ISSN
0524-4102
EJ TRT6
Escola Judicial do
Tribunal Regional do Trabalho
da Sexta Região
Revista
do
Recife PE
.
TRT6
2010
. Vol 20
Nº 37
COORDENAÇÃO EDITORIAL
EQUIPE TÉCNICA
Escola Judicial
do Tribunal Regional do Trabalho
da Sexta Região
(EJ-TRT6)
Gutemberg Soares
Jornalista DRT- PE 2475
Pedro Paulo Pereira Nóbrega
Diretor
DES.
Agenor Martins Pereira
Coordenador Geral
JUIZ
Guilherme de Morais
Mendonça
Coordenador Adjunto
JUIZ
Sofia Veloso
Bibliotecária
Eugenio Pacelli
Revisão
Andréa Alcantara
Capa e projeto gráfico
Siddharta Campos
Diagramação
Stela Maris
Foto de capa
APOIO
Thereza Christina Lafayette Bitu Canuto
Tatiane Fragoso Rocha de Oliveira
Florisvalda Rodrigues dos Santos
Sandra Gláucia Melo dos Santos
Sandra Ribeiro Oliveira
Severina Ramos Paes de Melo Lima
CORRESPONDÊNCIA
Avenida Beberibe, 301, Encruzilhada, Recife, PE.
CEP: 52.041-430
Telefone: (81) 3242-0206 / Fax: (81) 3242-6259
E-mail: [email protected]
Conselho
Editorial
ENEIDA MELO CORREIA DE ARAÚJO
DesembargadoraPresidentedoTRTdaSextaRegião,professorauniversitária,
doutora em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE
EVERALDO GASPAR LOPES DE ANDRADE
ProcuradorRegionaldoTrabalhoaposentado,professoruniversitário,doutor
em direito pela Universidade de Deusto, Espanha
DOMINGOS SÁVIO ZAINAGHI
Advogado, professor universitário, doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC, com pós-doutorado em Direito do
Trabalho pela Universidad Castilla La Mancha, Espanha
GEORGENOR DE SOUSA FRANCO FILHO
Desembargador do TRT da 8ª Região, professor universitário, doutor em
Direito pela Universidade de São Paulo – USP
GIANCARLO PERONE
Jurista italiano, advogado e professor da Universidade de Roma
JOÃO MAURÍCIO LEITÃO ADEODATO
Acadêmico, pesquisador, professor titular da UFPE, doutor em Direito pela
UniversidadedeSãoPaulo–USP,compós-doutoradopelaUniversidadede
Maiz, Alemanha
JOSÉ SOARES FILHO
JuizdoTrabalhoaposentado,professoruniversitário,doutoremDireitopela
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
JUAN MARIA RAMÍREZ MARTÍNEZ
Jurista espanhol, professor catedrático da Universidade de Valência
SERGIO TORRES TEIXEIRA
JuizdoTrabalho,professoruniversitário,doutoremDireitopelaUniversidade
Federal de Pernambuco - UFPE
SOLÓN HENRIQUES DE SÁ E BENEVIDES
ProcuradordoEstadodaParaíba,professoruniversitário,doutoremCiências
pela Universidade de São Paulo – USP
YONE FREDIANI
Acadêmica,pesquisadora,professoratitulardaFundaçãoArmandoÁlvares
Penteado – FAAP, doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo – PUC
Sumário
Apresentação
Composição
Doutrina
1
2
3
13
19
IMPERATIVIDADE DAS NORMAS LEGAIS
TRABALHISTA E O PRINCÍPIO DA
CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE
EMPREGO: FORMAS DE MANIFESTAÇÃO
DO POSTULADO NO ORDENAMENTO
JURÍDICO TRABALHISTA BRASILEIRO
Sergio Torres Teixeira
35
A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL
DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL
DAS VARAS DO TRABALHO
Marcílio Florêncio Mota
68
INAPLICABILIDADE DA MULTA DO
ART. 475-J DO CPC NA EXECUÇÃO
TRABALHISTA COMO MEDIDA DE
CELERIDADE
Luciana Paula Conforti
92
4
5
6
7
8
9
AINDA O CONTRATO DE EXPERIÊNCIA:
SUA CESSAÇÃO À LUZ DOS
PRINCÍPIOS DA CONSERVAÇÃO DOS
CONTRATOS E DA BOA FÉ
Jólia Lucena da Rocha Melo
109
LOS DERECHOS DE LOS TRABAJADORES
AUTÓNOMOS A LA SEGURIDAD Y
SALUD EN EL TRABAJO EN EL
ESTATUTO ESPAÑOL DE LOS
TRABAJADORES AUTÓNOMOS:
¿EFECTIVAMENTE UN PROGRESO?
Juliana Cunha Cruz
125
AGENTES PÚBLICOS E RESPECTIVA
TUTELA DA HIGIENE, SEGURANÇA E
SAÚDE DO TRABALHO: QUESTÕES DE
COMPETÊNCIA
Bruno Santos Cunha
152
REFLEXOS DA INADMISSIBILIDADE
DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO
PRAZO DO RECURSO ORDINÁRIO
José Geraldo da Fonseca
O NOVO CAPITALISMO
CONTEMPORÂNEO E A
PRIVATIZAÇÃO DA PREVIDÊNCIA
Juliana Teixeira Esteves
ARTIGO 71 DA LEI 8.666/93 E
SÚMULA 331 DO C. TST: PODERIA SER
DIFERENTE?
Tereza Aparecida Asta Gemignani
166
178
202
Jurisprudência
Acordãos
Súmulas
Sentenças
231
303
311
Apresentação
A sociedade atual apresenta relações e conflitos sociais, em permanente expansão e transformação, que se mostram
cada vez mais variados e intrincados. No tocante à esfera laboral,
a superação de antigos sistemas de produção e a adoção de novas
práticas e interações econômicas passam a impor aos juízes do
trabalho uma compreensão transdisciplinar da complexidade
dessa nova realidade. Desse modo, impressiona o vasto leque
de habilidades cognitivas, funcionais e atitudinais que agora
lhes são exigidas. De mais a mais, porque pautados por metas
de produtividade e eficiência, já passou a época na qual deles
se esperava apenas a capacidade de aplicar o direito abstrato
aos casos concretos submetidos a sua apreciação e julgamento.
Inspirados por planejamentos estratégicos organizacionais e
baseados em técnicas de administração judiciária, bem como no
compartilhamento de experiências em rotinas de serviço, também vêm adquirindo relevo suas atribuições enquanto gestores
de pessoas, de processos judiciais e de processos de trabalho em
unidade jurisdicional. Por conseguinte, sua formação inicial e
13
continuada, da posse até o fim da carreira, não mais pode ficar
cingida a estudos acadêmico-jurídicos, devendo, cada vez mais,
também trafegar por outras áreas do conhecimento, abranger
o aprendizado de caráter profissionalizante e levar em conta a
educação corporativa.
Nesse panorama, por assumirem a missão constitucional de preparação e aprimoramento da magistratura, ganha
destaque o papel das escolas nacionais de formação e aperfeiçoamento previstas pela EC n° 45, de 2004. No que se refere à
Justiça do Trabalho, por força do disposto no art. 111-A, §2º, I,
da Magna Carta, passou a funcionar, junto ao Tribunal Superior
do Trabalho, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento
de Magistrados do Trabalho – ENAMAT e, sob sua coordenação, a partir da criação ou consolidação de escolas judiciais
vinculadas a cada um dos Tribunais Regionais do Trabalho, foi
composto o Sistema Integrado de Formação de Magistrados
do Trabalho – SIFMT (art. 19 da Resolução Administrativa nº
1156/2006 do TST).
Mais recentemente, de acordo com a Resolução nº
04 da ENAMAT, de 13 de abril de 2010, regulamentou-se as
competências a serem adquiridas ou desenvolvidas pelos magistrados do trabalho como esteio às ações formativas da escola
nacional e das regionais. Embora o aprendizado seja realizado
de maneira integrada e em sincronia, o conjunto de tais competências, didática e pedagogicamente, foi subdividido em eixos
teórico-práticos de competências gerais e de competências específicas, nos quais houve distribuição em diversos subeixos que
abrigaram aquelas passíveis de tratamento análogo. Delineou-se,
pois, as áreas temáticas que servem de referencial aos programas nacionais e regionais de capacitação e aperfeiçoamento dos
14
magistrados do trabalho.
Nesse contexto, a Revista do TRT6 também deve ser
compreendida como importante material de apoio a essa formação na medida em que representa bibliografia referencial para
consulta, sendo repositório de textos cuja leitura é de significativa relevância ao seu aprimoramento profissional e de selecionada
jurisprudência da Sexta Região da Justiça do Trabalho.
Recife, 30 de novembro de 2010
PEDRO PAULO PEREIRA NÓBREGA
Desembargador Diretor
AGENOR MARTINS PEREIRA
Juiz Coordenador-Geral
15
Composição
Composição
DESEMBARGADORES DO TRIBUNAL
REGIONAL DO TRABALHO DA SEXTA REGIÃO
PRESIDENTE
Eneida Melo Correia de Araújo
VICE-PRESIDENTE
André Genn de Assunção Barros
CORREGEDOR
Ivanildo da Cunha Andrade
TRIBUNAL PLENO
Gilvan Caldas de Sá Barreto
Nelson Soares Júnior
Josélia Morais da Costa
Eneida Melo Correia de Araújo
Maria Helena Guedes Soares de Pinho Maciel
André Genn de Assunção Barros
Ivanildo da Cunha Andrade
19
Gisane Barbosa de Araújo
Pedro Paulo Pereira Nóbrega
Virgínia Malta Canavarro
Valéria Gondim Sampaio
Ivan de Souza Valença Alves
Valdir José Silva de Carvalho
Acácio Júlio Kezen Caldeira
Dione Nunes Furtado da Silva
Dinah Figueirêdo Bernardo
Maria Clara Saboya Albuquerque Bernardino
Nise Pedroso Lins de Souza
Primeira Turma
PRESIDENTE
Nelson Soares Júnior
Desembargadores
Valéria Gondim Sampaio
Ivan de Souza Valença Alves
Dinah Figueirêdo Bernardo
Nise Pedroso Lins de Souza
Segunda Turma
PRESIDENTE
Acácio Júlio Kezen Caldeira
Desembargadores
Josélia Morais da Costa
Maria Helena Guedes Soares de Pinho Maciel
Valdir José Silva de Carvalho
Dione Nunes Furtado da Silva
20
Terceira Turma
PRESIDENTE
Gisane Barbosa de Araújo
Desembargadores
Gilvan Caldas de Sá Barreto
Pedro Paulo Pereira Nóbrega
Virgínia Malta Canavarro
Maria Clara Saboya Albuquerque Bernardino
JUIZ OUVIDOR E CONCILIADOR
DA SEGUNDA INSTÂNCIA
Guilherme de Morais Mendonça
DIREÇÃO DA ESCOLA JUDICIAL DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA SEXTA REGIÃO (EJ-TRT6)
DIRETOR
Desembargador Pedro Paulo Pereira Nóbrega
COORDENADOR GERAL
Juiz Agenor Martins Pereira
COORDENADORES ADJUNTOS
Juíza Ana Maria Aparecida de Freitas
Juiz Guilherme de Morais Mendonça
Juiz Virgínio Henriques de Sá e Benevides
CONSELHEIRAS
Desembargadora Gisane Barbosa de Araújo
Desembargadora Eneida Melo Correia de Araújo
21
JUÍZES TITULARES DAS 61 VARAS DO TRABALHO
DE PERNAMBUCO
Capital – Fórum Advogado José Barbosa de Araújo
(Edifício Sudene)
1ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
Yolanda Polimeni de Araújo Pinheiro
2ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
Lúcia Teixeira da Costa Oliveira
3ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
Maria do Socorro Silva Emerenciano
4ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
Roberta Corrêa de Araújo Monteiro
5ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
Hélio Luiz Fernandes Galvão
6ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
Milton Gouveia da Silva Filho
7ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
Carmen Lúcia Vieira do Nascimento
8ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
Patrícia Coelho Brandão Vieira
9ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
Theodomiro Romeiro dos Santos
10ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
Ana Cristina da Silva Ferreira Lima
11ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
Virgínia Lúcia de Sá Bahia
22
12ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
Hugo Cavalcanti Melo Filho
13ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
Larry da Silva Oliveira Filho
14ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
(vago)
15ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
Gilvanildo de Araújo Lima
16ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
Paula Regina de Queiroz Monteiro G. Muniz
17ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
Lígia Maria Valois Albuquerque de Abreu
18ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
Solange Moura de Andrade
19ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
Fernando Cabral de Andrade Filho
20ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
Alberto Carlos de Mendonça
21ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
José Luciano Alexo da Silva
22ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
Edmilson Alves da Silva
23ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
Daisy Anderson Tenório
23
Região Metropolitana, Zona da Mata, Agreste e Sertão
VARA DO TRABALHO DE ARARIPINA
Carla Janaína Moura Lacerda
VARA DO TRABALHO DE BARREIROS
Rogério Freyre Costa
VARA DO TRABALHO DE BELO JARDIM
Marcelo da Veiga Pessoa Bacallá
1ª VARA DO TRABALHO DO CABO
Bartolomeu Alves Bezerra
2ª VARA DO TRABALHO DO CABO
Maria do Carmo Varejão Richlin
VARA DO TRABALHO DE CARPINA
Amaury de Oliveira Xavier Ramos Filho
1ª VARA DO TRABALHO DE CARUARU
Agenor Martins Pereira
2ª VARA DO TRABALHO DE CARUARU
José Wilson da Fonseca
3ª VARA DO TRABALHO DE CARUARU
Maria das Graças de Arruda França
VARA DO TRABALHO DE CATENDE
Ana Isabel Guerra Barbosa Koury
VARA DO TRABALHO DE ESCADA
Walkíria Míriam Pinto de Carvalho
VARA DO TRABALHO DE GARANHUNS
Murilo Augusto Araujo de Alencar
24
VARA DO TRABALHO DE GOIANA
Sérgio Vaisman
VARA DO TRABALHO DE IGARASSU
Ibrahim Alves da Silva Filho
1ª VARA DO TRABALHO DE IPOJUCA
Sérgio Murilo de Carvalho Lins
2ª VARA DO TRABALHO DE IPOJUCA
Renata Lima Rodrigues
1ª VARA DO TRABALHO DE JABOATÃO DOS GUARARAPES
Maria de Betânia Silveira Villela
2ª VARA DO TRABALHO DE JABOATÃO DOS GUARARAPES
Sergio Torres Teixeira
3ª VARA DO TRABALHO DE JABOATÃO DOS GUARARAPES
Aurélio da Silva
4ª VARA DO TRABALHO DE JABOATÃO DOS GUARARAPES
Ana Cláudia Petruccelli de Lima
VARA DO TRABALHO DE LIMOEIRO
Paulo Dias de Alcântara
VARA DO TRABALHO DE NAZARÉ DA MATA
Robson Tavares Dutra
1ª VARA DO TRABALHO DE OLINDA
Mayard de França Saboya Albuquerque
2ª VARA DO TRABALHO DE OLINDA
Martha Cristina do Nascimento Cantalice
3ª VARA DO TRABALHO DE OLINDA
Roberto de Freire Bastos
25
VARA DO TRABALHO DE PALMARES
Renata Lapenda Rodrigues de Melo
1ª VARA DO TRABALHO DE PAULISTA
Marcílio Florêncio Mota
2ª VARA DO TRABALHO DE PAULISTA
Maria Consolata Rego Batista
VARA DO TRABALHO DE PESQUEIRA
Genaro de Oliveira Pinheiro Menezes
1ª VARA DO TRABALHO DE PETROLINA
(vago)
2ª VARA DO TRABALHO DE PETROLINA
Andréa Keust Bandeira de Melo
VARA DO TRABALHO DE RIBEIRÃO
Aline Pimentel Gonçalves
VARA DO TRABALHO DE SALGUEIRO
Bernardo Nunes da Costa Neto
VARA DO TRABALHO DE SÃO LOURENÇO DA MATA
Celivaldo Varejão Ferreira de Alcântara
VARA DO TRABALHO DE SERRA TALHADA
Antônio Wanderley Martins
VARA DO TRABALHO DE TIMBAÚBA
Virgínio Henriques de Sá e Benevides
VARA DO TRABALHO DE VITÓRIA DE SANTO ANTÃO
Ana Catarina Cisneiros Barbosa de Araújo
26
JUÍZES SUBSTITUTOS
Andréa Cláudia de Souza
Plaudenice Abreu de Araújo Barreto Vieira
George Sidney Neiva Coelho
Patrícia Pedrosa Souto Maior
Judite Galindo Sampaio Curchatuz
Guilherme de Moraes Mendonça
Ana Maria Soares Ribeiro de Barros
Sohad Maria Dutra Cahú
Gustavo Augusto Pires de Oliveira
Juliana Lyra Barbosa
Josimar Mendes da Silva
Fábio José Ribeiro Dantas Furtado
Tânia Regina Chenk Allatta
Luciana Paula Conforti
Maria José de Souza
André Luiz Machado
Ana Maria Aparecida de Freitas
Walmar Soares Chaves
Marília Gabriela Mendes Leite de Andrade
Márcia de Windsor Nogueira
Kátia Keitiane da Rocha Porter
Rosa Melo Machado
Regina Maura Maciel Lemos Adrião
Cristina Figueira Callou da Cruz Gonçalves
Danielle Lira Pimentel
Ester de Souza Araújo Furtado
Cláudia Christina Santos Rodrigues de Lima
Gustavo Henrique Cisneiros Barbosa
José Adelmy da Silva Acioli
Saulo Bosco Souza de Medeiros
Ilka Eliane de Souza Tavares
Carla Santina de Souza Rodrigues
Vanessa Zacchê de Sá
27
Luiz Antônio Magalhães
Maysa Costa de Carvalho Alves
Adriana Satou Lessa Ferreira Pinheiro
Ana Cristina Argolo de Barros
Armando da Cunha Rabelo Neto
Ceumara de Souza Freitas e Soares
Matheus Ribeiro Rezende
Laura Cavalcanti de Morais Botelho
Lucas de Araújo Cavalcanti
Necy Lapenda Pessoa de Albuquerque de Azevedo
Gênison Cirilo Cabral
Joaquim Emiliano Fortaleza de Lima
Antônio Augusto Serra Seca Neto
Evellyne Ferraz Correia de Farias
José Augusto Segundo Neto
Ana Catarina Magalhães de Andrade Sá Leitão
Jammyr Lins Maciel
Edson Luís Bryk
Renata Conceição Nóbrega Santos
Rafael Val Nogueira
Camila Augusta Cabral Vasconcelos
Cássia Barata de Moraes Santos
Miriam Souto Maior de Morais
Marta de Fátima Leal Chaves
Eduardo Henrique Brennand Dornelas Câmara
Katharina Vila Nova de Carvalho Mafra
Liliane Mendonça de Moraes Souza
Rodrigo Samico Carneiro
Danilo Cavalcanti de Oliveira
Roberta Vance Harrop
28
DIRETORES ADMINISTRATIVOS
SECRETÁRIO-GERAL DA PRESIDÊNCIA
José Alberto Alves Viana
SECRETÁRIA DO TRIBUNAL PLENO
Nyédja Menezes Soares de Azevedo
DIRETOR-GERAL DE SECRETARIA
Wlademir de Souza Rolim
SECRETÁRIO DA CORREGEDORIA
Antônio Castilhos Pedrosa
DIRETOR DA SECRETARIA DE INFORMÁTICA
João Adriano Pinheiro de Sousa
DIRETOR DA SECRETARIA DE ORÇAMENTO E FINANÇAS
Flávio Romero Mendes de Oliveira
DIRETORA DA SECRETARIA DE RECURSOS HUMANOS
Eliane Farias Remígio Marques
DIRETOR DA SECRETARIA ADMINISTRATIVA
Sérgio Santos de Lucena e Melo
DIRETORA DA SECRETARIA DE
DISTRIBUIÇÃO DOS FEITOS DA CAPITAL
Daniela Satou Lessa Ferreira
DIRETOR DA SECRETARIA DE AUDITORIA E CONTROLE INTERNO
Enoque de Souza e Silva Sobrinho
29
DIRETOR DA SECRETARIA DE
DISTRIBUIÇÃO DE MANDADOS JUDICIAIS
Ronaldo Soares de Souza
COORDENADOR DE SEGURANÇA, TRANSPORTE E TELEFONIA
Everson Lemos de Araújo
DIRETOR DO SERVIÇO DE CONTABILIDADE
Airton Costa Cavalcanti
DIRETOR DO SERVIÇO DE ENGENHARIA
DE MANUTENÇÃO DA SECRETARIA ADMINISTRATIVA
Durval Soares da Silva Júnior
DIRETOR DO SERVIÇO DE PAGAMENTO DE PESSOAL
Humberto Galvão da Silva
DIRETOR DO SERVIÇO DE ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAL
Sérgio Mário do Nascimento Aguiar
DIRETORA DO SERVIÇO DE LICITAÇÕES E CONTRATOS
Ana Lylia Farias Guerra
DIRETOR DO SERVIÇO DE SUPORTE E
DESENVOLVIMENTO DA SECRETARIA DE INFORMÁTICA
Henrique de Barros Saraiva
DIRETOR DO SERVIÇO DE MATERIAL
Murilo Gomes Leal Júnior
DIRETORA DO SERVIÇO DE PLANEJAMENTO FÍSICO DA
SECRETARIA ADMINISTRATIVA
Tânia Virgínia Leitão Valois
30
ASSESSOR DA ORDENADORIA DA DESPESA
Juscelino Rodrigues de Carvalho
COORDENADORA DE DESENVOLVIMENTO DE PESSOAL
Andréa Leite Guedes Pereira
COORDENADORA DE CADASTRAMENTO, AUTUAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DA SEGUNDA INSTÂNCIA
Eugênia Maria Coutinho Tavares de Albuquerque
COORDENADORA DE SAÚDE
Semírames Rocha de Oliveira
COORDENADOR DO FÓRUM ADVOGADO JOSÉ BARBOSA DE
ARAÚJO
Esdras Ferreira Nogueira
COORDENADORA DE PRECATÓRIOS
Wilma Lúcia Silva
COORDENADORA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA PRESIDÊNCIA
Lydia Gomes de Barros
COORDENADORA DO GRUPO DE GESTÃO DOCUMENTAL
Marcília Gomes
(atualizado até 31/10/2010)
31
Doutrina
Revista TRT 6 • DOUTRINA
1
IMPERATIVIDADE DAS NORMAS
LEGAIS TRABALHISTAS E O
PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE
DA RELAÇÃO DE EMPREGO:
FORMAS DE MANIFESTAÇÃO
DO POSTULADO NO
ORDENAMENTO JURÍDICO
TRABALHISTA BRASILEIRO
Sergio Torres Teixeira
Juiz do Trabalho do TRT da 6ª Região, professor adjunto
da UNICAP e da FDR/UFPE, doutor em direito e membro
da Academia Nacional de Direito do Trabalho
Sumário:
1. Normas Trabalhistas e sua Imperatividade;
2. Princípios Orientadores do Direito do Trabalho;
3. Princípio da Continuidade da Relação de Emprego;
4. Formas de Manifestação do Princípio da Continuidade;
5. Princípio da Continuidade da Relação de Emprego e Controle do Direito de Despedir do Empregador.
1. Normas Trabalhistas e sua Imperatividade
Na seara do ordenamento jurídico trabalhista, a doutrina
pátria1 destaca como a principal fonte de produção de normas
1 Vide Orlando Gomes Amauri Mascaro (Iniciação ao direito do trabalho. 29ª edição. São
35
DOUTRINA • Revista TRT 6
trabalhistas o processo legiferante do Estado2. Enquanto regras
disciplinadoras da relação entre empregado e empregador, compõem
o conteúdo do contrato individual de trabalho normas negociais,
consuetudinárias e jurisprudenciais, mas quase sempre em número
reduzido em virtude da absoluta predominância de normas legais
reguladoras das relações trabalhistas. No contexto do quadro empírico
das relações laborais no Brasil, as desigualdades econômicas e
sociais impuseram ao Estado a regulamentação normativa minuciosa
do contrato individual de trabalho, com a finalidade específica
de evitar ou diminuir o seu desvirtuamento. Igualmente podem
Paulo: LTr, 2003, p. 79) e Délio Maranhão (Instituições de direito do trabalho. Vol. I. 20ª
edição. São Paulo: LTr, 2002, p. 155).
2 Para Miguel Reale (Lições preliminares de direito. 16ª edição. São: Paulo: Saraiva, 1988, p.
140), fonte de direito designa “os processos ou meios em virtude dos quais as regras jurídicas
se positivam com legítima força obrigatória, isto é, com vigência e eficácia”. Pressupõe,
portanto, a existência de um “poder capaz de especificar o conteúdo do devido, para exigir
o seu cumprimento, não sendo indispensável que ele mesmo aplique a sanção penal”. Toda
fonte de direito, por conseguinte, “implica uma estrutura de poder, pois a gênese de qualquer
regra de direito (nomogênese jurídica) só ocorre em virtude da interferência de um centro
de poder, o qual, diante de um complexo de fato e valores, opta por dada solução normativa
com características de objetividade”. Vários são os critérios utilizados pelos doutrinadores
para as enquadrar em diferentes modalidades. A classificação tradicionalmente apontada
nas obras jurídicas é aquela que as divide em “fontes materiais” e “fontes formais”. Estas,
também chamadas de “fontes de conhecimento ou de cognição”, seriam os meios pelos quais
se estabelece a norma jurídica, ou seja, os canais pelos quais o intérprete conhece a norma
de direito. Aquelas, por sua vez, igualmente conhecidas como “fontes reais ou de produção”,
seriam as fontes potenciais do direito, compreendendo o conjunto de fenômenos sociais que
contribuem para a formação da substância do direito. Miguel Reale critica a clássica distinção
entre fonte formal e fonte material de direito, afirmando que tal divisão tem provocado
grandes equívocos na seara da Jurisprudência. Tradicionalmente, fonte material (real ou
de produção) corresponde aos fatos que condicionam o surgimento, definem o conteúdo e
provocam as transformações das normas jurídicas. As fontes materiais apontam a origem do
direito, configurando a sua gênese. Seriam os fatores sociais (históricos, políticos, econômicos,
etc.) que iniciam o processo produtivo de uma regra de direito. Envolve, portanto, o estudo
filosófico ou sociológico do fundamento ético da norma jurídica, o que, para Miguel Reale,
situa-se fora do campo da Ciência Jurídica. Fonte formal ou de conhecimento, por outro
lado, no sentido clássico traduz a acepção de processo através do qual se cria uma norma
jurídica. Fontes formais, pois, são os modos de manifestação do direito, formas de expressão
do direito positivo, os meios mediante os quais o operador do direito conhece e descreve
a norma jurídica. Nesse sentido, segundo Miguel Reale, refere-se à verdadeira fonte de
direito, como canal de manifestação das normas de direito e meio pelo qual a norma jurídica
se positiva com legítima força obrigatória, isto é, com vigência e eficácia. E, como tal, deve
absorver toda atenção do estudioso da ciência jurídica. Para Reale, destarte, no campo da
Jurisprudência o termo fonte do direito deve ser utilizado para indicar apenas os processos
de produção de normas jurídicas. De acordo com o entendimento do professor paulista, por
conseguinte, são apenas quatro as verdadeiras fontes de direito: o processo legislativo do
Estado, a atividade jurisprudencial dos tribunais, a prática consuetudinária e o poder negocial.
