UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGÜÍSTICA Rua Barão de Geremoabo, nº147; CEP: 40170-290 Campus Universitário - Ondina, Salvador - BA Tel.: (71) 336-0790 / 8754 Fax: (71) 336-8355 E-mail: [email protected] NORMA SUELY DA SILVA PEREIRA PÁGINAS DE CRÍTICA DE ARTHUR DE SALLES: AS MARCAS DO DISCURSO. Salvador 2007 NORMA SUELY DA SILVA PEREIRA PÁGINAS DE CRÍTICA DE ARTHUR DE SALLES: AS MARCAS DO DISCURSO. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para obtenção do grau de Doutora em Letras. Orientador: Profa. Dra. Célia Marques Telles Salvador 2007 À minha mãe, D. Nilza, que me ensinou a ser forte e persistente. Ao meu filho, Gabriel, amigo e companheiro de todas as horas. AGRADECIMENTOS À minha orientadora, Profª. Drª. Célia Marques Telles, pelo estímulo, pela confiança, paciência, solicitude e competente orientação e pela disponibilização de sua biblioteca. À Profª. Drª. Albertina Ribeiro da Gama, por ter me apresentado, um dia, ao universo da Crítica Textual, e à obra de Arthur de Salles, primeiros passos trilhados na direção deste trabalho. Aos funcionários da Academia de Letras da Bahia, da Biblioteca do Instituto de Letras da UFBA, da Biblioteca Pública do Estado da Bahia, do Centro de Documentação e Informação Cultural sobre a Bahia – CEDIC e do Arquivo Público Municipal, em especial, aos senhores Luiz José de Carvalho, da BPEB e Mª. das Graças N. Cantalino, do CEDIC, pela solicitude com que me auxiliaram na consulta dos respectivos acervos. Ao Prof. Dr. Gilberto Sobral, amigo e companheiro de estudo, pela leitura e comentário do capítulo “O discurso crítico de Salles”, pela disponibilização de sua biblioteca e pelo apoio e incentivo de todas as horas. À Profª. Takiko do Nascimento, pela tradução do Resumo para o francês. À colega, Profª. Rosinês Duarte de Jesus, pela troca de informações sobre o vocabulário de Arthur de Salles. Aos colegas do Hospital Couto Maia, especialmente a Márcia Fiscina Lima, Auxiliadora Cavalcanti e Vera Sarmento, pelo apoio e incentivo que tornaram possível administrar a dupla jornada de profissional e estudante. Aos amigos e familiares pela compreensão, apoio e incentivo na execução deste trabalho, especialmente a meu filho, Gabriel Pereira Coelho, pela digitalização e edição das fotos para confecção dos anexos. CONSPECTUS SIGLORUM Corpus de amostragem DLR EST a) Textos impressos Discurso official; [recitado na sessão fúnebre commemorativa do falecimento de Lopes Ribeiro em 23 de Março de 1905] Estudantinas; leitura crítica sobre a obra de Alvaro Reis DXM Discurso official; [proferido homenagem a Xavier Marques] CHM Chronica dos mortos DDM Discurso de recepção a Durval de Moraes MLA D Margarida [Homenagem] SHF A saudação do Sr. Arthur de Salles ao Sr. Hermes Fontes AVT A viola e a tirana; allocução proferida em Santo Amaro, apresentando o folklorista Leonardo Motta FRD Fragmento do discurso do Academico Arthur de Salles 064:288 CPA Lopes de em Almeida SALLES, Arthur de. Discurso official. Nova Cruzada, Salvador, ano 3, v. 2, n. 5, p. 1-6, abr. 1905. SALLES, Arthur de. Estudantinas. Nova Cruzada, Salvador, ano 4, n. 6, p. 1-3, set. 1905. SALLES, Arthur de. Discurso official. Gazeta do Povo. Salvador, ano 2, n. 338, p.1-2, 12 set. 1906. SALLES, Arthur de. Discurso official. Nova Cruzada, Salvador, ano 5, n. 11, p. 4-7, out. 1906. SALLES, Arthur de. Chronica dos Mortos. Nova Cruzada, Salvador, ano 10, n. 7, p. 1-2, dez. 1910. SALLES, Arthur de. Discurso de recepção a Durval de Moraes. Os Annaes, Salvador, ano 1, n. 7, p. 158-171, out. 1911. SALLES, Arthur de. D Margarida Lopes de Almeida [Homenagem]. A Tarde. Salvador, n. 5104, p.7, 17/jan./1925. Supl. Semanal “Letras e Artes”. SALLES, Arthur de. A saudação do Sr. Arthur de Salles ao Sr. Hermes Fontes. A Tarde, Salvador, n. 5110, p. 7, 24/jan./1925. Supl. Semanal “Letras e Artes”. SALLES, Arthur de. A viola e a tirana; allocução proferida em Santo Amaro, apresedntando o folklorista Leonardo Motta. A Tarde, Salvador, ano 13, n. 5122, p.7, 07/fev./1925. Supl. Semanal “Letras e Artes”. SALLES, Arthur de. Discurso do Academico Arthur de Salles. Revista da Academia de Letras da Bahia, Salvador, ano 2, v. 2, n. 2-3, p. 37-42, jun.-dez. 1931. b) Epistolário SALLES, Arthur de. Carta a Durval de PR-EP-CO-OM-064:0288-XE-06/JM Moraes. 25,26.06.1913 Carta a Paulo Alberto, impressa no livro SALLES, Arthur de. In: ALBERTO, Isaura. 14.09.23 Paulo. Isaura. Bahia: Typographia do povo, 1923. Fontes primárias Epistolário 061:0225 PR-EP-CO-OM-061:0225-XE:01/JM de 02/06/19081 062:0237 PR-EP-CO-OM-062:0237-XE-01-04/JM, de 18/01/1911. fº 3-4. 062:0241 PR-EP-CO-OM-062:0241-XE-01-03/JM, de 20/03/1911. fº1 063:0275 PR-EP-CO-OM-063:0275-XE-01/JM, de 30/10/1912 063:0278 PR-EO-CO-OM-063:0278-XE-01/JM, de 21/12/1912 064:0295 PR-EP-CO-OM-064:0295-XE-03/JM, de 30/10/1913. 064:0295 PR-EP-CO-OM-064:0296-XE-02/JM, de 01 /11/1913. fº2 067:0337 PR-EP-CO-OM-067:0337-XE-01-05/JM, de 17/03/1919. fº4 067:0343 PR-EO-CO-OM-067:0343-XE-01-04/JM, de 23/08/1920 068:0346 PR-EP-CO-OM-068:0346-XE-01-04/JM, de 06/07/1921. fº1-2 069:0365 PR-EP-CO-OM-069:0365-XE-01-04/JM, de 22/04/1924 069:0371 PR-EP-CO-OM-069:0371-XE-01-02/JM, de 28/08/1925 Outras siglas utilizadas ALB Academia de Letras da Bahia AN Os Annaes AT A Tarde BPEB Biblioteca Pública do Estado da Bahia CEDIC Centro de Documentação e Informação Cultural sobre a Bahia CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico GP Gazeta do Povo ILUFBA Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia JM Julival de Moraes NC Nova Cruzada OP Obra Poética PIBIC Programa de Incentivo a Bolsas de Iniciação Científica PPGLL Programa de Pós-graduação em Letras e Lingüística RALB Revista da Academia de Letras da Bahia SFR Setor de Filologia Românica UFBA Universidade Federal da Bahia 1 Na indexação coordenada usaram-se as seguintes abreviações: PR = prosa; EP = carta; CO = documento completo; OM = original manuscrito; IM = texto impresso; XE = documento xerocopiado; JM = original pertencente ao acervo do Dr. Julival de Moraes, hoje na Academia de Letras da Bahia. A indicação na seqüência 061:0225 indica, o primeiro a pasta onde o documento se acha guardado, o segundo o número de tombo do documento no acervo. A remissão abreviada far-se-á sempre para esses dois números. ABREVIATURAS UTILIZADAS adj. adjetivo art. artigo bibli. bíblico cf. confira col. coluna dir. direção doc. documento ed. Edição f. folha fº fólio il. Ilustrada lat. latim L. linha loc. locução Mc. Marcos m. masculino n. número op. cit. obra citada org. organização orient. orientador p. página sem. semestre s. substantivo supl. suplemento trad. Tradução v. volume LISTA DE QUADROS Quadro 1 Delimitação do corpus 15 Quadro 2 Corpus editado 75 Quadro 3 Operadores utilizados na edição semidiplomática 77 LISTA DE FIGURAS Figura 1 Estema ilustrativo da edição de Discurso official [homenagem póstuma 78 ao poeta João Lopes Ribeiro] (DLR) Figura 2 Estema ilustrativo da edição de Estudantinas (EST) 90 Figura 3 Estema ilustrativo da edição de Discurso official [homenagem ao poeta 98 Xavier Marques] (DXM) Figura 4 Estema ilustrativo da edição de Chronica dos Mortos (CHM) 107 Figura 5 Estema ilustrativo da edição de Discurso de recepção a Durval de 112 Moraes (DDM) Figura 6 Estema ilustrativo da edição de D Margarida Lopes de Almeida 129 [Homenagem] (MLA) Figura 7 Estema ilustrativo da edição de A saudação do Sr. Arthur de Salles ao 132 Sr. Hermes Fontes (SHF) Figura 8 Estema ilustrativo da edição de A viola e a tirana (AVT) 135 Figura 9 Estema ilustrativo da edição de Fragmento do discurso do Acadêmico 138 Arthur de Salles (FRD) Figura 10 Estema ilustrativo da edição da carta Doc. 064:0288 144 Figura 11 Estema ilustrativo da edição de Carta a Paulo Alberto (CPA) 150 RESUMO A pesquisa de fontes em periódicos do início do século XX revelou a existência de uma outra face do poeta Arthur de Salles, não mais apenas o poeta do mar, mas um Salles cronista e crítico. Com o objetivo de conhecer melhor esse outro lado de sua vasta produção, procedeu-se ao resgate de suas paginas de crítica, de modo a colaborar para a sua justa reinserção no cânone. A pesquisa objetiva ainda analisar as estratégias de enunciação presentes nos textos selecionados, a partir do que, espera-se poder ajudar a ampliar o perfil do poeta baiano. Para tanto, selecionou-se um corpus que compreende 11 textos de discurso crítico, todos em prosa, sendo nove textos veiculados em periódicos e dois textos de natureza epistolar. O corpus foi editado, conforme a tradição de cada texto, seguindo-se uma orientação conservadora. A obra crítica de Arthur de Salles insere-se numa tendência do período em que a crítica literária tem muitas vezes a feição de recensão crítica. Trata-se da apresentação relativamente breve de novas publicações, analisadas sob um ponto de vista, sobretudo, impressionista, de teor mais descritivo do que propriamente interpretativo veiculada em periódicos literários e de divulgação. Para dar um testemunho da importância dos periódicos no início do século passado, faz-se uma breve descrição dos jornais e das revistas nas quais foram publicados os textos editados, salientando-se a relação existente entre os periódicos, os poetas e a sociedade de então, com destaque para os caminhos percorridos pela crônica e pela crítica literária, e a participação de Arthur de Salles na crítica literária do período. A partir da análise dos textos críticos do autor são apresentadas as tendências de linhas temáticas seguidas, observando-se as estratégias de enunciação realizadas, à luz da teoria bakhtiniana e as estratégias utilizadas na construção do ethos discursivo, a partir de uma ótica pragmática da linguagem, através da concepção proposta por Maingueneau, que utiliza o conceito retórico na análise de discurso, adaptando-o para análise de textos escritos e não necessariamente argumentativos. Salles demonstra em seus textos críticos erudição, conhecimento enciclopédico e literário, que fazem dos seus textos mais que simples recensão informativa de obras publicadas. Contudo, não possui critérios objetivos de análise, sua crítica é de simpatia, predominantemente elogiosa. Na construção da argumentação as vozes do poeta e do crítico se confundem e o texto, não raro, toma feições de prosa poética. A análise das escolhas lexicais, assim como das demais estratégias discursivas utilizadas revelam a intenção do locutor de garantir a adesão do interlocutor, a legitimação do discurso. As marcas presentes na enunciação mostram um ethos parcial, erudito e de estilo eclético. RÉSUMÉ La recherche de sources dans des périodiques du début du XXème siècle a révélé l’existence d’une autre face du poète Arthur de Salles, non plus seulement le poède de la mer, mais un Salles chroniqueur et critique. Avec l’objectif de mieux connaitre cet autre aspect de sa production, on a cherché à restituer ses pages de critique, partie de son vaste champ d’activités, de manière à collaborer avec sa juste réinsertion dans le canon. Cette recherche vise encore à analyser les stratégies d’énonciation présentes dans les textes sélectionnés, en espérant pouvoir aider à reconstruire le profil du poète baianais. Pour cela, on a sélectionné un corpus qui comprend 11 textes de discours critique, tous en prose, dont neuf textes véhiculés en des périodiques et deux textes à caractère épistolaire. Le corpus a été édité, selon la tradition de chaque texte, en suivant une orientation conservatrice. L’oeuvre critique de Arthur de Salles s’insère dans une tendance d’une période où la critique littéraire avait souvent l’apparence de recension critique. Il s’agit de la présentation relativement brève de nouvelles publications, analysées sous un point de vue surtout impressionniste, de teneur plus descriptive que proprement interprétative, véhiculée dans des périodiques littéraires et de divulgation. Pour témoigner de l’importance des périodiques du début du dernier siècle, on fait une brève description des journaux et des revues dans lesquels furent publiés les textes édités, mettant en évidence le rapport existant entre les périodiques, les poètes et la société de l’époque, démontrant les chemins parcourus par la chronique et par la critique littéraire, et la participation de Arthur de Salles dans la critique littéraire de cette période. À partir de l’analyse des textes critiques de l’auteur, sont présentées les tendances des lignes thématiques suivies, en observant les stratégies d’énonciation réalisées, à la lumière de la théorie bakhitinienne et les stratégies utilisées dans la construction de l’éthos discursif, à partir d’une optique pragmatique du langage, à travers la conception proposée par Maingueneau, qui utilise le concept rhétorique dans l’analyse de discours, en l’adaptant à l’analyse de textes écrits et pas nécessairement argumentatifs. Salles démontre dans ses textes critiques de l’érudition, de la connaissance encyclopédique et littéraire, qui les rendent plus qu’une simple recension informative d’oeuvres publiées. Il ne possède cependant pas de critères objectifs d’analyse ; sa critique est de sympathie, plutôt élogieuse. Dans la construction de 1’argumentation, les voix du poète et celles du critique se confondent et le texte prend souvent l’apparence de prose poétique. L’analyse des choix lexicaux, ainsi que d’autres stratégies discursives utilisées révèlent l’intention du locuteur d’assurer l’adhésion de l’interlocuteur, la légitimation de son discours. Les traces visibles dans l’énonciation montrent un ethos partial, érudit et de style éclectique. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 13 1.1 ESTRUTURA DA TESE 19 2 O POETA ARTHUR DE SALLES 21 3 O SUPORTE 32 3.1 O JORNAL 34 3.1.1 Canais de divulgação 48 3.1.1.1 Jornais 48 3.2 REVISTAS LITERÁRIAS E DE DIVULGAÇÃO 57 4 A CRÍTICA SALLESIANA 72 4.1 A EDIÇÃO DOS TEXTOS 72 4.2 CRITÉRIOS ADOTADOS NA EDIÇÃO 76 4.3 O CORPUS 78 4.3.1 Discurso official [homenagem póstuma ao poeta João Lopes Ribeiro] 78 4.3.1.1 Versão NC 78 4.3.1.2 Classificação estemática da edição de DLR 78 4.3.1.3 Texto 79 4.3.2 Estudantinas 90 4.3.2.1 Versão NC 90 4.3.2.2 Classificação estemática da edição de EST 90 4.3.2.3 Texto 91 4.3.3 Discurso official [homenagem ao poeta Xavier Marques] 97 4.3.3.1 Versão NC 97 4.3.3.2 Versão GP 98 4.3.3.3 Classificação estemática da edição de DXM 98 4.3.3.4 Texto 99 4.3.4 Chronica dos Mortos. 107 4.3.4.1 Versão NC 107 4.3.4.2 Classificação estemática da edição de CHM 107 11 4.3.4.3 Texto 108 4.3.5 Discurso de recepção a Durval de Moraes. 111 4.3.5.1 Versão AN 111 4.3.5.2 Classificação estemática da edição de DDM 112 4.3.5.3 Texto 113 4.3.6 D Margarida Lopes de Almeida [Homenagem] 129 4.3.6.1 Versão AT 129 4.3.6.2 Classificação estemática da edição de MLA 129 4.3.6.3 Texto 131 4.3.7 A saudação do Sr. Arthur de Salles ao Sr. Hermes Fontes 132 4.3.7.1 Versão AT 132 4.3.7.2 Classificação estemática da edição de SHF 132 4.3.7.3 Texto 133 4.3.8 A viola e a tirana 135 4.3.8.1 Versão AT 135 4.3.8.2 Classificação estemática da edição de AVT 135 4.3.8.3 Texto 136 4.3.9 Fragmento do discurso do Acadêmico Arthur de Salles 138 4.3.9.1 Versão RALB 138 4.3.9.2 Classificação estemática da edição de FRD 138 4.3.9.3 Texto 139 4.3.10 Carta a Durval de Moraes 144 4.3.10.1 Classificação estemática da edição de doc. 064:0288 144 4.3.10.2 Texto 145 4.3.11 Carta a Paulo Alberto 150 4.3.11.1 Classificação estemática da edição de CPA 150 4.3.11.2 Texto 151 5 O DISCURSO CRÍTICO DE SALLES 153 12 5.1 O ENUNCIADO 165 5.1.1 O discurso citado 168 5.1.1.1 A citação integrada 168 5.1.1.2 A citação de autoridade 170 5.2 O ETHOS 173 5.2.1 A construção do ethos e a enunciação na primeira pessoa do plural 175 5.2.2 Outras estratégias enunciativas utilizadas 182 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 186 REFERÊNCIAS 191 ANEXOS 201 Fác-similes das versões textuais que integram o corpus da edição 201 A 1.1 Discurso official [homenagem ao poeta João Lopes Ribeiro]– versão NC 201 A 1.2 Estudantinas – versão NC 207 A. 1.3 Discurso official [homenagem ao poeta Xavier Marques] – versão NC 210 A.1.4 Discurso official [homenagem ao poeta Xavier Marques] – versão GP 214 A.1.5 Chronica dos mortos – versão NC 217 A.1.6 Discurso de recepção a Durval de Moraes – versão AN 219 A.1.7 D Margarida Lopes de Almeida [Homenagem] – versão AT 233 A.1.8 A saudação do Sr. Arthur de Salles ao Sr. Hermes Fontes – versão AT 235 A.1.9 A viola e a tirana – versão AT 238 A.1.10 Fragmento do discurso do Acadêmico Arthur de Salles – versão RALB 240 A.1.11 Carta a Durval de Moraes (doc. 064:0288) 247 A.1.12 Carta a Paulo Alberto 253 A2 Fác-similes de capas de algumas das revistas consultadas 255 A 2.1 Capas da Nova Cruzada 255 A.2.2 Capa da revista Os Annaes 257 A 2.3 Capa da Renascença 258 A 2.4 Capa da Revista da Academia de Letras da Bahia 259 A1 13 1 INTRODUÇÃO A escolha do autor e de sua publicação dispersa deveu-se ao desejo de continuar a pesquisa desenvolvida no Curso de Mestrado, da qual resultou a Dissertação Um punhado de versos e páginas de prosa de Arthur de Salles (uma antologia)2. Este trabalho insere-se na pesquisa coletiva sobre a obra do poeta baiano, desenvolvida pelo Grupo de Filologia Românica da UFBA, do qual faço parte desde 1997, quando ingressei no programa de iniciação científica com bolsa do PIBIC/CNPq/UFBA. A despeito das edições de que já foi alvo a obra do poeta, vários textos dispersos, publicados, principalmente, em jornais do início do século passado, permanecem desconhecidos do grande público. O próprio autor mostrava-se atento ao problema da fidelidade do texto impresso, especialmente em periódicos, conforme se pode perceber em suas epístolas ao amigo Durval de Moraes, tratando da publicação de textos de ambos, na revista Os Annaes: Procurando o Sr. Carlos Weber para indagar dos “Annaes” elle mostrou as paginas já compostas e corrigidas: as da tua conferencia eivadas de imperfeições, num typo feio, as do meu pobre discurso inteiramente illegiveis e, por cima de tudo isto, sem o final. Cheguei, olhei e revoltei-me. [...]3 O trabalho de levantamento de fontes, longe de resumir-se ao exercício mecânico de fichamento de revistas e jornais antigos, proporciona ao pesquisador um contato com elementos de épocas distantes, tornando-se, assim, um trabalho bastante enriquecedor da cultura acadêmica. A pesquisa nos periódicos revelou a existência de um outro Salles, não mais apenas o poeta do mar, mas um Salles cronista e crítico, colaborador regular dos periódicos da época. Verificou-se, então, a necessidade de conhecer melhor essa outra face do poeta. Partindo dos resultados obtidos na pesquisa desenvolvida durante o Curso de Mestrado, deu-se continuidade ao trabalho de levantamento de fontes, começado ainda durante a 2 PEREIRA, Norma Suely. Um punhado de versos e páginas de prosa de Arthur de Salles (uma antologia), Dissertação de Mestrado apresentada ao PPGLL/UFBA. Orient. Prof.ª Dr.ª Célia M. Telles. Salvador, 2002. 3 PR-EP-CO-OM-062:0248-XE-04/ JM, 08/11/ 1911, L. 10-28. O poeta refere-se aqui à publicação do seu discurso de saudação ao poeta Durval de Moraes, pronunciado em outubro de 1911 e publicado no número 7 de Os Annaes, texto que integra o presente trabalho. Cf às f. 113-128. O Diario de Noticias divulgou a solenidade, destacando o discurso de Salles com a publicação de parte de sua conclusão. (CONFERENCIA Literaria. Diario Social. Diario de Noticias, Salvador, n. 2514, p. 2, 04/10/1911) 14 Graduação, como bolsista de Iniciação científica. Ampliou-se, então, a coleta de dados, consultando outros acervos e incluindo o epistolário do autor e os jornais4 de circulação local nas fontes de pesquisa. Assim, ao corpus inicial de seis textos críticos5, editados anteriormente, na Dissertação de Mestrado, foram acrescentados mais cinco documentos, sendo três textos encontrados em periódicos, publicados no jornal A Tarde, [Homenagem a] D Margarida Lopes de Almeida, A saudação do Sr. Arthur de Salles ao Sr. Hermes Fontes e A viola e a tirana; e dois textos de natureza epistolar. As cartas6, além de contribuírem para a ampliação do perfil do autor, evidenciam o peculiar modus scribendi do poeta baiano e trazem importantes informações sobre sua vida pessoal e intelectual, bem como sobre seu envolvimento e importância no movimento cultural da Bahia e ainda sobre os periódicos e o movimento editorial do período7. O epistolário do poeta oferece ainda um panorama da sua vasta obra dispersa, na medida em que, além de variantes autorais, apresenta informações sobre prováveis e efetivas publicações em períodicos8. As informações acerca da biografia de Arthur de Salles e do contexto histórico social em que ele se insere levaram em conta os resultados da pesquisa anteriormente empreendida para a elaboração da Dissertação de Mestrado. O quadro 1 mostra a extensão do corpus analisado: 4 Além da consulta direta aos jornais de circulação local, utilizaram-se ainda os resutados do Levantamento em periódicos da obra dispersa de Arthur de Salles realizado nos jornais Gazeta do povo e O Imparcial, por Mônica Pedreira de Souza, na época bolsista de iniciação científica. Salvador: ILUFBA,1996. 5 Para a elaboração da Dissertação de Mestrado foram catalogadas 99 revistas com 2662 exemplares consultados. Dos 86 documentos do autor encontrados, após a eliminação dos textos anteriormente editados, chegou-se ao corpus de 9 textos poéticos e 11 em prosa. Destes, foram selecionados 6 textos de discurso crítico, todos em prosa, veiculados em três revistas, para redefinir o novo corpus. (PEREIRA, Norma Suely. Um punhado de versos e páginas de prosa..., op cit). 6 O epistolário de Salles integra o acervo Julival de Moraes e possui 223 cartas, das quais o Setor de Filologia Românica do ILUFBA possui as fotocópias. 7 TELLES, Célia Marques; TELES, Maria Dolores; LOSE, Alicia Duhá; PEREIRA, Norma Suely da Silva. A obra dispersa de Arthur de Salles publicada em periódicos. Estudos Lingüísticos e Literários, Salvador, n. 27-28, p. 187-208, jan.-dez. 2001. 8 Ibid, p. 191-198. Quadro 1 − Delimitação do corpus Textos críticos de A. de Salles Discurso official [homenagem póstuma ao poeta João Lopes Ribeiro] Periódicos Nova Cruzada Especificação ano 3, n. 5, p. 1-6, abr. 1905 Estudantinas [Leitura crítica sobre a obra de Alvaro Reis] ano 4, n. 7, p. 1-3, set. 1905 Chronica dos mortos ano 10, n.7, p.1, dez. 1910 Discurso official [homenagem ao poeta Xavier Marques] Discurso de recepção a Durval de Moraes. [Homenagem a] D Margarida Lopes de Almeida Nova Cruzada ano 5, n.11, p. 4-7, out.1906 Gazeta do Povo ano 2, n. 338, p. 1 e 2, 12/set./1906 Os Annaes ano 1, n. 7, p. 158-171, out.1911 A Tarde ano 13, n. 5104, p.7, 17/jan./1925 A Saudação do Sr.Arthur de Salles ao Sr.Hermes Fontes. ano 13, n. 5110, p.7, 24/jan./1925 A viola e a Tirana [Allocução apresentando o folklorista Leonardo Mota] ano 13, n. 5122, p.7, 07/fev./1925 Fragmento do discurso do Acadêmico Arthur de Salles. [recepção ao poeta Affonso de Castro Rebello Filho na ALB] Revista da Academia de Letras da Bahia ano 2 e 3, p. 37-42, 1931 Correspondência Carta a Durval de Moraes PR-EP-CO-OM-064:0288-XE-06/JM9, de 25,26.06.1913 Carta a Paulo Alberto, impressa no livro Isaura 9 PR-EP-IM-037-442, de 14.09.23 Na indexação coordenada usaram-se as seguintes abreviações: PR = prosa; EP = carta; CO = documento completo; OM = original manuscrito; IM = texto impresso; XE = documento xerocopiado; JM = original pertencente ao acervo do Dr. Julival de Moraes, hoje na Academia de Letras da Bahia. A indicação na seqüência 061:0225 indica, o primeiro a pasta onde o documento se acha guardado, o segundo o número de tombo do documento no acervo. A remissão abreviada far-se-á sempre para esses dois números. 16 No corpus selecionado efetuou-se a análise dos textos em seus aspectos extrínsecos e intrínsecos, editando-os conforme a tradição de cada um. Assim, fez-se uma edição semidiplomática para os originais manuscritos e, para os testemunhos impressos de versão única uma edição interpretativa, baseada em critérios conservadores e acrescida de notas explicativas, procurando-se apresentar um texto fidedigno, com correção das gralhas de impressão, e, por fim uma edição crítica com aparato de variantes para o único texto do corpus que possui duas versões. Observando-se uma orientação de edição conservadora, foi mantida a ortografia original dos textos recolhidos em periódicos, favorecendo, assim, a utilização dos textos que compõem o corpus para estudos em outras áreas do conhecimento. Num segundo momento, efetuou-se a análise das estratégias discursivas, procurando seguir as marcas deixadas pelo enunciador na malha textual, buscando desvelar as estratégias e as intencionalidades do produtor dos enunciados. Utilizaram-se, para tanto, os conceitos de embreagem e embreantes10, sujeito, enunciado, enunciador e enunciatário ou co-enunciador, de acordo com uma visão pragmática da lingüística, tomando o sujeito da enunciação como uma representação no sentido do enunciado. A pesquisa demonstrou a grande importância dos periódicos, durante as primeiras décadas do século XX, tanto pela difusão e democratização da cultura, quanto por representar um meio de sobrevivência dos literatos, já que a publicação de livros, além de difícil, era bastante onerosa. Na Bahia, como em todo o Norte e Nordeste do país, a imprensa teve papel decisivo na divulgação das idéias e estéticas que circulavam no centro cultural do país e mesmo na Europa. Com o surgimento da grande imprensa, os literatos que colaboravam nos periódicos com produções de caráter literário, passaram a participar da redação dos jornais publicando reportagens, entrevistas e notícias de interesse mais geral. As revistas ilustradas passaram a acolher então os trabalhos de literatura, ficando o jornal principalmente com as notícias, as crônicas e das seções de crítica literária, que mais tarde darão origem aos suplementos literários. No final do século XIX e início do século XX, a crítica literária tem muitas vezes a feição de recensão crítica. Trata-se da apresentação relativamente breve de novas publicações, analisadas sob um ponto de vista, sobretudo, impressionista, de teor mais descritivo do que 10 Tradução de shifters, do inglês, termo definido originalmente na teoria sistematizada por R. Jakobson. (FIORIN, José Luiz. Categorias da enunciação e efeitos de sentido. In: BRAIT, Beth (Org). Estudos enunciativos no Brasil: histórias e perspectivas. op. cit. p. 109). 17 propriamente interpretativo, e que é veiculada em periódicos literários e de divulgação11. É precisamente nesse tipo de crítica que está inserida a produção de Arthur de Salles. Considerando-se que em todo discurso, o locutor, deliberadamente ou não, constrói uma imagem de si12, empreendeu-se o estudo do discurso argumentativo dos textos críticos publicados por Arthur de Salles em periódicos que circularam em Salvador no início do século passado, observando-se as estratégias de enunciação realizadas pelo enunciador, à luz das teorias da enunciação, a partir de uma ótica pragmática da linguagem, aliado ao estudo do ethos discursivo, através da concepção proposta por Maingueneau, que utiliza o conceito retórico na análise de discurso, adaptando-o para a análise de textos escritos e não necessariamente argumentativos, devido à sua relação com a reflexividade enunciativa13, visando a uma melhor compreensão do ânimo autoral. Entende-se que a leitura é também um fenômeno enunciativo. Na medida em que interpreta um enunciado o leitor faz escolhas, reconstrói sentidos, apresentando ao final uma possibilidade de interpretação, que nenhuma garantia tem de coincidir com as representações do enunciador14. Carlos Alberto Faraco, citando Bakhtin15, diz que a compreensão aponta para o possível, é uma operação sobre o significado e sendo, sobretudo, um efeito da interação, do encontro de cosmovisões e orientações axiológicas, envolve sempre uma dimensão de pluralidade16. Afinal, a compreensão é fruto de um processo sociointeracional. Conforme Bakhtin, “compreender é cotejar com outros textos e pensar num contexto novo17.” As teorias da enunciação estudam as marcas do sujeito no enunciado, buscando evidenciar as relações da língua enquanto linguagem assumida por um sujeito, a subjetividade revelada em situações concretas de comunicação18, a língua posta em funcionamento por um 11 REIS, Carlos. O conhecimento da literatura: introdução aos estudos literários. 2.ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1999. p. 32. 12 AMOSSY, Ruth. Da noção retórica de ethos à análise do discurso. In: AMOSSY, Ruth (Org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. Trad. de Dílson F. da Cruz, F. Komesu e S. Possenti. São Paulo: Contexto, 2005. p. 9-11. 13 MAINGUENEAU, D. Ethos, cenografia, incorporação. In: AMOSSY, Ruth (Org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. op. cit., p. 69-70. 14 FLORES, Valdir do N.; TEIXEIRA, Marlene. Introdução à lingüística da enunciação. São Paulo: Contexto, 2005. p. 8-9. 15 BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. de Maria Ermantina Galvão. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 16 FARACO, Carlos Alberto. Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil: algumas perspectivas. In: BRAIT, Beth (Org). Estudos enunciativos no Brasil: histórias e perspectivas. Campinas: Pontes, São Paulo: FAPESP, 2001. p. 33. 17 BAKHTIN, Mikhail. Observações sobre a epistemologia das ciências humanas. In: id. Estética da criação verbal. op. cit., p. 404. 18 FLORES, Valdir do N.; TEIXEIRA, Marlene. op. cit., p. 11-13. 18 ato individual de utilização, conforme teorizado por Benveniste19. Esta situação de enunciação supõe um enunciador, um destinatário, um momento e um lugar particulares, os quais “são engendrados de novo a cada enunciação, designando sempre algo novo”20. Se a enunciação revela a personalidade do enunciador, espera-se, a partir da análise dos textos críticos que integram a obra dispersa do poeta baiano, através das marcas do discurso, contribuir para o estabelecimento do perfil do enunciador. A partir da análise das estratégias de enunciação presentes nos textos selecionados, espera-se poder estar contribuindo para a ampliação do perfil do autor e para a sua justa revalorização. A partir da concepção bakhtiniana de que a linguagem não pode ser encarada como entidade abstrata, mas como o lugar em que a ideologia se manifesta concretamente, fez-se uma análise de textos críticos do poeta Arthur de Salles, veiculados em periódicos, no início do século passado e na sua correspondência pessoal com o propósito de seguir as marcas presentes no seu discurso crítico. Seguindo o que está proposto nas reflexões acima citadas, partiu-se da recuperação de dados referentes à vida do poeta Arthur de Salles e ao contexto sócio-histórico de sua época, para, no confronto com as situações discursivas selecionadas, tentar estabelecer um perfil do crítico-poeta. Longe da pretensão de esgotar as discussões em torno dos assuntos aqui abordados, o presente trabalho pretende apenas oferecer uma colaboração a mais para a ampliação do perfil de Arthur de Salles, buscando contribuir para a sua reinserção no cânone da Literatura baiana e, quem sabe, para a reconfiguração da própria história do Simbolismo local, uma vez que grande parte da produção do período continua dispersa em periódicos ou encerrada em obras raras, ainda à espera da curiosidade, persistência e tenacidade de pesquisadores que desejem resgatá-la da sombra e da poeira das estantes, trazendo-a ao lume do conhecimento público. Muito tem sido feito nesse sentido, no entanto, faz-se necessário reunir os importantes trabalhos de pesquisa já realizados, para que não se tornem, eles mesmos, novos dispersos fechados nos acervos da Academia. 19 BENVENISTE, Émile. Da subjetividade na linguagem. In: id. Problemas de lingüística geral. Trad. de Maria da Glória Novak e Maria Luísa Neri. 4.ed. Campinas: Pontes, 1995. v.1, p. 284-293. 20 BENVENISTE, Émile. O aparelho formal da enunciação. In: id. Problemas de lingüística geral. Trad. de Eduardo Guimarães el al. Campinas: Pontes, 1989. v. 2, p. 85. 19 1.1. ESTRUTURA DA TESE Esta tese está dividida em cinco partes. Na introdução define-se o problema, estabelecendo-se a justificativa, os objetivos e a metodologia da pesquisa, definindo-se ainda o corpus a ser editado. Além disso, tecem-se rápidas considerações sobre a crítica literária veiculada em periódicos situando sua importância para a obra dispersa do autor escolhido e sobre o fenômeno da enunciação. Na segunda seção, O poeta Arthur de Salles, apresenta-se um relato sobre a vida e a obra do poeta baiano, no qual se procurou dar ênfase à sua face de crítico e cronista e ainda discutir sobre as possíveis causas que concorreram para o desconhecimento a que foi relegado o poeta baiano. Objetivou-se ainda, situar a posição do autor na literatura baiana de sua época, oferecendo um panorama do seu vasto campo de atividades, procurando-se, sempre enfatizar sua inserção na crítica do período, com base na sua correspondência pessoal e em depoimentos de amigos e de outros intelectuais. Segue-se a terceira seção, O Suporte, em que se tratou dos periódicos, da sua importância no período, das transformações por que passaram, com destaque para os caminhos percorridos pela crônica e pela crítica literária. Enfatizaram-se ainda, as relações estabelecidas entre os periódicos, os poetas e a sociedade do início do século passado. Fez-se, para isso, uma descrição panorâmica dos jornais e revistas literárias e de divulgação dos quais foram extraídos os textos que compõem o corpus, dando conhecimento da participação ativa de Arthur de Salles na sociedade da época, na colaboração nos periódicos, e de sua obra publicada. Na quarta seção, intitulada A crítica sallesiana, tecem-se considerações sobre a edição crítica de textos, situando sua importância para a obra dispersa do autor escolhido e se apresenta a Edição dos textos que integram o corpus, acompanhada da metodologia e dos critérios obedecidos, fazendo-se a descrição das versões e o estabelecimento do texto crítico, para o texto com mais de um testemunho. A quinta e última seção, O discurso crítico de Salles, consiste numa apreciação dos textos críticos do autor em que se procurou apresentar a linha temática seguida pelo poeta, cronista, contista e crítico baiano, além de observar as estratégias enunciativas utilizadas na construção do texto crítico. Após as considerações finais, apresentam-se as referências, que contemplam obras do autor, documentos sobre o autor e a obra, textos de crítica textual e literária, textos de literatura baiana e brasileira, periódicos literários e de divulgação, textos sobre periódicos, textos sobre enunciação e análise do discurso, dicionários e outras obras consultadas. Por fim, nos anexos, oferece-se um conjunto de fac-símiles relativos ao corpus. Magro, o seu perfil dá, de momento, a impressão de que ali existe mais alma do que corpo. Testa larga, olhar profundo, ampla cabeleira, phrase curta, quase monossylabica – Arthur de Salles viveu ali [em Brotas] exclusivamente para seus versos, na tortura da forma e da idéia. Dir-se-ia mysterioso garimpeiro desapparecido num subterraneo de mina, procurando á luz de uma lanterna, um diamante verde [...]21 21 Retrato do autor. In: ARTHUR de Salles. Nossos poetas, nossos literatos, nossos oradores. Bahia Illustrada. Salvador, n.33, p. 41, dez. 1920. 21 2 O POETA ARTHUR DE SALLES Faleceu, hoje, o Príncipe dos poetas bahianos22. A notícia do desaparecimento do poeta Arthur de Salles23, estampada nas manchetes dos jornais de maior circulação na cidade, causou grande comoção na sociedade baiana, especialmente entre os homens de letras e demais intelectuais que tiveram o privilégio de privar da sua companhia24. Comovido profetiza o redator do Diário de Notícias: Artur de Sales viverá, pois nas consciências das gerações futuras, que jamais poderão olvidar essa figura ímpar de poeta, cinzelador de sentimentos na forma das letras. A Bahia, o Brasil, que hoje choram sua perda, comporão hinos em seu louvor, através das páginas áureas de sua história literária25. A maioria dos trabalhos publicados sobre a vida do poeta baiano Arthur de Salles e sobre a sua inserção no cenário das Letras em nosso estado tomam por fonte o seu necrológio, que, por sua natureza, compõe um ritual de consagração. São em geral textos inflamados, que devem ser lidos com algum cuidado, visto que a morte de um escritor, como, de resto, ocorre com qualquer outra personalidade de destaque numa sociedade, deflagra sempre uma tentativa de inserção no cânone, que, por vezes, chega a criar uma outra imagem, uma outra biografia. Entretanto, textos dessa natureza não podem ser simplesmente desprezados, pois sempre podem veicular depoimentos importantes, mas também não devem ser tomados como verdades absolutas. Arthur de Salles, morto a 27 de junho de 1952, aos 73 anos, foi consagrado ainda em vida, conforme atestam depoimentos e ensaios biográficos examinados ao longo desse trabalho26. Após a sua morte, contudo, caiu no mais absoluto ostracismo. 22 FALECEU, hoje, o Príncipe dos poetas bahianos. Estado da Bahia, Salvador, p. 3, 27/06/1952. Arthur Gonçalves de Salles, nasceu na Cidade do Salvador, no “Cais Dourado”, distrito do Pilar, a 7 de março de 1879. De origem humilde, filho de Severiano Gonçalves de Salles e de D. Eufrosina Aragão de Salles, o parnasiano poeta do mar serviu o Exército no 9° Batalhão de Infantaria e chegou a ir ao Rio de Janeiro com propósitos de fazer carreira. Não obtendo sucesso, retornou a Salvador e entrou no Instituto Normal em 1903, formando-se Aluno-Mestre em 1905. (PEREIRA, Norma Suely. Um punhado de versos e páginas de prosa..., op cit., f. 27-28). 23 24 PEREIRA, Norma Suely. Um punhado de versos e páginas de prosa..., op cit., f.38. MORREU Artur de Sales. Diário de Notícias, Salvador, p. 2 e 3, 28/06/52. 26 CHAVES, Ag. Leitura variada de um poeta bahiano: Arthur de Salles O Imparcial, Salvador, n. 393, 22/06/1919; DISCURSO de posse de Jorge Amado. Revista da ALB, Salvador, n.33, p. 231-240, nov. 1985; SILVEIRA, Giraldo Baltazar da. Arthur de Salles – esboço bio-literario. A Tarde, Salvador, n. 14.868, p. 14, 08/09/1956, Literatura – Critica e Artes; GOMES, Eugênio. Arthur de Sales. In: id. Prata de casa: ensaios de 25 22 Contemporaneamente, o poeta do mar, a despeito de sua obra e de seu devotamento pela literatura no estado, é, fora do círculo dos especialistas e dos literatos, um ilustre desconhecido. Esse desconhecimento a que foi relegado o poeta baiano, assim como a maior parte dos simbolistas, e a pouca consideração com que é tratado o próprio movimento simbolista nas histórias da literatura brasileira, de um modo geral, deve-se, sobretudo, a características do período. Embora o movimento simbolista tenha sido bastante extenso no Brasil, ultrapassando as fronteiras do Rio de Janeiro, sua produção ficou muitas vezes restrita à divulgação em periódicos e em tertúlias locais, não alcançando assim o critério de circulação na memória coletiva nacional, utilizado pela maioria dos críticos. A indiferença da crítica militante para com a produção dos novos autores é temática constantemente tratada pelos poetas baianos. É o que se verifica nesta carta em que Salles, comentando uma carta recebida, faz referência ao silêncio da crítica sobre o Sombra Fecunda, de Durval de Moraes, além de denunciar a flagrante parcialidade que se verificava no interior das chamadas ‘panelinhas’: [...] Do nosso Campos, que lá dos confins do norte do Brasil não me esquece, sempre assíduo nas suas bellissimas cartas, destaco este trecho da sua ultima missiva: “Na verdade, já reparei que a critica indigna silenciou sobre o livro do nosso Durval. Apesar de mettido nestas brenhas chegam regularmente seis vapores por mez e por todos elles recebo jornaes do Rio e de Manáos, e ás vezes da Bahia, se bem que com grande atrazo. Mas creio que só li uma referencia, aliás muito curta á Sombra Fecunda [.] Fora das panellinhas, meu caro, muito custam os pontifices da critica a descerem do seu fastigio para se dignarem de dizer algo dos que não os incensam27.” [...] Por outro lado, os críticos consagrados do período, em sua maioria, naturalistas, não eram sensíveis à “nova” estética, que foi contemporânea dos movimentos Realista, Naturalista e Parnasiano. Mesmo Nestor Vitor, crítico simbolista confesso, chegou a atacar os simbolistas em alguns dos seus primeiros ensaios críticos28. literatura brasileira. Rio de Janeiro: A Noite, p. 65-69 [195?]; MURICY, Andrade. Artur de Sales. In: id. Panorama do Simbolismo brasileiro. Rio de Janeiro: MEC/INL, 1951. v. 2, p. 303-305. 27 PR-EP-CO-OM-064:0296-XE-02/JM, de 01.11.1913. 28 MARTINS, Wilson. A crítica literária no Brasil. 2.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983. v. 1, p. 462-463. 23 Sobre o pouco preparo da crítica de fins do século XIX na recepção do Simbolismo diz Silvio Romero: Nossos críticos repetem as idosas idéias já assentadas a respeito do classicismo e do romantismo, porque são duas velharias muito conhecidas. Do satanismo de um Baudelaire, do cientificismo de um Sully Proudhomme, nem palavra. Um pouco mais dizem do parnasianismo e do naturalismo, doutrinas mais fáceis e superficiais. Quanto ao simbolismo, o desnorteamento é completo. Geralmente o pintam como uma reação mórbida do idealismo, uma espécie de faquirismo ocidental nos domínios da arte, uma coisa aérea, sem nervo, sem sistematização, sem saber o que quer29. A vasta produção do período repousa em textos dispersos e documentos raros, dificultando sobremaneira o trabalho de pesquisa sobre o movimento em questão, levando à equivocada conclusão de inexpressividade do Simbolismo em território nacional. Moderno para a sua época, o Professor Arthur de Salles foi um homem à frente do seu tempo. Sua produção inicial, na época da Nova Cruzada30, é de feição simbolista e de inspiração francesa, transferindo-se posteriormente para o Parnasianismo, especialmente em Poesias31, tendo ainda apresentado incursões pelo modernismo. Num estudo sobre as características da obra de Arthur de Salles, em que salienta não só a sua qualidade de poeta, mas, principalmente a de prosador, Astério de Campos comparao em nitidez, sobriedade, energia e elegância à Coelho Neto e Júlio Dantas. Da sua prosa A. de Campos destaca o texto O assassino do sol, conto realista que autoriza inserir o autor ao lado de grandes sertanistas32. Seis meses antes de sua morte, em entrevista concedida ao jornalista Cláudio Tuiuti Tavares, perguntado se se considerava um simbolista, assim respondeu o poeta: “meu amigo, 29 ROMERO, Sílvio. O Simbolismo e Cruz e Souza. In: id. Teoria, crítica e história literária. Seleção e apresentação de Antônio Cândido. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: EDUSP, 1978. p. 158-159. 30 Associação Nova Cruzada. Agremiação literária da qual Arthur de Salles foi um dos fundadores e que tinha como órgão de divulgação a revista homônima, que circulou de 1901 a 1910, na cidade do Salvador. 31 SALLES, Arthur de. Poesias: 1901-1915. Bahia: [s.n.], 1920. CAMPOS, Astério de. Um escriptor bahiano. In: id. Vários escriptos; 1911-1916. Salvador: Imprensa official, [191?]. p. 92-98. 32 24 hoje sou um poeta, somente um poeta. Considero-me acima de escolas, longe dessas prisões literárias de antigamente”33 . Sem que suspeitasse, Salles já trazia em si, latente, a semente do novo movimento, é o que indica o depoimento de um seu contemporâneo, Carvalho Filho34: De toda aquela revoada de escritores, só nos preocupavam, adolescentes já atraídos pelo fenômeno da literatura em 1922, as personalidades de Kilkerry, de Chiacchio e de Salles. É que, por intuição da sensibilidade víamos diante de nosso espírito o panorama de uma cultura respeitável em sua compostura exterior, mas parada em seu convencionalismo estético. Apenas aqueles três nomes nos atraíam pelo exemplo com que cumpriam a sua vocação. Mas sobretudo, o que surpreendianos em suas palavras era um inconformismo latente com o estado de estagnação das nossas letras, esterelizadas na cultura monótona de símbolos esgotados de sua substância estética. Na atitude mental dos três – notadamente na de Kilkerry – pressentíamos subjacentes, arestas pelas quais atingiríamos o conhecimento dos novos processos formais de expressão e de uma nova sensibilidade literária, de cuja existência não duvidávamos35. Péricles Ramos expressa igual impressão quando, referindo-se aos representantes do grupo Nova Cruzada, classifica Arthur de Salles como “precursor do lirismo modernista” e diz que Pedro Kilkerry “tem expressões e imagens avançadas”36. A atitude ‘moderna’ de Salles pode ser percebida também na resenha que faz do livro Sombra Fecunda de Durval de Moraes, quando, em carta datada de junho de 1913, ele apóia a utilização do verso livre e classifica de “crítica espartilhada e grotesca” a atitude daqueles que defendem apenas a utilização das normas tradicionais37. 33 TAVARES, Cláudio Tuiuti. “Ainda não comecei a fazer o poema da minha dor!” entrevista com Arthur de Salles. Diário de Notícias, Salvador, ano 76, n. 14802, p. 1 e 2, 16/12/1951, Supplemento. 34 José Luis de Carvalho Filho, nascido em Salvador a 11 de jun. de 1908, diplomou-se em Direito, tendo atuado como procurador do Tribunal de Contas e Secretário de Justiça. Foi ainda professor e poeta, tendo participado do Movimento modernista na Bahia. Nesse período integrou os grupos de Arco e Flexa e o Ala das Letras e das Artes. Publicou Rondas (1928), Plenitude (1930), Integração (1947), Face Oculta (1959) (COUTINHO Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira, op. cit., s.v). 35 CARVALHO FILHO. Arco e Flexa. In: Valdomiro SANTANA. Literatura baiana 1920-1980. Rio de Janeiro: Philobiblion; Brasília: INL, 1986, p. 24. 36 RAMOS, Péricles Eugênio da Silva (Org.). Poesia simbolista: antologia. São Paulo: Melhoramentos, 1965. p. 23-24. 37 PR-EP-CO-OM-064:0288-XE-06/JM, de 25-26/06/1913. 25 Em outubro do mesmo ano, de forma mais direta e contundente, citando Eça de Queirós, Salles volta a defender a necessidade de romper com as formas parnasianas, sempre que necessário: ... essa imobilidade entedia, nós somos os Ulisses, buscamos fugir a essa impassibilidade, queremos a forma nova como o mar com os seus temporaes e bonanças, sem as serenidades olympicas de Ogygia. Queremos o movimento, a maneira de expressar-se em formas e rythmos fóra das regrinhas pedagogicas desta daquella escola. E prompto... Fóra de tudo isto é que está a salvação38. Esta posição de vanguarda é também asseverada pelo escritor baiano Jorge Amado, em seu discurso de posse na Academia de Letras da Bahia 39, em março de 1985. Tratando sobre os movimentos que contribuíram para a renovação da cena literária no Estado, o escritor destaca o surgimento, na década de 20, das revistas modernistas Arco e Flexa e Samba, salientando, contudo, o papel decisivo, já na década anterior, da Nova Cruzada, que segundo ele, lançara as bases para o aparecimento dos grupos modernistas. Dentre os poetas consagrados com quem conviveu, Amado cita o neocruzado40 Arthur de Salles, que “estava acima de escolas e grupos, dada a beleza e o poder de sua poesia”41 e para quem espera que se faça justiça com uma melhor divulgação de sua obra, para que possa ocupar o lugar que lhe pertence, entre os “vates maiores” da nossa literatura42. Noutro momento, em depoimento para o Literatura baiana de Valdomiro Santana43, Jorge Amado relacionou, dentre os escritores mais importantes no início do século XX, na Bahia, as figuras de Xavier Marques, na ficção, Arthur de Salles, na poesia, e Aloísio de Carvalho44, o Lulu Parola, no gênero humorístico45. Ele destaca ainda três revelações dentre os escritores que surgiram na década de 20: Eugênio Gomes, Herman Lima e Godofredo 38 PR-EP-CO-OM-064:0295-XE-03/JM, de 30/10/1913. DISCURSO de posse de Jorge Amado. Revista da ALB, Salvador, n.33, p. 231-240, nov. 1985. 40 Designação dada aos participantes da Associação Nova Cruzada, agremiação literária que tinha como órgão de divulgação a revista homônima, que circulou de 1901 a 1910, na cidade do Salvador. 41 DISCURSO de posse de Jorge Amado. Revista da ALB, Salvador, art. cit. 42 Ibid. 43 AMADO, Jorge. A Academia dos Rebeldes. In: SANTANA, Valdomiro. Literatura baiana 1920-1980. Rio de Janeiro: Philobiblion; Brasília: INL, 1986, p. 11 – 20. 44 Aloysio de Carvalho (1866-1942) – Um dos fundadores da Academia de Letras da Bahia, o jornalista baiano foi também poeta e deputado estadual. Seu principal destaque é, contudo, como grande epigramista, que publicava sob o pseudônimo de Lulu Parola. 45 AMADO, Jorge. A Academia dos Rebeldes. In: SANTANA, Valdomiro. Literatura baiana , op. cit. p. 15. 39 26 Filho46. Conforme Carvalho Filho, a atividade crítica local ficava por conta de Damasceno Vieira, Almachio Diniz e Carlos Chiacchio47. Salles participou ativamente da vida literária da cidade, tendo fundado, junto com outros poetas, a Revista Moderna (1900) e a Nova Cruzada (1901). Dentre as atividades intelectuais, desempenhou as de cronista, contista, jornalista, redator, destacando-se, porém, como poeta48. Foi redator da Revista Moderna e da Gazeta do Povo; colaborador e fundador da Associação Nova Cruzada, tendo publicado muito da sua produção simbolista na revista homônima, órgão de divulgação da agremiação. Colaborou ainda em muitas outras revistas, a exemplo de Nova Revista (1902-1903), Revista do Grêmio Literário (1902-1903), A Seara de Ruth (1911), Os Annaes (1911-1914), Renascença (1916-1928), A Cegonha (1917-1918), Bahia Illustrada (1917-1921), A Fita (1919-1920), A Rajada (1919-1929), Arco & Flexa (19281929), Festa (1934), e ainda em O Percevejo, revista humorística onde trabalhou na série “A Reformeida”49. Entre os jornais locais, colaborou ativamente em O Imparcial, A Tarde e Diario de Noticias. Integrou, ainda, o Grupo de ALA das Letras e das Artes50 e foi um dos primeiros membros da Academia de Letras da Bahia, onde ocupou a cadeira de n. 3. Sua produção, publicada principalmente em periódicos, tem sido resgatada por pesquisadores, mas permanece desconhecida do grande público. Publicou: Poesias (1901-1915), 192051; Sanguemau, 192852; Poemas Regionais (Sangue-mau e O ramo da fogueira), 194853 e uma tradução do Macbeth de Shakespeare54, com Prefácio55 de sua autoria, em 1948. Formado pelo Instituto Normal em 1905, aos 26 anos, viveu, como professor, uma dura experiência de peregrino, lecionando em Salvador, no interior da Bahia e em Sergipe. Sua carreira de servidor público começou, entretanto, como bibliotecário, nomeado em 1908 46 Ibid., p. 13. CARVALHO FILHO. Arco e Flexa. In: SANTANA, Valdomiro. Literatura baiana, op. cit., p. 23. 48 SILVEIRA, Giraldo Baltazar da, art. cit. 49 LARA, Cecília de. Nova Cruzada: contribuição para o estudo do pré-modernismo. São Paulo: USP/Instituto de Estudos Brasileiros, 1971. p. 64-66. Em nossa pesquisa, não encontramos nenhum exemplar da revista O Percevejo. 50 A “Organização Official de Ala das Letras e das Artes” congregava artistas e literatos e tinha redação e direção situadas na rua Juliano Moreira, no Edifício da Associação dos Empregados no Comércio. O “Movimento de Ala”, boletim informativo do grupo, saía às quartas feiras, n’O Imparcial, em página específica, denominada “Pagina de Ala”. Além de Salles, faziam parte do grupo, entre outros, Presciliano Silva, Carlos Chiacchio, Hélio Simões, Ruy Espinheira e Francisco Afrânio Peixoto (MOVIMENTO de Ala, Boletim n. 9. O Imparcial, Salvador, p.5, 09/04/1941). 51 SALLES, Arthur de. Poesias, op. cit. 52 SALLES, Arthur de. Sangue máo; poema. Bahia: Imprensa Official do Estado, 1928. 53 SALLES, Arthur de. Poemas regionais: Sangue mau, O Ramo da fogueira. Bahia: Era Nova, 1948. 54 SHAKESPEARE, [William]. Macbeth. Trad. de Arthur de Salles. In: id. Macbeth. Rei Lear. Trad. de Arthur de Salles e J. Costa Neves. Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 1948. p. 1-131. (Clássicos Jackson, 10). 55 SALLES, Arthur de. Prefácio. In: SHAKESPEARE, [William]. op. cit., p. i-xxv. 47 27 para o Instituto Agrícola São Bento das Lages56, localizado na Vila de São Francisco, hoje cidade de S. Francisco do Conde, para onde se transferiu então, iniciando um período de transferências que se estenderia, sem trégua, por toda a sua vida. No Instituto Agrícola de São Bento das Lages, viveu o poeta um período de grande produção literária. No silêncio da sua Turris57, encontrou inspiração para versos lapidares, muitos dos quais integrarão, mais tarde, o seu livro Poesias”58. Na sua poesia de característica sensualista, na acepção filosófica da palavra, conforme Almáquio Diniz, cantou o homem, o amor e toda a gama de suas emoções59. No final de março de 1911, é nomeado professor no Aprendizado Agrícola, anexo à escola de S. Bento da Lages, localizada no convento de Brotas, próximo de São Bento das Lages. Neste convento, onde antes funcionava uma antiga Abadia Beneditina, habitou a cela que teria sido de Junqueira Freire60. Fica noivo de Aurélia Godinho, contraindo matrimônio dois anos depois, em 1913. Durante longo período, levou uma vida isolada e humilde, tendo de escolher entre enfrentar diariamente os caminhos empoeirados ou lamacentos para estar com a família, ou permanecer em Brotas, com pouquíssimo conforto e alimentação precária. Isto interfere negativamente no trabalho do poeta, que desabafa com o amigo Durval de Moraes: Ando esteril como as rochas. Que queres?... Aqui, de Candeias para Brótas e de Brótas para Candeias, nada sei de novo quanto á vida litteraria da Bahia61. 56 O Instituto Agrícola foi inaugurado, com grande festividade, em 6 de maio de 1907. (O INSTITUTO Agricola da Bahia. Gazeta do Povo, Salvador, n. 532, p. 1, 07/05/1907). 