
DUARTE, Rosinês de Jesus. No mar neológico de Arthur de Salles navegam os regionalismos do Recôncavo
Baiano. Dissertação de mestrado. PPGLL/UFBA. Orient. Prof.ª Dr.ª Célia M. Telles. Salvador, 2007. 120 f.: il +
anexos.
362
SOLUS EX-ANIMA – Expressão latina que se traduz por: “Única, vinda da alma”. (PEREIRA, Norma Suely.
Um punhado de versos e páginas de prosa de Arthur de Salles, op. cit. p. 196).
363
IN-PACE – loc. Lat. que se traduz por “em paz”, fórmula eclesiástica usada em cerimônias funerárias. Usa-se
também como s.m. para significar o cárcere fechado dos conventos em que eram metidos os religiosos culpados
de certos delitos. (PEREIRA, Norma Suely. Um punhado de versos e páginas de prosa de Arthur de Salles, op.
cit. p.189).
164
De um lado a esperança, “sempre mais larga do que a vida”, como diria Sully
Proudhome, sempre a dar ao cardo o purpuro das rosas, ao tojo o nevado dos lyrios,
ás aguas mortas o murmurio dos regatos, e de outro lado, a visão prolongada para o
Além, vibrada pelo intenso tacteiar de mundos, ella se nos affigura um promontorio
distendido largamente para um mar sem raias, de onde partirá um dia a nave
guerreira que elle vae architectando, rostro numa attitude arrogante de porfiar com
as procellas, velame pando, dando-se ao desafio dos pampeiros, o bojo blindado
fortemente em que cada taboa, cada cavilha vale uma revolta, um bocado de odio,
uma porção de crença morta, de dor, de lagrimas até; e lá, no topo agulhante dos
mastros, a flamula de guerra. E é levantar as ancoras e largar as velas e zarpar pelos
desatados regougantes do deserto marinho.
Então, a Odysséa começa a surgir nos lances magnificos e épicos.
É na tosca phrase, na velha comparação, a imagem dos que no silêncio e no
retiro vão architectando o nome, forjando o verbo com que hão de conclamar ao
mundo a sua fé, a sua alma. Tal se nos mostra hoje o Poeta que é o motivo de mais
uma festa no seio da Nova Cruzada. (DDM, L. 27-43).
Através dos exemplos destacados, observa-se, na enunciação, a materialização de um
discurso nacionalista, erudito e moderno, pois embora valorize a tradição, não é saudosista, ao
contrário, é aberto ao novo.
Embora o cidadão Salles ocupe nessa sociedade o lugar do intelectual pobre e afrodescendente, que busca a ascensão social através da sua palavra, da sua produção literária, o
enunciador assume o discurso das classes dominantes, parecendo viver a ilusão de ocupar esse
lugar. Sempre que a realidade se impõe, contudo, o desencanto é patente. Transparece então a
tristeza, e o sentimento de impotência determina o refúgio na Torre de Marfim, seja na solidão
do claustro, ou naquela do sonho.
165
5.1 O ENUNCIADO
De acordo com a Lingüística da Enunciação inaugurada por Benveniste364, o que
transforma a língua em discurso é o ato de enunciação, a partir da apropriação individual da
língua pelo locutor. Segundo a sua teoria, o fundamento da subjetividade está no exercício da
língua e é determinado pelo status lingüístico da pessoa. É a capacidade do locutor para se
propor como sujeito, aquele que, na instância do discurso, diz ego e que, pela sua alocução
constitui o tu. As instâncias de emprego de eu não constituem uma classe de referência,
porque eu não designa um objeto ou um indivíduo em particular. Eu só pode definir-se em
termos de locução, referindo-se a uma realidade de discurso365. Vale assinalar, que os quadros
formais da enunciação propostos por Benveniste apresentam uma visão idealista da
subjetividade, uma vez que admitem um locutor que é fonte autônoma do dizer e do
sentido366. De acordo com uma concepção heterogênea da língua, em sintonia com o conceito
bakhtiniano de polifonia da linguagem, reconhece-se a importância do outro e da interação
social na construção do discurso367.
As idéias veiculadas por Bakhtin e pelos filósofos que compunham seu Círculo
anunciavam um pensamento que mais tarde iria contribuir para a fundação de uma lingüística
da enunciação, ressaltando o papel da intersubjetividade na dinâmica da enunciação368. A
enunciação em Bakhtin, como destacam Flores e Teixeira369, é atividade dialógica, em que o
reconhecimento de si se dá pelo reconhecimento do outro. Em cada palavra há vozes que
soam simultaneamente e que tanto podem ser próximas como infinitamente longínquas,
anônimas, quase despersonalizadas370.
Fazendo um estudo retrospectivo, Carlos Allberto Faraco371 verifica que a
preocupação com o papel da intersubjetividade nos estudos das Ciências Humanas vem sendo
introduzido no pensamento moderno desde o início do século XIX. A crescente valorização
do lugar da alteridade, da interação, da subjetividade na atividade intelectual conduz a uma
364
BENVENISTE, Émile. Problemas de lingüística geral. v.1, op. cit.
BENVENISTE, Émile. A natureza dos pronomes. In: id. Problemas de lingüística geral. v. 1, op. cit., p. 277278.
366
BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Da língua ao discurso, do homogêneo ao heterogêneo. In: BRAIT, Beth
(Org). Estudos enunciativos no Brasil...op. cit., p. 62.
367
Ibid., p. 62-69.
368
FLORES, Valdir do N.; TEIXEIRA, Marlene. O dialogismo: Mikhail Bakhtin. In: id. Introdução à lingüística
da enunciação. op.cit, p. 45.
369
Ibid., p. 57.
370
BAKHTIN, Mikhail. O problema do texto. In: id. Estética da criação verbal. op. cit., p. 353.
371
FARACO, Carlos Alberto. Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil: algumas perspectivas. In: BRAIT,
Beth (Org). Estudos enunciativos no Brasil: histórias e perspectivas. op. cit.
365
166
compreensão do real sempre vinculada aos processos inter-relacionais372. Conforme assinala
Fiorin373, o discurso não é um sistema fechado em si mesmo, é, ao contrário, um lugar de
trocas enunciativas, que podem ser contratuais ou polêmicas. Um discurso sempre cita outro
discurso, podendo fazê-lo com reverencia ou ironia.
Os discursos nascem da dinâmica entre um número infinito de outros discursos que se
cruzam, se esbarram, se anulam e se complementam, construindo e desconstruindo
significados e a subjetividade se constrói a partir dessa materialidade discursiva, como
resultado dessa polifonia, das muitas vozes que o sujeito recebe, reproduz e/ou reelabora
cotidianamente374.
Conforme Bakhtin, a interação entre os interlocutores é o princípio fundador da
linguagem375, ou seja, a linguagem é dialógica. Em seu ensaio Contribuições de Bakhtin às
teorias do texto e do discurso, Barros376 esclarece a distinção entre os termos dialogismo e
polifonia em Bakhtin. Inicialmente, distingue nos escritos do pensador russo dois sentidos
distintos de dialogismo, que se relacionam entre si: o diálogo entre interlocutores, que funda a
linguagem e é a condição de sentido do discurso, e o diálogo entre discursos, no sentido de
intertextualidade, relação com outros discursos. Já por polifonia, Barros377 define um certo
tipo de texto em que o dialogismo se deixa perceber, o discurso em que várias vozes podem
ser ouvidas, em oposição ao discurso monofônico em que uma única voz se faz ouvir,
abafando ou ocultando as demais.
De acordo com a teoria do dialogismo, o discurso nasce no diálogo como sua réplica
viva, formando-se na mútua orientação dialógica do discurso de outrem no interior do objeto.
Um enunciado surgido de maneira significativa num determinado contexto toca os milhares
de fios dialógicos existentes, tecidos pela consciência ideológica em torno de um dado objeto
de enunciação, participando ativamente do diálogo social. Por outro lado, o discurso é
orientado também para a resposta, sendo influenciado pela resposta antecipada, o discurso
resposta futuro que ele pressente, o que ainda não foi dito, mas que foi solicitado e que,
portanto, já é esperado378.
372
FARACO, Carlos Alberto. Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil: algumas perspectivas. op. cit., p. 35-
36.
373
FIORIN, José Luiz. Arena de conflitos e palco de acordo. In: Id. Linguagem e ideologia. 8.ed. São Paulo:
Ática, 2006. p. 43.
374
BACCEGA, Maria Aparecida. Palavra e discurso: história e literatura. 2. ed. São Paulo: Ática, 2007. p. 2122.
375
BAKHTIN M. (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. de Michel Lahud e Yara Frateschi
Vieira. 10. ed. São Paulo: Hucitec, 2002. p. 123.
376
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Contribuições de Bakhtin às teorias do texto e do discurso. In: FARACO,
C. A.; CASTRO, G; TEZZA, C. (Orgs). Diálogos com Bakhtin. 3. ed. Curitiba: EDUFPR, 2001.
377
Ibid., p. 21-40.
378
BAKHTIN M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Trad. de Aurora F. Bernadini et al. 4.
ed. São Paulo: EDUNESP, 1998. p. 85-93.
167
Conforme assinalam Brait e Melo379, a concepção de linguagem que rege o
pensamento bakhtiniano é realizada sob uma perspectiva histórica, cultural e social, incluindo,
para efeito de compreensão e análise, a comunicação efetiva e os sujeitos e discursos nela
envolvidos. Nesse contexto em que as noções de enunciado e enunciação têm papel central, as
autoras destacam ainda, que o enunciado concreto se constitui no processo da interação social
entre os participantes da enunciação e, devido à sua natureza social e histórica, a enunciação
estará sempre ligada a enunciações anteriores e posteriores, produzindo e fazendo circular
discursos380.
Para Bakhtin, conforme assinalam Flores e Teixeira381, a idéia de interação verbal
realizada por meio da enunciação se concretiza entre indivíduos socialmente organizados, seja
o interlocutor real ou apenas uma virtualidade.
A intersubjetividade em Bakhtin está relacionada ao problema da compreensão. Para o
filósofo russo, a compreensão é um processo ativo e se constitui numa forma de diálogo,
estando para a enunciação assim como uma réplica está para outra no diálogo. “Compreender
é opor à palavra do locutor uma contrapalavra”382:
Compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em relação a ela, encontrar
o seu lugar adequado no contexto correspondente. A cada palavra da enunciação que estamos
em processo de compreender, fazemos corresponder uma série de palavras nossas, formando
uma réplica. Quanto mais numerosas e substanciais forem, mais profunda e real é a nossa
compreensão383.
De acordo com o pensamento bakhtiniano384, a língua deve ser vista dentro de uma
realidade enunciativa concreta. O locutor serve-se das formas normativas da língua para suas
necessidades enunciativas concretas em um dado contexto, importando aí não o aspecto da
forma lingüística, mas a nova significação que essa forma adquire no contexto, seu caráter de
novidade385. Para o filósofo russo, na prática viva da língua, a forma lingüística é sempre
utilizada no contexto de enunciações precisas, o que implica sempre num contexto ideológico
preciso, uma vez que “a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido
ideológico vivencial”386.
379
BRAIT, Beth; MELO, Roseneide e. Enunciado/ enunciado concreto/enunciação. In: BRAIT, Beth (Org).
Bakhtin: conceitos-chave. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2005. p. 65.
380
Ibid., p. 65-68.
381
FLORES, Valdir do N.; TEIXEIRA, Marlene. O dialogismo: Mikhail Bakhtin. op. cit., p. 49.
382
BAKHTIN M. (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. op.cit. p. 132.
383
Ibid., p. 131-132.
384
BAKHTIN M. (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. op. cit.
385
Ibid., p. 92-93.
386
BAKHTIN M. (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. op. cit., p. 95.
168
5.1.1 O discurso citado
Os discursos surgidos no interior de um outro discurso, o discurso de “outrem” é
definido por Bakhtin como sendo “o discurso no discurso, a enunciação na enunciação, mas,
ao mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma enunciação sobre a enunciação”387.
Nesse sentido, assinala o filósofo, não basta apenas situar a presença de outra voz; é
importante, sobretudo, observar a “essência da apreensão apreciativa da enunciação de
outrem, pois aquele que apreende a enunciação de outrem não é um ser mudo, privado da
palavra, mas ao contrário é um ser cheio de palavras interiores”388.
Entre os recursos utilizados para referendar a enunciação no corpus analisado
destacam-se a citação integrada ao texto através da utilização de resumo com citação, e a
citação de autoridade.