36
Revista TRT 6 • DOUTRINA
compor o conteúdo do contrato de emprego normas convencionais,
consuetudinárias e jurisprudenciais, mas na prática as normas legais
formam praticamente toda a estrutura do pacto laboral.
A atividade negocial, exercida tanto no plano individual
pelos sujeitos da relação de emprego como no plano coletivo pelas
entidades sindicais, assume na prática uma postura supletiva,
manifestando-se quase que exclusivamente dentro das lacunas da lei. A
atividade judicante dos órgãos jurisdicionais3 e as práticas e costumes
profissionais4, por sua vez, revelam posições de ainda menor relevância
dentro do âmbito da criação de normas jurídicas trabalhistas.
Como conseqüência, a maior parte das normas disciplinadoras
da relação empregatícia, e, portanto, do correspondente conteúdo do
contrato de emprego, derivam diretamente da legislação estatal5.
Em que pese a pluralidade de fontes de normas trabalhistas6, assim,
apenas o processo legislativo do Estado assume verdadeira posição de
destaque. A atividade legiferante, na prática, assume o monopólio da
definição das condições de trabalho às quais se submetem os sujeitos
da relação de emprego, permanecendo em segundo plano a atividade
negocial (coletiva e individual), a prática consuetudinária e a atividade
judicante dos tribunais.
As normas da legislação trabalhista, por sua vez, revelam
3 Mesmo que em menor grau, torna-se forçoso reconhecer que a criação de normas jurídicas
abstratas atividade judicante dos tribunais do trabalho, integrantes da Justiça do Trabalho
na estrutura brasileira do Poder Judiciário da União (artigos 111 a 117 da Constituição da
República de 1988), notadamente pela chamada atividade sumular, uma manifestação comum
aos demais ramos do Judiciário. Mediante a edição de Súmulas da Jurisprudência do Tribunal
Superior do Trabalho, o órgão de cúpula do Judiciário Trabalhista sedimenta o entendimento
dos seus ministros em súmulas que passam a servir de diretrizes para os juízes de instâncias
inferiores (mesmo que sem efeito vinculante). Algumas Súmulas, como o de número 291 (que
prevê uma indenização compensatória devida ao empregado na hipótese de supressão de
horas extras prestadas habitualmente), exemplificam com perfeição tal atividade criadora.
4 José Martins Catharino (Compêndio de direito do trabalho. 3ª edição. São Paulo: Saraiva,
1982, p. 90), apesar de menor relevância atribuída à prática consuetudinária, sustenta que “um
dos casos mais significativos de direito costumeiro no Brasil são os relativos aos chamados
costumes profissionais”.
5 A atividade legiferante do Estado, merece ser salientado, é exercido primordialmente
pelo Poder Legislativo, mas também há atividade normativa por parte do Executivo (edição de
medida provisória, por exemplo), bem como pelo Judiciário (elaboração do regimento interno
de um tribunal).
6 Vide Maurício Godinho Delgado (Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p.
139).
37
DOUTRINA • Revista TRT 6
nítida índole imperativa e natureza de ordem pública.
As normas de origem estatal se impõem sobre os sujeitos
do contrato de emprego, mesmo em face do princípio da autonomia
da vontade. As regras estabelecidas nas leis de conteúdo laboral,
portanto, são via de regra inderrogáveis e cogentes, sujeitando a
vontade dos sujeitos da relação de emprego ao seu comando de
forma irresistível. A regulamentação estatal das relações laborais por
meio de leis trabalhistas, por sua vez, ocorre por intermédio de duas
categorias básicas de normas: as de proteção mínima e as proibitivas.7
Estas, em menor número, revelam como finalidade vedar a prática de
determinados atos trabalhistas como forma de resguardar, em última
análise, o interesse público. Aquelas, compondo a grande massa de
normas trabalhistas, almejam assegurar um mínimo de proteção ao
empregado hipossuficiente, estabelecendo limites intransponíveis
pela vontade das partes.8
A maior parte das normas legais de conteúdo laboral,
por seu turno, exprimem um mínimo de garantias ao empregado
hipossuficiente, estabelecendo limites dentro dos quais se admite a
estipulação de outras condições de trabalho. Há espaço para a criação
de normas mediante as demais fontes de direito, mas apenas no sentido
de melhor beneficiar o prestador dos serviços. O legislador cria uma
plataforma mínima, em cima da qual as outras fontes podem produzir
normas que melhor atendem aos interesses dos empregados, e, em
última análise, ao interesse público em proteger o hipossuficiente.
A dinamicidade das fontes de normas trabalhistas se evidencia em
tal sentido. Existindo a colidência, em uma mesma situação laboral
concreta, entre normas de positivação distinta, ou seja, regras
oriundas de fontes diferentes, prevalece aquela que melhor beneficia
7 Existe ainda uma terceira categoria, constituída por normas destinadas a estabelecer os
contornos dos institutos do juslaboralismo. São as chamadas normas estruturais, como, por
exemplo, as que fixam a definição legal de empregador e de empregado (artigos 2º e 3º da
CLT, respectivamente).
8 Exemplo de norma proibitiva é a esculpida no artigo 7º, inciso XXXIII, da Constituição da
República, que estabelece a“proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores
de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de
aprendiz”. Exemplos de normas de proteção mínima são as previstas nos incisos IV e XIII do
mesmo artigo constitucional, a primeira estipulando como contraprestação mínima a ser paga
ao empregado o “salário mínimo, fixado em lei”, a segunda definindo o período máximo dentro
do qual o empregador pode exigir que o empregado permaneça a sua disposição, ao estabelecer
a “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais”.
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Revista TRT 6 • DOUTRINA
o empregado, desde que não haja a violação a interesse público. A
regra, assim, é a superioridade da norma mais benéfica, seja qual
for a sua fonte de produção. Norma legal, norma consuetudinária,
norma jurisprudencial, norma convencional coletiva ou individual.
Não importa a origem, desde que resguardado o interesse público9,
prevalece aquela mais favorável ao hipossuficiente.10
A chamada hierarquia dinâmica das fontes do Direito do
Trabalho, portanto, resulta do próprio caráter tutelar das suas normas.11
A lei impõe os limites mínimos, em cima dos quais podem
ser criadas condições mais benéficas mediante as atividades
consuetudinária e jurisprudencial, e, especialmente, pelo poder
negocial das entidades sindicais e dos próprios sujeitos da relação
de emprego. A imperatividade da legislação trabalhista, constituída
em sua maior parte por normas cogentes, inderrogáveis e de ordem
pública, se revela rígida apenas no sentido de resguardar o interesse
público em proteger o empregado, admitindo-se a sua superação em
função de normas mais favoráveis.
A margem deixada pelo legislador, entretanto, não se revela
tão ampla quanto possa parecer à primeira vista. Mesmo que mais
favorável ao empregado, não se admite cláusula contratual contrária
ao interesse público. Nesse sentido, o artigo 444 consolidado, após
9 A prevalência do interesse público sobre o interesse individual do empregador ou do
empregador, e, ainda sobre o interesse coletivo, é uma das peculiaridades da hierarquia
dinâmica das fontes de normas trabalhistas. Prevalece a norma mais benéfica, desde que
não ferido o interesse público. A aplicação de uma norma convencional mais favorável ao
empregado, por exemplo, nem sempre será realizado em detrimento de uma norma legal
menos favorável, caso haja interesse público na superioridade na observância da lei. É
a hipótese do artigo 623 da CLT: “Será nula de pleno direito disposição de Convenção ou
Acordo que, direta ou indiretamente, contrarie proibição ou norma disciplinadora da política
econômico-financeira do Governo ou concernente à política salarial vigente, não produzindo
quaisquer efeitos perante autoridades e repartições públicas, inclusive para fins de revisão de
preços e tarifas de mercadorias e serviços”. O artigo 8º da Consolidação é claro ao estabelecer
que as autoridades administrativas e jurisdicionais decidirão “sempre de maneira que nenhum
interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”. A hierarquia dinâmica
das fontes de normas trabalhistas, portanto, encontra limites no que concerne à prevalência
do interesse público. Normalmente, em virtude do caráter protecionista, o interesse público
coincide com o interesse particular do empregado. havendo um choque entre ambos,
entretanto, prevalece a norma que resguarda o domínio do interesse público.
10 Para uma análise minuciosa acerca da matéria, vide Maurício Godinho Delgado
(Introdução ao direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1995).
11 Vide Sergio Torres Teixeira (“Hierarquia Dinâmica das Fontes do Direito do Trabalho” in
Revista do TRT da 6ª Região. Vol. 11. nº 27. Recife, 1999/2000, p. 182-214).
39
DOUTRINA • Revista TRT 6
assegurar a “livre estipulação” das condições contratuais pelo sujeitos
da relação de emprego, restringe tal liberdade ao limitar o poder
negocial individual a “tudo que não contravenha às disposições
legais de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhe sejam
aplicáveis e às decisões das autoridades competentes”. E, em idêntico
sentido, o artigo 8º da CLT, a seguir transcrito:
Artigo 8º. As autoridades
administrativas e a Justiça do
Trabalho, na falta de disposições
legais ou contratuais, decidirão,
conforme o caso, pela jurisprudência,
por analogia, por eqüidade e outros
princípios e normas gerais de
direito, principalmente do direito
do trabalho, mas sempre de maneira
que nenhum interesse de classe ou
particular prevaleça sobre o interesse
público.
A legislação laboral pátria, destarte, estabelece limites dentro
dos quais as partes devem se portar, assegurando uma autonomia
contratual subordinada às regras de proteção, considerando sempre
a situação de desigualdade resultante da condição de hipossuficiência
do empregado, mas à luz do interesse público em proporcionar
tal proteção. A índole tutelar característica do sistema dogmático
trabalhista, assim, permite a estipulação de condições contratuais
pelas partes contratantes, mas apenas no âmbito de tais fronteiras.
E é exatamente tal natureza tutelar das normas trabalhistas,
destarte, que faz prevalecer a índole institucionalista da relação de
emprego. Corresponde a um contrato, firmado pelos seus dois sujeitos
(empregado e empregador), mas de cunho predominantemente
“estatutário”, pois seu teor objetivo é formado, primordialmente, por
regras definidas pelo legislador. Em outras palavras, trata-se de um
negócio jurídico cujo conteúdo é, na sua maior parte, constituído por
condições oriundas de normas legais de índole protecionista.
40
Revista TRT 6 • DOUTRINA
2. Princípios Orientadores do Direito do Trabalho
A índole tutelar e o cunho protecionista do Direito
do Trabalho, portanto, representam características consagradas
universalmente na doutrina e na legislação dos mais diversos países,
sendo refletidos nos principais diplomas legais disciplinadores das
relações laborais.12
As normas legais, no entanto, não representam os únicos
elementos que compõem o teor de um ramo do Direito.
Nesse sentido, o conteúdo do modelo trabalhista brasileiro
é composto em sua maior parte por normas oriundas da atividade
legislativa do Estado, em virtude da natureza tutelar das diretrizes
legais. A prevalência decorrente do monopólio estatal, contudo, não
significa exclusividade. Conforme salientado anteriormente, ao lado
da legislação laboral, além das normas oriundas das demais fontes de
produção, igualmente integra o complexo de institutos do modelo
jurídico trabalhista um elenco de princípios norteadores13, peculiares
12 Roberto Lyra Filho, entretanto, em artigo denominado “Direito do Capital e Direito do
Trabalho”, publicado na coletânea Introdução crítica ao direito do trabalho (vol. 2, p. 62 a
75) discorda do entendimento dominante na doutrina nacional e estrangeira. No entender
do mencionado autor, prevalece na sociedade brasileira um complexo de normas opressoras
e retrógradas, chamado pelo mesmo de Direito do Capital, prejudicial aos trabalhadores
hipossuficientes, sendo necessária a união de todos para chegar a “... uma sociedade em que
todo Direito seja Direito do Trabalho, de honestos trabalhadores, sem medo e sem peias”.
13 Princípios, na lição de Miguel Reale (Lições preliminares de direito. 16ª edição. São
Paulo: Saraiva, 1988, p. 299), “são verdades fundantes de um sistema de conhecimento,
como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por
motivo de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas
necessidades da pesquisa e da praxis”.Na linguagem comum, princípio é um ponto de partida,
a causa primária, o momento no qual algo tem a sua origem. No sentido técnico, corresponde
a um fundamento colocado na base de um ramo do saber humano, informando-o. Maurício
Godinho Delgado (“Princípios do Direito do Trabalho”, in Revista LTr, abril de 1995, p.
472), leciona que “a palavra princípio traduz, de uma maneira geral, a noção de proposições
ideais que se gestam na consciência das pessoas e grupos sociais a partir de certa realidade e
que, após gestadas direcionam-se à compreensão, reprodução ou recriação dessa realidade.
... Nas ciências, a palavra princípio é apreendida com sentido similar, mas não exatamente
idêntico. Aqui, os princípios correspondem à noção de proposições construídas a partir de uma
certa realidade e que direcionam a compreensão da realidade examinada. Ou ‘proposições
que se colocam na base de uma Ciência, informando-a’ (Cretella Jr.). Os princípios atuariam
no processo de exame sistemâtico acerca de uma certa realidade - processo que é típico às
Ciências - , iluminando e direcionando tal processo. ... Em conclusão, para a Ciência do
Direito os princípios se conceituam como proposições ideias que informam a compreensão do
fenômeno jurídico. São diretrizes centrais que se inferem de um sistema jurídico e que, após
inferidas, a ele se reportam, informando-o”. Outro conceito de destaque é o de Américo Plá
41
DOUTRINA • Revista TRT 6
à seara jurídica das relações trabalhistas14.
Representam, por sua vez, diretrizes orientadoras ou
enunciados lógicos, reconhecidos como alicerces de validade dos
demais institutos componentes de determinado campo do saber
humano. No âmbito da ciência jurídica, os princípios orientadores
assumem um papel destacado. Cada um dos ramos autônomos do
Direito apresenta o seu próprio elenco de princípios, que, por sua vez,
não devem ser confundidos com as normas jurídicas que igualmente
integram o seu conteúdo.
Os princípios constituem o fundamento do ordenamento
jurídico, encontrando-se acima do direito positivo, servindo de
inspiração aos preceitos legais. Atuam como os pressupostos lógicos,
necessários aos frutos da atividade legislativa, ocupando a posição
de alicerce da lei. Como diretrizes orientadoras, além de inspirarem
os legisladores no processo de criação das normas jurídicas legais,
igualmente informam o intérprete na compreensão do significado
dos institutos e auxiliam o aplicador do direito na integração do
ordenamento jurídico em face das lacunas da lei. Um princípio, assim,
é um elemento mais geral, com maior grau de abstração em relação à
Rodriguez (Princípios de direito do trabalho. 2ª edição. São Paulo: LTr, 1993, p. 18), segundo o
qual os princípios seriam “linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta
ou indiretamente uma série de soluções, pelo que, podem servir para promover e embasar
a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das existentes e resolver os casos
não previstos”. O conceito oferecido por Américo Plá Rodriquez, assim, destaca as funções
primordiais dos princípios, englobadas na tríplice missão de exercer funções informadoras
(inspirando o legislador, servindo de fundamento para o ordenamento jurídico), normativas
(atuando como fonte supletiva, meio de integração do ordenamento jurídico nas hipóteses de
lacunas na lei) e interpretativas (auxiliando na compreensão dos institutos, operando como
diretriz orientadora do intérprete do direito).
14 Os princípios orientadores em análise não se confundem com os princípios gerais do
direito. Enquanto estes são aplicados a todos os ramos da Jurisprudência, aqueles são
postulados próprios de determinada ramificação da árvore jurídica. Junto com a afirmação
acerca da autonomia científica do Direito do Trabalho, normalmente segue-se a afirmação
sobre a existência de princípios peculiares ao ramo, distinto daqueles encontrados nos demais
que compõem a constelação jurídica. Exatamente por possuir um domínio vasto, com doutrinas
homogêneas precedidas por conceitos gerais comuns e marcadas por um método próprio, o
ramo laboral da Jurisprudência revela o seu próprio elenco de princípios. O seu conteúdo,
portanto, é composto de normas e de princípios peculiares, diferentes dos que caracterizam
outros ramos. Como leciona Alfredo J Ruprecht (Os princípios do direito do trabalho. São
Paulo: LTr, 1995, p. 07), “Cada Direito, para ser autônomo deve ter seus princípios próprios
que, no Trabalhista, são os que estão sendo analisados. Isso não quer dizer que os princípios
gerais do Direito devem ser descartados in totum; valerão supletivamente e desde que não
contrariem os princípios específicos da disciplina”.
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Revista TRT 6 • DOUTRINA
norma positiva, pois serve tanto para inspirar, como para interpretar,
e, ainda, para suprir a ausência de um preceito legal. E, ressalta-se,
executa tal mister perante um número indefinido de normas positivas.
É exatamente dentro do ordenamento positivo, entretanto,
que são refletidos os princípios, retratados implicitamente no
espírito das normas. Os princípios de um ramo do Direito, assim,
surgem através de uma apreciação do conjunto normativo, mediante
a consideração global dos preceitos positivos que formam o seu
conteúdo. Apesar da influência mútua nutrida em relação às normas
jurídicas que compõem o direito positivo, contudo, os preceitos
positivos não se confundem com os princípios. Estes, além de
revelarem um grau de generalidade consideravelmente superior ao
das normas, não são encontrados escritos na própria legislação15, mas
surgem de forma implícita, deduzidos por força da abstração. Existe
apenas, destarte, um condicionamento recíproco entre os respectivos
elementos, de forma a impedir uma independência completa entre
os mesmos.
A importância dos princípios orientadores, por outro lado,
cresce quando analisados à luz de um ramo do Direito ainda sem uma
maturidade plena ou diante de institutos novos introduzidos num ramo
cuja autonomia é inquestionável. Na primeira hipótese, a falta de uma
maior consistência na esfera dos seus preceitos positivos, portanto,
torna o recurso aos princípios uma constante necessidade do estudioso
do respectivo campo do conhecimento jurídico. No segundo caso, por
outro lado, os intérpretes são levados a utilizar os postulados como
diretrizes orientadoras para melhor compreender o novel instrumento,
logicamente distinto daqueles já consagrados definitivamente dentro
do âmbito da respectiva ramificação do Direito.
Em que pese a reconhecida autonomia científica do Direito
do Trabalho, assim, fatores como a origem relativamente recente e a
falta de uma legislação adequada às incessantes mutações das relações
trabalhistas, levam a maior parte da doutrina a considerá-lo ainda
15 Excepcionalmente, um princípio pode ser “positivado” pelo legislador, quando o
postulado é consagrado expressamente num preceito legal. Tal hipótese ocorre, por exemplo,
no caput do artigo 37 da Constituição da República de 1988, quando a obediência aos princípios
da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência é colocada de forma
explícita no respectivo dispositivo constitucional. No caso da positivação de um princípio pelo
legislador, assim, o postulado assume uma função nitidamente normativa, confundindo-se com
um preceito positivo.
43
DOUTRINA • Revista TRT 6
em vias de amadurecimento. De igual forma, registra-se a constante
introdução ao sistema positivo pátrio de novos institutos, oriundos
da criatividade do legislador nacional ou da adoção de instrumentos
alienígenas, e, ainda, da ratificação de tratados internacionais. Em
virtude de tais circunstâncias, por conseguinte, o uso de princípios
norteadores assume indiscutível importância prática.
Como ramo autônomo da ciência jurídica, por sua vez, o
Direito do Trabalho apresenta o seu próprio elenco de princípios
clássicos, considerados como universais pelos doutos.16
Apesar da diversidade encontrada nas relações apresentadas
pelos autores na literatura pátria e estrangeira, uma lista de princípios
16 Tais princípios peculiares, por definição, incidem sobre um ramo específico da Ciência
Jurídica. Não precisam ser exclusivos, mas de forma alguma podem ser aplicados a todos os
ramos do Direito, pois então perderiam o seu caráter de peculiaridade. O reconhecimento
da existência de princípios peculiares do Direito do Trabalho, ressalte-se mais uma vez,
é pressuposto essencial à admissão da sua autonomia. A relevância da temática dentro
do contexto do Direito do Trabalho é salientada pelos tratadistas laborais. Américo Plá
Rodriguez (Princípios de direito do trabalho. 2ª edição. São Paulo: LTr, 1993, p. 11) afirma
que “consideramos importante o tema, não apenas pela função fundamental que os princípios
sempre exercem em toda disciplina, mas também porque, dada sua permanente evolução e
aparecimento recente, o Direito do Trabalho necessita apoiar-se em princípios que supram
a estrutura conceitual, assentada em séculos de vigência e experiência possuídas por outros
ramos jurídicos”. Francisco Meton Marques de Lima (Princípios de direito do trabalho na lei
e na jurisprudência. São Paulo: LTr, 1994, p. 09), invoca semelhante justificativa, ao sustentar
na introdução à sua obra que “considerando a velocidade com que se modificam as relações
econômicas e a tecnologia, entretanto a lei continua estática, indiferente aos avanços materiais;
prega-se o emprego do método interpretativo PRINCIPIOLÓGICO, isto é, com respaldo nos
princípios jurídicos, extraídos do próprio direito positivo nacional. Os princípios fundamentam
a legislação, por isso, melhor compreenderá a lei quem lhe conhecer o embasamento teórico.
Por sua vez, a jurisprudência interpreta a lei, segundo o direito especial.Logo, a exposição
teórica dos princípios condensa toda a legislação dispersa em torno do mesmo tema e coleciona
jurisprudência sobre o assunto em comento”. Em seguida, Francisco Meton Marques de Lima
completa o seu raciocínio, ao afirmar que “o direito tem suas raízes fincadas nos princípios
que o fecundam, orienta-se sob a sombra dos mesmos e de acordo com ele deve realizar-se.
No tocante ao ramo do direito ora em tela, mais força ganha esta sentença, em face de se tratar
de um direito novo, de doutrina ainda incipiente, jurisprudência discrepante e legislação
oscilante”. Quanto à definição do rol de postulados que compõem a relação de princípios
orientadores do Direito do Trabalho, entretanto, registra-se na literatura pátria e estrangeira,
uma flagrante diversidade, tão manifesta que prima facie pode gerar dúvidas acerca da
identidade do objeto focalizado. A análise das obras clássicas que compõem a literatura
especializada revela que raras são as coincidências entre os elencos de princípios arrolados
pelos autores. Novamente Américo Plá Rodriquez (Princípios de direito do trabalho. 2ª edição.
São Paulo: LTr, 1993, p. 10), afirma que de 14 autores pesquisados, foram identificados 25
princípios distintos apresentados nas respectivas relações. As causas dessas divergências, no
entender do professor uruguaio, são várias, começando pelo desdobramento de um em vários
princípios ou a concentração de vários num só princípio. Vide ainda Luiz de Pinho Pedreira da
Silva (Principiologia do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1997).
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Revista TRT 6 • DOUTRINA
assume a posição de destaque em face da sua ampla aceitação por
parte dos estudiosos da matéria trabalhista. É a relação elaborada
pelo professor uruguaio Américo Plá Rodriguez17. No seu elenco
de princípios peculiares do Direito do Trabalho, o mencionado
doutrinador apresenta os seguintes postulados clássicos: princípio de
proteção, princípio da irrenunciabilidade dos direitos, princípio da
primazia da realidade, princípio da razoabilidade, princípio da boa-fé
e princípio da continuidade da relação de emprego.
O princípio de proteção revela a raiz tutelar do Direito
do Trabalho, se relacionando com o seu principal fundamento, cuja
finalidade é assegurar uma maior proteção jurídica ao empregado
economicamente hipossuficiente, para afinal alcançar uma igualdade
proporcional entre os sujeitos da relação de emprego. Daí a natureza
tutelar das normas que a compõem18.
O princípio da irrenunciabilidade, por seu turno, corresponde
ao postulado segundo o qual o empregado não pode se despojar dos
direitos trabalhistas previstos no sistema normativo, por serem
indisponíveis e assegurados em normas de ordem pública, imperativas
e inderrogáveis. Almejando proteger o hipossuficiente, o Direito do
17 Princípios de direito do trabalho. 2ª edição. São Paulo: LTr, 1993, p. 24. O autor uruguaio,
entretanto, admite que o tema não está suficientemente sedimentado e tampouco consolidado
na literatura especializada. Alfredo J Ruprecht (Os princípios do direito do trabalho. São Paulo:
LTr, 1995) apresenta a seguinte relação: princípio protetor, princípio da irrenunciabilidade
de direitos, princípio da continuidade do contrato, princípio da realidade, princípio da boafé, princípio do rendimento, princípio da racionalidade, princípio da colaboração, princípio
da não-discriminação, princípio da dignidade humana, princípio da justiça social e princípio
da eqüidade. Dentre os doutrinadores brasileiros, se destaca a relação de Francisco Meton
Marques de Lima (Princípios de direito do trabalho na lei e na jurisprudência. São Paulo: LTr,
1994), que inclui os seguintes princípios específicos: princípio da norma mais favorável ao
empregado, princípio do in dubio pro operario, princípio da condição mais benéfica, princípio da
irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, princípio da continuidade da relação de emprego,
princípio da primazia da realidade, princípio da razoabilidade, princípio da imodificabilidade
in pejus do contrato de trabalho, princípio da irredutibilidade salarial, princípio da igualdade
de salários, princípio da substituição automática das cláusulas contratuais pelas disposições
coletivas e princípio da boa-fé.