57 No antigo Instituto de São Bento das Lages, sua cela se chamava Covadonga e a do amigo Durval, Turris Eburnea. Algum tempo depois, Durval de Moraes era demitido do Instituto, por um caso de fidelidade ao seu superior. Salles ficou no casarão tomando a Turris como local de trabalho. O período da Biblioteca foi extremamente importante para a formação cultural e científica do poeta. “Foi-lhe uma espécie de curso de pósgraduação” diz Eloywaldo Oliveira. (BARBOSA, Dom Marcos. Durval de Moraes, colaborador de A Ordem, A Ordem; Revista Trimestral de Cultura, Rio de Janeiro, v.77, p. 32-41, jan.-dez. 1982; ver também OLIVEIRA, Eloywaldo Chagas de. Discurso de posse; pronunciado em 27 de junho de 1953. Revista da Academia de Letras da Bahia, Salvador, n. 14, p. 64, 1953). 58 CHAVES, Ag. Leitura variada de um poeta bahiano: Arthur de Salles O Imparcial, Salvador, n. 393, 22/06/1919; ver também PR-EO-CO-OM-067:0343-XE-01-04/JM, de 23/08/1920. 59 DINIZ, Almachio. A cultura literária da Bahia contemporânea. Salvador: Typographia Bahiana, 1911. p. 48. 60 Em carta ao amigo Durval de Moraes, Salles conta que ouvira, numa palestra sobre Arte, que Junqueira Freire, frade beneditino, teria morado em uma das celas do convento de Brotas, a mesma que ele então habitava (PREO-CO-OM-063-0278-XE-01/JM, de 21/12/1912). 61 PR-EP-CO-OM-064:0296-XE-02/JM, de 01 /11/1913. f.2. 28 É, contudo, na solidão do convento de Brotas que o poeta inicia uma de suas grandes obras, a tradução do Macbeth de Shakespeare. Perfeccionista como era, muitos anos empenhou o poeta nesse trabalho que o envolvera completamente, conforme depoimento de Eugênio Gomes: Poucas traduções já se fizeram em circunstâncias tão curiosas. Quando a iniciou, Sales morava na Vila de S. Francisco, próximo de S. Amaro, a pequena distância dali, numa escola agrícola cuja sede era um velho convento, já sem frades, incrustado no platô de um morro abrupto rodeado de águas. Aí, por vêzes, o poeta pernoitava. Fechado, de noite, numa cela do convento quase deserto, com a peça de Shakespeare sob os olhos, Sales via a sua solidão povoar-se constantemente de sombras trágicas. As feiticeiras, com os seus misteriosos esconjuros; o velho rei ferido de morte em pleno sono; Lady Macbeth fazendo sua terrível invocação às potências da treva ou, sonâmbula, a agitar sua pequena mão, muito branca, que imagina manchada de sangue; Macbeth vendo diante de si punhais imaginários ou empunhando aquêle com que golpeou Duncan; o porteiro, com os seus resmungos, os assassinos, todas essas figuras estranhas haviam de passar e repassar pela cela silenciosa, em que o poeta trabalhava ou meditava, integrado no mundo shakespeariano62. Analisando uma das muitas cartas que trocou com o poeta do mar, Astério de Campos discute a importância da solidão para o engenho criador do autor: Arthur de Salles é um recluso, um descriptivo, um sonhador, mas sem o mysticismo das imaginações doentias. Para elle, é na solidão que se esconde a alma, na solidão fecunda, na ‘solidão estrellada, de Alberto de Oliveira, a solidão onde se possa sonhar, evocar, amar. A solidão como um ponto de partida, não como um ponto de parada na vida’63. Em A Victoria da solidão64, Durval de Moraes também reputa como benéfica a influência da solidão para a alma do poeta, que não se deixou abater nem mesmo pelo descaso das autoridades para com a educação ou pelas constantes tranferências que enfrentou dentro 62 GOMES, Eugênio. Macbeth. In: id. Shakespeare no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e cultura/Serviço de Documentação/Departamento de Imprensa Nacional, 1961. p. 56-57. 63 CAMPOS, Astério de. Um escriptor bahiano. In: id. Vários escriptos; 1911-1916, op.cit., p. 101. 64 MORAES, Durval de. A victoria da solidão; Arthur de Salles – Poesias – Bahia, 1920. Bahia Illustada. Salvador, n.34, p. 13-15. 1921. O texto integra também a edição póstuma da obra poética de A. de Salles. (SALLES, Arthur. Obra Poética. Salvador: Mensageiros da fé/SEC, 1973. p. 457-464) 29 do serviço público. Ao contrário, o autor de Sombra fecunda considera que, se tivesse permanecido na capital, Salles poderia ter-se contaminado pelos modismos da época, o que lhe enfraqueceria o estro e perderia em originalidade: O sósinho não cantou os sadismos e os masochismos do amor, nem as miserias das infimas materialidades. Envolvendo-se no manto luminoso da alegria calma, equlibrada, sadia, creadora [...] não quiz ter olhos para ver as pequeninas torturas [...] Não odiou nem chorou. Sorriu e caminhou. Canta o que deve ser celebrado: a Belleza e a Natureza [...] Atirado num canto de provincia, que os máos governos arruinaram e transformaram em pocilga, paupérrimo, supportando o peso atavico das tristezas e dos pecados das raças de que descende, amarrado ao potro de martyrios do professorado publico, mal pago e mal visto, poderia, com a clarividencia do seu intelligentissimo espirito, revoltar-se conta tudo e contra todos e inscrever-se no meio dos “incomprehendidos”. Não o fez, porém. Mantem-se grande, até nessa contradicção. [...] E quem o fez assim? [...] Quem foi que o creou assim? A solidão. Eis a musa, a dona, a inspiradora dessa vocação esplendida [...]65 Em 1921, aos 42 anos, é transferido para o Patronato João Caminha, que ficava em Barreiros (Pernambuco?), mas não vai assumir o lugar. Descontente com a distância para onde vai ser mandado, com o salário atrasado66 e com a saúde abalada, ele tenta, a todo custo, que se revogue a decisão. Entre 1921 e 1925, o poeta acha-se em disponibilidade, e passa os dias entre Salvador, onde dá aulas no Instituto Bahiano de Ensino (para garantir o sustento) e a Villa de S. Francisco onde está a família. Mobiliza amigos para tentar resolver o impasse sobre Barreiros. Está ameaçado de demissão e tentado a aceitar um emprego no governo para ir ensinar em Barracão, interior da Bahia, como Inspetor Regional, devendo visitar e fiscalizar escolas desde a sede até Canudos, disposto a perder os 14 anos de Serviço Federal, para não ter que ir para Barreiros, onde, àquela época, tropas legalistas se concentravam para enfrentar os revolucionários. Ali assolava o impaludismo, devido a uma enchente, e, além de tudo, o salário era muito pouco: 300 mil réis, para dividir com a família e pagar uma pensão no lugar. 65 MORAES, Durval de. A victoria da solidão, art. cit., p. 14-15. São constantes as referências aos atrasos de pagamentos dos salários nos Institutos Agrícolas. Em junho de 1921, por exemplo, lê-se em um jornal da cidade: “Estão há mais de oito mezes do desembolso dos seus ordenados vencidos os funcionarios da Escola Agricola” (A Tarde, Salvador, n. 4005, 20/06/1921). 66 30 Foi ainda indicado para o Aprendizado de Mato Grosso, mas não aceitou67. Durante este período, trabalhou nos poemas regionais, Sangue mau e O Ramo da fogueira, além de sempre corrigir e retocar os versos do mar e a tradução do Macbeth68. No entender de E. Gomes, o contato diário com as tradições do Recôncavo teriam, inspirado o poeta baiano na criação de seu poema dramático Sangue Mau69, publicado em 1928: Por fim, o mundo shakesperiano passara a ser quase o mundo real de Sales. Êle falava, por exemplo, sôbre as feiticeiras que vaticinavam a ascensão de Macbeth tão naturalmente como se estivesse aludindo às bruxas da macumba local70. Na atmosfera daquela tragédia, como o The Cenci, de Shelley71, nasceu e tomou forma o seu poema dramático Sangue Mau, escrito entre 1924 e 1925. [...] O poema inspira-se numa superstição muito generalizada, no recôncavo baiano, da influência fatalista do sangue, dito “sangue mau”, sob cujo efeito do elemento negativo a adversidade resulta inevitável. A ação se passa numa pequena povoação de pescadores. O sangue mau vem de Teresa, a companheira do pescador Sauna. Sob o efeito do elemento maléfico que a rapariga traz em suas veias, Sauna perde tudo: a saúde, as embarcações, o ganho, a alegria de viver, até ficar reduzido a uma espécie de molambo humano. Afinal, advertido da causa de sua desgraça, deixa a companheira por outra e a felicidade volta a sorrir-lhe. [...]72 Na realidade, o poeta prepara os dois textos na mesma época, conforme atesta a sua correspondência pessoal. Em carta ao amigo e também poeta Durval de Moraes73, de 27 de 67 SILVEIRA, Giraldo Baltazar da. Arthur de Salles…, art. cit., p. 14. PR-EP-CO-OM-069:0365-XE-01-04/JM, de 22/04/1924 e PR-EP-CO-OM-069:0371-XE-01-02/JM, de 28/08/1925. 69 SALLES, Arthur de. Sangue mao, op.cit. 70 GOMES, Eugênio. Macbeth. In: id. Shakespeare no Brasil, op.cit., p. 58. 71 A violenta e passional tragédia vivida pela família Cenci, na Itália do séc. XVI, exerceu grande fascínio em artistas e historiadores dos séculos posteriores. A primeira e mais importante das obras produzidas sobre o assunto, foi sem dúvida o The Cenci, de Shelley, publicada em 1819. O autor apresenta o drama vivido por Beatrice de forma vigorosa e sóbria, dotando a personagem de grande lirismo, determinação e firmeza de caráter (PORTO-BOMPIANI, González. Diccionario literário de obras y personajes de todos los tiempos y de todos los paises. Barcelona: Montaner y Simon, 1959. t. 3, s.v). 72 GOMES, Eugênio. Arthur de Sales. In: id. Prata de casa..., op.cit., p. 67-68. 73 O poeta baiano Durval de Borges Moraes (Maragogipe 20/11/1882 – Rio de Janeiro 05/12/1948) foi um dos poetas da Nova Cruzada, agremiação a que pertenceram também, além de Salles, Álvaro Reis, Pedro Kilkerry, Galdino de Castro e Xavier Marques, entre outros. Em 1911, foi consagrado pelos seus confrades como o maior de seus poetas. Destacou-se entre os simbolistas pela inovação na métrica, tendo escrito versos de 17 e até 18 sílabas métricas em seu primeiro livro, Sombra Fecunda, de 1913. Mais tarde integrou-se ao grupo dos poetas católicos, publicando livros de inspiração religiosa. (GÓES, Fernando. Panorama da poesia brasileira. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1959. v.4. O Simbolismo p. 261). 68 31 agosto de 1925, Salles fala sobre os problemas pessoais por que passava e faz comentários sobre os trabalhos que vinha desenvolvendo paralelamente, apesar dos infortúnios: Pouco tenho escripto. Os dissabores, as tristezas desses ultimos tempos me não trabalhar [sic]. Depois da morte do meu irmão comecei a por em verso, a glosar, um assumpto regional ― Sangue máo. Em meio veio a morte de meu velho e de novo parei. destaquei desse assumpto um episodio – o Ramo da Fogueira – que te mandarei. É essa velha superstição de que o ramo da fogueira caindo para a porta é fathidico, indica a morte de alguem da casa. Este e outros assumptos <da> dariam com o nome de Romanceiro boas paginas regionaes. Estes dous pelo menos eu os darei. Tudo isto entre pescadores. E nada mais. Corrijo os versos do Mar e algumas paginas de prosa e o Macbeth. E aqui fico esperando as cousas e as tuas noticias. [...]74 Em fins de 1926, está em Barracão, “seu novo posto de exilio”75, inicialmente como professor em comissão do Patronato Agrícola Marquês de Abrantes, cargo em que é efetivado em 15 de março de 192776, ali permanecendo até 1930, muito triste, distante do mar, que lhe é tão caro, esperando sempre por uma ajuda de custo para conseguir levar a família para perto de si, o que dificilmente conseguiria. O elemento marinho que Salles tão bem cantou em sua produção poética, e que lhe valeu o epíteto de O poeta do mar, marcou toda a sua vida, conforme registra Eugênio Gomes, seja como presença reconfortante, seja como ausência doída: Certo dia, em Salvador, tomando-me pelo braço e descendo comigo a ladeira do Caminho Novo, Arthur de Salles foi mostrar-me, na cidade baixa, a casa onde vivera em pequeno. É um dos mais velhos sobradões, a cuja soleira vinha bater antigamente o mar, no Cais Dourado, local dos mais típicos da Bahia, que o progresso reduziu a uma praça como as outras. Falou-me êle, nessa ocasião, sôbre os seus dias de menino passados ali; de uma escada de pedra que já não existia; da água inquieta que batia, dia e noite, na parede do cais; das embarcações que chegavam do recôncavo carregadas de frutos frescos e peixes luzidios brilhando à luz do sol. O mar desaparecido dali, com o aterro das Docas do Porto, fazia-lhe falta como uma pessoa da família levada pela morte. Aquela água vadia que fôra um de 74 PR-EP-CO-OM-069:0371-XE-01-02/JM, de 27/08/1925. A expressão ‘exílio’ empregada ao longo da tese é utilizada como citação do texto sallesiano e refere-se às sucessivas transferências para longe da metrópole que o autor enfrentou em sua vida profissional. 76 Acervo de documentos da Academia de Letras da Bahia, pasta 1, doc 2.4. 75 32 seus companheiros de infância parecia estar boiando no seu olhar ligeiramente entristecido. Sales não podia se conformar com a retirada, ou antes, com a expulsão do mar da porta de casa... E isso lhe doía como uma injustiça77. Foram certamente muito penosos para o poeta os anos em que, transferido inicialmente para Barracão (Bahia), entre 1926 e 1930 e depois para Quissamã, em Sergipe, entre 1935 e 1949 cumpriu longos períodos de exílio. Longe do mar que lhe era tão caro, apartado do convívio da família e dos amigos ele se diz cada vez mais triste: Aqui estou no meu posto, no meu exilio cada vez mais triste e mais amargo cheg[u]ei sem novidade. Tudo aqui na mesma vida parada, na mesma vida sem vida, na mesma solidão sem beleza e sem graça, esteril sempre, vasia sempre...78 Mesmo estando em Salvador, mas sem trabalho fixo, muito doente, no período em que ficou em disponibilidade, após deixar Barracão, o poeta confessa, em carta ao amigo Durval de Moraes, a tristeza por estar apartado da família: [...] Porque fiz um lar? Que crime houve nisto?.. E agora escorraçado delle. E agora ve-lo a furto. <E g gela> E agora apparecer a meus filhos quasi como estranho. Velos crescer de longe. Não ter no calor da sua meninice a vida e a alegria dos meus dias. Não ter <nada> meu começo de velhice illuminado pelo sol de sua graça fecunda. [...] Sou um exilado na propria terra. O péor dos exilios. [...] Exilio seria ou será o titulo do meu livro. Expressaria bem este desconforto este vazio que enchem esta pobre alma ha quatro annos [...]79. Em 1949, aposentado, volta a Salvador, onde exerce o magistério particular80. Doente e melancólico, morre três anos depois. 77 GOMES, Eugênio. Arthur de Sales. In: id. Prata de casa..., op. cit., p. 65. PR-EP-CO-OM-037-441-01, carta ao cunhado, Bonifácio de Carvalho, de 26.02.1942. 79 PR-EP-CO-OM-070:0390-XE-01-02/JM, de 13/05/1934. f.2. 80 CARVALHO FILHO, Aloysio de. Coletânea de poetas bahianos. Rio de Janeiro: Minerva, 1951. p.99. 78 33 Mesmo cumprindo seus longos períodos de exílio, Salles foi sempre um grande leitor. Lia tanto os autores consagrados, nacionais e estrangeiros, como as obras produzidas por seus contemporâneos. Em setembro de 1906, analisando a obra de Xavier Marques, Cavalheiro de honra da Nova Cruzada, no discurso81 que proferiu durante o Carmina Triunphalia, realizado no Lyceu de Artes e Officios, Salles compara o nacionalismo presente na obra do autor do Sargento Pedro com a expressão do sentimento nacional que ocorre noutros autores: O nacionalismo que se respira largamente em toda a sua obra é a phase consciente de nossa vida literaria, a volta para as coisas do paiz que se expande agora em pujantes affirmativas nos versos admiraveis de Alberto de Oliveira e de Olavo Bilac, nas paginas intensamente brasileiras de Affonso Arinos, de Coelho Netto, nos contos de Pedro Rebello, de Valdomiro da Silveira, nas marinhas de Virgilio Varzea, nas narrativas historicas de Rodrigo Octavio, na vasta obra do glorioso Machado de Assis e tantos outros (DXM, L. 168-175). Nos discursos que proferiu, assim como no seu epistolário, pode-se perceber sua atitude crítica, sempre muito bem informado e fundamentado, formulando suas apreciações a partir de critérios impressionistas, conforme a tendência da época. É o que se observa, por exemplo, neste fragmento do seu Discurso de recepção ao poeta Durval de Moraes na Sociedade de Letras e Artes “Nova Cruzada”, publicado na revista Os Annaes82, no qual, ao analisar o período inicial da obra do neocruzado, ele observa a influência romântica e evoca Castro Alves: Ha uns annos elle começou a rimar sonetos e poesias á luz já sem calor do velho condoreirismo esgotado no forjar as decimas escachoantes, os alexandrinos indomados por entre os quaes, passavam as figuras homericas dos heroes redivivos e as figuras constelladas das datas nacionaes, quando nos decassylabos tremulos, estillando subjectivismos magoados, não se debruçavam as visões tristonhas das bem amadas como santas piedosas, rainhas com seus cortejos de estrellas e de auroras, como deusas crueis, cegas e surdas áquelle desbordamento de amor embebido de lagrimas jamais choradas. Pagou também o seu tributo, mas á semelhança do viandante, quando dá com uma cruz na estrada, atirando-lhe um ramo novo e seguindo, assim elle depoz a sua lembrança [,] enxugou as lagrimas e partiu (DDM, L. 44-53). 81 SALLES, Arthur de. Discurso official. Nova Cruzada, Salvador, ano 5, n. 11, p.4-7, out. 1906. O discurso integra o corpus do presente trabalho. Cf. às f. 96-103. 82 SALLES, Arthur de. Discurso de recepção ao poeta Durval de Moraes. Os Annaes. Salvador, ano 1, n. 7, p.158-71, out. 1911. 34 3 O SUPORTE Já se disse que a obra crítica de Arthur de Salles foi veiculada em jornais e revistas, é preciso, entretanto, entender um pouco a função desse suporte no seio da sociedade em que ele viveu. O Catálogo da obra édita de Arthur de Salles, no banco de dados Dossiê Arthur de Salles indica um total de trinta e sete periódicos de circulação local e nacional (1900-1952), dois quais vinte e seis são revistas83 e doze, jornais84. As relações entre texto e veículo de divulgação devem ser consideradas na apreciação de um texto crítico. As características do veículo – jornais da grande imprensa, revistas de divulgação, jornais com motivação política, revistas movidas por um ideário específico – certamente influenciam na produção de um texto. Do mesmo modo, é preciso levar em conta a motivação que levou o escritor até aqule canal de divulgação e o contexto cultural e literário em que se dá a produção do texto. 3.1 O JORNAL Na segunda metade do século XIX, literatura e imprensa estavam intimamente relacionadas. Como as dificuldades para publicar as obras eram muito grandes, o escritor precisava dos periódicos tanto como meio de divulgação como para sobreviver. Mesmo considerando-se o baixíssimo índice de alfabetização da população brasileira no período em questão, a importância do jornal na difusão e democratização da cultura é inegável. Machado de Assis, em crônica publicada no Correio Mercantil em 1859, discute o papel do jornal naquela sociedade que, na sua análise, representou uma revolução, por permitir maior divulgação do pensamento em relação ao livro e por dignificar o trabalho dos literatos. Para ele, a Imprensa representou mesmo uma redenção, possibilitando a liberdade do pensamento, além de configurar-se como importante alavanca social e econômica na sociedade: 83 A saber: A Cegonha, A Fita, A Luva, A Ordem, A Rajada, Anuario Brasileiro de Literatura, Arco & Flexa, Bahia Illustrada, Bahia Nova, Festa (2a. phase), Illustração Brasileira, Nova Cruzada, Nova Revista, O Mundo Literario, Os Annaes, Renascença, Revista da Academia de Letras da Bahia, Revista Bahia-Sergipe, Revista da Bahia, Revista das Academias de Letras, Revista do Brasil, Revista do Gremio Literario da Bahia, Revista do Instituto Geopraphico e Historico da Bahia, Revista Moderna, Seára de Ruth, Veneza Americana. 84 A saber: A Tarde, A Verdade, Diario da Bahia, Diario da Tarde, Diario de Noticias, Diario Official do Estado da Bahia, Dom Casmurro, Gazeta do Povo, Jornal Folha do Norte, O Estado da Bahia, O Imparcial, O Operario. 35 O jornal é a verdadeira forma da república do pensamento. É a locomotiva intelectual em viagem para mundos desconhecidos, é a literatura comum, universal, altamente democrática, reproduzida todos os dias, levando em si a frescura das idéias e o fogo das convicções. [...] é a reprodução diária do espírito do povo, o espelho comum de todos os fatos e de todos os talentos, onde se reflete, não a idéia de um homem, mas a idéia popular, esta fração da idéia humana. [...] O jornal abalando o globo, fazendo uma revolução na ordem social, tem ainda a vantagem de dar uma posição ao homem de letras; porque ele diz ao talento: “Trabalha! vive pela idéia e cumpres a lei da criação!” Seria melhor a existência parasita dos tempos passados, em que a consciência sangrava quando o talento comprava uma refeição por um soneto?85 Machado de Assis assinala também o papel reformador da Imprensa na sociedade, devido ao caráter mobilizador do jornal na divulgação de idéias pelos diferentes estratos sociais, funcionando como importante instrumento propulsor nas mudanças que se faziam necessárias, atingindo desde a aristocracia até o operariado: Ora, a discussão, que é a feição mais especial, o cunho mais vivo do jornal, é o que não convém exatamente à organização desigual e sinuosa da sociedade. [...] a discussão do jornal reproduz-se também naquele espírito rude, com a diferença que vai lá achar terreno preparado. A alma torturada da individualidade ínfima recebe, aceita, absorve sem labor, sem obstáculos aquelas impressões, aquela argumentação de princípios, aquela argüição de fatos. Depois uma reflexão, depois um braço que se ergue, um palácio que se invade, um sistema que cai um princípio que se levanta, uma reforma que se coroa86. No Brasil, o início do século XX marca a transição da pequena à grande imprensa, que conforme analisa Nelson Werneck Sodré87, acompanhando a tendência nacional do período, deixa de ser empresa individual para ingressar no mundo das relações capitalistas. Tal mudança, embora represente avanço do ponto de vista material, pois o capital traz modernização dos equipamentos, configura-se como retrocesso na liberdade de imprensa e na isenção das idéias veiculadas. Os periódicos, especialmente os jornais, tornam-se cada vez 85 ASSIS, Machado de. O Jornal e o Livro. In: Id. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v. 3, p. 943-48. 86 ASSIS, Machado de. A reforma pelo jornal. In: Id. Obra Completa, op. cit.. v. 3, p. 963-65. 87 SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. 4. ed. atual. Rio de Janeiro: Mauad, 1999. p. 275281. 36 mais servis e tendenciosos, atendendo aos interesses do poder político e do capital, representado, de início, principalmente pelo comércio lusitano estabelecido no país. O texto, segundo assinala o mesmo Sodré88, sofre poucas alterações em relação ao séc. XIX: configurado em poucas páginas, é rico em recursos de retórica e pobre de conteúdo significativo. O noticiário é redigido de forma empolada, dificultando a leitura. Apenas os anúncios apresentam alguma evolução: desde fins do séc. XIX a publicidade passa a ser redigida por literatos que, com criatividade, produzem slogans, sonetos e textos testimoniais que quebram a monotonia dos jornais que, àquela época, também não podiam contar muito com os clichês devido ao seu alto custo. As dificuldades de publicação no país permanecem. Sobre a magnitude do problema e seus reflexos na produção dos literatos, Astério de Campos assinala: Salvo o grande Coelho Neto, que vai vivendo de letras numa terra iletrada como o Brasil, os escriptores aqui, no geral, difficilmente chegam a autores, fragmentando-se, uns, pelas folhas volantes das gazetas, nas páginas ephemerissimas das revistas, resignando-se outros, a collecionar o que produzem, nos escaninhos das estantes, no gabinete de estudo; e, outros ainda, se refogem na vida dos campos natais, á sombra dos alpendres e das arvores, desilludidos, ou se annullam de mergulho na vida commercial [...].89 Contudo, com o avanço do capitalismo sobre a imprensa, os literatos são coagidos a diminuir as contribuições de caráter literário, tidas como de interesse limitado e a lançar-se à redação de reportagens, entrevistas e notícias de interesse mais geral. O esporte, antes tratado como tema secundário, passa a ganhar mais destaque nas gazetas. Desde então, proliferam as revistas ilustradas que passarão a acolher os trabalhos de literatura, ficando o jornal principalmente com as notícias. Os jornais criam então seções de crítica literária, os rodapés90, que mais tarde darão origem aos suplementos literários91. 88 SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil, op.cit., p.281-283. CAMPOS, Astério de. Vários escriptos; 1911-1916, op. cit. p. 31-32. 90 Rodapé ou pé – a parte inferior de uma página impressa. Originou-se na França do séc. XIX a utilização do espaço vazio no rodapé dos jornais para a publicação de textos de entretenimento, tais como piadas, charadas, receitas de culinária e de beleza, crítica literária e narrativas, especialmente as crônicas, entre outros. (MEYER, Marlyse. Voláteis e versáteis. De variedades e folhetins se fez a chronica. In: CANDIDO, Antonio et al. A Crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil. Campinas: EDUNICAMP; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1982. p. 96-99; FARIA, Mª Isabel; PERICÂO, Mª da Graça. Dicionário do livro. Lisboa: Guimarães, 1988. s.v.). 91 SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa, op. cit. p. 275-306. 89 37 Os rodapés começam a ser publicados entre nós em meados do séc. XIX. Inicialmente uma espécie de vale-tudo, vão-se diferenciando com conteúdos semanais estabelecidos, abrigando, mais tarde, as narrativas seriadas92. Surge então a crônica, pequeno texto em prosa, de natureza livre e linguagem coloquial que visava a relatar ou a comentar fatos marcantes ocorridos durante a semana ou o mês, analisados com finura e argúcia. Inicialmente, o termo crônica era usado para designar relatos cronológicos, de caráter histórico93 pois, como ensina Arthur de Salles, a chronica, divindade multiforme, é filha de Chronos, o devorador do tempo, com Íris94. O sentido antigo do vocábulo em língua portuguesa, que com o tempo foi modificando-se, permanece, entretanto, em outras línguas neolatinas95. Segundo teoriza Salles, a chronica teria herdado de Chronos “o capricho e a psicologia torturante da fuga” e de Íris, a mensageira dos deuses, ela colheu as cores, com que “Irisa o momento. Dá-nos um de seus raios para com elle dourarmos o sentimento, a impressão, a emoção que se nos estende n’alma [...]”96. A crônica, como bem observa A. Coutinho, “é um gênero altamente pessoal, uma reação individual, íntima, ante o espetáculo da vida, as coisas, os seres”97. A crônica tratava principalmente de aspectos da vida mundana ou fazia crítica de pessoas . O argumento era diverso, importando mais o estilo do cronista do que o assunto em questão. A diluição do fato motivador é, aliás, segundo Antônio Dimas, uma das funções da crônica98. O cronista observa a realidade e dela retira apenas os dados que julga significativos, ampliando-os para seduzir emocionalmente o leitor, sem aprofundá-los, no entanto, podendo levar a uma visão deformada dos fatos99. Como os cronistas eram quase sempre poetas e escritores, o gênero teve sempre uma feição literária, o que fez com que mais tarde derivasse para o romance urbano ou de costumes100. Contudo, conforme analisa Antonio Dimas, a crônica jornalística não se prendia, 92 MEYER, Marlyse, art. cit., p. 96-99. COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 306. 94 SALLES, Arthur de. A chronica. In: TAVARES, Célia Goulart de Freitas. Alguns aspectos da prosa dispersa e inédita de Arthur de Salles. Salvador: UFBA, 1986. Dissertação de Mestrado em Letras. Orient. Nilton Vasco da Gama. f. 111-112 95 COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil., op. cit. p. 305. 96 SALLES, Arthur de. A chronica. In: TAVARES, Célia Goulart de Freitas., op.cit. 97 COUTINHO, Afrânio (Dir.). Simbolismo, Impressionismo e Modernismo: crônica. In: COUTINHO, A. A literatura no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: José Olympio; Niterói: UFF, 1986. v.4, p. 377. 98 DIMAS, Antonio. Tempos eufóricos: análise da revista Kosmos, 1904-1909. São Paulo: Ática, 1983. p. 73. 99 Ibid., p. 57. 100 COUTINHO, Afrânio (Dir.). Ensaio e crônica. In: A literatura no Brasil. op. cit., p. 117-143; ver também, GOMES, Eugênio; COUTINHO, Afrânio. Crônica. In: COUTINHO Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira. 2. ed. rev., ampl., atual. e il. sob a coord. de Graça de Coutinho e Rita 93 38 muitas vezes, a rigores estéticos. Objetivava, sobretudo, informar, sem perder de vista a ideologia da direção do periódico e a motivação financeira. Importava, antes de mais nada, seduzir o leitor, vender o periódico, sendo nesse caso classificada entre os textos de baixa literariedade101. A princípio chamou-se crônica ou folhetim à crônica propriamente dita e também à novela ou ao romance, publicados em jornais, ficando, mais tarde, consagrado o tremo folhetim para designar a seção na qual se publicavam, além de crônicas, a ficção e outras formas literárias102. Há grande influência francesa nas crônicas publicadas em jornais brasileiros do período. Conforme analisa Afrânio Coutinho, isto se deve não só à origem do gênero, como à “infiltração” daquela cultura através da cultura lusa, uma vez que escritores portugueses como Eça de Queirós e Ramalho Ortigão, por exemplo, colaboravam regularmente em jornais brasileiros103. Os francesismos em excesso eram criticados por muitos literatos que consideravam ser este um aspecto que contribuía negativamente para a formação do espírito nacional. Machado de Assis discute o assunto em uma de suas crônicas, ao tempo em que define o folhetim e o folhetinista, e a relação existente entre folhetim e jornal, condenando a falta de originalidade dos que abusavam dos francesismos: [...] o folhetim nasceu do jornal, o folhetinista, por conseqüência, do jornalista. Esta íntima afinidade é que desenha as saliências fisionômicas na moderna criação. O folhetinista é a fusão admirável do útil e do fútil, o parto curioso e singular do sério, consorciado com o frívolo. Estes dois elementos, arredados como pólos, heterogêneos como água e fogo, casam-se perfeitamente na organização do novo animal. Efeito estranho é este, assim produzido pela afinidade assinalada entre o jornalista e o folhetinista. Daquele cai sobre este a luz séria e vigorosa, a reflexão calma, a observação profunda. Pelo que toca ao devaneio, à leviandade, está tudo encarnado no folhetinista mesmo; o capital próprio. Moutinho. São Paulo: Global Editora; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional / DNL; Academia Brasileira de Letras, 2001. v.1, p. 559-63. 101 DIMAS, Antonio. Tempos eufóricos..., op.cit. p. 50-51. 102 COUTINHO, Afrânio (Dir.). Ensaio e crônica. In: A literatura no Brasil. op. cit., p. 117-143; ver também, GOMES, Eugênio; COUTINHO, Afrânio. Crônica. In: COUTINHO Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira...op.cit., v.1., p.559. 103 Ibid., p. 561. 39 [...] o folhetinista aqui é todo parisiense; torce-se a um estilo estranho [...] Força é dizê-lo: a cor local, em raríssimas exceções, tem tomado o folhetinista entre nós. Escrever folhetim e ficar brasileiro é na verdade difícil104. O romance-folhetim, como era chamada a narrativa publicada por partes, em doses diárias, foi muito bem aceito pelo público e, se por um lado serviu para popularizar o romance, por outro contribuiu para a massificação do mesmo, tornando o romance-folhetim um produto industrial, sustentáculo dos jornais, garantindo as vendas a custa do “esticamento” da narrativa, com prolongado adiamento da conclusão dos romances de maior sucesso, recurso, aliás, romanesco é avô 105 herdado pela telenovela contemporânea, de quem o folhetim- . Consolidado o sucesso do romance-folhetim, a seção variedades deixa o rodapé e passa ao corpo dos jornais, ainda em meados do séc. XIX106. Além das duas seções havia ainda, muitas vezes, uma outra intitulada “A pedidos”, que também publicava textos literários. A publicação de textos literários nas seções Variedades ou em Folhetins, obedecia a uma certa hierarquia de prestígio: tinham preferência os autores já consagrados, e os estrangeiros, especialmente os franceses e ingleses, traduzidos e, às vezes, na própria língua de origem. Para os iniciantes, mesmo com uma boa indicação, o caminho era bem mais difícil. 104 ASSIS, Machado de. Aquarelas. In: Id. Obra Completa, op.cit., v. 3, p. 958-60. MEYER, Marlyse, art. cit., p. 97-102. 106 Ibid., p. 113. 105 40 A Crítica literária propriamente dita desenvolveu-se efetivamente no Brasil por volta de meados do século XIX, de acordo com cronologias estabelecidas por críticos consagrados, a exemplo de Silvio Romero e José Veríssimo, havendo, contudo, discordância entre eles quanto às datas e respectivos precursores107. A grande subjetividade da crítica de jornais já no século XIX preocupava Machado de Assis, um dos precursores do movimento de renovação da crítica108. Antecipando-se ao que outros diriam mais tarde, e contrariando as tendências em voga, o escritor fala da necessidade de reforma da crítica. Para ele, a crítica literária não é tarefa fácil. Ao crítico, diz o célebre escritor, são indispensáveis o conhecimento da ciência literária, para fundamentar sua análise, e a sinceridade. Para que seja útil, é preciso que a crítica seja verdadeira. Além disso, o crítico deve ser coerente em seus julgamentos e imparcial, deve ainda ser tolerante, perseverante e, sobretudo, cortês, para reerguer os ânimos, promover os estímulos e guiar os estreantes109. Dentre os críticos consagrados no cenário nacional entre fins do século XIX e início do século XX, destacam-se Araripe Júnior, Sílvio Romero, o polêmico e voluntarioso representante da Escola do Recife, seu franco opositor, José Veríssimo e Nestor Vítor. Os três primeiros são os representantes da crítica nacionalista, de origem romântica, empenhados no estabelecimento do critério de nacionalidade que seria o fator fundamental na avaliação das obras literárias. A valorização de critérios mais estéticos e menos historicistas começa a ser feita, conforme Antonio Candido, no início do século XX, a partir de José Veríssimo, o qual, ainda segundo A. Cândido, seria o mais literário entre os velhos críticos110. A esses se seguem como nomes importantes, já na primeira metade do século XX, Ronald de Carvalho, Alceu Amoroso Lima (o Tristão de Ataíde), Jackson Figueiredo e Andrade Muricy, entre outros. Na Bahia, os principais nomes da Crítica literária no início do século XX são Xavier Marques, Damasceno Vieira, Almachio Diniz, Carlos Chiacchio e Eugenio Gomes. O Simbolismo não angariou simpatia entre a crítica consagrada. À exceção de Araripe Junior, os críticos militantes do período, naturalistas em sua maioria, não viam com bons olhos a recuperação de traços românticos que haviam sido tão combatidos. Considerado 107 MARTINS, Wilson. A crítica literária no Brasil. op. cit., p. 21-31. COUTINHO, Afrânio. A literatura como estrutura estética. In: COUTINHO, Afrânio (Org.). Caminhos do pensamento crítico. Rio de Janeiro: PALLAS /INL-MEC, 1980. v. 2, p.938-939. 109 ASSIS, Machado de. Ideal do crítico. In: COUTINHO, Afrânio (Org.). Caminhos do pensamento crítico, op. cit. v.2, p.967-971. 110 CÂNDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 5. ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1976. p.112-116. 108 41 como ultrapassado e anacrônico, o movimento sofreu ataques de toda ordem. Seus cultores eram tachados de sonhadores, desorganizados, falsificadores de sensações, insanos. Dentre os cultores do Simbolismo, Silvio Romero, em sua História da Literatura destacou apenas dois autores, Bernardino Lopes (B. Lopes), a quem considerava principalmente parnasiano, pois a sua fase simbolista ele classificou como de afetada religiosidade, e Cruz e Souza, para o crítico “um simbolista puro, com nobre espírito de eleição” e de quem destacou a simplicidade, sinceridade e o poder evocativo111. José Veríssimo considerava o Simbolismo uma tendência de difícil definição, de origens e influências heterogêneas e desencontradas. Dentre os simbolistas que mereceram a sua leitura ele destacou Alphonsus Guimarães, classificado como “um místico, um poeta católico que tem bons versos, mas nada de excepcional”, e que se permanecesse simbolista seria apenas mais um estro perdido; e Cruz e Souza, que embora em alguns de seus sonetos só apresentasse “palavras amontoadas e repetidas”, foi uma alma sensível, de uma poesia extravagante e de rara distinção. Foi “um negro bom, sensível mas que tinha dificuldade de expressão, sem nenhuma concepção teórica de sua arte e sem consciência do seu estro”112. Em sua História da Literatura Brasileira, de 1916, simplesmente não menciona a estética simbolista. Dentre aqueles que efetivamente se ocuparam da crítica simbolista no Brasil, destacam-se Nestor Vitor e Gonzaga Duque. Perfeitamente integrados ao espírito da nova escola, conforme analisa Massaud Moisés, sua crítica é impressionista e estetizante, enquadrando-se no perfil do chamado poema crítico113. O primeiro, crítico oficial do Simbolismo, padece do mesmo esquecimento a que foram relegados os simbolistas de modo geral. Crítico impressionista, Nestor Vitor é também exigente, aliando simpatia e exaltação com imparcialidade e espírito crítico em seus julgamentos. Combinando subjetividade e objetividade, o crítico recria o objeto de análise para melhor criticá-lo114. Gonzaga Duque, por sua vez, embora fosse principalmente um crítico de arte, mostrava uma modulação literária em seus ensaios e artigos em torno das artes plásticas, além de possuir um estilo artístico refinado, o que justifica, conforme M. Moisés, a sua 111 ROMERO, Sílvio. Reações anti-românticas na poesia – evolução do lirismo. In: id. História da literatura brasileira. 7.ed. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: INL, 1980. v. 5, p. 1682-1688. 112 VERÍSSIMO. José. Teoria, crítica e história literária. Seleção e apresentação João Alexandre Barbosa. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: EDUSP, 1977. p. 221-232. 113 MOISÉS Massaud. A crítica. In: Id. A Literatura brasileira.; O Simbolismo (1893-1902). 2.ed. São Paulo: Cultrix, [ ? ], v. 4, p. 259-260. 114 MOISÉS Massaud, op. cit. p. 267-277. 42 inclusão entre os críticos simbolistas115. È o que se pode observar num fragmento de artigo em que o crítico sai em defesa do escultor Almeida Reis que havia sido duramente criticado pela imprensa, após uma exposição. Para reforçar o que dizia sobre as qualidades do artista, G. Duque cita um outro trabalho do escultor: Na exposição da Academia, em 1878, Almeida Reis expôs o grupo intitulado O Genio e a Desgraça. [...] O todo do Gênio é bom, bem compreendido e executado. A cabeça tem a grandeza que Fídias talhava; o corpo é natural e bem estudado. A figura da Desgraça é sublime. Hão de existir poucos artistas que criam com tanta facilidade: aquele todo esfarrapado, magro, deluído pela lepra dos bordéis, depauperado pelas noitadas do vagabundismo, depravado pelas estrumeiras do vício. Almeida Reis parece que, nesse momento, sentia em si as manifestações da desgraça. Abandonara o seu ideal da carnação vigorosa, do organismo sadio, da vida oxigenada e bela, e, descendo até aos antros da dissolução, o seu cérebro enchera-se daquelas formas raquíticas que destilam, pelos poros, o álcool que beberam duas horas antes. Ele viu a procissão da miséria lúbrica que não tem sentimentos nem pão, que canta porque não chora, que se ri porque não sabe gemer, desfilar funebremente, pelos corredores das sentinas úmidas, entoando umas canções obscenas como uma marcha de guerra, limpando com os trapos de suas vestes de maltrapilho o sangue espúrio que goteja das gangrenas sifilíticas. [...]116 Afastado já no tempo, do período de vigência do Simbolismo no Brasil, Afrânio Coutinho assinala a desatenção e o desapreço com que fora recebida a estética, quando do seu surgimento nas letras nacionais. Embora analisando a dificuldade que há em definir o Simbolismo, dada a diversidade de elementos, propósitos e princípios que congregou, concorda com Araripe Junior, primeiro dos críticos oficiais do período a destacar a chegada da nova tendência, entendendo o Simbolismo como importante transformador da nossa prosa, trazendo de volta para o romance nacional a poesia que fora varrida pelo Realismo e impregnando-o de símbolos e convenções que comunicassem a impressão do real, sem ser o real, misturando realidade e sonho, real e ideal117. Além de apresentar os principais ícones do 115 Ibid., p. 261. DUQUE-ESTRADA, Luís Gonzaga. Impressões de um amador: textos esparsos de crítica (1882-1909). Seleção de Júlio Castañon e Vera Lins. Belo Horizonte: UFMG: Fundação casa de Rui Barbosa, 2001. p. 47. 117 COUTINHO, Afrânio (Dir.). A literatura no Brasil. Rio de Janeio: Livraria São José, 1959. v. 3, t. 1, p. 1822 e 41. 116 43 Simbolismo nacional, Coutinho faz referência aos movimentos provinciais, a exemplo da Padaria Espiritual, movimento fundador do Simbolismo no Ceará, contemporâneo do grupo da Folha Popular, do Rio de Janeiro, e da Nova Cruzada, na Bahia, movimento já considerado crepuscular em relação ao Simbolismo nacional118. Na cena literária baiana, Almachio Diniz e Damasceno Vieira militavam em grupos opostos. A rivalidade possivelmente devia-se ao fato de pertencer o segundo ao mesmo grupo do poeta Pethion de Villar (pseudônimo do Dr. Egas Moniz Barreto de Aragão). Consta que este teceu críticas severas a Almachio Diniz, quando da sua estréia na seara das letras, em 1901, tornando-se desde então seu inimigo mortal. Além disso, Diniz não suportava o domínio político que os Monizes exerciam na Bahia119. Outro grande desafeto de A. Diniz foi José Veríssimo, desde que o crítico baiano fora preterido na eleição para uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, na vaga deixada por Euclydes da Cunha, tendo sido derrotado por seu conterrâneo, Afrânio Peixoto. Era então presidente da Academia o crítico José Veríssimo, o qual, segundo o próprio Diniz, havia incentivado sua candidatura e lhe prometido apoio, traindo-lhe, contudo, mais tarde120. Inconformado, Diniz não economiza nos ataques diretos ao crítico paraense, a quem denomina “tapuia paraense”. Exemplo dessa atitude é a crítica que faz ao livro Homens e cousas do extrangeiro, na qual qualifica Veríssimo, entre outras coisas, de “pontífice da má crítica brasileira”, zoilo, pobre de espírito e insensato, afirmando que o nome do crítico paraense se fez às custas de espalhar o terror de norte a sul, depreciando injustamente obras e autores121. Vários têm sido os métodos empregados pela crítica ao longo dos anos. Em vez de gerações ou períodos, Wilson Martins, inspirado em Sainte-Beuve, classifica as diversas metodologias críticas em seis “famílias espirituais”: gramatical, humanística, histórica, sociológica, impressionista e estética. Na sua análise, tais métodos ou famílias não são excludentes, ao contrário, de acordo com a natureza do crítico, da obra em questão e com o momento histórico, os métodos se completam ou se complementam, pois não há métodos universais; cada problema literário requer um método ou métodos diferentes122. A linhagem histórica, por exemplo, primeira a se desenvolver no Brasil, vê a literatura como um problema de história, sendo descritiva e documental por excelência. Porém, sem a 118 Ibid., p. 17-23 e 125-226. DINIZ, Almachio. Zoilos e Esthetas. Porto: Chardron, 1908. p. 176-179. 120 DINIZ, Almachio. Uma campanha eleitoral no domínio das letras. In: id. Moral e crítica. Porto: Magalhães e Moniz, 1912. p. 235-355. 121 DINIZ, Almachio. Um zoilo dos maiores... In: id. Moral e Crítica. op.cit, p. 125-137. 122 MARTINS, Wilson. op. cit. p. 34-51. 119 44 necessária complementação da interpretação estética, perde seu valor, não alcançando assim o status de crítica enquanto criação estética123. A crítica impressionista ou relativista baseava-se em critérios subjetivos, no gosto pessoal, nas leituras e no conhecimento enciclopédico do crítico. Importava, sobretudo, a impressão que a obra provocasse no espírito do crítico. Anatole France um de seus maiores cultores, definiu o bom crítico como “aquele que relata as aventuras de sua alma por entre as obras primas”124. Os critérios eram, portanto, a sensibilidade e o gosto do crítico. O impressionismo crítico, tão antigo no Brasil quanto o método histórico, tem, contudo, seu período de maior esplendor na vigência da estética simbolista na literatura. Confundida muitas vezes com simples diletantismo, a subjetividade, principal característica do Impressionismo, é, no dizer de Fidelino de Figueiredo, elemento indispensável na crítica, seu ponto de partida, já que a obra, como produto estético, não pode ser analisada apenas objetivamente, como se fosse um produto de lógica. Todavia, assinala o autor, o impressionismo não pode, a rigor, ser considerado como método, uma vez que pressupõe plena liberdade no proceder, também não se constitui crítica completa, pois lhe falta o juízo crítico, ponto de chegada de todo método125. Considerando-se que a impressão deve estar alicerçada na cultura do crítico e no exame dos fatos estéticos, percebe-se o quanto esse método é dependente da qualidade pessoal de quem o exercita. Na análise de Afrânio Coutinho, teriam concorrido para a grande difusão do impressionismo entre nós, no período em questão, a ausência de preparo universitário de letras (os literatos de formação superior eram em geral bacharéis em Direito), a impossibilidade de dedicação exclusiva da maioria dos escritores, que precisavam exercer outros misteres para sobreviver e a pressa com que tinham que produzir para atender às necessidades dos periódicos126. Parte da crítica produzida no início do séc. XX e publicada em periódicos é de caráter principalmente informativo. A chamada crítica de rodapé oscila entre a crônica e o review127, 123 Ibid., p. 91-96. COUTINHO, Afrânio. Impressionismo e julgamento. In: Id. Da crítica e da nova crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. p.154-157. 125 FIGUEIREDO, Fidelino de. O impressionismo. In: id. A critica litteraria como sciencia. 3.ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1920. p. 45-47. 126 COUTINHO, Afrânio. Impressionismo. In: COUTINHO, Afrânio (Org.). Caminhos do pensamento crítico, op. cit., v.2, p.652; ver também, COUTINHO, Afrânio. Crítica. In: COUTINHO Afrânio e SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de literatura brasileira. op. cit., v.1, p. 553-554. 127 Review – “revista ou recensão de livros: forma leve de crítica aplicada, ao mesmo tempo que um tipo de jornalismo; visa a informar e orientar o público dos jornais e revistas acerca do movimento editorial, recenseando os livros do momento em pequenas sínteses do seu conteúdo e apreciações ligeiras do seu valor”. (COUTINHO, Afrânio. Para onde vai a crítica? In: Id. Da crítica e da nova crítica, op.cit. p.xii-xiv.) 124 45 a crítica noticiário, e é em geral eloqüente. Através dela o público toma conhecimento das novas publicações. Trata-se de uma crítica em geral inconsistente e de natureza vária, conforme registra Dulce Mascarenhas em seu livro Carlos Chiacchio: homens e obras128. Os críticos jornalistas, autodidatas, são formadores de opinião. Os mais prestigiados tanto podiam alavancar, como derrubar carreiras de escritores, contribuindo decisivamente com o movimento editorial129. Contudo, falta à maioria dos críticos desse período o método crítico por excelência, a sistematização de critérios estéticos que devem conduzir o julgamento de uma obra. Por outro lado, conforme analisa I. Alves, a crítica curta e de linguagem acessível alcançava maior número de leitores. Um discurso mais longo e alicerçado no jargão literário específico poderia não agradar ao grande público, o que poderia entrar em choque com os interesses dos periódicos130. A critica impressionista, realizada sem método específico e baseada em impressões pessoais, na visão da arte e da literatura do crítico incorre em um problema que Dulce Mascarenhas denomina “contaminação”, interferência do leitor na obra criticada. A produção examinada acaba por se constituir em pretexto para a criação do crítico impressionista131. É o que se observa, por exemplo, nos textos críticos de Arthur de Salles: crítica de simpatia, predominantemente laudatória, que facilmente descamba para a prosa poética. A crítica encomiástica é muito comum no período. O neocruzado Bento Murila, pseudônimo do Dr. Manuel Joaquim de Sousa Brito, analisando os versos do Hostiário de Francisco Mangabeira, depois de muitos elogios conclui: Eis o que é o Hostiário. Eis o que é o primeiro livro de versos publicado pelo Sr. Francisco Mangabeira. – Mas não terá um senão? Não terá um defeito? Perguntará o leitor. Deve tel-os, responderei, e talvez muito, mas não serei eu quem vá procurar jaça que possa ter uma ou outra das pedras preciosas de tão custoso cofre de jóias. 128 MASCARENHAS, Dulce. Carlos Chiacchio: homens e obras. Salvador: Academia de Letras da Bahia, 1979. p. 21-22. 129 SUSSEKIND, Flora. Rodapés tratados e ensaios: a formação da crítica brasileira moderna. In: id. Papéis colados. 2 ed. Rio de Janeiro: EDUFRJ, 2003. p. 15-24. 130 ALVES, Ívia, Visões de Espelhos: percurso da crítica de Eugênio Gomes. Salvador: Academia de Letras da Bahia; Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, 2007. p. 91. 131 Ibid., p. 30. 46 Deixo para quem quiser a inglória e odiosa tarefa132. Xavier Marques, apresentando outra obra do mesmo autor, a Tragédia Épica, poema épico inspirado na guerra de Canudos, assim diz em sua conclusão: E findo o poema, não me perguntem quantas vezes destoou, quantas declinou da sua altura a musa de Mangabeira, de tão largos e sonoros vôos. Responderia que não o segui como crítico, mas como publico. O que sei é que elle me fez sentir, como n’aquelles dias de sombras e afllicções...133 A “crítica” de rodapé era, na verdade, uma tentativa de conciliar a crítica propriamente dita, com a atividade de review, método herdado da tradição francesa, a partir de Sainte-Beuve. Contudo, segundo A. Coutinho, devido ao crescimento progressivo do mercado editorial e ao amadorismo e improvisação com que foi por vezes exercida entre nós, a crítica de rodapé acabou por resumir-se em recensão informativa de obras publicadas134. Entre os críticos do período, as opiniões se dividem. Medeiros e Albuquerque, crítico impressionista, considera ser o impressionismo a orientação crítica mais adequada, contanto que o crítico tenha fixidez em seus pontos de vista, evitando contradições, e seja imparcial, procurando não levar em conta as influências pessoais na apreciação de uma obra. Para ele, o objetivo da crítica é dar ao leitor indicações de leitura. O crítico deve dar sua impressão sobre as obras analisadas, sempre acompanhadas de justificativas, para que o leitor, conhecendo os seus critérios, possa decidir-se ou não pela leitura135. Para A. Coutinho, um dos introdutores da crítica acadêmica no país, a crítica de rodapé, praticada no Brasil entre fins do séc. XIX e início do séc. XX, não pode, a rigor, ser considerada como crítica. É crônica, registro ou review, uma vez que não há critério norteador, não há padrão de valores estabelecido para a interpretação, resumindo-se, em geral, ao critério do “gostei”, “não gostei”136. Coutinho deflagrou verdadeira campanha contra a crítica de rodapé, a favor do new criticism. Para ele, a crítica publicada sistematicamente nos jornais, em rodapés ou colunas semanais, com raras exceções, nem 132 MURILA, Bento. Hostiário; versos de Francisco Mangabeira. Revista do Grêmio Literário. Salvador, n. 3, p.462, fev.1904. 133 MARQUES, Xavier. A Tragédia Épica. Revista do Grêmio Literário. Salvador, n. 3, p.456, fev.1904. 134 COUTINHO, Afrânio. Para onde vai a crítica? op. cit. p.xiv-xv; COUTINHO, Afrânio. A crítica no Brasil. In: Id. Da crítica e da nova crítica,. op. cit. p.80-84. 135 ALBUQUERQUE, Medeiros e. A crítica literária. In: COUTINHO, Afrânio (Org.). Caminhos do pensamento crítico, op.cit., v.2, p.667-670. 136 COUTINHO, Afrânio. A crítica e os rodapés. In: Id. Crítica e críticos. Rio de Janeiro: Organização Simões editora, 1969. p.19-23. 47 mesmo pode ser tomada como impressionismo crítico, cuja prática, explica, “é uma recriação através da obra literária”, “é literatura feita da literatura” e não “uma opinião ou mero discurso à margem ou em torno das obras”137. Mais tarde, com a renovação trazida pelo movimento modernista de 30, a crítica ganha novos contornos com maior aplicação de critérios estéticos na aferição da obra literária138. No Brasil, esse movimento de renovação recebe o nome de nova crítica. A partir dos anos 40, com os primeiros críticos saídos das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, criadas no Brasil nos anos 30, intensifica-se a crise entre a crítica de jornais, não especializada, escrita pelos “homens de Letras” e aquela produzida pelo críticoscholar. Os críticos universitários tentam de toda a forma desqualificar o trabalho dos críticos jornalistas. Considerados pelos primeiros como amadores e não qualificados para o exercício da crítica, os críticos de rodapé vão aos poucos perdendo o prestígio para os especialistas. A polêmica foi intensa e gerou grande número de artigos em torno das obras publicadas e sobre a própria metodologia aplicada na crítica139. 137 COUTINHO, Afrânio. A crítica no Brasil. In: Id. Crítica e críticos. op.cit, p. 23- 26. Sobre a mesma questão, ver também COUTINHO, Afrânio. Da crítica e da nova crítica. op. cit.p.xiv-xv, 59-62 e 128-133. 138 COUTINHO, Afrânio (Dir.). Simbolismo, Impressionismo e Modernismo: crítica. In: A literatura no Brasil, op. cit., p. 379-380. 