5.1.1.1 A citação integrada
A citação integrada agrega discurso direto e indireto no discurso relatado, integrados
sintaticamente, conforme descrito por Maingueneau389. Essa forma de citação que ocorre com
freqüência no discurso sallesiano, promovendo total adesão entre as vozes do crítico e do
poeta, aparece marcada através de aspas alemãs, pelo itálico, ou às vezes, sem qualquer
sinalização:
a) Estudantinas
O Sonho do Canhão é uma poesia vibrante; o poeta deu-lhe alentos épicos:
Dorme o velho canhão no dorso da fortaleza onde a vaga bate noite e dia,
bramindo; descança abandonado, recordando os tempos da guerra em que pela sua
guela hyante sahia o vomito de fogo:
“A mensagem formal emissaria da morte”.
Cresce, enlaçando-o, a parasita e mostrando-lhe as campanulas rubras,
“Qual junto ao velho emir estende ás mãos trementes
A taça estonteante a escrava favorita”.
As campanulas aguçam-lhe a saudade da guerra.
“Quem lhe dera a beber o tonico de ferro!
Encher a transbordar campanulas de sangue!”
387
Ibid., p. 144.
Ibid., p. 147.
389
MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. Trad. de Cecília P. de Souza e Silva e Décio Rocha.
2. ed. São Paulo: Cortez, 2002. p. 154.
388
169
Scisma e sonha ver as galeras e as naus, desapparecerem no oceano abertas
pelas balas; a agitação, o barulho tonitruoso das carretas, o retintim das armas
chocando-se, toda a movimentação sinistra da guerra.
[...]
Hoje, abandonado, tem somente o mar que lhe ruge aos pés, os pios da coruja e
“O enfadonho bater das azas do morcego”.
Talvez que o velho bronze desperte e retumbe como outrora no acceso das
batalhas (EST L. 56-78).
b) Discurso de recepção a Durval de Moraes
Nessa análise, o enunciador, diversamente de como procedeu em Estudantinas, utiliza
o recurso da citação integrada sem qualquer sinalização:
A Pedra é uma tragedia em versos, e a ancia de um Artista incomprehendido
no seu sonho, que morre entre esplendores tropicaes, numa riba escarpada, tendo ao
lado a mulher que o amou e que amou a sua obra, a mulher forte que odeia a
piedade e a misericordia.
Ouvi este trecho de um dialogo, quando Julival sente o rugido da turba
renegar-lhe o esforço bemdito, a corvejar em torno de suas paginas. Celina, a voz
que redime e que alevanta, diz-lhe suavemente:
Que nos importa que te negue o Mundo,
Quando eu te adoro e creio no teu verso!
Julival:
Não! É a piedade que esta phrase dita,
Teu amor... vale o Universo.
Celina, cruzando os braços orgulhosamente sobre os seios palpitantes:
Piedade de ti? Fora maldita
A compaixão que meu amor tivesse;
Meu amor não se fez para misericordia!
Não ergo a um falso deus a minha préce,
Nem beijo os pés de idolo risivel! [...] (DDM, L. 335-352).
170
5.1.1.2 A citação de autoridade
Com esse recurso, o enunciador visa à legitimação do discurso através da convocação
de uma voz reconhecida, que confere autoridade ao que é enunciado:
a) Estudantinas
Em Estudantinas, o enunciador convoca as vozes da critica imparcial e sensata deste
e dos outros estados e tambem do extrangeiro [sic], e um crítico reconhecido, Theotonio
Freire390, como respaldo ao que foi dito:
Como se vê, a estréa de Alvaro Reis é uma das mais auspiciosas. As justas
referencias que elle tem recebido da critica imparcial e sensata deste e dos outros
estados e tambem do extrangeiro provam-no, sobejamente. Theotonio Freire, olhar
arguto e percuciente em cousas de Arte, individualidade cujo destaque avulta
soberanamente no quadro das letras patrias, assim se exprime: “Nesse travar
continuo de renhidos combates, nesse luctar sem treguas pela conquista de louros,
sempre novos e verdejantes, o Sr. Alvaro Reis vibra de esthesia em esthesia,
percorre a gamma quasi infindavel das sensações, e de trabalho em trabalho revela
nos sempre uma nova face de seu talento de bom fazedor de versos. Estes lhe saem
correctos, fluentes, sem grande esforço e mais ou menos revestidos da farfalhante
roupagem do estylo”.
E terminando a sua brilhante noticia, diz: “Estudantinas é a promessa formal de
um bom poeta” (EST, L. 143-155).
Observando-se as estratégias argumentativas do enunciador no processo de citação,
verifica-se que a crítica favorável é classificada como imparcial, sensata e justa e o crítico
escolhido para referendar a sua opinião possui olhar arguto e percuciente e traz uma brilhante
notícia. Por outro lado, os críticos que se pronunciaram desfavoravelmente à obra de Álvaro
Reis são por sua vez desqualificados como barulho confuso, critica malavisada, desacertada,
disparatada, perdidos num labirinto de contradições e incongruências.
b) Discurso em homenagem a Xavier Marques
Tratando da importância que confere à defesa da língua nacional, na construção do
nacionalismo, o enunciador convoca a voz de Coelho Neto, autor consagrado na cena literária
nacional para ratificar o que diz:
390
Theotônio Freire foi membro da Academia Pernambucana de Letras. Em 1904 tornou-se sócio
correspondente da Revista do Grêmio Literário da Bahia (Revista do Grêmio Literário da Bahia. Ano III, n.2,
dez. 1903, p.427; e n. 6 e 7, abr. e mai. 1904, p.514.)
171
Diz o estylista do Inverno em flor: “Ultimamente tem-se notado um
pronunciado desejo de autonomia, os escriptores concentram-se na Patria, tiram os
olhos dos horizontes extrangeiros, volvem á dos mestres da lingua, abandonando,
por momentos, os francezes que tanto têm contribuido para a despersonalização da
nossa literatura”. O que diz este escriptor, encontra-se no novellista de Jana e Joel.
A cultura da lingua, a convergencia de vistas para as fontes indigenas, o
nacionalismo em que são vazados os seus trabalhos e o engenho, com que os tem
tratado deram-lhe a saliencia notavel entre os modernos escriptores nacionaes e o
fizeram o primeiro em todo o Norte do paiz.
E logo adeante fala ainda Coelho Netto: “É bom que assim seja, porque, com a
grande corrente de immigração extrangeira, *principalmente para o Sul da
Republica, é necessario que a lingua tenha uma defesa para que se não deixe
supplantar pelo alienigenismo, desapparecendo, ou apenas subsistindo em dialecto
rude” (DXM, L. 176-191).
c) Chronica dos Mortos
Em Chronica dos Mortos, para atestar o significado do sofrimento enfrentado pelos
neocruzados, o enunciador convoca a voz de Cruz e Souza, que nas suas Evocações define o
fazer artístico como uma Via Sacra, uma avalanche de sensações e paixões uivantes, uma
batalha ensangüentada, na qual a dor é necessária. Se não tem a dor, o poeta deve clamar por
ela. Revigorado pela dor e pela fé, pode então o iniciado penetrar as muralhas de ouro do
castelo do sonho391.
No nosso largo tirocinio, na nossa marcha não é a primeira vez que paramos
para encher de flores e de saudades a cruz de uma sepultura. Temos o nosso
cemiterio e as nossas cruzes. Para elles, em certas horas de tristeza a nossa alma,
romeiro [sic] dessas paragens melancolicas da morte, vae, piedosa e boa,
rememorando, abençoando os que se foram, os que comnosco lutaram,
combateram, amaram e soffreram, os que emquanto se agitaram no vortilhão da
vida, ficaram gemendo, mas ficaram sonhando, como diria o divino Paginario das
Evocações (CHM, L. 4-10).
391
SOUZA, João da Cruz e. Evocações. In: id. Obra Completa. Org. de Andrade Murici. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1995. p. 519-524.
172
Noutro momento, tratando das vicissitudes sofridas pelos neocruzados, o enunciador
convoca a voz do Barão de Feuchtersleben, que em seu livro Hygiene d’Alma, diz que “A
vida é uma cruz circumdada de rosas”392.
Os outros lutaram, vieram rompendo caminhos asperos, abrindo clareiras na
matta cerrada da vida.
Para estes ella foi uma “cruz *circumdada de rosas “. Para Raphael as rosas que
por ventura espontaram em risonhos botões, cedo cairam queimadas. Os espinhos
somente ficaram vivos, circundando-a tenazmente (CHM, L. 15-19).
d) Discurso de recepção a Durval de Moraes:
Para atestar as qualidades da poesia de Durval de Moraes, o enunciador cita a avaliação
fieta por Santos Maia, o qual é classificado como representante da crítica sem convenções,
em oposição à crítica estabelecida, classificada como “indigena”393:
E aqui está o que Santos Maia, numa pagina bella, nova e forte sobre a Franco
Poetica, diz do nosso poeta:
“Ao lado do Mario Pede[r]neiras figuraria brilhantemente se não se houvesse
recolhido a um quasi ineditismo criminoso, um poeta bahiano, Durval de Moraes,
que tive a felicidade de conhecer em meiados do anno passado, graças á
amabilidade do pintor Presciliano Silva.
Durval, o que não é muito vulgar em nosso meio artistico, possue uma
criteriosa cultura scientifica, especiali[s]ando-se na chimica, que estuda com amor e
encara de um
ponto
de vista antes superior e philosophico do que
pecuniário e pratico.
[...] Fundamentalmente lyrico, elle, por familiarizado com as eloquencias da
linguagem atomica e com as architeturas da stereochimica, tornou-se (dir-se-hia
que por um phenomeno de educação reflexa) um dos mais amestrados e
espontaneos virtuoses do metro, um dos mais habeis manejadores do rythmo e
rimas que tenho ouvido.
[...] Vae desde o verso de 17, 16, 15 e 14 syllabas, que elle ondula, deforma,
contorce, fracciona, com uma pericia singular, até o tet[r]asyllabo galante, em que
elle tece deliciosas filigramas lyricas [...] (DDM, L. 300-326).
392
“A vida é uma cruz circumdada de rosas” – citação do Barão de Feuchtersleben, no seu livro Hygiene d’Alma
(Nova Cruzada. Salvador, ano 9, n. 6, p.1, jul.1909).
393
SALLES, Arthur de. Discurso de recepção a Durval de Moraes. Os Annaes. op. cit, p. 165.
173
5.2 O ETHOS
Para Ruth Amossy394, “todo ato de tomar a palavra implica a construção de uma imagem
de si”, não sendo necessário para isso que o locutor fale explicitamente de si. A construção da
representação de sua pessoa é feita através de seu estilo, de suas crenças, de sua competência
lingüística e enciclopédica. A maneira de dizer induz a uma imagem que interfere na
realização do projeto. A construção de uma imagem de si, denominada pelo termo ethos, nos
estudos de retórica, de onde se originou, está fortemente ligada à enunciação, ocorrendo nas
trocas verbais mais cotidianas, intencionalmente ou não395. A construção do ethos visa a uma
legitimação do discurso. A eficácia da palavra produz uma imagem que objetiva causar
impacto, garantir a adesão do interlocutor396. O conceito de ethos discursivo, partindo de uma
concepção aristotélica tem o sentido moral, mas essa moralidade não parte de uma atitude
interior do sujeito, referindo-se, porém, às suas escolhas deliberadas e apropriadas, na
construção da argumentação397. Não é o que o locutor diz, mas sim o que ele mostra em sua
enunciação que vai torná-lo ou não digno de fé398.
De acordo com a ótica pragmática a linguagem não se resume a um meio de expressão
de sentimentos ou transmissão de informações, é sim uma atividade intencional que modifica
uma situação. Os estudos de pragmática lingüística inserem-se na esteira da teoria de John
Austin, que refletiu sobre a força e a eficácia dos atos de linguagem399, e o engajamento do
falante na interação comunicativa, considerando a linguagem uma prática social concreta, que
envolve contexto, convenções de uso e intenções do falante400.
Segundo o filósofo britânico, um ato de linguagem só é bem sucedido quando o
destinatário reconhece a intenção associada à sua enunciação401. Na análise de Maingueneau,
por outro lado, qualquer ato de linguagem tem pretensões, por sua própria enunciação, à
legitimidade, ou seja, a ocorrência da enunciação já pressupõe que as condições exigidas
394
AMOSSY, Ruth. Da noção retórica de ethos à análise do discurso. In: AMOSSY, Ruth (Org.). Imagens de si
no discurso: a construção do ethos. op. cit. p. 9.
395
Ibid., p. 9-10.
396
Ibid., p. 16-17.
397
EGGS, Ekkehard. Ethos aristotélico, convicção e pragmática moderna. In: AMOSSY, Ruth (Org.). Imagens
de si no discurso: a construção do ethos. op. cit. p.29-37.
398
MAINGUENEAU, D. Ethos, cenografia, incorporação. In: AMOSSY, Ruth (Org.). Imagens de si no
discurso: a construção do ethos. op. cit., p. 70-71.