18 Tal postulado, considerado pelos juristas o mais importante do elenco, se expressa através
de três regras básicas: a regra in dubio pro operario, correspondente ao critério segundo o
qual o intérprete deve preferir a interpretação mais vantajosa para o empregado na hipótese
de ser a norma suscetível de diversos entendimentos; a regra da norma mais favorável,
determinando que, na hipótese de existir mais de uma norma aplicável a um caso concreto,
deve ser escolhida pelo aplicador aquela mais benéfica ao hipossuficiente, mesmo quando
contrário ao critério tradicional da hierarquia das normas jurídicas; e a regra da condição mais
benéfica, correspondente ao critério segundo o qual a incidência de uma nova norma jamais
deve prejudicar as condições mais favoráveis nos quais se encontra o empregado.
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DOUTRINA • Revista TRT 6
Trabalho torna inadmissível a renúncia do empregado aos direitos que
lhe são assegurados, perdendo o hipossuficiente a disponibilidade
sobre tais bens em virtude do interesse público em sua manutenção.
Via de regra, assim, a renúncia do empregado deverá ser considerada
nula de pleno direito.
O princípio da primazia da realidade, por outro lado, significa
que, na hipótese de colidência entre a realidade empírica e o que surge
de documentos ou acordos, prevalece aquela, ou seja, predomina a
realidade fática. De acordo com as suas diretrizes, assim, o intérprete
deve dar preferência ao que ocorre no campo dos fatos, em detrimento
das formalidades. É a primazia dos fatos sobre a aparência formal.
O princípio da razoabilidade, por sua vez, corresponde ao
postulado que estabelece a prevalência da razão dentro do âmbito
das relações trabalhistas, definindo a consagração da racionalidade
dentro da esfera laboral. A premissa, portanto, é que o homem age
conforme a razão, e não de forma arbitrária. Revela-se importante na
interpretação da conduta dos sujeitos da relação de emprego, servindo
de relevante subsídio nas hipóteses nas quais a norma abstrata não
estipula os limites concretos a serem adotados.
O princípio da boa-fé, enquanto postulado do Direito do
Trabalho, representa a suposição segundo a qual os sujeitos da relação
de emprego, o empregado e o empregador, atuam de forma leal
dentro da seara das suas obrigações contratuais. Ambas as partes do
contrato individual de trabalho, portanto, devem cumprir o respectivo
pacto de boa-fé.
Dentre os que integram o elenco clássico, entretanto, é o
chamado princípio da continuidade da relação de emprego19 que revela
estreita vinculação com o tema do presente estudo. E, em virtude de
sua relevância no contexto da presente análise, será examinado à parte.
19 Para Mário de la Cueva, coube à Constituição mexicana de 1917 a consagração de tal
princípio (sob a a denominação de estabilidad en el trabajo). Na sua obra El nuevo derecho
mexicano del trabajo (Tomo I. 8ª edição. México: Porrúa, 1983, p. 219), sustenta o mais
conhecido dos juslaboralistas mexicanos que “la idea de la estabilidad en el trabajo es una
creación de la Asamblea Magna de 1917, sin ningún precedente en otras legislaciones, ni
siquiera en la doctrina de algún escritor o jurista. Nació en Querétaro, sin que pueda dicerse
quién fue su autor, como una idea-fuerza destinada a dar seguridad a la vida obrera y a escalar
la meta tan bellamente expresada por Máximo Dursi en su cuento Bertoldo en la Corte: ‘viver
sin temor es el destino del hombre’.”
46
Revista TRT 6 • DOUTRINA
3. Princípio da Continuidade da Relação de Emprego
Como um pacto de trato sucessivo, o contrato de emprego
não é efêmero, não se esgota pela prática de um ato único ou mediante
a prática de uma operação isolada, como um contrato de compra e
venda. A relação de emprego, conforme anteriormente destacado,
corresponde a uma relação de trabalho não eventual, ou seja, um
liame laboral no qual a eventualidade da prestação de serviços não
se enquadra. Pressupõe o prolongamento do vínculo, diferenciandose, assim, do trabalho eventual ou esporádico20. A relação laboral
correspondente, assim, é uma relação de débito contínuo, renovandose diariamente em face da seguida prestação de serviços, sendo
marcada pela permanência e durabilidade21. O contrato não se realiza
imediatamente através de um único ato, mas perdura no tempo. Via
de regra, portanto, a relação não revela um momento prédefinido
para a sua terminação, com a sua dissolução correspondendo a uma
operação delicada.
Sendo o contrato de emprego um pacto de execução
continuada e de caráter intuitu personae em relação à pessoa do
empregado (conseqüência natural da pessoalidade exigida pela
legislação trabalhista para a configuração do vínculo), existe uma
tendência lógica à formulação de instrumentos tendentes a assegurar
a permanência do negócio jurídico, em que pese o desgaste natural
decorrente dos efeitos do tempo sobre qualquer relação continuada.
20 Não se deve confundir eventual ou esporádico com intermitente. O empregado pode
prestar serviços de forma intermitente (como, por exemplo, o atendente de um restaurante
que funciona apenas nos finais de semana), desde que haja regularidade quanto à relação
laboral em si. A questão da lavadeira ou faxineira que presta serviços apenas um ou dois dias
por semana, entretanto, é polêmica, inexistindo um posicionamento uniforme na literatura
especializada e tampouco na jurisprudência dos tribunais do trabalho. Enquanto parte dos
juslaboralistas reconhece o vínculo de emprego em face da regularidade da prestação de
serviços, uma outra corrente entende tratar-se de uma espécie de trabalhador autônomo,
devido à falta de uma continuidade direta na execução das suas atividades, quando a Lei do
Trabalhador Doméstico (Lei 5.5859 de 11.12.72) exige para a caracterização de tal modalidade
especial de elo empregatício a prestação de serviços de natureza contínua e não apenas
serviço não-eventual, como na relação de emprego normal disciplinada pela CLT.
21 Não se exige, entretanto, a prestação diária de serviços. Um empregado pode prestar
serviços apenas em determinado(s) dia(s) da semana, desde que haja regularidade e fixação
a tal fonte de trabalho. Exige-se para a configuração da relação de emprego normal, assim,
apenas a não-eventualidade da prestaçao de serviços. Quanto à questão polêmica envolvendo
a diarista doméstica, vide a nota anterior.
47
DOUTRINA • Revista TRT 6
Nessa linha de raciocínio, surge o princípio da continuidade
da relação de emprego22.
O citado postulado corresponde a um dos alicerces
fundamentais do moderno Direito do Trabalho, por visar a durabilidade
do seu objeto nuclear. Manifesta a hodierna tendência do Direito do
Trabalho em buscar proporcionar a maior durabilidade possível ao
contrato de emprego23, evitando a ruptura do liame. O princípio em
tela significa, assim, a tendência em se assegurar o prosseguimento
da relação de emprego, almejando manter o contrato individual de
22 A denominação escolhida retrata a nomenclatura mais constantemente utilizada pela
doutrina, seguindo as lições de Américo Plá Rodriguez. Alguns tratadistas, no entanto, preferem
as expressões “permanência” (vide Alfredo J. Ruprecht, Princípios de direito do trabalho.
São Paulo: LTr, 1995, p. 55) ou “estabilidade” (vide Mário de la Cueva, El nuevo derecho
mexicano del trabajo (Tomo I. 8ª edição. México: Porrúa, 1983 ). Plá Rodriguez, ao defender
a denominação princípio da continuidade da relação de emprego (Princípios de direito do
trabalho. 2ª edição. São Paulo: LTr, 1993, p. 140), critica as demais expressões. Ao sustentar
que continuidade, além de ser a nomenclatura mais utilizada, é a de conotação sumamente
apropriada, por fazer alusão ao que se prolonga e se mantém no tempo (idéia central que se
quer invocar com o princípio em tela), aponta as falhas das outras denominações, afirmando
que enquanto a estabilidade designa especificamente um instituto concreto relacionado com
o postulado (por proteger o empregado contra a dispensa), permanência e perdurabilidade
revelam uma noção de perenidade que não caracteriza o contrato de emprego, cuja duração
não é infinita.
23 Para Américo Plá Rodriguez (Princípios de direito do trabalho. 2ª edição. São Paulo:
LTr, 1993, p. 142), tal princípio “expressa a tendência do Direito do Trabalho de atribuir à
relação de emprego a mais ampla duração, sob todos os aspectos”. Francisco Meton Marques
de Lima (Princípios de direito do trabalho na lei e na jurisprudência. São Paulo: LTr, 1994,, p.
100) sustenta que “o princípio em estudo consiste em estabelecer presunção iuris tantum da
continuidade da vinculação de emprego”. Alfredo J. Ruprecht (Princípios de direito do trabalho.
São Paulo: LTr, 1995, p. 55), após admitir que “a tendência para a existência e a conservação
do contrato de trabalho manifesta-se em todas as legislações que o regulamentam”, acrescenta
que “esse princípio tem hoje extrema importância. Atualmente, a atitude do sindicalismo
tende, em primeiro lugar, a procurar preservar a fonte de trabalho, permanecer no emprego,
e só depois vêm as outras considerações. Por outro lado, é a meta do Direito Trabalhista
contemporâneo e os governos procuram atingi-la de diversas maneiras”. Mário de la Cueva
(El nuevo derecho mexicano del trabajo (Tomo I. 8ª edição. México: Porrúa, 1983,, p. 219), por
sua vez, leciona que “la estabilidade en el trabajo apareció en nuestro derecho como una de
las manifestaciones más cristalinas de la justicia social, hondamente enraizada en el derecho
del trabajo, porque su finalidad immediata es el vivir hoy y en el mañana immediato, pero al
nacer miró apasionadamente hacia la seguridad social, porque su finalidad mediata es preparar
el vivir del trabajador en la adversidad y en la vejez. De estas sus finalidades se desprende su
esencia: la estabilidade en el trabajo es la certeza del presente y del futuro, una de las ideais
que anuncia una vinculación más íntima y talvez una fusión futura del derecho del trabajo y
de la seguridad social”. Merece ser salientado que, apesar das estreitas relações existentes
entre o chamado princípio de proteção ao trabalhador e o princípio da continuidade da relação
de emprego, não há como considerar este último uma simples derivação ou consequência
daquele. Encontram-se vinculados, por terem a mesma finalidade (a tutela do hipossuficiente),
mas são princípios independentes e autônomos, com conteúdos e fontes específicas.
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Revista TRT 6 • DOUTRINA
trabalho em pleno vigor durante o período de tempo mais longo
possível, protegendo-o de atos destinados a provocar o seu término.
A diretriz estabelecida pelo princípio da continuidade da relação de
emprego, pois, é no sentido de assegurar a sua durabilidade e evitar
a sua terminação.24
Os alicerces que sustentam a base fundamental do
princípio da continuidade da relação de emprego são sintomáticos
da natureza tutelar das normas trabalhistas, revelando ao mesmo
tempo a fragilidade da posição do hipossuficiente e a necessidade
da presença de mecanismos tendentes a diminuir a sua posição
de inferioridade. A conservação da relação de emprego gera um
sentimento de segurança para o trabalhador, transmitindo-lhe uma
tranqüilidade de que certamente não desfrutaria, caso existisse a
incerteza acerca do prosseguimento do contrato. Via de regra, é desejo
do assalariado a manutenção da relação empregatícia existente, até
o surgimento de uma outra oportunidade laboral mais interessante
ou então até a sua aposentadoria pela seguridade social. Mediante
medidas assecuratórias da manutenção do elo de emprego, assim,
proporciona-se ao empregado uma estabilidade ao mesmo tempo
social, psicológica e material. Torna-se necessário visualizar, assim,
que, dentre as garantias conquistadas pelo trabalhador moderno,
encontra-se o chamado direito ao trabalho, ou seja, o direito desfrutado
por todo e qualquer cidadão a exercer uma atividade laborativa e
se inserir na atividade produtiva do seu país. Tal direito, inclusive,
se encontra assegurado pela Declaração Universal dos Direitos do
Homem, aprovada pela Assembléia Geral da Organização das Nações
Unidas em 10 de dezembro de 1948, cujo artigo XXIII, 1, ora se expõe:
Todo homem tem direito ao
trabalho, à livre escolha do emprego,
a condições justas e favoráveis
de trabalho e à proteção contra o
24 Segundo Maurício Godinho Delgado ((“Princípios do Direito do Trabalho”, in Revista
LTr, abril de 1995, p. 477), “informa tal princípio que é de interesse do Direito do Trabalho a
permanência do vínculo empregatício, com a integração do trabalhador na estrutura e dinâmica
empresariais. Apenas mediante tal permanência e integração é que a ordem justrabalhista
poderia cumprir satisfatoriamente o objetivo teleológico do Direito do Trabalho de assegurar
melhores condições - sob a ótica obreira - de pactuação e gerenciamento da força de trabalho
em determinada sociedade”.
49
DOUTRINA • Revista TRT 6
desemprego.
Ao empregado, nesse sentido, deve sempre ser assegurado
o acesso à atividade laboral. Para tanto, deve o poder público adotar
instrumentos destinados a manter a fonte de trabalho ao qual se
encontra vinculado, ou, caso esteja sem trabalhar, deve o Estado
promover medidas destinadas a diminuir e eventualmente eliminar
o desemprego involuntário. Ao menos no campo ideológico, assim,
a segurança social através da conservação da relação empregatícia
constitui uma das principais metas de todo Estado moderno25. O
princípio em tela, destarte, encontra seu principal fundamento na
necessidade de segurança revelada pelo empregado hipossuficiente,
segurança esta obtida apenas através da manutenção da fonte de
trabalho que assegura o seu sustento e a sobrevivência da sua
família, dado o caráter essencialmente alimentar da contraprestação
percebida26.
O prosseguimento do contrato individual de trabalho
garante uma idéia de segurança social, com o empregado se sentindo
inserido na entidade patronal, integrado à sua atividade produtiva.
A permanência do vínculo afasta os efeitos nocivos do desemprego
e, conseqüentemente, os problemas psicológicos decorrentes da
terminação não desejada da relação de emprego. Sem falar na
instabilidade econômica que normalmente decorre do rompimento
abrupto do liame laboral. O fator segurança, por sua vez, não
representa o único fundamento do princípio da continuidade. Existem
mais dois, um fundamento de ordem moral e outro de ordem técnica27.
25 �����������������
Néstor de Buen (Derecho del trabajo. Tomo II. 4ª edição. México: Porrúa, 1981, p. 79),
leciona que “en la medida en que constituye una preocupación social fundamental de nuestro
tiempo el encontrar ocupación para todos, es obvio que el apoyo legal para la finalidad contraria
solo podrá dar en circunstancias verdaderamente excepcionales”.
26 Leciona Alfredo Ruprecht (Princípios de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1995, p.
58) que “na realidade, o trabalho para a maioria das pessoas, é de vital importância, pois é sua
única ou principal fonte de renda. Por outro lado, é prestado a empresas destinadas a existir
indefinidamente - pelo menos em princípio - e, portanto, devem ser também permanentes as
atividades dos trabalhadores que nelas se empregam”.
27 De acordo com o Francisco Meton Marques de Lima (Princípios de direito do trabalho
na lei e na jurisprudência. 1ª edição. São Paulo: LTr, 1994, p. 101), “o fundamento de ordem
técnica assenta no fato de que a continuidade no emprego proporciona o aperfeiçoamento do
trabalhador, que renderá mais na função que exerce; permite ainda ao empregado conhecer
melhor a filosofia de trabalho da empresa, conseqüentemente a incorporação dos ideais ali
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Revista TRT 6 • DOUTRINA
O primeiro refere-se ao mencionado direito ao trabalho, ou seja, o
direito do qual cada indivíduo é titular no sentido de ter acesso a (e
manter) uma fonte de trabalho, pois, via de regra, o cidadão necessita
de uma ocupação para ter uma sensação de utilidade e de importância
dentro da sociedade da qual faz parte. De igual forma, sustenta que
existe um fundamento de ordem técnica, assentado no fato de que a
continuidade do vínculo empregatício proporciona o aperfeiçoamento
do empregado, permitindo um melhor rendimento na sua função
laborativa. Constata-se, assim, que a rotatividade de fontes de trabalho
por parte do hipossuficiente, passando de emprego a emprego de
forma constante e indefinida, resulta em efeitos nocivos por gerar
um sentimento de frustração em relação ao trabalho, prejudicando
tanto o prestador como o tomador dos serviços, bem como, em última
análise, toda a sociedade.28
O prolongamento da permanência do obreiro dentro
da estrutura empresarial, portanto, também gera conseqüências
favoráveis ao empregador. E não apenas no plano psíquico, mas
também em termos materiais. Como, por exemplo, a melhor
produtividade decorrente do aprimoramento da capacidade laborativa
do obreiro através dos anos. O estímulo à antigüidade, mediante
prêmios e gratificações oferecidas pelos empregadores, levando em
consideração o tempo de serviço prestado à empresa, revela o interesse
patronal no prolongamento dos contratos, evitando assim os riscos das
experiências com novas contratações. A sociedade como um todo, por
outro lado, igualmente se revela beneficiada pelo prosseguimento
dos contratos laborais envolvendo os seus integrantes, uma vez que
um dos seus objetivos primordiais é exatamente assegurar a todos o
acesso ao mercado de trabalho.
reinantes, resultando mais fidelidade e amor ao trabalho. Mesmo a mudança de função não
impedirá o aperfeiçoamento do empregado, que há muito conhece pormenores da empresa e
não terá dificuldade na nova função. Aliás, o empregado sabendo que terá garantia no emprego
e ascensão profissional, desde que desempenhe com zelo sua função, terá mais interesse pela
empresa, a ela se dedicando como uma parte do seu patrimônio, nela vendo mais de que
simples ganha-pão”.
28 Leciona Américo Plá Rodrigues (Princípios de direito do trabalho. 2ª edição. São Paulo:
LTr, 1993, p. 139) que “tudo o que visa a conservação da fonte de trabalho, a dar segurança ao
trabalhador, constitui não apenas um benefício para ele, enquanto lhe transmite uma sensação
de tranqüilidade, mas também redunda em benefício da própria empresa e, através dela, da
sociedade, na medida em que contribui para aumentar o lucro e melhorar o clima social das
relações entre as partes”.
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DOUTRINA • Revista TRT 6
Os benefícios do prosseguimento da relação de emprego,
por conseguinte, extrapola a seara de interesses do empregado. As
entidades empregadoras, bem como, em última análise, a própria
coletividade, são igualmente beneficiadas, na medida em que a
duração continuada contribui para a integração do empregado na
empresa.
Revela-se importante ressaltar, entretanto, que o princípio
em tela se encontra estabelecido primordialmente em favor do
hipossuficiente. E, como tal, não pode ser suscitado em qualquer
circunstância que não lhe seja favorável29.
Nesse sentido, a sua invocação constitui prerrogativa do
empregado, podendo o obreiro optar pela violação à diretriz, como,
por exemplo, mediante a ruptura do vínculo por sua iniciativa.
Na mesma linha de raciocínio, não pode o empregador pretender
o prosseguimento do contrato com base no mesmo princípio da
continuidade, quando assim não deseja o empregado, exigindo o
prosseguimento do liame contra a vontade do trabalhador, pois então
estaria consagrado um “contrato de trabalho forçado”, à semelhança
da escravidão. A incidência do princípio da continuidade da relação
de emprego, destarte, ocorre sempre em virtude do interesse do
hipossuficiente. Constata-se, assim, que o empregado sempre poderá
denunciar o contrato e deixar de trabalhar para o tomador dos seus
serviços. O inverso, ou seja, a denúncia por parte do empregador,
por outro lado, encontra limitações nas diretrizes estabelecidas pelo
princípio em tela, como será analisado adiante.
4. Formas de Manifestação do Princípio da Continuidade
O princípio da continuidade da relação de emprego se
manifesta de diversas formas, variando de acordo com as peculiaridades
da legislação laboral de cada país. As peculiaridades dos diferentes
sistemas normativos, assim, influem na fixação das regras atinentes à
29 De acordo com Alfredo J Ruprecht (Princípios de direito do trabalho. São Paulo: LTr,
1995, p. 55), “o princípio da continuidade do contrato aplica-se fundamentalmente em
benefício do trabalhador. Uma vez que seu objetivo é evitar que este perca seu emprego,
só poderá ser esgrimido por ele. Assim como o empregador não pode, de maneira alguma,
impedir que o trabalhador faça uso desse princípio, tampouco pode utilizá-lo em seu favor,
impedindo a saída do trabalhador”.
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Revista TRT 6 • DOUTRINA
manutenção da relação empregatícia.
Algumas formas de manifestação do alcance do princípio
em tela, entretanto, revelam um certo caráter universal, demonstrado
pela presença uniforme de alguns institutos nos diplomas legais
de cunho trabalhista encontrados no estrangeiro. A preferência
pelos contratos por tempo indeterminado, o reconhecimento de
fatos geradores da suspensão ou da interrupção do contrato sem
prejuízo à manutenção deste, bem como a determinação pelo seu
prosseguimento, mesmo diante de alterações contratuais (inclusive
quanto à figura do empregador) e de nulidades de algumas das suas
cláusulas, correspondem a formas universais da manifestação do
princípio em tela30. E a legislação laboral consubstanciada nas normas
da Consolidação das Leis do Trabalho, segue tal diretriz orientadora.31
30 Vide Eneida Melo Correa de Araújo (As relações de trabalho: uma perspectiva
democrática. São Paulo: LTr, 2003, p. 191).
31 Alfredo J. Ruprecht (Princípios de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1995, p. 55) apresenta
três conseqüências básicas do princípio da continuidade: a) preferência pelos contratos de
duração indeterminada; b) manutenção do emprego; e c) manutenção da vigência do contrato.
Américo Plá Rodriguez (Princípios de direito do trabalho. 2ª edição. São Paulo: LTr, 1993, p.
143), por sua vez, elenca as seguintes projeções do postulado em tela: 1) preferência pelos
contratos de duração definida; 2) amplitude para a admissão das transformações do contrato;
3) facilidade para manter o contrato, apesar dos descumprimentos ou nulidades em que se
haja ocorrido; 4) resistência em admitir rescisão unilateral do contrato, por vontade patronal;
5) interpretação das interrupções dos contratos como simples suspensão; e 6) manutenção
do contrato nos casos de substituição do empregador. Na legislação trabalhista brasileira
atualmente em vigor, são encontradas manifestações de todas essas projeções relacionadas
por Américo Plá Rodriguez (como será posteriormente examinado de forma mais detalhada).
Quanto à preferência pela contratação sem término definido, o artigo 443 da CLT admite o
contrato por prazo determinado, mas o seu parágrafo 2o. estabelece apenas três hipóteses
nas quais será válida a prévia estipulação do seu término (transitoridade do serviço a ser
prestado ou então da própria espécie de atividade empresarial, e contratação por experiência),
enquanto o artigo 445 estabelece a duração máxima dos mesmos (90 dias para o contrato de
experiência, e dois anos para os demais contratos a prazo). Os artigos 451 e 452, por seu turno,
estabelecem respectivamente hipóteses de transformação do contrato por prazo determinado
em contrato por prazo indeterminado, caso haja a violação às suas regras, que proíbem mais
de uma prorrogação do contrato e vedam a celebração de novo contrato a prazo no período
de seis meses após o término de um outro contrato a termo, salvo exceções expressas. A
recente Lei 9.601, de 21 de janeiro de 1998, introduziu ao ordenamento jurídico brasileiro
um novo tipo de contrato por prazo determinado, denominado de “contrato temporário de
trabalho”. Regulamentado pelo Decreto 2.490, de 4 de fevereiro de 1998, a nova modalidade
supera algumas das restrições anteriores (admitindo-se, por exemplo, a renovação sucessiva
do contrato). As citadas normas legais, entretanto, estabelecem uma série de requisitos
necessários para a válida celebração de um contrato de tal espécie, dentre os quais se inclui a
prévia autorização mediante negociação coletiva. No tocante à amplitude para a admissão das
transformações do contrato e à facilidade para manter o mesmo apesar de descumprimentos ou
nulidades, por outro lado, o artigo 469 da CLT é explícito ao admitir as alterações das cláusulas
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DOUTRINA • Revista TRT 6
À luz do direito positivo pátrio, assim, o contrato de emprego,
em regra, não prevê um período certo para a sua duração.
Normalmente, os celebrantes não estipulam uma delimitação
quanto ao prazo de sua validade e, assim, pressupõe-se a vontade das
partes de prosseguir com o liame por um período de tempo indefinido.
A sua duração, via de regra, é indeterminada, inexistindo previsão
quanto ao termo final do seu âmbito de vigência temporal.
De igual forma, o modelo trabalhista brasileiro assegura
a manutenção do elo de emprego nos casos de suspensão e
de interrupção do contrato de emprego, quando o empregado
temporariamente deixa de trabalhar para a entidade patronal, como
no caso de licenças autorizando o afastamento32. Nas hipóteses legais
(ou contratuais) de paralisação da prestação de serviços, em virtude da
suspensão ou da interrupção dos principais efeitos do contrato, este
se mantém intacto, aguardando apenas o término do fato suspensivo
ou interruptivo para voltar a produzir na íntegra todos seus efeitos
normais. O afastamento temporário, nessas circunstâncias, destarte,
não enseja a terminação do liame, reservando-se para o empregado
afastado o posto empregatício enquanto perdurar o seu afastamento.
contratuais, desde que haja anuência das partes e inexistam prejuízos diretos ou indiretos ao
empregado, cominando a pena de nulidade apenas à clausula infringente de tal garantia, sem
prejuízo ao prosseguimento do liame laboral. Quanto à questão das interrupções e suspensões
do contrato, o artigo 471 da CLT assegura ao empregado não apenas o direito de retornar
ao seu antigo posto empregatício após o término da paralisação temporária operada, mas
garante ao obreiro todas as vantagens que, em sua ausência, tenham sido atribuídas à categoria
profissional a que pertence. No tocante à manutenção do contrato nos casos de substituição do
empregador, as letras dos artigos 10 e 448, assegurando que a mudança na propriedade ou na
estrutura jurídica da empresa não afeta os direitos adquiridos nem o contrato de trabalho dos
empregados daquela, deixam em clarividência a presença na legislação pátria de tal forma de
manifestação do princípio em tela. Quanto à questão acerca da resistência à resilição unilateral
do contrato por vontade patronal, a temática será apreciada adiante.
