Artigo Original
Processos de registro e gerenciamento
concernentes aos sistemas de informação da
tuberculose nos municípios do estado do
Rio de Janeiro prioritários segundo o
Fundo Global Tuberculose Brasil, 2009/2010
Data register and management processes related to the
information systems regarding tuberculosis in the counties of
Rio de Janeiro State considered priority for tuberculosis control
by the Global Fund for Tuberculosis in Brazil, 2009/2010
Maria de Lourdes Tavares Cavalcanti1, Regina Maria Guedes de Carvalho2,
Maria Lúcia Freitas dos Santos3, Eliane Dale Sucupira4, Gabriela Fonte Pessanha5,
Débora Araújo de Medeiros6, Natasha Ventura da Cunha6, Vanusa de Lemos Andrade7,
Jurema Salles Fonseca6, Antonio José Leal Costa8
Resumo
A produção das informações necessárias ao Programa de Controle da Tuberculose (PCT) baseia-se num complexo sistema
de registros, sendo o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) a principal fonte de dados. O objetivo do
presente trabalho foi descrever os processos de registro e gerenciamento concernentes aos sistemas de informação da
tuberculose nos 13 municípios de abrangência do Fundo Global Tuberculose Brasil no estado do Rio de Janeiro. Foi realizado
um estudo qualitativo baseado na análise temática de entrevistas com coordenadores dos PCT. A cobertura, a descentralização e os fluxos variam segundo o tipo de registro sobre tuberculose e entre os municípios, tendo em vista a organização
dos PCT e suas relações com a rede de saúde. Entre os processos para coleta e registro de dados sobre tuberculose, são
priorizados os relacionados à notificação de casos no SINAN. O Livro de Registro de Pacientes e Acompanhamento de
Casos de Tuberculose é o instrumento básico do PCT nas unidades de saúde, no entanto, não é utilizado plenamente no pla-
Professora Adjunta do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
Médica sanitarista responsável pelo Sistema de Informação de Tuberculose na Gerência de Pneumologia Sanitária da Secretaria de Saúde do Estado do Rio
de Janeiro – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
3
Mestranda do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ, Rio de Janeiro (RJ), Brasil. Analista de Gestão do Núcleo do Estado do Rio de Janeiro do
Ministério da Saúde – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
4
Médica responsável pelo Sistema de Informação de Tuberculose na Gerência de Pneumologia Sanitária da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro –
Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
5
Responsável pelo Sistema de Informação de Tuberculose na Gerência de Pneumologia Sanitária da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro – Rio de
Janeiro (RJ), Brasil.
6
Mestranda do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
7
Residente do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
8
Professor Associado do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
Endereço de correspondência: Maria de Lourdes Tavares Cavalcanti – Praça Jorge Machado Moreira – Ilha do Fundão – Cidade Universitária –
CEP: 21944-970 – Rio de Janeiro (RJ), Brasil – E-mail: [email protected]
Fonte de financiamento: Fundo Global Tuberculose Brasil (Edital Fundo Global Tuberculose Brasil/ FGTB – Núcleo FIOTEC/ENSP/FIOCRUZ/MS nº 1/ 2009).
Conflito de interesse: nada a declarar.
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Maria de Lourdes Tavares Cavalcanti, Regina Maria Guedes de Carvalho, Maria Lúcia Freitas dos Santos, Eliane Dale Sucupira, Gabriela Fonte Pessanha,
Débora Araújo de Medeiros, Natasha Ventura da Cunha, Vanusa de Lemos Andrade, Jurema Salles Fonseca, Antonio José Leal Costa
nejamento e avaliação das ações realizadas. Frente ao seu potencial para a produção de informações sobre tuberculose, o aprimoramento
dos processos relacionados à coleta, ao fluxo e à análise dos dados do SINAN deve ser enfatizado.
Palavras-chave: tuberculose; sistemas de informação; pesquisa qualitativa.