399
É importante destacar que a preocupação com os atos de enunciação fora manifestada anteriormente por
Benveniste em sua obra de 1958, quando este tratou das formas subjetivas da enunciação, descrevendo a
mudança de atitude instaurada por uma enunciação na utilização de determinados verbos (BENVENISTE,
Émile. Da subjetividade na linguagem. In: id. Problemas de lingüística geral. op. cit. v. 1, p. 290-293.
400
AUSTIN, John L. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Trad. de Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto
alegre: Artes Médicas, 1990.
401
Ibid. p. 21-28.
174
foram reunidas402. Maingueneau assinala ainda que os atos de linguagem importam na
definição da identidade, o lugar dos interlocutores no discurso: “quem sou eu para falar-lhe
desse modo? Quem é ele para que eu lhe fale dessa maneira? Quem ele se considera para me
falar dessa maneira?403”
A língua estudada numa perspectiva pragmática compreende a linguagem como ação,
trabalho de um falante, atuação concreta sobre o real e não mais como sistema abstrato,
simples representação da realidade404. Conforme Maingueneau, essas duas vertentes
relacionam-se com a dissociação histórica entre o lógico e o retórico. Do ponto de vista
lógico, a linguagem é questionada acerca da veracidade de suas proposições. Já sob o prisma
da retórica a análise centra-se no estudo da força persuasiva dos enunciados, na apreensão da
linguagem como discurso produtor de efeitos que efetivamente intervêm no real. A
pragmática ocupa-se, então, da linguagem em contexto. A linguagem que é mobilizada por
um enunciador, que se dirige a um interlocutor, produzindo determinado efeito, dentro de um
certo contexto405.
Vale ressaltar, conforme assinala Fiorin, que esse ato individual de utilização da
língua, não representa apenas a apropriação de estruturas estáveis da língua, mas significa
também trabalho, que jogando com as estabilidades e as instabilidades da língua, desestabiliza
seus usos, desfazendo diferenças e criando outras, reinventando sentidos, rompendo coerções
sintagmáticas e reconstruindo paradigmas406, pois o discurso é da ordem do acontecimento, o
lugar privilegiado da instabilidade lingüística407.
A noção de discurso aqui considerada é aquela relacionada à pragmática e utilizada
por Maingueneau, que se apresenta como uma organização situada para além da frase,
formando uma unidade completa, orientada em função de uma perspectiva assumida pelo
locutor, que por sua vez se dirige a um interlocutor ou co-enunciador, e com relação ao qual
constrói o seu discurso. O discurso é sempre construído em função de uma finalidade408.
Conforme Maingueneau409, “Falar é uma forma de ação sobre o outro e não apenas uma
representação do mundo”. “Todo gênero de discurso implica um certo lugar e um certo
momento”410. Como assinala Orlandi, não há neutralidade nem mesmo no uso mais
402
MAINGUENEAU, D. Pragmática para o discurso literário. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 10.
Ibid., p. 10-11.
404
BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Da língua ao discurso, do homogêneo ao heterogêneo. op. cit. p. 59-69.
405
MAINGUENEAU, D. Pragmática para o discurso literário. op. cit., p.1-3.
406
FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. 2. ed. São Paulo:
Ática, 2002. p. 19.
407
Ibid, p. 22.
408
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. op.cit., p. 52-53.
409
Ibid., p. 53
410
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. op.cit., p.66.
403
175
aparentemente cotidiano dos signos, a linguagem é opaca, conduz a ciladas, equívocos, o que
nos obriga a um estado permanente de reflexão411.
O discurso é contextualizado e assumido por um sujeito que diz eu e se coloca como
fonte de referências pessoais, temporais e espaciais do enunciado412. Na relação enunciador –
enunciatário413, o uso da primeira pessoa associa a imagem do enunciador à imagem vendida
no discurso conferindo-lhe legitimidade e dando autoridade ao que é dito. É o princípio da
incorporação de que fala Maingueneau414: a ação desenvolvida pelo ethos sobre o coenunciador, “permite a constituição de um corpo, o da comunidade imaginária dos que
comungam na adesão a um mesmo discurso”415.
5.2.1 A construção do ethos e a enunciação na primeira pessoa do plural
O uso da primeira pessoa, um dos recursos pertencentes à sintaxe discursiva, cria um
efeito de subjetividade. Sua não utilização, ao contrário, estabelece um efeito de
objetividade416. A enunciação pela forma nós, pode ocorrer de forma inclusiva (eu+você), ou
exclusiva (eu+ele), entendendo-se por inclusivo a ocorrência de seqüência discursiva em que
o enunciatário é incluído na enunciação.
a) Estudantinas
Com esta crítica417 Salles analisa um livro de poesias do também neocruzado Álvaro
Reis, contrapondo-se, através de uma crítica impressionista, às opiniões pouco favoráveis de
uma parte da crítica da época à obra de estréia de Reis, Estudantinas.
O texto traz características da retórica e é fortemente persuasivo. Utilizando-se de um
plano embreado418 o enunciador constrói enunciados dependentes do ambiente não verbal419.
411
ORLANDI, Eni P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. 4 ed. Campinas: Pontes, 2002. p. 9.
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. op. cit. p.54-55.
413
Embora reconhecendo as diferentes nuanças de sentido que se estabelecem entre as denominações,
enunciatário, interlocutor e co-enunciador, dependendo das teorias a que estejam vinculadas, os referidos termos
foram aqui utilizados como expressões sinônimas, compreendidos como o leitor/ouvinte real ou virtual a quem
se dirige o discurso, aquele em função do qual se orienta a enunciação e que, dentro de um processo de
compreensão ativa participa da formação do discurso.
414
MAINGUENEAU, Dominique. O ethos. In: id. Análise de textos de comunicação. op. cit. p. 99.
415
Idem, p.99-100.
416
FIORIN, José Luiz. Discurso: autonomia e determinação. op. cit, p.17.
417
Em princípios do séc. XX, verifica-se uma confusão entre os termos “crítica” e “ensaio”, podendo ocorrer,
com certa freqüência, o uso de um termo por outro. Afrânio Coutinho esclarece a questão, apresentando as
seguintes conceituações para os vocábulos: o termo “crítica” é em geral empregado para o comentário de livros
de publicação corrente em seções especializadas de jornais e revistas, o que Coutinho classifica como book
review. Já o termo “ensaio” é utilizado para nomear a crítica de obras ou autores do passado, em geral publicados
em livros. COUTINHO Afrânio. Da crítica e da nova crítica. op. cit., p. 31-33.
418
O plano embreado ocorre quando os referentes do enunciado estão em relação com a situação de enunciação.
Nesse caso, o enunciador deixa marcas no enunciado que indicam a sua presença e a sua atitude face ao que diz.
412
176
Os dêiticos utilizados nos dois primeiros parágrafos e no início do terceiro são embreantes
cujos referentes só podem ser recuperados no ambiente extra-textual. Pressupõem um
enunciatário que partilhe da mesma cena enunciativa:
Ha quatro annos que o nosso espirito, alentado pela seiva poderosa de ideaes
nobilitantes ruma para esse paiz mysterioso da Arte, sopeando entraves como quem
vinga montanhas abruptas ou abre uma estrada no intrincado bravio de uma
floresta.
Quatro annos sem que o nosso esforço affrouxasse ou diminuisse de
intensidade, sem que as nossas energias se esvanessessem, embora o vehiculo de
nossos pensamentos, que é também a historia e o roteiro de nossa perigrinação de
sonhadores, tenha sido, maugrado nosso, contrariado na sua marcha pela influencia
fatal de circumstancias[sic] inalienaveis (EST, L.3-11).
Essa construção torna-se possível porque o enunciatário virtual situa-se numa
formação discursiva próxima daquela do enunciador, partilhando da mesma memória
discursiva. O enunciador dirige-se a outros literatos, ou apreciadores da arte, que não terão
dificuldade em conferir sentidos aos enunciados em questão, que se referem ao esforço dos
neocruzados para se estabelecerem na cena literária baiana e à Nova Cruzada, veículo de
divulgação da sua produção. O enunciador deliberadamente constrói uma certa posição de
leitura, oferecendo instruções que conduzem a uma conivência do leitor na decifração das
indicações fornecidas420. A enunciação se faz na primeira pessoa, utilizando o nós exclusivo
(eu+eles), que inclui além do enunciador, outros neocruzados, convocados a referendar o
discurso.
A partir do terceiro parágrafo, entretanto, os enunciados são apresentados dentro de
um sistema de referências intra-textual, contendo as informações necessárias à sua perfeita
Os referentes são então chamados embreantes ou dêiticos e têm significado estável, identificado com o contexto
de cada enunciação particular. (MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. op. cit. p.
105-123).
419
O suporte e o meio de difusão de um texto são também elementos que devem ser considerados na análise do
discurso, pois o modo de transmissão e de recepção do enunciado condiciona a própria constituição do texto,
modelando o gênero do discurso. Neste sentido, a primeira distinção a ser feita é entre o texto oral e o escrito,
planos que comportam oposições que vão muito além da referência imediata aos suportes. Dentre os vários
aspectos que compõem esta oposição, destaca-se para a análise do texto sallesiano a distinção entre enunciados
dependentes, que pressupõem a presença de um co-enunciador no mesmo espaço físico da enunciação,
possibilitando ao enunciador a utilização de fórmulas fáticas, modalizadores, dêiticos e elipses, que conferem
maior dinamismo ao processo da comunicação, além de garantir maior adesão do enunciatário; e enunciados
independentes do ambiente não verbal, que não contam com um ambiente partilhado e, por isso mesmo, são
constituídos com base em um sistema de referências intra-textual. Contemporaneamente, com as fronteiras entre
o oral e o escrito bastante diluídas, é cada vez mais visível a inserção de características da oralidade no texto
escrito, recurso utilizado pelo enunciador como meio de garantir o aliciamento do enunciatário
(MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. op. cit., p. 70-83).
420
MAINGUENEAU, D. Pragmática para o discurso literário. op. cit. p. 25-26.
177
interpretação. O enunciatário é então convocado a validar o discurso. A enunciação continua
em primeira pessoa, agora com o uso do nós inclusivo (eu+você), recurso que confere maior
aproximação do enunciatário:
As Estudantinas dividem-se em tres partes: Nascentes, Caniculares e Poentes.
Na primeira ha bellissimos sonetos como Intima, Fragas, A Sós, A Beira-Mar
e os tres sonetilhos septisylabos Manhã, Meio-dia e Entardecer, Só, Sobre as
Ondas.
Em todos elles predomina um lyrismo delicioso e rico de emoções.
Transcrevamos Fragas (EST, L. 30-35).
[...]
A Caniculares dá-nos esplendidas descripções como:
Reconcavo, Paysagem Oriental, sonetos artisticamente sentidos, poesias
lavoradas com esmero. Morena, Rei-Mar, Hierarchico e outros demonstraram-no
claramente (EST, L. 52-55)
[...]
Por estes magestosos alexandrinos, podemos aferir a organisação poética do
auctor das Estudantinas.
Temol-o aqui vibrante; mais adiante delicado e suave em Odio e Amor e em
Intangivel. Neste delinêa-se a paysagem da alma insolada pelo desejo irrealisavel
que estúa ardente como a terra abrasada aos raios do sol impolgavel... (EST, L.8385).
[...]
Ornam ainda o livro bem trabalhadas traducções de obras francezas de Pethion
de Villar, Phileas Lebesgue e Heredia, o glorioso parnasiano dos Tropheos. Quem
cotejar as obras destes auctores com as versões do poeta verá que elle se
inteirou da idéa e a transportou para o vernaculo com verdade, harmonia e belleza.
Vejamos o
PÔR DO SOL (EST, L.122-127).
178
b) Chronica dos Mortos
Em Chronica dos Mortos, a utilização da primeira pessoa do plural pelo enunciador
indica que ele fala não só em seu próprio nome, mas em nome de uma coletividade, os poetas
da Nova Cruzada. Além disso, o nós tem a intenção de aliciar o enunciatário, convocando a
cumplicidade do leitor. Ocorre no texto uma alternância das duas formas de nós (inclusivo e
exclusivo). A estratégia é de aproximar e envolver o interlocutor, a partir de um componente
emocional, que também mobiliza a sua vaidade intelectual:
Bento Murilla!..
A Bahia literaria conheceu este incansavel trabalhador. Poeta inteirado,
prosador correcto, o nosso extincto deixou um não pequeno numero de obras
ineditas, reveladoras de sua cultura e do seu talento pujante. O estudo acurado do
nosso folklore que elle de muito vinha fazendo e que infelizmente não teve a gloria
de ver publicado, abrangia, nos seus ultimos tempos, uma bella parte da sua
actividade (CHM, L.27-32).