139 SUSSEKIND, Flora. Rodapés tratados e ensaios…, op. cit., p. 15-36. 48 3.1.1 Canais de divulgação 3.1.1.1 Jornais Os jornais tiveram importância capital para a literatura no período, não só pela publicação das obras, como também pela visibilidade que conferia aos autores. Na primeira década do novecentos, os jornais informam a participação efetiva de Arthur de Salles em eventos na cidade de Salvador. Em maio de 1907, o jornal Gazeta do Povo noticia os festejos pelo 5.º ano da Nova Cruzada. O poeta, e seu amigo Durval de Moraes estão entre os que recitaram versos no torneio ocorrido, ‘como de praxe’, naquela noite140. Em 1908, Salles representou a Gazeta do Povo como membro na comissão julgadora que deveria decidir qual a mais bonita entre as casas ornamentadas no distrito de Santo Antônio, para os festejos do 2 de julho. Nesta ocasião, foi vencedora a casa de n. 47, da rua direita de Santo Antônio, residência do Dr. Pacheco de Oliveira141. Dentre os canais de divulgação da obra crítica de Arthur de Salles, destaca-se o jornal A Tarde, que circula ainda hoje em Salvador. O periódico foi lançado em 15 de outubro de 1912, com a proposta de modernizar a Imprensa baiana e de ser um “jornal independente, político e noticioso”142. Além dos textos que integram o corpus desse estudo, A saudação do Sr. Arthur de Salles ao Sr. Hermes Fontes e A viola e a tirana, Arthur de Salles publicou em A Tarde, entre outros, os poemas Berço Vasio (10.01.1925), Pirajá (02.07.1925) e O Clarim da Victória (02.07.1925). Após a sua nomeação para São Bento das Lages, quando começa o seu exílio, o poeta continua sendo muito solicitado e comparece aos eventos sempre que possível. Em 1925, numa grande homenagem prestada pelos literatos baianos à recitadora, D. Margarida Lopes de Almeida143, Arthur de Salles foi o orador oficial, proferindo um belo discurso que se encontra publicado, junto a outros da mesma ocasião, no Supplemento de Letras e Artes do Jornal A Tarde144. O jornal transcreve ainda o fragmento de um autógrafo de Salles, que, na ocasião, foi escrito no álbum145 da homenageada: 140 NOVA Cruzada. Gazeta do Povo, Salvador, n. 536, p. 2, de 14/05/1907. 2 DE JULHO; o julgamento das casas. Gazeta do Povo, Salvador, n. 872, p. 1, de 06/07/1908. 142 A TARDE, Salvador, anno 1, n. 30, 17/11/1912. 143 A famosa recitadora popularizou a poesia A Musica dos Bilros, de Arthur de Salles (SPINOLA, Lafaiete. Arthur de Salles. In: Id, Harpas e farpas. Bahia: Progresso, 1943). 144 SALLES, Arthur de. D. Margarida L. de Almeida [homenagem]. A Tarde, Salvador, n. 5104, p.7, 17/01/1925. Texto que integra esta edição. 145 Nos álbuuns eram colecionados textos manuscritos. No álbum em questão, um belo livro, com capa de couro azul, foram escritos autógrafos dos poetas presentes, o que vai indicado na capa, gravada em prata: MARGARIDA LOPES DE ALMEIDA – NA BAHIA – AUTOGRAPHOS – DEZEMBRO DE 1924 – JANEIRO DE 1925 (Ibid.). 141 49 Dôr da humana paixão, vida sonho, saudade. Riso do céo, gayo do mar, queixa do vento. Penumbra, sombra, tréva, aurora, claridade. Tudo vem radiando um novo sentimento... E a Belleza esplandece. E vibra a eternidade Na gotta de agua do momento... Bahia, 3 – 1º – 1925 ARTHUR DE SALLES146. Os jornais humorísticos também marcaram época na Bahia. Em 1928, surgiu O Periquito, algum tempo depois substituído por O Gavião. Segundo Nonato Marques, ambos eram considerados “Órgãos de ataques de riso”147. Eles não poupavam ninguém: políticos, poetas, figuras da sociedade baiana, todos eram vítimas das troças, sátiras e epigramas. Entre os poetas, os parnasianos eram os mais atacados. Parnaso, diziam eles, “é o nome de um monte mais fácil de descer que de subir”148. Arthur de Salles, considerado por Nonato Marques como um dos maiores poetas brasileiros, também não escapou às sátiras: Aqui jaz Arthur dos Bilros Poeta de casca e pau... Os vermes não o comeram Por estar de “Sangue Mau”149. Em 14 de janeiro de 1930, na posse do poeta Affonso de Castro Rebello Filho na Academia de Letras da Bahia, solenidade, que teve lugar no Paço Municipal, Salles proferiu o discurso de recepção ao novo imortal150, sendo muito aplaudido. Após os discursos, duas senhorinhas da sociedade declamaram poemas de Castro Rebello e de Arthur de Salles151. No dia 25 do mesmo mês, Salles participa de um jantar em homenagem ao poeta Carvalho Filho, oferecido pela intelectualidade baiana. Na oportunidade em animada tertúlia, Salles recitou Sub umbra152. 146 SALLES, Arthur de. D. Margarida Lopes de Almeida [homenagem] A Tarde, art. cit. MARQUES, Nonato. A poesia era uma festa... Salvador: GraphCo, 1994. p. 23. 148 Do jornal O Gavião, citado por MARQUES, Nonato. op. cit., p. 25. 149 A autoria destas produções ficava a cargo de muitos dos poetas que compunham o “Grupo da Baixinha”, jovens intelectuais que gravitavam em torno de Pinheiro Viegas, jornalista e poeta satírico, grande epigramista (MARQUES, Nonato. A poesia era uma festa... op. cit., p. 25-26.). 150 A edição de fragmento desse discurso integra o corpus deste trabalho. Cf. às f. 139-143. 151 ACADEMIA Bahiana de Letras. A posse solemne de um poeta de raça. O Imparcial, Salvador, n. 3440, p.1, 15/01/30. 152 UMA FESTA de Espiritualidade Encantadora. O Imparcial, Salvador, n. 3449, p.1 e 2, 26/01/1930. 147 50 A GAZETA DO POVO O periódico que circulou em Salvador, diariamente, entre julho de 1905 e abril de 1916, com 3181 números, era de propriedade do senhor Virgílio Lemos, que também exercia a função de redator chefe. A redação foi inicialmente localizada na Rua Santa Bárbara, n. 83, passando, mais tarde, para a Avenida Carlos Gomes, n. 95. As edições tinham em média quatro páginas, conforme planejado, como explica o redator, em nota publicada no primeiro número: “As edições serão de 4 páginas, aumentando para 6 ou 8, conforme o exigirem as circumstancias153”. O número 1 teve oito páginas, devido à “afluencia de anuncios"154. No caderno diário, cujas dimensões eram de 587 × 413mm, a matéria estava assim distribuída: a primeira página trazia na primeira coluna uma artigo editorial, em geral de conteúdo político, além de notícias locais e nacionais, uma coluna de humor, com anedotas, intitulada Tangos e Fangos, assinada por Zé do Povo e crônicas jornalísticas. Na segunda página, notícias do exterior, uma coluna de aniversariantes do dia, intitulada Felicitações, informações sobre teatro, esporte, política e uma coluna de literatura infantil (que às vezes vinha na primeira página) e anúncios, entre outros. Na página três, o expediente, indicadores comerciais, editais, artigo sobre religião, na coluna intitulada Vida religiosa e anúncios publicitários, entre outros. No rodapé, o folhetim, sendo o texto inaugural, O rei da miséria, de Paulo Sauniére155, uma tradução do francês. A página quatro era exclusivamente de anúncios publicitários. O caderno não traz ilustrações, exceto os clichês dos anúncios publicitários. Com o passar dos anos, a distribuição da matéria por páginas tem alguma mudança, mantendo, porém, a preferência pelo noticiário político, notícias da vida local (da capital e do interior do estado) e a publicação de editais. A quarta página continua sendo dedicada aos anúncios publicitários. Mantêm-se as colunas Theatros e Cinemas, Sport e a coluna social, que divulga os aniversários e casamentos ocorridos e que passa a chamar-se Vida elegante. A Gazeta do Povo era um vespertino político, embora não tivesse, inicialmente, o compromisso partidário. Mais tarde, tornou-se o órgão oficial do Partido Democrata - depois chamado de Partido Republicano Democrata (PRD), legenda liderada por J. J. Seabra e à qual eram filiados Octavio Mangabeira, Antonio Moniz e Ernesto Simões Filho. Durante a 153 A EDIÇÃO de hoje. Gazeta do Povo. Salvador, ano 1, n.1, p.1, 22/07/1905. Ibid. 155 Paul Sauniére (1827-1894), autor de Le roi misère (1880), foi secretário de Alexandre Dumas, o criador de Os três mosqueteiros. Com o mestre e amigo, Sauniére aprendeu as técnicas de escritura dos romances de aventura. 154 51 primeira gestão seabrista, serviu também como uma espécie de órgão oficial do governo, até que em 1915 fosse substituído, nessa função, pelo Diario Oficial do Estado156. Com efeito, como assinala Carvalho Filho, poucos foram os jornais, no período da chamada República velha, que ficaram alheios a compromissos partidários. A nota política é invariável e viva no jornalismo baiano do período, afirma o referido autor. Os poucos jornais que se diziam neutros, eram, na verdade, apenas apartidários157. Nas primeiras décadas do século XX, entre os grandes jornais que circulavam em Salvador destacam-se como neutros em relação a política partidária o Diario de Noticias e o Jornal de Noticias158. Salles foi redator desse jornal por certo período, tendo aí publicado, além do discurso em homenagem a Xavier Marques159, cuja versão integra esta edição, mais nove textos literários, entre prosa e poesia. Compunham ainda a redação do periódico Otávio Mangabeira e Roberto Correia. Por ele, passaram também o já consagrado escritor Xavier Marques e o médico e jornalista Pinto de Carvalho. Em 14 de abril de 1916 circula o último número da Gazeta do Povo. Na edição deste dia, o n. 3180, é divulgada a resolução da Comissão Executiva do Partido Republicano Democrata, que determinou o encerramento do jornal e sua imediata substituição pelo matutino O Democrata, “jornal de feição moderna, que interpretará o pensamento do partido, como seu órgão official”160. 156 CARVALHO FILHO, Aloysio de. Jornalismo na Bahia: 1875-1960. In: TAVARES, Luis Guilherme Pontes. (Org.). Apontamentos para a história da imprensa na Bahia. Salvador: Academia de Letras da Bahia/Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, 2005. p. 58-59; ver também, CELESTINO, Mônica. O jornalista Cosme de Farias e a imprensa como instrumento de mobilização em Salvador. Disponível em <www.jornalismo.ufsc.br/redealcar/cd4/impressa/m_celestino.doc> Acesso em 07/11/2007. 157 CARVALHO FILHO, Aloysio de. Jornalismo na Bahia: 1875-1960. op. cit. p. 66-69. 158 Ibid., p. 54-59. 159 SALLES, Arthur de. Xavier Marques. Gazeta do Povo. Salvador, n. 338, p. 1-2, 12/09/1906. 160 GAZETA do Povo. Salvador, n. 3180, 14/04/1916. 52 O IMPARCIAL Folha matutina que circulou em Salvador entre 1918 e 1947, com redação situada na Avenida Sete de Setembro, número 39, seu primeiro diretor e redator-chefe foi o jornalista Lemos Brito. Conforme se lê no cabeçalho e está também explicitado no seu manifesto inaugural, o matutino é um órgão das “classes conservadoras”, que financiaram o empreendimento. Tinha como propósitos os de ser “leal, resoluto, enérgico e independente, sem peias de partido”161. Numa época “inçada de difficuldades impressionantes”, o jornal iria dar voz aos anceios das ditas classes conservadoras, incluindo como propósitos no seu programa: defesa dos direitos das classes conservadoras, compreendendo aí os problemas relativos à lavoura, à industria e ao comércio, e outros quaisquer temas que dissessem respeito à Bahia; função crítica, inspirada em ideais “da justiça, da ordem e do patriotismo”162. O caderno diário tem em média seis páginas, com dimensões de 560 × 422mm, aproximadamente. A matéria interna encontra-se assim distribuída: na primeira página, notícias locais nacionais e internacionais; a segunda página divide-se entre Informações rápidas e Reportagens minuciosas. Entre as Informações rápidas, está uma coluna intitulada O Imparcial mundano, em que são divulgadas notícias sobre aniversários, concertos, cursos, viajantes e ainda uma crônica assinada por Stella Souza. No rodapé o folhetim, publicado em dias alternados, cujo texto de estréia, A Torrente, assinado por Lemos Britto, oscila de localização entre o rodapé da página 2 e o início das páginas 4 ou 5. A página três, denominada de Ultima hora – 2 horas da manhã, traz as notícias nacionais e internacionais chegadas por telegrama, cujo destaque nos primeiros números do jornal é a guerra. Essa página traz ainda notícias religiosas, da alfândega, das Forças Armadas, entre outras e o Expediente. As páginas 4 e 5 são inicialmente reservadas aos anúncios publicitários. A página 6, além da publicidade, traz as informações comerciais do câmbio, movimento do porto e estatísticas dos mercados. A localização das informações comerciais passam depois a oscilar entre as páginas 5 e 6. A partir do mês de junho de 1918, surge uma coluna de classificados intitulada Procuras e Offertas, que começa com cerca de três a seis anúncios na página 5, passando depois a ocupar o terço superior da página. Com a continuidade, o jornal torna-se mais ilustrado e é acrescido de uma folha, aumentando o espaço do noticiário e diminuindo o da publicidade. Nesse período se 161 162 O IMPARCIAL. Salvador, ano 1, n.1, p.1 04/05/1918. Ibid. 53 autodenomina “matutino independente”. O folhetim é substituído pela publicação de contos, crônicas e poesia. A coluna O Imparcial mundano é substituída por outra intitulada Vida social. Os “classificados” passam a se chamar Populares e depois Anuncios populares. Nesse período aparece uma coluna esportiva denominada Momento sportivo, que ocupa a metade ou toda uma página, oscilando entre as páginas 7 e 8. É um jornal direcionado às classes mais favorecidas, ocupando-se em noticiar os fatos pertinentes às escolas, às academias, os fatos sociais e aqueles pertinentes à política e à economia. O matutino era imparcial apenas no nome, pois teve sempre uma orientação política. Foi fundado durante a chamada, segunda campanha civilista, em defesa da candidatura de Ruy Barbosa à presidência da República163 e, a partir da década de 1930, já sob o comando do político baiano Álvaro Martins Catharino, aliou-se aos autonomistas164, que lutavam pela autonomia do Estado contra as intervenções do governo federal. Por essa época, O Imparcial destacou-se como um dos principais jornais da grande imprensa, ao lado de outros como, o Diário da Bahia, o Diário de Notícias e A Tarde, informando os principais acontecimentos, seja no âmbito local, como nacional e internacional165. Ainda na década de 30, passou a difundir as idéias do integralismo, doutrina que priorizava a defesa da propriedade privada, do nacionalismo e da ordem política e social dominante, liderada pelo escritor e jornalista Plínio Salgado, cujo lema era “Deus, Pátria e Família”166. No início dos anos 40, adquirido pelo coronel Franklin Lins Albuquerque, importante liderança política do interior do estado, devido a disputas políticas, o jornal assume o papel de defensor da democracia, encampando violenta campanha contra a ideologia nazi-fascista. Durante esse período, o jornal ficou sob a direção de Wilson Lins, filho do proprietário, que deu nova feição ao jornal, transformando-o em um veículo de massa, com reportagens sensacionalistas e artigos de fundo que abalavam os políticos tradicionais167. A partir de 1946, contudo, retoma o discurso anti-comunista e seu redator chega a ser tachado de fascista pelos comunistas168. 163 CURVELLO, André. O Imparcial; biografia de um jornal. A Tarde. Salvador, p.1, 30/11/1987. Caderno 2. O grupo autonomista era composto, entre outros, por Álvaro Martins Catharino, proprietário do jornal, Octávio Mangabeira, Aloysio de Carvalho Filho, Simões Filho e Pedro Lago, os dois últimos, proprietários dos jornais A Tarde e Diário da Bahia (FERREIRA, Laís Mônica Reis. O integralismo na imprensa da Bahia: o caso de O Imparcial< www.uepg.br/rhr/v11n1/03%2011(1)LFerreira.pdf.> Acesso em 07/11/2007). 165 Ibid. 166 CELESTINO, Mônica. O jornalista Cosme de Farias e a imprensa como instrumento de mobilização em Salvador. op. cit 167 CURVELLO, André. O Imparcial; biografia de um jornal. op. cit. 168 FERREIRA, Laís Mônica Reis. O integralismo na imprensa da Bahia...op. cit. 164 54 Em 1947, último ano em que circula, o jornal volta ter apenas duas ou três folhas, exceto aos domingos quando circula com quatro folhas (oito páginas). Nesse período exibe poucas ilustrações e é composto basicamente de notícias, mantendo a coluna social, na página 2, e a esportiva, na página 4. Aos domingos, uma coluna intitulada Noticias para a mulher, traz resenhas de filmes, romances e musicais, além de notícias sobre o cinema francês, a vida dos artistas e artigos de moda, entre outras coisas. Como situação resultante da última grande guerra, os insumos para a produção do jornal (papel, chumbo, máquinas, etc.), todos importados, tornam-se escassos e demasiadamente caros, afetando a vida financeira das empresas jornalísticas. Com isso os jornais são obrigados a diminuir o número de páginas e aumentar o preço dos exemplares, o que é esclarecido ao público através de notas169. Não suportando a grave crise, sobrevem a falência, fecham-se as portas de O Imparcial, encerrando as quase três décadas de participação do periódico no jornalismo baiano170. Arthur de Salles foi colaborador desse matutino, aí publicando parte da sua obra poética171 e sendo freqüentemente citado172, como personalidade de destaque na sociedade baiana daquela época. Não foram encontrados textos críticos do autor nesse periódico. 169 Ver, por exemplo, as notas Aviso ao público e Imparcial ao publico, a primeira delas assinada conjuntamente pelas folhas, Diário da Bahia, Diário de Noticias, A Tarde, Estado da Bahia e O Imparcial (O IMPARCIAL. Salvador, 11/01/1947, p.1). 170 FERREIRA, Laís Mônica Reis. O integralismo na imprensa da Bahia...op. cit. 171 TELLES, Célia Marques; TELES, Maria Dolores; LOSE, Alicia Duhá; PEREIRA, Norma Suely da Silva. A obra dispersa de Arthur de Salles publicada em periódicos. art. cit. 172 A esse respeito, consulte-se, por exemplo, CHAVES, Ag. Leitura variada de um poeta bahiano: Arthur de Salles. O Imparcial. n. 393, de 22/06/1919; O 7 DE SETEMBRO na Villa de são Francisco. O Imparcial. n. 1012, p. 2, de 15/09/1921; EM HOMENAGEM a Arthur de Salles, uma sessão no Instituto Histórico. O Imparcial. n. 1207, p. 1, de 10/05/1922; O MAIOR poeta bahiano é recebido na Academia Brasileira de Letras. O Imparcial. n. 1334, p. 1, de 07/10/1922, entre outros. 55 A TARDE Inicialmente um vespertino, A Tarde era dirigido pelo seu proprietário, o jornalista Ernesto Simões Filho, funcionando a princípio na Rua do Corpo Santo, n. 15, em Salvador. Desde a sua fundação, o jornal investiu bastante na publicidade, inovando tanto nas idéias, como nos equipamentos para atingir maior qualidade na propaganda. Segundo afirma Mônica Celestino, o vespertino foi o primeiro jornal de Salvador a abandonar a técnica do prelo à mão e a adotar o linotipo, o que representava um avanço e conferia mais qualidade ao produto e mais agilidade no processo produtivo173. A Tarde marcou, como destaca Carvalho Filho, a estréia, na Bahia, da imprensa moderna174. A política foi desde sempre o principal foco de A Tarde. Segundo Aurélio Vellame, embora declaradamente imparcial, o jornal sempre participou dos embates e das controvérsias que interessassem o bem-estar comum na defesa dos interesses da sociedade175. O caderno diário, publicado de segunda a sábado, possuía inicialmente quatro páginas ilustradas com dimensões de 621×440mm. A coluna social aparece quase sempre na segunda página, sob o título de Mundanas e Sociaes. Traz a crônica social, assinada pelo pseudônimo de K, além de divulgar acontecimentos sociais tais como os aniversariantes do dia, as festas, os proclamas, casamentos, falecimentos do dia anterior e notícias sobre os viajantes, quem chega e quem parte da cidade. A utilização de pseudônimos é bastante comum no período. Os autores publicam textos em periódicos com nomes de fantasia por diversos motivos. Alguns se escondem atrás de um pseudônimo quando passam a publicar textos de natureza diversa do seu habitual, por exemplo poetas e romancistas quando se dedicam à critica literária, como é o caso de Machado de Assis, por exemplo. Outros preferem o anonimato quando estão iniciando a carreira literária, já sendo, muitas vezes, figura de destaque na sociedade. Alguns autores usaram mais de um pseudônimo, a exemplo de Machado de Assis, que assinou suas crônicas como Lélio, Malvolio, Dr. Semana, João das Regras e Policarpo e, por outro lado, alguns pseudônimos foram usados por diversos autores, fosse por mera coincidência, ou de forma proposital. Muitas vezes, uma coluna assinada por pseudônimo podia ser escrita por mais de um autor. Também o poeta do mar utilizou certa feita, um pseudônimo. Arthur de Salles 173 CELESTINO, Mônica. O jornalista Cosme de Farias e a imprensa como instrumento de mobilização em Salvador. op. cit. 174 CARVALHO FILHO, Aloysio de. Jornalismo na Bahia: 1875-1960. op. cit. p. 67. 175 VELLAME, Aurélio. Obra de Simões Filho, A Tarde espelhou 90 anos do século XX. A Tarde. Salvador, 15/10/2002. 56 assina a poesia A Fonte na revista Festa176 com seu próprio nome e na Revista da Academia de Letras da Bahia o mesmo texto é publicado sob a assinatura de Flavio Luna177. A atitude, considerada incomum na obra do poeta baiano, é confirmada pela leitura dos manuscritos do seu poema dramático Sangue mau178, onde também aparece escrito o nome “Flavio Luna”. 176 SALLES, Arthur de. A Fonte. Festa. 2ª phase, Rio de Janeiro, ano 1, n.4, p. 6c., out. 1934. Esta versão póstuma, segundo a nota do redator, descende de uma outra anteriormente publicada na revista Bahia Nova, que não se conseguiu localizar (SALLES, Arthur de. A Fonte. Revista da Academia de Letras da Bahia. Salvador, n.17, p. 123, 1956). 178 SALLES, Arthur de. Sangue-mau; Ed. crítica de Nilton Vasco da Gama et al. Salvador: UFBA, 1981. xiii + 332p. il. 177 57 3. 2 REVISTAS LITERÁRIAS E DE DIVULGAÇÃO As revistas literárias e de divulgação do início do século XX serviam para dar conhecimento das obras literárias e de seus autores e também veiculavam o que de importante ocorria na sociedade. Nelas encontram-se refletidos o pensamento e o ambiente cultural da época. A ideologia era revelada não só pelos textos literários, como também pelas anedotas e caricaturas, muito espirituosas, e pela farta publicidade divulgada nas revistas. A revista constitui-se em importante fonte de pesquisa histórica, especialmente porque documenta o passado através de registro múltiplo, assinala Ana Luíza Martins, que trabalhou com revistas paulistas publicadas entre 1890 e 1922179. A análise do rico corpus documental desse tipo de periódico (artigos, material iconográfico, publicidades, etc.) surpreende o leitor, que é facilmente seduzido pelo apelo das imagens ali contidas. Contudo, conforme alerta Martins, o pesquisador deve ter o cuidado de não descontextualizar a informação. As condições de produção dos testemunhos, a natureza das relações sociais e de capital, devem ser cuidadosamente examinadas para evitar interpretações inadequadas e falsas conclusões180. Conforme já se disse anteriormente, no início do século passado, a imprensa nacional passou por um processo de transformação em grande empresa e a produção jornalística fica então atrelada aos interesses do capital, devendo conformar-se às tendências de mercado, objetivando, sobretudo, divulgar o que o mercado solicita, aquilo que é economicamente rentável. Era preciso atender aos interesses dos grupos dominantes e oferecer ao leitor aquilo que ele queria ler, garantindo a venda do periódico. Como a publicação de livros era muito difícil e onerosa, a divulgação de textos literários era feita através de álbuns, almanaques, jornais e revistas. Nos álbuns, muito em voga àquela época, eram colecionadas as composições literárias de seus possuidores, bem como produções e autógrafos de personalidades importantes181. Os almanaques eram impressos em forma de livro ou folheto e divulgavam, além de informações, textos literários diversos182. As revistas contribuíram enormemente para a ampliação do público leitor, registrando especialmente os movimentos de renovação na literatura, bem como no comportamento 179 MARTINS, Ana Luíza. Revistas em revista: imprensa e práticas culturais em tempos de República. 18901922. São Paulo: EDUSP; FAPESP; IMESP, 2001. 180 MARTINS, Ana Luíza. Magazines, hebdomadários e revistas: lugares privilegiados e história e memória. ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM PERIÓDICOS LITERÁRIOS BRASILEIROS, 1; anais. PUCRS: Porto Alegre, 2004. p. 1. 181 MARQUES, Nonato. A poesia era uma festa..., op.cit., p. 81-83. 182 Ibid., p. 81-83. 58 social. Para o leitor contemporâneo a pesquisa em arquivos de periódicos revela além de aspectos culturais, a constituição social e política de épocas passadas. A revista foi também fundamental no desenvolvimento da empresa gráfica e editorial no Brasil. Ao incentivar o crescimento das comunidades leitoras, estimulou a ampliação do setor no desenvolvimento de novos empreendimentos183. As associações literárias, também tiveram importante papel na produção e na divulgação das belas letras e das artes em geral. Elas possuíam sempre seus órgãos representativos, em geral revistas, que cumpriam, muitas vezes, a função de auto-sustentação de seus confrades184. Durante o período estudado, era comum a reunião de autores em academias. Na Bahia, o grêmio Evolução (1893-1894) congregou, entre outros, Francisco Mangabeira, Anthero Valladares, Paula Campos, Gustavo Kelsch, Raphael Pinheiro e Manuel Britto. Em seguida veio a Sociedade Nova Cruzada (1901) que possuía três classes de sócios185, Neocruzados186, Cavaleiros de honra187 e Cavaleiros beneméritos188, sendo que só os primeiros podiam votar189. Em 1902 surge o grupo da Nova Revista, que não tinha estatutos fixos e cujas produções eram publicadas no periódico de mesmo nome. A associação não conseguiu, contudo, fazer frente à Nova Cruzada, para onde seus sócios acabaram migrando. Em começos de 1910, onze ou doze novos literatos se congregaram constituindo o Atheneu Muniz Barreto, que teve vida efêmera e em menos de um ano foi dissolvido, dando origem à Academia Bahiana de Letras. 183 MARTINS, Ana Luíza. Magazines, hebdomadários e revisas... op. cit., p. 4. DIMAS, Antonio. Tempos eufóricos... op. cit., p.18. 185 Cada novo sócio devia ser eleito por todos e estava obrigado a pagar uma taxa de 25 mil réis. Para ser Neocruzado o candidato tinha que comprovar experiência de publicação de no mínimo dois anos. Era um grupo heterogêneo, ligado pelo amor à Arte e, em especial às letras. Não havia obrigatoriedade de nascimento na Bahia, e, embora declarassem não fazer discriminação de sexo, não se verifica presença feminina no grupo. A produção do grupo foi publicada na revista homônima, entre 1901 e 1910, passando depois para Os Annaes (1911-1914). 184 186 Entre os quais figuravam Ambrósio Gomes, Galdino de Castro, Francisco Mangabeira, Arthur de Salles, Alfredo Pimentel, Jonas da Silva, Silva Coelho, Roberto Correia, Godofredo Vianna, Alvaro Reis, Otávio Mangabeira, Carlos Chiacchio, Arnaldo Damasceno Vieira, Pedro Kilkerry, Antonio Vianna, Raphael Leal, entre outros. 187 Entre estes estavam Karlos Weber, Lopes Rodrigues, Xavier Marques, Pethion de Villar, Damasceno Vieira (João Damasceno Vieira Fernandes), Aloysio de Carvalho, Bento Murilla e Braz do Amaral. O candidato a Cavaleiro de Honra não precisava ser escritor; bastava ter influência e ser admirador das letras. 188 Cavaleiros beneméritos eram aqueles que, embora alheios à Arte, prestassem serviços valiosos à agremiação. 189 Constituição da Nova Cruzada, promulgada em 01/09/1910. Nova Cruzada. Salvador, ano 10, n.7, p. 27-29, dez 1910. 59 Também de curta duração, a Academia Bahiana de Letras190 surgiu em dezembro de 1910, com o propósito de trabalhar com afinco pelo desenvolvimento das letras no Estado. A Academia impunha como condição para aceitar o literato o nascimento no Estado e, diferentemente das demais, a congregação baiana não conferia título de imortal aos seus associados, por julgar que a imortalidade não poderia ser definida e distribuída por seres mortais! Seu presidente de honra, Almáquio Diniz, temia um levante contra a instituição, pois não acreditava que os velhos literatos da terra se conformassem com a idéia de ter uma agremiação desse porte fundada e composta pelos ‘novos’191. A Academia fazia franca oposição à Nova Cruzada, mas não encontrou grande receptividade na intelectualidade baiana. Arthur de Salles escreve em carta ao amigo Durval, que vivia fora do Estado, que os cruzados tinham maior prestígio para representar a Bahia que os sócios da referida Academia: Respondo á tua consulta sobre a <tua> Academia Bahiana. Ella nada tem feito até agora, seus membros não tem ainda uma unidade de vistas sobre a consolidação dos seus créditos della. Não ha muito um artigo firmado por um moço que, se não me falha a memoria, fôra riscado do numero dos seus membros, disse mal dos creditos litterarios da maior parte delles, tecendo, ao mesmo tempo, elogios á Nova Cruzada. Ora, Horcades, auctor do artigo, acha, e eu tambem acho, que o titulo é muito pesado e de muita importância para uma sociedade de lettras ainda em começo, composta por moços sem creditos firmados. Quanto á Cruzada: as relações são poucas, sem importancia nenhuma. Quanto ao titulo de academico correspondente que te quer dar a Academia, penso que podes passar sem elle [.] Não é isto egoismo de néo-cruzado. Tu, ahi em S. Paulo, já representas a cultura bahiana<,>/.\ Como, pois, representar a Academia que devêra [↑ser], mas que infelizmente não é <seu> o expoente da cultura bahiana?.. Não achas 192<?> Outros grupos literários surgidos na Bahia no período foram a Tertúlia das Letras (1900-1901), o Grêmio Literário Ruy Barbosa, a Academia Manoel Vitorino, a Academia Literária dos Moços da Bahia, Academia Castro Alves, o Clube da Ficção, a Federação 190 Possuía 25 cadeiras, que homenageavam intelectuais baianos já falecidos. Figuravam entre seus membros: Affonso Costa, Deraldo Neville, Altamirando Requião, Luís de Sales, Sílio Boccanera Jr., Guimarães Cova, Astério de Campos, Euphrosina Miranda, Alberto Rebello, Rosendo Filho e Anísio Melhor. (DINIZ, Almachio. A cultura literária na Bahia contemporânea. Salvador: Typographia bahiana, 1911. p. 62-64). 191 DINIZ, Almachio. Moral e crítica. op. cit., p. 139-147. 192 PR-EP-CO-OM-063:0275-XE-01/JM, de 30/10/1912. 60 Baiana dos Escritores, os Apóstolos do Sonho193, o Grêmio Evolução, o Grêmio Literário da Bahia, a Academia Livre de Letras194 e a Hora Literária dos Novos. Em todos os acontecimentos sociais, religiosos e cívicos da época, estavam presentes as agremiações, representadas por seus poetas, que, de improviso ou não, ilustravam e animavam com seus versos as mais diversas reuniões sociais, desde as festas domésticas e cívicas até as sessões fúnebres195. Havia ainda as tertúlias, os torneios literários, os recitais e os saraus artísticos, eventos especialmente organizados para a fruição de textos literários e de música. Nesses eventos, os jovens poetas compartilhavam a alegria da criação literária, como atesta Arthur de Salles, em um de seus discursos196: Era nos tempos das sessões calorosas e dos torneios. Cada um lia a sua pagina, entre applausos nervosos e quentes, e a sua foi sempre entre acclamações. É doce recordar aquelle tempo, aquelle desabrocharmento de idéas, aquelles brilhos de sentimentos, aquella profusão radiante de rimas, clareando o pobre salão de uma sociedade de artifices. O espirito, respirando aquella atmosphera illuminada de sonhos largos, vibrada por aquelles gestos amplos, dizendo alevantamentos e reivindicações, por aquelle timbre multisono, como as vozes da vida no infinito desdobrar-se de seus aspectos, sentia que era bem e é ainda a existencia latejante e bella de uma epoca, de uma geração que irrompia para o triumpho, que era bem a tradicção da alma bemdita da velha Athenas, reflorindo e continuando-se nas estrophes e nas paginas de arte de um punhado de moços, de anonymos, de solidarios no seu trabalho: “ Solo col suo divin sogno infinito.” (DDM, L. 113-125) Depois das tertúlias e dos recitais os intelectuais saíam pela noite a percorrer bares e cafés, não raro terminando as noitadas com mulheres, especialmente as francesas, para quem recitavam seus poemas e exaltavam as qualidades e belezas da boemia, ao que eram festivamente aplaudidos197. O Grêmio Literário da Bahia foi extinto em 1917, dando lugar ao surgimento da Academia de Letras da Bahia, que herdou sua biblioteca e demais bens198. A Academia, que 193 COUTINHO, Afrânio. Bahia. In: COUTINHO Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de literatura brasileira. op. cit., v.1, p. 306. 194 ALVES, Lizir. Poesia e vida literária na Bahia de 1890 a 1915. Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP, 1986. Orient. Prof. Dr. José Aderaldo Castello. 195 Ibid. f. 8-9. 196 SALLES, Arthur de. Discurso de recepção a Durval de Moraes. Os Annaes. Salvador, ano 1, n. 7, p.158-71, out. de 1911. O discurso integra o corpus desse trabalho, texto editado às f.113-128. 197 198 PR-EP-CO-OM-061:0225-XE:01/JM, de 02/06/1908. ALVES, Lizir. Poesia e vida literária na Bahia de 1890 a 1915. op. cit., f. 40. 61 se mantém atuante até os dias atuais, definiu como propósito inicial o trabalho em defesa da língua e das letras no Estado, mantendo uma atitude ativa, porém conservadora. Arthur de Salles foi um dos membros fundadores desta instituição, tendo ocupado a cadeira de número 3, cujo patrono é Manoel Botelho de Oliveira199. Alguns anos mais tarde surgem os grupos dos modernos que pretendem dar nova feição ao cenário das letras na Bahia. O grupo de Samba200, organizado em torno de Alves Ribeiro e Bráulio de Abreu201, em meados da década de 20, formado por jovens de baixo poder aquisitivo, ganhou novo impulso com a chegada de Pinheiro Viegas202. O poeta e epigramista baiano vivia então no Rio de Janeiro e retornou em 1924, tendo integrado-se ao grupo em 1926. O grupo de Arco e Flexa203, liderado por Carlos Chiacchio e o mais influente entre os movimentos modernos locais, pretendia renovar a cena literária na Bahia a partir da doutrina do tradicionalismo dinâmico, proposta por Chiacchio, valorizando a tradição baiana sem a dependência do estrangeiro. A Academia dos Rebeldes (1927-1931), grupo de menor peso na cena literária baiana, pretendia fazer uma literatura nacional. Seus componentes204, que se diziam modernos e não modernistas, por discordar das bases européias do movimento, eram boêmios e irreverentes. 199 AMARAL, Braz do. Memória histórica da Academia. Revista da Academia de Letras da Bahia. Salvador, ano 1, n.1, p. 22-27, ago. 1930. 200 O grupo foi também chamado Poetas da Baixinha, porque se reunia regularmente no Café Progresso, localizado na Baixinha dos Sapateiros, pequeno largo entre a Baixa dos Sapateiros e o Tabuão. Seu primeiro agregador fora Samuel de Brito Filho, um guarda-civil de estudos primários, autodidata, que dominava o espanhol e o francês, além de possuir um bom vocabulário da língua inglesa e que era “dotado de grande fascínio intelectual e conhecedor de literatura, possuía excelente senso crítico e poder expositivo singular” (MARQUES, Nonato. Os poetas da Baixinha. SAMBA: mensario moderno de Letras, Artes e Pensamento. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo do Estado da Bahia. n. 1 (nov. 1928); n. 2 (dez 1928) n. 3 (fev. 1929); n.4 (mar. 1929). Salvador: Conselho Estadual de Cultura, p. xxxii, 1999. Ed. Fac. similar.). 201 Foi alfaiate e poeta autodidata, dono de magnífica poesia, na opinião de Jorge Amado. Publicou Minha colheita (1983), livro de sonetos. Escreveu também sob o pseudônimo de Breno D’Alba. (ABREU, Bráulio de. Samba morreu de desgosto... SAMBA: mensario moderno de Letras, Artes e Pensamento. op. cit.) 202 João Amado Pinheiro Viegas (Salvador 1865-1937) Poeta e jornalista baiano de espírito crítico e questionador, um dos maiores panfletários do Brasil e talvez o maior epigramista da língua portuguesa, na opinião do poeta e também epigramista Alves Ribeiro. Colaborou em O Imparcial, em A Tarde e em O Combate. Boêmio impertinente dedicou sua obra à luta pela justiça e pela liberdade. Publicou Vogais e consoantes (1928) – crítica, e Brasil livro de versos. Utilizou os pseudônimos de Sophos de Arnaud e Arthur de Fois (RIBEIRO, Alves. Pinheiro Viegas. SAMBA, op. cit., p. xxv-xxvi.). 203 Entre os seus membros estavam: Carvalho Filho, Eugênio Gomes, Eurico Alves, Hélio Simões, Pinto de Aguiar, Ramayana de Chevalier, Jonathas Milhomens, De Cavalcanti Freitas, José Queiroz Junior e Damasceno Filho. 204 Faziam parte desse grupo, entre outros, Jorge Amado, Alves Ribeiro, João Cordeiro, Clóvis Amorim, Dias da Costa, Aydano do Couto Ferraz, Da Costa Andrade, Edison Carneiro, Sosígenes Costa e Walter da Silveira. Destes, alguns passaram mais tarde para a militância política de esquerda. Seriam os futuros comunistas. A produção do grupo foi publicada nas revistas Meridiano e O Momento. (SAMBA, op. cit.). 62 Os cafés e as pastelarias205 eram o ponto de encontro habitual de intelectuais, estudantes, boêmios e amantes das letras206. Neles se comentava de tudo: de política à vida alheia. Dessas reuniões surgiam os periódicos207. O período era de grande efervescência cultural na Bahia. Além da influência cultural recebida do Rio de Janeiro, os literatos estavam sempre ao corrente sobre o que se divulgava na literatura européia, especialmente na francesa. Contrariando a teoria do “atraso cultural” da Bahia em relação ao restante do país, ou aos estados do sudeste mais especificamente, a pesquisa revelou que a imprensa local mantinha correspondentes no exterior, principalmente na Europa, desde meados do século XIX208. Em Salvador, no início do século XX, a Revista do Grêmio Literário da Bahia, que circulou entre 1901 a 1904, mantinha correspondentes fixos em outros países da América do Sul e da Europa, de onde recebe regularmente contribuições em forma de cartas e crônicas que tratam tanto de crítica literária como de assuntos de interesse geral. A partir de 1902 passa a receber também contribuições poéticas de sócios efetivos, inaugurando uma coluna fixa intitulada poetas estrangeiros, publicando textos inéditos de poetas europeus tais como Salvatore D’Este, Gabriele D’Annunzio, Leon Némo e Philéas Lesbegue. Nesse mesmo ano a revista aceita como sócios grandes nomes das letras nacionais, a exemplo de Machado de Assis, Raymundo Correia, Olavo Bilac, Medeiros e Albuquerque, Sylvio Romero, entre outros209. Arthur de Salles tornou-se sócio efetivo desse periódico em julho de 1903210. Nas primeiras décadas do século XX, tudo era traduzido em forma de arte. As capas das revistas, bem como suas ilustrações internas eram feitas por artistas, que sem os recursos 205 Além dos artigos de pastelaria propriamente ditos, esses estabelecimentos comercializavam latarias, bebidas e artigos importados, abastecendo as famílias mais abastadas. Dentre as principais do período como a Perez, a Cólon, a Alameda destacava-se a Triunfo que funcionava como “espaço político, social, esportivo e cultural do centro da cidade”. Sua localização privilegiada, na esquina da Rua da Misericórdia com a Ladeira da Praça, tendo ainda no espaço circunvizinho a Prefeitura, a Imprensa Oficial, a Biblioteca Municipal e o Palácio Rio Branco, onde despachava o Governador, fazia atrair para ali, jovens estudantes, políticos, empregados do comércio e intelectuais. A pastelaria também ficava próxima da Academia de Letras da Bahia, que funcionava no Terreiro de Jesus, vizinha da Faculdade de Medicina. A Triunfo possuía ainda um bar e um departamento de livros e jornais, atraindo para suas mesas poetas, professores e acadêmicos que ali recitavam seus poemas, pronunciavam seus discursos em voz alta e discutiam literatura. (ARAÚJO, Ubiratan Castro de. Salvador era assim. Salvador: Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, 1999. p. 101, 147 e 164-166). Consta que Arthur de Salles era um dos freqüentadores assíduos da Triunfo. 206 Em Salvador, nas primeiras décadas do século XX, foram pontos de encontro de intelectuais e literatos, especialmente, o Café das Meninas, onde se reunia o grupo da Academia dos Rebeldes e o Café Progresso, ponto de encontro dos colaboradores da revista Samba. (AMADO, Jorge. Alves Ribeiro. Samba, op. cit., p. xxvii.) Nonato Marques cita ainda outros pontos de encontro dos literatos da época como os Cafés Madrid, Bahia, Perez, Fim de século, o bar Brunswick e o Café Bernadete, todos localizados entre a Praça Castro Alves e o Taboão (MARQUES, Nonato. Os poetas da baixinha. Samba, op. cit., p. xxix – xl). 207 MARQUES, Nonato. Os poetas da baixinha. Samba, op. cit., p.xxxi-xxxii. 208 ALVES, Lizir Archanjo. Os tensos laços da nação: conflitos políticos literários no segundo reinado. Tese de doutorado. Orient. Prof.ª Dr.ª Eneida Leal Cunha. Salvador: PPGLL/ILUFBA, 2000. f. 21-22. 209 REVISTA do Grêmio Literário da Bahia: 1901-1904: publicação mensal, internacional, ecletica independente. Salvador: Academia de Letras da Bahia/Artes Gráficas e Industria Ltda, 1988. Edição fac-similar. Apresentação de Cláudio Veiga. 210 Ibid., p.348. 63 modernos precisavam usar de muito engenho para conseguir os matizes e os traçados mais perfeitos. As matérias publicitárias cantavam, literalmente, em verso e prosa as qualidades dos produtos anunciados. Até mesmo crimes hediondos ou os grandes desastres eram veiculados de forma requintada, em linguagem retorcida, dramática e ornamental, para usar as palavras de Antonio Dimas211. A preocupação com uma descrição de cunho impressionista e extremamente visual, simbolista, característica do ideário daquele período e que buscava competir com a crescente expansão do uso da fotografia pelo jornalismo, chegava, por vezes, a prejudicar o caráter referencial da reportagem, convertendo quase a notícia em ficção, conforme observa Dimas em sua análise da revista Kosmos212, problema que se observa também nos periódicos baianos, especialmente nas duas primeiras décadas do século XX. As revistas tinham quase sempre uma vida muito curta. Algumas não passavam do número inicial. Dentre as mais longevas, de publicação local, destacam-se a Nova Cruzada, que circulou de 1901 a 1910, a Renascença, da qual encontramos exemplares de 1916 a 1929 e a Revista da Academia de Letras, criada em 1930 e que continua circulando213. Arthur de Salles foi um dos fundadores da Nova Cruzada, revista literária criada em 13 de maio de 1901214 na cidade do Salvador, pela Sociedade Nova Cruzada215, da qual o poeta foi presidente no período de 1913-1914. A revista, impressa em Salvador, na Imprensa Moderna de Prudencio de Carvalho, localizada à Rua S. Francisco, n. 29, teve ao todo 30 números, com a proposta de organização em três volumes. O primeiro volume vai até janeiro de 1902216, com nove fascículos, com uma média de 20 folhas ornamentadas cada, voltando em 1903 com o segundo volume que vai de julho de 1903 a dezembro de 1906, com treze números. O terceiro e último volume vai de setembro de 1907 a dezembro de 1910, com sete números mais uma edição especial. O primeiro volume tem um formato pequeno, medindo 220 × 150mm217. A partir do número 2 do ano 3, a revista apresenta um formato maior, medindo 290 × 195 mm, com 10 páginas ilustradas em média, numeradas no recto e no verso. As capas, com ilustrações 211 DIMAS, Antonio. Tempos eufóricos... op. cit. p. 7. Ibid., p. 7-9. 213 Ibid. 214 Embora o periódico tenha sido criado em 1900, a instalação oficial deu-se somente um ano depois (MEDALHÕES; I, Ambrosio Gomes. Nova Cruzada. Salvador, ano 3, n.1, p. 12, jul. 1903). 215 A atividade do grupo se estende de 1901 a 1914 e tem como órgão de divulgação, até 1910, a revista Nova Cruzada, que foi substituída por Os Annaes em 1911, quando a agremiação ingressa numa nova fase. 216 O periódico sofreu uma interrupção entre fev. de 1902 e jun. de 1903. A única referência encontrada sobre o fato está no final primeiro fascículo de 1903, onde se lê a informação: “Durante o tempo que esteve suspensa a nossa revista recebemos cerca de 184 publicações nacionaes e estrangeiras (...)” (NOTAS do fim. Nova Cruzada, Salvador, ano 3, n.1, p. 19, jul.1903). 217 Dentre os acervos consultados, apenas na BPEB foi encontrado este primeiro volume encadernado, com capa de couro avermelhada, contendo 89f. il. Os demais fascículos localizados não chegaram a ser encadernados. 212 64 diversas, trazem além do nome da revista e do local de publicação as indicações de ano e número de cada exemplar. A composição gráfica destas não segue um mesmo padrão. A matéria interna compõe-se de poesia (sonetos e outros tipos de poemas), prosa, crítica, transcrições de trechos de cartas e noticiário. A crítica literária aparece no periódico em forma de crônica, ou transcrição de discursos na abertura de cada fascículo, a partir do n. 2, de junho de 1901, e em forma de breve recensão de livros e periódicos recém-lançados no mercado, publicada nas páginas finais da maioria dos fascículos, sob os títulos de Chronica literária, Bibliografia, ou Livros recebidos, ou ainda inserida em seção mais geral, denominada Noticiário. Num como noutro caso a crítica é sempre subjetiva, de feição impressionista, assinada por vários dos poetas neocruzados: Jacintho Costa, Galdino de Castro, Alfredo Pimentel, Filemon de Menezes, Sanctus, Arthur de Salles, Fernando Caldas. Apenas duas das crônicas de abertura dos fascículos são escritas por críticos reconhecidos: Cavações, assinada por Carlos Chiacchio, sobre o livro de contos de Roberto Correia218 e a crônica póstuma de Xavier Marques sobre Alexandre Fernandes219. O periódico tinha como principal propósito o incentivo à produção e divulgação da obra inédita de jovens poetas e escritores baianos, os quais são denominados por Galdino de Castro como os “Paladinos da Ideia, Legionários d’Arte, Cavalleiros do Sonho”, que deveriam “terçar armas pela sua Dama, a Nova Cruzada”220. Alguns manifestos publicados nos números iniciais da revista expressam bem os propósitos do grupo221: lutar contra as idéias velhas e decadentes da “burguesia estupida e selvagem”222, contra o Preconceito, o Fanatismo, a Rotina223. A Nova Cruzada, representante da arte, vem trazer luz aos espíritos das trevas através da comunhão da idéia224. Intrépidos e altivos, os paladinos chegam dispostos a combater com abnegação em defesa da Arte e da Liberdade de expressão. A poesia dos neocruzados, entretanto, não era de cunho social. A parte social deveria sair em um jornal que não chega a ser publicado225. 218 CHIACCHIO, Carlos. Cavações. Nova Cruzada. Salvador. Ano 5, n. 8 e 9, ago. 1906. MARQUES, Xavier. Alexandre Fernandes; o poeta soffredor. Nova Cruzada. Salvador, ano 6, n. 1, p. 1-3, set. 1907. 220 CASTRO, Galdino de. Para a Guerra. Nova Cruzada, Salvador, ano 1, n.1, p. 1, mai. 1901. 221 Estes manifestos foram antes analisados por Cecília de Lara em sua obra: Nova Cruzada; contribuição para o estudo do pré-modernismo, op. cit. e por Lizir ALVES, Poesia e vida literária na Bahia de 1890 a 1915, op. cit. 222 CASTRO, Galdino de., art. cit. 223 MEDALHÕES; I Ambrosio Gomes. art.cit., p.11. 224 COELHO, Silva. Fiat Lux, Nova Cruzada. Salvador, ano 1, n.1, p. 4 – 6, mai. 1901. 225 ALVES, Lizir Arcanjo. Poesia e vida literária na Bahia de 1890 a 1915. op. cit. 219 65 Os jovens literatos pretendiam resgatar a grandeza passada da Bahia, que, pela sua produção artística, chegou a ser chamada a Athenas Brasileira. Desagradava-lhes a situação de decadência por que passava o estado na época (1901), devido, certamente, ao interesse maior da mocidade pela ciência em detrimento da arte, agravado pelo monopólio da imprensa226. Por isso a revista assume um tom polêmico, opondo-se ao declarado conformismo à ordem burguesa estabelecida. Daí a utilização da imagem da Cruzada que parte para a luta, em busca da glória pelo “Ideal da Arte”. A agremiação Nova Cruzada foi uma espécie de academia de letras, pertencer ao seu quadro era ambição de todo novo poeta227. “Era o ponto de concentração do escol mental da hora. (...) A Cruzada demolia como consagrava”228. Almáquio Diniz, em sua obra A cultura literária da Bahia contemporânea, de 1911229, divide a evolução das letras na Bahia em três períodos históricos, sendo o primeiro o das transladações literárias, formado por Gregório de Matos e seus contemporâneos; o segundo das gestações literárias, representado por Castro Alves, Rui Barbosa e outros e o terceiro, que denomina a literatura definida, que vai de fins do século XIX à primeira década do séc. XX, época em que a obra foi concebida. Os neocruzados230 integram o terceiro período literário dessa classificação, ao lado de nomes como os dos poetas Altamirando Requião, Amélia Rodrigues, Astério de Campos, Lemos Britto e os prosadores Anna Ribeiro de Góes Bittencourt, Silio Boccanera Jr. e Xavier Marques. As produções poéticas do grupo Nova Cruzada, bem como suas relações com outros poetas, concorrem para situá-los no panorama literário brasileiro da época entre os simbolistas, muito embora seus membros não se definam claramente em termos de participação em movimentos de caráter nacional ou internacional231. As tendências parnasianas e simbolistas são então denominadas de Arte Moderna e Nova Arte, 226 PINTO, Souza. Atualidade Literária na Bahia, art. cit., p. 1-2. VIANNA, Antonio. A Nova Cruzada. Revista da Academia de Letras da Bahia. Salvador, n. 33, p. 136, nov. 1985 e Id. A Tarde, Salvador, 12 /05/1951. 228 CHIACCHIO, Carlos. Pedro Kilkerry – I – O Ambiente. Revista da Academia de Letras da Bahia, Salvador, ano 2, v.2, n. 2 e 3, p. 3 jun. e dez. 1931. 229 DINIZ, Almachio. A cultura literária da Bahia contemporânea. Salvador: Typographia bahiana, 1911. p. 2330. 230 Ódios e contendas à parte, são citados, entre outros, os poetas Álvaro Reis, Arthur de Salles, Durval de Moraes, Galdino de Castro e mesmo o grande desafeto do crítico, Pethion de Villar. Diniz destaca ainda boas promessas daquela geração que, no entanto, morreram precocemente como foram os casos de Ambrósio Gomes e Raphael Leal (Ibid). 231 LARA, Cecília de., op. cit., p. 27. 227 66 respectivamente232. O grupo buscava combater “o romantismo chorão da época”, diz Arthur de Salles em sua última entrevista, concedida a Cláudio Tavares, do Diario de Noticias233. Embora o grupo tenha existido oficialmente até 1914, sua memória e seus frutos perduraram por muito tempo. Em agosto de 1918, noticiando a criação de uma agremiação denominada Hora Literaria dos Novos, a revista Bahia Illustrada colocava a Nova Cruzada entre as importantes agremiações de Letras da Bahia, ao lado da malograda Academia Bahiana de Letras, de 1910, e da Academia de Letras da Bahia, de 1917: Varias têm sido as associações literarias na Bahia. A mocidade, alli, avida de saber e fraternização intellectual, procura a cada epoca fixar sua cordialidade em instituições literarias. A Nova Cruzada venceu longos annos, e ainda vive, senão em sessões, ao menos em seus membros, todos elles em evidencia nas letras nacionaes234. A Nova Cruzada entre aplausos e críticas, fez história e marcou um real florescimento literário na Bahia, influenciando na criação de outros periódicos, que mesmo quando encabeçados pelos grupos descontentes, recebia a colaboração dos neocruzados 235 . Dentre esses destacam-se a Revista do Grêmio Literário da Bahia (1901-1904), a Nova Revista e a Bahia Illustrada, todas de vida efêmera236. O fim da Nova Cruzada, segundo C. Chiacchio deveu-se à degradação moral do ambiente, que lançava no mercado uma enxurrada de textos “insultuosos” de interesse político, que distraíam as atenções dos leitores e dispersavam o ânimo dos literatos: A Cruzada fechou suas paginas, como uma ave as asas, por falta de ar, luz, horizonte necessario, para seus arrebatados vôos. O ano de 1911 foi o seu ultimo canto237. O canto de um cisne duma geração, que se não dera gênios, ao menos pôde atestar a força ponderavel de sua ação, de seus trabalhos e de seus tipos238. 232 Ibid., p. 36. TAVARES, Cláudio T., art. cit. 234 HORA literaria dos novos. Bahia Illustrada, Rio de Janeiro, ano 2, n. 9, p. 85, ago. 1918. Topicos, Noticias & Commentarios. 235 CHIACCHIO, Carlos. Pedro Kilkerry – I – O Ambiente. art. cit. p.1. 236 A Nova Revista circulou entre 1902 e1903, a Revista do Grêmio Literário da Bahia, entre 1901 e 1904, e a Bahia Illustrada entre 1917 e 1921. (TELES, Maria Dolores. A obra dispersa de Arthur de Salles em: Nova Revista, Bahia Illustrada e A Luva: tentativa de edição crítica. Dissertação de Mestrado apresentada no PPGLL da UFBA. Orient. Célia Marques Telles. Salvador, 1998. f. 40, 48 e 77.) 237 Conforme se disse antes, embora o grupo da Nova Cruzada tenha existido até 1914, a revista homônima circulou até 1910 (INDICE dos volumes da revista “Nova Cruzada”. Nova Cruzada, Salvador, ano 10, n. 7, dez. 233 67 O periódico Os Annaes – Revista Mensal Illustrada de propriedade do Sr. Karlos Weber, surge em 1911, em Salvador com o propósito de publicar exclusivamente a produção dos neocruzados, substituindo a Nova Cruzada, que se extinguiu em 1910. Naquela ocasião, ficou também determinado que publicariam uma Antologia semestral, o que não chegou a ser efetuado. O periódico circulou entre abril de 1911 e novembro de 1914, com interrupção entre março de 1912 e março de 1913239, totalizando 28 fascículos. A revista tem formato pequeno, medindo 233 × 147 mm e possui de 20 a 40 páginas por fascículo, trazendo por matéria textos literários, científicos, de história e artes. Nas páginas finais de cada fascículo, numa coluna intitulada Chronicas de notas e Noticias, inicialmente classificado como Supplemento, dada a sua extensão, publicam-se conferências literárias ocorridas na cidade; comentários sobre Os Annaes, veiculados em outros órgãos de Imprensa, organizados com o subtítulo de Os Annaes – Juizo da Imprensa, e as publicações recebidas pela redação, listados sob o título de Livros e Brochuras recebidas. A publicidade na revista é escassa, resumindo-se a uns poucos anúncios na capa e contra-capa finais. Os Annaes não tinham fins lucrativos. A revista mantinha-se com as contribuições mensais compulsórias dos sócios240e com a venda dos exemplares. O editor proprietário, Sr. Karlos Weber, não era poeta, mas apenas um entusiasta e grande incentivador das Letras. Desde que nasceu a Sociedade Nova Cruzada ele passou a apoiá-la, tendo feito àquela época, uma doação de livros para a agremiação. Em agradecimento, a Cruzada deu-lhe o título de Sócio Honorário e de fundador da sua biblioteca. Em julho de 1916, surge Renascença – Revista Illustrada, de propriedade da Photo Lindemann, de Costa & Gramacho, publicação mensal, de divulgação, dirigida pelo Sr. Olympio S. Pinto e impressa na Officina Gráfica da Photo Lindemann, em Salvador. O periódico, produto do trabalho de jovens entusiastas, pretende oferecer à capital baiana “uma revista séria, bem feita, com escolhida e selecionada colaboração241”. A proposta é de fazer um periódico mensal, ilustrado, de teor literário, científico e humorístico, com a colaboração de jovens autores locais242. 