Abstract
The information required for the management of the Tuberculosis Control Program (TCP) is provided by a complex data register, among
which the main source is the Information System on Notifiable Diseases (SINAN). The present study aimed to describe the data register and
management processes related to the information system regarding tuberculosis in the 13 counties of the State of Rio de Janeiro considered
priority for tuberculosis control by the Global Fund for Tuberculosis in Brazil. Qualitative study based on thematic analyses of interviews with
the TCP coordinators was performed. The coverage and flows varied according to the type of tuberculosis register and among the counties,
depending on how the TCP are structured and how they relate to the health care services. Among the existing tuberculosis data collection and
register processes, those related to case reporting to SINAN are considered priority. The Tuberculosis Case Register and Follow-up Forms are
the TCP’s main source of data in the health care units, however it is not fully used for planning and evaluation. Due to its potential for providing
information about tuberculosis epidemiology and control, we emphasize the need to continuously improve data collection, flow and analysis
related to SINAN.
Keywords: tuberculosis; information systems; qualitative research.
INTRODUÇÃO
A produção das informações necessárias ao Programa de
Controle da Tuberculose (PCT) no Brasil baseia-se num complexo sistema de registros nos diferentes níveis do Sistema
Único de Saúde (SUS). O Sistema de Informação de Agravos
de Notificação (SINAN) é a principal fonte para a análise de
informações epidemiológicas sobre tuberculose, sendo seus
dados gerados a partir da notificação, acompanhamento e
encerramento do tratamento dos casos1.
Além dos procedimentos relacionados ao SINAN, o sistema de informações do PCT abrange o registro das ações
de controle da tuberculose nas unidades de saúde, incluindo
o acompanhamento e tratamento dos casos, a realização do
tratamento supervisionado e dos exames de baciloscopia e
cultura1. No estado do Rio de Janeiro (ERJ) preconiza-se o
registro dos sintomáticos respiratórios e dos contatos dos
casos de tuberculose, em especial, daqueles submetidos à
quimioprofilaxia2.
O Brasil ocupa a 15ª posição entre os países onde ocorrem
80% dos casos de tuberculose no mundo3. O ERJ apresenta,
historicamente, a maior incidência de tuberculose do país,
alcançando 68,5 casos por 100.000 habitantes em 20084.
Atualmente, 13 municípios do ERJ são classificados pelo
Projeto Fundo Global Tuberculose Brasil (FGTB) como prioritários para o controle da doença.
No ERJ, o SINAN é descentralizado para todos os municípios, cabendo aos PCT municipais a responsabilidade pelo
registro eletrônico dos casos notificados e sua transmissão
semanalmente ao nível estadual.
Foi realizado um estudo com o objetivo de descrever a estrutura, a organização e os processos de trabalho concernentes aos sistemas de informação da tuberculose nos municípios
de abrangência do FGTB no ERJ, visando a identificação de
pontos de estrangulamento nos processos de coleta e registro eletrônico e seus respectivos fluxos. Este artigo enfoca os
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aspectos referentes aos registros que compõem os sistemas de
informação de tuberculose nos municípios investigados.
METODOLOGIA
Foram examinados os sistemas de informação da tuberculose dos 13 municípios de abrangência do FGTB no ERJ,
quais sejam: Belford Roxo (BR), Duque de Caxias, Itaboraí,
Japeri, Magé, Mesquita, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu (NI),
Queimados, Rio de Janeiro (RJ), São Gonçalo (SG) e São João
de Meriti (SJM).
Com base no censo de 2010, os municípios foram categorizados segundo o porte populacional (Quadro 1).
Utilizou-se a metodologia qualitativa e entrevistas semiestruturadas para investigar os processos de trabalho concernentes aos sistemas de informação da tuberculose na visão
dos coordenadores dos PCT e do SINAN.
Foi elaborado um roteiro de entrevista abordando os
temas listados no Quadro 2. As entrevistas foram realizadas
em dupla pelos pesquisadores, nos locais de trabalho dos
coordenadores do PCT, de dezembro de 2009 a agosto de
2010.