[...]
Bento Murilla, [...] tornou-se um dos mais populares e um dos mais queridos do
nosso meio literario. (CHM, L. 33-35)
É grande o escrinio do notavel poeta e prosador rio-grandense. [Damasceno
Vieira] [...]
Que aquelles [nós] que o lêem sintam e digam a emoção que se goza no
beber o lyrismo sadio e bom de suas estrophes esplendidas [...](CHM, L. 47-53)
No Paraná o moço [Souza Pinto] não desmentiu a firmeza da nossa crença no
seu esforço. (CHM, L. 64).
Já com o uso do nós exclusivo o enunciador convoca os outros neocruzados para atestar a sua fala.
Observa-se um distanciamento em relação ao interlocutor e uma aproximação com os companheiros de
agremiação literária, evocando aí tanto os vivos quanto os mortos:
No nosso largo tirocinio, na nossa marcha não é a primeira vez que paramos
para encher de flores e de saudades a cruz de uma sepultura. Temos o nosso
cemiterio e as nossas cruzes. Para elles, em certas horas de tristeza a nossa alma,
romeiro [sic] dessas paragens melancolicas da morte, vae, piedosa e boa,
rememorando, abençoando os que se foram, os que comnosco lutaram,
combateram, amaram e soffreram, os que emquanto se agitaram no vortilhão da
179
vida, ficaram gemendo, mas ficaram sonhando, como diria o divino Paginario
das Evocações (CHM, L. 4-10).
[...]
Damasceno Vieira, tambem nosso cavalheiro de honra, cujo retrato illumina
a primeira pagina desta Revista, foi o primeiro que nos veio ao encontro quando,
vae por dez annos, surgimos na arena das letras. Deu-nos o brado de incitamento
e bateu palmas á nossa iniciativa (CHM, L. 37-40).
[...]
Fechemos esta pagina triste e magoada com o nome querido de Souza Pinto
(CHM, L. 58).
A alternância da enunciação com o nós inclusivo e exclusivo estabelece uma situação
proposital de ambigüidade que acaba por levar o leitor a se sentir como um porta-voz do
locutor. O fato de o suporte ser uma revista literária fortalece a pressuposta intenção do
enunciador de agir sobre o Outro, envolvendo e conquistando seu leitor virtual,
presumivelmente poetas, escritores e admiradores das artes e do texto literário.
c) Discurso official em homenagem ao poeta Lopes Ribeiro (DLR)
A utilização do nós inclusivo nos primeiros parágrafos desse discurso convoca os
interlocutores, interpelados na saudação inicial como vós, Meus Senhores, Meus
companheiros de jornada, à legitimação da perplexidade e do desconforto que o enunciador
experimenta no confronto com a dura realidade morte:
É sempre nova a velha impressão da Morte!...
Nunca nos podemos conciliar com esta verdade atroz e nos revoltamos toda a
vez que ella nos faz curvar a fronte diante da fatalidade de seos arestos
irrevogaveis.
Quer voltando o olhar para os espaços, caminho estrellado e sereno dos que
vão para a Bemaventurança, ou dirigindo o olhar para a terra, termo final da
carreira humana, na crença dos que não admittem outra vida melhor, de eterna paz
e de eterno repouso; quer sejamos simples matéria ou tenhamos além desta materia
outra cousa luminosa, intangivel, incorruptivel, immortal, o certo é que a idéa da
Morte nos traz sempre uma especie de torpor sagrado, de scisma religiosa, nos faz
parar contemplativos e silenciosos, diante de um tumulo.
180
Invade-nos uma sombra fria de desconforto, sentimos o gelo chegar até nós,
ouvimos o alarido surdo e confuso de trombetas proclamando a partida para essa
viagem de onde se não volta mais, para essa Jerusalem anciada por tantos corações
enfermos e amaldiçoada pelos que amam gyrar ainda nos centros ruidosos do
Mundo.
Mas, de tudo isso, desse embater de idéas, dessa opposição de sentimentos,
desse indagar incessante e perenne, resta-nos a dôr gemendo e ferindo
cruciantemente: fica-nos essa realidade sem a qual não seriamos perfeitamente
humanos!...
[...] (DLR, L. 3-33)
Noutro momento, descrevendo as atitudes do homenageado e os caminhos que
percorreu, o enunciador utiliza-se do nós exclusivo, referindo-se às relações existentes entre
os confrades da Nova Cruzada:
Assim, gozavamos o beneficio de tão grande amizade e de tão bella e venturosa
convivencia, quando o invicto 16 de Infantaria partio para as terras longinguas do
Matto Grosso, em defesa do territorio nacional.
Vimol-o seguir convicto de seo dever, sereno e forte para a luta onde o seo
patriotismo ia inda uma vez affirmar-se. Um anno depois abraçamol-o contentes e
felizes. Pouco, porém, durou esta alegria.
[...]
Mesmo atravez de todas as difficuldades, vicissitudes e perigos de uma viagem
penosa que tão funesta lhe havia de ser, o nosso chorado Irmão não descançou.
Relata-nos em paginas claras e fulgentes de estylo aprimorado as impressões que
recebera ao subir o Amazonas (DLR, L. 177-190).
d) Discurso em homenagem a Xavier Marques (DXM)
Com a utilização do nós inclusivo, o enunciador busca aqui a adesão dos interlocutores
para referendar a enunciação, seja no elogio do local escolhido para a homengem, o Liceu de
Artes e Ofícios, seja na apresentação da biografia e da obra do homenageado:
E para celebral-a, eis-nos sob o zimborio glorioso deste templo do Trabalho,
que umas almas boas e grandes, eternas na memoria das gerações, levantaram para o
consolo balsamico de muitas almas.
Nas suas naves augustas, paira a poesia profunda e solenne do passado,
infiltrando um sentimento emocionante de evocação, um grato recordar de lutas
181
incruentas, de risonhos alvoreceres de victorias e de refulgências e loiros
immarcessiveis, colhidos nesses combates pujantes de civilização. Sentimos,
envolvendo-nos numa resplandescencia olympia, a claridade perenne de suas
glorias, o fulgor inextinguivel de suas tradições. E mais do que nunca se nos
afigurou tão grande, nem tão majestoso se nos descortinára qual se nos mostra hoje,
[...] E nenhum outro nos serviria no momento que se nos depara: [...] (DXM, L. 5076)
Dentre a plêiade dos que, há decennios, se alistaram na fileira das letras
bahianas e que se tornaram os guardas zelosos de suas tradições, no dominio da
Intelligencia, destaca-se a individualidade triumphante do autor do Holocausto.
Ella é a mais distincta, a mais notavel. Essa distincção e essa notabilidade
avultam mais aos nossos olhos, impõem-se-nos mais caracteristicas e mais bellas
quando inquirimos o meio em que ella se desenvolvera, se ampliara e se definira
[...] (DXM, L. 89-106).
[...] porque em toda a obra do narrador do Sargento Pedro vibra o sentimento
nacional, vive a vida que vivemos, brilha o céu que nos cobre, pompeia a flora que
nos cerca, canta este pedaço do Atlantico que ruge nas penedias, espuma nos
alcantis, rebôa na soturnidade das noites, accordando o silencio absoluto das praias
ermas – este mar que as paginas evocadoras do Pindorama nol-o faz recordar, [...]
(DXM, L. 131-160).
O nós exclusivo é utilizado quando o enunciador convoca especialmente os confrades
para legitimar a enunciação:
A Nova Cruzada ha cinco annos vem rompendo esse adensado bravio de
tormenta... Quanto esforço, quanta coragem para cavar na muralha sagrada o vexillo
de uma Idéa!...
E na hora amarga, sombria das cogitações, sentindo o desconforto quasi assediarnos a alma, seu nome tem sido o brado de incitamento e, sem que o saiba, seguimos
banhados na grandeza edificante de seu exemplo, abençoando o seu trabalho e
bemdizendo o seu valor e a sua fortaleza inamolgavel de stoico (DXM, L. 224-231).
182
5.2.2 Outras estratégias enunciativas utilizadas
Na interação dialógica os interlocutores utilizam estratégias, destacam alguns aspectos
do referente e apagam outros, manipulam a linguagem, realizando escolhas, dentro das
possibilidades que a própria língua oferece para representar, reconstruir o real.
Conforme Maingueneau, “a eficácia do ethos decorre do fato de que ele envolve de
alguma forma a enunciação, sem estar explícito no enunciado”421. A noção de ethos
compreende uma instância subjetiva que emerge da enunciação e que desempenha o papel de
fiador do que é dito. Este por sua vez possui um caráter e uma corporalidade que serão
construídas pelo leitor, a partir das representações sociais valorizadas ou desvalorizadas em
que se apóia a enunciação422.
No processo de argumentação, a seleção dos substantivos, determinantes e
modificadores, utilizados na construção do discurso crítico do autor, obedece a uma lógica de
orientação impressionista. Na análise que faz das obras prevalece o culto da impressão em
detrimento da caracterização objetiva dos textos.
As interjeições, os enunciados interrompidos, os elementos avaliativos (substantivos
de qualidade, adjetivos subjetivos e advérbios avaliativos, verbos apreciativos) e os advérbios
modalizadores ou de frase, que incidem sobre o conjunto do enunciado e não apenas sobre o
sintagma verbal, são recursos colocados a serviço da condução da argumentação. Nos
exemplos destacados observa-se a intenção de persuasão que move a pena do enunciador. As
formas lexicais, assim como as figuras de linguagem são cuidadosamente escolhidas para
envolver o interlocutor, para torná-lo aliado incondicional, para que partilhe das mesmas
idéias, referendando o que é dito.
a) Chronica dos Mortos
No necrológio publicado no periódico literário Nova Cruzada, a argumentação é
conduzida com vistas ao aliciamento deliberado do leitor que é convidado a validar o discurso
do enunciador. Para isso o enunciador utiliza-se de um tom melancólico, funesto mesmo,
descrevendo as circunstâncias em que se deram as mortes dos quatro poetas homenageados de
maneira subjetiva, procurando dar uma idéia de quão sofrida fora a existência dos
neocruzados e da luta insana por eles empreendida para seguir vivendo e poetando...
Bento Murilla!..
421
MAINGUENEAU, D. Ethos, cenografia, incorporação. In: AMOSSY, Ruth (Org.). Imagens de si no
discurso: a construção do ethos. op. cit., p. 70.
422
MAINGUENEAU, Dominique. O ethos. In: id. Análise de textos de comunicação. op. cit. p. 98-99.
183
A Bahia literaria conheceu este incansavel trabalhador. Poeta inteirado,
prosador correcto, o nosso extincto deixou um não pequeno numero de obras
ineditas, reveladoras de sua cultura e do seu talento pujante. O estudo acurado do
nosso folklore que elle de muito vinha fazendo e que infelizmente não teve a gloria
de ver publicado, abrangia, nos seus ultimos tempos, uma bella parte da sua
actividade.
Collaborador e fundador das principaes revistas literarias da Bahia, o nome de
Bento Murilla, nosso cavalheiro de honra, tornou-se um dos mais populares e um
dos mais queridos do nosso meio literário (CHM, L. 27-35).
São quatro os poetas homenageados no texto, todos participantes da Sociedade Nova
Cruzada. Observe-se como são apresentados e em que circunstâncias faleceram:
Raphael Leal, poeta inspirado, foi um dos fundadores da Nova Cruzada, era
enthusiasta e morreu muito jovem. Viveu, entretanto, intensamente e sempre rodeado de
grande sofrimento, informa o enunciador, que se refere à vida do poeta como uma existência
de trinta e quatro annos abreviada pela miseria e pelo abandono. Enquanto outros lutaram e
conseguiram alcançar os louros da vitória, este teria conseguido das rosas apenas os
espinhos. Embora tivesse uma constituição robusta, a escassez dos recursos e a luta diária
para sustentar os filhos acabou por consumir-lhe as energias e leva-lo à morte. De todas as
perdas, dadas as circunstâncias em que ocorreu, esta foi a que mais fundo feriu o coração dos
companheiros. Só a terra foi piedosa e deu-lhe o descanso merecido.
Bento Murilla, trabalhador incansavel, poeta inteirado, prosador correcto muito
culto, detentor de uma grande obra e de um talento pujante, foi collaborador e fundador das
principaes revistas literarias da Bahia e era cavalheiro de honra da Nova Cruzada. Era um
dos mais populares e um dos mais queridos do meio literario local e deixou inacabado um
estudo acurado sobre o folklore baiano.