1910). Chiacchio refere-se aqui, talvez, à Conferência comemoraiva do decenário da Cruzada, realizada em 13/05/1911, proferida por Pedro Kilkerry (CHIACCHIO, Carlos. Pedro Kilkerry... art. cit. p. 4). 238 CHIACCHIO, Carlos. Pedro Kilkerry – I – O Ambiente. art. cit. p. 4. 239 Não foram encontrados exemplares correspondentes ao que seria o ano II do periódico. 240 Todos os neocruzados são obrigados a pagar mensalidade de 2$000. (Art. 16 dos Estatutos da Nova Cruzada. Os Annaes, Salvador, ano 1, n.11, p. 279, fev. 1912). 241 RENASCENÇA. Salvador, ano 1, n.1, p. 3, jul. 1916. 242 Entre esses destacam-se Pethion de Villar (pseudônimo de Egas Moniz Barreto de Aragão), Carlos Chiacchio, Affonso Amorim e Affonso Macedo, além de, Affonso Ruy, Alberto de Oliveira, Alexandre Fernandes, 68 A revista tem em média 44 folhas ilustradas e mede 277 × 187 mm. As capas dos fascículos são sempre ilustradas, seja com fotos de mulheres, principalmente, ou de personalidades do cenário militar e político da época, ou do cinema e ainda com fotos de crianças. Foram consultados exemplares entre os anos de 1916 e 1929. Compõe-se de matéria jornalística e literária, fartamente ilustrada. A fotografia ocupa posição de destaque na composição dos exemplares, o que é natural, visto ser a publicação parte integrante da Photo Lindemann. Ao longo dos exemplares encontram-se fotos de primeira comunhão, de bebês, de senhores e senhoras da sociedade, de torneios esportivos, desfiles, datas cívicas, panorâmicas da cidade, festas populares e religiosas, etc. O periódico é especialmente dedicado às mulheres, aqui chamadas de “gentis patrícias”, que são tomadas como patronas, “anjos tutelares” da revista, merecendo pelo menos duas colunas fixas: Postaes femininos, colaborações assinadas por mulheres, e A mulher – concurso em 12 séries de provérbios sobre mulheres – estes em sua maioria de caráter pejorativo. Além disso, a revista publica textos literários assinados por mulheres e uma gama imensa de fotos, charadas e publicidades dirigidas ao público feminino. Ocupam ainda as páginas do periódico, notícias literárias, crônica social e política, esportes, artigos científicos, crônica de artes, correspondência sentimental, consultório de beleza, charadas e concursos diversos. No ano de 1917 a guerra ocupa espaço especial na revista; a participação dos militares baianos é acompanhada de perto. A coluna Marteladas faz a crítica literária, comentando de forma irônica os trabalhos recusados para publicação. Seu autor deixa claro que o tom humorístico adotado tem apenas o objetivo de deixar mais leve a tarefa do censor e de forma nenhuma pretende representar uma má vontade para com os novos. Pelo contrário, é intenção do periódico incentivar os escritores novos, encorajando-os com críticas construtivas e orientações243. Aqui encontramos duas possíveis referências a Arthur de Salles: A.S.: Perfídia, soneto recusado e A.S.: soneto recusado244. As agremiações e suas revistas muitas vezes se rivalizavam. Isto ocorreu, por exemplo, entre os grupos das revistas Samba245 e Arco & Flexa, ambos de feição modernista. Altamirando Requião, Antonio Vianna (o Waltercio), Astério de Campos, Alberto Campos, Galdino de Castro, J. Elesbão de Castro, Lulú Parola (pseudônimo de Aloísio de Carvalho), Mario Linhares e Xavier Marques, entre outros. 243 MARTELADAS. Renascença. Salvador (1916- 1928). 244 MARTELADAS. Renascença. Salvador, n. 30, p. 20, 25/ 06/1918 e n. 42, p. 30, 25/05/1919, respectivamente. 245 Periódico de vida breve circulou, em Salvador, de 1928 a 1929, com quatro números apenas. Entre seus colaboradores estão, Pinheiro Viegas, Alves Ribeiro, Bráulio de Abreu, Maria de Lourdes Bacellar, Clodoaldo 69 O primeiro representou a tentativa de um grupo de jovens, sem posicionamento político e de baixo poder econômico, que lutava para não permanecer à margem do Movimento Modernista246. Propunha uma arte nova e dinâmica, com entusiasmo e vibração, verdadeira revolução contra o passadismo vigente no Estado. Já o grupo de Arco & Flexa, mais influente – pois além de ser integrado por pessoas de expressão da sociedade da época, era liderado por Carlos Chiacchio, médico e jornalista conceituado247 – representaria o grupo “oficial” do Modernismo na Bahia248. A renovação literária proposta pelo grupo é, entretanto, comedida, discreta e equilibrada. Eram considerados modernos os textos que levassem em conta temáticas genuinamente baianas (regionais) ou nacionalizantes. A posição de Chiacchio em seus artigos em A Tarde, conforme analisa Ivia Alves, chegava a ser hostil em relação ao grupo paulista congregado em torno de Mário de Andrade249. Arco & Flexa postulava a doutrina do Tradicionalismo dinâmico, exposta por Chiacchio, valorizando a tradição baiana, sem a dependência do estrangeiro250. Na análise de I. Alves, a dificuldade na renovação literária baiana devia-se, sobretudo, à situação de decadência política e econômica porque passava o estado naquele período. Aliava-se a isto a tendência conservadora dos maiores expoentes das letras no momento, entre os quais Damasceno Vieira, Arthur de Salles, Xavier Marques e o próprio Chiacchio, todos ainda muito presos às ideias finisseculares e às tendências simbolistas. As experimentações no campo lingüístico, inauguradas pelos modernistas de São Paulo, eram recebidas aqui como golpes inaceitáveis à tradição e de pronto recusadas por Chiacchio e seus seguidores251. Contudo, sustentar um periódico circulando, não era tarefa fácil, especialmente naqueles anos que precederam a revolução de 30. Arco & Flexa também não se mantém por muito tempo, sobrevivendo por igual período que sua concorrente: entre 1928 e 29. Milton, Hermes Fontes, Altamirando Requião, Elpidio Bastos, Otto Bittencourt Sobrinho, Anibal Rocha, Nonato Marques, entre outros. (SAMBA: mensario moderno de Letras, Artes e Pensamento, op. cit.). 246 AMADO, Jorge. A Academia dos Rebeldes, dep. cit., p. 13. A este respeito, veja-se também: CARVALHO FILHO. Arco e Flexa. In: SANTANA, Valdomiro. Literatura baiana ..., p. 25, e OLIVEIRA, Waldir Freitas de. Contra a modorra e o desalento. Samba, ed. cit., n.1, p. ix. 247 Chiacchio era um crítico temido. Seu rodapé semanal de crítica literária, que mantinha no A Tarde desde 1928, fazia e desfazia reputações literárias. (AMADO, Jorge. Revistas e Movimentos literários. Revista da Academia de Letras da Bahia. Salvador, n. 34, p.6, jan. 1987.) 248 ALVES, Ivia. Arco & Flexa. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1978. 249 Ibid., p. 19, 35-36. 250 COUTINHO Afrânio; SOUSA, J. Galante. Bahia. In: id. (Dir.) Enciclopédia de Literatura Brasileira...op.cit., v.1., p.306. 251 ALVES, Ívia, Visões de Espelhos: percurso da crítica de Eugênio Gomes. Salvador: Academia de Letras da Bahia; Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, 2007. p. 44-45 70 Em oposição ao grupo Arco & Flexa, havia ainda a Academia dos Rebeldes, que existiu de 1927 a 31, também liderada por Pinheiro Viegas. As produções do grupo foram publicadas nos periódicos Meridiano252 e O Momento. A primeira, revista de vanguarda que pretendia combater a rotina e tudo o mais que retardasse a marcha do progresso, circulou com apenas um número, em 1929. O Momento teve nove números, circulando entre julho de 1931 e junho de 1932. Pretendia apresentar “o belo simples, o útil ameno, a verdade sem rebuscamentos”, conforme seu editorial de abertura, assinado por Dias da Costa. Nesses periódicos o grupo publicava manifestos contra o que consideravam exagerado culto à tradição, ao passado e ao imobilismo praticado pelo grupo liderado por Chiacchio. O n. 6 de O Momento, a mais expressiva das revistas baianas do período, na avaliação de Waldir Freitas de Oliveira traz uma coluna intitulada Baianadas, na qual se fazem ferrenhas críticas ao meio literário da Bahia 253. A Revista da Academia de Letras da Bahia surge em agosto de 1930, tendo como propósitos principais, o de ser o porta-voz oficial do prestígio e do trabalho realizado na Academia de Letras da Bahia, e o de trabalhar pela defesa da língua portuguesa, fortalecendo e disciplinando as nossas Letras254 , contribuindo para a memória da nossa literatura. A revista surge num período de transição, nas artes e na literatura, para o movimento modernista e reflete o pensamento da Academia, assumindo postura conservadora e cautelosa: A nossa Revista chega justamente num periodo de lutas magníficas no scenario das letras. Atravessamos uma epoca de renovações. O instinto do novo, que é o caracteristico de todos os movimentos literarios, lavra, intenso, largo e fundo, no campo das competições entre o passado e o presente. Não podemos participar, a gritos de escandalo, dessa trepidação confusa de ideas ainda mal definidas. A nossa attitude é espectante sem ser indifferente. É tolerante sem ser passiva. Queremos o novo, o melhor, o maior das possibilidades efficazes. O typo de conservantismo, em função de melhoria é o que nos comvem [sic]. Que velhos e moços se congreguem no alevantado intuito das soluções capazes, eis o nosso legítimo empenho. [...] 252 Colaboraram no periódico: Da Costa Andrade, De Souza Aguiar, Hosannah de Oliveira, Jorge Amado, José Bastos, Octávio Moura, Pinheiro Viegas e Sosígenes Costa. (AMADO, Jorge. A Academia dos Rebeldes. In: SANTANA, Valdomiro. Literatura baiana 1920-1980. op. cit., p.14-15; OLIVEIRA, Waldir Freitas. Contra a modorra e o desalento da Bahia... In: SAMBA, ed. cit. p. vii). 253 Na execução do presente trabalho não se conseguiu localizar nenhum exemplar das referidas revistas. As considerações aqui apresentadas são extraídas de COUTINHO Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Bahia. In:id. Enciclopédia de Literatura Brasileira...op.cit., v.1., p.306; OLIVEIRA, Waldir Freitas. Contra a modorra e o desalento da Bahia... In: SAMBA, ed. cit. p. vii e AMADO, Jorge. A Academia dos Rebeldes. In: SANTANA, Valdomiro, op. cit., p. 14-15. 254 A FUNDAÇÃO da Academia. Revista da Academia de Letras da Bahia. Salvador, ano1, n.1, p. 8, ago. 1930. 71 Queremos que a Academia de Letras da Bahia seja uma verdade palpitante, dentro dos moldes conservadores, mas activos, da nossa mentalidade contemporanea.255 De publicação semestral, a revista teve como sede inicial a Biblioteca Pública do Estado. A coleção consultada, pertencente ao acervo da Academia de Letras da Bahia, encontra-se encadernada em volumes anuais ou bienais. Seu formato é de 221 × 146 mm com uma média de 200 a 350 páginas por volume. A encadernação com capa dura ocorre em cores variadas, vermelha, marrom, verde ou amarela e preta, conforme a coleção em que se encontre. A indicação do nome da revista, volume e ano, em geral, em letras douradas é colocada na lombada de cada volume. A matéria interna compõe-se de artigos e textos literários. Nas páginas finais encontram-se a relação do quadro social da academia, discriminando, por ordem de cadeiras e patronos, os acadêmicos falecidos e os atuais, e a relação dos membros correspondentes atuais, residentes no país e no exterior e os falecidos. No primeiro número da revista estão registrados os seus passos iniciais, a história da fundação da Academia de Letras da Bahia. Em A Fundação da Academia, registra-se a constituição inicial da instituição, com a relação dos ocupantes das cadeiras e dos respectivos patronos256. Em outro artigo, o acadêmico Braz do Amaral traça a memória da Academia257. A partir das edições da obra dispersa de Arthur de Salles, publicadas nessas revistas, Célia Marques Telles escreveu um artigo sobre as revistas baianas no primeiro quartel do século XX258. Por outro lado, as discussões da I Jornada de Periódicos Literários (Salvador, 2001), levaram à elaboração do artigo A obra dispersa de Arthur de Salles publicada em periódicos259, onde são apresentados os resultados da recensio já concluída para a edição da obra dispersa de Arthur de Salles. Na seção seguinte, tecem-se algumas considerações sobre a importância da edição de textos modernos, e apresenta-se a edição dos textos que integram o corpus do presente estudo. 255 A FUNDAÇÃO da Academia. Revista da Academia de Letras da Bahia, art. cit , p. 2 e 3. Ibid., p. 5-11. 257 AMARAL, Braz do. Memória Histórica da Academia. Revista da Academia de Letras da Bahia. Salvador, ano 1, n.1, ago. 1930. p. 22-27. 258 TELLES, Célia Marques. Revistas baianas no início do século XX. ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM PERIÓDICOS LITERÁRIOS BRASILEIROS, 1; anais. PUCRS: Porto Alegre, 2004. 259 TELLES, Célia Marques; TELES, Maria Dolores; LOSE, Alicia Duhá; PEREIRA, Norma Suely da Silva. A obra dispersa de Arthur de Salles publicada em periódicos. art. cit. 256 72 4 A CRÍTICA SALLESIANA 4.1 EDIÇÃO DOS TEXTOS Os problemas relativos às alterações sofridas pelos textos literários durante a sua transmissão não são, naturalmente, pertinentes apenas aos textos medievais, quando a transmissão de textos escritos se fazia apenas por via manuscrita. Textos modernos260, publicados após o advento da imprensa, continuaram sofrendo vários tipos de alteração. Até fins do século XX, originais manuscritos, ou datiloscritos continuaram sendo alterados, seja por falha mecânica, a chamada gralha tipográfica, seja por falha humana, intencional ou não. Quando o autor não podia corrigir as provas antes da impressão, o texto que saía do prelo dificilmente era isento de erros, não correspondendo, portanto, à sua última vontade261. Essa situação é bastante comum no período analisado, especialmente na publicação em periódicos, conforme atesta a correspondência de Salles para o amigo e também poeta Durval de Moraes: Procurando o Sr. Carlos Weber para indagar dos “Annaes elle mostrou as paginas já compostas e corrigidas: as [↑da] tua conferencia eivadas de imperfeições, num typo feio, as do meu pobre discurso inteiramente illegiveis e, por cima de tudo isto, sem o final. Cheguei, olhei e revoltei- me. A peroração não sahira porque o Diário de Noticias havia publicado e eu não ajuntara, como se o sr. Editor não soubesse que era preciso cortal-a e juntal-a. Disse-lhe que não acceitaria a revista sem uma completa revisão minha. A resposta foi que se eu o quizesse, pagaria cincoenta mil reis. Mais se quizer, respondi. Ora, portanto Christo, já há editores na Bahia. Isto explica a demora dos “Annaes”. A minha escripta é má, porem tanto que pedi que me enviassem as provas!.. As tuas ainda houve muito que fazer. Hontem corrigi-as de novo, o resto..... Adeus. Escrever-te-ei breve. 260 Salles262 Considerando-se aspectos lingüísticos quantitativos e qualitativos, classificam-se como modernos os textos produzidos a partir do século XVI (HOUAISS, Antônio. Elementos de bibliologia. Rio de Janeiro: INL/MEC, 1967. v.1, p. 269). 261 SPAGGIARI, Bárbara; PERUGI, Maurizio. A tradição impressa. In: id. Fundamentos de crítica textual. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. p. 21-24. 262 PR-EP-CO-OM-062:0248-XE-04/JM, doc. cit. 73 A edição crítica do texto contemporâneo, ao contrário do que se possa inicialmente pensar, pode oferecer tanto ou mais dificuldades ao editor do que os textos antigos, seja pela abundância de materiais textuais ou paratextuais, que podem dificultar a seleção e utilização dos materiais disponíveis, ou pela absoluta escassez dos mesmos, quando se trabalha com testemunhos únicos, impressos, disponíveis apenas em exemplares comerciais, sem qualquer material paratextual263. Vale ressaltar que, embora as operações ecdóticas para o estabelecimento do texto sejam praticamente as mesmas para textos antigos ou contemporâneos, estes contam com a possibilidade de reconstituição do texto autêntico, o que para aqueles raramente será possível264. Durante o processo de transmissão, os textos estão sujeitos a modificações exógenas e endógenas. As primeiras dizem respeito às alterações que possa sofrer o suporte no qual está registrada a versão textual, tais como contato com fogo ou umidade, ação de insetos, vandalismo e outros, que deixem o texto com passagens ilegíveis, exigindo do editor o trabalho de recuperação das lacunas, quando dispõe de elementos para tanto. Já as alterações endógenas resultam do próprio processo de reprodução do texto e subdividem-se em autorais e não-autorais. O autor pode modificar o texto ainda nas provas tipográficas, corrigindo-o ou fazendo novas intervenções no texto anteriormente entregue para impressão, ou depois do texto já publicado, alterando-o para uma próxima edição. As modificações não autorais, por sua vez, podem ser voluntárias, por discordância deliberada de quem reproduz o texto, ou do responsável por sua publicação, e involuntárias, por lapso de quem reproduz o texto265. A edição crítica de um texto é uma operação absolutamente necessária ao seu perfeito entendimento ou à sua completa interpretação filológica, segundo critérios que melhor possam aproximá-lo da última vontade de seu autor. A edição crítica de textos modernos tem por finalidade restituir ao texto a sua genuinidade, com base na tradição manuscrita e impressa, direta e indireta, da obra, facilitando sua leitura, tornando-o inteligível, valorizando-o, permitindo o exercício de análises lingüísticas e da Crítica Literária. Conforme adverte Giuseppe Tavani, “enquanto não se dispõe de um texto fidedigno, todas as demais operações hermenêuticas, e críticas estão expostas ao risco de resultar 263 TAVANI, Giuseppe. Los textos del siglo XX. In: SEGALA, Amos (Org.) Littérature latino-amricaine et des Caraïbe du XX siecle: theorie et pratique de edition critique. Roma: Bulzoni, 1988. p. 57-60. 264 TAVANI, Giuseppe. Metodologia y práctica de la edición crítica de textos literários contemporaneos. In: SEGALA, Amos (Org.) Littérature latino-amricaine et des Caraïbe du XX siecle: theorie et pratique de edition critique. Roma: Bulzoni, 1988. p. 65. 265 CAMBRAIA, César Nardelli. A mobilidade dos textos. In: id. Introdução à crítica textual. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 2-13. 74 arbitrárias, intempestivas e inseguras”266, uma vez que podem partir de dados textuais não confirmados, estranhos ao pensamento autoral, podendo ser desmentidos a qualquer momento267. A moderna Crítica Textual, seguindo uma tendência geral nas ciências, preocupa-se muito mais em mostrar e estudar a diferença, a variação, do que em perseguir um modelo ‘arqueologicamente’ anterior e puro268. O número de interessados e adeptos da Crítica Textual tem crescido sensivelmente nos últimos anos. Mesmo os escritores antes muito refratários à questão, por considerar talvez os incovenientes da quebra da privacidade dos meandros de sua criação, atualmente, também estes têm se preocupado com a organização de seus arquivos pessoais, de modo a facilitar o trabalho dos filólogos no futuro269. Nos arquivos e nas universidades têm-se observado também um incremento no trabalho de catalogação, conservação e descrição de dossiês de autores contemporâneos270. Edvaldo Cafezeiro, em Gênese e processo de edição crítica, salienta a importância de se conhecer o contexto que gerou o texto para uma melhor construção de sentidos (ou reconstituição), no momento da elaboração de uma edição crítica e propõe a fixação de textos que contemplem, além do texto restaurado, as diversas variantes no aparato crítico como forma de permitir a interpretação não apenas do editor, mas de cada leitor, inclusive no campo da Crítica Literária ou estética271. O editor de textos deve também procurar familiarizar-se com os modos de produção, de conservação e de difusão das obras no período em que se situa o autor escolhido272, e conhecer a língua da época273. Contudo, só se pode estabelecer a edição crítica de um texto quando se dispõe de mais de um testemunho para realizar a colação e estabelecer o texto de base, a partir do qual se fará a reconstituição e o estabelecimemnto do texto crítico. O corpus selecionado para a presente edição compõe-se de onze textos de crítica literária, sendo nove textos de imprensa, recolhidos de periódicos e dois de natureza espistolar, manuscritos, a saber: 266 TAVANI, Giuseppe. Los textos del siglo XX. art. cit p. 53. Ibid. 268 ELIA, Silvio. A crítica textual em seu contexto sócio histórico. In: ENCONTRO DE ECDÓTICA E CRÍTICA GENÉTICA; 3, anais. João Pessoa: UFPB/APML/FECPB/FCJA, 1993. p. 60-61. 269 TAVANI, Giuseppe. Los textos del siglo XX. art. cit. p. 53-54. 270 Ibid., p. 62. 271 CAFEZEIRO, Edvaldo. Gênese e processo da edição crítica. In: ESTUDOS UNIVERSITÁRIOS DE LÍNGUA E LITERATURA; homenagem ao Prof. Dr. Leodegário A. de Azevedo Filho. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993. p. 149. 272 CUNHA, Celso. O ofício de filólogo. In: CUNHA, Celso; PEREIRA, Cilene da Cunha. (Org.). Sob a pele das palavras. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004. p. 354. 273 CAMBRAIA, César Nardelli. Introdução à crítica textual. op. cit. p. 34. 267 75 Quadro 2 – Corpus editado DLR EST DXM Discurso official; [recitado na sessão fúnebre commemorativa do falecimento de Lopes Ribeiro em 23 de Março de 1905] Estudantinas; leitura crítica sobre a obra de Alvaro Reis Discurso official; [proferido homenagem a Xavier Marques] SALLES, Arthur de. Discurso official. Nova Cruzada, Salvador, ano 3, v. 2, n. 5, p. 1-6, abr. 1905. SALLES, Arthur de. Estudantinas. Nova Cruzada, Salvador, ano 4, n. 6, p. 1-3, set. 1905. em SALLES, Arthur de. Discurso official. Nova Cruzada, Salvador, ano 5, n. 11, p. 4-7, out. 1906. SALLES, Arthur de. Discurso official. Gazeta do Povo. Salvador, ano 2, n. 338, p.1-2, 12 set. 1906. CHM Chronica dos mortos DDM Discurso de recepção a Durval de Moraes MLA D Margarida [Homenagem] SHF A saudação do Sr. Arthur de Salles ao Sr. Hermes Fontes AVT A viola e a tirana; allocução proferida em Santo Amaro, apresentando o folklorista Leonardo Motta FRD Fragmento do discurso do Academico Arthur de Salles Lopes de Almeida 064:288 PR-EP-CO-OM-064:0288-XE-06/JM CPA SALLES, Arthur de. Chronica dos Mortos. Nova Cruzada, Salvador, ano 10, n. 7, p. 1-2, dez. 1910. SALLES, Arthur de. Discurso de recepção a Durval de Moraes. Os Annaes, Salvador, ano 1, n. 7, p. 158171, out. 1911. SALLES, Arthur de. D Margarida Lopes de Almeida [Homenagem]. A Tarde. Salvador, n. 5104, p.7, 17/jan./1925. Supl. Semanal “Letras, Artes”. SALLES, Arthur de. A saudação do Sr. Arthur de Salles ao Sr. Hermes Fontes. A Tarde, Salvador, n. 5110, p. 7, 24/01/1925. Supl. Semanal “Letras e Artes”. SALLES, Arthur de. A viola e a tirana; allocução proferida em Santo Amaro, apresedntando o folklorista Leonardo Motta. A Tarde, Salvador, ano 13, n. 5122, p.7, 07/fev./1925. Supl. Semanal “Letras e Artes”. SALLES, Arthur de. Discurso do Academico Arthur de Salles. Revista da Academia de Letras da Bahia, Salvador, ano 2, v. 2, n. 2-3, p. 37-42, jun.-dez. 1931. SALLES, Arthur de. Carta a Durval de Moraes. 25,26.06.1913 Carta a Paulo Alberto, impressa no livro SALLES, Arthur de. In: ALBERTO, Isaura. 14.09.23 Paulo. Isaura. Bahia: Typographia do povo, 1923. 76 4.2 CRITÉRIOS ADOTADOS NA EDIÇÃO A escrita de Arthur de Salles e de seus contemporâneos está situada no período etimológico274 da ortografia da língua portuguesa. Nos manuscritos posteriores a 1945, entretanto, mostra uma tendência para a modernização da grafia, numa tentativa, talvez, de adequação às regras ortográficas que passaram a vigorar no período275. Nesta edição seguiram-se os critérios adotados pelo Grupo de Edição Crítica de Textos da UFBA na publicação da Obra dispersa de Arthuer de Salles276, procurando-se ser fiel ao texto de base, mantendo uma postura conservadora277, com vistas a preservar ao máximo as características lingüísticas do texto278, por entender que elas fazem parte do usus scribendi do autor e ainda porque representam a realidade gráfica do período. Assim, esperase favorecer os estudos em outras áreas do saber. Para o corpus ora editado fez-se uma edição semidiplomática para o original manuscrito e, para os testemunhos impressos de versão única, uma edição interpretativa, baseada em critérios conservadores e acrescida de notas explicativas, procurando-se apesentar uma edição fidedigna, com correção das gralhas de impressão, e, por fim uma 274 O sistema ortográfico de uma língua é sempre uma convenção que tem a função de comunicar, de permitir o entendimento entre seus falantes. Tal sistema sofre influência direta de duas forças contrárias: a fonética, que é por natureza inovadora, e a histórica, conservadora. Com o tempo, vai a escrita se ‘desatualizando’, pois a grafia não consegue acompanhar tais mudanças impostas pela oralidade. Considerando-se as transformações sofridas pela ortografia da língua portuguesa, os estudiosos apontam para a existência de três períodos distintos: o período fonético ou impressionista, o etimológico e o reformado. O período etimológico, que buscou representar as palavras com uma grafia alatinada, vigorou desde o século XIV até o início do século XX (ARAÚJO, Antonio Martins de. Breve notícia da ortografia portuguesa. In: PEREIRA, Cilene da Cunha e PEREIRA, Paulo Roberto Dias (Org.). Miscelânia de estudos lingüísticos, filológicos e literários in memoriam de Celso Cunha. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1955. p. 431. A esse respeito, veja-se também VAZQUEZ CUESTA, Pilar; MENDES DA LUZ, Maria Albertina. Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 1970). A propósito da escrita praticada pelos literatos desta época diz Suzana Cardoso: “A inexistência de um padrão ortográfico foi-se agravando de tal modo que praticamente quase todos os escritores findavam por possuir as suas peculiaridades ortográficas”. (CARDOSO, Suzana Alice. Português: língua que falo, língua em que escrevo. Conferência pronunciada no VIII ENEL. Aracaju: UFS, 18.08.1987. f.10). Ocorre que nem sempre se procurou investigar a origem real das palavras, e muitos vocábulos de ‘suposta’ origem grega ou latina passaram a receber acréscimos de h, ch, ph, rh, th e y, arbitrariamente, gerando o que se chamou depois de grafia pseudoetimológica. Silvio Elia cita como exemplo a palavra hontem, que ganhou o h inicial por analogia com hoje, mas sua base latina – ad noctem – não inclui essa letra. É do mesmo período a substituição do s final por z e o acréscimo do h mudo inicial, dos grupos ct, gm, gn, mn e mpt em vocábulos de origem latina e o desdobramento de consoantes que já se haviam simplificado na pronúncia: elle, annus, etc. (ELIA, Silvio. Um século de separação ortográfica. In: HEYE, Jürgen (Org.). Flores Verbais: uma homenagem lingüística e literária para Eneida do Rego Monteiro Bomfim no seu 70º aniversário. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. p. 306). 275 GAMA, Albertina Ribeiro da, TELLES, Célia Marques. A lição conservadora e a análise lingüística do texto. Boletim da Assiciação Brasileira de Lingüística. Fortaleza: Imprensa Universitária; UFC, p. 464, 2001. 276 GAMA, Albertina Ribeiro da, TELLES, Célia Marques. Critérios para a edição crítica da Obra dispersa de Arthur de Salles. In: ENCONTRO DE ECDÓTICA E CRÍTICA GENÉTICA, 3; anais. João Pessoa: UFPB/APML/FECPB/FCJA, 1993. p. 356-7; 277 Conservou-se, inclusive, a variação de grafia para o nome do poeta, Arthur de Salles, como ele próprio assinava, ou Artur de Sales, como aparece em muitas das fontes consultadas, por entender que isto reflete a variação ortográfica do período. 278 GAMA, Albertina Ribeiro da, TELLES, Célia Marques. A lição conservadora e a análise lingüística do texto. art. cit., p. 463-465. 77 edição crítica com aparato de variantes para o único texto do corpus que possui dois testemunhos. Conservou-se a grafia pseudo-etimologizante do autor, respeitando-se, inclusive as oscilações. Deste modo, conservaram-se as grafias das consoantes geminadas, como em desapparecimento (DLR, L.30) assim como as grafias de ch para /k/ a exemplo de chiméra (DXM, L. 34), echoar (DLR, L. 293); ph para /f/ como em triumphante (DXM, L.4); sc para /s/ a exemplo de scenas (DXM, L.138) e y para /i/, como em mysterioso (EST, L.4). Do mesmo modo foram mantidas as representações gráficas para os ditongos ou como em cousas (MLA, L. 6) e eo como em seos (DLR, L.294) e o uso de m por n, como em circumdada (CHM, L.17) entre outros usos comuns à referida grafia. A pontuação e a acentuação foram rigorosamente mantidas. Maiúsculas e minúsculas foram conservadas conforme a representação no original, assim como os estrangeirismos e neologismos do autor. Abreviaturas correntes bem como os sinais convencionais, já dicionarizados, foram mantidos como nos originais. Utilizaram-se colchetes para indicar as correções de gralhas tipográficas e chaves para letras expurgadas. A expressão sic, entre colchetes foi utilizada para destacar usos específicos, não convencionais, de grafia, de acentuação, ou os erros óbvios. Na edição semidiplomática indicaram-se os acrescentos, supressões, palavras ilegíveis e riscadas conforme operadores279 indicados abaixo: Quadro 3 – operadores utilizados na edição semidiplomática [ † ] palavra ilegível [ ↑ ] acrescentamento lançado na entrelinha superior [ ↓ ] acrescentamento lançado na entrelinha inferior [←] acrescentamento lançado à margem esquerda [→] acrescentamento lançado à margem direita < > segmento autógrafo riscado < † > riscado autógrafo ilegível < > / \ substituição por superposição, na relação <substituído> /substituto\ < > [ ↑ ] substituição por riscado e acrescentamento na entrelinha superior < > [ ] substituição por riscado e acrescentamento na seqüência [ ] texto interpolado [ ? ] leitura duvidosa leitura impossível pelo suporte danificado 279 Esses são operadores geralmente utilizados em aparato genético e foram utilizados na edição semidiplomática para assinalar o movimento das correções do autor no processo de construção do texto. 78 4.3 O CORPUS 4.3.1 Discurso official [Recitado na sessão funebre comemorativa do falecimento de Lopes Ribeiro em 23 de Março de 1905280]. 4.3.1.1 VERSÃO NC SALLES, Arthur de. Discurso official. Nova Cruzada. Salvador, ano 3, v.2, n. 5281, p. 1-6, abril de 1905. O texto contém 574 linhas, impressas em duas colunas distribuídas entre as páginas 1 e 6 do fascículo que é todo dedicado à memória do falecido poeta e neocruzado, João Lopes Ribeiro. Nas L. 1 e 2, à direita, a saudação, em itálico, seguida de dois pontos: Meus Senhores: Meus companheiros de jornada: Na L. 3, inicia-se o texto com uma maiúscula ornada: É, que ocupa o espaço correspondente a duas linhas. Ao longo do texto, maiúsculas são largamente utilizadas para enfatizar substantivos comuns. Na L. 18 da p.2, col. a, três asteriscos marcam uma divisão no texto, finalizando a introdução e marcando o início da biografia do homenageado. No final da col. b da p. 5, L. 50, uma linha de pontos faz nova divisão no texto, marcando o final da biografia, o mesmo acontecendo no início da col. a da p. 6, L. 10, marcando o início da conclusão. Na p. 6, a mancha escrita ocupa apenas a metade superior do fólio. Na metade inferior, há uma ilustração que semelha um túmulo, coberto com ramos de parreira. Os jornais da época divulgaram a eloqüência e o estilo de Salles que comoveu, com seu pronunciamento, o público presente no salão nobre do Grêmio Literário282. 4.3.1.2. Classificação estemática. A versão NC, única de que se dispõe, serviu de base para a edição, com o seguinte estema: O NC edição283. Fig. 1. Estema da edição de DLR. 280 Discurso proferido em sessão fúnebre, no Grêmio Literário, na noite de 23 de março de 1905, por ocasião da passagem dos 60 dias de falecimento do poeta, neocruzado e alferes-aluno João Lopes Ribeiro, ocorrida no Acre em 28 de janeiro de 1905 (NOVA Cruzada. Salvador, ano 3, n. 5, p. 16 e 17, abr. 1905). 281 Fac-símile do exemplar localizado no acervo do CEDIC. 282 NOVA Cruzada. Salvador, ano 3, n. 5, p. 16 e 17, abr. 1905. Dados importados da Dissertação de Mestrado (PEREIRA, Norma Suely. Um punhado de versos e páginas de prosa..., op cit.). 283 79 4.3.1.3 TEXTO *p.1, col. a [Discurso Official Recitado na sessão funebre comemorativa de 23 de Março de 1905, por Arthur de Salles] Meus Senhores: Meus companheiros de jornada: É sempre nova a velha impressão da Morte!... Nunca nos podemos conciliar com esta verdade atroz e nos revoltamos toda a vez que 5 ella nos faz curvar a fronte diante da fatalidade de seos arestos irrevogaveis. Quer voltando o olhar para os espaços, caminho estrellado e sereno dos que vão para a Bemaventurança, ou dirigindo o olhar para a terra, termo final da carreira humana, na crença dos que não admittem outra vida melhor, de eterna paz e de eterno repouso; quer sejamos simples matéria ou tenhamos além desta materia outra cousa luminosa, 10 intangivel, incorruptivel, immortal, o certo é que a idéa da Morte nos traz sempre uma especie de torpor sagrado, de scisma religiosa, nos faz parar contemplativos e silenciosos, diante de um tumulo. Invade-nos uma sombra fria de desconforto, sentimos o gelo chegar até nós, ouvimos o Alarido surdo e confuso de trombetas proclamando a partida para essa viagem de onde se 15 não volta mais, para essa Jerusalem anciada por tantos corações enfermos e amaldiçoada pelos que amam gyrar ainda nos centros ruidosos do Mundo. Mas, de tudo isso, desse embater de idéas, dessa opposição de sentimentos, desse indagar incessante e perenne, resta-nos a dôr gemendo e ferindo cruciantemente: fica-nos essa realidade sem a qual não seriamos perfeitamente humanos!... 20 *col. b Ella desabrocha em nós, nesses momentos angustiosos, como uma extranha flor *maravilhosa emergindo de um lago quieto e esverdeado e cujo aroma, penetrante e Mágico, nos faz vibrar em emoções fundas, ao mesmo tempo que nos altera a visão e transmuda o aspecto das cousas circumdantes. Povoa-nos a Tristeza, acabrunha-nos a Magoa, e a Saudade envolve-nos neblinamentos 25 dos seos crepusculos emotivos e pungentes. Mais uma vez, subjugados e vencidos por esta verdade tremenda, paramos contristados a beira de uma sepultura que ainda ha pouco se fechou para guardar, por todo o sempre, na sua inalteravel mudez, um coração grande e bello, uma robusta organisação de moço. E cousa singular, senhores: passa um anno que nos reunimos para chorar o 80 30 desapparecimento do poeta do Hostiario284. Hoje nos congregamos para lamentar a morte de um talento de escol: Lopes Ribeiro. O destino tem dessas ambiguidades tenebrosas: compraz-se em discrever essas órbitas sinistras. Temos gravado na imaginação de amigos e de companheiros um scenario imponente e 35 funebre: vasto trecho de terra saibrosa, queimada pelos torridos verões, sob a flammejação barbara e rutilante dos sóes tropicaes. Perto, escachoando-se, em rebojos revoltos, borboteando tumultuoso, rolando triumphalmente as aguas enturvescidas, o Rio-Mar cantando o hymno soberano de sua força e magestade. Grandes e vetustas arvores levantam *col. a, p. 2 para o espaço cálido e *fulgurante os longos braços torcidos e verdes, cyprestes d’aquelles 40 cemiterios. E no Meio desta paysagem de aspectos grandiosos e épicos, um moço estendido de face voltada para o céo, todo resplandescido da luz do sol que lhe põe brilhos nos botões da farda e fagulhamentos chispantes no aço da espada. Vemol-o assim no arquejo supremo, na agonia derradeira, firme e varonil, perdendo a vida com essa altivez dos que morrem vencidos e gloriosos, com essa serenidade heroica dos que, na hora extrema, lhes não falta 45 a profunda comprehensão do dever! Depois, sobre a terra exsicada e aspera avulta uma cruz solitaria, esguia e tosca, dominando aquellas paragens onde vagueiam os phantasmas multiformes da Morte!... * * * João Lopes Ribeiro nasceo em 1871, de paes legitimos. 50 Entrado na adolescencia, destinou-se á carreira commercial, abandonando-a logo depois para destinar-se á carreira das armas. Assentou praça no 9º batalhão de Infantaria, neste Estado, matriculando-se depois na então Escola Militar do Ceará. Ahi desabrochou o seo talento, affirmando-se, dia a dia, nos bancos escolares em bellissimas producções literarias. A Escola Militar, uma porção de moços árdidos, cada qual com seos sentimentos e 55 ideaes, suas diversas aptidões, trouxe não pequeno desenvolvimento ás letras cearences. Della partio um largo e sadio sopro de vida intellectual. Por esse tempo surgio na gloriosa terra de Alencar uma aggremiação, a Padaria 284 O neocruzado Francisco Mangabeira, falecido a 27/01/1904 (NOVA Cruzada. Salvador, ano 3, n.4, de fev.1904, fascículo dedicado à memória do poeta). 81 Espiritual285, que marcou na historia da literatura patria um estadio de progresso e de alevantados tentamens. O conto, o romance e sobretudo a poesia, foram tratados e cultivados 60 por intelligencias robustas. Uma nova seiva de vida mental alentou aquella phalange de moços guiados pelo ideal civilisador, convergindo as energias para o emgrandecimento das letras nacionaes. Quem acompanhar o movimento belletristico do paiz, verá que o Ceará durante periodo pequeno, mas fecundo de dez annos, foi o Estado em que, mais forte e bella cresceo e 65 floresceo a seara das letras. Esse transbordamento de vida affectiva, essas pujantes manifestações do pensamento, essa expansão, vivificadas pelos ideaes da mocidade progressista, tudo isto surgiu em parte da *col. b p.2 Escola Militar286, que, como diz *Rodrigues de Carvalho287, “trouxe sinão todo o elemento da nossa vida lieraria ao menos um prurido de actividade mental: revistas, aggremiações, 70 opusculos, etc”. A mocidade marchava por um caminho aberto e desbravado, enobrecida pelo exemplo e pelo incentivo de vultos eminentes como o Dr. Studart288 e outros. Como a 285 A Padaria Espiritual, Sociedade de Lettras e Artes (Fortaleza maio de 1892 – dezembro 1898) foi importante órgão literário do Ceará, congregando simbolistas, românticos, parnasianos e realistas. Surgiu nas dependências do Café Java, onde se reunia um grupo de literatos: Antônio Sales, Lopes Filho, Ulisses Bezerra, Sabino Baptista, Álvaro Martins, Themístocles Machado e Tibúrcio de Freitas. A estes juntou-se depois Adolfo Caminha. Os “padeiros” tinham um pseudônimo, ou nome de guerra e as reuniões eram denominadas “fornadas”. Antônio Sales (Moacir Jurema), idealizador da agremiação, foi o responsável por seu nome e programa. Os padeiros eram boêmios excêntricos e bem humorados. Eram inovadores, mas prezavam os vultos do passado. Seus objetivos eram fornecer “o pão do espírito” e combater os lugares comuns, e os costumes românticos e burgueses. Teve duas fases, sendo a primeira de 1892 a 1894, quando foi reorganizada, recebendo 14 novos sócios (inicialmente eram 20). A 2ª fase vai de1894 a 1898, quando se realizou a última sessão. A primeira fase teve caráter principalmente excêntrico, com brincadeiras que visavam escandalizar a burguesia. Na segunda fase os padeiros se apresentam mais graves, ponderados, sem as audácias do primeiro tempo. Seu órgão de divulgação, O Pão teve duas fases, de julho a novembro de 1882 e de janeiro de 1895 a outubro de 1896. (AZEVEDO, Sânzio de. A Padaria Espiritual e o Simbolismo no Ceará. Fortaleza: Secretaria da Cultura e Desporto, 1983. p. 67-68 e BARREIRAS, Dolor. História da literatura cearense. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará Ltda. História do Ceará. Monografia n. 18, 1948. t. 1, p. 141-147). 286 A Escola Militar do Ceará, criada em fevereiro de 1889 teve grande influência no desenvolvimento das letras no Estado a partir da década de 1890. Para ela confluíram jovens intelectuais que depois se consagraram em grêmios literários como a Padaria Espiritual e o Centro Literário. Assim como João Lopes Ribeiro, vários eram os soldados poetas, a exemplo de Ulisses Sarmento, Aníbal Teófilo, Álvaro Bomílcar entre outros. A escola teve também os seus órgãos de divulgação literária, sendo o primeiro deles a revista Primeiro de maio, surgida em junho de 1891 e cujo nome homenageia a data de inauguração da Escola. (BARREIRAS, Dolor. História da literatura cearense. op. cit. p. 261-268). No seu número inaugural os redatores declaram que “é um grande erro supor que a cultura intelectual do soldado deve só abranger o que entende directamente com os misteres de sua profissão: muito ao contrário, ela deve ser ampla, abranger os diversos domínios das ciências, das letras e das artes com mais ou menos perfeição, conforme o valor intrínseco de cada um desses ramos da actividade humana”. (Artigo de apresentação da revista Apud BARREIRAS, Dolor. História da literatura cearense. op. cit. p. 264). 287 José Rodrigues de Carvalho (Alagoinha, hoje Tanatuba (PB) 1867 – Recife (PE) 1935) poeta, ensaísta, folclorista, crítico, advogado, diplomado pela Faculdade de Direito do Ceará. Foi ainda Deputado estadual e Procurador da República. Foi membro da Academia Cearense de Letras e do Centro Literário, do qual foi o último presidente. Publicou O coração 1894, Prismas, 1896, Ceará Literário (publicado na revista da Academia Cearense, tomo de 1899), Cancioneiro do Norte 1903, entre outros. Colaborou nos periódicos O Ceará 1895, A Pena 1895, Iracema 1895-1896, O Germinal 1904, e foi redator do Fenix Caixeral 1893-1903, Revista Acadêmica 1903-1908 e da Rev. Ceará 1905, todos de Fortaleza. (COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira. op. cit..., 2001.s.v). 288 Guilherme Studart (Barão de Studart) (Fortaleza 1856 – 1938) fez os primeiros estudos no Ateneu Cearense, transferindo-se, posteriormente, para o Ginásio Bahiano. Matriculou-se, em 1872, na Faculdade de Medicina da Bahia, onde 82 Padaria Espiritual, o Centro Litterario289 era outro fóco de vida e de trabalho. Neste, Lopes Ribeiro distinguio-se como poeta, produzindo bellissimos sonetos. Antonio Salles290, primoroso poeta, Frota Pessoa291, notavel polemista e critico, Ulysses Sarmento292, Themistocles 75 Machado293, Bomfim Sobrinho, Papi Junior294 e tantos outros fizeram parte daquelle movimento doutorou-se em 1877. Foi também ensaísta orador, biógrafo, bibliógrafo, historiador e Vice-cônsul do Reino Unido no Ceará. Foi membro e patrono Academia Cearense de Letras e membro de diversas outras instituições: Instituto do Ceará, o Centro Médico Cearense, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, o Instituto Histórico e Geográfico Pernambucano, o Centro Literário, o Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, o Instituto Histórico de São Paulo, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, o Instituto Histórico e Geográfico Fluminense, a British Medical Association, a Sociedade de Geografia de Paris e a Sociedade de Geografia de Lisboa. Publicou Palavras proferidas na festa do tricentenário de Camões 1880 (orat.), Elementos da Gramática Inglesa, 1888; Dicionário biobibliográfico cearense 3v. 1910, 1913 e 1915, além de obras de história, medicina e geografia. (COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira. op. cit.,.s.v. e BARÃO de Studart "http://pt.wikipedia.org/wiki/Bar%C3%A3o_de_Studart"). 289 Sociedade literária cearense fundada em 27 de setembro de 1894 por Temístocles Machado e Álvaro Martins (o Alvarins), dissidentes da Padaria Espiritual, aos quais se juntaram Juvenal Galeno, Viana de Carvalho, Papi Júnior, Luís Agassiz, Pedro Moniz, Ulisses Sarmento, Bonfim Sobrinho, Frota Pessoa, Farias Brito, Rodolfo Teófilo, entre outros. Num segundo momento foram admitidos novos sócios, entre eles, o crítico paraibano Rodrigues de Carvalho, o baiano João Lopes Ribeiro e o Barão de Studart. Embora nascida uma da cisão da outra, as duas agremiações não se rivalizavam, chegando mesmo a promover sessões em comum. O número de sócios efetivos do Centro, a princípio indeterminado, foi reduzido a 30, a partir de outubro de 1895, com o propósito de valorizar o título de sócio do grêmio e, ao mesmo tempo, de diminuir as chances de intriga entre os confrades. Além dos sócios efetivos havia os beneméritos, os honorários e os correspondentes. Entre estes últimos figurava um outro baiano, Damasceno Vieira. O Centro tinha como objetivos difundir o gosto literário e artístico, realizar conferências e sessões literárias, criar fundos para editar as obras de seus sócios, além de manter comunicação e auxílio com outras agremiações congêneres no Estado ou mesmo fora dele. Seu órgão de divulgação, a revista Iracema, surgiu em 2 de abril de 1895 e circulou até 1896. o Centro Literário manteve-se atuante até inícios de 1905. (BARREIRAS, Dolor. História da literatura cearense. op. cit. p. 226-260). 290 Antonio Sales (Moacir Jurema) (1868 – 1940) O poeta e epigramista cearense foi um dos fundadores da Padaria Espiritual, tendo participado também do Centro Literário e do Centro Republicano do Ceará. Foi diretor d’O Pão e colaborou no Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, assinando em parceria com outros a seção Pingos e Respingos. Publicou Versos diversos 1890, Trovas do Norte 1895, Poesias 1902, Panteon 1919, Minha Terra 1919, Aves de arribação (romance inicialmente publicado em folhetim no Correio da Manhã em 1903), além de obras de teatro e memórias, entre outros. Postumamente foram editados: Águas passadas 1944, Fábulas brasileiras 1944 e Obra poética 1968. (AZEVEDO, Sânzio de. A Padaria Espiritual e o Simbolismo no Ceará, op. cit. P. 135-136). 291 José Getúlio da Frota Pessoa (Sobral 1875 – Rio de Janeiro 1951) poeta, contista, crítico, polemista, professor, bacharel em direito, jornalista. Publicou Psalmos 1898 (poesia), Crítica e polêmica 1902, Mensagem do Centro cearense ao Ceará 1904. Colaborou em diversos periódicos. (COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira. op. cit..., 2001.s.v). 292 Ulisses Teixeira da Silva Sarmento (Vitória – ES 1875 – Rio de Janeiro 1923) poeta, prosador e matemático, cursou a Escola Militar do Ceará e foi um dos fundadores do Centro Literário. Publicou Clamides 1894 (poesia), Torturas do ideal 1900 (poesia), Contemplações 1902 (poesia) e A voz da natureza 1923 (poesia). Colaborou em diversos periódicos. (COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira. op. cit., 2001.s.v). 293 Themístocles Machado (Túlio Guanabara) (1874 – 1921) escritor, jornalista, advogado e professor cearense, participou da Padaria Espiritual e foi um dos fundadores do Centro Literário, do qual foi o primeiro presidente. Publicou Mirtos 1897, A Fileteida 1898 (Sátira ao governados Fileto Pires, do Amazonas), A esmola 1900, O maldito 1901, Pela República 1902 e Invocação de vítima 1904. usou vários pseudônimos, a exemplo de João da Ega, Alfredo César, Padre Teobaldo, Têmis e outros. (AZEVEDO, Sânzio de. A Padaria Espiritual e o Simbolismo no Ceará, op. cit. p. 138-139). 294 Antônio Papi Junior (Rio de Janeiro 1854 – Fortaleza 1934) romancista, contista, poeta, teatróogo, professor, crítico literário, militar, considerado um dos maiores escritores regionalistas da literatura brasileira e sobretudo cearense. Membro e patrono da Academia Cearense de Letras. Publicou os romances O Simas 1898, Gêmeos 1914, Sem crime 1920, A casa dos azulejos 1927, Almas excêntricas 1931, e ainda Exorcismos 1910 (contos) e Contos 1954 (póstumo), entre outros. Colaborou em diversos periódicos. (COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira. op. cit., 2001.s.v). 294 Referência a Leónidas I, rei e general de Esparta entre 491 e 480 a.C. Uma de suas ações mais importantes se deu por ocasião da invasão da Grécia pelos persas, em 481 a.C. Defendendo o desfiladeiro das Termófilas, que une a Tessália à Beócia, Leônidas e uma tropa de apenas 7.000 homens, sendo que apenas 300 eram espartanos, conseguiram repelir os ataques iniciais de Xerxes, rei da Pérsia, que trazia cerca de 200.000 soldados. Leônidas foi traído por um pastor local (Efialtes) que auxiliou os soldados de Xerxes, conduzindo-os por um caminho que contornava o desfiladeiro até cercar o exército de Leônidas. Mesmo 83 restaurador. Hoje aquelles grupos estão dispersos; já não palpita com a mesma intensidade de então o enthusiasmo daquelles moços inflammados na chamma de tão sagrados ideaes. Uns dormem no tumulo e outros andam trabalhando fóra de lá. Restam os velhos lutadores. Mas, os ceos serenos daquella terra guardam as harmonias 80 dos poetas; e o som daquellas lyras vibra ainda pelas quebradas e valles cearences, murmura ainda pelos pincaros alcantilados daquellas serras e pelos campos nataes “onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba”. Repartindo o tempo entre o estudo e o cultivo das letras, a guerra de Canudos veio arrancal-o para o entrechocar dos combates. Conscio do seo dever e do seo patriotismo, o 85 seo valor nunca fôra desmentido lá naquella Bastilha negra do fanatismo. A sua organisação de moço e de sadio, blindada de coragem, não se dobrara vencida nem se alquebrantara aos despotismos daquella zona, que se fizera cemiterio de tantos bravos. Fora talhado para esses embates; tinha a grandeza serena dos resignados; não se acurvava á idea do perigo: affrontava-o calmo e sobranceiro, recebia-o firme e resoluto. 90 Suspendendo o augusto pavilhão estrellado não n’o arrastaria dobrado, não n’o deixaria na promiscuidade dos mortos e dos agonisantes; erguel-o-ia triumphante e desdobrado – vulto errante e symbolico da Patria pairando, como uma grande aza piedosa e afflictiva, sobre aquelle duello formidavel de irmãos! Por um profundo sentimento de humanidade, lamentava áquelles homens abroquelados *col. a, p. 3 no seo fanatismo, eivados da torpeza * do crime, enrijados na couraça bronzea de uma 95 coragem indomavel. Não n’os culpava a elles, os esquecidos por tres seculos de civilização. Lastimava e sentia no seo coração de patriota e de brazileiro, a sorte do soldado digno de melhor campo de batalha, digno de melhor morte que não a ingloria nas barrancas e nos desfiladeiros dessas Termophylas defendidas até o extremo pelos 100 Leonidas295 de bacamarte. Voltando de Canudos, segue para a Escola Militar onde termina o curso brilhantemente e recebe o galão de alferes-alumno. Regressa ao torrão natal de onde vivera affastado tantos sabendo da traição, Leônidas manteve os espartanos, que durante três dias mataram 20 mil persas, e dispensou o restante do exército. Para aqueles que ficaram, ele disse: "Almocem comigo aqui, e jantem no inferno". Leônidas sabia que sua morte era certa, mas resolveu ficar e morrer lutando, pois nenhum espartano voltava fugido para sua cidade. Conforme sua própria filosofia, ou voltavam vitoriosos, ou mortos em cima de seus escudos. 84 annos na conquista de seos ideaes; viera gozar o fructo do seo trabalho no remanso amoravel do lar, no convivio dos seos velhos paes e de seus estremecidos irmãos. 105 Entrou para a nossa Aggremiação, de que foi um dos lutadores mais decididos, affirmando, positivando, dia a dia, seus peregrinos dotes intellectuaes na prosa e no verso. Foi então que podemos, de perto, avaliar a grandeza de sua alma, os nobres sentimentos que a aformoseavam, a sua intelligencia solidamente cultivada, os seos ideaes largos, e sobre tudo, o seo caracter immaculado. 110 Desvendou-se-nos em toda a clareza, na intimidade e na convivencia de todos os dias, no trato e no commercio das ideas, abrindo-nos o livro d’ouro de seo espirito para lermos todas as maneiras delicadas de seo sentir, do seo pensar e do seo ver. Consciencia rectilinea, observador imparcial, critico desapaixonado, onde quer que existisse o poderio do forte contra o fraco, a Justiça torcida e ageitada ao modo dos 115 interesses pequenos, o Direito recalcado ao capricho, a Lei amoldada ás necessidades ambientes, alli estava a sua palavra, o seo protesto de reivindicação, a invectiva de sua penna adestrada, tanto no talhar do alexandrino sonoro e suggestivo quanto no verberar as investidas e os assaltos a esses principios sagrados. Isto feito com larguezas de vista percuciente, sem as sentimentalidades falsas de espiritos timidos e dobradiços. 120 A invulnerabilidade de seo caracter, a immaleabilidade de seo dever amaciadas pela doçura e pela bondade, avigoradas pela seiva de sentimentos grandiosos faziam-no um exemplo vivo e bello de acrysoladas virtudes. Nunca por seus labios passou uma phrase, *col. b p. 3 uma expressão, um conceito que não fossem *depurados nos cadinhos purificantes da Verdade. 125 Soldado, sonhava a Paz como um eterno manto radiante e resplandescente, cahindo sobre a Humanidade numa uncção divina de refrigerios, num banho caricioso o ineffavel de engrandecimentos supremos; sonhava a Humanidade expurgada de todas as culpas limpa de todas as manchas, milagrosamente rejuvenescida nas agoas purificadoras dessa piscina – Lazaro millenario exsurgindo do sepulcro numa gloriosa ressurreição. 