32 Enquanto interrupção (suspensão parcial) do contrato significa a paralisação temporária
da prestação de serviços sem prejuízo da percepção da contraprestação paga pelo empregador,
a suspensão (suspensão total) do contrato implica na paralisação temporária das duas principais
obrigações contratuais: a de trabalhar (pelo empregado) e a de remunerar o trabalho prestado
(pelo empregador). Via de regra, a contagem do tempo de serviço ocorre apenas na hipótese
de interrupção (há contagem, entretanto, nas suspensões causadas por acidente de trabalho
ou serviço militar obrigatório, nos termos do artigo 4º parágrafo único, da CLT). Em ambos
os casos, tanto o emprego do trabalhador como as vantagens conquistadas pela respectiva
categoria profissional são asseguradas por ocasião do seu retorno, de acordo com o art. 471
da CLT: Ao empregado afastado do emprego, são asseguradas, por ocasião da sua volta, todas
as vantagens que, em sua ausência, tenham sido atribuídas à categoria a que pertencia na
empresa. A matéria voltará a ser abordada quanto do exame dos efeitos proporcionados pela
reintegração no emprego, na segunda parte do presente trabalho.
54
Revista TRT 6 • DOUTRINA
Outra forma de manifestação do princípio registrada na
legislação brasileira é a tolerância a vícios decorrentes de pactuação
ilícita ou da modificação irregular de cláusulas contratuais. Via de
regra, havendo a alteração de uma condição objetiva do contrato, e
sendo a nova cláusula transgressora da legislação laboral aplicável, a
respectiva modificação não enseja a anulação de todo o pacto. O vício,
pois, somente afetará a parte do contrato atingido. Mesmo em caso
de uma mudança que implicar em violação expressa a uma norma
legal trabalhista, não ocorre a ruína de todo o pacto, mas apenas da
cláusula infringente.33
A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da
empresa, por outro lado, igualmente não provoca o rompimento dos
contratos dos respectivos empregados, permanecendo íntegros os
direitos dos trabalhadores, mesmo quando ocorre a alteração subjetiva
do pacto em relação à entidade patronal. Representa, pois, outra forma
de manifestação do princípio da continuidade no modelo trabalhista
brasileiro.34
Registrada qualquer espécie de modificação estrutural
externa ou interna, como a sua aquisição por outrem ou a sua
transformação em outra entidade empresarial por via de cisão,
incorporação ou fusão de empresas, por exemplo, o elo de emprego
mantido com cada empregado prossegue sem solução de continuidade,
mantendo-se intacto o contrato de emprego e inalteradas as suas
condições objetivas. Na chamada “sucessão trabalhista”, assim, o
contrato individual de trabalho em princípio é preservado, pois a
empresa sucessora assume a responsabilidade referente a todos os
encargos trabalhistas antes atinentes à empresa sucedida. É possível
que o novo responsável pelo empreendimento empresarial não deseje
o prosseguimento do vínculo com o antigo empregado, preferindo
encerrar a relação empregatícia, mas a modificação registrada não
33 Artigo 468 da CLT “Nos contratos individuais de trabalho, só é lícita a alteração das
respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta
ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta
garantia”. Vide ainda Emmanuel Teófilo Furtado (Alteração do contrato de trabalho. São Paulo:
LTr, 1994).
34 Estabelecem os artigos 10 e 448 da CLT, respectivamente, que “Qualquer alteração
na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados” e
“A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de
trabalho dos respectivos empregados”.
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DOUTRINA • Revista TRT 6
corresponde, per se, a uma causa justificadora de tal atitude. A
terminação do pacto, em tal caso, não terá ocorrido em virtude da
mudança efetivada, mas sim pela simples vontade daquela que assume
a direção do negócio empresarial. 35
De uma forma ou de outra, contudo, o modelo brasileiro de
legislação trabalhista assegura a proteção aos direitos do empregado
hipossuficiente mediante a atribuição à entidade sucessora do
cumprimento das respectivas obrigações trabalhistas. Ao lado dessas
manifestações, encontra-se a principal forma de projeção do princípio:
a resistência em admitir a resilição unilateral do contrato individual
de trabalho por vontade exclusiva do empregador.
Nesse sentido, a mais importante manifestação do princípio
de continuidade é o pertinente à resistência imposta ao empregador
quanto ao rompimento do contrato por sua vontade exclusiva36. O
postulado em tela, portanto, assume as suas feições mais nítidas na
fase de encerramento da relação de emprego cuja conservação é
almejada, especialmente no tocante à disciplina do chamado direito
de despedir desfrutado pelo empregador.
Com o objetivo de assegurar a manutenção da relação
de emprego e dificultar a terminação do contrato de emprego, o
legislador moderno concebeu diversas medidas destinadas a estimular
a permanência e inibir ou mesmo impedir o encerramento do vínculo
entre empregado e empregador.
Inúmeros são os obstáculos enfrentados pela relação de
emprego, desde o momento da sua concepção, e, de igual forma,
imensuráveis são os perigos decorrentes dos empecilhos surgidos
durante o seu desenvolvimento.
Tal situação, assim, exige do legislador a criação de inúmeros
35 Ocorrendo, assim, a alienação do patrimônio empresarial (como a compra da empresa
ou uma mudança no seu quadro societário), a modificação do seu tipo societário (de sociedade
anônima a empresas de cotas de responsabilidade, por exemplo) ou da sua estrutura jurídica
externa (pela fusão, incorporação ou cisão de empresas) ou interna (pela modificação do objeto
social), os direitos dos empregados são mantidos intactos e os contratos continuam em plena
vigência, assumindo a empresa sucessora a responsabilidade antes da empresa sucedida.
Esta, por sua vez, somente poderá ser responsabilizada na hipótese de fraude devidamente
comprovada. De qualquer forma, não ocorre a terminação da relação pela alteração subjetiva
realizada.
36 Nesse sentido, Américo Plá Rodriguez (Princípios de direito do trabalho. 2ª edição. São
Paulo: LTr, 1993, p. 156).
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Revista TRT 6 • DOUTRINA
mecanismos capazes de fornecer as condições necessárias para a
conservação do vínculo empregatício. E, dentre tais instrumentos,
se inclui uma série cuja finalidade é dificultar ou mesmo impedir o
término do contrato individual de trabalho por vontade unilateral do
empregador. É na terminação do contrato de emprego, repete-se,
que o princípio da continuidade da relação de emprego assume a sua
mais notável manifestação, expondo a plenitude do seu fundamento
de seguridade através das modalidades de sistemas de proteção à
relação empregatícia.37
5. Princípio da Continuidade da Relação de
Emprego e Controle do Direito de Despedir do
Empregador
A natureza potestativa do direito de despedir do empregador
é uma das características do sistema normativo trabalhista no
Brasil. Em outras palavras, a dispensa independe da concordância
do empregado, incumbindo ao empregador definir o momento e a
forma de sua utilização. Corresponde a despedida, por conseguinte,
a um ato unilateral, pelo qual a entidade patronal põe fim ao contrato
individual de trabalho.
Tal liberdade, entretanto, não eleva a dispensa à categoria
de direito absoluto. Não pode ser exercida à margem da lei. Admitese, como regra, a dispensa sem justa causa e a despedida arbitrária.
Mas de forma alguma pode tal modalidade de terminação contratual
ser enquadrada como um ato cuja validade independe do exercício
regular do respectivo direito.
37 É polêmica a questão da melhor denominação para ser utilizada como representativa de
todas as formas de encerramento do contrato de emprego. Ao tratar da questão, José Martins
Catharino (Compêndio de direito do trabalho. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 264)
expressa categoricamente a sua preferência por dois dos vocábulos. Como expressão genérica
das formas de encerramento do contrato individual de trabalho, José Martins Catharino
defende o uso das expressões “terminação” e “cessação”, sinônimas, por serem juridicamente
neutras e de compreensão instantânea e uniforme. Ambas significam “fim”, permitindo um
entendimento geral sem risco de tumultos terminológicos. Argumenta ainda o doutrinador
baiano que, conforme exposto por Orlando Gomes e Délio Maranhão, “dissolução” apresenta
uma idéia de encerramento forçado e “extinção” indica o término normal, voluntário e
bilateral de qualquer vínculo jurídico, sendo ambas as expressões inservíveis como termo de
alcance genérico. Em virtude da perfeição técnica das nomenclaturas, destarte, prevalece o
termo “terminação” e o seu sinônimo “cessação”, como as denominações representativas da
generalidade de modalidades de encerramento da relação de emprego.
57
DOUTRINA • Revista TRT 6
Para a sua plena eficácia, assim, a despedida deve
necessariamente ser praticada de forma normal, conforme ditado in
abstracto pelo legislador. A licitude do respectivo direito subjetivo
patronal, por conseguinte, se encontra condicionada ao seu legítimo
exercício. Em que pese a sua expressa consagração no texto
constitucional, o direito de despedir encontra limites no direito
dogmático pátrio. Deve ser exercido, nesse sentido, dentro de certos
parâmetros legais. Mesmo em face da sua potestatividade, portanto,
a dispensa corresponde a um direito “relativo”, e não “absoluto”.
É relativo, assim, no sentido de se encontrar sujeito às diretrizes
estabelecidas pelo legislador para o seu válido exercício, estando
condicionada a sua eficácia à observância da lei.
A relatividade do direito de despedir, portanto, decorre da
sua sujeição à Lei. Enquanto exercido dentro das diretrizes da pena
do legislador, o empregador se encontra livre para definir o futuro
da relação de emprego mantida com o seu empregado. Ultrapassadas
tais fronteiras, entretanto, a entidade patronal se sujeita às sanções
decorrentes da desobediência ao padrão legal. Inclusive, em alguns
casos, à própria anulação do ato resilitório praticado em arrepio da Lei.
Para alguns juristas, a relatividade em tela torna o direito
de despedir uma espécie de direito-função, à semelhança do direito
de propriedade, cujo exercício exige a observância de requisitos que
visem a resguardar interesses sociais38. Nesse sentido, o empregador,
por ter o seu direito regulado pelo ordenamento jurídico, somente
pode validamente exercê-lo quando a sua conduta estiver em perfeita
consonância com a função admitida pelo legislador. Qualquer desvio
quanto à sua finalidade social, por sua vez, implicaria na prática
irregular da dispensa. E, naturalmente, geraria as conseqüências
decorrentes do uso anormal do respectivo direito.
Constituindo o resultado do exercício de um verdadeiro
direito-função, mesmo em face da sua natureza potestativa, a
despedida demonstra a sua índole relativa à luz do protecionsimo da
38 A Constituição da República de 1988, assegura tanto o direito de propriedade (artigo
5º, inciso XXII), como estabelece que “a propriedade atenderá a sua função social” (inciso
seguinte do mesmo artigo). Os que defendem a dispensa como um direito-função, assim,
fazem uma análise comparativa entre o direito de propriedade e o direito de despedir, já que o
legislador constituinte, além de assegurar o direito à prática da dispensa nos termos do inciso
I do artigo 7º, igualmente consagrou como fundamento da República Federativa do Brasil o
valor social do trabalho (artigo 1º, inciso IV).
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Revista TRT 6 • DOUTRINA
legislação laboral. É o empregador quem define a conveniência da
sua prática, mas submetendo-se aos ditames da Lei.
A dispensa, portanto, é exercida de acordo com a vontade
patronal, mas esta é vinculada, pois a validade da despedida é
condicionada à disciplina normativa estipulada pelo legislador. O
maior ou menor grau de tal sujeição, variando de um sistema legislativo
para outro, se vincula ao tipo de modelo de proteção à relação de
emprego adotada pela legislação trabalhista de cada país.
O Direito do Trabalho no Brasil, como fruto do
intervencionismo estatal nas relações laborais, revela uma raiz tutelar
que se manifesta nos preceitos disciplinadores das relações laborais,
em harmonia com os princípios da proteção e da continuidade da
relação de emprego. Quanto mais protecionista for o direito dogmático
do país, mais “relativo” se torna o direito de despedir, chegando a
sofrer, em alguns casos, um controle ostensivo por parte do legislador
mediante a imposição de normas disciplinadoras do seu exercício. Tais
regras, por sua vez, podem ser aplicadas diretamente pelo empregador,
de forma espontânea, ou, então, coercitivamente pelo Poder Judiciário,
quando provocado pelo empregado lesado. A compreensão das
conseqüências de tal espécie de intervenção legislativa, por sua vez,
se revela de fundamental relevância para melhor visualizar o objeto
do presente estudo.
Mediante a imposição de regras solenes acerca do exercício
do direito de despedir, assim, o legislador estabelece medidas visando
a dificultar, ou mesmo impedir, a ruptura do elo de emprego pela
via da dispensa. Em muitas hipóteses, o tratamento legal acaba por
transformar a dissolução do contrato por tal modalidade de terminação
contratual numa operação extremamente delicada.
Quando a iniciativa da terminação contratual é do
empregado, os sistemas normativos adotados pelos Estados modernos
não impedem a concretização da vontade do trabalhador. É o caso
do modelo trabalhista brasileiro. O princípio da continuidade da
relação de emprego, salienta-se mais uma vez, manifesta-se de forma
favorável ao trabalhador, sendo contrário ao postulado qualquer
regra proibitiva do direito desfrutado pelo empregado de encerrar
o contrato por vontade própria. À luz das diretrizes do mencionado
princípio, portanto, é a vontade do trabalhador que deve prevalecer
quando o mesmo deseja romper o elo que o liga ao seu empregador,
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DOUTRINA • Revista TRT 6
sendo inadmissível a existência de normas que obrigam o empregado
a manter a seu contragosto o contrato.39
Apesar de não estipular maiores empecilhos à cessação por
vontade do empregado, o sistema normativo trabalhista brasileiro
estabelece algumas regras regulamentando a formalização do distrato,
almejando diminuir a probabilidade de fraudes no momento da
terminação, evitando vícios como os registrados nas hipóteses nas
quais o empregador coage o empregado a formalizar um pedido de
demissão do emprego.
Nesse sentido, a legislação trabalhista brasileira, por sua vez,
estipula um procedimento solene no caso de demissão do empregado,
exigindo como requisito essencial à sua validade a homologação do
respectivo instrumento, quando o empregado tem mais de um ano
de serviço na empresa. De acordo com o artigo 477 da CLT, assim,
a chancela do sindicato profissional do obreiro ou de autoridade
do Ministério do Trabalho (ou, excepcionalmente, a homologação
realizada pelo representante do Ministério Público, pelo Defensor
Público ou pelo Juiz de Paz) é elemento essencial à eficácia da
39 De acordo com a legislação trabalhista pátria, contudo, em três situações o empregado
é obrigado a observar regras que tendem a inibir a efetivação da resilição contratual por sua
iniciativa. A primeira ocorre na hipótese de demissão do emprego, quando o empregado é
obrigado a comunicar previamente ao empregador a sua pretensão resilitória com ao menos
trinta dias de antecedência, sob pena de ensejar ao empregador o direito de descontar da
quantia devida ao obreiro o equivalente a um salário mensal. É o chamado aviso prévio
do empregado ao empregador, previsto no artigo 487 da CLT. Enquanto o caput e o seu
inciso II do mencionado dispositivo consolidado estabelecem que “Não havendo prazo
estipulado, a parte que, sem justo motivo, quiser rescindir o contrato deverá avisar a outra
da sua resolução com antecedência mínima de ... II - 30 (trinta) dias ...”, o seu §2º estipula
que “A falta de aviso prévio por parte do empregado dá ao empregador o direito de descontar
os salários correspondentes ao prazo respectivo”. O instituto do aviso prévio será estudado
mais adiante. A segundo hipótese se refere ao caso de empregado que procede à cessação
antecipada e sem justo motivo de um contrato por prazo determinado, quando será então
obrigado a pagar ao empregador uma quantia equivalente a metade dos salários do período
contratual remanescente, a título de ressarcimento pelos prejuízos provocados pela dissolução
prematura. Nesse sentido, estabelece o artigo 480, caput e § 1º, da CLT, o seguinte: “Havendo
termo estipulado, o empregado não se poderá desligar do contrato, sem justa causa, sob pena
de ser obrigado a indenizar o empregador dos prejuízos que desse fato lhe resultarem. § 1o. A
indenização, porém, não poderá exceder àquela a que teria direito o empregado em idênticas
condições”. E, por fim, a terceira hipótese de medida inibitória à terminação por iniciativa
do empregado corresponde à exigência de obter o reconhecimento judicial da ocorrência de
uma dispensa indireta, nos termos apreciados anteriormente. Em todos os casos, registra-se
apenas uma forma de inibir a concretização da cessação contratual, sem contudo proibir a sua
formalização. E, merece ser ressaltado, não há qualquer norma proibitiva da terminação, pois
tanto diminuiria o empregado à condição de semi-escravo.
60
Revista TRT 6 • DOUTRINA
demissão do empregado.40
A finalidade da estipulação de tais regras solenes, repete-se,
não é dificultar a efetivação da terminação contratual de iniciativa do
empregado, mas apenas assegurar a prevalência da verdadeira vontade
deste último, objetivando evitar possíveis vícios na formalização do
ato resilitório. Quando a iniciativa do rompimento contratual parte
do empregador, por outro lado, o legislador assume um novo rumo.
Na dispensa de um empregado, quando ocorre a terminação
do contrato por ato patronal unilateral, incide uma série de normas
disciplinadoras do exercício do respectivo direito, estabelecendo a
fórmula legal da dissolução mediante a estipulação de exigências tanto
quanto à questão da formalização do ato resilitório, como no tocante à
temática acerca das obrigações pecuniárias decorrentes da terminação.
E, em algumas hipóteses, o direito de despedir desfrutado pela
entidade patronal sofre severas restrições, inclusive com a sua pura
e simples vedação quando presentes determinadas circunstâncias.
A legislação trabalhista brasileira não apresenta exigências
40 Nas hipóteses de dissolução contratual por iniciativa do empregado, assim, a legislação
pátria prevê diversas regras para a formalização da ruptura do vínculo. Na demissão, o §2º do
artigo 477 da CLT (“O pedido de demissão ou recibo de quitação de rescisão do contrato de
trabalho, firmado por empregado com mais de um ano de serviço, só será válido quando feito
com a assistência do respectivo Sindicato ou perante a autoridade do Ministério do Trabalho”)
exige para a validade do pedido demissionário de empregado com mais de um ano de serviço
na empresa a homologação do respectivo instrumento escrito pelo sindicato profissional do
empregado ou pela autoridade competente do Ministério do Trabalho. O §3º do mesmo artigo
(“Quando não existir na localidade nenhum dos órgãos previstos neste artigo, a assistência
será prestada pelo Ministério Público ou, onde houver, pelo Defensor Público e, na falta ou
impedimento destes, pelo Juiz de Paz”) estabelece ainda que, na inexistência dos agentes
homologadores retro citados, a formalização do pedido poderá ser realizada pelo representante
do Ministério Público, pelo Defensor Público ou, na impossibilidade destes, pelo Juiz de
Paz. Quando o empregado demissionário tiver menos de um ano na empresa, contudo, a
homologação não se revela essencial à validade do ato. Em se tratando de empregado portador
de estabilidade jurídica no emprego, por outro lado, o artigo 500 consolidado estabelece que
“O pedido de demissão do empregado estável só será válido quando feito com a assistência do
respectivo sindicato, e, se não houver, perante autoridade local competente do Ministério do
Trabalho ou da Justiça do Trabalho”. Na hipótese de uma homologação realizada por um Juiz
do Trabalho, assim, haverá uma manifestação de jurisdição voluntária da Justiça do Trabalho.
No caso de uma “dispensa indireta”, conforme salientado anteriormente, a CLT exige o
reconhecimento judicial da dissolução oblíqua, através de sentença proferida em demanda
judicial ajuizada pelo empregado com tal intuito. Apesar de inexistirem na lei exigências
semelhantes nas hipóteses de pedido de demissão de empregado com menos de um ano de
serviço na empresa e de dissolução decorrente de desligamento voluntário após a concessão
da aposentadoria, a solenidade da homologação é recomendada como forma de resguardar o
ato de futuras alegações de vícios de vontade.
61
DOUTRINA • Revista TRT 6
minuciosas quanto à forma material da dispensa, salvo quando esta
implicar a terminação contratual de um empregado portador de
algumas modalidades específicas de estabilidade jurídica no emprego.
Em tais casos, o legislador exige para a validade do ato resilitório a
presença de um motivo justificador, previsto em lei. E, ainda, em
algumas hipóteses especiais de estabilidade jurídica no emprego, é
exigido um controle jurisdicional a priori, mediante o reconhecimento
judicial da existência de uma falta grave praticada pelo empregado.
Nestes últimos casos, inclusive, a autorização da Justiça do Trabalho
mediante a respectiva declaração judicial configura pressuposto
essencial à validade do exercício da dispensa.41
Nos demais casos, a legislação não impõe uma forma
específica, prevalecendo a informalidade, sendo admitida (mas
não recomendada) a efetivação da dispensa pela via verbal, sem a
necessidade de identificar o motivo gerador da vontade patronal42. Não
ocorre na despedida, assim, a exigência da solenidade da homologação,
como na demissão de empregado.
As obrigações decorrentes da dispensa, entretanto, devem
constar de instrumento escrito, sujeito a homologação como requisito
de comprovação do cumprimento das prestações respectivas. A
mencionada chancela do órgão homologador, contudo, não representa
requisito formal do ato resilitório, ou seja, um pressuposto de validade
41 A legislação pátria em vigor estabelece a exigência de um procedimento solene,
mediante um controle judicial a priori, para a formalização da resilição contratual por ato
unilateral do empregador apenas quando o empregado é portador das seguintes modalidades
de estabilidade jurídica: a) a chamada “estabilidade decenal” prevista no artigo 492 da CLT
c/c artigo 14 da Lei nº 8.036 de 1990; b) a denominada “estabilidade sindical” estipulada
nos artigos 543, §3º, da CLT c/c artigo 8º, VIII, da Constituição da República de 1988;
c) a estabilidade do dirigente de cooperativa de empregados (Lei nº 5.664 de 1971); d) a
estabilidade de empregado representante dos trabalhadores no Conselho Curador do FGTS e
nos Conselhos Previdenciários, previstos na Lei nº 8.036 e Lei nº 8.213, respectivamente; e e)
a estabilidade do representante dos empregados em comissão de conciliação prévia, prevista
no artigo 625-B, §1º, da CLT. Em tais casos, o legislador exige, antes de se efetivar a dispensa,
o pronunciamento jurisdicional acerca da matéria, mediante o reconhecimento da prática da
falta grave apurada em inquérito judicial. Na hipótese da dispensa de um empregado público
integrante do quadro de pessoal de uma entidade da Administração Pública Direta, por
outro lado, as regras disciplinadoras da atuação do administrador público impõem a este a
observância de algumas regras solenes. Todas essas formalidades serão analisadas de forma
mais minuciosa no decorrer do presente trabalho.
42 A identificação do motivo da dispensa, contudo, pode ser de fundamental importância
mesmo nas hipóteses nas quais o empregado não desfruta de alguma forma de proteção à
relação de emprego.
62
Revista TRT 6 • DOUTRINA
da própria dispensa. Corresponde, isso sim, a uma simples prova da
quitação das obrigações pecuniárias respectivas.43
O principal método de controle abstrato do exercício do
direito de despedir, portanto, ocorre por meio da estipulação de
normas visando a inibir ou restringir a própria concretização da
dispensa. São duas, assim, as categorias de medidas normativas.
Primeiro, os instrumentos tendentes a inibir, sem, entretanto vedar, a
prática da despedida. Segundo, os mecanismos destinados a restringir
as hipóteses de admissibilidade da dispensa, mediante a sua vedação
em circunstâncias tipificadas em lei.
Cada espécie de medida normativa, por sua vez, se revela
peculiar a um modelo específico de controle legal sobre o exercício
do direito de despedir. Ao conjunto de institutos disciplinadores da
terminação contratual por ato unilateral do empregador, consagrado
em determinado Estado soberano, a doutrina nacional e estrangeira
costumam atribuir a denominação de “sistema de proteção à relação
de emprego”. O conteúdo do modelo protecionista adotado em cada
país, refletido na sua legislação trabalhista, por seu turno, é formado
por mecanismos extraídos de dois modelos básicos: o da estabilidade
própria (ou absoluta) e o da estabilidade imprópria (ou relativa).
Este último corresponde ao complexo de mecanismos que
dificultam, mas não impedem, o distrato unilateral por ato patronal.
É formado pelas chamadas medidas inibitórias à prática da dispensa.
Dentro do modelo da estabilidade própria, por outro lado, se
encontram as medidas restritivas do direito de despedir, através das
quais a dispensa do empregado não é meramente inibida, mas sim
efetivamente proibida em certas circunstâncias. Ambos os sistemas
congregam meios destinados a manter o prosseguimento da relação
de emprego, mas através do uso de métodos distintos. Enquanto
os instrumentos da estabilidade imprópria tornam mais árduo e
dispendioso o exercício da dispensa, sem contudo juridicamente
impossibilitar a sua prática, os institutos de estabilidade própria
43 Normalmente, assim, o ato de dissolução contratual por vontade do empregador não é
cercado de exigências formais. O artigo 477 da CLT estabelece a formalidade da homologação
do termo de cessação contratual, mas, em se tratando de despedida de empregado, tal exigência
atinge apenas o âmbito de quitação das obrigações retratadas no respectivo instrumento, não
alcançando a esfera de validade do ato resilitório em si. A dispensa se efetiva, assim, mesmo
sem a presença de um instrumento escrito em tais moldes. Via de regra, assim, não são exigidos
requisitos solenes para a concretização da despedida.
63
DOUTRINA • Revista TRT 6
asseguram ao empregado o direito de permanecer no emprego, mesmo
contra a vontade do empregador, quando a motivação resilitória
deste último é proibida por lei, ou, então, enquanto não preenchidos
requisitos previstos expressamente em norma legal, como a presença
de causas justificadoras da ruptura do contrato e a observação de
procedimento solene para a efetivação da dispensa.
Apesar de serem dois os modelos clássicos, com instrumentos
internos inconfundíveis, raramente há a adoção, por parte de um país,
de um ou de outro sistema na seu estado “puro”. Dificilmente ocorre,
assim, a consagração exclusiva em determinada legislação trabalhista
de instrumentos de apenas um dos modelos. A regra é a adoção,
pelo legislador, de um sistema protecionista “misto” ou “híbrido”,
constituído de uma mescla de mecanismos, oriundos de ambos os
modelos. Normalmente, assim, ocorre uma convivência harmoniosa
das duas modalidades de medidas normativas.