Desenvolveu-se um estudo exploratório utilizando-se a
técnica de análise temática, recomendada por Minayo5 para
as pesquisas qualitativas em saúde. Como eixo norteador da
análise qualitativa, a partir da leitura das transcrições das entrevistas, foram definidas as seguintes categorias nucleadoras
do material de campo:
1) Estrutura, organização e funcionamento dos PCT;
2) Sistema de informação da tuberculose e gerenciamento
das informações do PCT;
3) Produção e divulgação das informações sobre tuberculose;
4) Treinamento e capacitação para o registro das informações do PCT;
5) Percepção e avaliação dos coordenadores sobre o PCT.
Sistemas de informação da tuberculose
Neste artigo são apresentados os resultados referentes ao
sistema de informação da tuberculose, abrangendo o registro
dos sintomáticos respiratórios; os registros laboratoriais (baciloscopia e cultura); a notificação; o registro de pacientes e acompanhamento de tratamento de casos de tuberculose; o registro
de contatos examinados e de realização de quimioprofilaxia; o
registro e acompanhamento do tratamento supervisionado; e a
emissão do Boletim de Acompanhamento de Casos do SINAN.
O presente estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em
Pesquisa do IESC/UFRJ (Processo nº 16/2009) e da SMSDC-RJ
(Protocolo de Pesquisa nº 83/10, CAAE: 0097.0.314.000-14).
RESULTADOS
A ausência do Livro de Registro de Sintomáticos
Respiratórios (LRSR) nas unidades de saúde caracteriza a busca de sintomáticos respiratórios (BSR) como uma atividade
secundária em toda a rede. Mesmo nas unidades com LRSR,
raramente há algum monitoramento pelas coordenações e as
informações não são utilizadas pelos programas.
Sintomáticos respiratórios (SR) a gente tem um problemão. A gente não tem o livro preconizado, implantado nas
unidades. [...] Na Saúde da Família, eles têm mil atribuições e acham que isso vai criar mais um protocolo, mais
um papel pra preencherem. A coordenação já me disse
que não será introduzido por eles (município de porte
intermediário).
Em relação ao SR ainda não há a cultura de captação [...]
e principalmente de registro (município de maior porte).
Itaboraí é o único município em que todas as USF possuem o LRSR, acompanhado pela enfermeira da Força-tarefa
em Tuberculose do Ministério da Saúde.
Há um monitoramento indireto, baseado no registro de exames de baciloscopia realizados, comprovando a insuficiente BSR:
Quando o Mistério da Saúde pede os dados dos SR, vou
no Sistema de Informação Laboratorial de Tuberculose
(SILTB) porque é a fonte que posso referir. [...] Não vou
ficar ligando pra 90 unidades e (pedir) ‘abre o seu livro de
SR e conta!’ Não dá (município de maior porte).
Alguns coordenadores do PCT questionaram o LRSR:
A gente não fez muita força pra implementar esse livro
dentro do município. [...] Aonde você vai implementar o
livro dos SR? [...] Se você está na ginecologia e tem uma
mulher tossindo, essa pessoa deve ser abordada como
Quadro 1. Classificação dos municípios do estado do Rio de Janeiro
considerados prioritários pelo Fundo Global Tuberculose Brasil,
segundo a população residente – 2010
Porte
Menor
(Até 220.000 habitantes)
Intermediário
(220.000 a 500.000
habitantes)
Maior
(Mais de 500.000
habitantes)
Município
Japeri
Queimados
Nilópolis
Mesquita
Itaboraí
Magé
São João de
Meriti
Niterói
Belford Roxo
Nova Iguaçú
Caxias
São Gonçalo
Rio de Janeiro
População
(habitantes)
91.933
131.163
154.232
159.685
210.780
218.307
439.210
441.078
455.598
767.505
818.432
945.752
5.946.224
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). [cited 2011 May 11].