130 Homem, estava sempre voltado para esse outro lado escuro da vida onde pulula a multidão dos nús, dos miseraveis, dos vencidos. O homem que se debate no crime era um braço de menos para as batalhas flammejantes do Progresso; o burguez que suga o sangue do proletario era a hydra de mil braços 85 asphixiando e matando as energias da Patria; a mulher que resvala no Erro era a victima do 135 Egoismo que transforma o homem num antro onde se acoutam chacaes; a criança que cresce no vicio e na miseria era um braço perdido para a construcção da excelsa Cathedral do Futuro. Tudo isto os seos olhos espirituaes viam, recebiam essas perspectivas tragicas; elle comprehendia o entrecho desses dramas e scismava nos problemas da Liberdade!... “Nós precisamos de um banho lustral” era a sua phrase expressiva ao deparar um 140 phantasma da Miseria ou uma cariatide do Crime – expressão profunda traduzindo o sentimento que lhe pairava nalma[sic], num plenilunio sereno e emocionante de piedade e de bem!... Artista, tinha a ancia do Perfeito, do Sonoro; queria o verso e a prosa vibrantes como as emoções que o abalavam, reflectindo crystallinamente os estados de su’alma ansiosa, os 145 extranhos momentos em que a sua sensibilidade vibrava no evocar uma reminiscencia querida do Passado, no recordar um trecho florido e fugitivo de sua adolescencia, de sua mocidade. Tinha nos instantes em que o Artista penetra essa Região azul e oiro da Phantazia, em que elle se perde na Abstracção e na Scisma sob a força poderosa de emotivas concentrações, 150 o desejo inquietante de traduzir numa linguagem vibratil, malleavel, concisa, tudo o que se *col. a, p.4 agitava no Pensamento, linguagem que tivesse melopéas, surdinas, *orchestrações, toda a plangência infinita da Lagrima, todos os gritos vermelhos da Dor. Queria que na hora da Saudade o verso plangesse numa dolencia evocativa de Angelus; que na hora da Alegria, essa alegria toda espiritual, pura, que não a que se estampa em esgares e gargalhadas 155 balofas de clown, no rosto dos que só conhecem a vida pelo seo lado ficticiamente luminoso, queria nessa hora o verso cantante, risonho, num harpejamento ruidoso de campanarios em festa!... Anceiava descer ao fundo das almas, abrir-lhes um rasgão para prescutar as indefinidas vibratibilidades, os mais pequenos estados emocionaes, os mais imperceptiveis traços, os modos de ser e de sentir como quem aspirasse abrir um rasgão no Oceano para, 160 debruçado sobre o seo fundo singultoso, prescrutar as suas revoluções e os seos movimentos incessantes e eternos. Uma paysagem que a sua vista abrangesse, clarinante de sol, gorgeante de passaros, elle a queria com suas tonalidades e perspectivas fulgindo dentro da Estrophe. Suggeria-nos o pensamento eschylliano de que o Artista deve ser o Zeos no Olympo acorrentando o Prometheo da Idea no Caucaso ciliciante da Forma. O seo estylo é claro, 165 vibrante, sincero, simples de uma simplicidade que não é trivial. Quem ler o Raymundo, 86 Epilepsia do Amor, Alma Sequiosa, e outras publicadas na Nova Cruzada e em muitos jornaes, sentirá a delicadesa da idea casada á sonoridade da phrase, ao vigor da expressão; a propriedade do termo, casada á sobriedade. Os seos versos estão impregnados de um lyrismo sadio, delicioso, brazileiro. Quanta belleza e sentimento nesses tercetos. 170 Um dia me beijaste e allucinado, Tonto de amor, de febre desvairado, Cahi virgem de todo nos teus braços E adormeci no valle dos teos seios... Quanta ventura nesses dias cheios 175 Dos meos assombros e dos teos abraços!... Assim, gozavamos o beneficio de tão grande amizade e de tão bella e venturosa convivencia, quando o invicto 16 de Infantaria partio para as terras longinguas do Matto Grosso, em defesa do territorio nacional. Vimol-o seguir convicto de seo dever, sereno e forte para a luta onde o seo patriotismo ia 180 inda uma vez affirmar-se. Um anno depois abraçamol-o contentes e felizes. Pouco, porém, durou esta alegria. *col.b, p. 4 *Parte de novo para a Capital da Republica e, depois de alguns dias fruidos na paz bemdita do lar que tanto adorava, segue a seu pedido, para o Amazonas com destino ao alto Perús. A nova de uma invasão peruana sobresaltava [sic] a Nação. Lopes Ribeiro marchava 185 imcorporado [sic] ao 33 batalhão de Infantaria. Mesmo atravez de todas as difficuldades, vicissitudes e perigos de uma viagem penosa que tão funesta lhe havia de ser, o nosso chorado Irmão não descançou. Relata-nos em paginas claras e fulgentes de estylo aprimorado as impressões que recebera ao subir o Amazonas. 190 “Emquanto subia o Amazonas sentia envolver-me a grandeza desmesurada do colosso que, insinuando-se nas mattas ribeirinhas, tinha como limites marginaes uma orla de frondes virentes, pelucia verde rutilando ao sol, e feita, dir-se ia, de dois infinitos camalotes entre os quaes o vapor singrava; raro surgia uma cabana, aqui denominada barraca, construida de lascas ou talas de palmeira e coberta de palhas, por baixo da qual o rio se estendia, rente ao 195 soalho da paxeiuba; uma canôa á porta, uma mulher e varias crianças enfezadas e chloroticas sobre uma estiva alta de um metro, acocoradas e immoveis, pensativas e tristes como 87 cegonhas, na contemplação desse humido e viscoso deserto voraz e traidor, condemnadas á immobilidade e ás scismas na quadra do movimento, da irreflexão e dos risos, flores que fenecem, fructos que peccam numa primavera que se fez outomno; adeante, proximo da 200 margem, um homem, immovel, sentado á prôa de uma canôa como elle immovel, de arco prompto e olhar fixo, espera que surja ao alcance da setta, presa a um fio, a tartaruga salvadora que lhe quebre a monotonia do pyrarucú secco e das conservas doentias. Depois o Purús e outra a perspectiva. Elle já se despejara quasi todo no Amazonas; como fiel tributario, quase todo se dera ao gigantesco tucháua destas regiões e offerecia o espetáculo 205 de suas praias desnudas, de seos barrancos barrentos e cavados, num capricho idiota de incoherentes curvas e de estirões desorientados que tudo elle reforma e procura simplificar de anno para anno, cavando saccadas e formando lagos em sua obediencia fecunda ao principio da sua rectitude”. *col. a p. 5, 210 Descreve-nos em phrases tocantes e, contristadoras o estado sanitario de dez *batalhões ‘do sempre glorioso e sacrificado exercito Nacional constantemente votado ao martyrologio, ‘victimas do beriberi e da febre aos quaes chegou a faltar mais de um dia um simples sal de quinino.” São delle estas palavras pungentes “O que podemos affirmar é que nos retiramos daquella casa de soffrimento, levando a impressão de haver assistido a uma hecatombe 215 horripilante, e, dentro de nossa alma velada pela tristeza, a, imagem desalentada da Patria, ferida de morte, no abandono da indigencia, se nos afigurou amortalhada já nos farrapos esgarços da farda de seos defensores”. Ainda assim triste e acabrunhado pelo que vira, perdoava “os erros do momento” na inteira convicção, na fé inabalavel de que o restante daquelles bravos, faces nunca voltadas 220 á imminencia do perigo, peitos nunca voltados ás rajadas da morte, sustaria com a força indomável de seos braços de heroes o arrojo tempestuoso de esquadrões inimigos; faria retroceder o passo e dobraria a cerviz do estrangeiro ousado e sacrilego que tentasse pisar o solo sacrosanto da Patria; esses heroes desprezados, como elle proprio diz, iriam, os que escapassem constituir a trincheira valorosa sobre a qual se quebraria a onda desleal dos 225 invasores estrangeiros. Mas, ah! Senhores, o golpe mais cruel, mais duro, mais lancinante que lhe traspassou lado a lado a alma, agoniando-a, amargurando-a, desolando-a, foi que os seos companheiros 88 d’armas não iriam empenhar a vida pela defesa nacional!... Era tudo mentira!. Fôra verdadeira illusão a de quebrar, á força de heroismos, a onda desleal dos invasores 230 estrangeiros[.] Com aquella imparcialidade que lhe era peculiar, indagando, inquirindo, observando, pondo-se ao corrente dos factos que de ha muito se desenrolam naquella riquissima zona longinqua, transmittio ao paiz pelo Diario de Noticias deste Estado, sob o pseudonymo de Patricio Stelio, a illusão da pretendida invasão peruana. Elle denunciou á Republica que um 235 grupo de desordeiros e bandidos, capitaneados por um brazileiro desalmado, anda roubando e assaltando os pacificos trabalhadores do alto Purús, saqueando e incendiando-lhes as habitações. Incapaz de uma mentira, levando o culto da verdade até o sacrificio, elle provou *col. b, p. 5 com factos irrefragaveis, de uma realidade *cruel, as depredações, os assassinatos feitos em nome da Patria; que o que creara a phantazia de uma invasão peruana se fizera alli o 240 defensor estrenuo dos interesses nacionaes recebendo armas para o trucidamento de irmãos e estrangeiros. Dizem as suas palavras revestidas de justa indignação: “As sepulturas em que dormem nas margens do Purús e do Rio Negro soldados brazileiros, a cruciante amargura que revolve o seio de uma pobre mãe, de uma saudosa irmã 245 e das innocentes creaturinhas que a orphandade empolga, a téla negra que é hoje um veo asperrimo de desolada viuvez, não são o golpe sangrento do peruano que invade, são a obra infame e negra do salteador que violenta e rouba”. A penna de Lopes Ribeiro revelou-nos estas verdades que não passariam despercebidas, nós bem o sabiamos, tal era o espirito de Justiça que o caracterisava. 250 Mas uma vez, sobre o manto sagrado da Patria cahe o sangue forte dos seos proprios filhos, Mater Dolorosa assistindo, muda e crucificada na sua agonia, o conspurcamento de suas tradições, de seo passado glorioso e de seos louros immarcessiveis. Ella, porem, surgirá sempre victoriosa e triumphadora, guardada pelas legiões invenciveis da Mocidade, que a fará forte dentro de seos limites e respeitada fóra de suas fronteiras. O 255 povo que lhe escreveo a Illiada de 23 nos plainos de Pirajá, que lhe traçou as Epopéas de Humaytá e Riachuelo e lhe estrellou a fronte com os sóes de 13 de Maio e de 15 de Novembro, transmitio-nos o mesmo amor e a mesma fé impolluta para levarmos pelas areias do tempo, para a Palestina do Futuro, a arca inviolada de suas glorias. “A rocha viva de 89 uma nacionalidade” enrijada no patriotismo e na liberdade, no Direito e na Justiça não se 260 fragmenta, não se esborôa; abalada, ruirá por inteiro. Mas, quando esses collossos desabam, a Historia, como o propheta sobre os escombros de Babel, levanta-se e brada ao mundo: aqui agitou-se um povo! .................................................................................................................................................. Eis em traços pallidos, ligeiros, desalinhados, a vida do intimorato moço, do nobre soldado 265 do exercito nacional! Toda ella foi um poema de Abnegação e de Dever. A sua espada nunca *col.a, p. 6 se fez punhal, penna com que escreveria as Odysséas da Victoria; *a sua penna nunca fôra vendida, espada fulgurante com que batalhara na sua arena das Idéas. O ideal da Patria foi-lhe o pharol acceso, illuminando-lhe o caminho; a alvorada que o deslumbrava, o sonho supremo e divino que lhe cantava. É-lhe applicavel a legenda do 270 solitario da gruta de Macau: Para cantar-vos mente ás Musas dada Para servir-vos braço ás armas feito. ............................................................................................................................................... Moço, do bloco inteiriço do teo caracter, da grandeza dos teos sentimentos, do teo 275 exemplo de patriota e de brazileiro, nós iremos fazendo monumento imperecivel levantado dentro de nossa alma! Para elle nos voltaremos sempre que dermos um passo ou precisarmos de um pharol que nos guie na senda invia e escabrosa da vida!.. Tua memoria, teo nome, ficarão, por todo o sempre, custodiados e venerados cultualmente, na ambula sagrada de nosso coração, invocados nos grandes e solemnes momentos da 280 Saudade e da Recordação; para elle voltar-se-ão a nossa Tristeza e a nossa Prece, espiritualisadas num profundo sentimento de Amor. *col. b, p. 6 *Viverás comnosco na communhão espiritual de nossa Fé, ungindo-nos com os Santos oleos da tua Bondade! Ver-te-emos sempre onde quer que haja um soluço, uma alma que sinta, um coração que 285 gema, um rosto banhado de lagrimas!.. Neste jornadear incessante, neste mourejar de todos os dias, lutando, trabalhando pela victoria da Arte, foste, entre nós, um soldado estrenuo, um campeão affeito ao combate. Esta singela e humilde homenagem não exprime somente um dever de associação: é uma romaria espiritual, é um culto civico rendido ao teo Espirito de Eleito, de Abnegado e de 290 Forte. 90 Dorme Irmão e Amigo! Quando pelas quebradas de nossas serras altaneiras echoar, offegante, o hymno da guerra; quando, para o cumprimento do mais sagrado dos deveres, a Patria congregar os seos filhos á sombra do glorioso pavilhão; ver-te-emos sereno, grande, altivo, marchando ao lado dos 295 que forem morrer pela Justiça e pela Liberdade!... Irmãos! gloria ao poeta e ao soldado! Soldados! gloria ao soldado brazileiro! 4.3.2 Estudantinas – Leitura crítica sobre a obra de Alvaro Reis 4.3.2.1 VERSÃO NC SALLES, Arthur de. Estudantinas. Nova. Cruzada. Salvador, ano 4, n. 6296, p. 1-3, set. 1905. Texto crítico com 228 linhas distribuídas em duas colunas, impresso em tinta preta, ocupando as p. 1 a 3 do fascículo. Mancha escrita medindo 150 x 140 mm na p.1 e 202 x 141 na p. 2, cada uma com duas colunas. Na p. 3, apenas uma coluna com 166 x 67 mm. Na p.1, o texto é precedido pelo nome do periódico – em tipos grandes, ao lado de uma ilustração –, o qual é impresso entre a indicação de número e data do fascículo, na borda superior da página, e a indicação de local de publicação, antecedendo o início do texto. Na página1, L.1, col. a, o título, centralizado, em maiúsculas destacadas por fonte maior, ESTUDANTINAS e na L. 2, à direita, a indicação da autoria da referida obra, e a sua origem, em maiúsculas de tipos menores que os do corpo do texto: ALVARO REIS – BAHIA. Na L.3, iniciando o parágrafo, a palavra HA, em maiúsculas, com destaque para o H, ornado e em negrito, ocupando um espaço correspondente a três linhas. Na coluna da p. 3, à L. 42, à direita, em itálico, a indicação de autoria do texto: Arthur de Salles. Após o término da mancha escrita, uma ilustração de uma paisagem campestre: três pássaros bebem água em um tacho, diante de um casebre. Suporte amarelado pelo tempo. 4.3.2.2 Classificação estemática. A versão NC, única de que se dispõe, serviu de base para a edição, com o seguinte estema: O NC edição. Fig. 2. Estema da edição de EST297. 296 Exemplar encontrado no acervo da BPEB. 91 4.3.2.3 TEXTO col. a, p.1 ESTUDANTINAS298 ALVARO REIS299 – BAHIA Ha quatro annos que o nosso espirito, alentado pela seiva poderosa de ideaes nobilitantes ruma para esse paiz mysterioso da Arte, sopeando entraves como quem 5 vinga montanhas abruptas ou abre uma estrada no intrincado bravio de uma floresta. Quatro annos sem que o nosso esforço affrouxasse ou diminuisse de intensidade, sem que as nossas energias se esvanessessem, embora o vehiculo de nossos pensamentos, que é também a historia e o roteiro de nossa perigrinação de Sonhadores, 10 tenha sido, maugrado nosso, contrariado na sua marcha pela influencia fatal de circumstancias[sic] inalienaveis. Mas, nesse espaçar de mezes em que elle parece ter parado em meio da viagem, as nossas forças concentram-se, as nossas vistas não se affastam do alvo sonhado e elle apparece agora sem nada ter perdido da primitiva envergadura que lhe demos com a qual affrontará todas as bravezas do caminho por 15 tamanhas que se lhe antolhem. E assim é que no campo aberto pelo esforço e pelo amor para o desdobramento de nossos ideaes e para o triumpho supremo de nossos sonhos, floresce mais um louro, canta-nos n’alma a vibração solemne e proclamadora de mais uma victoria: este formoso livro de versos que Alvaro Reis cinzelou com carinho e onde a sua alma 20 desbordante de lyrismo e de sentimento palpita e se desenha em cada soneto, em cada poesia. Sem pretensões sem affectações estylisticas, fugindo ao trivial, numa *col. b *linguagem correcta, harmoniosa e sincera vae deixando por toda a obra, bem delineadas e seguramente expressas, as multiplas modalidades de sua organização de poeta. Caracterisam-lhe[sic], a demais, a simplicidad[e] adoravel de que se revestem 297 Dados importados da Dissertação de Mestrado (PEREIRA, Norma Suely. Um punhado de versos e páginas de prosa..., op cit.) 298 Texto crítico sobre obra homônima do neocruzado Alvaro Reis. 299 Álvaro Borges dos Reis (Bahia 1880-1932), poeta, tradutor, diplomado em medicina e em farmácia. Publicou: Estudantinas (1904), Pátria (1914), Lusitânia (1922) e O beijo das raças (1923), colaborou em diversos periódicos. (COUTINHO Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira. 2.ed. rev., ampl., atual. e il. sob a coord. de Graça de Coutinho e Rita Moutinho. São Paulo: Global Editora; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional / DNL; Academia Brasileira de Letras, 2001. s.v). 92 os seos versos, a musica que delles se evola e sobre tudo a verdade de expressão no 25 desenhar uma paysagem ou no exprimir uma idéa. A este conjuncto de qualidades nobres que lhe exornam o caracter artistico e que tornam bella a sua obra em todos os seus lineamentos, allia-se uma imaginação viva e brilhante. As Estudantinas dividem-se em tres partes: Nascentes, Caniculares e Poentes. 30 Na primeira ha bellissimos sonetos como Intima, Fragas, A Sós, A Beira-Mar e os tres sonetilhos300 septisylabos Manhã, Meio-dia e Entardecer, Só, Sobre as Ondas. Em todos elles predomina um lyrismo delicioso e rico de emoções. Transcrevamos Fragas. 35 Veleja o brigue As brisas marinheiras Sopram ruflando os pannos do velame, E a voz dos ventos surdamente brame A voz do mar nas rochas traiçoeiras... Corre o brigue veloz range o maçame 40 Ás manobras de bordo mais ligeiras Azas abertas, pandas, condoreiras, Deixando após o espumarado enxame... Mas, eis que de repente, impetuoso, Bate de encontro a rochas invisíveis 45 E depois... calmo o céo, tudo bonança, O mar sereno, limpo e magestoso! Assim tambem de encontro aos Impossiveis Quantas vezes naufraga uma Esperança! Quem, nesse oceano revolto da vida, não já sentio a verdade dolorosa destes 50 versos?! A Caniculares dá-nos esplendidas descripções como: col. a, p.2. Reconcavo, Paysagem Oriental, *sonetos artisticamente sentidos, poesias lavoradas com esmero. Morena, Rei-Mar, Hierarchico e outros demonstraram-no claramente. 55 300 As palavras os tres sonetilhos aparecem juntas no periódico. 93 O Sonho do Canhão é uma poesia vibrante; o poeta deu-lhe alentos épicos: dorme o velho canhão no dorso da fortaleza onde a vaga bate noite e dia, bramindo; descança abandonado, recordando os tempos da guerra em que pela sua guela hyante sahia o vomito de fogo: 60 <<A mensagem formal emissaria da morte>>. Cresce, enlaçando-o, a parasita e mostrando-lhe as campanulas rubras, <<Qual junto ao velho emir estende ás mãos trementes A taça estonteante a escrava favorita>>. As campanulas aguçam-lhe a saudade da guerra. 65 <<Quem lhe dera a beber o tonico de ferro! Encher a transbordar campanulas de sangue!>> Scisma e sonha ver as galeras e as naus, desapparecerem no oceano abertas pelas balas; a agitação, o barulho tonitruoso das carretas, o retintim das armas chocando-se, toda a movimentação sinistra da guerra. 70 E como uma lembrança querida do passado que o tortura e entristece, evoca: <<Bello tempo feliz! entufada de velas Toda a arena do mar em luta formidanda... E o renhido embater dos cruzeirros da Hollanda Sobre as naves da Hespanha e as luzas caravellas>> 75 Hoje, abandonado, tem somente o mar que lhe ruge aos pés, os pios da coruja e <<O enfadonho bater das azas do morcego>>. Talvez que o velho bronze desperte e retumbe como outrora no acceso das batalhas. Dorme, pois, bronze inerte, envolvido em tristeza 80 Que algum dia talvez se realise o teu sonho! E despertes, de sús, estrondoso e medonho No dorso collossal da velha fortaleza! Por estes magestosos alexandrinos, podemos aferir a organisação poética do 94 auctor das Estudantinas. 85 Temol-o aqui vibrante; mais adiante delicado e suave em Odio e Amor e em Intangivel. Neste delinêa-se a paysagem da alma insolada pelo desejo irrealisavel que estúa ardente como a terra abrasada aos raios do sol impolgavel... É o supplicio agrilhoante do sonho de Moysés, condemnado a gosal-o somente *col.b p.2 90 de *longe, na fugitiva visão da Chanaan intangivel. INTANGIVEL És para mim o pomo prohibido... Eu bem o sei! mas, apezar de tudo, Meu coração, n’um brado extranho e rudo, Revoltado de amor, de amor ferido 95 Para onde estás impelle-me! e, comtudo, Fico tremulo, extatico, esquecido, Em contemplar-te, oh pomo appetecido! Em contemplar-te tristemente mudo... Mas, se os meus labios nem uma palavra 100 Podem dizer-te, o meu olhar procura Mostrar-te o incendio que em meu peito lavra... O leão do desejo que supplanto! Toda a afflição, toda a intima tortura De não poder te amar, te amando tanto! 105 Nos Poentes brilham composições inspiradas: Reflexos vivos, Dous Oceanos, Ausencia, Alcoolatra, Oceano Aretico e este adoravel e evocativo ESTUDANTINA Noite de Hespanha. Na amplidão etherea Brilha serena e branca a lua cheia... 110 Tudo em baixo na terra delinêa A intensa luz da alampada [sic] siderea; De longe, vem, na ondulação aerea, Confusa vozearia que se altêa; 95 Ouve-se um canto alegre, outro que ancêa... São de estudantes serenando, em féria. 115 Segue cantando á luz da lua branca, A divertida e tarda estudantina, Pelas ruas sem fim de Salamanca; E surgem, se divisam, debruçadas Nos varandins abertos á surdina, 120 Sombras, perfis de moças namoradas... Ornam ainda o livro bem trabalhadas traducções de obras francezas de Pethion de Villar, Phileas Lebesgue e Heredia, o glorioso parnasiano dos Tropheos. Quem cotejar as obras destes auctores com as versões do poeta verá que elle se inteirou da idéa e a 125 transportou para o vernaculo com verdade, harmonia e belleza. Vejamos o PÔR DO SOL (HEREDIA) Os rutilos sarçaes, joias da penedia, Douram todo o alcantil que o poente enrubesce; 130 Longe, ainda a brilhar pela extensa ardentia, Nasce o infindo oceano onde a terra fallece. Cae a sombra, o silencio. O ninho se emmudece; E chega o camponez á choupana alvadia; Só o Angelus na bruma, abalando, une a prece 135 Á alta oração do mar, monotona e sombria. col. a, p.3 Qual do seio sem fim de um abysmo escarpado, Das grotas dos sirgaes, sobem vozes do vento De pastores tangendo o rebanho atardado; 140 A noite ensombra o céo rico e empanado espelho E o sol fecha, ao dormir, no horisonte nevoento, As varetas reaes do seu leque vermelho. Como se vê, a estréa de Alvaro Reis é uma das mais auspiciosas. As justas referencias que elle tem recebido da critica imparcial e sensata deste e dos outros 96 145 estados e tambem do extrangeiro provam-no, sobejamente. Theotonio Freire301, olhar arguto e percuciente em cousas de Arte, individualidade cujo destaque avulta soberanamente no quadro das letras patrias, assim se exprime: “Nesse travar continuo de renhidos combates, nesse luctar sem treguas pela conquista de louros, sempre novos e verdejantes, o Sr. Álvaro Reis vibra de esthesia em esthesia, percorre 150 a gamma quasi infindável das sensações, e de trabalho em trabalho revela nos sempre uma nova face de seu talento de bom fazedor de versos. Estes lhe saem correctos, fluentes, sem grande esforço e mais ou menos revestidos da farfalhante roupagem do estylo”. E terminando a sua brilhante noticia, diz: “Estudantinas é a promessa formal 155 de um bom poeta”. Foi isto o que uma critica malavisada não vio no desacertado e no disparatado de suas affirmativas e negativas, cabriolando, ás tontas no labyrintho de suas contradicções e incongruencias sophomaniacas. Assim, alargando o circulo de suas vistas estheticas, cultuando fervorosamente 160 a Arte, sentindo a sua obra, o nosso querido Companheiro irá, nós o cremos, caminho de um futuro fulgente, fechando os ouvidos ao barulho surdo e confuso que por acaso, e só por inconsciencia, lhe soar em torno. 301 Manuel Teotônio Freire Filho (Acari (RN) 1865 - Recife (PE) 1917) poeta, romancista, jornalista, crìtico, contista, diplomado pela Escola Normal do Recife. Escreveu sob o pseudônimo de Américo Yetim, Castor, Laura da Fonseca, Yetim. Publicou: A república (1884), Ritornelos lìricos (1889), Lavas (1890), A esmola da justiça (1902), Cartas e crônicas (1903), Pátria (1908), entre outros. Foi redator dos Arquivos do Norte, entre 1892 e 1900 e da Revista Contemporânea entre 1894 e 1896, ambos do Recife. (COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira. op. cit., 2001. s.v). 97 4.3.3 Discurso official 302[proferido em homenagem a Xavier Marques303] 4.3.3.1 VERSÃO NC SALLES, Arthur de. Discurso official. Nova Cruzada. Salvador, ano 5, n. 11304, p.4-7, out. 1906. O texto possui 382 linhas, distribuídas em duas colunas, impressas em 4 páginas. Mancha escrita medindo 43 x 68 mm na col. a da p. 4, e 204 x 68 mm na col. b. Nas p. 5 a 7, a mancha escrita é de 204 x 140 mm em cada uma. Suporte bastante amarelado pelo tempo, apresentando pequenas perfurações sugestivas da ação de insetos, que, no entanto, não prejudicam a leitura. Na col. a, p. 4, L.1, inicia-se o texto com uma letra ornada, o P, de Paragem, de tamanho maior que as do corpo do texto, ocupando o espaço correspondente a duas linhas. Na L. 12 da col. b da p. 5, três asteriscos marcam uma divisão no texto. Também neste texto, observa-se a singularidade no uso das maiúsculas, como em Ideal, Belleza, Alegria e Graça, L. 6 e 7 da col. b, p. 4, e na pontuação, com o uso de exclamação seguida de reticências: L. 7, col. b, p. 4, L.3, col. a, p. 6, e L. 5, col. b, p. 7. 302 O aplaudido discurso foi proferido durante o “Carmina Triumphalia”, festa realizada pela Nova Cruzada, em homenagem ao poeta Xavier Marques, cavalheiro de honra da agremiação, ocorrido no dia 9 de setembro de 1906, às 18 horas, no Lyceu de Artes e Officios, na qual compareceu, além dos neocruzados, a fina flor da sociedade baiana. Foi dito, na ocasião, que o Virgilio Lemos, da Gazeta do Povo, tencionava publicar em livro todos os discursos e poesias recitados nesta festa. (NOVA Cruzada. Salvador, ano 5, n. 11, p. 3, out. 1906). No levantamento de fontes empreendido, foram localizados apenas os dois testemunhos publicados em periódicos. 303 Francisco Xavier Ferreira Marques (Itaparica (BA)1861 - Salvador 1942) Embora tivesse apenas estudos primários, logrou adquirir grande cultura pelo seu esforço. Foi jornalista, ensaísta, poeta, romancista e biógrafo. Foi também redator e colaborador da Imprensa de Salvador, funcionário público e deputado federal. Membro da Academia Brasileira de Letras (1919). Sua obra ficcionista é das mais representativas na área praiana baiana. Publicou, entre outros: Temas e variações 1884 (poesia), Simples histórias 1886 (ant.), Uma família baiana 1888 (rom.), Insulares 1896 (poesia), Jana e Joel 1899 (rom.), Pindorama 1900 (rom.), Praieros 1902 (nov.), O Sargento Pedro1902 (rom.), Vida de Castro Alves 1911 (biogr.), A boa madrasta 1919 (rom.), Cultura da Língua Nacional 1933 (filol.), Evolução da crítica literária no Brasil e outros estudos 1944. (COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira. op. cit.., 2001.s.v). 304 Exemplar locaizado no acervo da BPEB. 98 4.3.3.2 VERSÃO GP SALLES, Arthur de. Discurso official. Gazeta do Povo. Salvador, ano 2, n. 338305, p.1-2, 12 set. 1906. Texto com 510 linhas, distribuídas em quatro colunas, impressas em 2 páginas. Mancha escrita medindo 487×0,53mm na col. a da p. 1, e 585×0,53mm nas col. a e b e 273×0,53mm na col. c, da p. 2. Suporte bastante amarelado pelo tempo, apresentando algumas letras apagadas, que, no entanto, não prejudicam a leitura. O texto está inserido em um artigo maior, assinado pelo neocruzado Roberto Correia, sob o título geral de Xavier Marques, grafado em detaque na L. 1, da primeira coluna, p. 1. No primeiro parágrafo da coluna, em oito linhas, o comentário do redator sobre o discurso, sua autoria e data de pronunciamento. Após a transcrição do discurso, no final da quarta coluna, sob o subtítulo “A nossa festa”, grafado em maiúsculas, a transcrição do soneto distribuído no programa da festa e recitado, na ocasião, pelo neocruzado Alvaro Reis. O texto traz variação em relação ao da versão NC, o que pode ser indicativo de correção pela redação do jornal. 4.3.3.3 Classificação estemática. A versão NC, apresenta-se mais completa que a GP, muito embora esta seja de data mais recente em relação à alocução. Desse modo, utilizou-se a versão NC como base para a edição, que traz as variantes da versão GP em aparato crítico à direita do texto. A edição tem então o seguinte estema: O NC edição. Fig. 3. Estema da edição de DXM. 305 Exemplar locaizado no acervo da BPEB. 99 4.3.3.4 TEXTO CRÍTICO [Discurso Official de Arthur de Salles] *p.4 col. a Paragem luminosa da Historia que a alma evoca e busca anciosamente, quando, por algumas horas, liberta das tangibilidades terrenas, alça o vôo triumphante para esse fundo remotis- 5 *p.4 col. b simo das Eras, na revivescencia sagrada das coisas mortas; *estancia de paz e de saudade, que para certos espiritos profun- GP que, (seguido de vírgula). damente tocados de sonho, é um cyclo da vida vivido subjectivamente, livre, no tempo e no espaço, sem os truculentos pezadellos da Realidade; fonte do Ideal e da Belleza, da Alegria e da Graça, 10 a Hellade gloriosa!... De há muito emmudeceram as aguas cantantes de seus rios sombreados de salgueiros e de myrtaes em flor; as nayades não cantam mais e as oreades não correm por entre as sebes e os loureiraes perseguidas pelos faunos coroados de parra e de pampano. GP loureiraes (l apagado) 15 Despovoaram-se os prados alfombrosos ridentes de eterna primavera por onde os pastores deixavam pascer o rebanho; e os sons da frauta de Pan morreram nos sombrios reconcavos dos valles, não mais repercutem no viso das collinas contemplativas, nem se derramam pelos ares merencoreos da hora tristonha dos esmoreci- 20 GP dos dos (repetido) mentos do dia. Consummara-se a tragedia estupenda do Calvario – baliza soerguida entre um mundo que se estorcia e morria, ferido pela GP Consumara-se GP extorcia luz da nova Idea, e outro, que se desdobraria, largo e amplo, aureolado pelo esplendor da philosophia do humilde filho do carpin25 teiro de Nazareth. Aquelles que beberam o amôr, a justiça, a liberdade nos evagelhos profundos de suas parabolas immortaes, nos jordões inexhauriveis do seu perdão e da sua misericordia, consummada a grande obra, foram, cidades a dentro, pregando e evangelizando. E o 30 verbo suave e manso do louro essênio chegára aos ouvidos dos Deuses num regougo ullulante de cem batalhas; e elles, transidos de espanto, tomados de pavor e de mêdo, morriam envoltos nas suas chlamydes resplandescentes, levando o encanto divino da GP pregando 100 Vida, a Illusão doirada, a Chiméra seductora. 35 Partiam-se as tripodes das pythonissas, calavam-se os oraculos, as nymphas e os tritões expiravam no fundo entristecido e desolado dos mares. Pelos pendores dos montes, pelas escarpas das montanhas sagradas ergue-se-iam os mosteiros severos, as grutas dos anachoretas, os refugios dos eremitas, para as macerações da 40 GP cenobitas / anachoretas carne, para os delirios da ascese, para o esquecimento da Vida. Naquelles tempos em que a alma pagan ria e cantava, os gregos * p.5 reuniam-se na Eolida *para a festa nacional das olympiadas. Os col. a vencedores recebiam as palmas do triumpho por entre as acclamações das cidades congregadas. 45 Pindaro enaltecia-lhes o valor, Phidias esculpturava-os para GP esculptava-os que ficassem na memoria dos vindoiros. Revivemos na imaginação aquellas festas em honra de Zeus Olympico e celebramos esta olympiada branca do amor em honra da Athenas Brasileira. 50 E para celebral-a, eis-nos sob o zimborio glorioso deste templo GP E, (seguido de vírgula) do Trabalho, que umas almas boas e grandes, eternas na memoria das gerações, levantaram para o consolo balsamico de muitas almas. Nas suas naves augustas, paira a poesia profunda e solenne do 55 passado, infiltrando um sentimento emocionante de evocação, um grato recordar de lutas incruentas, de risonhos alvoreceres de victorias e de refulgências e loiros immarcessiveis, colhidos nesses combates pujantes de civilização. Sentimos, envolvendo-nos numa resplandescencia olympia, a claridade perenne de suas 60 glorias, o fulgor inextinguivel de suas tradições. E mais do que nunca se nos afigurou tão grande, nem tão majestoso se nos descortinára qual se nos mostra hoje, com o seu frontão severo e vetusto, suas estatuas brancas e frias, avivadas no sopro immorredoiro da Arte, as suas salas e as suas officinas onde o hymno épico 65 e forte do Trabalho passa rumorejando nas almas. E nenhum outro nos serviria no momento que se nos depara: pagode de Brahma, que pompeasse na opulencia dos seus orientalismos, ou mesquita GP affigurou 101 que se alteasse imponente, apunhalando o azul com as cristas esguias dos seus minaretes. É que para as homenagens ao Merito 70 se faz mister a majestade dos Templos do Trabalho – centros ruidosos da Vida, de onde o homem contempla, como o viajor, do GP vida (com minúscula) fastigio de uma montanha, o extensissimo caminho percorrido, a sua marcha ascensional pela estrada infinita do seculos, desde que se diatanciára da caverna e levantára as pedras brutas para o seu 75 primeiro esconderijo, até as idéalizações da Belleza, do Amor e da GP às Liberdade. Busca-o, ainda uma vez, a mocidade, na hora suprema de suas transfigurações, quando o Dever lhe abre n’alma os irradiamentos GP abre-lhe da Justiça. 80 Entra-lhe as portas num regorgitamento transbordante de enthu- GP regorgitamente p.5 col. b siasmos e traz comsigo [sic] alguém que fôra arrancado da paz abençoada do seu retiro claustral, do recesso tranquillo e remansoso de sua vida, da solidão em que mergulha o espirito de Eleito para alcandorar-se ás altas serenidades do Pensamento. Traz com85 sigo [sic] o velho campeão das Letras. Seu Nome é uma flammula de guerra nos arraiaes da Conquista. Vós todos o sabeis: Xavier Marques. * * * Dentre a plêiade dos que, há decennios, se alistaram na fileira 90 das letras bahianas e que se tornaram os guardas zelosos de suas tradições, no dominio da Intelligencia, destaca-se a individualidade triumphante do autor do Holocausto. Ella é a mais distincta, a mais notavel. Essa distincção e essa notabilidade avultam mais aos nossos olhos, impõem-se-nos mais 95 GP nossosolhos (junto) caracteristicas e mais bellas quando inquirimos o meio em que ella se desenvolvera, se ampliara e se definira – meio baldo de incitamentos, pauperrimo de iniciativas, deserto vigiado pela esphinge do Indifferentismo, assombrando, como aos laphitas a sombra de Hercules, a quem por afoiteza lhe tentasse palmilhar os areiaes. E 100 ainda mais: quando attentamos no esforço nobre de que se revestira, na vontade immalleavel de que se blindara para florir essa GP affoiteza 102 esterilidade. Tal se nos mostra o lavrador, curvo sobre a enxada a quem o succeder benefico das estações faltasse á sua seara e que no emtan105 GP a to [sic] consegue vel-a viçosa e loirejante, á custa da persistencia do seu braço e do carinho do seu cuidado. Talhado para essas lutas accesas do espirito, arrebanhara as energias, acastellara-se nas convicções e puzera-se na faina ardua e nobilitante. 110 A luta pela vida impõe-se forte, cercam-n-o as vicissitudes, rodeam-n-o, como para obstar-lhe a marcha, mil tropeços. Embora! GP lucta / GP rodeam-no os que são, os que sabem ser, fazem desses entraves a forja em que se lhes enrija a tempera. Cresce a luta e com ella a fortaleza e a serenidade. Nada ha 115 mais grandioso do que no auge da tempestade, que referve em tor- p.6, col. no, ter-se a alma alvorecida de bonanças. Ser fórte e ser sereno: é GP lucta a de fortaleza e de serenidade que é feita a envergadura indomada e inflexivel dos Heróes!... Passa em tropel a turba-multa ruidosa dos nullos para os assal120 tos, nebulosas que não se fazem mundos, no brilho ephemero de suas glorias de momento. Elle fica sosinho, rasgando fundo, sul- GP sósinho cando largo, a mesma leira ingrata e safara de onde ha de rebentar GP leira a florescencia de sua seara. E esta irrompe, banhando-o na alegria GP banhando-lhe confortadora das compensações. 125 Nesse decorrer de annos em que elle moireja e trabalha, clausurado na sua modestia, votado ao culto do seu idéal, e em que, por phases successivamente evolutivas, se lhe vae destacando a perso- GP vae-se-lhe nalidade, a poesia era quasi unicamente o signal de vida literaria na Bahia; e no verso vasou as primeiras manifestações do seu 130 talento. Dahi por deante, nova orientação guia-lhe os passos: a prosa abre-lhe os mananciaes em que a sua inspiração vae buscar os assumptos dos seus romances e de suas novellas. A imitação franceza, devido á influencia do naturalismo com que o grande autor do 135 Rougon-Macquart revolucionara os dominios da Arte, não lhe ten- GP diante 103 tou a esthesia nem o arrastou para a desnacionalização das letras patrias. Tinha aqui o filão precioso e inédito que lhe havia de opulentar o escrinio, e que lhe abriria riquissimas jazidas. As scenas da vida local provinciana, a vida desses humildes lavradores do 140 mar, elle as foi surprehender, traçando-lhes as almas simples, em GP traçando lhes (s/ hífen) suas espontaneidades emocionaes, em paginas sinceras de sentimento e de verdade, de observação e de analyse, repassadas de um um intenso lyrismo brasileiro e de um nativismo sadío e exuberante, porque em toda a obra do narrador do Sargento Pedro vibra o 145 sentimento nacional, vive a vida que vivemos, brilha o céu que nos cobre, pompeia a flora que nos cerca, canta este pedaço do Atlantico que ruge nas penedias, espuma nos alcantis, rebôa na soturnidade das noites, accordando o silencio absoluto das praias ermas – GP acordando este mar que as paginas evocadoras do Pindorama nol-o faz recor150 dar, deserto, solitario, cortado apenas pela piroga achamboada do cabloco, reflectindo o vulto aprumado e negro das montnhas e desenhando a coma gigantéa e farfalhante das mattas, quando a terra, col. b entresonhada vagamente no verso de Camões, ostentava ainda as suas majestades insolitas e as suas virgindades selvagens. 155 Tudo ahi está desenhado sentido e vivido: o encanto louro das nossas tardes, a serenidade grega de nossas manhans, a fulvescencia de nossos poentes, o estrellejamento palpitante de nossas noites, todo o tropicalismo de nossos verões, tudo ahi vibra em largos estos epicos e em amenidades de idylio na tela polychroma de suas 160 paginas. A lingua – o marmore em que se entalham e encarnam as emoções do Artista e se perpetúa o sentimento nacional os cyclos da civilização, vem se depurando, mais se aprimora no desdobramento de sua evolução esthetica. O estylo floresce, numa evidencia typica 165 de individualidade; canta em rythmações suggestivas, fulge em facetamentos rebrilhantes na rendilhadura sonora e imprevista da phrase. O nacionalismo que se respira largamente em toda a sua obra é a phase consciente de nossa vida literaria, a volta para as coisas do GP perputua (s/acento) 104 170 paiz que se expande agora em pujantes affirmativas nos versos admiraveis de Alberto de Oliveira e de Olavo Bilac, nas paginas intensamente brasileiras de Affonso Arinos, de Coelho Netto, nos contos de Pedro Rebello, de Valdomiro da Silveira, nas marinhas de Virgilio Varzea, nas narrativas historicas de Rodrigo Octavio, 175 na vasta obra do glorioso Machado de Assis e tantos outros. Diz o estylista do Inverno em flor: “Ultimamente tem-se notado um pronunciado desejo de autonomia, os escriptores concentramse na Patria, tiram os olhos dos horizontes extrangeiros, volvem á dos mestres da lingua, abandonando, por momentos, os francezes 180 que tanto têm contribuido para a despersonalização da nossa literatura”. O que diz este escriptor, encontra-se no novellista de Jana e Joel. A cultura da lingua, a convergencia de vistas para as fontes indigenas, o nacionalismo em que são vazados os seus trabalhos e o engenho, com que os tem tratado deram-lhe a saliencia notavel 185 entre os modernos escriptores nacionaes e o fizeram o primeiro em todo o Norte do paiz. E logo adeante fala ainda Coelho Netto: “É bom que assim seja, *p. 7 GP adiante porque, com a grande corrente de immigração extrangeira, *princi- col. a palmente para o Sul da Republica, é necessario que a lingua tenha 190 uma defesa para que se não deixe supplantar pelo alienigenismo, desapparecendo, ou apenas subsistindo em dialecto rude”. Sim! si algum dia esse invasor arvorar a bandeira da conquista no pincaro de nossas montanhas e entrar pela terra anniquilando as tradições de nosso passado, esboroando os bronzes e marmores que 195 eternizam as nossas glorias e os nossos heróes encontrará, si não fizer como os soldados de Aniru, a alma brasileira vivendo e palpi- GP Aniru (i/r apagados) tando na sua obra como em um refugio inviolavel e sagrado. Senhores: Esta homenagem rendida a este distincto e glorioso bahiano, sincera como a alma da mocidade, simples na sua fórma, 200 grande e eloquente no seu fundo, é a expressão genuina do nosso amor e da nossa admiração áquelles que se destacam pelo trabalho e cuja vida é a synthetização do mais vivo, mais puro e mais nobre dos exemplos. Na luta empenhada contra a estreiteza do meio, o GP estreiteza (t/a apagados) 105 mercantilismo, o brilho dos triumphantes do dia, não se lhe entibia 205 a coragem, essa energia secreta que nos faz emprehender e supportar. Vae sosinho, a alma estrellada na Fé, purificada no crysol da GP crysol (r apagado) vontade, accesa na chamma fecundadora da Arte, vitalizada na idéa GP fecundadora (n apagado) sacrosanta do combate sem treguas, da luta sem armisticios. GP treguas (e apagado) 210 Sôa-lhe em torno o rugido surdo da Indifferença – apanagio das almas; a inveja, porque elle é um victorioso, o odio, porque elle GP elle é victorioso é um justo, espiam-no para os abocanhamentos, tentando rastrear- GP espiam-lhe lhe os passos, numa guerra de mocho que se revoltasse contra o condor, numa rebelião de sapo que apostrophasse a estrella. A essa 215 onda assoberbante e avassaladora oppõe o talento e o carater, e envereda intimorato, sem desalentos, com desassombros no olhar. Em cada trecho do caminho desbravado vem deixando um marco – pavilhão conquistador tremulando plantado no torreão de uma praça vencida. Esses marcos são a sua historia de Artista, onde se 220 vão sentindo a distensão cada vez mais larga de suas vistas, as GP distenção novas percuciencias, as fundas penetrações e as regiões ineditas de sua esthesia, que vão aflorando num luxuoso e soberano desabrochamento. col. b 225 A Nova Cruzada ha cinco annos vem rompendo esse adensado bravio de tormenta... Quanto esforço, quanta coragem para cavar na muralha sagrada o vexillo de uma Idéa!... E na hora amarga, sombria das cogitações, sentindo o descon- GP vexillo (e/i apagados) GP sombria, forto quasi assediar-nos a alma, seu nome tem sido o brado de incitamento e, sem que o saiba, seguimos banhados na grandeza edi230 ficante de seu exemplo, abençoando o seu trabalho e bemdizendo o seu valor e a sua fortaleza inamolgavel de stoico. GP estoico (s apagado) Coração aberto aos grandes sentimentos, caracter moldado no oiro puro de virtudes civicas e moraes, no livro – é o poeta, o narra- GP sem travessões dor, o romancista, o novellista; na imprensa – é o defensor estrenuo 235 das idéas liberaes, o republicano sincero, o amigo dos operarios lançando o seu contingentte para o alargamento de suas liberdades e de seus direitos delles. GP de seus direitos. 106 Tudo o que é, a si o deve, á sua persistencia, ao seu amor, ao seu trabalho, ao seu talento, á sua vontade. 240 Nos tempos que passam, em que são frequentes esses eclypses da alma, vencida pelo interesse, batida pelas paixões mesquinhas, rebolcada na ebriedade de gozos mentidos, faz bem, tonifica e reconforta, fortalece e encoraja contemplar os que passam assim acobertados na austeridade do caracter, na pureza diamantina dos senti- 245 mentos, na inviolabilidade do dever!... Senhores: – Os soldados romanos entoavam aos seus guerreiros os cantos triumphaes, quando estes entravam ás portas da cidade domadora do mundo com os loiros e os despojos opimos das campanhas vencidas. 250 Hoje cantamos ao glorioso patricio os cantos do triumpho... E, nesta hora, sentimos que a Bahia, envolta no manto resplandecente e excelso de suas glorias, com um grande sorriso de mãe coroavel pairando nos labios, olhando a geração que ha de amar e cultuar as tradições immortaes do seu Nome, segreda-nos, numa 255 ressureição de fé, as palavras do digno descendente do Patriarcha GP as palavras do Patriarcha da Independencia: Eu ainda sou a heroina herculea dos seios titanicos, que trazia do exilio as sombras dos desterrrados para corôal-os de luz... GP corôal-as 107 4.3.4 Chronica dos mortos 4.3.4.1 VERSÃO NC SALLES, Arthur de. Chronica dos Mortos. Nova Cruzada. Salvador, ano 10, n. 7, dez. de 1910, p.1-2. Texto em prosa, escrito à feição de necrológio, possui, originalmente, 144 linhas dispostas em duas colunas que ocupam duas páginas do fascículo. A primeira página traz ao centro uma foto de Damasceno Vieira, um dos poetas já falecidos homenageados na crônica. Sinais em forma de pequenas linhas onduladas e entrelaçadas, estabelecem a separação do texto em quatro partes: em cada uma delas, são tecidas considerações sobre um poeta já falecido, todos membros da Nova Cruzada: Raphael Leal, Bento Murilla, Damasceno Vieira e Souza Pinto. No final da segunda página, à direita, em itálico, a indicação da autoria do texto: Arthur de Salles. Após a mancha escrita, ilustração, com o desenho de uma palma. A Crônica é o texto de abertura do último fascículo publicado da revista, funcionando aqui também como um editorial, pois, exaltando as qualidades dos mortos, festeja ainda, de certa forma, os sucessos da Nova Cruzada. 4.3.4.2 Classificação estemática e escolha do texto de base. A versão NC, única de que se dispõe, serviu de base para a edição, com o seguinte estema: O NC edição. Fig. 4. Estema da edição de CHM306. 306 Dados importados da Dissertação de Mestrado (PEREIRA, Norma Suely. Um punhado de versos e páginas de prosa..., op cit.) 108 4.3.4.3 TEXTO CHRONICA DOS MORTOS col. a Quizeramos não fechar este ultimo numero da Revista com esta pagina rememorante de saudade e de evocações dolorosas. No nosso largo tirocinio, na nossa marcha não é a primeira vez que paramos 5 para encher de flores e de saudades a cruz de uma sepultura. Temos o nosso cemiterio e as nossas cruzes. Para elles, em certas horas de tristeza a nossa alma, romeiro [sic] dessas paragens melancolicas da morte, vae, piedosa e boa, rememorando, abençoando os que se foram, os que comnosco lutaram, combateram, amaram e soffreram, os que emquanto se agitaram no vortilhão da vida, ficaram gemendo, 10 mas ficaram sonhando, como diria o divino Paginario das Evocações. O primeiro dos que ultimamente cairam foi Raphael Leal, um dos mais enthusiastas fundadores da Nova Cruzada. Uma existencia de trinta e quatro annos abreviada pela miseria e pelo abandono. Foi a que mais nos cruciou o coração de companheiros. 15 Os outros lutaram, vieram rompendo caminhos asperos, abrindo clareiras matta cerrada da vida. *col. b Para estes ella foi uma “cruz *circumdada de rosas”307. Para Raphael as rosas que por ventura espontaram em risonhos botões, cedo cairam queimadas. Os espinhos somente ficaram vivos, circundando-a tenazmente. 20 A escassez dos meios, a luta ingente para levar aos filhos o pão de cada dia quebrantaram-lhe, pouco a pouco as energias do robusto organismo. Veio a molestia, prostou-o, exanime; e com ella fugiu do pobre tecto o derradeiro esforço que o sustentava. Raphael não mais se ergueu do leito. E na triste tarde de 26 de Julho de 1909 o inspirado prosador dos Selvagens descançava no seio bom e 25 piedoso da terra. ------------- 307 “A vida é uma cruz circumdada de rosas” – citação do Barão de Feuchtersleben, no seu livro Hygiene d’Alma. (Nova Cruzada.Salvador, ano 9, n. 6, p.1, jul.1909). 109 Bento Murilla308!.. A Bahia literaria conheceu este incansavel trabalhador. Poeta inteirado, prosador correcto, o nosso extincto deixou um não pequeno numero de obras ineditas, 30 reveladoras de sua cultura e do seu talento pujante. O estudo acurado do nosso folklore que elle de muito vinha fazendo e que infelizmente não teve a gloria de ver publicado, abrangia, nos seus ultimos tempos, uma bella parte da sua actividade. *col. a p. 2 Collaborador e fundador das principaes *revistas literarias da Bahia, o nome de Bento Murilla, nosso cavalheiro de honra, tornou-se um dos mais populares e um dos 35 mais queridos do nosso meio literario. -----------Damasceno Vieira309, tambem nosso cavalheiro de honra, cujo retrato illumina a primeira pagina desta Revista, foi o primeiro que nos veio ao encontro quando, vae por dez annos, surgimos na arena das letras. Deu-nos o brado de incitamento e bateu 40 palmas á nossa iniciativa. Pelos versos do soneto com que então nos saudou, o enthusiasmo do velho Artista das Albatrozes vibra forte e claro como um clarim de guerra. E desde então o nosso affecto por esse velho forte, por esse poeta delicado, por esse Artista nobre foi se intensando. A sua figura veneranda e bella, a sua palavra, 45 macia, inspirada e correta, davam ás nossas sessões solennes mais brilho e mais solennidade. É grande o escrinio do notavel poeta e prosador rio-grandense. Fora longo enunciar toda as suas obras, onde o estylo se conserva puro e sereno, onde a lingua brilha na sua pureza e frescura e onde a sua erudição se desdobra triumphante, já nas 50 308 suas paginas de polemica e de critica, já nas suas paginas de historiographia. Pseudôniumo de Manuel Joaquim de Sousa Brito (Bahia, 1860-1910), poeta, teatrólogo, diplomado em medicina, professor, um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia. Usou também o pseudônimo de Zé da Venta. Publicou: A bicharia (1898), 13 de Maio (1898), Lições de literatura (1906). (COUTINHO Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira, op. cit., s.v). 309 João Damasceno Vieira Fernandes (Porto Alegre 1850 – Salvador, 1910), poeta, teatrólogo, jornalista, historiador, patrono da Academia Riograndense de Letras, membro do IHG, colaborador de diversos periódicos. Publicou, entre outros, Uma história de amor (1876), Adelina (1880), Amália (1889), Castro Alves (1898), A flor do manacá (1900), Albatrozes (1908). (COUTINHO Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira, op. cit., s.v). 110 Poeta, ahi estão os seus sonetos lavorados, as suas poesias, os seus poemas. *col. b, p. 2 Que aquelles que o leem sintam e digam *a emoção que se goza no beber o lyrismo sadio e bom de suas estrophes esplendidas. O artista da Flor do Manacá nunca descreu da arte. Foi um forte. A sua vida 55 correu entre o trabalho honesto e o culto da Arte – culto sincero, fervoroso e bello que é a aureola fulgente e immorredoura que illuminará o seu Nome!... -----------Fechemos esta pagina triste e magoada com o nome querido de Souza Pinto. Foi um dos alegres e cheios de esperança que fundaram a Nova Cruzada. Era sua 60 alma apaixonada, enthusiastica do Bello. Desde os tempos academicos Souza Pinto começou a traçar paginas claras e versos sonoros. Terminado o brilhante tirocinio academico, o jovem bacharel foi levar a outras plagas o brilho do seu talento. No Paraná o moço não desmentiu a firmeza da nossa crença no seu esforço. 65 Infelizmente, a morte veio sustar-lhe a carreira brilhante, em Fevereiro deste anno, longe da terra natal, que, em suas cartas aos velhos companheiros, apparecia coroada de saudades e das mais doces recordações da mocidade sonhadora. A todos esses que a morte arrancou da nossa convivencia e do nosso carinho as bençãos do nosso affecto e da nossa bondade. 111 4.3.5 Discurso de recepção a Durval de Moraes 4.3.5.1 VERSÃO AN SALLES, Arthur de. Discurso de recepção a Durval de Moraes. Os Annaes. Salvador, ano 1, n. 7310, p.158-71, de outubro de 1911. O texto possui 559 linhas, dispostas entre as páginas 158 e 171, em uma coluna. Mancha escrita medindo 117 x100 mm na p. 158 e 168 x 100 mm nas p. 159-170. Na p. 171 a mancha escrita ocupa apenas 2 terços da página, medindo 93 x 100mm, havendo no terço final da página uma linha ondulada de 45 mm, na horizontal, seguida pelo desenho de um ramo de flores, indicando o término do texto. Na p.158, antecedendo o texto, indicação da finalidade bem como da data e local em que foi proferido o discurso: “Discurso De Recepção. Proferido por ocasião da Recepção solemne, promovida pela Sociedade de Letras e Artes “Nova Cruzada” ao seu Socio Effectivo Durval de Moraes – o maior Poeta da geração actual bahiana311 – na noite de 3 do corrente, no salão nobre do Lyceu de Artes e Officios, pelo brilhante poeta Arthur de Salles”. Uma grega separa esta breve introdução do início do texto. Nas L. 1-3, a saudação, à direita, em itálico: Ex.mas (mas sobrescrito) Senhoras: Meus Senhores: Caros confrades da Nova Cruzada: Na L. 4, o primeiro vocábulo está grafado em maiúsculas, sendo a inicial uma letra ornada P, que ocupa o espaço correspondente a três linhas: PARA. Algumas vezes o nome do poeta homenageado é grafado em maiúsculas: L. 39, p. 160; L. 26, 29 e 42, p. 166 e L.8, p. 167. O texto do exemplar consultado apresenta algumas interpolações manuscritas em tinta preta ou a lapis, com passagens riscadas e reescritas: na L.23 da p. 163, o segundo e de Inveje-os, está corrigido a lápis para o. Na p. 165, L.e, em sorver o s e o r iniciais foram riscados com tinta preta e à margem direita corrigiu-se para v/l.o traço colocado sobre a letra s, manchou a página anterior, fazendo parecer uma vírgula no final da L. 4. Ainda na p. 165, na citação do poema Valle das Sonoridades de Durval de Moraes, L.9, foi acrescentado um s final em sonoridade e na L. 28, um s final em cambaleio, escrito sobre outra letra; na L.29, em gargalhando, foram riscados 310 Há uma marca de dobradura no sentido vertical de todas as páginas do exemplar. Fascículo localizado no acervo do CEDIC. 