Mesmo no sistema protecionista pátrio, ocorre tal fenômeno,
com a co-existência na legislação trabalhista brasileira de instrumentos
que simplesmente inibem a prática da dispensa, e outros que
realmente limitam a sua efetivação quando presentes determinados
pressupostos.
Há no direito dogmático pátrio, destarte, um sistema de
proteção à relação de emprego formado tanto por medidas inibitórias,
como por medidas restritivas do direito de despedir.
As chamadas medidas inibitórias almejam persuadir o
empregador a abandonar a sua pretensão resilitória através do uso
de freios econômicos, ou seja, através da imposição de obrigações de
pagar quantias em pecúnia. Tornam oneroso o exercício do direito de
despedir. Objetivam dissuadir a entidade patronal, sem no entanto
vedar a efetivação da dispensa. O empregador, caso escolha prosseguir
com a dispensa, apenas terá que pagar ao empregado valores previstos
em lei como devidos a título de verbas resilitórias.
Exemplo típico? A indenização compensatória prevista no
artigo 7º, inciso I, da Constituição da República de 1988, disciplinada
provisoriamente pelo artigo 10, inciso I, do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, materializada na reparação paga pelo
empregador ao empregado despedido de forma arbitrária ou sem justa
causa, correspondente ao montante de 40% da quantia dos depósitos
do FGTS recolhidos durante a vigência do contrato de emprego que
64
Revista TRT 6 • DOUTRINA
estaria sendo resilido por meio de uma dispensa sem justa causa ou
equivalente.
Ao se consubstanciar em obrigações de caráter pecuniário,
as medidas de inibição não objetivam apenas evitar a concretização
do ato resilitório em si, mas também atenuar as suas conseqüências na
hipótese do efetivo exercício do direito de despedir, quando inocorre
a presença de um motivo previsto em lei como justificador da conduta
patronal. Com o pagamento dos valores previstos nos respectivos
instrumentos, assim, se objetiva tornar menos traumatizante o
rompimento do vínculo por ato unilateral do empregador.
A inobservância das medidas inibitórias, por sua vez, não
enseja a ineficácia do ato resilitório. Se a entidade patronal não
cumprir as obrigações pecuniárias previstas nas normas da legislação
laboral como conseqüência da despedida, assim, o empregado não
poderá postular a invalidação da dispensa, mas apenas caso não seja
viável outra forma alternativa de resolução do conflito, ingressar
em juízo com o intuito de ver o empregador condenado a pagarlhe as respectivas verbas. Havendo descumprimento por parte do
empregador, incumbirá ao empregado prejudicado provocar a tutela
jurisdicional do Estado através do exercício do direito de ação, caso
outra espécie de composição não seja possível. Não existe no âmbito
de tal modelo, assim, uma verdadeira limitação ao exercício do direito.
Ao menos no plano jurídico44.
As medidas restritivas, por outro lado, implicam na vedação
da dispensa em determinadas hipóteses. Não há uma simples tentativa
do legislador em inibir a sua prática. Representam tais instrumentos
uma limitação jurídica ao exercício do direito de despedir, proibindo
a sua concretização quando presentes pressupostos previstos em lei.
A dispensa é efetivamente vedada, seja pelo fato do empregado ser
portador de alguma espécie de estabilidade jurídica no emprego, seja
em virtude do fundamento da dispensa constituir causa tipificada em
lei como abusiva.
Exemplo típico? As várias modalidades de estabilidade
jurídica no emprego, desde a estabilidade sindical prevista no artigo 8º,
inciso VIII, da Constituição de República de 1988, até a estabilidade
do acidentado prevista no artigo 118 da Lei 8.213 de 1991. Ambas
44 No plano econômico-financeiro, contudo, é em tese possível.
65
DOUTRINA • Revista TRT 6
vedando a dispensa do empregado a não ser no caso de existência
de uma justa causa, sendo a primeira espécie (estabilidade sindical)
igualmente exigida a apuração de uma falta grave (justa causa grave)
por meio de inquérito judicial, conforme entendimento sedimentado
na Súmula 197 do Supremo Tribunal Federal.
No caso de inobservância de uma medida restritiva, as
conseqüências naturais serão a invalidação do ato resilitório. A regra é a
ineficácia da dispensa, normalmente reconhecida em decisão judicial.
As medidas restritivas, por conseguinte, representam uma verdadeira
forma de limitar o exercício do direito de despedir. Seja mediante
mecanismos que tornam oneroso o seu exercício sem justa causa, seja
com a simples e pura proibição do seu exercício em determinadas
circunstâncias, o legislador procura disciplinar a prática da despedida,
visando a evitar o seu uso em termos absolutamente indiscriminados.
Em que pese o fato de constituir um direito potestativo do
empregador, assim, a efetivação da dispensa do empregado encontra
obstáculos dos mais variados graus, estabelecidos em observância
aos ditames do princípio da continuidade da relação de emprego. A
concretização da despedida, destarte, não se sujeita diretamente à
vontade do empregado, mas necessariamente terá que enfrentar a
resistência de uma série de instrumentos legais, criados com o intuito
de dificultar a sua prática injustificada45.
45 Américo Plá Rodriguez (Princípios de direito do trabalho. 2ª edição. São Paulo: LTr,
1995, p. 156), cita frase celébre de José M. Almansa Pastor (El despido nulo, 1968): “na
mecânica da relação individual de trabalho, a despedida constitui uma anomalia jurídica,
porquanto atentaria contra o princípio da estabilidade no emprego, princípio que é chave
no direito individual do trabalho, uma vez que a tendência natural da atividade profissional é
precisamente sua continuidade e permanência no tempo até os limites da própria capacidade
profissional”. Antônio Álvares da Silva (Proteção contra a dispensa na nova constituição. Belo
Horizonte: Del Rey, 1990, p. 53), ao justificar o disciplinamento legal do exercício do direito
de despedir, leciona que “os tempos modernos mostraram a inoperância do modelo clássico
de autonomia da vontade na cessação do contrato de trabalho”. Em seguida, o professor da
Faculdade de Direito de Belo Horizonte/MG, ao comentar as distinções entre a demissão e a
dispensa quanto aos efeitos da resilição para as partes, sustenta que “do lado do empregador
é ela o exercício de um direito sobre recursos e organização da empresa. Dispensa-se para
aumentar a produção e melhor organizar a produtividade, não importando os motivos
concretos (justa causa, racionalização, automação, desnecessidade do trabalho, etc.). O
móvel dos interesses do capital, como fator de produção agregado ao contrato de trabalho, é
econômico e não social. Do lado do empregado o fenômeno tem outra dimensão. Quando se
demite, o ato significa a recuperação de sua liberdade pessoal. É o exercício de direito legítimo
de afastar-se do emprego, pois a vinculação sem possibilidade de demissão equivaleria a uma
nova forma de escravatura. Quando, porém, é dispensado (iniciativa de dissolução por parte do
empregador), o fato adquire um outro significado. Fica o empregado privado do único meio de
66
Revista TRT 6 • DOUTRINA
Constata-se, assim, que a despedida do empregado, por
gerar a resilição contratual independentemente da vontade do
hipossuficiente, é considerada um elemento nocivo aos interesses
deste. E, assim, por representar uma medida oposta ao cânone acerca
do prosseguimento do vínculo empregatício, se impõe a sua regulação
pela atividade legislativa do Estado.46
O complexo de normas imperativas que disciplinam do ato de
despedir executado pelo empregador, corporificando um controle por
meio de medidas destinadas a inibir ou mesmo proibir a sua prática,
representa a mais relevante forma de manifestação do princípio da
continuidade da relação de emprego no âmbito do modelo dogmático
trabalhista no Brasil.
subsistência que possui. Há, pois, uma ameaça à sua própria sobrevivência, podendo advir o
desemprego, pois não é certa a recolocação, principalmente em momentos de crise e recessão
econômica ... a dispensa ocasiona, pois, o desemprego, e são imensos os danos psicológicos
e econômicos do trabalhador desempregado. Mas, em relação ao empregador, há também
evidentes prejuízos. A dispensa provoca queda de produtividade, pois não se faz substituição
sem adaptação do novo trabalhador. esta pode custar tempo e esforço. A rotatividade sempre
foi um mal para ambas as partes. O interesse público também é lesado com a dispensa. O
desemprego aumenta a carga do seguro social que, em última análise, é custeada pelo povo.
Desemprego é sinônimo de queda de produção que, por sua vez, acarreta a diminuição do
produto interno bruto. Há uma reversão de posições: os que trabalham custeiam os que não
trabalham, gerando um aumento dos encargos sociais. O ganho líqüido diminui ou é eliminado
e a conseqüência de todos estes fatores é o aumento geral da carga tributária que por sua vez
acarreta o acréscimo de todos os encargos sociais. A dispensa prejudica, pois, o empregador e
a própria coletividade”.
46 Apesar da referência expressa ao legislador estatal, não deve passar desapercebida
a existência de obstáculos à dispensa criados pelas próprias partes do contrato (através de
cláusula contratual ou regulamento interno da empresa) ou pelas suas entidades sindicais
(mediante convenções, contratos ou acordos coletivos). Há ainda a possibilidade de estipulação
de limitações através de sentenças normativas proferidas em dissídios coletivos de natureza
econômica. As fontes de normas trabalhistas, destarte, revelam-se diversificadas. O presente
estudo, contudo, por uma questão didática, será limitada à análise específica dos institutos
previstos na legislação brasileira.
67
DOUTRINA • Revista TRT 6
2
A INTERPRETAÇÃO
CONSTITUCIONAL DA
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
DAS VARAS DO TRABALHO
Marcílio Florêncio Mota
Juiz do Trabalho do TRT da 6ª Região, titular da 1ª VT de
Paulista
Sumário:
1. Introdução;
2. A Competência Territorial das Varas do Trabalho para os
Conflitos que decorrem da Relação de Emprego;
3. A Competência Territorial das Varas do Trabalho para os
Dissídios que não decorrem da Relação de Emprego;
4. O Conteúdo da Garantia Constitucional do Acesso à
Justiça;
5. A Interpretação da Competência Territorial das Varas do
Trabalho no Contexto da Garantia do Acesso à Justiça;
6. Conclusões;
7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Discorremos, no presente texto, sobre a competência
territorial das Varas do Trabalho, tema sobre o qual os manuais e
cursos não se debruçam de modo a explorar toda a sua potencialidade,
o que é justificável pelos objetivos dos cursos e manuais de processo
68
Revista TRT 6 • DOUTRINA
do trabalho.
Notamos, por outro lado, que no quadro atual da ampliação
da competência da Justiça do Trabalho não houve uma consideração,
por parte dos estudiosos, das possibilidades que surgiram para a
definição da competência territorial das Varas, em vista de que as
regras da Consolidação das Leis do Trabalho tratam da competência
territorial para os conflitos que decorrem da relação de emprego,
uma das espécies de relação de trabalho que agora são postas ao
conhecimento da Justiça Especializada.
Assim, impulsionam-nos tanto a superficialidade no trato do
tema pela doutrina, quanto a lacuna no tratamento da competência
territorial para os conflitos que decorrem de relação diversa da relação
de emprego.
A nossa abordagem, ademais, considera o tema no contexto
do acesso à justiça propondo uma interpretação das regras vigentes
em torno da competência territorial das Varas do Trabalho que tenha
em vista a garantia constitucional.
Objetivamos, assim, aprofundar as idéias em torno do tema,
suprir uma lacuna relativamente à competência das Varas para os
conflitos que decorrem de relações de trabalho outras que não
de emprego e contribuir para uma interpretação das regras que
concretizem a garantia do acesso à justiça.
No capítulo inicial tratamos das regras que disciplinam a
competência das Varas para as relações de emprego. Damos destaque,
assim, às regras do art. 651 da CLT. Na sequência, discorremos sobre
a competência territorial das Varas para os conflitos que não decorrem
da relação de emprego, as quais desde a Emenda 45 estão postas ao
conhecimento da Justiça do Trabalho.
Suscitamos, nesse ponto, a necessidade do preenchimento
de lacuna normativa no processo do trabalho. Apresentamos, então,
as situações para as quais será necessário o socorro das regras do
processo civil comum.
No capítulo seguinte, consideramos o princípio-garantia do
acesso à justiça buscando o seu significado e conteúdo.
No capítulo que antecede as nossas conclusões, propomos
uma interpretação da competência territorial das Varas que tome
em consideração o princípio-garantia do acesso à justiça, desde a
69
DOUTRINA • Revista TRT 6
consideração de que as regras celetistas e do processo civil comum
têm a preocupação com o acesso à justiça do mais fraco na relação de
direito material e a necessidade de obtenção de provas que permitam
um julgamento justo.
É nesse capítulo, pois, que propomos uma interpretação que
eventualmente ultrapasse a literalidade das regras; que reconheça
o foro de eleição como possível nas contratações de trabalho; e que
admita ao juiz do trabalho a pronúncia de ofício da competência
territorial, desde que ajustes das partes em torno da competência
tenham sido prejudiciais ao acesso à justiça do mais fraco na relação
de direito material.
2. A COMPETÊNCIA TERRITORIAL DAS VARAS DO TRABALHO PARA OS CONFLITOS
QUE DECORREM DA RELAÇÃO DE EMPREGO
Até o advento da Emenda 45, de 2004, a competência
da Justiça do Trabalho era, primordialmente, para os conflitos
que decorressem da relação de emprego, uma vez que a redação
originária do art. 114 da Constituição Federal – CF - prescrevia
que competia à Justiça do Trabalho a conciliação ou julgamento dos
conflitos entre trabalhadores e empregadores.
Tínhamos, contudo, por previsão de regras infraconstitucionais,
o estabelecimento da solução, pela Justiça Especializada do Trabalho,
dos conflitos envolvendo os trabalhadores avulsos e de conflitos
entre pequenos empreiteiros que trabalhassem diretamente e seus
tomadores de serviço. As relações em questão não são de emprego,
mas a Constituição de 1988 dizia que era possível, na forma que
dispusesse a lei, que a Justiça do Trabalho tivesse competência para
outros conflitos decorrentes das relações de trabalho.
A redação atual do inciso I do art. 114 da CF, dada pela
Emenda 45, faz compreender na competência da Justiça do Trabalho
todos os conflitos decorrentes da relação de trabalho, das quais a
relação de emprego é espécie. Assim, segundo a redação atual do art.
114 da CF, compete à Justiça do Trabalho o conhecimento de todos
os conflitos decorrentes das relações de trabalho e não apenas os
que decorrem das relações de emprego.
70
Revista TRT 6 • DOUTRINA
Anote-se, nesse ponto, que a Justiça do Trabalho surgiu
da preocupação social específica com os conflitos decorrentes da
relação de emprego, que é disciplinada pela Consolidação das Leis do
Trabalho – CLT -, e a sua competência restrita a esse tipo de conflito
persistiu como uma consequência dessa preocupação originária.
Nos dias atuais, contudo, tinha-se como incompreensível que
a competência da Justiça Especializada fosse restrita a tais conflitos
de interesses. Propugnava-se, assim, pela ampliação da competência
para compreender nela todos os conflitos de trabalho.
Tendo em vista que a Justiça do Trabalho foi constituída com
o objetivo de solucionar os conflitos decorrentes das relações de
emprego, quase que exclusivamente, as regras que dispõem sobre a
competência territorial dos órgãos de base dessa Justiça na CLT foram
produzidas em se considerando apenas os conflitos decorrentes das
relações de emprego.
Dessa forma, então, as disposições do art. 651 da CLT tratam,
apenas, da competência do órgão de base da Justiça do Trabalho,
atualmente Varas do Trabalho, para os conflitos que decorrem das
relações de emprego. Observe-se, nesse ponto, que o caput do art. 651
diz que compete às Juntas de Conciliação e Julgamento (atualmente
Varas do Trabalho) do lugar da prestação de serviços o conhecimento
dos conflitos daí decorrentes.
A regra do caput fala de empregado e as demais disposições
que se seguem nos parágrafos do referido artigo também consideram
a existência de uma relação de emprego submetida ao Judiciário
Trabalhista.
Assim, conforme a disposição do caput do art. 651 da CLT,
a competência das Varas do Trabalho é determinada pelo local em
que o empregado prestar serviços, ainda que tenha sido contratado
noutro lugar, e independe do pólo que o trabalhador ocupe na
relação processual. Sendo autor (reclamante) ou réu (reclamado), a
Reclamação Trabalhista deve ser proposta no foro da prestação de
serviços, em princípio.
Em sendo o caso de agente ou viajante comercial, pessoa em
trânsito, a competência da Vara será determinada em se considerando
se o empregado está ou não vinculado a uma agência ou filial - § 1º do
art. 651 da CLT. Se o empregado não estiver vinculado a uma agência
ou filial, a competência será determinada pelo local da residência ou
71
DOUTRINA • Revista TRT 6
domicílio do trabalhador.
Nos casos em que o empregado é contratado numa localidade
para a prestação de serviços noutro e o empregador não executa
atividade no local da contratação, a competência será da Vara do lugar
da contratação ou da prestação de serviços, a critério do trabalhador,
conforme a previsão do § 3º do referido art. 651.
Anote-se, nesse ponto, que a doutrina e a jurisprudência
majoritárias repelem o foro de eleição na relação de emprego
(LEITE, 2008; SCHIAVI, 2009; ZANGRANDO, 2007), não obstante
o reconhecimento de que a competência relativa pode ser objeto de
alteração por contrato, conforme as previsões dos arts. 78 do Código
Civil – CC - e 111 do Código de Processo Civil – CPC -.
Vejamos decisão que evidencia a interpretação de repulsa ao
foro de eleição na relação de emprego:
F O R O
D E
E L E I Ç Ã O .
I NADI MI SSI B I LI DAD E N O P R OC E S S O
DO TRABALHO. A despeito de as regras
de competência em razão de lugar serem
relativas, aceitando derrogação pela vontade
das partes, não se admite, no processo do
trabalho, o foro de eleição, porque dificulta e,
por vezes, inviabiliza o acesso do trabalhador
à Justiça. (TRT 12ª R.; RO 02994-2008-01612-00-4; Segunda Turma; Rel. Juiz Edson
Mendes de Oliveira; Julg. 15/12/2008;
DOESC 19/01/2009).
3. A COMPETÊNCIA TERRITORIAL DAS VARAS DO TRABALHO PARA OS DISSÍDIOS
QUE NÃO DECORREM DA RELAÇÃO DE
EMPREGO – Hipótese não contemplada na CLT
A redação atual do art. 114 da Constituição Federal
estabelece para a Justiça do Trabalho a competência para todos os
conflitos que decorrem das relações de trabalho, exceto, conforme
a interpretação do Supremo Tribunal Federal, para aqueles que
decorrem das relações regidas pelo Direito Administrativo. É que as
pessoas de direito público mantêm com servidores relações regidas,
72
Revista TRT 6 • DOUTRINA
na maioria das vezes, pelo Direito Administrativo.
Anote-se, nesse ponto, que é possível a contratação de
emprego por pessoa de direito público e, nesses casos, a competência
para o conhecimento de eventual dissídio é da Justiça do Trabalho,
o que é incontroverso, conforme, inclusive, a interpretação literal do
inciso I do art. 114 da CF.
Em vista da redação atual da Constituição de 1988, é da
Justiça do Trabalho, por exemplo, a competência para os conflitos
que envolvam a representação comercial, a prestação de serviços,
o mandato e a empreitada, desde que o trabalho seja prestado por
pessoa natural, condição a que tenhamos, no caso, uma relação de
trabalho.
Ademais, por previsão, ainda, do art. 114 da Constituição,
compete à Justiça do Trabalho o julgamento dos conflitos decorrentes
do exercício de greve; os que decorrem de disputa por representação
entre sindicatos; os que envolvam sindicato e empresa; e aqueles
entre o trabalhador e o sindicato, entre outros.
Nesse ponto, então, veja-se, a propósito, que compete à Justiça
do Trabalho o conhecimento do conflito que verse sobre posse de bem
em decorrência do exercício do direito de greve de trabalhadores da
iniciativa privada, conforme a Súmula Vinculante n. 23 do Supremo
Tribunal Federal, o que significa a possibilidade do ajuizamento
na Justiça do Trabalho, perante uma Vara do Trabalho, de interdito
proibitório por uma empresa em face do sindicato da categoria obreira,
por exemplo.
Para todos esses conflitos, destarte, a CLT não dispõe de
regras em torno da competência territorial das Varas do Trabalho,
já que a competência prevista no art. 651 da CLT, como já destacamos,
é restrita aos conflitos que decorrem da relação de emprego.
Verificamos, assim, lacuna normativa na CLT em torno da fixação
da competência territorial das Varas do Trabalho, que decorre da
ampliação da competência da Justiça do Trabalho pela Emenda 45,
na medida em que não houve a aprovação de regras específicas para
tais hipóteses no processo especial.
Diante, então, da lacuna em questão, devemos buscar,
nas regras do processo comum, disposições que sejam aplicáveis
às situações não disciplinadas pelo diploma especial, conforme o
permissivo do art. 769 da CLT. Nesse contexto, destarte, são quatro
73
DOUTRINA • Revista TRT 6
as regras principais que devem ser consideradas nos casos possíveis.
A primeira delas considera o lugar do domicílio do réu para
a fixação da competência da Vara do Trabalho, conforme estabelece
o art. 94 do vigente Código de Processo Civil, quando o reclamado é
pessoa natural. Esse critério é previsto num conjunto de possibilidades
expressas em regras que completam o caput do art. 94 como, por
exemplo, quando houver pluralidade de réus.
O lugar da sede da pessoa jurídica ou do funcionamento de
agência ou filial, por sua vez, fixa a competência territorial para ações
nas quais for ré pessoa jurídica – alíneas “a” e “b” do art. 100 do CPC.
O lugar do cumprimento da obrigação, por outro lado, será o
competente quando o pedido for para o adimplemento de obrigação
cuja previsão de cumprimento estava com a indicação de lugar para
esse fim – alínea “d” do art. 100.
Por fim, será competente o lugar de ato ou fato para o pedido
de indenização por dano material ou extrapatrimonial, conforme a
alínea “a” do inciso V do art. 100 do Código de Ritos do Processo
Civil Comum.
As regras acima referidas em torno da competência territorial
serão aplicadas no processo do trabalho, como já dissemos, desde que
o conflito não verse sobre relação de emprego.
Assim, exemplificando, se um representante comercial, pessoa
natural, pretender acionar o representado, também pessoa natural, a
competência será do lugar do domicílio do réu.
Na hipótese de o prestador de serviços ter necessidade de
apresentar pedido ao estado-juiz em face do tomador dos serviços
pessoa jurídica, a competência, por sua vez, será do lugar da sede da
pessoa jurídica ou da localização da agência ou filial, conforme seja
o caso.
Imaginemos, noutro ponto, que o representante comercial
pretenda obter a satisfação de uma obrigação cujo lugar de
adimplemento tenha sido ajustado previamente. É o caso, por
exemplo, de um prêmio estabelecido para ser entregue na cidade
de São Paulo para o caso de obtenção de meta por parte de um
representante comercial. O representado prometeu premiar com
um automóvel o representado que atingisse determinado nível de
vendas. Não satisfeita a obrigação, caberá ao representante acionar
74
Revista TRT 6 • DOUTRINA
o representado no lugar previsto para a entrega do automóvel, qual
seja, na situação hipotética, na cidade de São Paulo.
Por fim, ainda discorrendo sobre as hipóteses do CPC
aplicáveis ao processo do trabalho para conflitos que não sejam
da relação de emprego, caso a pretensão seja uma indenização por
dano material ou dano moral, a ação deverá ser exercida no foro da
ocorrência do fato ou ato danoso.
Não há, nesse ponto, como deixar de ressaltar, que para
conflitos que não sejam da relação de trabalho é possível a eleição de
foro. É que a competência territorial pode ser objeto de ajuste entre
contratantes, o que não ocorre com a competência determinada pela
pessoa, matéria ou hierarquia. É nesse sentido a doutrina de Carlos
Henrique Bezerra Leite (2008), tratando da questão especificamente
no processo do trabalho.
Vejamos, por outro lado, decisões de nossos tribunais sobre
a matéria:
FORO DE ELEIÇÃO. Não há como se aplicar
a regra do artigo 651 da CLT, especialmente
do seu parágrafo 3º, de modo que prevalece o
foro de eleição outrora fixado pelos litigantes,
a teor da cláusula décima quarta constante do
contrato de prestação de serviços firmados
pelos próprios (fl. 10). Incide, portanto, na
espécie o comando do artigo 111 do CPC.
O art. 651 da CLT, que dispõe acerca das
regras de competência da Justiça do Trabalho,
é aplicável apenas aos casos que envolvem
relações de emprego, nas quais há a interação
entre empregado e empregador. (TRT 17ª R.;
RO 01700.2006.014.17.00.5; Ac. 5719/2008;
Rel. Juiz Jailson Pereira da Silva; DOES
27/06/2008; Pág. 16).
FORO DE ELEIÇÃO. AÇÃO DE
COBRANÇA DE HONORÁRIOS DE
ADVOGADO. Havendo eleição de foro, o
consentimento dos contratantes deve ser
respeitado, aplicando-se a hipótese do artigo
75
DOUTRINA • Revista TRT 6
112, parágrafo único, do código de processo
civil. Não incidem, pois, as restrições que
regem a eleição de foro pelos empregados.
Por outro lado, não se aplica a Instrução
Normativa 27, do c. Tribunal superior do
trabalho, porque diz respeito a normas
procedimentais e não sobre competência;
também, não é possível utilizar as hipóteses
previstas no artigo 651, da CLT, em virtude de
se referirem, apenas, às relações de emprego.
(TRT 17ª R.; RO 01731.2006.014.17.00.6; Ac.
5633/2008; Rel. Juiz Cláudio Armando Couce
de Menezes; DOES 26/06/2008; Pág. 6).
De tudo, destarte, resta que as regras da CLT sobre a
competência territorial das Varas do Trabalho não se prestam à
disciplina da competência para os conflitos que não decorrem de
relações de emprego, o que implica necessidade, como dissemos, da
aplicação supletiva do CPC no processo do trabalho.