Available from: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/
RJ2010.pdf
Quadro 2. Temas selecionados na composição do roteiro de entrevistas semiestruturadas com os coordenadores dos Programas de Controle
da Tuberculose dos 13 municípios do estado do Rio de Janeiro considerados prioritários pelo Fundo Global Tuberculose Brasil
• Visão geral do PCT e do Sistema de Informações de Tuberculose;
• Registro dos sintomáticos respiratórios;
• Requisição, fluxo e registro das informações sobre exames de baciloscopia e cultura de escarro;
• Notificação;
• Registro de pacientes e acompanhamento de tratamento de casos de tuberculose;
• Registro de contatos examinados e de realização de quimioprofilaxia;
• Registro e acompanhamento do tratamento supervisionado;
• Treinamento e capacitação;
• Organização e análise das informações no nível central pela coordenação do PCT contemplando os itens:
º Acompanhamento dos casos de tuberculose;
º Estrutura e organização da coordenação do PCT;
º Gerenciamento do sistema de informações da tuberculose – incluindo o SINAN;
º Produção de informação sobre tuberculose no município/produção de informações pelo PCT;
• Avaliação do coordenador sobre o sistema de informações de tuberculose no município.
PCT: Programa de Controle da Tuberculose; SINAN: Sistema de Informação de Agravos de Notificação.
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Maria de Lourdes Tavares Cavalcanti, Regina Maria Guedes de Carvalho, Maria Lúcia Freitas dos Santos, Eliane Dale Sucupira, Gabriela Fonte Pessanha,
Débora Araújo de Medeiros, Natasha Ventura da Cunha, Vanusa de Lemos Andrade, Jurema Salles Fonseca, Antonio José Leal Costa
sintomático. E você vai deixar um livro lá na ginecologia?
[...] Não existe um banco de dados de SR. O que a gente
faz com aquele livro? A gente ainda não conseguiu se entender com este livro de SR (município de maior porte).
Entre os motivos para o uso pouco frequente do LRSR foi
citada a baixa adesão dos profissionais, em parte relacionada
à sobrecarga de trabalho decorrente da multiplicidade de
registros requisitados na atenção básica, mas também possivelmente a falhas na BSR. Percebe-se na visão dos coordenadores, a desvinculação do LRSR em relação aos demais meios
de registro de informações sobre tuberculose.
Em Japeri, Queimados e Mesquita, os laboratórios não
utilizam o Livro de Registro de Baciloscopias (livro branco)
que, em Japeri, é preenchido pela coordenadora do programa.
Em Niterói, nem todos os laboratórios possuem esse livro. O
Sistema de Informação Laboratorial de Tuberculose (SILTB)
é utilizado em Magé, SJM, Niterói e nos municípios de maior
porte. O SILTB foi referido como um sistema de interesse
maior para os laboratórios. Notou-se uma preocupação
diferenciada dos coordenadores com relação aos resultados
de baciloscopias e culturas, em especial quando positivos. As
lacunas identificadas no registro de baciloscopias e culturas
realizadas parecem representar mais uma deficiência nos
processos de trabalho, como a coleta irregular de escarro nas
unidades de saúde e as dificuldades de envio do material coletado para os laboratórios.
Entre todos os instrumentos e procedimentos para coleta
e registro de dados sobre tuberculose preconizados, aqueles
relacionados ao processamento das notificações de casos
no SINAN são os de maior abrangência nos municípios investigados. Não obstante às variações relativas ao fluxo das
notificações, todos os coordenadores referiram o uso do modelo da Ficha de Notificação/Investigação (FNI) de casos de
tuberculose para registro no SINAN.
Em geral, as unidades notificadoras são as que oferecem
tratamento e os médicos preenchem as informações clínicas
da FNI, complementadas por técnico de enfermagem ou
administrativo. A periodicidade de envio das notificações
para os PCT dos municípios pode ser semanal, quinzenal
ou mensal. As notificações das USF demoram mais e alguns
hospitais não notificam. Em dois municípios ‘pequenos’ as
coordenações fazem rondas hospitalares e em algumas USF
para notificar. Além da ausência de notificação, podem ocorrer falhas no encaminhamento das fichas.