Damasceno Vieira também foi um dos cavalheiros de honra da Nova Cruzada. Desde
o início da formação do grupo esteve presente apoiando a iniciativa. Poeta já consagrado –
conforme deixa claro o enunciador que o nomeia como, velho Artista das “Albatrozes”,
velho forte, poeta delicado, Artista nobre, figura veneranda dono de um lyrismo sadio e bom
e de estrophes esplendidas, iluminado por uma aureola fulgente e immorredoura – quando os
outros eram ainda neófitos, emprestou seu prestígio para ajudar os neocruzados, publicando
na revista que então surgia. O seu enthusiasmo em relação aos cruzados funcionou como um
clarim de guerra. Diferentemente dos outros ele podia dedicar-se à sua arte, embora tivesse
184
que trabalhar em outras coisas, certamente para garantir o sustento: A sua vida correu entre o
trabalho honesto e o culto da Arte – culto sincero, fervoroso e bello [...]. Além de poeta foi
também crítico e historiador.
Souza Pinto, também um dos fundadores da Nova Cruzada, além de poeta era
bacharel. Como Arthur de Salles, teve que transferir-se para dar continuidade à vida
profissional. Morreu jovem, não chegando a concretizar seus planos e sonhos, conforme nos
indica o enunciador:
Era sua alma apaixonada, enthusiastica do Bello. Desde os tempos academicos
Souza Pinto começou a traçar paginas claras e versos sonoros.
Terminado o brilhante tirocinio academico, o jovem bacharel foi levar a outras
plagas o brilho do seu talento.
No Paraná o moço não desmentiu a firmeza da nossa crença no seu esforço.
Infelizmente, a morte veio sustar-lhe a carreira brilhante, em Fevereiro deste anno,
longe da terra natal [...](CHM, L. 59-66).
Nas cartas que escrevia do exílio, apareciam as saudades da terra natal e as mais
doces recordações da mocidade sonhadora. Inesperadamente a morte o arrancou da
convivência dos demais.
Na construção do texto crítico as estratégias utilizadas pelo enunciador buscam validar
o discurso, seja pela interação com o enunciatário, pela freqüente utilização do plano embreado
e da enunciação na primeira pessoa do plural (“nós” inclusivo e exclusivo) seja pelos recursos
de citação integrada e de autoridade. Na utilização do plano embreado as diversas marcas da
presença do enunciador apresentam um ethos que embora se declare imparcial e amigo da
verdade, se mostra como parcial. Constrói para si uma imagem de erudito, grande conhecedor
do universo literário que o cerca e dos valores estabelecidos pela crítica do seu tempo. Seu
estilo é eclético, defende a tradição, porém sem rigidez, pois é sensível à necessidade de
mudança quando ela se apresenta. Sua imagem é modelada por representações sociais que
espera sejam partilhadas pelo(s) seu(s) interlocutor(es). O co-enunciador, seja interpelado
como “vós”, seja assimilado na enunciação do “nós” é sempre convocado a ratificar as idéias
postas em circulação pelo enunciador. A opção de enunciação na primeira pessoa do plural,
que é recorrente no conjunto de textos analisados, além de inscrever o leitor no texto,
concorrendo para a legitimação do discurso, constrói uma imagem de sujeito coletivo, que ao
mesmo tempo em que engloba o co-enuncidor (eu+você) e inscreve outras vozes no discurso
185
(eu+ele), mostrando um ethos que se coloca em situação de igualdade com o(s) seu(s)
interlocutor(es), comungando dos mesmos valores, da mesma opinião.
A enunciação revela também a grande aproximação existente entre as vozes do crítico
e do poeta, e a sua estreita relação com as diversas vozes oriundas do grupo da Nova Cruzada.
Em Estudantinas, por exemplo, percebe-se que o sucesso de Álvaro Reis configura-se em
vitória importante de todos os neocruzados. O ideal de consagração na cena literária é desejo
coletivo, é o sonho, o alvo de todos os neocruzados e o difícil caminho por eles percorrido
aparece metaforizado como montanhas abruptas, estrada aberta no intrincado bravio de uma
floresta, perigrinação de sonhadores. O enunciador deixa claro ainda, que a Nova Cruzada
foi importante instrumento na luta travada diariamente e que, por maior que fossem os
entraves encontrados, eles jamais desanimaram, fortificados que eram pelos seus ideais.
A valorização das representações do nacionalismo, flagrada na quase totalidade dos
textos remete a uma intenção clara de recuperar o lugar deste ethos coletivo da “antiga
Athenas brasileira” na cena literária nacional.
A defesa incondicional da produção dos literatos da Nova Cruzada objetiva reverter a
situação de pouco prestígio dos simbolistas, na cena literária local, propondo a sua elevação a
um lugar de destaque junto aos consagrados representantes da literatura baiana e nacional.
186
CONSIDERAÇOES FINAIS
A publicação em periódicos, que foi, no início do século passado, o grande facilitador
na divulgação dos textos literários, configura-se, hoje, em grande dificuldade para o
pesquisador no trabalho de resgate dessas obras. Coleções de periódicos incompletas e mal
conservadas nos acervos públicos e outras ainda inacessíveis em mãos de particulares, são
alguns dos problemas enfrentados.
O tempo, o manuseio e, muitas vezes, as condições de armazenamento inadequadas
acabam oferecendo grandes dificuldades ao trabalho do pesquisador. Dentre as coleções de
revistas consultadas, algumas se encontravam em precário estado de conservação,
principalmente as coleções de Careta, A Cegonha, Fon-Fon e Revista da Bahia, que
apresentavam alguns volumes bastante danificados pela ação de insetos, alguns exemplares
incompletos, com páginas rasgadas, cortadas ou arrancadas totalmente e outros ainda que
possuíam apenas as capas. A numeração nem sempre é regular e constatou-se a falta de
alguns exemplares.
A continuidade do trabalho de levantamento de fontes sobre a obra dispersa do poeta
baiano Arthur de Salles além de propiciar o conhecimento de textos inéditos do autor, tanto em
poesia como em prosa, revelou outras faces do escritor, até então pouco investigadas: as de
cronista e de crítico.
O trabalho de fichamento de jornais e revistas, assim como a leitura de obras raras e do
epistolário do autor contribuíram ainda, para o enriquecimento da cultura acadêmica,
proporcionando o conhecimento de detalhes e curiosidades sobre a História da Literatura na
Bahia, nem sempre encontradas nos livros disponíveis ao grande público.
O movimento simbolista no Brasil, ao contrário do que se divulga muitas vezes, foi
bastante extenso, ultrapassando em muito as fronteiras docentro difusor da cultura no país, o
Rio de Janeiro. Na Bahia, como de resto em todo o Norte e Nordeste do país, sua produção
ficou em grande parte restrita à divulgação em periódicos e em tertúlias locais, não alcançando
assim o critério de circulação na memória coletiva nacional, utilizado pela maioria dos críticos.
A indiferença de grande parte da crítica militante se deveu, ainda, à pouca simpatia que
devotavam ao movimento, pois os críticos eram em sua maioria naturalistas e combatiam com
severidade os traços românticos que a estética simbolista recuperava. O resultado da soma
desses fatores é o pouco ou nenhum prestígio com que é tratado o Simbolismo nas nossas
Histórias da Literatura e o conseqüente apagamento do nome de seus cultores da cena literária.
187
A singularidade da poesia nacional no cenário mundial e o valor da produção inédita da
literatura brasileira do período era uma das preocupações de Salles, que assim se referiu em
um dos seus discursos423:
[...] em nenhum paiz do mundo a poesia brota com tanta maravilha e tanto
esplendor.
Em nenhum paiz da terra o alcandorado da epopéa se casa ao intenso do drama,
ao sombrio da tragedia e ás delicadezas infinitas e diaphanas do lyrismo. Em
nenhum
trecho do planeta ha maior somma de ineditismo, de rythmos ineditos,
de vida inedita,
themas e cousas ahi estão na tortura do ineditismo, palpitando
pelo momento luminoso e creador da libertação.
Almas e cousas ahi estão como a floresta á espera do bandeirante que a
desvende, como o ouro escondido, á espera do garimpeiro que o apresente ao
mundo para embevecer os olhares do mundo (FRD, L.45-54).
No Brasil, durante o primeiro quartel do século XX, período a que se circunscreve essa
pesquisa, os periódicos tiveram grande importância, seja como meio difusor e democratizador
da cultura, seja como meio de sobrevivência dos literatos, já que a publicação de livros era
difícil e bastante onerosa. Na Bahia, como em todo o Norte e Nordeste do país, a imprensa
teve papel decisivo na divulgação das idéias e estéticas que circulavam no centro cultural do
país e mesmo na Europa.
Contrariando o que se afirma comumente, a análise dos textos de imprensa, bem como a
da correspondência do autor demonstram que os literatos baianos estavam sempre atualizados,
em sintonia com o que ocorria no mundo das artes, seja no centro cultural do país, seja na
Europa, centro difusor das tendências e estéticas. Em Salles, por exemplo, a atividade crítica é
uma constante, sempre bem informado e integrado ao contexto circundante. É o que se pode
comprovar da leitura do fragmento a seguir, extraído da correspondência do poeta para o
amigo Durval de Moraes424, em que discute o problema da tradução de textos do francês, além
de emitir opinião sobre um texto do poeta e amigo e tecer comentários sobre a sua própria
obra.
Recebi os jornaes e os esplendidos e invejaveis Atobás... Invejaveis, sim!.. Que
pagina, bandido!.. É assim que se escreve sobre Atobás. Li-a, reli-a a magestade e
423
SALLES, Arthur de. Fragmento do discurso do Acadêmico Arthur de Salles. Revista da Academia de Letras
da Bahia. op. cit, p. 38.
424
Carta a Durval de Moraes (062:0237, fº1, L. 9-23 e fº2, L. 1-8).
188
belleza foram surgindo intensas, vibrantes. Tenho para a parte Ribas nataes uma
bella e magnifica seara de epigraphes já que não é possivel arrojal-a sobre estas
desmanteladas paginas do Mar. Salve ainda vez [sic] poderoso evocador...
[...]
Quanto ao Alvaro. Mostrei-lhe os trechos das chronicas de Vieillard. Leu-os
ancioso e tomou-os.
O Alvaro, porem, disse-me que na traducção do poeta paulista há uma falta
grave: ventos alisados. Disse-me que não é possivel. Alisios e só alisios. É termo
exclusivamente maritimo não pode soffrer alteração.
Logo o Alvaro <an> está superior pelo [sic] fidelidade. Agora quase todo mais
eu ainda fico com o Alvaro ao contrario do chronista. E note-se que o soneto foi
ultimamente retocado e está um primor. Quer queiram quer não o Alvaro é o maior
traductor que <eu conheço> tem o Brasil, maximé de Heredia. O traductor paulista
não vae ao bojo do Kilkerry que é mais livre quanto mais do Alvaro. Ora, aqui
está!... (062:0237).
A pesquisa revelou que era grande o intercâmbio de idéias entre os intelectuais do Norte
e Nordeste do país. Os literatos dessas regiões compartilhavam sua produção que era lida,
criticada e publicada nos diversos órgãos de divulgação existentes. Nesse sentido, é possível
assinalar a influência exercida pelas agremiações cearenses, A Padaria Espiritual e o Centro
Literário, ambas surgidas em fins do século XIX, sobre as demais associações literárias criadas
posteriormente em todo o Nordeste. Vale ressaltar, conforme afirma Azevedo, que nessas
sociedades literárias do Ceará as primeiras obras simbolistas surgiram de forma concomitante e
independente daquelas produzidas pelo movimento liderado por Cruz e Souza e outros, no sul
e sudeste do país425.
O predomínio da subjetividade que marcava grande parte da crítica publicada em jornais
e revistas brasileiros entre fins do séc. XIX e início do séc. XX dava-lhe a feição de crônica,
registro ou review, registro de livros em rápido comentário, pois em geral não havia critério
norteador, nem padrão de valores estabelecido para a interpretação, resumindo-se, em geral, ao
critério do gosto pessoal do crítico. É nessa linha crítica impressionista e elogiosa que se insere
a produção crítica de Arthur de Salles, que, por não possuir critérios objetivos de análise,
produz uma crítica de simpatia, predominantemente elogiosa. Na construção da argumentação
as vozes do poeta e do crítico se confundem e o texto toma feições de prosa poética.
425
AZEVEDO, Sânzio de. A Padaria Espiritual e o Simbolismo no Ceará. op. cit. p. 42-48.
189
Salles, contudo, demonstra em seus textos críticos erudição, conhecimento enciclopédico
e literário, que fazem dos seus textos mais que simples recensão informativa de obras
publicadas.