4 . O CO N T E Ú D O DA G A R A N T I A CO N S T I T U CIONAL DO ACESSO À JUSTIÇA
Nós encontramos o princípio do acesso à justiça ou da
inafastabilidade do Poder Judiciário na norma do inciso XXXV do art.
5º da Constituição Federal. O princípio-garantia é também conhecido
como princípio do direito a ação, o que não é a mesma coisa que
princípio da ação (CINTRA, DINAMARCO E GRINOVER, 2009).
Nelson Nery Júnior (2009) destaca que a norma do inciso
XXXV do art. 5º da CF é destinada, de início, ao Poder Legislativo,
porém observa que o seu endereçamento não se restringe ao referido
poder, já que ninguém pode impedir que qualquer pessoa proponha ao
Poder Judiciário uma medida judicial que pretenda impedir ameaça
ou que venha restaurar direito.
Marcelo Abelha Rodrigues (2010) observa, nessa linha,
que a garantia do acesso à justiça é dirigida aos três poderes e ao
jurisdicionado com um aspecto negativo, que é o constante da
impossibilidade de criação de obstáculo ou impedimento ao acesso à
76
Revista TRT 6 • DOUTRINA
justiça, e outro positivo, correspondente à necessidade de que sejam
criadas condições para o concreto e efetivo acesso à jurisdição.
A constituição em vigor ampliou o princípio na medida
em que não o restringiu à defesa de direitos individuais e o previu
para a hipótese de ameaça a direito, o que na prática se tinha com
a possibilidade das medidas cautelares e de antecipações de tutela,
essas últimas para casos específicos até a alteração da regra do art.
273 do CPC.
Como bem registra a doutrina contemporânea (NERY
JÚNIOR, 2009; CINTRA, DINAMARCO E GRINOVER, 2009),
estão contemplados na defesa os interesses e direitos coletivos e os
difusos, o que também prestigia o acesso à justiça na forma concebida
por Cappelletti e Garth (1988).
Por outro lado, a previsão de petição contra ameaça revela a
preocupação do legislador constituinte em que haja adequado e efetivo
acesso ao Poder Judiciário, já que acesso após a consumação da lesão
pode significar, em algumas situações, jurisdição sem resultado prático.
O acesso à justiça caracterizado por uma prestação
jurisdicional adequada é o destaque que nós encontramos em Fredie
Didier Júnior (2010). A adequação corresponde a que o Judiciário dê
resposta correspondente à realidade da situação jurídico-substancial
que lhe foi submetida.
Cândido Rangel Dinamarco (2005) relaciona, por seu turno,
o acesso à justiça com a instrumentalidade do processo, sendo essa
última uma concepção que se volta a tornar as pessoas mais felizes
ou menos infelizes, na sua observação, em vista da eliminação dos
conflitos nos quais estejam envolvidas, a partir de decisões justas. No
que respeita ao acesso à justiça, Dinamarco ressalta que o princípiogarantia é mais que um princípio, sendo “a síntese de todos os
princípios e garantias do processo”. O autor conclui que a idéia do
acesso à justiça é o “pólo metodológico mais importante do sistema
processual na atualidade, mediante o exame de todos e de qualquer
um dos grandes princípios”.
Cintra, Dinamarco e Pellegrini (2009) desenvolvem uma
compreensão sistemática do acesso à justiça, que não se identificaria
com a mera admissão ao processo, ou seja, com a sua universalização,
mas também com a efetivação do devido processo legal; a partir
da participação dos litigantes no processo, com o que possam
77
DOUTRINA • Revista TRT 6
atuar decisivamente para a formação do convencimento do órgão
jurisdicional; e pela possibilidade de que os litigantes participem em
diálogo na preparação de uma solução judicial justa para o conflito.
Para Carlos Henrique Bezerra Leite (2008), o acesso à justiça
pode ser compreendido nos sentidos geral, restrito e integral. O autor
diz que o sentido geral da expressão é sinônimo de justiça social, que
corresponde à concretização do ideal universal de justiça. No sentido
restrito, para Bezerra Leite, acesso à justiça é expressão utilizada
no aspecto dogmático de acesso à tutela jurisdicional, inserida no
“universo formalístico e específico do processo”. Por fim, para Carlos
Henrique Bezerra Leite, o sentido integral da expressão assume um
caráter de acordo com a teoria dos direitos fundamentais e com os
escopos jurídicos, políticos e sociais.
Por fim, ainda considerando a opinião da doutrina sobre
o acesso à justiça, merece citação o destaque de Luiz Guilherme
Marinoni (2008). Para o autor em questão:
O problema da “efetividade” do direito
de ação, ainda que já fosse percebido, no
início do século XX, tornou-se mais nítido
quando da consagração constitucional dos
chamados “novos direitos”, ocasião em que
a imprescindibilidade de um real acesso
à justiça se tornou ainda mais evidente.
Como adverte Boaventura Souza Santos,
os novos direitos sociais e econômicos, caso
ficassem destituídos de mecanismos que
fizessem impor o seu respeito, assumiriam a
configuração de meras declarações políticas,
de conteúdo e função mistificadores. Por
isso logo se percebeu que a administração
da justiça civil e os procedimentos judiciais
não mais poderiam ficar reduzidos a uma
dimensão meramente técnica e socialmente
neutra, devendo investigar-se as funções
sociais por ele desempenhadas e, em especial,
o modo como as opções técnicas no seu seio
veiculavam opções a favor ou contra interesses
sociais divergentes, ou mesmo antagônicos.
78
Revista TRT 6 • DOUTRINA
Como se vê, o conteúdo do princípio-garantia do acesso
à justiça compreende a universalização do acesso ao Judiciário; a
impossibilidade de que sejam criados impedimentos ou obstáculos
ao acesso; a adoção de mecanismos para que o acesso seja eficaz,
inclusive no que respeita aos direitos e interesses coletivos e à adoção
de medidas de urgências, cautelares e satisfativas, para a salvaguarda
de direitos; a necessidade de que a atuação do Poder Judiciário seja
adequada e suficiente; a possibilidade de que as partes atuem no
processo para a prevalência de suas posições jurídicas; e, o que nos
parece de grande relevância, um mecanismo de concretização dos
direitos consagrados a partir da Constituição Federal, revelando
opções favoráveis aos interesses sociais.
5 . A I N T E R P R E TA Ç Ã O D A C O M P E T Ê N C I A
T E R R I T O R I A L D A S VA R A S D O T R A B A L H O
N O CO N T E X TO DA G A R A N T I A D O AC E S S O
À JUSTIÇA
A interpretação da competência territorial das Varas do
Trabalho para os conflitos que decorrem da relação de emprego
destacam dois aspectos nas regras previstas na Consolidação das Leis
do Trabalho – CLT: o acesso à justiça; e a necessidade de obtenção
das provas para o julgamento do conflito, o que também, no nosso
entender, corresponde a uma expressão do acesso à justiça.
Os estudiosos são unânimes na identificação de que o lugar
da prestação de serviços – Caput do art. 651 da CLT - foi escolhido
pelo legislador justamente em vista da necessidade de permitir o
acesso à jurisdição trabalhista e às provas. É que o trabalhadorempregado busca residir perto do trabalho, o que se justifica por
aspectos econômicos e de comodidade.
A residência perto do trabalho significa a ausência ou redução
de custos com o transporte, quantias que comprometem o poder de
compra do trabalhador. É preciso, nesse contexto, raciocinar com o
juízo do trabalhador.
Estou certo de que a quase totalidade dos meus leitores não
tem ou tiveram a necessidade de empreender tal raciocínio. O desafio,
porém, é mais justificado quando é possível constatar o número de
trabalhadores que se descola de bicicleta para o trabalho. A opção
79
DOUTRINA • Revista TRT 6
pela bicicleta, é evidente, não é determinada por questões de saúde
ou porque o permite a estrutura viária. A julgar pela ausência de
ciclovias, pela violência urbana e pela educação dos motoristas, não
haveria a opção por esse tipo de transporte. A bicicleta é o recurso
possível que o trabalhador tem para substituir o transporte público
coletivo e, com isso, ter a sobra de dinheiro para a aquisição de pão.
Por outro lado, no que respeita à obtenção das provas, é no
lugar da prestação de serviços que ela se apresenta mais oportuna. As
testemunhas se deslocarão para o juízo com mais facilidade; o perito
será do lugar e não terá necessidade de grandes deslocamentos para
o exame, vistoria ou avaliação; e havendo necessidade de inspeção
judicial, o juiz estará perto do lugar do trabalho e da vistoria.
Não desconhecemos a possibilidade, por óbvio, de que a prova
se dê por expedição e cumprimento de carta precatória. O problema
nesse caso será a demora na tramitação do processo e o impedimento
a que o juiz da instrução seja o mesmo do julgamento. Relativamente
a esse último aspecto, primado relevante do procedimento oral estará
comprometido.
No que respeita à produção de provas, aliás, como já
observamos, esse aspecto também tem relação com o acesso à justiça
porque não é possível se falar de acesso à justiça sem que se reconheça
aos litigantes a possibilidade de, pela produção de provas, influenciar
no julgamento do conflito posto à jurisdição. O processo democrático
corresponde a que as partes possam atuar em cooperação e em diálogo
com o juízo o que, necessariamente, compreende a atuação probatória
dos litigantes.
Relativamente às regras em torno da competência territorial
das Varas do Trabalho para os casos que não são de relação de emprego,
outra conclusão não podemos extrair: elas foram concebidas no
Código de Processo Civil também para permitir o acesso das pessoas
à jurisdição e tendo em vista a necessidade da obtenção de provas
(RODRIGUES, 2010).
De tudo se ressalta, destarte, que o princípio-garantia do
acesso à justiça deve presidir toda a interpretação das regras que fixam
a competência territorial das Varas do Trabalho, independentemente
de que estejamos num conflito de relação de emprego ou de relação
diversa da relação de emprego.
Nesse diapasão, destarte, precisamos estabelecer algumas
80
Revista TRT 6 • DOUTRINA
premissas:
a) a necessidade de que sejam afastadas as
interpretações literais das regras, em algumas
hipóteses;
b) a admissão da contratação de foro, desde que não
seja prejudicial ao acesso de qualquer dos litigantes
à justiça, sobretudo do trabalhador; e
c) a necessidade de se reconhecer ao juízo a
possibilidade de manifestação da incompetência
relativa, de ofício, independentemente de estarmos
diante de cláusula de contrato de adesão – Parágrafo
único do art. 112 do CPC.
5.1. O afastamento de interpretações literais de
regras de competência territorial
A interpretação de um fenômeno qualquer consiste na
tentativa de determinar o seu significado e alcance. Relativamente
ao fenômeno jurídico, de igual modo, o trabalho de interpretação
corresponde à tarefa de compreender o significado e alcance da norma
a partir da utilização de critérios a que se denomina de métodos de
interpretação. Esses métodos são tratados, observe-se, como um
conjunto unitário, ainda que complexo e dinâmico.
O primeiro dos métodos que merece menção é o gramatical
ou filológico. Esse método considera que a norma se expressa por
palavras e que o intérprete deve considerá-las tanto individualmente
como no contexto da sentença em que ela se apresenta. Note-se que
esse método reclama que o legislador tenha tido a capacidade de
utilizar as expressões apropriadas para as idéias que ele veicula e que
o intérprete também tenha a habilidade necessária com o idioma para
extrair a interpretação que é possível a partir das palavras utilizadas
pelo legislador.
O método lógico-sistemático considera que os dispositivos
normativos não têm existência isolada, porém que se inserem
organicamente num sistema, que corresponde ao ordenamento
jurídico e que por isso devem ser interpretados com as demais regras
e princípios que compõem o sistema jurídico.
81
DOUTRINA • Revista TRT 6
Nesses tempos de destaque da Constituição no estabelecimento
da organização da vida social e, sobretudo, e o que nos é importante,
na fixação de garantias processuais para todas as pessoas, ganha
relevo a necessidade de que essa interpretação lógico-sistemática
das normas processuais seja a partir da consideração delas no quadro
dessas garantias.
O método histórico, por sua vez, tem em vista que o fenômeno
jurídico é cultural e a norma, então, deve ser determinada no contexto
de sua perspectiva histórica, ou seja, a partir da compreensão do
conjunto de fatos sociais que a determinaram e tendo em vista os
anseios sociais que lhe deram causa.
Nesse quadro, inclusive, é possível compreender uma
defasagem histórica da regra, ou seja, que ela disciplinou uma conduta
de tal modo porque não seria possível, do ponto de vista histórico, uma
disciplina diferente, conforme a observação de Karl Larenz (1997).
Por fim, apresentamos o método finalístico e valorativo que
considera que as normas possuem uma finalidade e valor que devem
determinar o conteúdo e o alcance da interpretação que ela merece.
Esse método permite a interpretação da norma segundo os anseios
e valores vigentes, ou seja, que ela sofra um processo de atualização
histórica que considere os valores de agora (DINAMARCO, 1995).
Ora, o processo de interpretação de uma regra jurídica,
como já asseveramos, é ato complexo e dinâmico. Complexo porque
a utilização de um único método entre os possíveis não será capaz de
nos conceder, com segurança, o conteúdo e o alcance da regra. Assim,
o intérprete terá de lançar mão do conjunto de métodos para obter a
interpretação adequada do fenômeno regrado.
Por outro lado, a interpretação jurídica é um fenômeno
dinâmico, uma vez que reclama do intérprete a identificação de
eventual envelhecimento da regra e concepção de uma interpretação
que seja capaz de atuar sobre os reclamos do seu momento histórico.
Nesse contexto, então, ressaltamos que a interpretação literal
pode ser contra o sistema ou impedir que se concretizem os valores
sociais que determinaram o seu surgimento ou que estejam em
evidência por aperfeiçoamento das relações sociais.
Assim, pode ser o caso, por exemplo, de que a interpretação
literal do caput do art. 651 da CLT, que pretende facilitar o acesso
82
Revista TRT 6 • DOUTRINA
do trabalhador ao Poder Judiciário, se apresente como obstáculo ao
acesso. Vejamos um exemplo: o empregado que tenha trabalhado
apenas na cidade de São Paulo, local que também tenha sido o da
contratação, terá de Reclamar na cidade de São Paulo. No entanto,
se esse trabalhador for migrante e tiver retornado para a sua cidade
natal, Salvador, por exemplo, ele terá obstado, no plano prático, o
acesso à justiça, se houver prevalência da literalidade do caput do
art. 651 da CLT.
Na hipótese, então, deve o intérprete afastar a interpretação
literal e fazer prevalecer o “espírito” que está por trás da regra, ou
seja, os seus fins sociais e exigências do bem-comum, autorizando
que o empregado apresente reclamação no lugar de sua residência
ou domicílio.
Vejamos decisões que confirmam esta teoria:
COMPETÊNCIA TERRITORIAL.
ATLE TA PROFISSIONAL DE FUTEBOL.
CEDÊNCIA. ACESSO À JUSTIÇA. 1. A
competência territorial encontra-se regulada
no art. 651 da CLT, segundo o qual o critério
definidor dessa competência é o local da
prestação de serviços pelo empregado (caput).
Hipótese em que o autor, atleta profissional
de futebol, estava vinculado ao Sport Club
Internacional e foi cedido ao Paysandú
Sport Club, de Belém do Pará. O local da
contratação do demandante por este clube e
a alegada prestação de serviços em diversas
cidades do País, dada a sua participação
em jogos de futebol, não o exclui da regra
do caput do art. 651 citado, nem o inclui
na hipótese de seu parágrafo 3º. 2. Não
obstante tal realidade, o julgamento da ação
por uma das Varas do Trabalho de Belém
do Pará inviabilizaria o acesso do autor à
Justiça, considerando-se residir atualmente
nesta capital, já que não teria condições para
arcar com os custos dos deslocamentos e
demais despesas, frente à declaração da fl. 63
83
DOUTRINA • Revista TRT 6
(reclamante desempregado e sem condições
de arcar com os custos do processo sem
prejuízo de seu sustento). Na hipótese, é o
clube-reclamado quem tem considerável
estrutura e melhores condições financeiras
para o deslocamento a esta cidade. Recurso do
autor provido para declarar a competência da
Comarca de Porto Alegre para julgamento da
demanda. (TRT 04ª R.; RO 00231-2008-01904-00-1; Sétima Turma; Relª Desª Maria Inês
Cunha Dornelles; Julg. 26/11/2008; DOERS
04/12/2008).
I ND ENI ZAÇ ÃO POR DANOS MO R AIS
E M AT E R I A I S D E C O R R E N T E S D E
AC I D E N T E D E T R A B A L H O. E XC E Ç ÃO
DE INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO
DO LUGAR. INAPLICABILIDADE
D O D I S P O S TO N O A R T I G O 6 5 1 , DA
CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO
TRABALHO. As regras de competência
territorial devem ser lidas e compreendidas
com o sentido e interpretação do princípio
magno constitucional de “acesso à justiça”.
A leitura ou interpretação de um texto legal
não pode, em hipótese alguma, levar a uma
situação que represente a negativa de acesso
à jurisdição. A doutrina especializada nos fala
em “ondas de acesso à justiça”, até porque a
principiologia constitucional nos remete a
sempre repelir interpretações que possam
gerar situações que impeçam o jurisdicionado
de ter o seu acesso ao Judiciário. Em razão
disso, a aplicação estrita da regra inserta
no art. 651 da CLT só se justifica quando
se está diante de uma demanda trabalhista
típica, ou seja, daquela demanda que era da
competência da Justiça do Trabalho quando
da elaboração dos critérios de competência
84
Revista TRT 6 • DOUTRINA
territorial pela CLT. Tratando-se de ação
decorrente de acidente de trabalho, cuja
competência para a apreciação e julgamento
só foi atribuída definitivamente à Justiça
do Trabalho após a interpretação dada pelo
Supremo Tribunal Federal ao inciso IV
do art. 114 da CF, incluído pela Emenda
Constitucional nº 45/04, não se pode cogitar
da aplicação estrita da regra celetista de 1943,
sem qualquer sopesamento, sem qualquer
ponderação, dada a diversidade da dinâmica
das partes postulantes, da multiplicidade e
riqueza das situações e fatos que se originam
dessa nova competência trabalhista. (TRT 03ª
R.; RO 00416-2007-070-03-00-7; Primeira
Turma; Rel. Juiz Manuel Cândido Rodrigues;
Julg. 29/10/2007; DJMG 21/11/2007).
5.2. A admissão da contratação de foro, desde
que não seja prejudicial ao acesso de qualquer
dos litigantes à justiça, sobretudo do trabalhador
A doutrina e a jurisprudência apresentam diversos
argumentos para a não aceitação da contratação de foro na relação de
emprego.
Carlos Henrique da Silva Zangrando (2007) ressalta que a
eventual admissão do foro de contratação redundaria, na prática, na
criação de dificuldade ou de impedimento a que o trabalhador tenha
acesso à justiça.
Mauro Schiavi (2009) lança mão do argumento da
hipossuficiência e do estado de subordinação do empregado, o que o
levaria a aceitar a contratação de foro prejudicial ao seu acesso à justiça.
Carlos Henrique Bezerra Leite (2008) e Renato Saraiva
(2005) utilizam o argumento de que as regras sobre competência no
processo do trabalho são de ordem pública e, pois, inderrogáveis pela
vontade das partes. Renato Saraiva complementa o seu raciocínio
dizendo que o art. 651 da CLT visa acesso do trabalhador à justiça, o
85
DOUTRINA • Revista TRT 6
que faria com que o foro de eleição fosse incompatível com o processo
do trabalho.
Manoel Antonio Teixeira Filho (2009) aponta um caráter
imperativo para as regras sobre competência na CLT o que, então,
não propiciaria margem para a contratação de foro.
De nossa parte, propomos uma interpretação que não exclua
a possibilidade do foro de eleição na relação de emprego, senão pelo
evidente obstáculo ou dificuldade ao acesso à justiça que a eleição
tenha criado para o mais fraco na contratação.
Nesse contexto, então, defendemos a possibilidade da regular
contratação de foro de eleição, tanto nas relações de emprego, como
nas demais relações de trabalho.
Não interpretamos, como o fazem Carlos Henrique Bezerra
Leite (2008), Renato Saraiva (2005) e Teixeira Filho (2005) que as
regras em torno da incompetência territorial sejam de ordem pública.
Veja-se, quanto a esse aspecto, que a doutrina e a jurisprudência
não admitem a declaração da incompetência relativa de ofício no
processo do trabalho justamente sob o fundamento de que a nulidade
decorrente da incompetência territorial é relativa, do interesse privado
e não público.
Podemos dar um exemplo da possibilidade da contratação válida
de foro na relação de emprego. Imaginemos que um empreendedor
pretenda a contratação de um trabalhador especializado para a
prestação de serviços em lugar diverso da residência e domicílio do
empregado. Além do mais, a contratação seria no lugar da prestação
de serviços.
Não interpretamos a ocorrência de qualquer irregularidade se
o trabalhador, nesse caso, por sua força pessoal, conseguir eleger o foro
de sua residência originária e permanente como sendo o competente
para o conhecimento de eventual demanda em torno desse contrato.
Esse foro, é evidente, terá sido contratado no interesse do trabalhador.
Ressalte-se, assim, que embora de difícil ocorrência prática
para favorecer o trabalhador, a eleição de foro pode ter lugar, ao menos
no plano teórico, para favorecer o trabalhador, o que a doutrina não
pode desconsiderar.
Assim, do ponto de vista da interpretação das normas vigentes,
não é possível excluir a eleição de foro em relação de emprego com
86
Revista TRT 6 • DOUTRINA
base noutro argumento que não o da necessidade de assegurar o
acesso à justiça ao trabalhador. Dispensam-se outros raciocínios
interpretativos e que obstam, sem exceção, a eleição de foro.
5.3. A necessidade de se reconhecer ao juízo
a possibilidade de manifestação da incompetência relativa, de ofício, independentemente
de estarmos diante de cláusula de contrato de
adesão – Parágrafo único do art. 112 do CPC
A incompetência absoluta é distinguida da incompetência
relativa também pela possibilidade de que a incompetência absoluta
seja pronunciada de ofício, o que não acontece com a incompetência
relativa.
Até a Lei n. 11.280/2006, o juiz do processo civil comum não
tinha qualquer exceção à regra da impossibilidade de manifestação da
incompetência relativa de ofício. Com a lei em questão, o legislador
introduziu o Parágrafo único no art. 112 permitindo a declaração de
nulidade de cláusula de eleição de foro em contrato de adesão.
A regra trazida pela Lei n. 11.280/2006 busca, justamente,
que o juízo corrija de ofício a irregularidade na contratação do foro,
sobretudo pela evidência de que a contratação, em contrato de
adesão, é obstativa do acesso à justiça para um dos contratantes. Eram
recorrentes os casos nos quais o acionamento da parte hipossuficiente
ocasionava a impossibilidade de sua defesa em razão do foro de eleição,
que não teria sido efetivamente contratado.
No âmbito do processo do trabalho quase não encontramos
vozes que afirmem a possibilidade da manifestação da incompetência
relativa de ofício. Ou seja, a jurisprudência e a doutrina posicionam-se
pela necessidade de que a incompetência relativa seja suscitada pela
parte a quem aproveita, não obstante a regra do § 1º do art. 795 da
CLT.
A admissão do foro de eleição nas relações de emprego e
nas demais relações de trabalho, essa última prevalecendo na doutrina
e na jurisprudência, nos confronta com a necessidade de investigar,
no caso posto, se a contratação evidenciou efetiva intenção das partes
e se não há dificuldade ou impedimento do acesso à justiça para o
contratante hipossuficiente ou mais fraco, independentemente de
87
DOUTRINA • Revista TRT 6
estarmos diante de contrato de adesão.
Assim, a constatação de que o foro eleito, diverso daquele que
originariamente seria o do conhecimento do litígio, criou impedimento
ou obstáculo ao acesso à justiça, cumprirá ao órgão jurisdicional
pronunciar a incompetência relativa de ofício, mesmo quando não
esteja diante de contrato de adesão e independentemente do caso
posto à sua apreciação versar sobre relação de trabalho diversa da
relação de emprego.
Aqui, há de prevalecer a garantia constitucional em detrimento
da interpretação de que estaríamos diante de uma nulidade relativa,
necessariamente manifestada pela parte.
Por outro lado, se não admitido o foro de eleição para a relação
de emprego muito mais razões haverá para que o juízo pronuncie de
ofício a incompetência relativa. Imaginemos o caso de uma Ação de
Consignação em Pagamento ser proposta, para a quitação de verbas
rescisórias e outros direitos, fora do lugar da prestação de serviços
e com evidente obstáculo ou dificuldade de defesa para o credortrabalhador. O juízo não deveria pronunciar a incompetência territorial
de ofício diante da revelia do trabalhador? Negar ao juiz a possibilidade
de pronunciar a incompetência de ofício seria, no caso, legitimar uma
iniqüidade e negar efetividade à garantia do acesso à justiça.
6. CONCLUSÕES
A Justiça do Trabalho foi concebida para a solução de conflitos
entre trabalhadores e empregadores, situação que permaneceu na
legislação nacional até o advento da Emenda 45, que ampliou a
competência da Justiça Especializada para todos os conflitos que
decorrem das relações de trabalho, excluídas as relações de Direito
Administrativo que as pessoas de direito público mantêm com
servidores.
A competência territorial das Varas do Trabalho, nesse passo,
que data da década de 40 do século passado, foi prevista, então, para
os conflitos que decorrem das relações de emprego. As regras que
encontramos no art. 651 da CLT consideram que um empregado esteja
num dos pólos da relação processual.
Tendo em vista a ampliação da competência da Justiça do
88
Revista TRT 6 • DOUTRINA
Trabalho e a lacuna na legislação específica em torno da competência
territorial das Varas do Trabalho para os conflitos que decorrem de
relações que não sejam de emprego, necessitamos da utilização das
regras do processo comum, em caráter subsidiário por previsão do art.
769 da CLT, as quais consideram o local do domicílio ou residência
do réu, o local da sede da pessoa jurídica ou da agência ou filial
demandada, o local do adimplemento da obrigação cuja satisfação se
busca e o local do ato ou fato para as ações de indenização por dano.
O princípio-garantia do acesso à justiça, consagrado no item
XXXV do art. 5º da Constituição Federal, é interpretado sob vários
aspectos pela doutrina nacional.