A informação, ainda hoje, parece ser não um entrave para
a unidade, mas uma coisa secundária. O atendimento é
prioritário. [...] É muito comum, já aconteceu umas vezes,
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da ficha de notificação de alta chegar aqui, e quando a gente vai inserir a alta deste paciente descobre que a ficha não
foi digitada. Procura no arquivo, não acha a ficha, liga-se
para a unidade de saúde: ‘Cadê a FNI deste paciente?’ Esta
FNI está dentro do prontuário do paciente (município de
maior porte).
No RJ, as unidades de saúde encaminham as FNI mensalmente para as Coordenações das Áreas Programáticas (CAP),
que as enviam ao PCT do município. Algumas CAP mantêm
um banco próprio das notificações de suas áreas. O Sanatório
Penal recebe e entrega as FNI diretamente à coordenação
municipal do PCT.
Com exceção de BR, a digitação no SINAN é precedida
pela revisão das FNI, com vistas à identificação de dados
incompletos e/ou inconsistentes. Todos os municípios dispõem de técnicos treinados responsáveis pela digitação das
notificações, alguns exclusivos do programa, outros digitam
fichas de mais de um ou de todos os agravos de notificação.
No RJ, a precariedade estrutural sobressai, pois há apenas dois
digitadores responsáveis pela digitação de todas as notificações de TB no nível central. A descentralização da digitação
no SINAN para as CAP seria uma alternativa para agilizar o
processo de registro e encerramento dos casos.
O Livro de Registro de Pacientes e Acompanhamento de
Casos de Tuberculose (livro verde) é o instrumento básico
do PCT nas unidades de saúde, sendo o mais amplamente
utilizado para registro das informações sobre tuberculose
nos serviços. Ele contém a história do paciente desde o início
até o fim do tratamento e um consolidado mensal dos casos
atendidos na unidade de saúde. No entanto, não é usado para
avaliação e planejamento das ações locais. Nos municípios de
grande e médio portes, o registro de acompanhamento dos
casos é descentralizado em todas as unidades que realizam
atividades relacionadas aos PCT. Dos municípios de menor
porte, somente Nilópolis e Mesquita implantaram o livro verde em todas as unidades vinculadas ao programa. Em Japeri,
Queimados, Itaboraí e Magé, o registro e acompanhamento
dos pacientes é feito apenas nas unidades de referência, muito
embora, nos três últimos, o seguimento e o tratamento supervisionado sejam efetuados por outros serviços, como as USF.
Em Magé, as USF registram as informações dos pacientes
no prontuário, em um livro ata e, às vezes, também em um
caderno. Em Japeri e em Nilópolis, além do livro verde, a
coordenação do PCT registra as informações dos pacientes
em um caderno, segundo os entrevistados, a fim de facilitar
o manuseio das informações. Percebe-se que, nos municípios
menores, este instrumento não foi apreendido pelos profissionais das unidades nem da coordenação do programa.
Sistemas de informação da tuberculose
A gente percebe que o livro é negligenciado. Eles tratam o
paciente, mas não preenchem o instrumento. É mais fácil
tratar o paciente do que preencher o instrumento (município de porte intermediário).
Os coordenadores justificaram a centralização dos
registros:
Eu acho muito complicado descentralizar sistema de
informação [...] pois teríamos que colocar um livro por
equipe, colocar o SINAN na ponta, colocar livro de notificação de casos, livro de sintomáticos, é uma quantidade de
papéis que eles teriam que preencher. E sabemos que eles
não preenchem. O PSF não preenche metade dos papéis
que eles têm que preencher. Eles não veem só TB, eles
veem toda a atenção básica (município de menor porte).
Esse ano foi bem mais fácil, a gente conseguiu fechar o
fluxo com o PSF, a gente descentralizou os instrumentos,
o único que a gente não descentralizou foi o livro verde,
porque o livro verde é complicado, tem que ter responsabilidade (município de menor porte).