311 Também na opinião de Almáquio Diniz, Durval de Moraes é o maior poeta baiano do período. Além da sua fecundidade e da originalidade da forma, o crítico destaca a sua força de pensamento e o fundo filosófico de sua poesia como características que o colocam como uma personalidade a parte no cenário das letras do Estado e até mesmo do país (DINIZ, Almachio. A cultura literária da Bahia contemporânea. op. cit., p. 42-45). 112 as letras a iniciais e corrigido à margem direita para o/o. Na página 166, continuando a citação, corrigiu-se na L.1, varêdas para verêdas, riscando o a e acrescentando o e sobrescrito e circulado; e a palavra cuspiando para cuspinhando, riscando o a e acrescentando a correção à margem esquerda, nha. Na p. 167, L.8, foi riscado o ponto de segmento após a palavra composições e acrescentando, à margem direita, o relativo que, criando uma oração subordinada. Na linha seguinte, foi acrescentado um acento grave à palavra garçoniere, sobre o penúltimo e. Finalmente, na p. 168, L.29, foi riscada a letra d em dos, corrigindo para a, à margem direita, modificando a preposição. Acredita-se que tais correções tenham sido feitas pelo neocruzado Antônio Vianna, a quem pertenceu a coleção consultada. Os intervalos no texto são marcados por três asteriscos: L. 10, p. 167; L. 15, p. 168; L. 18, p. 169; L. 23, p. 170 e L. 13, p. 171, e a fragmentação nas citações com linhas de pontos: L. 8, 12, p.160; L. 16, 18, 21, 28 e 29, p. 164; L.7, p. 165, L.12, p. 168, e L. 17, p. 169. O suporte encontra-se amarelado pelo tempo, bordas rasgadas e amassadas, que, porém, não comprometem a leitura. 4.3.5.2 Classificação estemática e escolha do texto de base. A versão AN, única312 de que se dispõe, serviu de base para a edição, com o seguinte estema: O AN edição Fig. 5. Estema da edição de DDM313. 312 O Diário de Noticias publicou parte da conclusão desse discurso. Ver nota 2, f. 13. Dados importados da Dissertação de Mestrado (PEREIRA, Norma Suely. Um punhado de versos e páginas de prosa..., op cit). 313 113 4.3.5.3 TEXTO [Discurso de Recepção. Proferido por ocasião da Recepção solemne, promovida pela Sociedade de Letras e Artes “Nova Cruzada” ao seu Socio Effectivo Durval de Moraes314 – o maior Poeta da geração actual bahiana – na noite de 3 do corrente, no salão nobre do Lyceu de Artes e Officios, pelo brilhante poeta Arthur de Salles] Ex.mas Senhoras Meus senhores: Caros Confrades da Nova Cruzada: Para os espiritos contemplativos que uma vez se afundaram nessa região 5 sombria do isolamento, ouvindo, no discurso monotono dos dias, o brado, o grito de suas proprias idéas, de seus proprios pensamentos, muita vez nascidos e mortos no ambito estreito em que se agitaram, sem se corporificarem, larvas que se não chrysalidaram, chrysalidas que não romperam o casulo, ganhando o mundo nas azas flammejantes da palavra, rugitando na estrophe ou vibrando na prosa, para esses o 10 encontro com aquelles de escol, a convivencia passageira entre irmãos do mesmo credo, distanciados pelas brutalidades tragicas da vida, são um bem que se não apaga, um consolo ineffavel, uma caricia que se crystalisa num mundo de emoções transfiguradoras, miraculosas, como se doces mãos bemditas que se estendessem, messianicas, pelo mar empolado da alma, asserenando-lhes o tempesteio, ou sobre o 15 coração, na hora gethsemanica, alevantando-o para o amor e para a fé. Não é que a solidão abafe, por inteiro, as energias do pensamento nem que estenda sobre elle o frio polar do desconforto, porque o Artista mesmo no tumultuo estuante da multidão é um solitario, essa voz de solus ex-anima, a vez e vez, lhe chega aos ouvidos da alma e elle sente, chega a palpar o vacuo que se lhe faz em 20 torno: não. Cremos que ella lhe imprime uma feição de fortaleza, arrebanha porções esparsas de vontade, fundindo-as num bloco inteiriço, abre-lhe os mundos da 314 Durval Borges de Morais (Maragogipe (BA) 1882 – Rio de Janeiro1948) Poeta que pertenceu ao grupo de Nova Cruzada, era diplomado em Química e Farmácia. Exerceu diversos cargos públicos. Sua poesia é simbolista e de fundo religioso. Publicou Sombra fecunda 1913, Lira franciscana 1921, Cheia de graça 1924, Rosas e o silêncio 1926, O poema de Anchieta 1929, Conquistador do infinito 1941, Solidão sonora 1943, além de obras inéditas de poesia e teatro. (COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira. op. cit..., 2001.s.v). 114 *p.159 concentração; e no in-pace dos seus silencios, na *tristeza dos seus retiros, que são, bem muitas vezes, os retiros de nossa tristeza, diluem-se os desejos rastejantes, expiram as ambições curtas, estratificam-se os 25 egoísmos reptantes, fossilisam-se as alegrias ephemeras. Não é uma renuncia á vida como a dos monges, a dos anachoretas enlapados nas covas dos montes, dilatando a alma pelo aniquillamento da carne: é uma hora forte de amor á vida, quando para lá levamos a fé na realisação de um ideal. De um lado a esperança, “sempre mais larga do que a vida”, como diria Sully Proudhome, sempre a dar ao cardo o purpuro das rosas, ao tojo o nevado dos lyrios, ás aguas mortas o murmurio dos regatos, e de outro lado, a visão prolongada para o Além, 30 vibrada pelo intenso tacteiar de mundos, ella se nos affigura um promontorio distendido largamente para um mar sem raias, de onde partirá um dia a nave guerreira que elle vae architectando, rostro numa attitude arrogante de porfiar com as procellas, velame pando, dando-se ao desafio dos pampeiros, o bojo blindado 35 fortemente em que cada taboa, cada cavilha vale uma revolta, um bocado de odio, uma porção de crença morta, de dor, de lagrimas até; e lá, no topo agulhante dos mastros, a flamula de guerra. E é levantar as ancoras e largar as velas e zarpar pelos desatados regougantes do deserto marinho. Então, a Odysséa começa a surgir nos lances magnificos e épicos. É na tosca phrase, na velha comparação, a imagem dos que no silêncio e no retiro vão 40 architectando o nome, forjando o verbo com que hão de conclamar ao mundo a sua fé, a sua alma. Tal se nos mostra hoje o Poeta que é o motivo de mais uma festa no seio da Nova Cruzada. Ha uns annos elle começou a rimar sonetos e poesias á luz já sem calor do 45 velho condoreirismo esgotado no forjar as decimas escachoantes, os alexandrinos indomados por entre os quaes, passavam as figuras homericas dos heroes redivivos e as figuras constelladas das datas nacionaes, quando nos decassylabos tremulos, estillando subjectivismos magoados, não se debruçavam as visões tristonhas das bem amadas como santas piedosas, rainhas com seus cortejos de estrellas e de auroras, como 50 deusas crueis, cegas e surdas áquelle desbordamento de amor embebido de lagrimas jamais choradas. Pagou também o seu tributo, mas á semelhança do viandante, quando dá com uma cruz na estrada, atirando-lhe um ramo novo e seguindo, assim elle depoz a sua lembrança [,] enxugou as lagrimas e partiu. * p. 160 55 São desse tempo entre outras poesias e sonetos, o *dialogo entre os dous genios: o da raça germanica e o da raça latina. 115 Dialogo por causa de Santos Dumont. O genio da Germania falla arrogante, blasphemo, orgulhoso: Tenho filhos inspirados, Tenho filhos geniaes. 60 ......................................................... A reforma é obra minha, A Imprensa, essa rainha, Faz minha gloria também. ......................................................... 65 Vê Klopstock, divino, Cantando um rutilo hymno Á vinda do bom Jesus. Vê Schiller, Werner e Goethe, Que da morte o styllete 70 Sentindo, pedia luz! Mas o insulto redobra, nos lábios do genio Germanico: Foste a mãe do Fanatismo E fizeste a Inquisição... E mais ainda: 75 Tens a grilheta de Roma Que te prende, que te doma... Eu sou livre pensador... Diante disto: Então das brumas horriveis 80 Um velho vulto se ergueu; Tinha os olhos terriveis E os braços de Briareu. Era o genio da raça latina que surgia para aniquillar o orgulho. E nomes rutilos passam e feitos refulgem. 85 Fui Petrarca, Cezar, Dante, O meu genio auri flamante Possue gloria, eterna luz ... Preguei nas selvas immensas, Nas selvas horridas, densas, 90 A religião de Jesus. 116 Durval de Moraes de longe nos foi acompanhando; e um dia num jornal da Capital apparece um soneto dedicado a um poeta da nova agremiação. Foi um alvoroço. *p. 161 Era novo, *as maiusculas resaltavam valorosas, affirmando as tendencias symbolicas do auctor. A partir dahi, não o perdemos de vista, nem elle se ficou no velho S. Gonçalo dos Campos, arrancando estrellas ou chorando amores á luz da lua. O verso 95 refundia-se, facetava-se, a mão já se ia afazendo ao retraço do contorno, o escopro ia bem na mão do novel estatuario. São desse tempo os alexandrinos fortes do Sonho do Tamborete e a porção de versos dos Poemetos e Odes: é o poeta revolucionario da Morte de D. João, quem lhe anda inspirando estrophes cheias de justiça e ide{i}ais315 100 de amor e de bondade. Por vezes, relampeia uma imagem nova, uma rima revolta, um hemistichio nervoso: é um mundo de originalidade na plastica e no fundo que se alvoroça, que reponta aqui, ali, como claridades esparsas de sol. E isto vae se accentuando, cresce o anceio de alargar o ambito de seu mundo pelo consultar intimo de suas próprias forças 105 intellectivas, desligando-se, a mais e mais, dos pendores, das inclinações a este ou aquelle processo, para integralisar-se, individualisar-se. Quando de novo voltou á Capital, deixando a paysagem do reconcavo, para a conquista de um diploma scientifico, trazia um punhado de versos novos, coloridos, bellos; e, uma noite, a Cruzada o recebeu entre enthusiasmos sinceros. 110 Estudante, dividiu a actividade entre os livros de sciencia e os versos, recluso voluntario sem as correrias e as abaladas da bohemia, a “ rosa de amor ensopada de vinho”, como diria um poeta. Era nos tempos das sessões calorosas e dos torneios. Cada um lia a sua pagina, entre applausos nervosos e quentes, e a sua foi sempre entre acclamações. 115 É doce recordar aquelle tempo, aquelle desabrochamento de idéas, aquelles brilhos de sentimentos, aquella profusão radiante de rimas, clareando o pobre salão de uma sociedade de artifices. O espirito, respirando aquella atmosphera illuminada de sonhos largos, vibrada por aquelles gestos amplos, dizendo alevantamentos e reivindicações, por aqulle timbre multisono, como as vozes da vida no infinito 120 desdobrar-se de seus aspectos, sentia que era bem e é ainda a existencia latejante e bella de uma epoca, de uma geração que irrompia para o triumpho, que era bem a 315 No periódico ideiais. 117 tradicção da alma bemdita da velha Athenas, reflorindo e continuando-se nas estrophes e nas paginas de arte de um punhado de moços, de anonymos, de solidarios no seu trabalho: 125 “ Solo col suo divin sogno infinito.” Aqui foi que sempre se amou a Patria e a serviu, não somente no pintar as suas *p.162 graças naturaes ou enaltecel-as, *no reproduzir e no contar as suas aguas, o arrojado de suas montanhas, a magestade de suas mattas, mas em amar o seu passado, em cultival-o no prestigio inapagado dos seus feitos. Aqui foi que o seu nome nunca 130 rolou, como moeda azinhavrada, sobre o balcão, na taberna das ambições, dos interesses de momento; aqui nunca foi elle, como nas missas satanicas, apunhalado sobre as aras da propria fé republicana. Durval de Moraes avultava entre nós, refulgindo a sua imaginação, agora em plena magnificencia. 135 Temp{l}os316 depois, a luta pela vida o levou para S. Bento das Lages, internou-o num laboratorio chimico, junto a um scientista profundo, hollandez, athletico, que amava Goethe e lamentava Nietz[s]che, e o único que se salvou daquella comedia da Escola Agricola. Alli, naquelle casarão sombrio, solitario, incomprehendido, revoltado, o poeta 140 abriu a alma para a natureza, prescutando-a, percebendo-lhe os primas, as feições e transportando-os para essas paginas esplendidas que formam as suas obras. Almas e Trasgos, esse livro que ha de annunciar á litteratura nacional uma poderosa organisação artistica, moldada na plastica suggestiva e original dos rythmos novos, surgiu quasi por inteiro no retiro de S. Bento. Passam por essas paginas, alentadas 145 por uma seiva abundante de emoções e sensações, odios, revoltas, segredos, vozes e gritos, anceios, symbolos extranhos, sonhos, duvidas, [sic] Tudo o que o cerca, o valle, a paysagem tristonha, o rio, o sino fanhoso da capellinha do antigo convento, o cão a ladrar pela longa noite morta, a bruma a cobrir com os véos fragillimos a paysagem matutina, vibra-o e esperitualisa-se [sic] em valores estheticos das mais 150 finas delicadezas ás mais graves cogitações. Lede o Valle das Sonoridades, onde o poeta, insulado na solidão, fica a escutar a voz da Eleita: [“]Horas a fio317, Como um doente que as torturas cale, 316 317 No periódico, templos. No peródico, não abre aspas. 118 155 Para escutar uma adorada falla, Mudo me torno, qual se perto fosses E a tua voz ouvisse e de escultal-a Julgasse inutil minha voz agreste.” No entanto, a paysagem é triste aos seus olhos; falta-lhe a elle, a alma: 160 *p.163 “Jamais vivi tão perto Da natureza e entanto, No eterno seio da Renovadora Sinto a mudez maldita do deserto E a feral solidão do Campo Santo. 165 Porque não vives aqui, Senhora, Interpretando as vozes da floresta, Dando amor ás estrellas E entendendo das aves a linguagem Porque eu pudesse lucido entendel-as ?... 170 Vem para que eu adore e sinta e estime, Atravez da tua alma As arvores em festa, A festa de plumagem, O aroma e a cor e o ceu, o rio e o vime! 175 Vem, divindade calma, Vem dar vida á paysagem.” O valle vibra no trino e no tatalamento das azas, o poeta ama, como nunca os passarinhos, inveja-os, na sua ventura, na humildade de seus amores: Nos solares dos ramos, 180 Á paz de sombra perfumada e pura, Invej{e}[o]-os318, porque nós, que nos amamos, Não vivemos no amor dessa ventura! Aos pares, Soffrendo unidos e cantando unidos, 185 Servindo o instincto, que lhes faz eternos O amor, e a forma, e os ninhos, e os cantares, 318 No periódico, inveje-os. 119 Multiplicando por milhões de invernos, Verões e primaveras, Os pares confundidos 190 Em sonhos e chimeras!... Penso em nós, que a torpesa De nossa sorte de existencia humana Esconde á Natureza soberana, Escarnecendo assim a Natureza! 195 Penso em nós, que sentimos Fome de affectos E sêde de ternuras, Que nos amando não nos possuimos, Que vivemos acima dos insectos 200 Sem vivermos em novas creaturas!... *p.164 Pensando em nós, sosinho, em teus suaves Olhos e nos meus olhos, minha amada, Sonho vêr nossa forma eternisada Como a forma futura dessas aves. 205 E o delirio me empolga e se me pinta Um quadro luminoso, Em que resurge minha vida extincta Para a vida do goso... Resplende o valle palpitante e flammeo... 210 Dentro do meu delirio Canta a seiva um doirado epithalamio No calice de um lirio... As arvores, que o sol de raios franja, São teu real cortejo 215 Atirando corolas aos teus passos ... .................................................................. Em tudo vibra um trinulo de beijo! ... ................................................................... 120 Coroada de flores de laranja... 220 Comprehendes os mysterios dos espaços!... ..................................................................... Beija-te um raio irriquieto e loiro... Ouves pulsar os corações dos montes E a terra te sorrir á mocidade ... 225 E entre os hymmos das aves e das fontes Para a victoria da perpetuidade Segue o noivado pelo valle de oiro!... .................................................................... .................................................................... 230 Quem me trouxe a visão?... A luz fremente?... O instincto ?... A alma ?... Não sei... não sei!...Supponho Fosses, nevoa da tarde!... E assim somente Nevoa, nevoa morreu na tarde o Sonho!... Então, no Valle, a solidão me espanta, 235 A solidão que trago e me devora !... Tudo fora de mim palpita e canta !... Tudo dentro de mim maldiz e chora ! Eis como ás tardes dos domingos, quando Dos domingos o sol se compadece, 240 Eu, que o poeta esqueci, fico sonhando ! *p. 165. *E Quando a noite sobre o valle desce, Atiro ás aves as barbaridades Do meu immenso desespero horrendo! Doudo, abatido, entre terrores, digo: 245 Não mais virei para sorver gemendo “A via dolorosa das saudades !...” ..................................................................... E agora mesmo, para estar comtigo 121 Estou no Valle das Sonoridade[s]319 ! 250 Lavorando menos o soneto, que no entanto o faz com segura mão, explica-se, define-se a sua visão de Artista no objectivar assumptos de mais distensão exigindo o poema, o poemeto, o dialogo, a poesia em que todos os metros apparecem, e os que elle creou, desdobrando-se, refugindo, alongando-se tão naturaes, tão flexiveis, tão sonoros que a idéa se nos apresenta mais empolgante, mais incisiva mais 255 dominadora. Esses rythmos novos! Ahi está o que escandalisará a reverenda critica indigena muito zelosa dos seus velhos t[i]t{i}ulos320 de “puissance des impuissants” do seu cortejo de porquês todavias e entretantos e porventuras. Mas a critica sem convenções sentirá nestes harmonia, sentimento, alma: O SINO 260 Sino azinhavrado, velho sino doudo, praguejando ao vento, Que o maldiz em vivos, sibilantes gritos de agonias vagas, Quer desperte o dia, quer o dia morra dentro do convento!... Pensaria um ébrio procurando ao vinho magistraes triagas, 265 Entre cambaleio[s], queixas e rugidos, e risadas feras, Quem te ouvisse á noite, como um cão á lua, gargalhando pragas... Porque gemes, sino?... Sino, porque choras?... Que desdita esperas?... Ha que tempo vives na galé da torre, como um condemnado?... E por ti passando vão chorando invernos, rindo primaveras!... 270 Quem te poz um dia junto da Capella como um namorado?... E risonho fôras, bimbalhando festas, sob o céu festivo, Velho sino doudo, praguejando ao vento, todo azinhavrado... 319 320 No periódico, Sonoridade, sem o s final. No periódico, ttiulos. 122 Sob as noites frias, aos subtis olhares do contemplativo, Entre largas azas funeraes de corvo, segues rente ao rio 275 Que se encolhe afflicto, dobres escutando, como um deus captivo. Pescadores fogem por ouvir-te as vozes, carrilhão sombrio, Porque vaes deixando maguas e desgraças sobre as aguas tredas, E, grasnando em bandos, garças brancas fogem de terror e frio!... *p.166 Outras noites passas (dizem camponezes) junto das v{a}[e]rêdas321... 280 E se alguem te segue fica logo presa de um fatal encanto, Vendo tuas vozes a chamal-o dentro das lagôas quêdas!... Ninguem passa á noite perto do convento...(Mesmo a legua e tanto – Dizem camponezes – póde achar-se o sino.)... que, se alguem passasse, Um fantasma vira como um velho frade penitente, em pranto, 285 Com um rosario immenso, chocalhando os ossos, sem mostrar a face... (Continúa a lenda.) Fogos fatuos sobem se enrolando ás cruzes, Zurzinando a treva, tal se um corpo de homem se chicoteasse!... Dizem mais: que chegam, occultando os rostos dentro dos capuzes, Almas penitentes a cravar no frade finas disciplinas, 290 Lentamente vindo, psalmeando rezas e trazendo luzes... Fora um pobre monge que negava as forças infernaes das sinas, E, no desespero de viver a vida natural do Instincto, Maldissera os sinos, em manhans geladas, ao tocar matinas. Bronze, pelos odios dos invernos bravos de azinhavre tinto, 295 Junto da Capella, cuspiando as horas desditosamente, Bem melhor te fôra, com teu sonho de oiro de ventura, extincto, Que ficares velho, miserando espectro do Passado Crente!... Durval de Moraes. 321 No periódico, varêdas. 123 A critica sem convenções dissemos. 300 E aqui está o que Santos Maia, numa pagina bella, nova e forte sobre a Franco Poetica, diz do nosso poeta: “Ao lado do Mario Pe{r}de[r]neiras322 figuraria brilhantemente se não se houvesse recolhido a um quasi ineditismo criminoso, um poeta bahiano, Durval de Moraes, que tive a felicidade de conhecer em meiados do anno passado, graças á 305 amabilidade do pintor Presciliano Silva. Durval, o que não é muito vulgar em nosso meio artistico, possue uma criteriosa cultura scientifica, especiali[s]ando-se323 na chimica, que estuda com amor e encara de um ponto de vista antes superior e philosophico do que pecuniário e pratico. 310 Dir-se-hia que desta cultura, lhe resulta o que se pode chamar a ruskinização da visão esthetica. Fundamentalmente lyrico, elle, por familiarizado com as eloquencias da linguagem atomica e com as architeturas da stereochimica, tornou-se (dir-se-hia que por um phenomeno de educação reflexa) um dos mais amestrados e 315 espontaneos virtuoses do metro, um dos mais habeis manejadores do rythmo e rimas que tenho ouvido. Em excellente artigo que publicou (junho 1909) no Diario da Bahia, Durval editava a sua profissão de fé, reduzia as formulas a sua habilidade de perfeito e *p. 167 320 habilissimo *jongleur do rythmo, dos variados rythmos que a sua complexidade emotiva lhe ensina. Vae desde o verso de 17, 16, 15 e 14 syllabas, que elle ondula, deforma, contorce, fracciona, com uma pericia singular, até o t{r}et[r]asyllabo324 galante, em que elle tece deliciosas filigramas lyricas. E deixou a mais decidida impressão de sympathia e admiração a leitura de suas 325 composições{.}[que]325 Durval fez para uma roda amiga reunida uma noite em minha garçoniere326. 322 No periódico Perdeneiras. No periódico, especialiando-se, sem o s. 324 No periódico, tretasyllabo. 323 124 * * * É numerosa a obra, e forte e nova, deste Artista de vinte e oito annos. Na prosa clara, nervosa e fina, vasou elle a Lucia Flora, tragedia em moldes 330 dannunzianos, de lances fortes e largos traços psychologicos, obra de gabinete, que não de theatro, e em cujas paginas passam e vibram figuras do nosso meio literario. No verso, porém, é que está o seu poder; é nesta modalidade esthetica que a sua individualidade surge e se desdobra triumphantemente: De Lembranças, Telilhas, Ao Acaso. 335 A Pedra é uma tragedia em versos, é a ancia de um Artista incomprehendido no seu sonho, que morre entre esplendores tropicaes, numa riba escarpada, tendo ao lado a mulher que o amou e que amou a sua obra, a mulher forte que odeia a pieddade e a misericordia. Ouvi este trecho de um dialogo, quando Julival sente o rugido da turba a 340 renegar-lhe o esforço bemdito, a corvejar em torno de suas paginas. Celina, a voz que redime e que alevanta, diz-lhe suavemente: Que nos importa que te negue o Mundo, Quando eu te adoro e creio no teu verso! Julival: 345 Não! É a piedade que esta phrase dita, Teu amor... vale o Universo. Celina, cruzando os braços orgulhosamente sobre os seios palpitantes: Piedade de ti? Fora maldita A compaixão que meu amor tivesse; 350 Meu amor não se fez para misericordia! Não ergo a um falso deus a minha préce, *p.168 Nem beijo os pés de idolo risivel! Odeio o plaino da concordia... Detesto o nivel!... 355 Adoro-te porque, teu ser amando, Amo quem vale meu amor! Se fosse Preciso ter piedade de quem ama, 325 326 O ponto, conforme aparece no periódico, deixa a segunda oração incompleta. Garçoniére sem acento; não fecha aspas. 125 Dar um sorriso amargamente doce, Raivosamente brando 360 De commiseração ao homem que proclamo O soberano de mim mesma, Preferira morrer........e vel-o morto!... ................................................................ A Piedade é uma lesma, 365 Babando o sapo do Desconforto! Plasmas, outro livro, são assumptos talhados em pequenas poesias: ironia fina e aguda, dolorisante ás vezes, relevos psychologicos, o homem, a vida, evocações, saudades, revoltas, tudo ahi se condensa nos rythmos novos dos Plasmas. Ouçamol-o numa pagina de saudade, recordando o Natal do torrão patricio: 370 Ingenuas tradições de minha terra, Que mal fiz eu por vos perder tão cêdo?... Presepios aromados a pitanga Com o Menino Jesus na mangedoura, Núsinho como um filho de mendigo, 375 Sorrindo aos bois pacificos de joelhos E {d}[a]os327 felizes zagaes ajoelhdos... Zazerinantes ruflos de pandeiros Dos bailes pastoris em que surgiam Venus em frente de Nossa Senhora 380 E Jesus Christo em face de Cupido... Lôas das velhas tremulas e brancas, E tyrannas dos negros das fazendas... Melancolicas violas tabaroas, Sob as azas nocturnas do silencio 385 Enchendo os campos de vetustas dores, Enchendo as almas de saudades vagas... Ó sinos da Matriz á meia noite, Ponteando o espaço de repiques de oiro, 327 No periódico, dos. 126 Chamando á prece os tabaréus ingenuos 390 De roupas curtas e botinas largas... *p.169 *Dias á beira-mar numa choupana De barro e palhas ante as ondas verdes, As velas brancas, as alventes garças E o sol da praia escurecendo as vistas 395 E escameando o dorso do oceano... Fructas e flores do Natal do Norte, Vazando o “cheiro do Natal” nos valles... Ó cajuadas do cair das tardes... Ó beijos leves sob os arvoredos... 400 Tende pena do pobre, ó castanholas, Que vos não ouve tatalando aos dedos Das pastorinhas que diziam lendas De amores gregos junto dos presepios, Como se a Natureza vingadora, 405 Morta por vinte seculos surgisse Para a gloria pagan do sonho helleno... ................................................................ * * * Para longe, saudades e lembranças... 410 Para longe, venturas enterradas... Não persigaes quem veio neste exilio, Como um terrivel beduino doudo, Procurar no Deserto da Esperança Um pedaço de pão e um gole de agua!... 415 E este de fina ironia dolorosa: Um mendigo escrevendo a outro mendigo: “Deus te conceda, amigo, Felizes Festas Bellos dias de risos no Anno Novo, 420 Radiantes de raros esplendores, Cheios das fortes illusões honestas De mais um filho que ha de 127 Constituir por certo O lucido conforto 425 De ultimo renovo Num velho tronco rebentando em flores, Como um thesouro para o céo aberto Mostrando as joias da Felicidade Ao Firmamento absorto.” 430 Em muito desses pequenos trechos encontrareis a genese, a cellula mater de grandes poemas, caso o poeta quizesse desdobrar. *p.170 Que o acoimem de prolixo os que na obra de arte buscam o leve, o gracil, a filigrana, o perfumado, o fugitivo, o inconsistente, os sonetilhos esvoaçantes, os villancicos e villancetes, sacudindo o pó multi-secular de suas rimas – revivescencia 435 tardia que nos desencanta as horas de viagem para esses tempos, quando as vamos beber na fonte pura, ainda mais bellas e mais claras pelo seu prestigio de remotas, – porque não no farão as almas anciosas de almas, sedentas de almas remordidas pelo espiculo do sonho, insoffridas por saberem de outras almas porque rumos andavam perdidas, porque infernos e porque ceus andaram, 440 Em que Calvarios se crucificaram, Em que Thabores se transfiguraram, que dizem da vida, do soffrimento, do amor, se elle é “o augusto Segredo justificando a vida”, se é uma palavra ôca e sem grandeza, se a vida é um bem ou se é um mal a vida. Esses acharão ahi, nessas paginas dos seus poemas, o sombrio dessas 445 interrogações, o torturado e afflictivo dessas idéas, desses pensamentos, dessas cogitações. Dahi a feição grave de sua obra, porque, sacudida desses abalos, porque convulsionada por esses terremotos, porque, surgida da dor e da natureza. * * 500 * Foi nesse retiro de S. Bento das Lages que o encontramos no trabalho dessas obras. Foi um trecho de existencia vivido intensamente, num commercio intimo de idéas, num estreitamento affectivo a que a Arte illuminava de luz que se não extinguirá jamais. Hellenisamos aquelle pedaço de terra, estendemos-lhe em cima da nudez 505 exsicada e brutal o manto do sonho pagão. O ermo floriu transfigurado na evocação da Hellade. 128 Os oiteiros escalvados [sic] cobriram-se de nomes sonoros. Era o Pentelico, o Helicon, o Parnaso, a aléa das Scismas, as Propyléas. A geographia complicava-se, ás vezes, entremeiada de nomes barbaros e adoçada por um toponymico biblico. 510 Era a Covadonga, a Turris Eburnea, o Valle das Sonoridades, era, emfim, o Signus, o rio calmo, sem escachôos ruidosos, mal-assombrado, á noute, de velas brancas que desciam lentas, na vasante, e, a quando e quando, se a lua o illuminava, vibrado da saudade, do desejo, do amor, que voavam, no silencio da hora morta, no tosco e tristonho da canção patricia dos barqueiros. 515*p.171 Aquelle devaneio ditavam-no a solidão e a soledade que nos envolviam, a revolta, o odio sagrado contra os que amaldiçoavam, a toda hora, a terra moça e bella e farta e generosa até á infantilidade, contra as covardias, a mentira, a empafia de mutilados; ditavam-no a duvida e o desconforto de certas horas em que nos abrigavamos nessa era de belleza, de graça, de vida radiante, quando sentiamos a fibra esvaecer na tortura 520 de não podermos gravar, eternisar um atomo de belleza, um grito de alma, uma porção de Sonho, na aza de uma Rima que voasse eterna, gemendo ou cantando não importava como! mas que dissesse a nossa passagem pela terra e pela vida. * * * Eis, meus senhores, o grande poeta que quizemos vagamente vos mostrar, e que 525 na hora presente, é a mais forte, a mais bella organisação artistica da Bahia e uma das mais originaes da literatura nacional. Quando toda a sua obra surgir, todas as almas sedentas de ideal, de sonho, de arte, sentirão que ella é uma perenne fonte de gozos e de inesgotavel frescura. E um gesto largo, nobre e triumphante de amor, surgirá de todas ellas para 530 aquelle que glorifica a sua terra, o seu tempo e a sua geração. 129 4.3.6 D Margarida Lopes de Almeida [Homenagem] 4.3.6.1 VERSÃO AT SALLES, Arthur de. D Margarida Lopes de Almeida [Homenagem]. A Tarde. Salvador, n. 5104328, Supplemento semanal – Letras, Artes. p.7, de 17/01/1925. Texto com 61 linhas impressas em tinta preta, lançadas em duas colunas, à esquerda da página329. Na L.1, o título: D Margarida Lopes de Almeida, em maiúsculas. Na L. 61, a indicação de autoria, Arthur de Salles, em maiúsculas e negrito. Na margem superior da página, o título geral: Margarida Lopes de Almeida – na Bahia – Saudações e folhas de album, seguida de foto da homenageada, no alto e ao centro da página, acompanhada da legenda: “Dirás que sim?...Dirás que não?...” Pose artistica de MARGARIDA LOPES DE ALMEIDA na Bahia. – Photo T. Dias. O suporte encontra-se manchado e amarelado pelo tempo, com marcas de dobraduras que, entretanto, não dificultam a leitura. 4.3.6.2 Classificação estemática e escolha do texto de base A versão AT, única de que se dispõe, serviu de base para a edição, com o seguinte estema: O AT edição Fig. 6. Estema da edição de MLA. 328 Versão localizada no acervo da Biblioteca do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Toda a página é dedicada à recitadora que esteve visitando a Bahia entre dezembro de 1924 e janeiro de 1925. Na festa de homenagem organizada no Instituto Histórico, em 13 de janeiro de 1925, Arthur de Salles foi orador oficial. Na oportunidade, falaram também outros poetas, a exemplo de Carlos Chiacchio, Álvaro Reis, Aloysio de Carvalho, Castro Rebello Filho, Roberto Correia, Godofredo Filho e Leoplodo Braga, além de muitos oradores, como Pinto de Carvalho, Anísio Teixeira, Octávio Simões, Nestor Duarte entre outros. 329 130 4.3.6.3 TEXTO D. Margarida Lopes de Almeida Aqui estão nas paginas deste livro330, numa recordação duradoura de vossa pasagem pela Bahia, as flores da espiritualidade desabrochadas ao influxo da vossa arte. A maravilha dos vossos gestos e atitudes ao encanto multicôr, multimodo e 5 multisono da vossa expressão, quando nos destes em momentos inolvidaveis, a vibração da alma dos homens e das cousas, quando nos destes a gozar, na gotta da agua de alguns instante[s] fugidios, a graça e a luz da Belleza. Das impressões que nos ficaram da [am]plitude desses instantes – clareira sonora e luminosa, aberta entre sombras crepusculares dos nossos desconsolos – 10 uma, sobre todas, nos domina. E foi como uma alvorada de velas pardas, florindo a monotonia de uma praia deserta... *Col. b É sua nesta hora perturbada da arte, *neste entrechocar de escolas e correntes, nesta ansia incontida, vacillante, amarga de cousas novas, nesta tentativa de relegação de todas as cousas do passado, a vossa destacada personalidade de artista 15 apparece, num relevo fulgido de ressurreições – força mantenedora, de equilbrio, a proclamar, victoriosa, a perpetuidade indestrutivel das cousas immortaes. Appareceis enquadrada no largo esplendor do verso de Rostand: Dans ce temps sans beauté seule encore [t]u mous [sic] restes... 20 E andaes, por estas terras americanas, levantando almas e corações saccudindo-nos com o fremito dos vossos gestos... ó reveladora das almas em seus momentos eternos de sonho, ó genio errante dos rythmos, ó portadora de harmonia e de belleza, nestes tempos sem belleza! 25 Por tudo isso – ó interprete dos sentimentos humanos! – todas as almas vos [s]audam. Por isso – artista – todas as cousas vos bemdizem: essas pedras seculares, esses zimborios, essas télas e esses marmores da velha cidade legendaria – toda a vida do passado, todas as vibrações de ideal esparsas, como um luar de gloria e de immortalidade, sobre essas collinas acolhedoras. 30 E dentro de nós, na nossa visão interior, ficará sempre, num prestigio evocador de mytho grego, um vulto de mulher derramando sob os ceus da Acropole 330 Trata-se de um álbum de poesias com capa de couro azul, com a seguinte inscrição em prata: MARGARIDA LOPES DE ALMEIDA – NA BAHIA – AUTÓGRAPHOS – DEZEMBRO DE 1924 – JANEIRO 1925 e que foi entregue à homenageada. 131 brasileira, á beira do golpho de cujas aguas sóbe o marulho das ondas e das lendas, o verbo miraculoso do Sonho, da Graça e da Belleza. Avé! 132 A saudação do sr. Arthur de Salles ao sr. Hermes Fontes331 4.3.7 4.3.7.1 Versão AT SALLES, Arthur de. A saudação do Sr. Arthur de Salles ao Sr. Hermes Fontes. A Tarde. Salvador, n. 5110332, Supplemento semanal – Letras, Artes, p.7, de 24/01/1925. Trata-se da reprodução do discurso de apresentação do poeta Hermes Fontes, proferido por Arthur de Salles. Texto impresso em duas colunas, em tinta preta, medindo 316 × 65mm a primeira coluna e 150 × 65mm a segunda. Após o título da seção, impresso em negrito: Poetas por poetas..., o título do texto: A saudação do Sr. Arthur de Salles ao Sr. Hermes Fontes, seguido da indicação de local e data do discurso, entre parênteses e em fonte de tamanho menor: (Na noite de 22, no Salão da Associação dos Empregados do Commercio). Logo abaixo uma foto do poeta Arthur de Salles, seguida do texto. À direita e ao centro da página, poesias do poeta homenageado, sob o título “Versos de Hermes Fontes”, trazendo ao centro uma foto do mesmo. O suporte encontra-se manchado e amarelado pelo tempo, com marcas de dobraduras que dificultam a leitura. 4.3.7.2 Classificação estemática e escolha do texto de base A versão A T, única de que se dispõe, serviu de base para a edição, com o seguinte estema: O AT edição Fig. 7. Estema da edição de SHF. 331 Hermes Fontes (Buquim (SE) 1888 – Rio de Janeiro 1930), jornalista, orador e poeta de relevo. Publicou, entre outros: Appoteoses (1908), Gênese (1913), Um mundo em chamas (1914), A lâmpada velada (1922), Poesias escolhidas (s.d.). (COUTINHO Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira, op. cit., s.v). 332 Versão localizada no acervo da Biblioteca do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. 133 4.3.7.3 TEXTO A Saudação do Sr. Arthur de Salles ao Sr. Hermes Fontes “Senhoras, Senhores, Poeta! 5 Eu vos apresento o poeta HERMES FONTES. E este nome, essa palavra só bastariam... Deveria ella só ficar cantando, como um dístico num frontão grego ou como um epigramma sonoro e florido ao mármore branco de u[m]a Stella votiva... Porque já vae tão ampla a trajectoria do Poeta, já sobrepairam tanto e se desdobram as suas asas por esses céus brasileiros, que é por demais sediça, aqui na Bahia, a apresentação do porta lyra das 10 Apotheoses. Valha-nos, no entanto, a velhacaria protocollar, uma vez que nos depara o ensejo de saudar um dos príncipes da poesia brasileira contemporanea, e ouvil-o nesta noite, que nos deverá ficar como uma pagina de commoção e belleza. Sim, de commoção e belleza... Pela obra de HERMES FONTES anda esse prestigio, esse poder, essa força de nos 15 comover. Essa magia de nos dar, num verso, um relance de belleza. Quem quer que lhe percorra as paginas todas, quem quer que lhe vá pedir instantes de vibração, horas de sonho ou de scisma... ahi encontrará, na complexidade de seus poemas, a fonte vária, onde se dessedente da sêde ideal. Não é uma Lyra monocordia, não é uma palheta de tintas monotonas, não é uma 20 musica gemendo surdinas ou queixas lunares, só: é um heptacordio de sons multiplos, uma palheta em que fremem cor e valores, musica de harmonia muitas vezes perturbante e perturbadora. É o sentimento, a tristeza, a tortura, a ansia a alma das cousas, em estremecimentos de volupia num cântico disperso. Não é somente uma Lyra deante da natureza, que lhe deu segredos do seu encanto, na gama de suas maravilhas: é uma Lyra 25 chamando almas, alliciando-as, repartindo com ellas o pão da belleza. Não caberia aqui, uma hora de louvor, neste ambiente desejoso do verbo novo do Poeta, assignalar, ao menos, os marcos deixados por esta alma viajeira do sonho. Basta apontal-os, como quem da riba marulhosa, aponte pharóes alumiando a incerteza das ondas e a imprecisão dos horizontes. – Aphotheoses, Gênese, Cyclo da Perfeição, Mundo em 30 Chammmas, Juízos Ephemeros, Miragem do Deserto, A Lampada Velada... Explosões de som, de luz, de cor; penumbras, suavidades, meios tons; vozes acariciadoras ou tumulto de 134 pensamentos, de sensações; perspectivas de mundos sonhados e inattingidos; fantasias leves, escoaçantes, seductoras, como um raio de sol brincando no crystal de uma taça... ............................................................................................................................................... 35 Mas em nenhum delles, talvez, subiu mais alto a alma do Artista, como quando appareceu, por ultimo, á luz de sua Lampada Velada. Os críticos rastrearão nesses rythmos tecidos de tristeza, de melancolia, de sonhos desfeitos, de desillusão lucida, no travo amargo das realidades – um momento, o seu momento culminante. Na ascenção, tocou o cimo. É o Thabor em que elle se transfigurou ou 40 ... se integra. Ahi, nesse cume, a que já não chegam ou mal chegam o eco das antigas correrias Col. b batalhadoras, o canglor das fanfarras incitadoras, o resôo das vozes gritando no *turbilhão, — o seu desejo, a sua febre, o seu orgulho, que é uma fortaleza, a sua gloria, 45 que é uma cathedral, tudo é serenidade, é paz, é quietação. E os rythmos que de lá descem vêem ungidos dos oleos santos de uma larga piedade envolvente, batidos de uma refulgência de bondade christã, tocados de um esplendor de perdão para todos os que não quizeram escutar o seu verbo ou que, escutando-o, lá se foram, avaros do bem que levavam e esquecidos da mão que o derramou: 50 Não sinto – nem rancor, nem odio, Quedo, emquanto o espolio entre elles se reparte. Nem choro – Sonhador, Mago ou Aédo – Vendo entre espurias mãos o aureo Estandarte! ......................................................................................................................................................... 55 Poeta. Em meio da Odysséa de uma Sombra, já á luz daquella Lampada, tiveste da Bahia uma visão longinqua e fugace, ao cair de um desses crepúsculos tropicaes, soberbos e ephemeros. E numa estrophe deixaste a paisagem fixada e um traço de alma surprehendido: O casario constellando a serra lembra, ainda mesmo a olhar de olhos atheus, 60 o presepio festivo com que a Terra engasta o berço do Menino-Deus. E, sob a bençam luminar do Espaço, no porto, em baixo, a terra-firme tem a configuração de um grande abraço 65 de acolhimento a todos os que vêm... E agora tens a Bahia a ouvir-te, acolhedora. Poeta, a Bahia te sauda. Bahia 22 de janeiro de 1925 Arthur de Salles. 135 4.3.8 A viola e a tirana 4.3.8.1 VERSÃO AT SALLES, Arthur de. A Viola e a Tirana. A Tarde. Salvador, ano 13, n. 5122333, Supplemento semanal – Letras, Artes. p.7, 07/fev./1925. Texto impresso em uma coluna, em tinta preta, medindo 425×65mm, ocupando quase toda a margem esquerda da página. Na L.1, o título: A Viola e a Tirana, seguido da indicação do conteúdo do texto, entre parênteses e em fonte de tamanho menor: (Allocução proferida em Santo Amaro, apresentando o folklorista Leonardo Motta). À direita encontram-se poesias de Hermes Fontes e textos de Caio Pedreiras e Antonio Vianna, além de uma pequena coluna intitulada Pensamentos soltos. No rodapé, completando a página, conclusão de um discurso de Ruy Barbosa, apresentado por Anatole France. O suporte encontra-se manchado e amarelado pelo tempo, com marcas de dobraduras que, entretanto, não dificultam a leitura. 4.3.8.2 Classificação estemática e escolha do texto de base A versão AT, única de que se dispõe, serviu de base para a edição, com o seguinte estema: O AT edição Fig. 8. Estema da edição de AVT. 333 Versão localizada no acervo da Biblioteca do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. 136 4.3.8.3 TEXTO A Viola e a Tirana [Allocução proferida em Santo Amaro, apresentando o folklorista Leonardo Motta334] Minhas senhoras, meus senhores: Vós já ouvistes falar, por certo, em Leonardo Motta, este cantor dos cantadores desses 5 rincões sertanejos do nordeste brasileiro, este homérida das glórias obscuras da gente tabarôa, este revelador da alma sertaneja nos arrancos épicos de sua vida e no lamento longo e ardente de sua poesia. Vistes passar nas páginas de seu livro uma porção de figuras: poetas broncos vates rudes, orgulhosos do seu mister de cantores, de aédos, de rhapsodos, gravando na redondilha 10 esvoaçante o concerto profundo, a tristeza fundamental da raça, a alegria fugitiva, a saudade perenne de não sei que região, a queixa longa do desejo e o gesto heroico do ultimo recontro. A missão que este moço se impoz tem o brilho magnífico de um poema, tem a belleza heroica de um sacrificio, tem o fulgor de um apostolado! Como aquelles velhos cantores gregos que iam derramando pelas terras douradas da graça, de cidade em cidade, de ilha em 15 ilha, os hexametros de Homero, ou como os troveiros medievaes, alvoroçando os castellos com a narrativa das façanhas do rei Arthur e os esplendores guerreiros do cyclo carlovingio, assim Leonardo Motta se foi, sertões a dentro, surprehender a vida e a alma desses homens rudes da vaquejada e do cangaço. E trouxe para o encanto de nossos ouvidos, para os extremecimentos de nossa surpresa, para o silencio das nossas cogitações a alma em flor 20 desses sertões e o sertão em flor dessas almas... E uma Illiada, uma Odysséa rebentam dolorosas e amargas, heróicas e simples, dessa farta messe de versos da simplicidade envolvente dessas redondilhas, ás vezes de uma belleza tragica como a das aldeias esbarronadas pelo flagello das seccas, ás vezes de uma belleza cantante de água sorridente de arvores, quando o sertão resplandece na manhã rebentada ao sol dos eitos, aza sedenta. É o que ides ouvir, é o que sentireis, é o que palpitará neste ambiente: a vida e a alma 25 da gente sertaneja, na vibração larga de seus estados emotivos, na rijeza de aço de suas energias Moraes, na onda revolta e sangrenta de um gesto desfeito, muita vez na espumarada branca de uma tirana. O portuguez tem a guitarra e o fadinho. A alma sonhadora da gente que descobriu 334 Leonardo Mota (1891-1948), escritor cearense, folclorista, professor, bacharel em Direito. Publicou Cantadores (1921), Violeiros do norte (1925), Sertão alegre (1928), No tempo de Lampião (1930), Prosa vadia (1932) e Adagiario (póstumo). (COUTINHO Afrânio; SOUSA, J. Galante (Dir.). Enciclopédia de Literatura Brasileira, op. cit., s.v). 137 30 mundos debruça-se sobre o instrumento e canta. O canto resumbra de oceanos longinquos e de caravellas perdidas em fundos sombrios de horizontes. O trinado da guitarra portugueza recorda a saudade dos marinheiros guardando lagrimas no concavo das vagas. É um soluço [s]ecular illuminado de glorias e de immortalidades... O sertanejo tem a viola e a tirana335. Viola que não atravessou mares desconhecidos, 35 tirana que é uma flor dorida de espuma dos mares do coração. A viola é a alma solitaria das cousas, travada do sofrimento da terra e amargurada do esquecimento dos homens, voz profunda da vida, multipla como a dor e eterna como a belleza. A tyrana sedenta voejando ansiosa no circulo de um horizonte abrasado. Eu não sei meus senhores, si é a viola que vae acordar na gruta silenciosa do coração a 40 aza adormecida da tirana, ou si é a tirana que faz borbulhar esta agua tremula e soluçante, doce como um conforto, piedosa como um apaziguamento, divina como a voz da Esperança na fragoa de um desespero... Que seria do sertanejo sem a viola? Si ella morresse, si as cordas soltassem como pedaços do coração, si a sua voz emmudecesse com o ultimo clamor da terra e da vida, a 45 tirana morreria, por certo, ou correria louca pelos descampados e taboleiros, ultima sobrevivente do naufragio de um mundo. É o que Leonardo Motta vos vae dizer: a vida sertaneja, illuminada por esse dialogo eterno e sempre novo entre a viola e a tirana. E nisso está a gloria immarcessivel deste homérida da cousas brasileiras, deste que vos vae falar dos poetas maravilhosos – Leonidas de 50 rifle e cartucheira – de alma de sol e coração de luar, esquecidos por quatro secullos de civilização! Arthur de Salles. 335 Tiranas são composições poéticas populares que têm como característica predominante a melancolia. Eram cantadas por boiadeiros, lavradores, garimpeiros, sertanejos de modo geral, que além das quadras das tiranas, também compunham sambas e cocos para os sapateados e repinicados de suas festas nos terreiros. DINIZ, Almachio. A cultura literária da Bahia contemporânea, op. cit. p. 33-35. 138 4.3.9 Fragmento do discurso do Academico Arthur de Salles336 4.3.9.1 VERSÃO RALB SALLES, Arthur de. Discurso do Academico Arthur de Salles. Revista da Academia de Letras da Bahia. Salvador, ano 2, v. 2, n. 2-3337, p.37-42, jun.-dez. de 1931. O texto possui 169 linhas, distribuídas em uma coluna, impressas em 6 páginas, em tinta preta. Na primeira página, o texto ocupa os dois terços inferiores, com mancha escrita de 112 × 101 mm. As páginas 38 a 41, possuem mancha escrita de 164 ×101 mm, cada uma. Na página 42 o texto finaliza-se em 4 linhas cuja mancha escrita é de 20 ×101 mm. Na p. 37, antecedendo o texto, indicação de autoria, em caracteres maiores que os do corpo do texto: Resumo do Discurso de Academico Arthur de Salles. Na L.3 da p. 38, uma linha de pontos marca uma fragmentação do texto. Na L. 2 da p. 38, está apagada a letra c em coroamos, o mesmo ocorrendo com a letra e de estranha, L. 21. Na mesma linha, grafadas unidas as palavras ha de. Também unidas estão minhalma, na citação, L. 33, p.41 e afé, L. 2, p. 42. Na p. 42, para além da mancha escrita, ao centro, um sinal indicativo de término do texto, composto por dois fragmentos de reta, no sentido horizontal, unidos por um ponto central. 4.3.9.2 Classificação estemática e escolha do texto de base. A versão RALB, única de que se dispõe, serviu de base para a edição, com o seguinte estema: O RALB edição Fig. 9. Estema da edição de FRD338. 336 Fragmento do aplaudido discurso proferido, em recepção a Affonso de Castro Rebello Filho na ALB, posse oficial ocorrida na noite de 14 de janeiro de 1930, no Paço Municipal. (A POSSE solene de um poeta de raça. O Imparcial, Salvador, n. 3440, p.1, 15/01/1930). 337 Exemplar consultado no acervo da BPEB. 338 Dados importados da Dissertação de Mestrado (PEREIRA, Norma Suely. Um punhado de versos e páginas de prosa..., op cit.) 139 4.3.9.3 TEXTO [Fragmento do Discurso do Academico Arthur de Salles] Dissestes bem, meu novo e eminente confrade, do gesto bom desta Academia que vos acolheu no seu seio: como justiça que lhe andava a cair das mãos e não como recompensa dos vinte annos de vida sonora com que enaltecestes o vosso nome, a vossa terra e a vossa geração. Ella sim, a Academia, que ficou recompensada deste 5 mister, deste labor de sustentardes na velha cidade, assentada sobre as suas montanhas legendarias, a chamma perenne da intelligencia, do sonho e da belleza, como aquellas vestaes romanas, vigilantes do fogo sagrado nos altares do templo do Povo dominador. Foi vossa modestia, refugindo sempre ao chamado de vossos amigos que 10 demorou vossa entrada neste gremio onde nunca fostes estranho. Um dos seus patronos tem o vosso nome e é de vossa linhagem: aquelle soberbo poeta dos Louros e Myrtos339 que, poderiamos chamar, no conceito do Sr. Afranio Peixoto, de castrida, talvez do ultimo castrida, cuja imaginação foi, como elle o disse de Carlos Gomes, esplendida effusão da natureza em festa 15 transbordamento azul do americano céo e cuja lyra, como um sol poente, despediu sobre a terra brasileira os ultimos fulgores do romantismo, os derradeiros flamejamentos do condoreirismo. E se me é dado evocar, se é dado crer na presença invisivel dos que estão nessa *p.38 20 região do Alem, creio que o espirito do poeta *da Orientalis Visio340 aqui está risonho e feliz nesta hora em que vos [c]oroamos341 com as rosas dos vossos versos. ...................................................................................................................... Fizestes passar diante dos nossos olhos as figuras dos grandes poetas, de Homero, o poeta das heroicidades, a Shak[e]speare, o poeta do coração e da alma, de modo que esta sala se encheu da luz e do esplendor desses pharóes eternos. 25 Dissestes tanto da poesia, do seu poder, da sua força fecunda entre os homens e os povos que ainda estamos a sorver o vinho da belleza e da graça e a rever, na phrase desses philosophos e desses poetas, perquiridores da verdade, escaphandristas do 339 Refere-se ao poeta Castro Rebello Junior. Soneto do Dr João Baptista de Castro Rebello Junior (1853 –1912) – insígne poeta, jurista e jornalista baiano, autor dos livros Louros e Myrthos, Poema do Lar, Livro de um Anjo e Ardentias. (HOMENAGEM da Revista “Os Annaes”. Os Annaes, ano 3, n.2, p. 33, mai. 1913). 341 No periódico, a letra c está apagada. 340 140 sentimento, os vossos proprios anceios, a vossa propria alma e a vossa propria terra. Fizestes assim, sem que o quizesseis, pensar na vida espiritual do Brasil, neste dominio 30 da poesia, em que elle tem de affirmar a sua individualidade no convivio universal, como já projecta victoriosamente a sua sombra no seio das assembléas politicas e scientificas do mundo. Se as nossas forças economicas se intensificam dia a dia, se a natureza se desentranha a toda hora em novas fontes de riqueza, se as nossas tradições de heroísmo não se desdouram, nem se apoucam do brilho antigo nos campos de 35 batalha, em terra [e]stranha, como ha de a Poesia, crescer, crear, subir, sem a seiva latejante da terra, sem reflectir nos seus rythmos a alma dos homens e das cousas, sem espelhar na trama dos seus poemas esse cunho, essa expressão propria, que girando no concerto universal, não se confundem, não se perdem, antes fallam alto, num relevo vivo de realidade paupavel ? 40 Ella, porém, nos apparece, ás vezes, como uma flôr vinda de um paiz frio, abrindo as petalas medrosas ao sol esbrazeante dos tropicos, como assombrada da luz, como fugidiça do rumor das florestas, como espantada do rullo das cachoeiras, como espavorida do tróo dos rios e do marulho desta faixa do Atlantico onde dorme Moema, que encheu o berço da terra com o perfume perenne da lenda. 45 No entanto, em nenhum paiz do mundo a poesia brota com tanta maravilha e tanto esplendor. Em nenhum paiz da terra o alcandorado da epopéa se casa ao intenso do drama, ao sombrio da tragedia e ás delicadezas infinitas e diaphanas do lyrismo. Em nenhum *p. 39 50 trecho do planeta *ha maior somma de ineditismo, de rythmos ineditos, de vida inedita, themas e cousas ahi estão na tortura do ineditismo, palpitando pelo momento luminoso e creador da libertação. Almas e cousas ahi estão como a floresta á espera do bandeirante que a desvende, como o ouro escondido, á espera do garimpeiro que o apresente ao mundo para embevecer os olhares do mundo. 55 Conheceis o Yrapurú, rouxinol das paludes da região amazonica, assombro do sabio, maravilha onde os rios tacteiam na ansia de estabilidade e a terra nos apparece mais formidavel nos periodos euclydeanos. Elle é o Ariel daquelle mundo luminoso e tenebroso. É manhã. A floresta canta, ruje, gorgeia, trilla, arrulha, pipila, assovia, gurincha, trina, crocita, esvoaça, rufla, guaya, esplendece e tatala{s}, rumoreja e 60 crespuscula. Subito o Yrapurú põe-se a cantar. E o silencio se faz. A corruira cessa o galreio na ramaria rasteira. O gavião para o grito na extrema da sicupira secular. Como que os 141 repteis detêm o rastejamento ondulante. E o canto sobe, cresce ante a passarada espectante, amplia-se, toma conta da floresta e vae-se enroscando, como invisivel 65 sipoal [sic] sonoro, pelos troncos, e rebentando lá em cima, nas comas, como uma flor agreste de sons, e descendo e fluctuando, como outra estranha rosa que a Yara deixasse cair das tranças verdes na sua fuga apressada para o seu palacio. Essa ave é bem o symbolo da poesia brasileira. Cantar assim, com um cantar differente, de modo que os outros cantores silenciem para ouvil-a cantar. 