A garantia é interpretada em seu aspecto negativo de impedir
que o Poder Público e os particulares criem obstáculo a que qualquer
pessoa tenha acesso ao Judiciário diante de uma ameaça ou lesão a
direito. Por outro lado, também é apontada em seu aspecto positivo,
como uma previsão que implica necessidade de que a sociedade
crie condições de efetivo acesso à justiça de todos quantos tenham
demanda por solução de conflito.
A constituição em vigor ampliou o princípio na medida
em que não o restringiu à defesa de direitos individuais e o previu
para a hipótese de ameaça a direito, o que na prática se tinha com
a possibilidade das medidas cautelares e de antecipações de tutela,
essas últimas para casos específicos até a alteração da regra do art.
273 do CPC.
Ademais, a doutrina considera que o acesso à justiça deve
compreender a idéia de adequado acesso, ou seja, que corresponda
à realidade da situação jurídico-substancial que lhe foi submetida.
Nesse contexto, destarte, merece destaque a posição de Cintra,
Dinamarco e Pellegrini (2009), que desenvolvem uma compreensão
sistemática do acesso à justiça, a qual não se identificaria com a mera
admissão ao processo, ou seja, com a sua universalização, mas também
com a efetivação do devido processo legal; a partir da participação
dos litigantes no processo, com o que possam atuar decisivamente
para a formação do convencimento do órgão jurisdicional; e pela
possibilidade de que os litigantes participem em diálogo na preparação
de uma solução judicial justa para o conflito.
A instrumentalidade do processo, que corresponde à
concretização dos direitos pela via do acesso à justiça, é mais um
89
DOUTRINA • Revista TRT 6
destaque da doutrina nacional para a garantia do acesso à justiça, o
que nos parece de grande relevância, na medida em que se ressalta o
acesso como um mecanismo de concretização dos direitos consagrados
a partir da Constituição Federal, revelando opções favoráveis aos
interesses sociais.
A interpretação da competência territorial das Varas do
Trabalho para os conflitos que decorrem da relação de emprego
destacam dois aspectos nas regras previstas na Consolidação das Leis
do Trabalho – CLT: o acesso à justiça; e a necessidade de obtenção
das provas para o julgamento do conflito, o que também, no nosso
entender, corresponde a uma expressão do acesso à justiça.
Relativamente às regras em torno da competência territorial
das Varas do Trabalho para os casos que não são de relação de emprego,
outra conclusão não podemos extrair: elas foram concebidas no
Código de Processo Civil também para permitir o acesso das pessoas
à jurisdição e tendo em vista a necessidade da obtenção de provas
(RODRIGUES, 2010).
De tudo se ressalta, destarte, que o princípio-garantia do
acesso à justiça deve presidir toda a interpretação das regras que fixam
a competência territorial das Varas do Trabalho, independentemente
de que estejamos num conflito de relação de emprego ou de relação
diversa da relação de emprego e, assim, a necessidade de que sejam
afastadas as interpretações literais das regras de competência, em
algumas hipóteses; a admissão da contratação de foro, desde que
não seja prejudicial ao acesso de qualquer dos litigantes à justiça,
sobretudo do trabalhador; e a necessidade de se reconhecer ao juízo
do trabalho a possibilidade de manifestação da incompetência relativa,
de ofício, independentemente de estarmos diante de cláusula de
contrato de adesão.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça
(tradução de Ellen Gracie Northfleet). Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 1988.
CINTRA, Antonio Carlos Araújo; DINAMARCO, Cândido
Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. São
Paulo: Malheiros, 2009.
90
Revista TRT 6 • DOUTRINA
DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil
– Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. Salvador:
JusPodivum, 2010.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do
processo. São Paulo: Malheiros, 2005.
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito
Processual do Trabalho. São Paulo: LTr, 2008.
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
NERY JÚNIOR. Nelson. Princípios do Processo na
Constituição Federal – Processo civil, penal e administrativo. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2009.
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Direito
Processual Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
SARAIVA, Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho.
São Paulo: Médoto, 2005.
SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do
Trabalho. São Paulo: LTr, 2009.
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Curso de Direito
Processual do Trabalho, vol I. São Paulo, 2009.
ZANGRANDO, Carlos Henrique da Silva. Processo do
Trabalho – Moderna Teoria Geral do Direito Processual. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2007.
91
DOUTRINA • Revista TRT 6
3
INAPLICABILIDADE DA MULTA
DO ART. 475-J DO CPC NA
EXECUÇÃO TRABALHISTA
COMO MEDIDA DE CELERIDADE
Luciana Paula Conforti
Juíza do Trabalho do TRT da 6ª Região, substituta da 17ª
VT do Recife, mestranda da UFPE
Resumo: Para conferir maior celeridade e efetividade ao
processo trabalhista, incumbe ao Juiz do Trabalho, sempre que
possível, proferir sentenças líquidas e iniciar a execução de ofício,
inclusive com a determinação de bloqueio das contas bancárias
do executado e não impor a aplicação de multa, no prazo de 15
dias, considerando que o prazo previsto para o cumprimento
espontâneo da sentença pela CLT é de apenas 48 horas.
Palavras-chave: execução trabalhista, multa do art. 475-J
do CPC, inaplicabilidade.
1. INTRODUÇÃO
A Lei 11.232, de 22 de Dezembro de 2005, introduziu
alterações no Processo Civil, com o objetivo de torná-lo mais célere.
Como resultado do sincretismo processual (cognição-execução), o
processo autônomo de execução foi substituído pelo procedimento
de “Cumprimento da Sentença”.
Desde então, muito se tem discutido sobre a aplicação da
multa do art. 475-J do CPC nas execuções trabalhistas.
92
Revista TRT 6 • DOUTRINA
Defendo a existência de incompatibilidade entre o
procedimento previsto no CPC para o cumprimento da sentença e
as disposições da CLT.
No processo do trabalho, a conseqüência do não pagamento
espontâneo pelo devedor é a execução forçada e com prazo mais exíguo
do que o previsto no CPC (art. 880 a 882 da CLT).
2. FUNDAMENTOS
Manoel Antonio Teixeira Filho se posiciona contrário à
aplicação do CPC, quando a CLT tem regra própria. Sobre o mesmo
tema (a propósito do art. 475-J, do CPC), confira-se a sua lição:
Todos sabemos que o art. 769, da
CLT, permite a adoção supletiva de normas
do processo civil, desde que: a) a CLT seja
omissa quanto à matéria; b) a norma do CPC
não apresente incompatibilidade com a letra
ou com o espírito do processo do trabalho.1
A CLT não é omissa sobre a matéria e a execução trabalhista
também é regida pela Lei 6.830/80. Ademais, existe conflito entre as
disposições do art. 475-J do CPC e os artigos 880 a 884 da CLT.
Os defensores da aplicação da multa do art. 475-J do
CPC na execução trabalhista argumentam que a medida dá maior
efetividade ao título judicial porque acelera o seu cumprimento e
assegura a observância do princípio constitucional da razoável duração
do processo (art. 5º, LXXVIII).
Ocorre que o art. 475-J do CPC não apresenta medida de
celeridade processual, tendo em vista que o prazo previsto no referido
artigo é mais longo do que o concedido na CLT e que a execução
trabalhista é impulsionada de ofício pelo juiz (art. 878 da CLT).
Para melhor ilustrar a matéria, importante trazer a
transcrição dos dispositivos legais relacionados:
1 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Processo do Trabalho. Embargos à execução ou
impugnação à sentença? (A propósito do art. 475-J, do CPC), In Revista LTR 70-10/1180.
93
DOUTRINA • Revista TRT 6
Art. 475-J do CPC – Caso o
devedor, condenado ao pagamento de
quantia certa ou já fixada em liquidação,
não efetue no prazo de 15 (quinze) dias, o
montante da condenação será acrescido de
multa no percentual de 10% (dez por cento)
e, a requerimento do credor e observado
o disposto no art. 614 , inciso II, desta
Lei, expedir-se-á mandado de penhora e
avaliação. (...)
Art. 769 da CLT – Nos casos
omissos, o direito processual comum será
fonte subsidiária do direito processual
do trabalho, exceto naquilo em que for
incompatível com as normas deste Título.
Art. 878 da CLT – A execução
poderá ser promovida por qualquer
interessado, ou ex officio, pelo próprio juiz
ou presidente ou tribunal competente, nos
termos do artigo anterior.
Art. 880 da CLT – Requerida a
execução o juiz ou presidente do tribunal
mandará expedir mandado de citação ao
executado, a fim de que cumpra a decisão
ou o acordo no prazo, pelo modo e sob as
cominações estabelecidas, ou, quando se
tratar de pagamento em dinheiro, inclusive
de contribuições sociais devidas à União,
para que o faça em 48 (quarenta e oito)
horas, ou garanta a execução, sob pena de
penhora. (...)
Art. 882 da CLT – O executado
que não pagar a importância reclamada
94
Revista TRT 6 • DOUTRINA
poderá garantir a execução mediante
depósito da mesma, atualizada e acrescida
das despesas processuais, ou nomeando
bens à penhora, observando a ordem
preferencial estabelecida no art. 655 do
Código de Processo Civil.
Art. 883 da CLT – Não pagando
o executado, nem garantindo a execução,
seguir-se-á a penhora dos bens, quanto
bastem ao pagamento da importância da
condenação acrescida de custas e juros
de mora, sendo estes, em qualquer caso,
devidos a partir da data em que for ajuizada
a reclamação inicial.
Art. 884 da CLT – Garantida
a execução ou penhorados os bens, terá
o executado cinco dias para apresentar
embargos, cabendo igual prazo ao exeqüente
para impugnação.
Art. 889 da CLT – Aos trâmites
e incidente da execução são aplicáveis,
naquilo em que não contrariem ao presente
Título, os preceitos que regem o processo
dos executivos fiscais para cobrança judicial
da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.
Art. 1º da Lei 6.830/80 – A execução
judicial para cobrança da Dívida Ativa da
União, dos Estados, do Distrito Federal,
dos Municípios e respectivas autarquias será
regida por esta lei e, subsidiariamente, pelo
Código de Processo Civil.
De acordo com a CLT, caso o executado, após citado, não
95
DOUTRINA • Revista TRT 6
realize o pagamento ou a garantia da dívida, em 48 (quarenta e oito)
horas, a execução terá início de imediato.
O art. 883 da CLT deve ser interpretado em harmonia com
a ordem preferencial estabelecida pelo art. 655 do CPC, no qual o
dinheiro está em primeiro lugar. Nesse contexto, incumbe ao juiz, de
ofício, expedir ordem ao BANCO CENTRAL DO BRASIL, para o
bloqueio das contas bancárias do devedor (art. 655-A do CPC), até o
limite da execução.
Um dos princípios que norteiam o processo executório é
o da menor onerosidade do devedor e a multa do art. 475-J do CPC
possui natureza de punição (STJ, 3ª Turma, MC 13.395/SP, tel. Min.
Nancy Andrighi, julg. em 09.10.2007, DJ 16.10.2007).
Como afirmam Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz
Arenhart:
A multa em exame tem natureza
punitiva, aproximando-se da cláusula
penal estabelecida em contrato. Porém,
diversamente desta última, a multa do art.
475-J não é fixada pela vontade das partes,
mas imposta – com efeito anexo da sentença
– pela lei. Esta multa não tem caráter
coercitivo, pois não constitui instrumento
vocacionado a constranger o réu a cumprir
a decisão, distanciando-se, desta forma,
da multa prevista no art. 461, § 4º do
CPC. O conteúdo coercitivo que pode ser
vislumbrado na multa do art. 475-J do CPC
é comum a toda e qualquer pena, já que
o devedor, ao saber que será punido pelo
descumprimento, é estimulado a observar
a sentença.2
É certo que a ação trabalhista visa à execução de créditos
de natureza alimentar e que a efetividade do comando judicial depende
da celeridade do processo. Mas diante da principal diferença entre a
2 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil, vol.
3, Execução, 2ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 241.
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Revista TRT 6 • DOUTRINA
execução trabalhista e a execução cível, sendo a primeira realizada de
ofício pelo juiz e no prazo de 48 (quarenta e oito) horas após a omissão
do devedor, o que confere maior celeridade ao processo do trabalho
não é a aplicação de multa, conduta que apenas impõe maior ônus
ao devedor, mas a imediata execução de ofício, evitando, ainda, que
o executado tenha a oportunidade de oferecer impugnação no prazo
de 15 (quinze) dias, considerando que no processo do trabalho, em
geral, a contestação dos cálculos apenas é feita após a garantia do
débito exeqüendo e ainda assim, através dos embargos à execução,
no prazo de 05 (cinco) dias.
O executado, no processo do trabalho, tem o direito de
garantir a dívida para se opor a execução, o que reforça o entendimento
de que a imposição de multa, pelo não pagamento espontâneo, viola
o princípio da legalidade (art. 5º, II da CF).
O trabalhador, geralmente, é o exeqüente na reclamatória,
todavia, ocorrem situações em que é o executado. Em tal caso, a
imposição da multa de 10% agravaria a situação do trabalhador e a
regra não poderia ser afastada, pelo princípio da proteção, sob pena de
ofensa ao tratamento igualitário que deve ser dispensado aos litigantes
(art. 5º, caput da CF).
Sem embargo, é indispensável a observância do devido
processo legal e as garantias previstas ao devedor no processo
trabalhista não podem ser afastadas porque não há omissão na CLT e
a interpretação contrária à letra da lei, extensiva para a imposição de
ônus, viola o devido processo legal (art. 5º, LIV da CF). O processo
não pode ser pensado apenas sob a ótica do credor, tendo em vista
que a justiça não se compatibiliza com medidas unilaterais.
O procedimento estabelecido na CLT não pode ser
simplesmente desconsiderado com a aplicação do CPC e existem
casos em que o procedimento do CPC tem sido adotado parcialmente,
criando-se, destarte, procedimento totalmente diverso, o que acarreta
insegurança jurídica aos litigantes.
O principal argumento para a imposição da multa do art.
475-J da CLT, que é a celeridade processual, não se sustenta em
virtude de o prazo previsto para o pagamento na CLT ser mais exíguo
e de a execução ser processada de ofício e de modo muito mais célere
com o bloqueio de numerário, independentemente de qualquer
requerimento do credor.
97
DOUTRINA • Revista TRT 6
O Tribunal Superior do Trabalho editou o Provimento
3/2003 (DJU de 26-9-2003, republicado em 23-12-2003), facultando a
qualquer empresa do país, desde que de grande porte, e que, em razão
disso, mantenha contas bancárias em várias instituições financeiras, a
solicitar o cadastramento de conta especial apta a acolher os bloqueios
on-line realizados por meio do sistema BACEN JUD (art. 1º).
Como assevera Manoel A. Teixeira Filho: “A Justiça do
Trabalho, portanto, a contar da assinatura do convênio BACEN JUD,
passou a contar com um sistema em tempo real de garantia da execução
por quantia certa, qual seja, o bloqueio on-line.”3
Carlos Henrique Bezerra Leite também se posiciona de
modo contrário à aplicação do art. 475-J ao Processo do Trabalho,
afirmando que: “Como o processo do Trabalho possui regramento
próprio a respeito da execução por quantia certa, haverá o obstáculo
do art. 769 da CLT para aplicação subsidiária do novel art. 475-J do
CPC, no particular.”4
Outra importante medida para o alcance da celeridade
no processo trabalhista é a elaboração de sentenças líquidas. Caso
a matéria pertinente aos cálculos não seja abordada no Recurso
Ordinário, não poderá ser discutida na execução, exceto a relativa
à adequação da conta, proveniente da reforma da sentença pela
Instância Superior. De acordo com o § 1º do art. 879 da CLT: “Na
liquidação, não se poderá modificar, ou inovar, a sentença liquidanda,
nem discutir matéria pertinente à causa principal.” Nesse contexto,
sempre que possível, o juiz deve proferir sentenças líquidas, para
conferir maior efetividade à coisa julgada.
Nos casos em que a condenação líquida não é possível,
pela ausência de algum documento indispensável, por exemplo,
como o extrato da conta vinculada do obreiro ou de norma coletiva,
a liquidação será processada na forma do art. 879, caput da CLT, que
assim dispõe: “Sendo ilíquida a sentença exeqüenda, ordenar-se-á,
previamente, a sua liquidação, que poderá ser feita por cálculo, por
arbitramento ou por artigos.”
3 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Curso de Direito Processual do Trabalho,
processo de execução, vol. III, fev- 2009, São Paulo: LTr, p. 2183.
4 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho, 4ª ed. –
fev-2006, São Paulo: LTr, p. 835.
98
Revista TRT 6 • DOUTRINA
Também na fase de liquidação da sentença existem
diferenças entre o processo do trabalho e o processo civil.
Igualmente a liquidação no processo do trabalho pode ter
início de ofício pelo juiz.
Na execução trabalhista, a sentença de liquidação possui
natureza interlocutória, não admitindo recurso. Assim, a decisão que
homologa os cálculos não é recorrível de imediato, devendo ser antes
impugnada perante o juiz de primeiro grau, após a garantia da dívida
e na mesma ocasião, a penhora também poderá ser discutida, com a
interposição de apenas um recurso (agravo de petição) por quem se
julgar prejudicado.
A parte deve, na primeira oportunidade que tiver para falar
sobre os cálculos, argüir todas as questões e matérias que entender
devidas, sob pena de preclusão.
A partir da Lei 11.232/2005 a liquidação de sentença no
processo comum se aproximou do processo do trabalho, transformando
a decisão proferida na liquidação em interlocutória. Apesar do exposto,
houve a criação do incidente de “impugnação”.
Como comenta Francisco de Antonio Oliveira5, a referida
reforma foi tímida e em lugar do incidente de impugnação era
preferível o uso dos embargos à execução e a possibilidade de
apelação. A modificação poderia ter agilizado o processo executório,
determinando a irrecorribilidade das decisões interlocutórias, com a
possibilidade de revisão da matéria em futuro recurso de apelação.
Francisco Antonio Oliveira critica a forma como vem
sendo adotada a legislação subsidiária, afirmando que não se pode
simplesmente “civilizar” o processo do trabalho, em razão de ainda
ser um processo mais célere, com as suas peculiaridades.6
O Tribunal Superior do Trabalho reiteradamente
afastou a aplicação da multa do art. 475-J do CPC ao processo do
trabalho, sob os seguintes fundamentos:
5 OLIVEIRA, Francisco Antonio. Execução na Justiça do Trabalho, 6ª ed., 2007, São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 52.
6 OLIVEIRA, Francisco Antonio. Execução na Justiça do Trabalho, 6ª ed., 2007, São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 53.
99
DOUTRINA • Revista TRT 6
I – Agravo de Instrumento.
Execução. Inaplicabilidade do art. 475-J
do CPC ao processo do trabalho. Ante a
possível violação ao art. 5º, inciso LIV,
da Constituição da República, dá-se
provimento ao Agravo de Instrumento
para determinar o processamento do
apelo denegado. II – Recurso de revista.
Execução. Inaplicabilidade do art. 475-J do
CPC ao processo do trabalho. 1. Segundo
a unânime doutrina e jurisprudência,
são dois os requisitos para a aplicação da
norma processual comum ao processo
do trabalho: i) ausência de disposição na
CLT a exigir o esforço de integração da
norma pelo intérprete; ii) compatibilidade
da norma supletiva com os princípios do
processo do trabalho. 2. A ausência não se
confunde com a diversidade de tratamento:
enquanto na primeira não é identificável
qualquer efeito jurídico a certo fato a
autorizar a integração do direito pela norma
supletiva na segunda se verifica que um
mesmo fato gera distintos efeitos jurídicos,
independente da extensão conferida à
eficácia. 3. O fato juridicizado pelo art.
475-J do CPC não-pagamento espontâneo
da quantia advinda de condenação judicial
possui disciplina própria no âmbito do
processo do trabalho (art. 883 da CLT),
não havendo falar em aplicação da norma
processual comum ao processo do trabalho.
4. A fixação de penalidade não pertinente ao
Processo do Trabalho importa em ofensa ao
devido processo legal, nos termos do art. 5º,
inciso LIV, da Constituição da República.
Recurso de Revista conhecido e provido.
(TST 3ª T. – número único RR – 765/2003008-13-41. Relª. Min. Maria Cristina I.
100
Revista TRT 6 • DOUTRINA
Peduzzi – DJ 22.2.2008).
Recurso de revista. Multa do art.
475-J do CPC. Incompatibilidade com
o processo do trabalho. Regra própria
com prazo reduzido. Medida coercitiva
no processo do trabalho diferenciada
do processo civil. O art. 475-J do CPC
determina que o devedor que, no prazo de
quinze dias, não tiver efetuado o pagamento
da dívida, tenha acrescida multa de 10%
sobre o valor da execução e, a requerimento
do credor, mandado de penhora e avaliação.
A decisão que determina a incidência de
multa do art. 475-J do CPC, em processo
trabalhista, viola o art. 889 da CLT, na
medida em que a aplicação do processo
civil, subsidiariamente, apenas é possível
quando houver omissão na CLT, seguindo,
primeiramente, a linha traçada pela Lei
de Execução Fiscal, para apenas após
fazer incidir o CPC. Ainda assim, deve ser
compatível a regra contida no processo civil
com a norma trabalhista, nos termos do art.
769 da CLT, o que não ocorre no caso de
cominação de multa no prazo de quinze
dias, quando o art. 880 da CLT determina a
execução em 48 horas, sob pena de penhora,
não de multa. Recurso de revista conhecido
e provido para afastar a multa do art. 475-J
do CPC (TST número único RR 668-2006005-13-40 – DJ 28.3.2008 – Acórdão 6ª T.
– Rel. Min Aloysio Corrêa da Veiga).
Inaplicabilidade do art. 475-J do
CPC ao processo do trabalho – Existência de
regra própria no processo trabalhista. 1. O art.
475-J do CPC dispõe que o não pagamento
101
DOUTRINA • Revista TRT 6
pelo devedor em 15 dias de quantia certa
ou já fixada em liquidação a que tenha sido
condenado gera a aplicação de multa de
10% sobre o valor da condenação e, a pedido
do credor, posterior execução forçada com
penhora. 2. A referida inovação do Processo
Civil, introduzida pela Lei n. 11.232/05,
não se aplica ao processo do trabalho, já
que tem regramento próprio (arts. 880 e
seguintes da CLT) e a nova sistemática do
processo comum não é compatível com
aquela existente no processo do trabalho,
onde o prazo de pagamento ou penhora é
apenas 48 horas. Assim, inexiste omissão
justificadora da aplicação subsidiária do
Processo Civil, nos termos do art. 769
da CLT, não havendo como pinçar do
dispositivo apenas a multa, aplicando, no
mais, a sistemática processual trabalhista.
3. Cumpre destacar que, nos termos do
art. 889 da CLT, a norma subsidiária para
a execução trabalhista é a Lei n. 6.830/80
(Lei da Execução Fiscal), pois os créditos
trabalhistas e fiscais têm a mesma natureza
de créditos privilegiados em relação aos
demais créditos. Somente a ausência
de norma específica nos dois diplomas
anteriores, o processo civil passa a ser
fonte informadora da execução trabalhista,
naqueles procedimentos compatíveis com
o processo do trabalho (art. 769 da CLT).
4. Nesse contexto, merece reforma o
acórdão recorrido, para que seja excluída
da condenação a aplicação do disposto
no art. 475-J do CPC. Recurso de revista
parcialmente conhecido e provido. (TST
RR – 2/2007-038-03-00.0, julg. 14.5.2008,
Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, 7ª T.,
DJ 23.5.2008).
102
Revista TRT 6 • DOUTRINA
Apesar do exposto, o tema tem sido freqüentemente
discutido na doutrina, existindo diversos artigos publicados em
defesa da compatibilidade do art. 475-J do CPC com o processo do
trabalho, inclusive Acórdãos dos Tribunais Regionais do Trabalho e
do próprio TST, como no julgamento, por maioria, do RR - 13580087.2006.5.13.0006, pela primeira Turma7.
Favoravelmente à referida compatibilidade, posicionam-se
Mauro Schiavi (Novas reflexões sobre a aplicação do art. 475-J do
CPC ao processo do trabalho à luz da recente jurisprudência do TST
– Revista LTr 72-03/271, março/2008 e Cumprimento da sentença
trabalhista: imposição de multa para a obrigação de pagar. CLT,
CPC ou ambos? - Revista LTr 74-03/301, março/2010) e Marcelo
Rodrigues Prata (A multa do art. 475-J do CPC e sua aplicabilidade
no processo trabalhista – Revista LTr 72-07/795, julho/2008), dentre
outros.
Além da celeridade, outro argumento utilizado pelos
defensores da aplicação da multa em referência no processo do
trabalho é o de que a sua natureza seria coercitiva e não sancionatória.
Nesse sentido Marcelo Rodrigues Prata, no artigo citado acima, com
apoio na lição de Cássio Scarpinella Bueno. O fundamento básico
exposto é o de que o pagamento espontâneo é etapa precedente à
execução.
O mencionado autor assevera que na própria sentença deve
constar a aplicação da multa, no prazo de 15 dias e após o trânsito em
julgado da sentença, o que, no meu entender, não confere qualquer
celeridade ao processo trabalhista, uma vez que mesmo antes do
trânsito em julgado pode ter início a execução provisória e se após
citado o executado não pagar ou garantir a execução, em 48 (quarenta
e oito) horas, seguir-se-á a penhora.
No caso de recurso para a Instância Superior, Marcelo
Rodrigues Prata defende que somente após a baixa dos autos à Vara
de origem e da intimação do devedor, depois do trânsito em julgado,
incidirá a multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC.
No mesmo sentido se posiciona Mauro Schiavi e, no caso
de sentença ilíquida, o autor defende que o prazo terá início após a
intimação da homologação dos cálculos, citando as lições de Júlio
7 Relator Luiz Philippe Vieira de Melo Filho, publ. DEJT 04/12/2009.
103
DOUTRINA • Revista TRT 6
César Bebber e de Luciano Athaíde Chaves.
Importante aqui fazer referência ao entendimento expresso
no julgamento proferido pelo Tribunal Superior do Trabalho, no
processo RR 314/2005-023-03-41.0, de 17.9.2008, onde o Relator, o
Min. Maurício Godinho Delgado, defende que a multa do art. 475-J
do CPC teria incidência se após citado o executado não pagasse a
dívida, seja através de depósito espontâneo ou por bloqueio através
do BANCEN JUD. Nesse contexto, restou evidenciando no referido
entendimento que a primeira providência a ser adotada pelo Juízo,
quando do não pagamento da dívida pelo executado, é a determinação
do bloqueio bancário, o que, no meu entender, vai de encontro à
imposição da multa, como já foi exposto no presente trabalho.