Não obstante às variações quanto à descentralização do seu
uso, há um reconhecimento da importância do livro verde como
meio de registro de informações sobre tuberculose nas unidades
de saúde; e como meio de atualização, para a coordenação, de
dados sobre o acompanhamento dos casos notificados, sendo
considerado um indicador da implantação do programa:
Pra dizer que aquela unidade tem PCT implantado, tem
que ter livro verde. [...] Não é que notifica. Você tem uma
série de hospitais, inclusive privados, que notificam casos
de tuberculose [...] e eu não considero que tenha programa implantado (...) Quem tem programa implantado é
quem tem o livro verde e faz o acompanhamento até o fim
(município de maior porte).
De fato, o livro verde é necessário para o registro do acompanhamento dos pacientes nas unidades de saúde. O preenchimento e repasse do boletim de acompanhamento para o
nível central não substitui os consolidados e análises mensais
dos casos atendidos na unidade, nem as análises das coortes
recomendadas no livro verde para avaliar o resultado do tratamento e subsidiar o planejamento local das ações, uma vez
que grande parte das unidades não é informatizada. Contudo,
sua utilização plena requer, por parte das coordenações
municipais, a capacitação para o preenchimento adequado,
a supervisão contínua, e o estímulo à avaliação das ações de
controle da tuberculose nas unidades de saúde.
Não há uma orientação nacional, nem no ERJ, quanto ao registro nominal dos contatos, devendo constar no
prontuário, bem como os exames solicitados e respectivos
resultados. Sabe-se que esse registro é precário, o que torna
falho o controle e exame dos contatos. O livro verde contempla o registro do número de contatos e quantos destes
foram examinados.
Dez coordenadores referiram que o registro dos contatos é
feito nos prontuários, em livro ata, ou em formulário próprio
criado pelo programa (Itaboraí). Em Nilópolis, NI e RJ não
há registro individualizado, apenas anotações sobre o número
de contatos identificados e examinados, no livro verde e nas
fichas de notificação.
O PCT da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro
(SES-RJ) criou uma ficha e um sistema específico para o registro de quimioprofilaxia. NI, Caxias e RJ utilizam essa ficha
para notificação, permanecendo incompletas as informações
sobre acompanhamento e encerramento.
Os entrevistados não mencionaram dificuldades com relação à ficha de acompanhamento de tomada diária de medicação e ao cartão de tratamento supervisionado, ambos utilizados nas unidades que realizam tratamento supervisionado.
Seis coordenadores referiram a emissão do Boletim de
Acompanhamento de Casos de Tuberculose do SINAN conforme preconizado, embora com diferentes periodicidades
(mensal ou bimestral). Nos demais municípios, o Boletim não
é emitido, porém, a atualização das notificações é realizada
por outros meios, como o livro verde. Em NI, utiliza-se uma
ficha de notificação de alta, adaptada da FNI. As alternativas
à emissão do Boletim são realizadas com periodicidades de
mensal a trimestral. O atraso da informação sobre o encerramento varia de um mês a um ano. Um coordenador não
mencionou como são efetuadas as atualizações das notificações no SINAN.
A escassez de recursos humanos nas equipes de coordenação dos PCT foi frequentemente referida como importante
obstáculo à operação dos sistemas de informações relacionados à tuberculose, assim como o insuficiente envolvimento
dos profissionais. Precariedade logística e estrutural, de
equipamentos, insumos, comunicação e transporte ocupam a
segunda posição entre as dificuldades concernentes ao gerenciamento das informações do PCT. A instabilidade e o fisiologismo políticos na indicação de funcionários também foram
citados entre as fragilidades, assim como os baixos salários e
alta rotatividade dos profissionais.
O SINAN foi criticado por ‘não falar’ com os outros sistemas de informação do SUS, como o Sistema de Informações
Ambulatoriais (SIA/SUS), o Sistema da Atenção Básica (SIAB)
e O Sistema sobre Mortalidade (SIM), entre outros.