Na construção do discurso os enunciados são estruturados de modo a garantir a adesão
do interlocutor para o que diz. Para isso o enunciador lança mão de recursos específicos, tais
como, a enunciação na primeira pessoa do plural (“nós” inclusivo e exclusivo), a utilização do
plano embreado e o uso do discurso citado, com citação integrada e citação de autoridade. As
marcas da presença do enunciador na enunciação apresentam um ethos que se mostra como
parcial, erudito e de estilo eclético. O co-enunciador, seja interpelado como “vós”, seja
assimilado na enunciação do “nós” é sempre convocado a validar as idéias postas em
circulação pelo enunciador, legitimando as representações sociais apresentadas.
A análise das escolhas lexicais e das demais estratégias argumentativas utilizadas nos
textos levam a crer que as dificuldades, de toda sorte, enfrentadas pelo locutor e por seus
contemporâneos para permanecerem ligados às atividades literárias, estavam sempre
presentes em seu imaginário. No discurso sallesiano a articulação da vida com a atividade
literária aparece metaforizada como luta ingente, combate, arena, vortilhão, caminho aspero,
“uma cruz circumdada de rosas” – como disse o Barão de Feuchtersleben426em seu livro
Hygiene d’Alma. O sofrimento é crucial, principalmente, para aqueles que, como Salles,
tiveram que cumprir longos períodos de exílio para garantir a subsistência. Então os dias
tornam-se placidos, tediosos427 e a inspiração foge da alma do poeta, como as andorinhas do
inverno.
Os sucessos assim como as desventuras de cada neocruzado são enunciados como
patrimônio de todos, mostrando que a luta é coletiva. A convivencia passageira entre irmãos
do mesmo credo, [...] é um bem que se não apaga428. É o que se pode constatar da leitura dos
fragmentos abaixo, que se referem aos neocruzados Xavier Marques e Lopes Ribeiro,
respectivamente:
A Nova Cruzada ha cinco annos vem rompendo esse adensado bravio de
tormenta... Quanto esforço, quanta coragem para cavar na muralha sagrada o vexillo
de uma Idéa!...
E na hora amarga, sombria das cogitações, sentindo o desconforto quasi assediarnos a alma, seu nome tem sido o brado de incitamento e, sem que o saiba, seguimos
426
NOVA Cruzada. Salvador, ano 9, n. 6, p.1, julho de 1909.
Como diz Salles em seu texto As Andorinhas (SALLES, Arthur de. As Andorinhas. A Rajada. Rio de Janeiro,
n. 3-4, p. 96, L. 19. 1919-29).
428
SALLES, Arthur de. Discurso de recepção a Durval de Moraes. Os Annaes. op. cit, p. 1.
427
190
banhados na grandeza edificante de seu exemplo, abençoando o seu trabalho e
bemdizendo o seu valor e a sua fortaleza inamolgavel de stoico (DXM, L. 224-231).
Viverás comnosco na communhão espiritual de nossa Fé, ungindo-nos com os
Santos oleos da tua Bondade!
Ver-te-emos sempre onde quer que haja um soluço, uma alma que sinta, um
coração que gema, um rosto banhado de lagrimas!..
Neste jornadear incessante, neste mourejar de todos os dias, lutando,
trabalhando pela victoria da Arte, foste, entre nós, um soldado estrenuo, um
campeão affeito ao combate.
Esta singela e humilde homenagem não exprime somente um dever de
associação: é uma romaria espiritual, é um culto civico rendido ao teo Espirito de
Eleito, de Abnegado e de Forte.
[...] (DLR, L. 283-296).
“A tragédia do intelectual honesto num regime político corrupto: praticamente sem teto e
sem pão”, como disse Adroaldo R. Costa429, era comum àquela época. A luta desesperada
daqueles jovens poetas ficou registrada não só no discurso de Arthur de Salles, como também
no de seus contemporâneos. Em Damasceno Vieira, os jovens poetas da Nova Cruzada são
nomeados novos peregrinos, jovens paladinos, fortes guerrilheiros, que ousadamente votavam
seus destinos às expansões da Idéa illuminada430. As vitórias individuais representavam
marcos importantes no caminho que deveria ser desbravado por todos.
Ao finalizar essa etapa da pesquisa, espera-se ter podido demonstrar a amplitude da
produção de Arthur de Salles, a qual, se acredita, confirma a sua atividade de crítico
impressionista. A partir da breve análise acerca dos periódicos e dos caminhos da crítica
literária em Salvador, no primeiro quartel do século XX, espera-se poder contribuir para a
reconfiguração da história do Simbolismo e da Literatura baiana do período.
429
COSTA, Adroaldo Ribeiro. Arthur de Salles. Diário da Bahia, Salvador, p. 2, 05/07/1952.
VIEIRA, Damasceno. A Nova Crusada [soneto transcrito por Galdino de Castro]. Nova Cruzada. Salvador,
ano 1, n.2, p. 39, jun. 1901.
430
191
REFERÊNCIAS
CORPUS
SALLES, Arthur de. Discurso official [homenagem póstuma ao poeta João Lopes Ribeiro]
Nova. Cruzada. Salvador, ano 3, n. 5, p. 1-6, abr. 1905.
SALLES, Arthur de. Estudantinas. Nova. Cruzada. Salvador, ano 4, n. 6, p. 1-3, set. 1905.
SALLES, Arthur de. Discurso official [homenagem ao poeta Xavier Marques]. Gazeta do
Povo. Salvador, ano 2, n. 338, p.1-2, 12 set. 1906.
SALLES, Arthur de. Discurso official [homenagem ao poeta Xavier Marques]. Nova.
Cruzada. Salvador, ano 5, n.11, p. 4-7, out.1906.
SALLES, Arthur de. Chronica dos Mortos. Nova Cruzada. Salvador, ano 10, n. 7, p.1-2, dez.
de 1910.
SALLES, Arthur de. Discurso de recepção a Durval de Moraes Os Annaes. Salvador, ano 1,
n. 7, p. 158-171, out.1911.
SALLES, Arthur de. In: ALBERTO, Paulo. Isaura. Bahia: Typographia do povo, 1923.
SALLES, Arthur de. D. Margarida Lopes de Almeida [homenagem]. A Tarde, Salvador, n.
5104, p.7, 17 jan. 1925.
SALLES, Arthur de. A Saudação do Sr.Arthur de Salles ao Sr.Hermes Fontes. A Tarde.
Salvador, ano 13, n. 5110, p.7, 24 jan. 1925.
SALLES, Arthur de. A viola e a Tirana [Allocução apresentando o folklorista Leonardo
Mota]. A Tarde. Salvador, ano 13, n. 5122, p.7, 07 fev. 1925.
SALLES, Arthur de. Fragmento do discurso do Acadêmico Arthur de Salles. Revista da Academia de Letras da
Bahia. Salvador, ano 2 e3, p.37-42, 1931.
FONTES PRIMÁRIAS: EPISTOLÁRIO
a) Corpus
PR-EP-CO-OM-064:0288-XE-06/JM, de 25-26/06/1913.
b) Outros documentos utilizados
PR-EP-CO-OM- 061:0225-XE-01/JM, de 2/6/1908.
PR-EP-CO-OM-062:0237-XE-01-04/JM, de 18/01/1911.
PR-EP-CO-OM-062:0241-XE-01-03/JM, de 20/03/1911.
PR-EP-CO-OM-063:0275-XE-01/JM, de 30/10/1912.
PR-EO-CO-OM-063:0278-XE-01/JM, de 21/12/1912.
PR-EP-CO-OM-064:0295-XE-03/JM, de 30/10/1913.
PR-EP-CO-OM-064:0296-XE-02/JM, de 01 /11/1913.
PR-EP-CO-OM-067:0337-XE-01-05/JM, de 17/03/1919.
192
PR-EO-CO-OM-067:0343-XE-01-04/JM, de 23/08/1920.
PR-EP-CO-OM-061:0223-XE-01/JM, de 21/05/1921.
PR-EP-CO-OM-068:0346-XE-01-04/JM, de 06/07/1921.
PR-EP-CO-OM-069:0365-XE-01-04/JM, de 22/04/1924.
PR-EP-CO-OM-069:0371-XE-01-02/JM, de 28/08/1925.
OBRAS CONSULTADAS
ACADEMIA Bahiana de Letras. A posse solemne de um poeta de raça. O Imparcial.
Salvador, n. 3440, p.1, 15/01/30.
ACERVO de documentos da Academia de Letras da Bahia, pasta 1, doc 2.4.
A EDIÇÃO de hoje. Gazeta do Povo. Salvador, ano 1, n.1, p.1, 22/07/1905.
A FUNDAÇÃO da Academia. Revista da Academia de Letras da Bahia. Salvador, ano1, n.1,
ago. p. 8, 1930.
ALBUQUERQUE, Medeiros e. A crítica literária. In: COUTINHO, Afrânio (Org.). Caminhos
do pensamento crítico. Rio de Janeiro: PALLAS S.A./INL-MEC, 1980. v.2, p.667-670
ALVES, Ivia. Arco & Flexa. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1978.
ALVES, Ivia. Visões de Espelhos: percurso da crítica de Eugênio Gomes. Salvador:
Academia de Letras da Bahia; Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, 2007, 376p.
ALVES, Lizir Archanjo. Os tensos laços da nação; conflitos políticos literários no segundo
reinado. Tese de doutorado. Orient. Prof.ª Dr.ª Eneida Leal Cunha. Salvador:
PPGLL/ILUFBA, 2000.
ALVES, Lizir Arcanjo. Poesia e vida literária na Bahia de 1890 a 1915. São Paulo: USP,
1986. Dissertação de Mestrado. Orient. Prof. Dr. José Aderaldo Castello. 214p.
AMADO, Jorge. A Academia dos Rebeldes. In: Valdomiro SANTANA. Literatura baiana
1920-1980. Rio de Janeiro: Philobiblion; Brasília: INL, 1986, p. 11 – 20.
AMADO, Jorge. Revistas e Movimentos literários. Revista da Academia de Letras da Bahia.
Salvador, n. 34, jan. 1987.
AMARAL, Braz do. Memória Histórica da Academia. Revista da Academia de Letras da
Bahia. Salvador, ano 1, n.1, p. 22-27, ago. 1930.
AMOSSY, Ruth (Org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. Trad. de Dílson F.
da Cruz, F. Komesu e S. Possenti. São Paulo: Contexto, 2005.
AMOSSY, Ruth. Da noção retórica de ethos à análise do discurso. In: Ruth AMOSSY (Org.).
Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2005.
A POSSE solene de um poeta de raça. O Imparcial, Salvador, n. 3440, p.1, 15/01/1930.
ARAÚJO, Antonio Martins de. Breve notícia da ortografia portuguesa. In: PEREIRA, Cilene
da Cunha e PEREIRA, Paulo Roberto Dias (Org.). Miscelânia de estudos lingüísticos,
filológicos e literários in memoriam de Celso Cunha. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1955.
ARAÚJO, Ubiratan Castro de. Salvador era assim. Salvador: Instituto Geográfico e histórico
da Bahia, 1999.
ART. 16 dos Estatutos da Nova Cruzada. Os Annaes, Salvador, ano 1, n.11, p. 279, fev. 1912.
193
ARTHUR de Salles. Nossos poetas, nossos literatos, nossos oradores. Bahia Illustada.
Salvador, n.33, p. 41, dez. 1920.
ASSIS, Machado de. A reforma pelo jornal. O Espelho, 23 de out. 1859. In: Id. Obra
Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v. 3, p. 963-65.
ASSIS, Machado de. O Jornal e o Livro. Correio Mercantil, 10 e 12 de jan. 1859. In: Id. Obra
Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v. 3, p. 943-48.
A TARDE. Salvador, n. 4005, 20/06/1921.
AUSTIN, John L. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Trad. de Danilo Marcondes de
Souza Filho. Porto alegre: Artes Médicas, 1990.
AZEVEDO, Sânzio de. A Padaria Espiritual e o Simbolismo no Ceará. Fortaleza: Secretaria
da Cultura e Desporto, 1983.
BACCEGA, Maria Aparecida. Palavra e discurso: história e literatura. 2. ed. São Paulo:
Ática, 2007.
BAKHTIN M. (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. de Michel Lahud e
Yara Frateschi Vieira. 10. ed. São Paulo: Hucitec, 2002.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. de Maria Ermantina Galvão. 3. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2000.
BAKHTIN M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Trad. de Aurora F.
Bernadini et al. 4. ed. São Paulo: EDUNESP, 1998. p. 85-93.
BARÃO de Studart. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Bar%C3%A3o_de_Studart>.
Acesso em 26/05/2007.
BARBOSA, Dom Marcos. Durval de Moraes, colaborador de A Ordem. In A Ordem; Revista
trimestral de Cultura. Rio de Janeiro, v.77, p. 32-41, jan.- dez 1982.
BARREIRAS, Dolor. História da literatura cearense. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará
Ltda. História do Ceará. Monografia. 18, 1948. t.1.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Contribuições de Bakhtin às teorias do texto e do discurso.