70 Sentiu-a o poeta maravilhoso em cuja cadeira vos assentaes. Em versos francezes Pethion de Villar universalizou a Yara e aquella Tulipa Negra em versos de quatorze syllabas, de um rythmo estranho, poderoso e bello. Na hora presente em que a volta ás cousas nacionaes anda inspirando rythmos novos a uma pleiade de poetas, estes dous sonetos ficam dominando pela expressão e 75 pela brasilidade. Vós a sentistes tambem. Atravez das notas quentes do vosso lyrismo, dos sonetos parnasianos em que ainda surgem nymphas e deuses, ha muito dormidos nos sepulchros frios, salta clara e viva a nota brasileira. O verso tem um novo brilho. As rimas têm *p.40 80 *irrequietismos passaraes. A natureza vem a nós com os seus encantos, suas graças, sua vida selvagem, suas proprias tristezas fecundas. Deixae que eu delicie os vossos confrades e este auditorio com a vossa poesia. CARDO Em pleno agreste do sertão adusto. Abraza o sol. É tudo ermo e silente, 85 Turva, a pupilla deslumbrada, a custo Descobre o trilho no estendal candente. Freme, estua, referve o atroz ambiente ... No ardor da sêde, resequido arbusto Os braços ergue ao ceo surdo, inclemente, 90 Agua implorando para o chão combusto. Desdobram-se sem fim planicies rasas Em taboleiros aridos, maninhos ... Não soam cantos, não palpitam asas. 142 E em meio a toda a natureza exangue O cardo mostra, roto dos espinhos, 95 O rubro coração vertendo sangue. Agora já não é a visão da terra abrazada, já não é o martyrio da terra exsicada gritando a sua dôr pela bocca muda de uma flôr: é a visão da terra selvagem, bella e rude, das tabas e das poracês. É o Ypê, symbolo verde e ouro da terra. Que insolito rumor! Findae este descante. 100 Em meio á solidão dorme o ip é [sic] secular. Mudam-se as flores de ouro em prata rutilante Á claridade fria e saudosa do luar. Dorme e, em sonhos, revê e passado distante: A tribu prosternada e supplice a invocar 105 Pela voz dos pagés, em extase adorante, Do iracundo Tupan a bençam tutelar, *p.41 *E se a noute é de inverno e, de subito, forte Das montanhas rolando, o temporal do norte 110 A floresta sacode, o solitario ipé Cuida ouvir no fragor da selva que braceja A pocema da guerra, o clamor da peleja, Os rugidos da inubia e os silvos do boré Ora esse cardo, desabotoando sangrento no taboleiro sertanejo, esse ipê frondejando 115 ao vento, tem mais vida e são mais bellos do que as faias zingarreadas das cigarras vergilianas, do que os alamos pelos valles da Arcadia e os platanos á beira do Illisus. Em todo o vosso livro ha um largo sopro sadio de poesia brasileira. Nos versos da Terra Natal, da Palmeira e outros tantos affirmaes o vosso sentimento brasileiro. No hymno á Terra Natal ha um fervor de brasilidade esvoaçando pelos 120 alexandrinos. Brasilidade! Ella anda ahi malbaratada por uns tantos poetas desvairados que abandonando a rima e o metro não buscaram, dentro dos rythmos novos, 143 surprehender as bellezas da terra e a alma da gente. Escolas, credos e cenaculos que nada edificam, desfazendo em prosaismos incolores o que já vem estuando na alma ansiosa de um punhado de moços. Brasilidade! Ella está ahi a pedir as nossas horas de 125 inspiração, os nossos instantes de sonho, os nossos desejos de reconquista. Sim. Reconquistar o que se perdeu. Sacudir da nossa alma essa poesia revelha de deuses mortos, de paisagens gregas e de guerreiros romanos. E porque trazeis bem largo este sentimento e bem forte e alta a vibração da vossa lyra é que esta casa, attenta ao renovamento da poesia nacional, vos envia os seus 130 saudares. No vosso poema Ascenção dizeis em uma estrophe. Em assomos viris meu ser transborda De nova seiva e de soberbo alento; E minhalma resôa, corda a corda, Qual bronzea lyra que tangesse o vento! *p.42 135 *É esta seiva nova, é este resôo largo da vossa alma que nos dão a fé num lidador intimorato na luta pela ascenção cada vez mais alta da poesia brasileira. Sêde benvindo. 144 4.3.10 Carta a Durval de Moraes 4.3.10.1 Indicação do documento: SALLES, Arthur de. PR-EP-CO-OM-064:0288-XE06/JM342. Salvador, 25, 26.06.1913. Texto manuscrito, com 150 linhas, distribuídas em 6 fólios numerados, com a seguinte disposição por fólios: f. 1, 24 linhas; f. 2, 26 linhas, f. 3, 26 linhas, f. 4, 25 linhas, f. 5, 25 linhas, f. 6, 24 linhas. A numeração é lançada com algarismos arábicos, sublinhados (exceto o fólio 4), no ângulo superior esquerdo dos fólios 2, 3 e 4; e ao centro da margem superior nos fólios 5, 6. Nos fólios 2, na margem superior, e 4, na L. 9, separa o texto em partes com um x. Escrita lançada com tinta preta no recto de papel de carta, pautado, dobrado em quatro; com manchas de tinta provocadas pela pena. No primeiro fólio, L. 1, a indicação do destinatário: Durval. Nas L. 22-24 do último fólio, as fórmulas finais da correspondência, com indicação de autoria na L. 23, Teu Salles e, local e data na L. 24: Bahia – 25 e 26 de Junho de 913. Trata-se de um documento pertencente ao epistolário do autor, em que este faz uma resenha do livro de versos Sombra fecunda, de autoria do poeta Durval de Moraes, destinatário da correspondência. 4.3.10.2 Classificação estemática: O manuscrito catalogado como PR-EP-CO-OM-064:0288-XE-06/JM, serviu de base para a edição, com o seguinte estema: O edição Fig. 10. Estema da edição da carta Doc. 064:0288 342 A descrição, assim como a transcrição desse documento foram feitas a partir de leitura anterior feita por Célia Marques Telles, em 30/05/2001. Para a realização da presente edição não se teve acesso ao documento original, trabalhando-se apenas com documento xerocopiado. 145 4.3.10.3 TEXTO (Transcrição Paleográfica): 1 Durval: Desce, numa suavidade mystica, risonhamente magoada, este crespuculo de Junho; as derradeiras claridades pallidas, diluencias do ouro triste do poente esparzidas pelo 5 casario confuso do bairro, entrava pelo salão silencioso onde ha largas horas já, folheio as paginas amadas do Sombra Fecunda. Á doce evocativa emoção da hora vesperal, abrindo aos contemplativos os fundos momentos graves e solemnes, as mais affastadas sombras do Passado, casa-se á profunda emoção do 10 livro folheado que, a cada pagina voltada e lida, abre uma porta que dá para um mundo onde a minhalma vive, por onde onde rasurado ha longos dias, desde a manhã de Maio, anda feliz, transfigurada e gloriosa, vivendo a vida magnifica e sonhando os sonhos immortaes. Maio veio assim <†>, sulcando lar15 go e fundo a alma e a vida de duas eternas emoções: A Sombra Fecunda e o meu Noivado. E hoje, o espirito mais em calma, o dia primeiro da minha volta á tenda augusta do Sonho, dediquei-me inteiramente a ti, reservei para este colloquio com a tualma, sempre bella, 20 sempre para mim de raro encanto e de intensa vida illuminada e fecunda – a grande fonte que o Destino abriu no meu Sahara por que não estallassem na febre das sêdes tenebrosas os <meu> labios da minhalma, humilde mas revoltada, presa ao fio tortutante de ideaes, de sonhos e de immortalidades. 2 2 x O mundo das lettras já deve estar de posse do teu livro e tambem dos sentimentos e idéas do teu livro. Resultará da leitura, 5 se feita intelligentemente, sem os preconceitos dos dogmatismos ambientes, um pensamento todo novo, unico da litteratura nacional. Salteia logo, á primeira vista, a maneira N manchado 146 dos versos, exquisita, gerando rythmos novos e em os quaes versos vão se materialisando os teus estados emocionaes. 10 E o artista, o critico, têm diante de si uma dessas organisações revoltadas que quebram, não por um simples capricho ou por um desejo de novidades e bizarrias, de modismos futeis, mas por uma necessidade imperiosa do seu tempera- necessidade rasurado mento, por uma ancia incontida de sua visão, as normas 15 e as formulas estatuidas; vê, se aprofundas o pensamento Dominante na obra, que é uma fatalidade a que não pode fugir a tua esthesia. E sendo assim, a idea, o sentimento, toda a vida do Sonho, só se integralisariam dentro desses rythmos ou só poderiam attingir ao pino de sua vibração pela 20 escada desses rythmos. A poesia, como a alma, evolue. A cada passo, a cada etapa, a cada assisa[?] que o homem vence nessa eterna perquirição da vida e da morte, [ † ] mais um horizonte se desdobra, mais um aspecto se descubra, mais uma perspectiva 25 se dilata; e o Poeta o mais batido desse [sic] desejos insaciaveis o que mais alto falla a esses mysterios, o que mais fundo sente 3 3 a dor e a tristeza dessa eterna mudez das cousas eternas, elle o interprete <desses> de todos os gritos de almas, vae no incessante rastrear desses caminhos, creando novas linguagens para expri5 mir o seu sonho, novos rythmos para cantar a sua própria dor a sua propria tristeza, vae recebendo das proprias cousas que o cercam novas interpretações, verbos novos que se plas que manchado mam nos seus poemas. E essas visões que se plasmam, esses sonhos que se corporisam 10 e esses gritos, essas idéas, esses pensamentos que se humanisam no verbo, ficam eternos, incorruptiveis e amados “sob as azas do tempo” não porque se modelassem por este ou aquelle principio, não porque obedecesse a esta ou aquella porque rasurado 147 formula, mas porque deram aos homens, ás outras [↑almas] uma porção 15 almas sobrescrito de Belleza, mas porque deram ás outras almas o apasiguamento de sua dor ou mesmo uma intensidade maior a uma dor, a um sonho, a uma ancia. Como, <†> será possivel que toda a emoção de uma alma caiba dentro de um alexandrino ou que <um> o alexandrino seja o ultimo 20 um riscado estadio a que possa chegar um pensamento, uma idéa, a morte de um lyrio ou o desabamento de um imperio?. Visão errada da Arte reduzida ao pesado, ao contado ao medido ou a lei do “não passeis daqui:” O conhecimento physico do mundo alargou-se: o telescópio devas- 25 sou o ceo, a terra percebida nos seos extremos, o mar pulsado nos seus reconditos, a vida rastreada nas suas intimas vibra- 4 4 ções. E a essa delatação nos circulos da vida a essa constante percepção de verdades no grande Cosmos, ha de a Poesia ficar muda e cega, ha de ficar á sombra do seu salgueiro, nova 5 Ophelia, cantando a sua canção de morte e de tristura! Toda [sic] essas revelações não lhe bateram nalma. Não lhe deram uma mais larga visão da vida, não lhe accordaram novos sonhos, não lhe geraram novas energias, não lhe augmentara[↓m] o numero das azas para voar mais longe? 10 x É o que triumpha nas tuas paginas. O teu poder de evocador da Belleza, a tua visão funda e larga da vida, teus sonhos, funda rasurado teus gritos, tuas ancias de solitario e de triste, teu espirito livre, revoltado, livre diante da vida e da natureza para 15 melhor perceber os seus aspectos, para melhor beber o vinho amargo e doce, <para melhor>, toda a magnifica floração de tua alma – tudo ahi está: em versos tensos fortes, novos, em rythmos que os olhos e os ouvidos e a alma bebem, sentem, com um encanto raro e com uma emoção para melhor riscado 148 20 nobre. Todos os gestos heroicos de tualma estão ahi nas tuas paginas, limpidos, transparentes, e por ellas, <†> alléas claras e perfumadas, vae<†>/−\se até ao confin [sic] dos teus sentimentos, vence-se, etapa a etapa, a trajectoria de tua Esthetica. Esses rythmos que a critica espartilhada e grotesca 25 dos áridos, dos saharicos, talvez refulte [sic] por incomprenhensiveis [sic] 5 sem pontuação 5 são o que de mais suggestivo, de mais bello tem a poesia brasileira. Não é uma imitação dos poetas francezes nas suas variadas modalidades <poeticas>, de expressão. O verso livre 5 triumphando em grande numero delles, foi por ti percebido e o fizeste sem outro sentimento que o teu, sem outra escola que a tua propria maneira de projetar em toda a tua obra a tua radiosa individu[a]llidade. Os teus rythmos confirmam essa ancia de individualisa- 10 ção: vão allem do verso livre, é o verso durvaliano, original comportando uma variedade de rythmos, cujo encadeiamento produz essa poesia magnifica, esse vehiculo em que deixas correr livre, poderosa, a tua Flamma. Bemditos os que não soffreiam os impetos generosos de 15 sualma com o receio covarde de offender as normas tradiccionaes de uma escola, de uma seita, abafando os seus vôos, affogando a sua visão propria, destruindo no silencio criminoso a força creadora, como um condor que voluntariamente se encerrasse numa 20 gaiola, onde as suas azas, anciosas de azues e de infinitos, perdessem a gloria dos <re†igios> [↑surtos] para ficarem no terra a terra dos rastejamentos e dos voejos. Daqui, da tenda amada, eu te saúdo: com a alma coroada de sonhos e o coração rejuvenescido de canticos. Eu 25 te saúdo <no> em nome do meu Sonho, da minha Esperança, nunca vacillante, nunca descrente da tua victoria, da tua livre rasurado 149 6 6 Flamma. Este livro que é o primeiro marco plantado na estrada da tua peregrinação artistica é uma das mais bellas e imorredouras paginas da minha mocidade. Vi-o 5 surgir quasi todo do teu espirito, no retiro de S. Bento, na solidão em que gemeste incomprehendido e revoltado, extendendo sobre a frieza polar das horas o manto verde e ouro das tuas estrophes. Dahi essa nota vivamente pessoal da maior parte dellas 10 sem pontuação É o Signus, é o Valle das Sonoridades, é a Alléa das <†>/S\cismas. [sic] onde passeiaste a tua alma e a tua tristeza Amor rasurado os teus sonhos e o teu Amor. Alli, escreveste-o, alli <esc> magnificaste a poesia humana <†>/c\om “Irmãos na Dor” com a “Neblina” e essa pagina 15 sem pontuação maravilhosa do “Noivado das Velas” Se ainda houver sentimento esthetico, se ainda houver quem vibre diante de uma pagina, quem estremeça ao ler uns versos, certo, a “Sombra Fecunda” ficará radiando nas almas de eleição e refulgindo nas lettras nacio- 20 naes. Adeus Teu Salles Bahia – 25 e 26 de Junho 913. 150 4.3.11 Carta a Paulo Alberto 4.3.11.1 Indicação do documento: SALLES, Arthur de. In: ALBERTO, Paulo. Isaura. Bahia: Typographia do povo, 1923343. Texto impresso[in 8º], com 17 linhas, mancha escrita 110 mm x 81 mm. Na L. 1, a saudação inicial: Meu caro Paulo Alberto. Nas L. 15-17, as fórmulas finais da correspondência, com indicação de autoria na L. 16, Arthur de Salles e, local e data na L. 17: Bahia, 14 de setembro de 1923. Trata-se de um documento pertencente ao epistolário do autor, em que este faz um prefácio ao livro Isaura344, de autoria do poeta Paulo Alberto, destinatário da correspondência. 4.3.11.2 Classificação estemática: O texto impresso e publicado como prefácio no livro Isaura, de Paulo Alberto, serviu de base para a edição, com o seguinte estema: O edição Fig. 11. Estema da edição de CPA. 343 Para a realização da presente edição não se teve acesso ao documento original, trabalhando-se apenas com documento xerocopiado e as indicações da leitura realizada por Célia Marques Telles, em 12/07/1990. 344 ALBERTO, Paulo. Isaura. Bahia: Typographia do povo, 1923. 151 4.3.11.3 TEXTO: Meu caro Paulo Alberto: Teus versos naturaes, espontaneos, todos do coração, todos da alma, são um punhado de flores que dás á tua eleita. Nestas estrophes quizestes ser 5 somente o poeta do amor, o cantor dos encantos, das graças da mulher escolhida pelo teu coração para a vida do lar. No entanto, sente-se que com o estudo, a leitura dos mestres, o teu estro se alargará, tomará novas azas, novos rythmos. Teus 10 versos teem vibração, espontaneidade e flexibilidade. Alguns denunciam um poeta lyrico de um lyrismo suave e encantador. Elles são em summa os teus versos, a risonha promessa de um bello poeta. 15 Teu Arthur de Salles Bahia, 14 de setembro de 1923 Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos. [...]345. 345 MELO NETO, João Cabral de. Tecendo a Manhã. In: id. Poesias completas. Rio de Janeiro: Sabiá, 1968. p. 19-20. 153 5 O DISCURSO CRÍTICO DE SALLES A reunião de textos de imprensa num contexto diverso acaba por apagar determinadas marcas características dos periódicos em sua veiculação original. Os textos dispersos nos periódicos cumprem uma função. Deslocados de seu contexto original os textos dispersos além de formar novo conjunto, passam a cumprir diferente função, favorecendo o estudo da obra do autor, possibilitando uma melhor apreciação do seu percurso, de suas contradições, da sua evolução. Arthur de Salles foi sempre um grande leitor. Como professor primário, demonstra erudição, conhecimento enciclopédico e literário, que fazem dos seus textos críticos mais do que simples recensão informativa de obras publicadas. Entre os critérios que orientam suas análises, os resultados dessa pesquisa apontam para a valoração do nacionalismo, do senso de justiça, da sinceridade, da clareza, e da simplicidade, qualidades que em conjunto devem levar ao “verso e à prosa vibrantes”, que possam refletir a alma do artista, demonstrando, ao mesmo tempo delicadeza e vigor, sonoridade e sobriedade, erudição e harmonia, que se traduzem em beleza, em brilho, em emoção. Em determinados momentos valoriza também a eloqüência, a exuberância das imagens e a ousadia na criação literária. Em Salles, como em grande parte dos literatos baianos da época, o nacionalismo baseado em ideais liberais é inspirado pelas lutas da Independência, ocorridas na primeira metade do século XIX. As batalhas que culminaram no Dois de Julho de 1823346 e a bravura de seus heróis são evocadas nas imagens da guerra e na exaltação da justiça e liberdade como bens maiores da humanidade. A evocação da memória, do prestígio dos heróis do passado é, para Salles, sinal inconteste do nacionalismo na obra dos literatos baianos: Aqui foi que sempre se amou a Patria e a serviu, não somente no pintar as suas graças naturaes ou enaltecel-as, no reproduzir e no contar as suas aguas, o arrojado de suas montanhas, a magestade de suas mattas, mas em amar o seu passado, em cultival-o no prestigio inapagado dos seus feitos. Aqui foi que o seu nome nunca rolou, como moeda azinhavrada, sobre o balcão, na taberna das ambições, dos interesses de momento; aqui nunca foi elle, como nas missas satanicas, apunhalado sobre as aras da propria fé republicana (DDM, L. 126-132). 346 Data máxima da Bahia, o 2 de Julho é igualmente data histórica do Brasil. Neste dia consolidou-se a separação política entre Brasil e Portugal (TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia. São Paulo: EDUNESP; Salvador: EDUFBA, 2001, p. 247). 154 Em discurso fúnebre proferido em homenagem ao neocruzado e soldado Lopes Ribeiro347, em março de 1905, Salles destaca o senso de justiça e a imparcialidade que movem a pena do autor: Consciencia rectilinea, observador imparcial, critico desapaixonado, onde quer que existisse o poderio do forte contra o fraco, a Justiça torcida e ageitada ao modo dos interesses pequenos, o Direito recalcado ao capricho, a Lei amoldada ás necessidades ambientes, alli estava a sua palavra, o seo protesto de reivindicação, a invectiva de sua penna adestrada, tanto no talhar do alexandrino sonoro e suggestivo quanto no verberar as investidas e os assaltos a esses principios sagrados. Isto feito com larguezas de vista percuciente, sem as sentimentalidades falsas de espiritos timidos e dobradiços. A invulnerabilidade de seo caracter, a immaleabilidade de seo dever amaciadas pela doçura e pela bondade, avigoradas pela seiva de sentimentos grandiosos faziam-no um exemplo vivo e bello de acrysoladas virtudes. Nunca por seus labios passou uma phrase, uma expressão, um conceito que não fossem depurados nos cadinhos purificantes da Verdade (DLR, L. 113-124). Como exemplo ele cita as denúncias que fizera aquele poeta no Diário de Notícias, sobre uma pretensa invasão peruana, que se dizia ocorrer no Amazonas, para onde foram deslocados soldados do exército brasileiro, mas que não passava de um caso de “grilagem” orquestrado por outros brasileiros. Na análise que faz da participação de Lopes Ribeiro no episódio, evoca as imagens das batalhas que culminaram no 2 de Julho e que se juntam a outros episódios da história nacional como o 13 de Maio e o 15 de Novembro, na representação do nacionalismo: A penna de Lopes Ribeiro revelou-nos estas verdades que não passariam despercebidas, nós bem o sabiamos, tal era o espirito de Justiça que o caracterisava. Mais uma vez, sobre o manto sagrado da Patria cahe o sangue forte dos seos próprios filhos, Mater Dolorosa assistindo, muda e crucificada na sua agonia, o conspurcamento de suas tradições, de seo passado glorioso e de seos louros immarcessiveis. 347 SALLES, Arthur de. Discurso official [homenagem póstuma ao poeta João Lopes Ribeiro] Nova. Cruzada. Salvador, ano 3, n. 5, p. 1-6, abr. 1905. 155 Ella, porem, surgirá sempre victoriosa e triumphadora, guardada pelas legiões invenciveis da Mocidade, que a fará forte dentro de seos limites e respeitada fóra de suas fronteiras. O povo que lhe escreveo a Illiada de 23 nos plainos de Pirajá, que lhe traçou as Epopéas de Humaytá e Riachuelo e lhe estrellou a fronte com os sóes de 13 de Maio e de 15 de Novembro, transmitio-nos o mesmo amor e a mesma fé impolluta para levarmos pelas areias do tempo, para a Palestina do Futuro, a arca inviolada de suas glorias. “A rocha viva de uma nacionalidade” enrijada no patriotismo e na liberdade, no Direito e na Justiça não se fragmenta, não se esborôa; abalada, ruirá por inteiro (DLR, L. 249 -261). A vitória dos artistas do presente, ele compara às glórias dos heróis do passado: Hoje cantamos ao glorioso patricio os cantos do triumpho... E, nesta hora, sentimos que a Bahia, envolta no manto resplandecente e excelso de suas glorias, com um grande sorriso de mãe coroavel pairando nos labios, olhando a geração que ha de amar e cultuar as tradições immortaes do seu Nome, segreda-nos, numa ressureição de fé, as palavras do digno descendente do Patriarcha da Independencia: Eu ainda sou a heroina herculea dos seios titanicos, que trazia do exilio as sombras dos desterrrados para corôal-os de luz... (DXM L. 250-258). No comentário que tece sobre a Guerra de Canudos e a participação do poeta Lopes Ribeiro, soldado do nono batalhão de Infantaria, percebe-se uma análise contraditória do episódio, que inicialmente reproduz a ideologia da classe dominante do período, a qual considera o sertanejo um fanático que se torna criminoso na defesa de um ideal. O patriotismo equivocado não impede, contudo, que mais adiante reconheça, concordando com o poeta homenageado, que os sertanejos são na verdade vítimas, “esquecidos por tres seculos de civilização”, como já afirmara Euclides da Cunha, em Os Sertões, de1902. Canudos é então comparada às Termófilas e os sertanejos são os Leônidas de bacamarte (DLR, L.83 100). Herdeiros da tradição regionalista do romance romântico, os simbolistas baianos também constroem o nacionalismo a partir da valorização de temas ligados ao elemento regional, constituído, principalmente, pelas tradições folclóricas e regionais e pelo delineamento da cena local, com personagens sertanejas e marinhas. Contudo, é grande a tensão entre o desejo de afirmação do nacionalismo e a imitação consciente de padrões herdados da tradição européia. Na análise de Antonio Candido, o regionalismo desse período 156 tendeu muitas vezes para um gênero artificial e pretencioso, por encarar com olhos europeus a realidade local, desenhando um sertanejo pitoresco, sentimental e jocoso348. Em discurso proferido em homenagem ao poeta Xavier Marques349, Salles destaca o nacionalismo que norteia a prosa do autor, que não se deixa levar pela grande influência francesa em voga no período: A imitação franceza, devido á influencia do naturalismo com que o grande autor do Rougon-Macquart revolucionara os dominios da Arte, não lhe tentou a esthesia nem o arrastou para a desnacionalização das letras patrias. Tinha aqui o filão precioso e inédito que lhe havia de opulentar o escrinio, e que lhe abriria riquissimas jazidas. As scenas da vida local provinciana, a vida desses humildes lavradores do mar, elle as foi surprehender, traçando-lhes as almas simples, em suas espontaneidades emocionaes, em paginas sinceras de sentimento e de verdade, de observação e de analyse, repassadas de um intenso lyrismo brasileiro e de um nativismo sadio e exuberante, [...] (DXM L. 133 -144). Na apresentação que faz do folclorista cearense Leonardo Mota350 a exaltação da valorização do elemento regional é ainda mais patente. A pesquisa empreendida pelo escritor para um melhor conhecimento e posterior revelação da tradição sertaneja, Salles a compara ao processo de composição de Homero e daqueles trovadores medievais que cantaram as façanhas do Rei Arthur e de Carlos Magno. Mota é denominado um “homérida das cousas brasileiras”! (AVT, L. 13-18 e 49). A efetiva influência da cultura helênica, que é evocada com estatuto de superioridade nos seus primeiros textos, passa a ser re-significada nos textos da maturidade. A partir da década de 30, prevalece a valorização do sentimento de brasilidade. É o que se pode observar na comparação entre um fragmento Discurso em homenagem ao poeta Xavier Marques351, de 1906, Naquelles tempos em que a alma pagan ria e cantava, os gregos reuniam-se na Eolida para a festa nacional das olympiadas. Os vencedores recebiam as palmas do triumpho por entre as acclamações das cidades congregadas. 348 CÂNDIDO, Antonio. Literatura e sociedade, op. cit., p. 109-114. SALLES, Arthur de. Discurso official [homenagem ao poeta Xavier Marques] Nova. Cruzada. Salvador, ano 5, n.11, p. 4-7, out. 1906. 350 SALLES, Arthur de. A viola e a Tirana [Allocução apresentando o folklorista Leonardo Mota]. A Tarde. Salvador, ano 13, n. 5122, p.7, 07/fev.//1925. 351 SALLES, Arthur de. Discurso official [homenagem ao poeta Xavier Marques], op. cit. 349 157 Pindaro enaltecia-lhes o valor, Phidias esculpturava-os para que ficassem na memória dos vindoiros. Revivemos na imaginação aquellas festas em honra a Zeus Olympico e celebramos esta olympiada branca do amor em honra da Athenas Brasileira (DXM L.41 -49). ou ainda no Discurso de recepção a Durval de Moraes352, de 1911: Hellenisamos aquelle pedaço de terra, estendemos-lhe em cima da nudez exsicada e brutal o manto do sonho pagão. O ermo floriu transfigurado na evocação da Hellade. Os oiteiros escalvados cobriram-se de nomes sonoros. Era o Pentelico, o Helicon, o Parnaso, a aléa das Scismas, as Propyléas. A geographia complicava-se, ás vezes, entremeiada de nomes barbaros e adoçada por um toponymico biblico. Era a Covadonga, a Turris Eburnea, o Valle das Sonoridades, era, emfim, o Signus, [...] (DDM, L. 504-510). e esse outro extraído do Fragmento do Discurso de Recepção ao Acadêmico Afonso de Castro Rebelo Filho353, na ALB, proferido em 1930, em que festeja a expressão de brasilidade na lira do novo acadêmico e na de outros jovens poetas. Salles critica alguns dos livres metristas, os quais classifica de desvairados, que ainda não compreenderam a singularidade e a superioridade dos temas nacionais. E conclama: é hora de “Sacudir da nossa alma essa poesia revelha de deuses mortos, de paisagens gregas e de guerreiros romanos”. É hora de lutar pela renovação e ascensão da poesia brasileira. A evocação dos clássicos se faz então, principalmente, através da comparação, com destaque para a singularidade da poesia nacional: Conheceis o Yrapurú, rouxinol das paludes da região amazonica, assombro do sabio, maravilha onde os rios tacteiam na ansia de estabilidade e a terra nos apparece mais formidavel nos periodos euclydeanos. Elle é o Ariel daquelle mundo luminoso e tenebroso. É manhã. A floresta canta, ruje, gorgeia, trilla, arrulha, pipila, assovia, gurincha, trina, crocita, esvoaça, rufla, guaya, esplendece e tatala, rumoreja e crespuscula. 352 SALLES, Arthur de. Discurso de recepção a Durval de Moraes. op. cit, p. 158-171. SALLES, Arthur de. Fragmento do discurso do Acadêmico Arthur de Salles. Revista da Academia de Letras da Bahia. op. cit, p. 37-42. 353 158 Subito o Yrapurú põe-se a cantar. E o silencio se faz. A corruira cessa o galreio na ramaria rasteira. O gavião para o grito na extrema da sicupira secular. Como que os repteis detêm o rastejamento ondulante. E o canto sobe, cresce ante a passarada espectante, amplia-se, toma conta da floresta e vae-se enroscando, como invisível sipoal [sic] sonoro, pelos troncos, e rebentando lá em cima, nas comas, como uma flor agreste de sons, e descendo e fluctuando, como outra estranha rosa que a Yara deixasse cair das tranças verdes na sua fuga apressada para o seu palacio. Essa ave é bem o symbolo da poesia brasileira. Cantar assim, com um cantar differente, de modo que os outros cantores silenciem para ouvil-a cantar. Sentiu-a o poeta maravilhoso em cuja cadeira vos assentaes. Em versos francezes Pethion de Villar universalizou a Yara e aquella Tulipa Negra em versos de quatorze syllabas, de um rythmo estranho, poderoso e bello. Na hora presente em que a volta ás cousas nacionaes anda inspirando rythmos novos a uma pleiade de poetas, estes dous sonetos ficam dominando pela expressão e pela brasilidade. Vós a sentistes tambem. Atravez das notas quentes do vosso lyrismo, dos sonetos parnasianos em que ainda surgem nymphas e deuses, ha muito dormidos nos sepulchros frios, salta clara e viva a nota brasileira. O verso tem um novo brilho. As rimas têm irrequietismos passaraes. A natureza vem a nós com os seus encantos, suas graças, sua vida selvagem, suas proprias tristezas fecundas (FRD, L. 55-80). A valorização da língua portuguesa e seu aprimoramento, assim como a valorização da cena local e dos autores nacionais integram o ideal de nacionalismo que se desenha no discurso sallesiano: A lingua – o marmore em que se entalham e encarnam as emoções do Artista e se perpetúa o sentimento nacional os cyclos da civilização, vem se depurando, mais se aprimora no desdobramento de sua evolução esthetica. O estylo floresce, numa evidencia typica de individualidade; canta em rythmações suggestivas, fulge em facetamentos rebrilhantes na rendilhadura sonora e imprevista da phrase. O nacionalismo que se respira largamente em toda a sua obra é a phase consciente de nossa vida literaria, a volta para as coisas do paiz que se expande agora em pujantes affirmativas nos versos admiraveis de Alberto de Oliveira e de Olavo Bilac, nas paginas intensamente brasileiras de Affonso Arinos, de Coelho Netto, nos contos de Pedro Rebello, de Valdomiro da Silveira, nas marinhas de 159 Virgilio Varzea, nas narrativas historicas de Rodrigo Octavio, na vasta obra do glorioso Machado de Assis e tantos outros (DXM L.161 -175). A sinceridade é um dos requisitos de valor para a obra literária no período. É isto, por exemplo, que o crítico José Veríssimo destaca quando analisa o livro de versos Hostiário, de Francisco Mangabeira354. O subjetivismo impressionista na crítica sallesiana destaca a verdade, a clareza e a simplicidade como importantes requisitos na obra de arte, que deve deixar transparecer a expressão da alma. É o que se pode observar na crítica que faz à obra Estudantinas, do poeta Álvaro Reis355: [...] este formoso livro de versos que Alvaro Reis cinzelou com carinho e onde a sua alma desbordante de lyrismo e de sentimento palpita e se desenha em cada soneto, em cada poesia. Sem pretensões sem affectações estylisticas, fugindo ao trivial, numa linguagem correcta, harmoniosa e sincera vae deixando por toda a obra, bem delineadas e seguramente expressas, as multiplas modalidades de sua organização de poeta. Caracterisam-lhe[sic], a demais, a simplicidad[e] adoravel de que se revestem os seos versos, a musica que delles se evola e sobre tudo a verdade de expressão no desenhar uma paysagem ou no exprimir uma idéa. A este conjuncto de qualidades nobres que lhe exornam o caracter artistico e que tornam bella a sua obra em todos os seus lineamentos, allia-se uma imaginação viva e brilhante (EST L. 18-28). Simplicidade e clareza são também qualidades destacadas por Salles na obra de Lopes Ribeiro356: Suggeria-nos o pensamento eschylliano de que o Artista deve ser o Zeos no Olympo acorrentando o Prometheo da Idea no Caucaso ciliciante da Forma. O seo estylo é claro, vibrante, sincero, simples de uma simplicidade que não é trivial (DLR L.163-5). Por outro lado, confere destaque às imagens grandiosas, que valorizem a expressão do sentimento, como se pode verificar na crítica que faz a uma conferência pronunciada pelo poeta Rafael Ribeiro357: 354 VERISSIMO, José. Opiniões da crítica – Hostiário. Revista do Grêmio Literário da Bahia, Salvador, ano 3, n.3, p. 456, fev.1904. 355 SALLES, Arthur de. Estudantinas. Nova. Cruzada. op. cit. p. 1-3. 356 SALLES, Arthur de. Discurso official [homenagem póstuma ao poeta João Lopes Ribeiro], op. cit. 160 Horas! Bello thema. Quanta cousa para enc/†\ [h]er um verso ou um pedaço de prosa torturada a Cruz e Souza !.. Quanta evocação de sonhos mortos, de illusões, de trechos de vida quando, na concentração ouvimos “la voix grave des heures” como diz o verso de Hugo! No entanto, a conferencia não satisfez inteiramente. Ainda ficou muito por dizer[.] O leve, o pacato e brilhante contaram alli. O grandioso, o profundo, andaram longe. Não houve um bramir de oceano na hora extranha da procella, um rugido da alma na hora gethsemanica da Dor, na hora suprema da Revolta, na hora augusta da Victoria !... Cantou mas não vibrou; trinou mas não repercutio; sorrio mas não gemeu. Aquillo foi como uma paisagem formosa sem a nota humana para tornal-a real e profunda. Salles (061:0223, L. 3-14). Homem de grande erudição e vasto conhecimento literário, Salles não ficou preso a nenhuma estética em especial. Na sua produção literária, como se disse antes, trilhou pelos diversos caminhos que se apresentaram à sua época, fazendo incursões inclusive pelo modernismo, como o atestam seus poemas publicados em revistas ditas futuristas e sua prosa de temática regional. Assim também no exercício da crítica, Salles mostra-se aberto ás novidades que surgem, não se deixando prender pelos “preconceitos dos dogmatismos ambientes”358, para usar suas palavras. Na análise que faz do livro Sombra Fecunda, de Durval de Moraes359, é justamente a novidade do verso livre, a ousadia de tratar novos temas e de experimentar novas formas que são postas em destaque e valorizadas por representar uma renovação da poesia: [...] Salteia logo, á primeira vista, a maneira dos versos, exquisita, gerando rythmos novos e em os quaes versos vão se materialisando os teus estados emocionaes. E o artista, o critico, têm diante de si uma dessas organisações revoltadas que quebram, não por um simples capricho ou por um desejo de novidades e bizarrias, de modismos futeis, mas por uma necessidade imperiosa do seu temperamento, por uma ancia incontida de sua visão, as normas e as formulas estatuidas; vê, se aprofundas o pensamento dominante na obra, que é uma fatalidade a que não pode fugir a tua esthesia. E sendo assim, a idea, o sentimento, toda a vida do Sonho, só se integralisariam dentro desses rythmos ou só poderiam attingir ao pino de sua vibração pela escada desses rythmos. 357 PR-EP-CO-OM-061:0223-XE-01/JM, de 21/05/1921. Carta a Durval de Moraes (064:0288, fº2, L. 5-6), doc. cit. 359 Idem (064:0288 fº2, L. 7-27 e fº3, L. 1-8). 358 161 A poesia, como a alma, evolue. A cada passo, a cada etapa, a cada assisa[?] que o homem vence nessa eterna perquirição da vida e da morte, [†] mais um horizonte se desdobra, mais um aspecto se descubra, mais uma perspectiva se dilata; e o Poeta o mais batido desses desejos insaciáveis o que mais alto falla a esses mysterios, o que mais fundo sente a dor e a tristeza dessa eterna mudez das causas eternas, elle o interprete de todos os gritos de almas, vae no incessante rastrear desses caminhos, creando novas linguagens para exprimir o seu sonho, novos rythmos para cantar a sua própria dor a sua propria tristeza, vae recebendo das proprias cousas que o cercam novas interpretações, verbos novos que se plasmam nos seus poemas (064:0288). A imperiosa necessidade de ousar, de buscar novas fórmulas para a renovação do fazer poético, de acompanhar a transformação natural do mundo e da vida, é reiterada ao longo da carta, condenando a atitude da crítica tradicionalista que teima em não aceitar a novidade e exaltando a singularidade do estro durvalino, a qual será mais tarde reconhecida pela crítica nacional360: Como, <†> será possivel que toda a emoção de uma alma caiba dentro de um alexandrino ou que <um> o alexandrino seja o ultimo estadio a que se possa chegar em pensamento, uma idéa, a morte de um lyrio ou o desabamento de um imperio?. Visão errada da Arte reduzida ao pesado, ao contado ao medido ou a lei do “não passeis daqui.” O conhecimento physico do mundo alargou-se: o telescopio devassou seus reconditos, a vida rastreada nas suas intimas vibrações. E a essa delatação dos eirados da vida a essa constante percepção de verdades no grande Cosmos, ha de a Poesia ficar muda e cega, ha de ficar á sombra do seu salgueiro, nova Ophelia, cantando a sua canção de morte e de tristura! [...] Esses rythmos que a critica espartilhada e grotesca dos aridos, dos saharicos, talvez refute por incomprenhensiveis [sic] são o que de mais suggestivo, de mais bello tem a poesia brasileira. Não é uma imitação dos poetas francezes nas suas variadas modalidades <poeticas>, de expressão. O verso livre triumphando em grande numero delles, foi por ti percebido e o fizeste sem outro sentimento que o teu, sem outra escola que a tua propria maneira de projetar em toda a tua obra a tua radiosa individualidade. Os teus rythmos confirmam essa ancia de individualisação: vão allem do verso livre, é o verso durvaliano, original comportando uma variedade de rythmos, cujo 360 Carta a Durval de Moraes (064:0288, fº3, L.16-24, fº4, L. 1-4 e fº5, L. 1-12), doc.cit. 162 encadeiamento produz essa poesia magnifica, esse vehiculo em que deixas correr livre, poderosa, a tua Flamma [...] (064:0288). A religiosidade é característica recorrente na obra de Arthur de Salles. Suas marcas, disseminadas por todo o texto crítico do autor, mostram o conflito do ser que crê, mas que vacila diante do que não compreende. A morte é entendida como “verdade tremenda, fatalidade irrevogável”, que causa revolta, capricho de um destino cruel que se compraz em semear o terror, mas é aceita como o “caminho estrelado e sereno” dos Bem aventurados, aqueles que anseiam pela Jerusalém prometida (DLR, L.4 -33). A larga utilização de vocabulário religioso, especialmente termos católicos e litúrgicos, é outra característica própria dos simbolistas que se pode destacar na obra sallesiana como um todo e que aparece também nos textos críticos. É recorrente a evocação da paz, estado de espírito sempre ansiado pelos simbolistas, que para fugir das vicissitudes, do “lado escuro”, das “brutalidades da vida”, se refugiavam na solidão de seus retiros claustrais, de suas “Torres de Marfim”, na busca da inspiração. Soldado, sonhava a Paz como um eterno manto radiante e resplandescente, cahindo sobre a Humanidade numa uncção divina de refrigerios, num banho caricioso o ineffavel de engrandecimentos supremos; sonhava a Humanidade expurgada de todas as culpas limpa de todas as manchas, milagrosamente rejuvenescida nas agoas purificadoras dessa piscina – Lazaro millenario exsurgindo do sepulcro numa gloriosa ressurreição. Homem, estava sempre voltado para esse outro lado escuro da vida onde pulula a multidão dos nús, dos miseraveis, dos vencidos (DLR, L.125 -131). [...] para esses o encontro com aquelles de escol, a convivencia passageira entre irmãos do mesmo credo, distanciados pelas brutalidades tragicas da vida, são um bem que se não apaga, um consolo ineffavel, uma caricia que se crystalisa num mundo de emoções transfiguradoras, miraculosas, como se doces mãos bemditas que se estendessem, messianicas, pelo mar empolado da alma, asserenando-lhes o tempesteio, ou sobre o coração, na hora gethsemanica361, alevantando-o para o amor e para a fé. 361 GETHSEMANICA – adj. triste, angustiante. A locução adjetiva HORA GETHSEMANICA – um neologismo significa hora decisiva, hora de grande tribulação. Relativo a Gethsemani (Bibl.) Jardim situado no monte das Oliveiras, lugar onde Jesus foi, após a ceia pascal, com alguns dos seus discípulos, esperar pelo momento da traição de Judas. (Mc. 14,32-42. BÍBLIA SAGRADA. Trad. e notas Euclides M. Balancin e Ivo Storniolo. 163 Não é que a solidão abafe, por inteiro, as energias do pensamento nem que estenda sobre elle o frio polar do desconforto, porque o Artista mesmo no tumultuo estuante da multidão é um solitario, essa voz de solus ex-anima362, a vez e vez, lhe chega aos ouvidos da alma e elle sente, chega a palpar o vacuo que se lhe faz em torno: não. Cremos que ella lhe imprime uma feição de fortaleza, arrebanha porções esparsas de vontade, fundindo-as num bloco inteiriço, abre-lhe os mundos da concentração; e no in-pace363 dos seus silencios, na tristeza dos seus retiros, que são, bem muitas vezes, os retiros de nossa tristeza, diluem-se os desejos rastejantes, expiram as ambições curtas, estratificam-se os egoismos reptantes, fossilisam-se as alegrias ephemeras (DDM, L.9-25). A arte, o fazer literário não é visto em Salles como simples inspiração, obra das musas, mas como trabalho árduo e gradual, em que o artista com persistência constrói a sua individualidade: Tudo o que é, a si o deve, á sua persistencia, ao seu amor, ao seu trabalho, ao seu talento, á sua vontade. Nos tempos que passam, em que são frequentes esses eclypses da alma, vencida pelo interesse, batida pelas paixões mesquinhas, rebolcada na ebriedade de gozos mentidos, faz bem, tonifica e reconforta, fortalece e encoraja contemplar os que passam assim acobertados na austeridade do caracter, na pureza diamantina dos sentimentos, na inviolabilidade do dever!... (DXM, L.238-245). Por vezes, relampeia uma imagem nova, uma rima revolta, um hemistichio nervoso: é um mundo de originalidade na plastica e no fundo que se alvoroça, que reponta aqui, ali, como claridades esparsas de sol. E isto vae se accentuando, cresce o anceio de alargar o ambito de seu mundo pelo consultar intimo de suas próprias forças intellectivas, desligando-se, a mais e mais, dos pendores, das inclinações a este ou aquelle processo, para integralisar-se, individualisar-se. (DDM, L. 101-106) Edição Pastoral. São Paulo: Paulus, 1990, p. 1303-4). Sobre os neologismos de Arthur de Salles, ver também DUARTE, Rosinês de Jesus. No mar neológico de Arthur de Salles navegam os regionalismos do Recôncavo Baiano. Dissertação de mestrado. PPGLL/UFBA. Orient. Prof.ª Dr.ª Célia M. Telles. Salvador, 2007. 120 f.: il + anexos. 362 SOLUS EX-ANIMA – Expressão latina que se traduz por: “Única, vinda da alma”. (PEREIRA, Norma Suely. Um punhado de versos e páginas de prosa de Arthur de Salles, op. cit. p. 196). 363 IN-PACE – loc. Lat. que se traduz por “em paz”, fórmula eclesiástica usada em cerimônias funerárias. Usa-se também como s.m. para significar o cárcere fechado dos conventos em que eram metidos os religiosos culpados de certos delitos. (PEREIRA, Norma Suely. Um punhado de versos e páginas de prosa de Arthur de Salles, op. cit. p.189). 164 De um lado a esperança, “sempre mais larga do que a vida”, como diria Sully Proudhome, sempre a dar ao cardo o purpuro das rosas, ao tojo o nevado dos lyrios, ás aguas mortas o murmurio dos regatos, e de outro lado, a visão prolongada para o Além, vibrada pelo intenso tacteiar de mundos, ella se nos affigura um promontorio distendido largamente para um mar sem raias, de onde partirá um dia a nave guerreira que elle vae architectando, rostro numa attitude arrogante de porfiar com as procellas, velame pando, dando-se ao desafio dos pampeiros, o bojo blindado fortemente em que cada taboa, cada cavilha vale uma revolta, um bocado de odio, uma porção de crença morta, de dor, de lagrimas até; e lá, no topo agulhante dos mastros, a flamula de guerra. E é levantar as ancoras e largar as velas e zarpar pelos desatados regougantes do deserto marinho. Então, a Odysséa começa a surgir nos lances magnificos e épicos. É na tosca phrase, na velha comparação, a imagem dos que no silêncio e no retiro vão architectando o nome, forjando o verbo com que hão de conclamar ao mundo a sua fé, a sua alma. Tal se nos mostra hoje o Poeta que é o motivo de mais uma festa no seio da Nova Cruzada. (DDM, L. 27-43). Através dos exemplos destacados, observa-se, na enunciação, a materialização de um discurso nacionalista, erudito e moderno, pois embora valorize a tradição, não é saudosista, ao contrário, é aberto ao novo. Embora o cidadão Salles ocupe nessa sociedade o lugar do intelectual pobre e afrodescendente, que busca a ascensão social através da sua palavra, da sua produção literária, o enunciador assume o discurso das classes dominantes, parecendo viver a ilusão de ocupar esse lugar. Sempre que a realidade se impõe, contudo, o desencanto é patente. Transparece então a tristeza, e o sentimento de impotência determina o refúgio na Torre de Marfim, seja na solidão do claustro, ou naquela do sonho. 165 5.1 O ENUNCIADO De acordo com a Lingüística da Enunciação inaugurada por Benveniste364, o que transforma a língua em discurso é o ato de enunciação, a partir da apropriação individual da língua pelo locutor. Segundo a sua teoria, o fundamento da subjetividade está no exercício da língua e é determinado pelo status lingüístico da pessoa. É a capacidade do locutor para se propor como sujeito, aquele que, na instância do discurso, diz ego e que, pela sua alocução constitui o tu. As instâncias de emprego de eu não constituem uma classe de referência, porque eu não designa um objeto ou um indivíduo em particular. Eu só pode definir-se em termos de locução, referindo-se a uma realidade de discurso365. Vale assinalar, que os quadros formais da enunciação propostos por Benveniste apresentam uma visão idealista da subjetividade, uma vez que admitem um locutor que é fonte autônoma do dizer e do sentido366. De acordo com uma concepção heterogênea da língua, em sintonia com o conceito bakhtiniano de polifonia da linguagem, reconhece-se a importância do outro e da interação social na construção do discurso367. As idéias veiculadas por Bakhtin e pelos filósofos que compunham seu Círculo anunciavam um pensamento que mais tarde iria contribuir para a fundação de uma lingüística da enunciação, ressaltando o papel da intersubjetividade na dinâmica da enunciação368. A enunciação em Bakhtin, como destacam Flores e Teixeira369, é atividade dialógica, em que o reconhecimento de si se dá pelo reconhecimento do outro. Em cada palavra há vozes que soam simultaneamente e que tanto podem ser próximas como infinitamente longínquas, anônimas, quase despersonalizadas370. Fazendo um estudo retrospectivo, Carlos Allberto Faraco371 verifica que a preocupação com o papel da intersubjetividade nos estudos das Ciências Humanas vem sendo introduzido no pensamento moderno desde o início do século XIX. A crescente valorização do lugar da alteridade, da interação, da subjetividade na atividade intelectual conduz a uma 364 BENVENISTE, Émile. Problemas de lingüística geral. v.1, op. cit. BENVENISTE, Émile. A natureza dos pronomes. In: id. Problemas de lingüística geral. v. 1, op. cit., p. 277278. 366 BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Da língua ao discurso, do homogêneo ao heterogêneo. In: BRAIT, Beth (Org). Estudos enunciativos no Brasil...op. cit., p. 62. 367 Ibid., p. 62-69. 368 FLORES, Valdir do N.; TEIXEIRA, Marlene. O dialogismo: Mikhail Bakhtin. In: id. Introdução à lingüística da enunciação. op.cit, p. 45. 369 Ibid., p. 57. 370 BAKHTIN, Mikhail. O problema do texto. In: id. Estética da criação verbal. op. cit., p. 353. 371 FARACO, Carlos Alberto. Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil: algumas perspectivas. In: BRAIT, Beth (Org). Estudos enunciativos no Brasil: histórias e perspectivas. op. cit. 365 166 compreensão do real sempre vinculada aos processos inter-relacionais372. Conforme assinala Fiorin373, o discurso não é um sistema fechado em si mesmo, é, ao contrário, um lugar de trocas enunciativas, que podem ser contratuais ou polêmicas. Um discurso sempre cita outro discurso, podendo fazê-lo com reverencia ou ironia. Os discursos nascem da dinâmica entre um número infinito de outros discursos que se cruzam, se esbarram, se anulam e se complementam, construindo e desconstruindo significados e a subjetividade se constrói a partir dessa materialidade discursiva, como resultado dessa polifonia, das muitas vozes que o sujeito recebe, reproduz e/ou reelabora cotidianamente374. Conforme Bakhtin, a interação entre os interlocutores é o princípio fundador da linguagem375, ou seja, a linguagem é dialógica. Em seu ensaio Contribuições de Bakhtin às teorias do texto e do discurso, Barros376 esclarece a distinção entre os termos dialogismo e polifonia em Bakhtin. Inicialmente, distingue nos escritos do pensador russo dois sentidos distintos de dialogismo, que se relacionam entre si: o diálogo entre interlocutores, que funda a linguagem e é a condição de sentido do discurso, e o diálogo entre discursos, no sentido de intertextualidade, relação com outros discursos. Já por polifonia, Barros377 define um certo tipo de texto em que o dialogismo se deixa perceber, o discurso em que várias vozes podem ser ouvidas, em oposição ao discurso monofônico em que uma única voz se faz ouvir, abafando ou ocultando as demais. De acordo com a teoria do dialogismo, o discurso nasce no diálogo como sua réplica viva, formando-se na mútua orientação dialógica do discurso de outrem no interior do objeto. Um enunciado surgido de maneira significativa num determinado contexto toca os milhares de fios dialógicos existentes, tecidos pela consciência ideológica em torno de um dado objeto de enunciação, participando ativamente do diálogo social. Por outro lado, o discurso é orientado também para a resposta, sendo influenciado pela resposta antecipada, o discurso resposta futuro que ele pressente, o que ainda não foi dito, mas que foi solicitado e que, portanto, já é esperado378. 372 FARACO, Carlos Alberto. Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil: algumas perspectivas. op. cit., p. 35- 36. 373 FIORIN, José Luiz. Arena de conflitos e palco de acordo. In: Id. Linguagem e ideologia. 8.ed. São Paulo: Ática, 2006. p. 43. 374 BACCEGA, Maria Aparecida. Palavra e discurso: história e literatura. 2. ed. São Paulo: Ática, 2007. p. 2122. 375 BAKHTIN M. (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 10. ed. São Paulo: Hucitec, 2002. p. 123. 376 BARROS, Diana Luz Pessoa de. Contribuições de Bakhtin às teorias do texto e do discurso. In: FARACO, C. A.; CASTRO, G; TEZZA, C. (Orgs). Diálogos com Bakhtin. 3. ed. Curitiba: EDUFPR, 2001. 377 Ibid., p. 21-40. 378 BAKHTIN M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Trad. de Aurora F. Bernadini et al. 4. ed. São Paulo: EDUNESP, 1998. p. 85-93. 167 Conforme assinalam Brait e Melo379, a concepção de linguagem que rege o pensamento bakhtiniano é realizada sob uma perspectiva histórica, cultural e social, incluindo, para efeito de compreensão e análise, a comunicação efetiva e os sujeitos e discursos nela envolvidos. Nesse contexto em que as noções de enunciado e enunciação têm papel central, as autoras destacam ainda, que o enunciado concreto se constitui no processo da interação social entre os participantes da enunciação e, devido à sua natureza social e histórica, a enunciação estará sempre ligada a enunciações anteriores e posteriores, produzindo e fazendo circular discursos380. Para Bakhtin, conforme assinalam Flores e Teixeira381, a idéia de interação verbal realizada por meio da enunciação se concretiza entre indivíduos socialmente organizados, seja o interlocutor real ou apenas uma virtualidade. A intersubjetividade em Bakhtin está relacionada ao problema da compreensão. Para o filósofo russo, a compreensão é um processo ativo e se constitui numa forma de diálogo, estando para a enunciação assim como uma réplica está para outra no diálogo. “Compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra”382: Compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em relação a ela, encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondente. A cada palavra da enunciação que estamos em processo de compreender, fazemos corresponder uma série de palavras nossas, formando uma réplica. Quanto mais numerosas e substanciais forem, mais profunda e real é a nossa compreensão383. De acordo com o pensamento bakhtiniano384, a língua deve ser vista dentro de uma realidade enunciativa concreta. O locutor serve-se das formas normativas da língua para suas necessidades enunciativas concretas em um dado contexto, importando aí não o aspecto da forma lingüística, mas a nova significação que essa forma adquire no contexto, seu caráter de novidade385. Para o filósofo russo, na prática viva da língua, a forma lingüística é sempre utilizada no contexto de enunciações precisas, o que implica sempre num contexto ideológico preciso, uma vez que “a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico vivencial”386. 379 BRAIT, Beth; MELO, Roseneide e. Enunciado/ enunciado concreto/enunciação. In: BRAIT, Beth (Org). Bakhtin: conceitos-chave. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2005. p. 65. 380 Ibid., p. 65-68. 381 FLORES, Valdir do N.; TEIXEIRA, Marlene. O dialogismo: Mikhail Bakhtin. op. cit., p. 49. 382 BAKHTIN M. (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. op.cit. p. 132. 383 Ibid., p. 131-132. 384 BAKHTIN M. (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. op. cit. 385 Ibid., p. 92-93. 386 BAKHTIN M. (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. op. cit., p. 95. 