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Débora Araújo de Medeiros, Natasha Ventura da Cunha, Vanusa de Lemos Andrade, Jurema Salles Fonseca, Antonio José Leal Costa
DISCUSSÃO
Na análise nacional das notificações de tuberculose no
SINAN de 2001 a 2006, a qualidade dos dados dos 13 municípios do ERJ considerados prioritários pelo FGTB, avaliada
sob a ótica da completitude, foi variável, de acordo com os
campos selecionados6. Para os campos dos blocos de identificação e de dados complementares – majoritariamente de
preenchimento obrigatório para inclusão das notificações
e, em menor parcela, de preenchimento essencial – necessários para o encerramento dos casos no SINAN7, a completitude foi considerada boa ou excelente em 54,5 e 100%
dos municípios e anos analisados, respectivamente. Já para
as variáveis do bloco de acompanhamento – todas de preenchimento essencial –, atualizadas durante o seguimento
dos casos, a completitude foi considerada boa ou excelente, e
ruim ou muito ruim em 26,0 e 37,7% dos municípios e anos,
respectivamente. Resultados semelhantes foram observados
na avaliação sobre o sistema de vigilância da tuberculose
no município do Rio de Janeiro de 2001 a 20068. Tais achados mostram-se em consonância com as descrições dos
coordenadores entrevistados a respeito dos registros sobre
tuberculose no SINAN, em particular sobre a maior adesão
ao cumprimento das rotinas relacionadas ao registro das
notificações e, em menor grau, às de acompanhamento e
encerramento dos casos. Apesar da importância conferida à
coleta e processamento de dados do SINAN, o sub-registro
foi estimado em 6,4% numa unidade de referência do PCT
de um dos municípios por ora avaliados entre 2006 e 20089.
O sub-registro de casos de tuberculose também foi verificado em outras cidades10-12.
Estudos sobre o sistema de informação da hanseníase13,14,
doença cuja vigilância epidemiológica se assemelha à da tuberculose, evidenciaram dificuldades similares às apontadas
pelos coordenadores dos PCT. Entre 2002 e 2004, a subnotificação dos casos de hanseníase em Fortaleza foi estimada
em 14,9%, sugerindo a necessidade de revisão dos fluxos de
notificação e retroalimentação trimestral13. Entre as possíveis justificativas para inconsistências das informações de
hanseníase, no SINAN, destacam-se o fluxo interno dos
impressos, falta de registro no momento do diagnóstico, erros de digitação e o repasse de informação entre os serviços,
cuja superação requer a simplificação dos métodos de coleta
e análise dos dados melhorando sua qualidade, bem como
sua reavaliação periódica para correção e atualização14.
Tendo em vista o sub-registro de casos no SINAN, a utilização de outras fontes de informação pelas coordenações
dos PCT municipais, como livro verde, livro de sintomáticos
respiratórios, SILTB e SIM podem ser recursos complementares ao resgate dos casos15. Mesmo que todos os casos sejam
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diagnosticados pelos serviços de saúde, pode persistir a discrepância na taxa de incidência por subnotificação16.
Nogueira et al.17 investigaram a percepção de coordenadores do PCT em municípios da Paraíba a respeito do uso
do SINAN, com resultados condizentes aos do presente
estudo. Apesar do reconhecimento da utilidade do sistema
na avaliação das ações de controle da tuberculose, sua operacionalização é dificultada por deficiências no preenchimento
das FNI; precária infraestrutura de informática; qualificação
insuficiente de recursos humanos; falta de integração entre
profissionais de diferentes setores; e deficiência do fluxo da
informação entre unidades de saúde/municípios.
A pouca incorporação dos sistemas de informação aos
processos de tomada de decisão em saúde não se restringe à
tuberculose. As informações são consideradas defasadas com
relação às necessidades imediatas da gestão, sendo utilizadas,
sobretudo, na prestação de contas. E a dimensão financeira é
priorizada seja no uso de informações dos grandes bancos de
dados ou na produção local de informações18.