In: FARACO, C. A.; CASTRO, G.; TEZZA, C. (Orgs). Diálogos com Bakhtin. 3. ed.
Curitiba: EDUFPR, 2001. p. 21-40.
BENVENISTE, Émile. Problemas de lingüística geral. Trad. de Maria da Glória Novak e
Maria Luísa Neri. 4.ed. Campinas: Pontes, 1995. v.1.
BENVENISTE, Émile. Problemas de lingüística geral. Trad. de Eduardo Guimarães el al.
Campinas: Pontes, 1989.v. 2.
BRAIT, Beth (Org). Estudos enunciativos no Brasil: histórias e perspectivas. Campinas:
Pontes, São Paulo: FAPESP, 2001.
BRAIT, Beth. A natureza dialógica da linguagem: formas e graus de representação dessa
dimensão constitutiva. In: FARACO, C. A.; CASTRO, G.; TEZZA, C. (Orgs). Diálogos com
Bakhtin. 3. ed. Curitiba: Ed. da UFPR, 2001. p. 69-91.
BRANDÃO, Helena H. N. Introdução à análise do discurso. Campinas, São Paulo:
UNICAMP, 1991.
BRANDÃO, Helena H. N. Subjetividade, argumentação, polifonia; a propaganda da
Petrobrás. São Paulo: UNESP/Imprensa Oficial do Estado, 1998.
194
BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Da língua ao discurso, do homogêneo ao heterogêneo. In:
BRAIT, Beth (Org). Estudos enunciativos no Brasil: histórias e perspectivas. Campinas:
Pontes: São Paulo: Fapesp, 2001. p. 59-69.
CAFEZEIRO, Edvaldo. Gênese e Processo da Edição Critica. In: ESTUDOS
UNIVERSITÁRIOS DE LÍNGUA E LITERATURA; homenagem ao Prof. Dr. Leodegário A.
de Azevedo Filho. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993. p. 149-54.
CAMBRAIA, César Nardelli. Introdução à crítica textual. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
CAMPOS, Astério de. Vários escriptos; 1911-1916. Salvador: Imprensa official, [191?]
CANDIDO, Antonio et al. A Crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil.
Campinas, SP: Editora da UNICAMP; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1982.
CÂNDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 5. ed. São
Paulo: Ed. Nacional, 1976.
CARDOSO, Suzana Alice. Português: língua que falo, língua em que escrevo. Conferência
pronunciada no VIII ENEL. Aracaju: UFS, 18.08.1987. f.10.
CARVALHO FILHO, Aloysio de. Jornalismo na Bahia: 1875-1960. In: TAVARES, Luis
Guilherme Pontes. (Org.). Apontamentos para a história da imprensa na Bahia. Salvador:
Academia de Letras da Bahia/Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, 2005.
CARVALHO FILHO. Arco e Flexa. In: Valdomiro SANTANA. Literatura baiana 19201980. Rio de Janeiro: Philobiblion; Brasília: INL, 1986.
CARVALHO FILHO, Aloysio de. Coletânea de poetas bahianos. Rio de Janeiro: Minerva,
1951. p. 1-11 e 99-101.
CARVALHO, Rosa Borges. Poemas do mar de Arthur de Salles; Edição crítico-genética e
estudo. Salvador: UFBA/PPGLL, 2001. 796 f. il. Tese de Doutoramento em Letras, orient.
por Nilton Vasco da Gama.
CASTRO, Galdino de. Para a Guerra. Nova Cruzada, Salvador, ano 1, n.1, p. 1, maio de
1901.
CELESTINO, Mônica. O jornalista Cosme de Farias e a imprensa como instrumento de
mobilização
em
Salvador.
Disponível
em
<www.jornalismo.ufsc.br/redealcar/cd4/impressa/m_celestino.doc> Acesso em 07/11/2007.
CHAVES, Ag. Leitura variada de um poeta bahiano: Arthur de Salles O Imparcial. n. 393, de
22/06/1919.
CHIACCHIO, Carlos. Pedro Kilkerry – I – O Ambiente. Revista da Academia de Letras da
Bahia, Salvador, ano 2, v.2, n. 2 e 3, p.1-7, jun. e dez. 1931.
COELHO, Silva. Fiat Lux, Nova Cruzada. Salvador, ano 1, n.1, p. 4 - 6, maio de 1901.
CONFERENCIA Literaria. Diario Social. Diario de Noticias, Salvador, n. 2514, p. 2,
04/10/1911.
CONSTITUIÇÃO da Nova Cruzada, promulgada em 01/09/1910. Nova Cruzada. Salvador,
ano 10, n.7, p. 27-29, dez 1910.
COSTA, Adroaldo Ribeiro. Arthur de Salles. A Tarde, Salvador, 29/06/82.
COSTA, Adroaldo Ribeiro. Arthur de Salles. Diário da Bahia, Salvador, p. 2, 05/07/1952.
COUTINHO Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira. 2.ed.
rev., ampl., atual. e il. sob a coord. de Graça de Coutinho e Rita Moutinho. São Paulo: Global
195
Editora; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional / DNL; Academia Brasileira de Letras,
2001.
COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. 16.ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1995.
COUTINHO, Afrânio (Dir.). A literatura no Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: José Olympio;
Niterói: UFF, 1986. v. 4 e 6.
COUTINHO, Afrânio (Org.). Caminhos do pensamento crítico. Rio de Janeiro: PALLAS/
INL-MEC, 1980. v. 2.
COUTINHO, Afrânio. Da crítica e da nova crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1975.
COUTINHO, Afrânio. Crítica e críticos. Rio de Janeiro: Organização Simões editora, 1969.
COUTINHO, Afrânio (Dir.), A literatura no Brasil. Rio de Janeio: Livraria São José, 1959. v.
3, t. 1.
CUNHA, Celso. O ofício de filólogo. In: CUNHA, Celso; PEREIRA, Cilene da Cunha.
(Org.). Sob a pele das palavras. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004. p. 341-359.
CURVELLO, André. O Imparcial; biografia de um jornal. A Tarde. Salvador, p.1,
30/11/1987. Caderno 2.
DIMAS, Antonio. Tempos eufóricos: análise da revista Kosmos, 1904-1909. São Paulo:
Ática, 1983.
DINIZ, Almachio. Moral e Crítica. Porto: Magalhães e Moniz, 1912.
DINIZ, Almachio. A cultura literária da Bahia contemporânea. Salvador: Typographia
Bahiana, 1911.
DINIZ, Almachio. Zoilos e Esthetas. Porto: Chardron, 1908.
DISCURSO de posse de Jorge Amado. Revista da ALB, n.33, , p. 231-240, de nov.1985.
2 DE JULHO; o julgamento das casas. Gazeta do Povo, Salvador, n. 872, p. 1, de 06 de julho
de 1908.
DUARTE, Rosinês de Jesus. No mar neológico de Arthur de Salles navegam os
regionalismos do Recôncavo Baiano. Dissertação de mestrado. PPGLL/UFBA. Orient. Prof.ª
Dr.ª Célia M. Telles. Salvador, 2007. 120 f.: il + anexos.
EGGS, Ekkehard. Ethos aristotélico, convicção e pragmática moderna. In: AMOSSY, Ruth
(Org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2005. p. 2937.
ELIA, Silvio. Um século de separação ortográfica. In: HEYE, Jürgen (org.). Flores Verbais:
Uma homenagem lingüística e literária para Eneida do Rego Monteiro Bomfim no seu 70º
aniversário. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.
ELIA, Silvio. A crítica textual em seu contexto sócio histórico. In: ENCONTRO DE
ECDÓTICA E CRÍTICA GENÉTICA; 3, anais. João Pessoa: UFPB/APML/FECPB/FCJA,
1993. p. 60-1.
EM HOMENAGEM a Arthur de Salles, uma sessão no Instituto Histórico. O Imparcial.
n..1207, p. 1, de 10/05/1922.
FALECEU, hoje, o Príncipe dos poetas baianos. Estado da Bahia, Salvador, p. 3 27/06/1952.
196
FARACO, Carlos Alberto. Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil: algumas
perspectivas. In: BRAIT, Beth (Org). Estudos enunciativos no Brasil: histórias e
perspectivas. Campinas: Pontes, São Paulo: FAPESP, 2001. p. 27-38.
FARIA, Mª Isabel; PERICÂO, Mª da Graça. Dicionário do livro. Lisboa: Guimarães
editores, 1988.
FERREIRA, Laís Mônica Reis. O integralismo na imprensa da Bahia: o caso de O Imparcial.
Disponível em <www.uepg.br/rhr/v11n1/03%2011(1)LFerreira.pdf.> Acesso em 07/11/2007).
FIGUEIREDO, Fidelino de. O impressionismo. In: id. A critica litteraria como sciencia.3.ed.
Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1920. p. 45-47.
FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. 8.ed. São Paulo: Ática, 2006.
FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. 2.
ed. São Paulo: Ática, 2002.
FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. 10. ed. São Paulo: Contexto, 2001.
FIORIN, José Luiz. Categorias da enunciação e efeitos de sentido. In: BRAIT, Beth (Org).
Estudos enunciativos no Brasil: histórias e perspectivas. Campinas: Pontes, São Paulo:
FAPESP, 2001. p. 107-129.
FIORIN, José Luiz. Polifonia textual e discursiva. In: BARROS, Diana Luz Pessoa de;
FIORIN, José Luiz (Orgs). Dialogismo, polifonia, intertextualidade em torno de Bakhtin. São
Paulo: EDUSP, 1994.
FLORES, Valdir do N.; TEIXEIRA, Marlene. Introdução à lingüística da enunciação. São
Paulo: Contexto, 2005.
GAMA, Albertina Ribeiro da, TELLES, Célia Marques. Critérios para a edição crítica da
Obra dispersa de Arthur de Salles. In: ENCONTRO DE ECDÓTICA E CRÍTICA
GENÉTICA, 3; anais. João Pessoa: UFPB/APML/FECPB/FCJA, 1993. p. 353-8.
GAMA, Albertina Ribeiro da, TELLES, Célia Marques. A lição conservadora e a análise
lingüística do texto. Boletim da Assiciação Brasileira de Lingüística.v.1, 1979. Fortaleza:
Imprensa Universitária; UFC, p. 463-465, 2001.
GAZETA do povo. Salvador, n. 3180, 14/04/1916.
GÓES, Fernando. Panorama da poesia brasileira. Rio de Janeiro: Civilização brasileira,
1959, v.4. O Simbolismo.
GOMES, Eugênio. Leituras inglesas: visões comparativas. Org., apresentação e seleção dos
textos de Ívia Alves. Belo Horizonte: Ed. UFMG; Salvador: EDUFBA, 2000.
GOMES, Eugênio. Macbeth. In: id. Shakespeare no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da
Educação e cultura/Serviço de documentação/Departamento de Imprensa Nacional, 1961.
GOMES, Eugênio. Arthur de Sales. In: id. Prata de casa: ensaios de literatura brasileira. Rio
de Janeiro: A Noite, [195?]. p. 65-69.
GOMES, Eugênio. “Macbeth” em uma tradução brasileira. Dom Casmurro, Rio de Janeiro,
19 set. 1942.
HOMENAGEM da Revista “Os Annaes”. Os Annaes. Salvador, ano 3, n.2, p. 33, maio 1913.
HORA literaria dos novos. Bahia Illustrada, Rio de Janeiro, ano 2, n. 9, p. 85, ago. 1918.
Topicos, Noticias & Commentarios.
HOUAISS, Antônio. Elementos de bibliologia. Rio de Janeiro: INL/MEC, 1967. v.1.
197
INDICE dos volumes da revista “Nova Cruzada”. Nova Cruzada, Salvador, ano 10, n. 7, dez.
1910.
LARA, Cecília de. Nova Cruzada: contribuição para o estudo do pré-modernismo. São
Paulo: USP/Instituto de Estudos Brasileiros, 1971.
LAUFER, Roger. Introdução à textologia; verificação, estabelecimento, edição de textos.
Trad. de Leda Tenório da Motta. São Paulo: Perspectiva, 1980.
MACHADO, Irene A. O romance e a voz: a prosaica dialógica de Mikhail Bakhtin. Rio de
Janeiro: Imago/ São Paulo: FAPESP, 1995.
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. Trad. de Cecília P. de
Souza e Silva e Décio Rocha. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2002.
MAINGUENEAU, D. Pragmática para o discurso literário. Trad. de Marina Appenzeller.
São Paulo: Martins Fontes, 1996.
MAINGUENEAU, Dominique. Elementos de lingüística para o texto literário. Trad. de
Maria Augusta Bastos de Mattos. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
MARQUES, Nonato. A poesia era uma festa.. Salvador: GraphCo Editora, 1994. p. 81-83.