168 5.1.1 O discurso citado Os discursos surgidos no interior de um outro discurso, o discurso de “outrem” é definido por Bakhtin como sendo “o discurso no discurso, a enunciação na enunciação, mas, ao mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma enunciação sobre a enunciação”387. Nesse sentido, assinala o filósofo, não basta apenas situar a presença de outra voz; é importante, sobretudo, observar a “essência da apreensão apreciativa da enunciação de outrem, pois aquele que apreende a enunciação de outrem não é um ser mudo, privado da palavra, mas ao contrário é um ser cheio de palavras interiores”388. Entre os recursos utilizados para referendar a enunciação no corpus analisado destacam-se a citação integrada ao texto através da utilização de resumo com citação, e a citação de autoridade. 5.1.1.1 A citação integrada A citação integrada agrega discurso direto e indireto no discurso relatado, integrados sintaticamente, conforme descrito por Maingueneau389. Essa forma de citação que ocorre com freqüência no discurso sallesiano, promovendo total adesão entre as vozes do crítico e do poeta, aparece marcada através de aspas alemãs, pelo itálico, ou às vezes, sem qualquer sinalização: a) Estudantinas O Sonho do Canhão é uma poesia vibrante; o poeta deu-lhe alentos épicos: Dorme o velho canhão no dorso da fortaleza onde a vaga bate noite e dia, bramindo; descança abandonado, recordando os tempos da guerra em que pela sua guela hyante sahia o vomito de fogo: “A mensagem formal emissaria da morte”. Cresce, enlaçando-o, a parasita e mostrando-lhe as campanulas rubras, “Qual junto ao velho emir estende ás mãos trementes A taça estonteante a escrava favorita”. As campanulas aguçam-lhe a saudade da guerra. “Quem lhe dera a beber o tonico de ferro! Encher a transbordar campanulas de sangue!” 387 Ibid., p. 144. Ibid., p. 147. 389 MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. Trad. de Cecília P. de Souza e Silva e Décio Rocha. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002. p. 154. 388 169 Scisma e sonha ver as galeras e as naus, desapparecerem no oceano abertas pelas balas; a agitação, o barulho tonitruoso das carretas, o retintim das armas chocando-se, toda a movimentação sinistra da guerra. [...] Hoje, abandonado, tem somente o mar que lhe ruge aos pés, os pios da coruja e “O enfadonho bater das azas do morcego”. Talvez que o velho bronze desperte e retumbe como outrora no acceso das batalhas (EST L. 56-78). b) Discurso de recepção a Durval de Moraes Nessa análise, o enunciador, diversamente de como procedeu em Estudantinas, utiliza o recurso da citação integrada sem qualquer sinalização: A Pedra é uma tragedia em versos, e a ancia de um Artista incomprehendido no seu sonho, que morre entre esplendores tropicaes, numa riba escarpada, tendo ao lado a mulher que o amou e que amou a sua obra, a mulher forte que odeia a piedade e a misericordia. Ouvi este trecho de um dialogo, quando Julival sente o rugido da turba renegar-lhe o esforço bemdito, a corvejar em torno de suas paginas. Celina, a voz que redime e que alevanta, diz-lhe suavemente: Que nos importa que te negue o Mundo, Quando eu te adoro e creio no teu verso! Julival: Não! É a piedade que esta phrase dita, Teu amor... vale o Universo. Celina, cruzando os braços orgulhosamente sobre os seios palpitantes: Piedade de ti? Fora maldita A compaixão que meu amor tivesse; Meu amor não se fez para misericordia! Não ergo a um falso deus a minha préce, Nem beijo os pés de idolo risivel! [...] (DDM, L. 335-352). 170 5.1.1.2 A citação de autoridade Com esse recurso, o enunciador visa à legitimação do discurso através da convocação de uma voz reconhecida, que confere autoridade ao que é enunciado: a) Estudantinas Em Estudantinas, o enunciador convoca as vozes da critica imparcial e sensata deste e dos outros estados e tambem do extrangeiro [sic], e um crítico reconhecido, Theotonio Freire390, como respaldo ao que foi dito: Como se vê, a estréa de Alvaro Reis é uma das mais auspiciosas. As justas referencias que elle tem recebido da critica imparcial e sensata deste e dos outros estados e tambem do extrangeiro provam-no, sobejamente. Theotonio Freire, olhar arguto e percuciente em cousas de Arte, individualidade cujo destaque avulta soberanamente no quadro das letras patrias, assim se exprime: “Nesse travar continuo de renhidos combates, nesse luctar sem treguas pela conquista de louros, sempre novos e verdejantes, o Sr. Alvaro Reis vibra de esthesia em esthesia, percorre a gamma quasi infindavel das sensações, e de trabalho em trabalho revela nos sempre uma nova face de seu talento de bom fazedor de versos. Estes lhe saem correctos, fluentes, sem grande esforço e mais ou menos revestidos da farfalhante roupagem do estylo”. E terminando a sua brilhante noticia, diz: “Estudantinas é a promessa formal de um bom poeta” (EST, L. 143-155). Observando-se as estratégias argumentativas do enunciador no processo de citação, verifica-se que a crítica favorável é classificada como imparcial, sensata e justa e o crítico escolhido para referendar a sua opinião possui olhar arguto e percuciente e traz uma brilhante notícia. Por outro lado, os críticos que se pronunciaram desfavoravelmente à obra de Álvaro Reis são por sua vez desqualificados como barulho confuso, critica malavisada, desacertada, disparatada, perdidos num labirinto de contradições e incongruências. b) Discurso em homenagem a Xavier Marques Tratando da importância que confere à defesa da língua nacional, na construção do nacionalismo, o enunciador convoca a voz de Coelho Neto, autor consagrado na cena literária nacional para ratificar o que diz: 390 Theotônio Freire foi membro da Academia Pernambucana de Letras. Em 1904 tornou-se sócio correspondente da Revista do Grêmio Literário da Bahia (Revista do Grêmio Literário da Bahia. Ano III, n.2, dez. 1903, p.427; e n. 6 e 7, abr. e mai. 1904, p.514.) 171 Diz o estylista do Inverno em flor: “Ultimamente tem-se notado um pronunciado desejo de autonomia, os escriptores concentram-se na Patria, tiram os olhos dos horizontes extrangeiros, volvem á dos mestres da lingua, abandonando, por momentos, os francezes que tanto têm contribuido para a despersonalização da nossa literatura”. O que diz este escriptor, encontra-se no novellista de Jana e Joel. A cultura da lingua, a convergencia de vistas para as fontes indigenas, o nacionalismo em que são vazados os seus trabalhos e o engenho, com que os tem tratado deram-lhe a saliencia notavel entre os modernos escriptores nacionaes e o fizeram o primeiro em todo o Norte do paiz. E logo adeante fala ainda Coelho Netto: “É bom que assim seja, porque, com a grande corrente de immigração extrangeira, *principalmente para o Sul da Republica, é necessario que a lingua tenha uma defesa para que se não deixe supplantar pelo alienigenismo, desapparecendo, ou apenas subsistindo em dialecto rude” (DXM, L. 176-191). c) Chronica dos Mortos Em Chronica dos Mortos, para atestar o significado do sofrimento enfrentado pelos neocruzados, o enunciador convoca a voz de Cruz e Souza, que nas suas Evocações define o fazer artístico como uma Via Sacra, uma avalanche de sensações e paixões uivantes, uma batalha ensangüentada, na qual a dor é necessária. Se não tem a dor, o poeta deve clamar por ela. Revigorado pela dor e pela fé, pode então o iniciado penetrar as muralhas de ouro do castelo do sonho391. No nosso largo tirocinio, na nossa marcha não é a primeira vez que paramos para encher de flores e de saudades a cruz de uma sepultura. Temos o nosso cemiterio e as nossas cruzes. Para elles, em certas horas de tristeza a nossa alma, romeiro [sic] dessas paragens melancolicas da morte, vae, piedosa e boa, rememorando, abençoando os que se foram, os que comnosco lutaram, combateram, amaram e soffreram, os que emquanto se agitaram no vortilhão da vida, ficaram gemendo, mas ficaram sonhando, como diria o divino Paginario das Evocações (CHM, L. 4-10). 391 SOUZA, João da Cruz e. Evocações. In: id. Obra Completa. Org. de Andrade Murici. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995. p. 519-524. 172 Noutro momento, tratando das vicissitudes sofridas pelos neocruzados, o enunciador convoca a voz do Barão de Feuchtersleben, que em seu livro Hygiene d’Alma, diz que “A vida é uma cruz circumdada de rosas”392. Os outros lutaram, vieram rompendo caminhos asperos, abrindo clareiras na matta cerrada da vida. Para estes ella foi uma “cruz *circumdada de rosas “. Para Raphael as rosas que por ventura espontaram em risonhos botões, cedo cairam queimadas. Os espinhos somente ficaram vivos, circundando-a tenazmente (CHM, L. 15-19). d) Discurso de recepção a Durval de Moraes: Para atestar as qualidades da poesia de Durval de Moraes, o enunciador cita a avaliação fieta por Santos Maia, o qual é classificado como representante da crítica sem convenções, em oposição à crítica estabelecida, classificada como “indigena”393: E aqui está o que Santos Maia, numa pagina bella, nova e forte sobre a Franco Poetica, diz do nosso poeta: “Ao lado do Mario Pede[r]neiras figuraria brilhantemente se não se houvesse recolhido a um quasi ineditismo criminoso, um poeta bahiano, Durval de Moraes, que tive a felicidade de conhecer em meiados do anno passado, graças á amabilidade do pintor Presciliano Silva. Durval, o que não é muito vulgar em nosso meio artistico, possue uma criteriosa cultura scientifica, especiali[s]ando-se na chimica, que estuda com amor e encara de um ponto de vista antes superior e philosophico do que pecuniário e pratico. [...] Fundamentalmente lyrico, elle, por familiarizado com as eloquencias da linguagem atomica e com as architeturas da stereochimica, tornou-se (dir-se-hia que por um phenomeno de educação reflexa) um dos mais amestrados e espontaneos virtuoses do metro, um dos mais habeis manejadores do rythmo e rimas que tenho ouvido. [...] Vae desde o verso de 17, 16, 15 e 14 syllabas, que elle ondula, deforma, contorce, fracciona, com uma pericia singular, até o tet[r]asyllabo galante, em que elle tece deliciosas filigramas lyricas [...] (DDM, L. 300-326). 392 “A vida é uma cruz circumdada de rosas” – citação do Barão de Feuchtersleben, no seu livro Hygiene d’Alma (Nova Cruzada. Salvador, ano 9, n. 6, p.1, jul.1909). 393 SALLES, Arthur de. Discurso de recepção a Durval de Moraes. Os Annaes. op. cit, p. 165. 173 5.2 O ETHOS Para Ruth Amossy394, “todo ato de tomar a palavra implica a construção de uma imagem de si”, não sendo necessário para isso que o locutor fale explicitamente de si. A construção da representação de sua pessoa é feita através de seu estilo, de suas crenças, de sua competência lingüística e enciclopédica. A maneira de dizer induz a uma imagem que interfere na realização do projeto. A construção de uma imagem de si, denominada pelo termo ethos, nos estudos de retórica, de onde se originou, está fortemente ligada à enunciação, ocorrendo nas trocas verbais mais cotidianas, intencionalmente ou não395. A construção do ethos visa a uma legitimação do discurso. A eficácia da palavra produz uma imagem que objetiva causar impacto, garantir a adesão do interlocutor396. O conceito de ethos discursivo, partindo de uma concepção aristotélica tem o sentido moral, mas essa moralidade não parte de uma atitude interior do sujeito, referindo-se, porém, às suas escolhas deliberadas e apropriadas, na construção da argumentação397. Não é o que o locutor diz, mas sim o que ele mostra em sua enunciação que vai torná-lo ou não digno de fé398. De acordo com a ótica pragmática a linguagem não se resume a um meio de expressão de sentimentos ou transmissão de informações, é sim uma atividade intencional que modifica uma situação. Os estudos de pragmática lingüística inserem-se na esteira da teoria de John Austin, que refletiu sobre a força e a eficácia dos atos de linguagem399, e o engajamento do falante na interação comunicativa, considerando a linguagem uma prática social concreta, que envolve contexto, convenções de uso e intenções do falante400. Segundo o filósofo britânico, um ato de linguagem só é bem sucedido quando o destinatário reconhece a intenção associada à sua enunciação401. Na análise de Maingueneau, por outro lado, qualquer ato de linguagem tem pretensões, por sua própria enunciação, à legitimidade, ou seja, a ocorrência da enunciação já pressupõe que as condições exigidas 394 AMOSSY, Ruth. Da noção retórica de ethos à análise do discurso. In: AMOSSY, Ruth (Org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. op. cit. p. 9. 395 Ibid., p. 9-10. 396 Ibid., p. 16-17. 397 EGGS, Ekkehard. Ethos aristotélico, convicção e pragmática moderna. In: AMOSSY, Ruth (Org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. op. cit. p.29-37. 398 MAINGUENEAU, D. Ethos, cenografia, incorporação. In: AMOSSY, Ruth (Org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. op. cit., p. 70-71. 399 É importante destacar que a preocupação com os atos de enunciação fora manifestada anteriormente por Benveniste em sua obra de 1958, quando este tratou das formas subjetivas da enunciação, descrevendo a mudança de atitude instaurada por uma enunciação na utilização de determinados verbos (BENVENISTE, Émile. Da subjetividade na linguagem. In: id. Problemas de lingüística geral. op. cit. v. 1, p. 290-293. 400 AUSTIN, John L. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Trad. de Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto alegre: Artes Médicas, 1990. 401 Ibid. p. 21-28. 174 foram reunidas402. Maingueneau assinala ainda que os atos de linguagem importam na definição da identidade, o lugar dos interlocutores no discurso: “quem sou eu para falar-lhe desse modo? Quem é ele para que eu lhe fale dessa maneira? Quem ele se considera para me falar dessa maneira?403” A língua estudada numa perspectiva pragmática compreende a linguagem como ação, trabalho de um falante, atuação concreta sobre o real e não mais como sistema abstrato, simples representação da realidade404. Conforme Maingueneau, essas duas vertentes relacionam-se com a dissociação histórica entre o lógico e o retórico. Do ponto de vista lógico, a linguagem é questionada acerca da veracidade de suas proposições. Já sob o prisma da retórica a análise centra-se no estudo da força persuasiva dos enunciados, na apreensão da linguagem como discurso produtor de efeitos que efetivamente intervêm no real. A pragmática ocupa-se, então, da linguagem em contexto. A linguagem que é mobilizada por um enunciador, que se dirige a um interlocutor, produzindo determinado efeito, dentro de um certo contexto405. Vale ressaltar, conforme assinala Fiorin, que esse ato individual de utilização da língua, não representa apenas a apropriação de estruturas estáveis da língua, mas significa também trabalho, que jogando com as estabilidades e as instabilidades da língua, desestabiliza seus usos, desfazendo diferenças e criando outras, reinventando sentidos, rompendo coerções sintagmáticas e reconstruindo paradigmas406, pois o discurso é da ordem do acontecimento, o lugar privilegiado da instabilidade lingüística407. A noção de discurso aqui considerada é aquela relacionada à pragmática e utilizada por Maingueneau, que se apresenta como uma organização situada para além da frase, formando uma unidade completa, orientada em função de uma perspectiva assumida pelo locutor, que por sua vez se dirige a um interlocutor ou co-enunciador, e com relação ao qual constrói o seu discurso. O discurso é sempre construído em função de uma finalidade408. Conforme Maingueneau409, “Falar é uma forma de ação sobre o outro e não apenas uma representação do mundo”. “Todo gênero de discurso implica um certo lugar e um certo momento”410. Como assinala Orlandi, não há neutralidade nem mesmo no uso mais 402 MAINGUENEAU, D. Pragmática para o discurso literário. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 10. Ibid., p. 10-11. 404 BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Da língua ao discurso, do homogêneo ao heterogêneo. op. cit. p. 59-69. 405 MAINGUENEAU, D. Pragmática para o discurso literário. op. cit., p.1-3. 406 FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. 2. ed. São Paulo: Ática, 2002. p. 19. 407 Ibid, p. 22. 408 MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. op.cit., p. 52-53. 409 Ibid., p. 53 410 MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. op.cit., p.66. 403 175 aparentemente cotidiano dos signos, a linguagem é opaca, conduz a ciladas, equívocos, o que nos obriga a um estado permanente de reflexão411. O discurso é contextualizado e assumido por um sujeito que diz eu e se coloca como fonte de referências pessoais, temporais e espaciais do enunciado412. Na relação enunciador – enunciatário413, o uso da primeira pessoa associa a imagem do enunciador à imagem vendida no discurso conferindo-lhe legitimidade e dando autoridade ao que é dito. É o princípio da incorporação de que fala Maingueneau414: a ação desenvolvida pelo ethos sobre o coenunciador, “permite a constituição de um corpo, o da comunidade imaginária dos que comungam na adesão a um mesmo discurso”415. 5.2.1 A construção do ethos e a enunciação na primeira pessoa do plural O uso da primeira pessoa, um dos recursos pertencentes à sintaxe discursiva, cria um efeito de subjetividade. Sua não utilização, ao contrário, estabelece um efeito de objetividade416. A enunciação pela forma nós, pode ocorrer de forma inclusiva (eu+você), ou exclusiva (eu+ele), entendendo-se por inclusivo a ocorrência de seqüência discursiva em que o enunciatário é incluído na enunciação. a) Estudantinas Com esta crítica417 Salles analisa um livro de poesias do também neocruzado Álvaro Reis, contrapondo-se, através de uma crítica impressionista, às opiniões pouco favoráveis de uma parte da crítica da época à obra de estréia de Reis, Estudantinas. O texto traz características da retórica e é fortemente persuasivo. Utilizando-se de um plano embreado418 o enunciador constrói enunciados dependentes do ambiente não verbal419. 411 ORLANDI, Eni P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. 4 ed. Campinas: Pontes, 2002. p. 9. MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. op. cit. p.54-55. 413 Embora reconhecendo as diferentes nuanças de sentido que se estabelecem entre as denominações, enunciatário, interlocutor e co-enunciador, dependendo das teorias a que estejam vinculadas, os referidos termos foram aqui utilizados como expressões sinônimas, compreendidos como o leitor/ouvinte real ou virtual a quem se dirige o discurso, aquele em função do qual se orienta a enunciação e que, dentro de um processo de compreensão ativa participa da formação do discurso. 414 MAINGUENEAU, Dominique. O ethos. In: id. Análise de textos de comunicação. op. cit. p. 99. 415 Idem, p.99-100. 416 FIORIN, José Luiz. Discurso: autonomia e determinação. op. cit, p.17. 417 Em princípios do séc. XX, verifica-se uma confusão entre os termos “crítica” e “ensaio”, podendo ocorrer, com certa freqüência, o uso de um termo por outro. Afrânio Coutinho esclarece a questão, apresentando as seguintes conceituações para os vocábulos: o termo “crítica” é em geral empregado para o comentário de livros de publicação corrente em seções especializadas de jornais e revistas, o que Coutinho classifica como book review. Já o termo “ensaio” é utilizado para nomear a crítica de obras ou autores do passado, em geral publicados em livros. COUTINHO Afrânio. Da crítica e da nova crítica. op. cit., p. 31-33. 418 O plano embreado ocorre quando os referentes do enunciado estão em relação com a situação de enunciação. Nesse caso, o enunciador deixa marcas no enunciado que indicam a sua presença e a sua atitude face ao que diz. 412 176 Os dêiticos utilizados nos dois primeiros parágrafos e no início do terceiro são embreantes cujos referentes só podem ser recuperados no ambiente extra-textual. Pressupõem um enunciatário que partilhe da mesma cena enunciativa: Ha quatro annos que o nosso espirito, alentado pela seiva poderosa de ideaes nobilitantes ruma para esse paiz mysterioso da Arte, sopeando entraves como quem vinga montanhas abruptas ou abre uma estrada no intrincado bravio de uma floresta. Quatro annos sem que o nosso esforço affrouxasse ou diminuisse de intensidade, sem que as nossas energias se esvanessessem, embora o vehiculo de nossos pensamentos, que é também a historia e o roteiro de nossa perigrinação de sonhadores, tenha sido, maugrado nosso, contrariado na sua marcha pela influencia fatal de circumstancias[sic] inalienaveis (EST, L.3-11). Essa construção torna-se possível porque o enunciatário virtual situa-se numa formação discursiva próxima daquela do enunciador, partilhando da mesma memória discursiva. O enunciador dirige-se a outros literatos, ou apreciadores da arte, que não terão dificuldade em conferir sentidos aos enunciados em questão, que se referem ao esforço dos neocruzados para se estabelecerem na cena literária baiana e à Nova Cruzada, veículo de divulgação da sua produção. O enunciador deliberadamente constrói uma certa posição de leitura, oferecendo instruções que conduzem a uma conivência do leitor na decifração das indicações fornecidas420. A enunciação se faz na primeira pessoa, utilizando o nós exclusivo (eu+eles), que inclui além do enunciador, outros neocruzados, convocados a referendar o discurso. A partir do terceiro parágrafo, entretanto, os enunciados são apresentados dentro de um sistema de referências intra-textual, contendo as informações necessárias à sua perfeita Os referentes são então chamados embreantes ou dêiticos e têm significado estável, identificado com o contexto de cada enunciação particular. (MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. op. cit. p. 105-123). 419 O suporte e o meio de difusão de um texto são também elementos que devem ser considerados na análise do discurso, pois o modo de transmissão e de recepção do enunciado condiciona a própria constituição do texto, modelando o gênero do discurso. Neste sentido, a primeira distinção a ser feita é entre o texto oral e o escrito, planos que comportam oposições que vão muito além da referência imediata aos suportes. Dentre os vários aspectos que compõem esta oposição, destaca-se para a análise do texto sallesiano a distinção entre enunciados dependentes, que pressupõem a presença de um co-enunciador no mesmo espaço físico da enunciação, possibilitando ao enunciador a utilização de fórmulas fáticas, modalizadores, dêiticos e elipses, que conferem maior dinamismo ao processo da comunicação, além de garantir maior adesão do enunciatário; e enunciados independentes do ambiente não verbal, que não contam com um ambiente partilhado e, por isso mesmo, são constituídos com base em um sistema de referências intra-textual. Contemporaneamente, com as fronteiras entre o oral e o escrito bastante diluídas, é cada vez mais visível a inserção de características da oralidade no texto escrito, recurso utilizado pelo enunciador como meio de garantir o aliciamento do enunciatário (MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. op. cit., p. 70-83). 420 MAINGUENEAU, D. Pragmática para o discurso literário. op. cit. p. 25-26. 177 interpretação. O enunciatário é então convocado a validar o discurso. A enunciação continua em primeira pessoa, agora com o uso do nós inclusivo (eu+você), recurso que confere maior aproximação do enunciatário: As Estudantinas dividem-se em tres partes: Nascentes, Caniculares e Poentes. Na primeira ha bellissimos sonetos como Intima, Fragas, A Sós, A Beira-Mar e os tres sonetilhos septisylabos Manhã, Meio-dia e Entardecer, Só, Sobre as Ondas. Em todos elles predomina um lyrismo delicioso e rico de emoções. Transcrevamos Fragas (EST, L. 30-35). [...] A Caniculares dá-nos esplendidas descripções como: Reconcavo, Paysagem Oriental, sonetos artisticamente sentidos, poesias lavoradas com esmero. Morena, Rei-Mar, Hierarchico e outros demonstraram-no claramente (EST, L. 52-55) [...] Por estes magestosos alexandrinos, podemos aferir a organisação poética do auctor das Estudantinas. Temol-o aqui vibrante; mais adiante delicado e suave em Odio e Amor e em Intangivel. Neste delinêa-se a paysagem da alma insolada pelo desejo irrealisavel que estúa ardente como a terra abrasada aos raios do sol impolgavel... (EST, L.8385). [...] Ornam ainda o livro bem trabalhadas traducções de obras francezas de Pethion de Villar, Phileas Lebesgue e Heredia, o glorioso parnasiano dos Tropheos. Quem cotejar as obras destes auctores com as versões do poeta verá que elle se inteirou da idéa e a transportou para o vernaculo com verdade, harmonia e belleza. Vejamos o PÔR DO SOL (EST, L.122-127). 178 b) Chronica dos Mortos Em Chronica dos Mortos, a utilização da primeira pessoa do plural pelo enunciador indica que ele fala não só em seu próprio nome, mas em nome de uma coletividade, os poetas da Nova Cruzada. Além disso, o nós tem a intenção de aliciar o enunciatário, convocando a cumplicidade do leitor. Ocorre no texto uma alternância das duas formas de nós (inclusivo e exclusivo). A estratégia é de aproximar e envolver o interlocutor, a partir de um componente emocional, que também mobiliza a sua vaidade intelectual: Bento Murilla!.. A Bahia literaria conheceu este incansavel trabalhador. Poeta inteirado, prosador correcto, o nosso extincto deixou um não pequeno numero de obras ineditas, reveladoras de sua cultura e do seu talento pujante. O estudo acurado do nosso folklore que elle de muito vinha fazendo e que infelizmente não teve a gloria de ver publicado, abrangia, nos seus ultimos tempos, uma bella parte da sua actividade (CHM, L.27-32). [...] Bento Murilla, [...] tornou-se um dos mais populares e um dos mais queridos do nosso meio literario. (CHM, L. 33-35) É grande o escrinio do notavel poeta e prosador rio-grandense. [Damasceno Vieira] [...] Que aquelles [nós] que o lêem sintam e digam a emoção que se goza no beber o lyrismo sadio e bom de suas estrophes esplendidas [...](CHM, L. 47-53) No Paraná o moço [Souza Pinto] não desmentiu a firmeza da nossa crença no seu esforço. (CHM, L. 64). Já com o uso do nós exclusivo o enunciador convoca os outros neocruzados para atestar a sua fala. Observa-se um distanciamento em relação ao interlocutor e uma aproximação com os companheiros de agremiação literária, evocando aí tanto os vivos quanto os mortos: No nosso largo tirocinio, na nossa marcha não é a primeira vez que paramos para encher de flores e de saudades a cruz de uma sepultura. Temos o nosso cemiterio e as nossas cruzes. Para elles, em certas horas de tristeza a nossa alma, romeiro [sic] dessas paragens melancolicas da morte, vae, piedosa e boa, rememorando, abençoando os que se foram, os que comnosco lutaram, combateram, amaram e soffreram, os que emquanto se agitaram no vortilhão da 179 vida, ficaram gemendo, mas ficaram sonhando, como diria o divino Paginario das Evocações (CHM, L. 4-10). [...] Damasceno Vieira, tambem nosso cavalheiro de honra, cujo retrato illumina a primeira pagina desta Revista, foi o primeiro que nos veio ao encontro quando, vae por dez annos, surgimos na arena das letras. Deu-nos o brado de incitamento e bateu palmas á nossa iniciativa (CHM, L. 37-40). [...] Fechemos esta pagina triste e magoada com o nome querido de Souza Pinto (CHM, L. 58). A alternância da enunciação com o nós inclusivo e exclusivo estabelece uma situação proposital de ambigüidade que acaba por levar o leitor a se sentir como um porta-voz do locutor. O fato de o suporte ser uma revista literária fortalece a pressuposta intenção do enunciador de agir sobre o Outro, envolvendo e conquistando seu leitor virtual, presumivelmente poetas, escritores e admiradores das artes e do texto literário. c) Discurso official em homenagem ao poeta Lopes Ribeiro (DLR) A utilização do nós inclusivo nos primeiros parágrafos desse discurso convoca os interlocutores, interpelados na saudação inicial como vós, Meus Senhores, Meus companheiros de jornada, à legitimação da perplexidade e do desconforto que o enunciador experimenta no confronto com a dura realidade morte: É sempre nova a velha impressão da Morte!... Nunca nos podemos conciliar com esta verdade atroz e nos revoltamos toda a vez que ella nos faz curvar a fronte diante da fatalidade de seos arestos irrevogaveis. Quer voltando o olhar para os espaços, caminho estrellado e sereno dos que vão para a Bemaventurança, ou dirigindo o olhar para a terra, termo final da carreira humana, na crença dos que não admittem outra vida melhor, de eterna paz e de eterno repouso; quer sejamos simples matéria ou tenhamos além desta materia outra cousa luminosa, intangivel, incorruptivel, immortal, o certo é que a idéa da Morte nos traz sempre uma especie de torpor sagrado, de scisma religiosa, nos faz parar contemplativos e silenciosos, diante de um tumulo. 180 Invade-nos uma sombra fria de desconforto, sentimos o gelo chegar até nós, ouvimos o alarido surdo e confuso de trombetas proclamando a partida para essa viagem de onde se não volta mais, para essa Jerusalem anciada por tantos corações enfermos e amaldiçoada pelos que amam gyrar ainda nos centros ruidosos do Mundo. Mas, de tudo isso, desse embater de idéas, dessa opposição de sentimentos, desse indagar incessante e perenne, resta-nos a dôr gemendo e ferindo cruciantemente: fica-nos essa realidade sem a qual não seriamos perfeitamente humanos!... [...] (DLR, L. 3-33) Noutro momento, descrevendo as atitudes do homenageado e os caminhos que percorreu, o enunciador utiliza-se do nós exclusivo, referindo-se às relações existentes entre os confrades da Nova Cruzada: Assim, gozavamos o beneficio de tão grande amizade e de tão bella e venturosa convivencia, quando o invicto 16 de Infantaria partio para as terras longinguas do Matto Grosso, em defesa do territorio nacional. Vimol-o seguir convicto de seo dever, sereno e forte para a luta onde o seo patriotismo ia inda uma vez affirmar-se. Um anno depois abraçamol-o contentes e felizes. Pouco, porém, durou esta alegria. [...] Mesmo atravez de todas as difficuldades, vicissitudes e perigos de uma viagem penosa que tão funesta lhe havia de ser, o nosso chorado Irmão não descançou. Relata-nos em paginas claras e fulgentes de estylo aprimorado as impressões que recebera ao subir o Amazonas (DLR, L. 177-190). d) Discurso em homenagem a Xavier Marques (DXM) Com a utilização do nós inclusivo, o enunciador busca aqui a adesão dos interlocutores para referendar a enunciação, seja no elogio do local escolhido para a homengem, o Liceu de Artes e Ofícios, seja na apresentação da biografia e da obra do homenageado: E para celebral-a, eis-nos sob o zimborio glorioso deste templo do Trabalho, que umas almas boas e grandes, eternas na memoria das gerações, levantaram para o consolo balsamico de muitas almas. Nas suas naves augustas, paira a poesia profunda e solenne do passado, infiltrando um sentimento emocionante de evocação, um grato recordar de lutas 181 incruentas, de risonhos alvoreceres de victorias e de refulgências e loiros immarcessiveis, colhidos nesses combates pujantes de civilização. Sentimos, envolvendo-nos numa resplandescencia olympia, a claridade perenne de suas glorias, o fulgor inextinguivel de suas tradições. E mais do que nunca se nos afigurou tão grande, nem tão majestoso se nos descortinára qual se nos mostra hoje, [...] E nenhum outro nos serviria no momento que se nos depara: [...] (DXM, L. 5076) Dentre a plêiade dos que, há decennios, se alistaram na fileira das letras bahianas e que se tornaram os guardas zelosos de suas tradições, no dominio da Intelligencia, destaca-se a individualidade triumphante do autor do Holocausto. Ella é a mais distincta, a mais notavel. Essa distincção e essa notabilidade avultam mais aos nossos olhos, impõem-se-nos mais caracteristicas e mais bellas quando inquirimos o meio em que ella se desenvolvera, se ampliara e se definira [...] (DXM, L. 89-106). [...] porque em toda a obra do narrador do Sargento Pedro vibra o sentimento nacional, vive a vida que vivemos, brilha o céu que nos cobre, pompeia a flora que nos cerca, canta este pedaço do Atlantico que ruge nas penedias, espuma nos alcantis, rebôa na soturnidade das noites, accordando o silencio absoluto das praias ermas – este mar que as paginas evocadoras do Pindorama nol-o faz recordar, [...] (DXM, L. 131-160). O nós exclusivo é utilizado quando o enunciador convoca especialmente os confrades para legitimar a enunciação: A Nova Cruzada ha cinco annos vem rompendo esse adensado bravio de tormenta... Quanto esforço, quanta coragem para cavar na muralha sagrada o vexillo de uma Idéa!... E na hora amarga, sombria das cogitações, sentindo o desconforto quasi assediarnos a alma, seu nome tem sido o brado de incitamento e, sem que o saiba, seguimos banhados na grandeza edificante de seu exemplo, abençoando o seu trabalho e bemdizendo o seu valor e a sua fortaleza inamolgavel de stoico (DXM, L. 224-231). 182 5.2.2 Outras estratégias enunciativas utilizadas Na interação dialógica os interlocutores utilizam estratégias, destacam alguns aspectos do referente e apagam outros, manipulam a linguagem, realizando escolhas, dentro das possibilidades que a própria língua oferece para representar, reconstruir o real. Conforme Maingueneau, “a eficácia do ethos decorre do fato de que ele envolve de alguma forma a enunciação, sem estar explícito no enunciado”421. A noção de ethos compreende uma instância subjetiva que emerge da enunciação e que desempenha o papel de fiador do que é dito. Este por sua vez possui um caráter e uma corporalidade que serão construídas pelo leitor, a partir das representações sociais valorizadas ou desvalorizadas em que se apóia a enunciação422. No processo de argumentação, a seleção dos substantivos, determinantes e modificadores, utilizados na construção do discurso crítico do autor, obedece a uma lógica de orientação impressionista. Na análise que faz das obras prevalece o culto da impressão em detrimento da caracterização objetiva dos textos. As interjeições, os enunciados interrompidos, os elementos avaliativos (substantivos de qualidade, adjetivos subjetivos e advérbios avaliativos, verbos apreciativos) e os advérbios modalizadores ou de frase, que incidem sobre o conjunto do enunciado e não apenas sobre o sintagma verbal, são recursos colocados a serviço da condução da argumentação. Nos exemplos destacados observa-se a intenção de persuasão que move a pena do enunciador. As formas lexicais, assim como as figuras de linguagem são cuidadosamente escolhidas para envolver o interlocutor, para torná-lo aliado incondicional, para que partilhe das mesmas idéias, referendando o que é dito. a) Chronica dos Mortos No necrológio publicado no periódico literário Nova Cruzada, a argumentação é conduzida com vistas ao aliciamento deliberado do leitor que é convidado a validar o discurso do enunciador. Para isso o enunciador utiliza-se de um tom melancólico, funesto mesmo, descrevendo as circunstâncias em que se deram as mortes dos quatro poetas homenageados de maneira subjetiva, procurando dar uma idéia de quão sofrida fora a existência dos neocruzados e da luta insana por eles empreendida para seguir vivendo e poetando... Bento Murilla!.. 421 MAINGUENEAU, D. Ethos, cenografia, incorporação. In: AMOSSY, Ruth (Org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. op. cit., p. 70. 422 MAINGUENEAU, Dominique. O ethos. In: id. Análise de textos de comunicação. op. cit. p. 98-99. 183 A Bahia literaria conheceu este incansavel trabalhador. Poeta inteirado, prosador correcto, o nosso extincto deixou um não pequeno numero de obras ineditas, reveladoras de sua cultura e do seu talento pujante. O estudo acurado do nosso folklore que elle de muito vinha fazendo e que infelizmente não teve a gloria de ver publicado, abrangia, nos seus ultimos tempos, uma bella parte da sua actividade. Collaborador e fundador das principaes revistas literarias da Bahia, o nome de Bento Murilla, nosso cavalheiro de honra, tornou-se um dos mais populares e um dos mais queridos do nosso meio literário (CHM, L. 27-35). São quatro os poetas homenageados no texto, todos participantes da Sociedade Nova Cruzada. Observe-se como são apresentados e em que circunstâncias faleceram: Raphael Leal, poeta inspirado, foi um dos fundadores da Nova Cruzada, era enthusiasta e morreu muito jovem. Viveu, entretanto, intensamente e sempre rodeado de grande sofrimento, informa o enunciador, que se refere à vida do poeta como uma existência de trinta e quatro annos abreviada pela miseria e pelo abandono. Enquanto outros lutaram e conseguiram alcançar os louros da vitória, este teria conseguido das rosas apenas os espinhos. Embora tivesse uma constituição robusta, a escassez dos recursos e a luta diária para sustentar os filhos acabou por consumir-lhe as energias e leva-lo à morte. De todas as perdas, dadas as circunstâncias em que ocorreu, esta foi a que mais fundo feriu o coração dos companheiros. Só a terra foi piedosa e deu-lhe o descanso merecido. Bento Murilla, trabalhador incansavel, poeta inteirado, prosador correcto muito culto, detentor de uma grande obra e de um talento pujante, foi collaborador e fundador das principaes revistas literarias da Bahia e era cavalheiro de honra da Nova Cruzada. Era um dos mais populares e um dos mais queridos do meio literario local e deixou inacabado um estudo acurado sobre o folklore baiano. Damasceno Vieira também foi um dos cavalheiros de honra da Nova Cruzada. Desde o início da formação do grupo esteve presente apoiando a iniciativa. Poeta já consagrado – conforme deixa claro o enunciador que o nomeia como, velho Artista das “Albatrozes”, velho forte, poeta delicado, Artista nobre, figura veneranda dono de um lyrismo sadio e bom e de estrophes esplendidas, iluminado por uma aureola fulgente e immorredoura – quando os outros eram ainda neófitos, emprestou seu prestígio para ajudar os neocruzados, publicando na revista que então surgia. O seu enthusiasmo em relação aos cruzados funcionou como um clarim de guerra. Diferentemente dos outros ele podia dedicar-se à sua arte, embora tivesse 184 que trabalhar em outras coisas, certamente para garantir o sustento: A sua vida correu entre o trabalho honesto e o culto da Arte – culto sincero, fervoroso e bello [...]. Além de poeta foi também crítico e historiador. Souza Pinto, também um dos fundadores da Nova Cruzada, além de poeta era bacharel. Como Arthur de Salles, teve que transferir-se para dar continuidade à vida profissional. Morreu jovem, não chegando a concretizar seus planos e sonhos, conforme nos indica o enunciador: Era sua alma apaixonada, enthusiastica do Bello. Desde os tempos academicos Souza Pinto começou a traçar paginas claras e versos sonoros. Terminado o brilhante tirocinio academico, o jovem bacharel foi levar a outras plagas o brilho do seu talento. No Paraná o moço não desmentiu a firmeza da nossa crença no seu esforço. Infelizmente, a morte veio sustar-lhe a carreira brilhante, em Fevereiro deste anno, longe da terra natal [...](CHM, L. 59-66). Nas cartas que escrevia do exílio, apareciam as saudades da terra natal e as mais doces recordações da mocidade sonhadora. Inesperadamente a morte o arrancou da convivência dos demais. Na construção do texto crítico as estratégias utilizadas pelo enunciador buscam validar o discurso, seja pela interação com o enunciatário, pela freqüente utilização do plano embreado e da enunciação na primeira pessoa do plural (“nós” inclusivo e exclusivo) seja pelos recursos de citação integrada e de autoridade. Na utilização do plano embreado as diversas marcas da presença do enunciador apresentam um ethos que embora se declare imparcial e amigo da verdade, se mostra como parcial. Constrói para si uma imagem de erudito, grande conhecedor do universo literário que o cerca e dos valores estabelecidos pela crítica do seu tempo. Seu estilo é eclético, defende a tradição, porém sem rigidez, pois é sensível à necessidade de mudança quando ela se apresenta. Sua imagem é modelada por representações sociais que espera sejam partilhadas pelo(s) seu(s) interlocutor(es). O co-enunciador, seja interpelado como “vós”, seja assimilado na enunciação do “nós” é sempre convocado a ratificar as idéias postas em circulação pelo enunciador. A opção de enunciação na primeira pessoa do plural, que é recorrente no conjunto de textos analisados, além de inscrever o leitor no texto, concorrendo para a legitimação do discurso, constrói uma imagem de sujeito coletivo, que ao mesmo tempo em que engloba o co-enuncidor (eu+você) e inscreve outras vozes no discurso 185 (eu+ele), mostrando um ethos que se coloca em situação de igualdade com o(s) seu(s) interlocutor(es), comungando dos mesmos valores, da mesma opinião. A enunciação revela também a grande aproximação existente entre as vozes do crítico e do poeta, e a sua estreita relação com as diversas vozes oriundas do grupo da Nova Cruzada. Em Estudantinas, por exemplo, percebe-se que o sucesso de Álvaro Reis configura-se em vitória importante de todos os neocruzados. O ideal de consagração na cena literária é desejo coletivo, é o sonho, o alvo de todos os neocruzados e o difícil caminho por eles percorrido aparece metaforizado como montanhas abruptas, estrada aberta no intrincado bravio de uma floresta, perigrinação de sonhadores. O enunciador deixa claro ainda, que a Nova Cruzada foi importante instrumento na luta travada diariamente e que, por maior que fossem os entraves encontrados, eles jamais desanimaram, fortificados que eram pelos seus ideais. A valorização das representações do nacionalismo, flagrada na quase totalidade dos textos remete a uma intenção clara de recuperar o lugar deste ethos coletivo da “antiga Athenas brasileira” na cena literária nacional. A defesa incondicional da produção dos literatos da Nova Cruzada objetiva reverter a situação de pouco prestígio dos simbolistas, na cena literária local, propondo a sua elevação a um lugar de destaque junto aos consagrados representantes da literatura baiana e nacional. 186 CONSIDERAÇOES FINAIS A publicação em periódicos, que foi, no início do século passado, o grande facilitador na divulgação dos textos literários, configura-se, hoje, em grande dificuldade para o pesquisador no trabalho de resgate dessas obras. Coleções de periódicos incompletas e mal conservadas nos acervos públicos e outras ainda inacessíveis em mãos de particulares, são alguns dos problemas enfrentados. O tempo, o manuseio e, muitas vezes, as condições de armazenamento inadequadas acabam oferecendo grandes dificuldades ao trabalho do pesquisador. Dentre as coleções de revistas consultadas, algumas se encontravam em precário estado de conservação, principalmente as coleções de Careta, A Cegonha, Fon-Fon e Revista da Bahia, que apresentavam alguns volumes bastante danificados pela ação de insetos, alguns exemplares incompletos, com páginas rasgadas, cortadas ou arrancadas totalmente e outros ainda que possuíam apenas as capas. A numeração nem sempre é regular e constatou-se a falta de alguns exemplares. A continuidade do trabalho de levantamento de fontes sobre a obra dispersa do poeta baiano Arthur de Salles além de propiciar o conhecimento de textos inéditos do autor, tanto em poesia como em prosa, revelou outras faces do escritor, até então pouco investigadas: as de cronista e de crítico. O trabalho de fichamento de jornais e revistas, assim como a leitura de obras raras e do epistolário do autor contribuíram ainda, para o enriquecimento da cultura acadêmica, proporcionando o conhecimento de detalhes e curiosidades sobre a História da Literatura na Bahia, nem sempre encontradas nos livros disponíveis ao grande público. O movimento simbolista no Brasil, ao contrário do que se divulga muitas vezes, foi bastante extenso, ultrapassando em muito as fronteiras docentro difusor da cultura no país, o Rio de Janeiro. Na Bahia, como de resto em todo o Norte e Nordeste do país, sua produção ficou em grande parte restrita à divulgação em periódicos e em tertúlias locais, não alcançando assim o critério de circulação na memória coletiva nacional, utilizado pela maioria dos críticos. A indiferença de grande parte da crítica militante se deveu, ainda, à pouca simpatia que devotavam ao movimento, pois os críticos eram em sua maioria naturalistas e combatiam com severidade os traços românticos que a estética simbolista recuperava. O resultado da soma desses fatores é o pouco ou nenhum prestígio com que é tratado o Simbolismo nas nossas Histórias da Literatura e o conseqüente apagamento do nome de seus cultores da cena literária. 187 A singularidade da poesia nacional no cenário mundial e o valor da produção inédita da literatura brasileira do período era uma das preocupações de Salles, que assim se referiu em um dos seus discursos423: [...] em nenhum paiz do mundo a poesia brota com tanta maravilha e tanto esplendor. Em nenhum paiz da terra o alcandorado da epopéa se casa ao intenso do drama, ao sombrio da tragedia e ás delicadezas infinitas e diaphanas do lyrismo. Em nenhum trecho do planeta ha maior somma de ineditismo, de rythmos ineditos, de vida inedita, themas e cousas ahi estão na tortura do ineditismo, palpitando pelo momento luminoso e creador da libertação. Almas e cousas ahi estão como a floresta á espera do bandeirante que a desvende, como o ouro escondido, á espera do garimpeiro que o apresente ao mundo para embevecer os olhares do mundo (FRD, L.45-54). No Brasil, durante o primeiro quartel do século XX, período a que se circunscreve essa pesquisa, os periódicos tiveram grande importância, seja como meio difusor e democratizador da cultura, seja como meio de sobrevivência dos literatos, já que a publicação de livros era difícil e bastante onerosa. Na Bahia, como em todo o Norte e Nordeste do país, a imprensa teve papel decisivo na divulgação das idéias e estéticas que circulavam no centro cultural do país e mesmo na Europa. Contrariando o que se afirma comumente, a análise dos textos de imprensa, bem como a da correspondência do autor demonstram que os literatos baianos estavam sempre atualizados, em sintonia com o que ocorria no mundo das artes, seja no centro cultural do país, seja na Europa, centro difusor das tendências e estéticas. Em Salles, por exemplo, a atividade crítica é uma constante, sempre bem informado e integrado ao contexto circundante. É o que se pode comprovar da leitura do fragmento a seguir, extraído da correspondência do poeta para o amigo Durval de Moraes424, em que discute o problema da tradução de textos do francês, além de emitir opinião sobre um texto do poeta e amigo e tecer comentários sobre a sua própria obra. Recebi os jornaes e os esplendidos e invejaveis Atobás... Invejaveis, sim!.. Que pagina, bandido!.. É assim que se escreve sobre Atobás. Li-a, reli-a a magestade e 423 SALLES, Arthur de. Fragmento do discurso do Acadêmico Arthur de Salles. Revista da Academia de Letras da Bahia. op. cit, p. 38. 424 Carta a Durval de Moraes (062:0237, fº1, L. 9-23 e fº2, L. 1-8). 188 belleza foram surgindo intensas, vibrantes. Tenho para a parte Ribas nataes uma bella e magnifica seara de epigraphes já que não é possivel arrojal-a sobre estas desmanteladas paginas do Mar. Salve ainda vez [sic] poderoso evocador... [...] Quanto ao Alvaro. Mostrei-lhe os trechos das chronicas de Vieillard. Leu-os ancioso e tomou-os. O Alvaro, porem, disse-me que na traducção do poeta paulista há uma falta grave: ventos alisados. Disse-me que não é possivel. Alisios e só alisios. É termo exclusivamente maritimo não pode soffrer alteração. Logo o Alvaro <an> está superior pelo [sic] fidelidade. Agora quase todo mais eu ainda fico com o Alvaro ao contrario do chronista. E note-se que o soneto foi ultimamente retocado e está um primor. Quer queiram quer não o Alvaro é o maior traductor que <eu conheço> tem o Brasil, maximé de Heredia. O traductor paulista não vae ao bojo do Kilkerry que é mais livre quanto mais do Alvaro. Ora, aqui está!... (062:0237). A pesquisa revelou que era grande o intercâmbio de idéias entre os intelectuais do Norte e Nordeste do país. Os literatos dessas regiões compartilhavam sua produção que era lida, criticada e publicada nos diversos órgãos de divulgação existentes. Nesse sentido, é possível assinalar a influência exercida pelas agremiações cearenses, A Padaria Espiritual e o Centro Literário, ambas surgidas em fins do século XIX, sobre as demais associações literárias criadas posteriormente em todo o Nordeste. Vale ressaltar, conforme afirma Azevedo, que nessas sociedades literárias do Ceará as primeiras obras simbolistas surgiram de forma concomitante e independente daquelas produzidas pelo movimento liderado por Cruz e Souza e outros, no sul e sudeste do país425. O predomínio da subjetividade que marcava grande parte da crítica publicada em jornais e revistas brasileiros entre fins do séc. XIX e início do séc. XX dava-lhe a feição de crônica, registro ou review, registro de livros em rápido comentário, pois em geral não havia critério norteador, nem padrão de valores estabelecido para a interpretação, resumindo-se, em geral, ao critério do gosto pessoal do crítico. É nessa linha crítica impressionista e elogiosa que se insere a produção crítica de Arthur de Salles, que, por não possuir critérios objetivos de análise, produz uma crítica de simpatia, predominantemente elogiosa. Na construção da argumentação as vozes do poeta e do crítico se confundem e o texto toma feições de prosa poética. 425 AZEVEDO, Sânzio de. A Padaria Espiritual e o Simbolismo no Ceará. op. cit. p. 42-48. 189 Salles, contudo, demonstra em seus textos críticos erudição, conhecimento enciclopédico e literário, que fazem dos seus textos mais que simples recensão informativa de obras publicadas. Na construção do discurso os enunciados são estruturados de modo a garantir a adesão do interlocutor para o que diz. Para isso o enunciador lança mão de recursos específicos, tais como, a enunciação na primeira pessoa do plural (“nós” inclusivo e exclusivo), a utilização do plano embreado e o uso do discurso citado, com citação integrada e citação de autoridade. As marcas da presença do enunciador na enunciação apresentam um ethos que se mostra como parcial, erudito e de estilo eclético. O co-enunciador, seja interpelado como “vós”, seja assimilado na enunciação do “nós” é sempre convocado a validar as idéias postas em circulação pelo enunciador, legitimando as representações sociais apresentadas. A análise das escolhas lexicais e das demais estratégias argumentativas utilizadas nos textos levam a crer que as dificuldades, de toda sorte, enfrentadas pelo locutor e por seus contemporâneos para permanecerem ligados às atividades literárias, estavam sempre presentes em seu imaginário. No discurso sallesiano a articulação da vida com a atividade literária aparece metaforizada como luta ingente, combate, arena, vortilhão, caminho aspero, “uma cruz circumdada de rosas” – como disse o Barão de Feuchtersleben426em seu livro Hygiene d’Alma. O sofrimento é crucial, principalmente, para aqueles que, como Salles, tiveram que cumprir longos períodos de exílio para garantir a subsistência. Então os dias tornam-se placidos, tediosos427 e a inspiração foge da alma do poeta, como as andorinhas do inverno. Os sucessos assim como as desventuras de cada neocruzado são enunciados como patrimônio de todos, mostrando que a luta é coletiva. A convivencia passageira entre irmãos do mesmo credo, [...] é um bem que se não apaga428. É o que se pode constatar da leitura dos fragmentos abaixo, que se referem aos neocruzados Xavier Marques e Lopes Ribeiro, respectivamente: A Nova Cruzada ha cinco annos vem rompendo esse adensado bravio de tormenta... Quanto esforço, quanta coragem para cavar na muralha sagrada o vexillo de uma Idéa!... E na hora amarga, sombria das cogitações, sentindo o desconforto quasi assediarnos a alma, seu nome tem sido o brado de incitamento e, sem que o saiba, seguimos 426 NOVA Cruzada. Salvador, ano 9, n. 6, p.1, julho de 1909. Como diz Salles em seu texto As Andorinhas (SALLES, Arthur de. As Andorinhas. A Rajada. Rio de Janeiro, n. 3-4, p. 96, L. 19. 1919-29). 428 SALLES, Arthur de. Discurso de recepção a Durval de Moraes. Os Annaes. op. cit, p. 1. 427 190 banhados na grandeza edificante de seu exemplo, abençoando o seu trabalho e bemdizendo o seu valor e a sua fortaleza inamolgavel de stoico (DXM, L. 224-231). Viverás comnosco na communhão espiritual de nossa Fé, ungindo-nos com os Santos oleos da tua Bondade! Ver-te-emos sempre onde quer que haja um soluço, uma alma que sinta, um coração que gema, um rosto banhado de lagrimas!.. Neste jornadear incessante, neste mourejar de todos os dias, lutando, trabalhando pela victoria da Arte, foste, entre nós, um soldado estrenuo, um campeão affeito ao combate. Esta singela e humilde homenagem não exprime somente um dever de associação: é uma romaria espiritual, é um culto civico rendido ao teo Espirito de Eleito, de Abnegado e de Forte. [...] (DLR, L. 283-296). “A tragédia do intelectual honesto num regime político corrupto: praticamente sem teto e sem pão”, como disse Adroaldo R. Costa429, era comum àquela época. A luta desesperada daqueles jovens poetas ficou registrada não só no discurso de Arthur de Salles, como também no de seus contemporâneos. Em Damasceno Vieira, os jovens poetas da Nova Cruzada são nomeados novos peregrinos, jovens paladinos, fortes guerrilheiros, que ousadamente votavam seus destinos às expansões da Idéa illuminada430. As vitórias individuais representavam marcos importantes no caminho que deveria ser desbravado por todos. Ao finalizar essa etapa da pesquisa, espera-se ter podido demonstrar a amplitude da produção de Arthur de Salles, a qual, se acredita, confirma a sua atividade de crítico impressionista. A partir da breve análise acerca dos periódicos e dos caminhos da crítica literária em Salvador, no primeiro quartel do século XX, espera-se poder contribuir para a reconfiguração da história do Simbolismo e da Literatura baiana do período. 429 COSTA, Adroaldo Ribeiro. Arthur de Salles. Diário da Bahia, Salvador, p. 2, 05/07/1952. VIEIRA, Damasceno. 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