A manutenção de qualquer registro só se justifica mediante a garantia da cobertura, qualidade e aplicação no apoio ao
desenvolvimento do PCT. Como exemplo cita-se o registro
de sintomáticos respiratórios, de baixa cobertura e nenhuma
aplicação para produção de indicadores, ainda que de importância reconhecida quanto ao monitoramento das ações
de controle da tuberculose. Uma alternativa a examinar é a
integração com bases de dados da atenção básica, uma vez
que o registro da busca de sintomáticos respiratórios passe a
ser incluído, por exemplo, no SIAB. Seguindo a lógica de que
a informação deve ser gerada e processada o mais perto possível de onde ocorrem as ações de saúde, a descentralização
das atividades de controle da tuberculose deve ser acompanhada dos respectivos instrumentos de registro. Sem dúvida,
a descentralização é mais complexa, mais trabalhosa, envolve
investimento, demanda capacitação e monitoramento, caso
contrário, haverá perda da qualidade19. Branco20 discute a
importância da descentralização das informações em saúde,
com compartilhamento de responsabilidades e parceria gerencial entre as esferas de governo.
Com relação ao papel do PCT/SES-RJ, a presença de técnicos nos municípios é frequente, conferindo legitimidade e
reconhecimento da coordenação estadual junto às coordenações dos PCT municipais. A atuação do PCT estadual, em
geral, refere-se à realização de treinamentos, orientações e
recomendações quanto às ações de controle da tuberculose,
enquanto a efetivação das mudanças diz respeito à esfera
municipal. O restabelecimento das instâncias regionais de
mediação entre a coordenação estadual e as esferas locais,
pode constituir um fator de fortalecimento do papel gerencial
Sistemas de informação da tuberculose
do estado, atualmente pulverizado pela relação direta com os
noventa e dois municípios do ERJ.
CONCLUSÃO
Os treze municípios do ERJ prioritários segundo o FGTB
dispõem de formas variadas de registros sobre tuberculose.
A cobertura, a descentralização e os fluxos variam de acordo
com o tipo de registro e entre os municípios, tendo em vista a
organização dos PCT e suas relações com a rede de saúde em
que estão inseridos.
Desde a regulamentação do seu uso em 1998, o SINAN
é considerado a principal fonte de dados sobre as doenças e
agravos sujeitos à vigilância epidemiológica. A utilização do
SINAN permite a identificação de distintas realidades epidemiológicas, o monitoramento e avaliação das respectivas ações
de controle preconizadas, além de contribuir para a democratização da informação em saúde junto aos profissionais de saúde
e à população21. Dessa forma, o aprimoramento dos processos
relacionados à coleta, ao fluxo e à análise dos dados do SINAN
deve ser sempre estimulado pelas coordenações dos PCT.
A expansão do controle da tuberculose junto à rede de
atenção básica implica na necessidade de descentralização
dos registros sobre tuberculose e também amplia as oportunidades de integração entre os sistemas de informação. Cabe às
coordenações dos PCT municipais identificar as formas mais
apropriadas para a condução da descentralização dos processos de trabalho relacionados à informação sobre tuberculose,
incluindo o estímulo à produção de informações que auxiliem
o controle da doença nos níveis mais periféricos do sistema de
saúde. Em comum a todos os PCT, destaca-se a necessidade
da garantia da qualidade da informação sobre tuberculose.
O aprimoramento dos sistemas de informações em saúde
é um processo contínuo, resultante de avaliações e ajustes
sucessivos19,22. Nesse sentido, assume papel fundamental a
contínua produção de informação baseada nas diferentes
formas existentes de registro sobre tuberculose, em apoio
ao planejamento, implementação e avaliação nos diferentes
níveis do sistema de saúde. Entendemos como estratégico o
fomento ao desenvolvimento conjunto de projetos de pesquisa pelas equipes dos PCT e as instituições acadêmicas da área
de saúde, tanto no sentido da produção de conhecimentos e
tecnologias passíveis de efetiva incorporação pelos serviços
de saúde, como da formação e qualificação profissional,
respectivamente no âmbito dos programas de graduação de
pós-graduação.
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Recebido em: 26/06/2011
Aprovado em: 22/11/2011
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