MARQUES, Xavier. A Tragédia Épica. Revista do Grêmio Literário. Salvador, n. 3, p.456,
fev.1904.
MARTELADAS. Renascença. Salvador (1916- 1928).
MARTINS, Ana Luíza. Magazines, hebdomadários e revistas: lugares privilegiados e história
e memória. ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM PERIÓDICOS
LITERÁRIOS BRASILEIROS, 1; anais. PUCRS: Porto Alegre, 2004. p. 4.
MARTINS, Ana Luíza. Revistas em revista: Imprensa e práticas culturais em tempos de
República. 1890-1922. São Paulo: EDUSP, FAPESP, IMESP, 2001.
MARTINS, Wilson. A crítica literária no Brasil. 2.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983.
v.1
MASCARENHAS, Dulce. Carlos Chiacchio: Homens e obras. Salvador: Academia de Letras
da Bahia, 1979.
MEDALHÕES; I Ambrosio Gomes. Nova Cruzada. Salvador, ano 3, n.1, p. 10-13, jul. 1903.
MELO NETO, João Cabral de. Tecendo a Manhã. In: id. Poesias completas. Rio de Janeiro:
Sabiá, 1968. p. 19-20.
MEYER, Marlyse. Voláteis e versáteis. De variedades e folhetinas se fez a chronica. In:
Antonio Candido et al. A Crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil.
Campinas, SP: Editora da UNICAMP; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1982.
MORAES, Durval de. A victoria da solidão; Arhuur de Salles – Poesias – Bahia, 1920. Bahia
Illustada. Salvador, n.34, p. 13-15. 1921.
MORREU Artur de Sales. Diário de Notícias. Salvador, p. 2 e 3, 28/06/52.
MOVIMENTO de Ala, boletim n. 9. O Imparcial. Salvador, p.5, 09/04/1941.
MOTA, Leda Tenório da. Sobre a crítica literária brasileira no último meio século. Rio de
Janeiro: Imago, 2002.
MURICY, Andrade. Artur de Sales. In: Panorama do Simbolismo brasileiro. Rio de Janeiro:
MEC/INL, 1951. v. 2, p.303-305.
198
MURILA, Bento. Hostiário; versos de Francisco Mangabeira. Revista do Grêmio Literário.
Salvador, n. 3, p.462, fev.1904.
NOTAS do fim. Nova Cruzada. Salvador, ano 3, n.1, p. 19, jul.1903.
NOVA Cruzada. Salvador, ano 3, n.4, de fev.1904.
NOVA Cruzada. Salvador, ano 3, n. 5, p. 16 e 17, abr. 1905.
NOVA Cruzada. Salvador, ano 5, n. 11, p. 3, out. 1906.
NOVA Cruzada. Salvador, ano 5, n. 8 e 9, ago. de 1906.
NOVA Cruzada. Salvador, ano 6, n. 1, set. de 1907.
NOVA Cruzada. Salvador, ano 9, n. 6, p.1, jul. de 1909.
O IMPARCIAL. Salvador, ano 1, n.1, p.1 04/05/1918.
O INSTITUTO AGRICOLA DA BAHIA. Gazeta do Povo, n. 532, p. 1, de 07/05/1907.
O MAIOR poeta bahiano é recebido na Academia Brasileira de Letras. O Imparcial. n. 1334,
p. 1, de 07/10/1922.
OLIVEIRA, Eloywaldo Chagas. Discurso de Posse. Revista da Academia de Letras da Bahia.
Salvador, n. 14, p.57-72, 1953.
O 7 DE SETEMBRO na Villa de são Francisco. O Imparcial. n. 1012, p. 2, de 15/09/1921
ORLANDI, Eni P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. 4.ed. Campinas: Pontes,
2002.
PEREIRA, Norma Suely da Silva. Um punhado de versos e paginas de prosa de Arthur de
Salles (uma antologia). Dissertação de Mestrado apresentada no PPGLL da UFBA. Orient.
Prof.ª Dr.ª Célia Marques Telles. Salvador, 2002. 225f + anexos.
PINTO, Souza. Atualidade Literária na Bahia. Nova Cruzada.Salvador, ano 1, n.2, p.1-2, jun.
1901.
PORTO-BOMPIANI, González. Diccionario literário de obras y personajes de todos los
tiempos y de todos los paises. Barcelona: Montaner y Simon, 1959. t. 3.
QUEIRÓS, Eça de. Textos de Imprensa I. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2003.
Ed. crítica por Carlos Reis e Ana Teresa Peixinho. p.15-52.
QUEIRÓS, Eça de. Textos de Imprensa IV. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1995.
Ed. crítica de Maria Helena Santana. p.14-47.
RAMOS, Péricles Eugênio da Silva (Org.). Poesia simbolista: Antologia. São Paulo:
Melhoramentos, 1965.
REIS, Carlos. O conhecimento da literatura: introdução aos estudos literários. 2. ed.
Coimbra: Livraria Almedina, 1999.
RENASCENÇA. Salvador, ano 1, n.1, p. 3, jul. de 1916.
REVISTA DO GRÊMIO LITERÁRIO DA BAHIA: 1901-1904; publicação mensal,
internacional, ecletica independente. Edição fac-similar. Apresentação de Cláudio Veiga.
Salvador: Academia de Letras da Bahia/Artes Gráficas e Industria Ltda, 1988. 690p. il.
ROMERO, Sílvio. Teoria, crítica e história literária. Seleção e apresentação de Antônio
Cândido. Rio de Janeiro: Livros técnicos e científicos; São Paulo: EDUSP, 1978.
ROMERO, Sílvio. História da literatura brasileira. 7.ed. Rio de Janeiro: José Olympio;
Brasília: INL, 1980. v.5.
199
SALLES, Arthur de. A chronica. Doc. 004:0103. In: TAVARES, Célia Goulart de Freitas.
Alguns aspectos da prosa dispersa e inédita de Arthur de Salles. Salvador: UFBA, 1986.
225f. il. Dissertação de Mestrado em Letras. Orient. Prof. Dr. Nilton Vasco da Gama.
SALLES, Arthur de. Sangue-mau; Ed. crítica de Nilton Vasco da Gama et al. Salvador: UFBA, 1981. xiii +
332p. il.
SALLES, Arthur. Obra Poética. Salvador: Mensageiros da fé/SEC, 1973.
SALLES, Arthur de. Poemas regionais: Sangue mau, O Ramo da fogueira. Bahia: Era Nova,
1948.
SALLES, Arthur de. Sub umbra. PR-EP-CO-OM-076:0452-XE-01/HS, de 1947. Salvador:
ASFR/UFBA.
SALLES, Arthur de. A Fonte. Festa. 2ª phase, Rio de Janeiro, ano 1, n.4, p. 6c., out. 1934.
SALLES, Arthur de. Sangue máo; poema. Bahia: Imprensa Official do Estado, 1928.
SALLES, Arthur de. Poesias: 1901-1915. Bahia [s.n.], 1920.
SALLES, Arthur de. As Andorinhas. A Rajada. Rio de Janeiro, n. 3-4, p. 96. 1919-29
SAMBA: mensario moderno de letras, artes e pensamento. Secretaria da Cultura e Turismo do
Estado da Bahia. Ed. Fac. similar. n. 1 (nov. 1928); n. 2 (dez 1928) n. 3 (fev. 1929); n.4 (mar.
1929). Salvador: Conselho Estadual de Cultura, 1999.
SANTANA, Valdomiro. Literatura baiana 1920-1980. Rio de Janeiro: Philobiblion; Brasília:
INL, 1986.
SHAKESPEARE, [William]. Macbeth. Trad. de Arthur de Salles. In: id. Macbeth. Rei leal.
Trad. de Arthur de Salles e J. Costa Neves. Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 1948. p. 1-131.
(Clássicos Jackson, 10).
SILVEIRA, Giraldo Baltazar da. Arthur de Salles – esboço bio-literario. A Tarde, Salvador, n.
14.868, p. 14, 8 de set. de 1956. Literatura – Critica e Artes.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. 4.ed. atualizada. Rio de Janeiro:
Mauad, 1999.
SOUZA, Eneida Maria de. Notas sobre a crítica biográfica. In: id. Crítica Cult. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2002.
SOUZA, Iracema Luiza de. Notas de sala de aula, PPGLL/UFBA, 2002.1.
SOUZA, Iracema Luiza de. Notas de sala de aula, PPGLL/UFBA, 2002.2.
SOUZA, João da Cruz e. Evocações. In: id. Obra Completa. Org. de Andrade Murici. Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, 1995. p. 517-673.
SPAGGIARI, Barbara; PERUGI, Maurizio. Fundamentos da crítica textual. Rio de Janeiro:
Lucerna, 2004.
SPINOLA, Lafaiete. Arthur de Salles. In: Id. Harpas e farpas. Bahia: Progresso, 1943. p.716.
STAROBINSK, Jean. La critica letteraria. Milano: Rizzoli, 1977.
SUSSEKIND, Flora. Rodapés tratados e ensaios: a formação da crítica brasileira moderna. In:
id. Papéis colados. 2 ed. Rio de janeiro: Editora UFRJ, 2003. p. 15-36.
TAVANI, Giuseppe. Los textos del siglo XX. In: id. (Org.) Littérature latino-amricaine et
des Caraïbe du XX siecle: theorie et pratique de edition critique. Roma: Bulzoni, 1988.
Collection archives. p. 53-63.
200
TAVANI, Giuseppe. Metodologia y práctica de la edición crítica de textos literários
contemporaneos. In: id. (Org.) Littérature latino-amricaine et des Caraïbe du XX siecle:
theorie et pratique de edition critique. Roma: Bulzoni, 1988. p. 65-84.
TAVARES, Cláudio Tuiuti. “Ainda não comecei a fazer o poema da minha dor!” entrevista
com Arthur de Salles. Diário de Notícias. Salvador, ano 76, n. 14802, p. 1 e 2. de 16/12/1951.
Supplemento.
TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia. São Paulo: EDUNESP; Salvador:
EDUFBA, 2001.
TELES, Maria Dolores. A obra dispersa de Arthur de Salles em: Nova Revista, Bahia
Illustrada e A Luva: tentativa de edição crítica. Dissertação de Mestrado apresentada no
PPGLL da UFBA. Orient. Profª. Drª. Célia Marques Telles. Salvador, 1998. 248 f.
TELLES, Célia Marques. Revistas baianas no início do século XX. ENCONTRO
NACIONAL DE PESQUISADORES EM PERIÓDICOS LITERÁRIOS BRASILEIROS, 1;
anais. PUCRS: Porto Alegre, 2004.
TELLES, Célia Marques; TELES, Maria Dolores; LOSE, Alicia Duhá; PEREIRA, Norma
Suely da Silva. A obra dispersa de Arthur de Salles publicada em periódicos. Estudos
Lingüísticos e Literários, Salvador, n. 27-28, p. 187-208, jan.-dez. 2001.
TELLES, Célia Marques. A lição conservadora na edição crítica da obra de Arthur de
Salles. In: Memória cultural e edições. Salvador: UFBA/PPGLL, 2000. p. 331-340.
UMA FESTA de Espiritualidade Encantadora. O Imparcial. Salvador, n. 3449, p.1 e 2,
26/01/1930.
VAZQUEZ CUESTA, Pilar; MENDES DA LUZ, Maria Albertina. Gramática da Língua
Portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 1970.
VELLAME, Aurélio. Obra de Simões Filho, A Tarde espelhou 90 anos do século XX. A
Tarde. Salvador, 15/10/2002.
VERÍSSIMO. José. Historia da literatura brasileira: de Bento Teixeira, 1601 a Machado de
Assis, 1908. 4.ed. Brasília: Ed. da UNB, 1981.
VERÍSSIMO. José. Teoria, crítica e história literária. Seleção e apresentação João Alexandre
Barbosa. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: EDUSP, 1977.
VIANNA, Antonio. A Nova Cruzada. Revista da Academia de Letras da Bahia. Salvador, n.
33, p. 136, nov. de 1985.
VIANNA, Hildegardes. Conferência pronunciada na Semana comemorativa do centenário da
Nova Cruzada. Salvador: Academia de Letras da Bahia, 21 de maio de 2001.
VIEIRA, Damasceno. À Nova Crusada. Nova Cruzada. Salvador, ano 1, n.2, p. 39, jun.
1901.
WERNECK, Maria Helena. Da sombra das estantes à poeira dos arquivos: as biografias
depois de 1930. In: O homem encadernado. Machado de Assis na escrita das biografias. Rio
de Janeiro: EDUERJ, 1996. p.147-158.
Download

Norma Suely da Silva Pereira P1 - RI UFBA