No dia 01.06.2010, o STJ também se manifestou favorável à
aplicação da multa do art. 475-J do CPC no processo trabalhista, no
julgamento do Recurso Especial 1.111.686 - RN (2009/0041464-3),
que teve como Relator o Ministro Sidnei Beneti.
Os fundamentos básicos expostos no referido julgamento
foram os seguintes:
(...) No processo Civil, o fato
gerador da multa prevista no artigo 475J, se é que assim podemos chamar o
inadimplemento espontâneo do devedor,
situa-se em um momento temporal que
antecede o início da fase de cumprimento
da sentença, a qual, em rigor, apenas se
inaugurada com o requerimento do credor,
na forma do artigo 475-B. Bem por isso é
preciso reconhecer que a multa prevista no
artigo 475-J não constitui um instrumento
de coerção inerente ao sistema unificado
de processo adotado pelo CPC. Imaginese que, no processo civil, ainda persistisse
o processo de execução autônomo. Nesse
caso estaria inviabilizada uma inovação
legislativa semelhante àquela que se extrai
do indigitado dispositivo para estimular
o cumprimento voluntário da obrigação
104
Revista TRT 6 • DOUTRINA
consignada na sentença condenatória? A
resposta, naturalmente, só pode ser negativa.
Do contrário ter-se-ia de admitir que outras
medidas de coerção indireta também seriam
incompatíveis com o processo autônomo de
execução.
Na hipótese em testilha, a
incompatibilidade não ocorre, porque
o fato gerador da multa em questão não
está umbilicalmente ligado à fase de
cumprimento de sentença ou ao modelo
unificado de processo adotado pelo Código
de Processo Civil. O instituto em questão é
instrumento de coerção, e não de execução.
Nesse sentido basta apenas dizer que o
comportamento omissivo do devedor que
dá ensejo à sanção destacada antecede o
próprio início da fase de cumprimento de
sentença. Não é possível afirmar, assim,
que o artigo 475-J do Código de Processo
Civil encerra um instrumento próprio da
fase de cumprimento de sentença que existe
apenas no Código de Processo Civil. Não se
vislumbra a sustentada incompatibilidade
sistêmica entre ele e o modelo de execução
trabalhista, lastreado na existência de um
processo autônomo.
(...) Para alguns, a penhora prevista
no artigo 880 da CLT na hipótese de o
devedor não pagar nem garantir a execução,
já seria a sanção cominada pela lei trabalhista
para o inadimplemento voluntário. Nesses
termos não haveria que se autorizar a
aplicação de um instrumento previsto no
CPC para situação equiparada. Com a
devida vênia dos que pensam assim, temse que a penhora de bens, no processo de
105
DOUTRINA • Revista TRT 6
execução (assim como sucede em uma fase
de cumprimento de sentença), com vistas à
satisfação do crédito reconhecido na sentença
condenatória, não pode ser considerada uma
sanção imposta ao executado. A penhora e
posterior alienação dos bens que integram
o patrimônio do devedor para a satisfação
da dívida reconhecida na sentença reflete,
pura e simplesmente, o caráter substitutivo
da Jurisdição, isto é, o poder de império do
Estado que, substituindo-se à vontade e à
atuação concreta das partes, dá solução à
lide e realiza, no mundo dos fatos a solução
preconizada por ele como devida. Assim
é que a penhora e posterior expropriação,
em um processo de execução, constitui
consectário natural do inadimplemento
voluntário do devedor. Não representa, em
absoluto, uma sanção ou um exortamento
extra ao cumprimento da obrigação.
Da leitura dos dispositivos legais antes
transcritos não se extrai que a CLT tenha,
de alguma forma, previsto uma medida
de coerção indireta semelhante àquela
insculpida no artigo 475-J do Código de
Processo Civil. Tampouco se pode concluir
que ela tenha, de alguma forma, excluído
a possibilidade de aplicação, por analogia,
do referido instrumento. Não se identifica
no tratamento dispensado pelo legislador
aquilo que em doutrina se costuma designar
de “silêncio eloquente”. Aliás imaginar
que tal tenha acontecido é mesmo ignorar
os princípios que informam o processo do
trabalho e que, naturalmente, emergem do
próprio direito positivo. (...)”
Consoante se vê no Acórdão em comento, a coerção foi
defendida como medida de celeridade e em etapa anterior à fase
106
Revista TRT 6 • DOUTRINA
de cumprimento da sentença, sem qualquer manifestação acerca
do prazo previsto para o cumprimento espontâneo da decisão no
CPC ser superior à previsão de pagamento ou de garantia descrita
na CLT, sobre o início da execução de ofício pelo juiz (e não com o
requerimento do credor como mencionado nos fundamentos do voto)
com a determinação de bloqueio de crédito ou acerca da inexistência
de violação ao devido processo legal.
3. CONCLUSÃO
A aplicação da multa do art. 475-J do CPC é incompatível
com o processo do trabalho. A CLT não é omissa quanto à matéria e o
prazo concedido no referido diploma legal é mais exíguo. A execução
no processo trabalhista pode ser iniciada de ofício e a sanção pelo não
cumprimento espontâneo na sentença é a execução imediata, inclusive
com determinação de bloqueio das contas bancárias do executado. A
celeridade deve ser observada com a prolação de sentenças líquidas
pelo Juiz do Trabalho e com a execução de ofício, através de bloqueio
de numerário pelo BACEN JUD. A imposição de penalidade não
prevista na CLT importa em ofensa ao devido processo legal e traduz
exceção, considerando que, por ausência de omissão na CLT e absoluta
incompatibilidade, é impossível a adoção integral do procedimento
previsto no CPC na execução trabalhista.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LEITE , Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito
Processual do Trabalho, 4ª ed., São Paulo: LTr, 2006.
MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz.
Curso de processo civil, vol. 3, Execução, 2ª ed., São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2008.
OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Execução na justiça do
trabalho, 6ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
PRATA, Marcelo Rodrigues. A multa do art. 475-J do CPC e sua
aplicabilidade no processo trabalhista, Revista LTr 72-07/795, julho/2008.
SCHIAVI, Mauro. Novas reflexões sobre a aplicação do art. 475J do CPC ao processo do trabalho à luz da recente jurisprudência do TST,
Revista LTr 72-03/271, março/2008.
107
DOUTRINA • Revista TRT 6
_______________. Cumprimento da sentença trabalhista:
imposição de multa para a obrigação de pagar. CLT, CPC ou ambos? Revista
LTr 74-03/301, março/2010.
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Processo do Trabalho.
Embargos à execução ou impugnação à sentença? (A propósito do art. 475-J,
do CPC), Revista LTR 70-10/1180.
_______. Curso de Direito Processual do Trabalho, vol. III,
Processo de Execução, São Paulo: LTr, 2009.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
D.O.U. de 05/10/1988.
______. Lei n. 6.830/80, de 22 de setembro de 1980. Dispõe
sobre a cobrança judicial da dívida ativa da fazenda pública e dá outras
providências. D.O.U de 24/09/80.
______. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código
de Processo Civil. D.O.U. de 17/01/1973.
______. Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a
Consolidação das Leis do Trabalho. D.O.U. de 09/08/1943.
108
Revista TRT 6 • DOUTRINA
4
AINDA O CONTRATO DE
EXPERIÊNCIA: SUA CESSAÇÃO À
LUZ DOS PRINCÍPIOS DA CONSERVAÇÃO DOS CONTRATOS E
DA BOA-FÉ
Jólia Lucena da Rocha Melo
Juíza do TRT da 21ª Região, mestranda em Direito do
Trabalho e Seguridade Social pela Faculdade de Direito da
USP (FADUSP)
1. Introdução;
2. Um breve retorno à classificação dos contratos trabalhistas;
2.1 Os contratos de experiência: significado, natureza jurídica
e peculiaridade;
3. Os contratos de experiência e a “mutualidade de análises”;
4. Ainda a questão da escolha;
5. “Diferença” entre contratos de experiência e demais
contratos a prazo determinado e o princípio da boa fé: duas
questões fulcrais;
6. Considerações finais;
7. Referências bibliográficas.
Resumo: O texto tem por fito abordar controvérsias
sobre a contratação experimental no direito trabalhista, a
partir dos princípios da conservação contratual e boa-fé,
sobretudo na adoção de motivação quando das dispensas findo
período experimental. Pela natureza jurídica deste contrato
busca-se diferenciar os demais contratos determinados com o
elemento essencial atinente àquele: prova de aptidões técnicas e
comportamento do empregado. Ademais, sustenta-se ausência
de proteção neste tipo, pois pautado em falsa democratização
109
DOUTRINA • Revista TRT 6
e igualdade formal. Tal constatação, contudo, só é válida se
ultrapassar o discurso e ocupar prática positiva nos julgados, na
consideração de que o ser humano não é mercadoria.
Palavras-chave: Experiência – cessação – motivação –
boa-fé – conservação.
1. Introdução
Centrado que o Direito do Trabalho se faz no princípio
da continuidade, é natural que se confira um maior zelo quando do
trato das questões que se voltam aos contratos de trabalho a prazo
indeterminado, o que se observa no tocante à maior segurança que se
confere em face das dispensas unilaterais pela própria Organização
Internacional do Trabalho (Convenção nº 158) e do reflexo deste
tratamento diferenciado também no seio do ordenamento jurídico
pátrio.
A literatura jurídica também não dissente do anotado.
Os escritos sobre a cessação dos contratos de trabalho a prazo
indeterminado superam em número considerável o espaço em que se
encarta o fenômeno de cessação dos contratos a prazo determinado.
É que imaginados em seu ideal, os contratos a prazo
determinado têm a cessação efetivada a partir da satisfação das
condições inicialmente acordadas: atingimento do prazo, feitura da
obra ou da tarefa. Em outras palavras, a cessação idealizada ocorre
de forma normal.
Nesse sentido, anota Délio Maranhão que enquanto o
contrato a prazo determinado, excepcional, se extingue de modo
normal, o contrato a prazo indeterminado, “tem um sentido normal,
que lhe é próprio, de duração, de permanência. Sua execução é
continuada. Seus objetivos não têm limitação temporal, perduram.
A extinção, portanto, do contrato sem prazo é sempre anormal [...]”1.
E não se encontra de todo equivocada a literatura jurídica
neste tocante, até porque em não se perfazendo o contrato a prazo
1 SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA FILHO,
João de Lima. Instituições de direito do trabalho, vol. 1. 19ª ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 562.
110
Revista TRT 6 • DOUTRINA
determinado, modo geral, da forma tal qual acertada quanto ao seu
término, o princípio da conservação dos contratos, exercendo o seu
papel, conduz a transformação do contrato a prazo determinado em
contrato a prazo indeterminado2.
Nesta esteira, entretanto, não se pode olvidar a realidade
um tanto distinta aos contratos de experiência, haja vista apesar de
conduzidos sob a égide de contratos a prazo determinado, possuírem
a característica peculiar de modificação de sua classificação a partir
de dois condicionantes que devem agir simultaneamente: (não)
atingimento das expectativas e atingimento do prazo experimental.
Entretanto, além de não ter sido esta a dicção do direito
positivo aplicável à matéria, a atual situação globalizada vem fazendo
deste tipo contratual campo cada vez mais fértil a precarização dos
contratos de trabalho3.
É mais uma vez nesta arena dos embates do capital e
trabalho que se firma a necessidade de uma atuação mais enérgica
do Direito do Trabalho em sua função precípua de equilibrar tal
relacionamento.
2. Um breve retorno à classificação dos contratos trabalhistas
O princípio da continuidade dos contratos trabalhistas
é inserto como propiciador das classificações diferenciadas dos
contratos. Na lição de Amauri Mascaro Nascimento:
[...] o direito do trabalho conhece
contratos por tempo indeterminado e
contratos a prazo certo, e a diferença entre
ambos está na preexistência ou não de
um termo final ajustado entre as partes
2 Cf. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 22ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 613-622.
3 Cf. ROCHA, Jólia Lucena da. Precarização dos Direitos Trabalhistas: análise critica da
legislação pró-capital. In Revista da ESMAT 13, João Pessoa: ano 2, n° 2, p. 392-428, novembro
2009. ISSN 1983-3830.
111
DOUTRINA • Revista TRT 6
já por ocasião da formação do contrato.
Assim, quando esse termo é estabelecido
pelos contratantes, a relação jurídica é a
prazo certo, e em caso contrário é a tempo
indeterminado4.
Pela via do princípio da continuidade, o contrato por
tempo indeterminado se estabelece como regra nos ordenamentos
jurídicos trabalhistas em geral, sendo, inclusive, o tipo promovido
pela Organização Internacional do Trabalho, consoante se observa no
teor da sua Recomendação nº 166, no sentido de limitar a previsão de
contratos a prazo determinado aos casos em que o ajuste seja motivado
pela essência do trabalho ou pelas condições a serem realizadas ou
em razão dos interesses do trabalhador.
Neste sentido, centra-se o princípio da continuidade como
o primeiro limite imposto à contratação com prazo final estabelecido.
Entretanto, não poderia a Organização Internacional
do Trabalho recomendar, de forma absoluta, a adoção do princípio
da continuidade dos contratos trabalhistas, haja vista a necessária
flexibilidade que deve rondar as normas internacionais, sob pena dos
Estados não se inclinarem ao seu cumprimento, sobretudo, diante da
vertente capitalista excludente que cada vez mais se robustece.
Deste modo, as exceções ao princípio da continuidade
se revestem através dos contratos a prazo determinado, os quais se
identificam, segundo o ordenamento jurídico pátrio, em: a) contrato
a prazo determinado previsto pela CLT – cuja vigência dependa de
termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da
realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada,
desde que: o serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a
predeterminação do prazo, as atividades empresariais sejam de caráter
transitório ou se trate de contrato de experiência (§§ 1º e 2º do art.
433 da CLT); b) contrato a prazo determinado previsto pela Lei nº
9.601/1998; c) contrato de trabalho temporário (Lei nº 6.019/1974); e,
d) contrato de trabalho por obra certa (Lei nº 2.959/1956).
Preconizou o legislador que todos guardam em identidade
o conhecimento, pelas partes, do termo final do contrato (exato ou
4 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit., p. 613.
112
Revista TRT 6 • DOUTRINA
aproximado) já no momento de seu limiar. Contudo, no tocante aos
contratos de experiência, ao assim enquadrá-los, procedeu o legislador
a uma presunção maléfica de inaptidão do trabalhador, conforme se
verifica sequencialmente.
2.1. Os contratos de experiência: Significado,
natureza jurídica e particularidade
São os contratos de experiência, como já se fez anotar,
consubstanciados, pela legislação, como tipo de contrato a prazo
determinado pela legislação, consoante se verifica da dicção do § 1º
do art. 443 da CLT, fato que leva grande parte da literatura jurídica
a tomá-los como contrato de natureza especial por distinto dos
demais contratos a prazo determinado. Neste sentido se posiciona,
exemplificativamente, Alice Monteiro de Barros5.
Outras teorias, além da referente ao contrato especial, são
aventadas quando o assunto é a natureza jurídica dos contratos de
experiência, a exemplo da teoria do contrato preliminar, da teoria do
contrato pendente de condição resolutiva (prazo e avaliação negativa)
e a teoria unitária dos contratos.
Pela teoria do contrato preliminar, o contrato de
experiência se perfaria em contrato anterior a um contrato principal
de emprego que seria realizado posteriormente, o que não coaduna
com a realidade, tendo em vista que pela técnica de conservação
dos contratos (com a transmudação de contrato de experiência em
contrato a prazo indeterminado, de forma única, sem prejuízo do
período anterior).
Contrapondo-se diretamente à teoria do contrato
preliminar apresenta-se a teoria unitária dos contratos, utilizandose justamente em sua argumentação da crítica lançada a teoria
anteriormente anotada. Prega-se, nesta, que o essencial já se encontra
no período de experiência6.
Por fim, há a teoria que vê o contrato de experiência como
contrato de emprego pendente de condição resolutiva, em caso da
5 Cf. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p.
455-456.
6 BARROS, Alice Monteiro de. Op. cit., p. 456.
113
DOUTRINA • Revista TRT 6
experiência se conferir de modo insatisfatório, cuja defesa se encontra
em Octavio Bueno Magano7, o qual nos filiamos.
É que o contrato de experiência, além de se diferençar dos
contratos a prazo indeterminado, diferencia-se também dos demais
tipos de contrato a prazo determinado justamente em um ponto
essencial.
Enquanto os demais contratos a prazo determinado se
enquadram na determinação exata ou aproximada do seu término, os
contratos de experiência têm por essência a potencial determinação
em caso de insucesso da experiência. Esta potencialidade não existe
essencialmente nos demais contratos a prazo determinado, e é
responsável por fazer este diferenciado tipo contratual oscilar entre
os contratos a prazo determinado e a prazo indeterminado, conforme
preconiza o princípio da conservação dos contratos.
É bem verdade que os demais contratos a prazo determinado
podem transmutar-se em contratos a prazo indeterminado em caso
de ilicitudes, o que se observa no não cumprimento do termo final
especificado inicialmente. Entretanto, o que os diferencia do contrato
de experiência é que neste o princípio da conservação não atua ante
a ilicitude, como faz nos anteriores, mas decorre de ato efetivamente
lícito e desejável o sucesso da experiência.
Assim sendo, consubstancia-se o contrato de experiência
como um contrato especial distinto dos demais contratos a prazo
determinado pelo seu traço marcante da tão só potencialidade de
termo final em data prevista inicialmente, marca esta que se imprime
pela essência experimental firmada em seu trato.
3. Os contratos de experiência e “a mutualidade de análises”
Em meio ao princípio da continuidade preconizado no
Direito do Trabalho, em sua função protetiva em relação ao empregado,
é de se mencionar que os contratos de experiência se apresentam como
meras exceções, justificadas pela essência experimental, devendo
ser observado da forma mais consentânea possível com a proteção
7 Cf. MAGANO, Octavio Bueno. Contrato de prazo determinado. São Paulo: Saraiva: 1984,
p. 51.
114
Revista TRT 6 • DOUTRINA
do empregado, pelo que se constata que se costuma assentar que a
experiência é mútua: do empregado e do empregador, vez que de
outra forma fosse (com experiência apenas a favor do empregador)
razão não haveria para a sua concepção diferenciada.
Não são raras, para não dizer excessivas, as abordagens
conceituais dos contratos de experiência que cominam a estes
uma feição de democracia econômico-trabalhista, na qual tanto o
empregador quanto o empregado se examinam, o primeiro quanto a
aptidões técnicas e comportamento do empregado e este quanto às
condições de trabalho8.
Contudo, na relação assimétrica ainda hoje apresentada
no enfoque trabalhista, não se verifica, no plano real, a mutualidade
quanto à mencionada experiência9.
No cotidiano, nunca presenciei fato de que tenha surgido do
empregado a intenção primeira de ser contratado experimentalmente e
não à guisa de contrato a prazo indeterminado. Em que a “opção” pelo
contrato de experiência beneficiaria ao empregado? O que o levaria a
uma tendência pelo tipo diferenciado que o conduziria, certamente,
ao desemprego, em razão de no máximo três meses?
Seria a resposta o fato de que o trabalhador receberia,
ao final dos três meses, em não desejando permanecer, o 13º salário
proporcional que não receberia em caso de pedido de demissão no
contrato a prazo indeterminado e o cumprimento que teria que prestar
quanto ao aviso prévio?
Não parece ser a resposta que mais coaduna com a
realidade, eis que dificilmente um trabalhador ingressaria numa
relação de emprego já pensando em pedir demissão e contabilizando o
que seria melhor: se pôr fim a relação em um contrato de experiência
pelo seu simples atingimento de termo final ou se pôr fim através do
pedido de demissão num contrato a prazo indeterminado.
A situação do empregado, de uma forma geral, será a
mesma em desistindo da continuação de um contrato de experiência
8 Alice Monteiro de Barros, a exemplo, afirma: “O contrato de experiência é modalidade de
ajuste a termo, de curta duração, que propicia às partes um avaliação subjetiva recíproca [...]”.
(sem negritos no original). (BARROS, Alice Monteiro de. Op. cit., p. 455).
9 Cf. ALMEIDA, Milton Vasques Thibau de. O contrato de experiência. In Curso de
Direito do Trabalho – Estudos em memória de Célio Goyatá. Coord. Alice Monteiro de
Barros. v. 1. 2ª ed. São Paulo: LTr, 1994.
115
DOUTRINA • Revista TRT 6
ou de um contrato a prazo indeterminado: deixará de receber os títulos
autorizadores da dispensa pelo empregador. De outra mão, quando é
o empregador que apresenta sua vontade de resilição, num contrato
a prazo indeterminado, terá que arcar com o pagamento dos títulos
autorizadores de mencionada resilição, ao passo que num contrato de
experiência, a própria legislação já traduz a vontade do empregador
como permitida pelo Estado, sem necessidade de qualquer outra
verba autorizadora.
A matemática de custos, neste caso, é mais afeta à empresa,
a qual parece contabilizar o não pagamento de aviso prévio e o não
depósito da multa fundiária, caso simplesmente não queira que
perdure a relação com aquele trabalhador.
Ainda neste âmbito de assimetria da relação empregatícia,
há de se anotar que o empregado, ao se submeter a um contrato nessas
condições, por si só já precarizantes, de saber que será testado por
certo período e que poderá ser descartado ao fim deste, certamente
não se envaidece da sua suposta opção de poder resilir o contrato
caso “as condições de trabalho” não sejam consentâneas ao ansiado.
A resilição por parte do empregado existe a todo e qualquer
momento, qualquer que seja o tipo de contrato. Deste modo, não se
pode, à guisa de demonstrar benefício ao trabalhador, aduzir que
este teria, no prazo do contrato de experiência, tempo para analisar
as condições de trabalho. Este tempo ele tem não só no contrato de
experiência, mas em todo o decorrer de qualquer tipo de contrato.
4. Ainda a questão da escolha
A preocupação trazida pelas dispensas sem justa causa
e arbitrárias, propiciadas pelos empregadores no contrato a prazo
indeterminado, insere-se como uma constante, não só no direito pátrio,
mas em todos os ordenamentos jurídicos, uma vez que tais dispensas
representam a base potencializadora da sujeição do empregado, com
vilipêndio da dignidade da pessoa humana.
É que em se aceitar a resilição unilateral em um
ordenamento jurídico, sem quaisquer motivações, pelo empregador,
agrava-se a desigualdade entre as partes do contrato de emprego. O
empregado se encontra ainda mais vulnerável por, a qualquer tempo,
116
Revista TRT 6 • DOUTRINA
poder adquirir o status de desempregado.
Nos contratos de experiência não há qualquer diferença
nesta perspectiva de vulnerabilidade. Por outro lado, em verdade,
a submissão de um empregado a um contrato de experiência,
apresentado nas condições anteriormente anotadas, se confere em
virtude da sua própria situação de desamparo.
Não se trata de uma questão de escolha, pois o referido
empregado não tem quaisquer condições de nada escolher: ou se
emprega, precariamente, e tenta a sorte de uma continuidade do
vínculo ou continua ao alvedrio do acaso na busca de outras e outras
“oportunidades” de emprego.
Em sintonia perfeita à sorte dos trabalhadores, Amartya
Sen discorre sobre a pobreza como privação de capacidades ao invés
de meramente critério tradicional de identificação de pobreza. E
nesse contexto anota:
Há provas abundantes de que o
desemprego tem efeitos abrangentes além
da perda da renda, como o dano psicológico,
perda da motivação para o trabalho, perda
da habilidade e autoconfiança, aumento
de doenças e morbidez (e até mesmo taxas
de mortalidade), perturbação das relações
familiares e da vida social, intensificação
da exclusão social e acentuação de tensões
raciais e das assimetrias entre os sexos10.
Figurado referido quadro, infrutífero questionar que
opção tem o trabalhador entre escolher por um precário contrato de
experiência e padecer no desemprego.
Memorável a lição de Márcio Túlio Viana: “enquanto
a empresa pode escolher um empregado entre mil, o empregado
só encontra uma empresa, entre mil, que lhe oferece um posto de
10 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta. São
Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 117.
117
DOUTRINA • Revista TRT 6
trabalho. Assim, é ele, e não ela, que está sob sujeição”.11
Em que pese os entendimentos contrários de parte de
expositores da literatura jurídica, o contrato de experiência se presta
tão somente ao empregador que examinará a aptidão técnica e o
comportamento do empregado. No que diz respeito ao possível exame
de condições de trabalho a ser feito pelo empregado, resta sufocado
diante da situação de submissão e de necessidade premente com a
qual se depara o trabalhador.
Neste sentido, questiona-se: quantas vezes se teve notícia
de termos de ajuste de conduta, ações civis públicas, dentre outras,
concernentes ao meio ambiente laboral? Esse questionamento
simplório já é o suficiente para observar o esmaecer de qualquer
exame de condições de trabalho por força do recém-contratado a
título precário. No mais, em desistindo o trabalhador da continuidade
com um contrato a prazo indeterminado em virtude das condições de
trabalho, fato este que dificilmente se concretiza, somente o próprio
empregado será prejudicado ao continuar na cadeia do desemprego,
apenas, mais uma vez, fazendo atingir os objetivos do empregador
quanto ao menor custo na produção.
Urge, assim, resgatarmos o Direito do Trabalho, em sua
essência, e pensarmos tais problemáticas mais pelo lado do ser humano
e de sua exclusão, via técnicas como estas do contrato de experiência
como atualmente tomado, que propriamente pelas compensações
pecuniárias sempre presentes.
Não se deve aceitar o argumento de que através deste tipo
de contrato o empregado examina as condições de trabalho quando
este não está em posição de fazê-lo. Sem possibilidade de escolher,
não há de se falar em escolhas válidas. Trata-se, mais uma vez, de um
artifício de falsa democracia e igualdade formal, em que na realidade
apenas a força do capital serve.
5. “Diferença” entre contratos de experiência
e demais contratos a prazo determinado e o
11 VIANA, Márcio Túlio. Acesso ao emprego e atestado de bons antecedentes. 25.09.2006.
Disponível em: <http: //www.amatra23.org.br/artigos/artigo.asp?cod=3>. Acesso em
02.02.2009.
118
Revista TRT 6 • DOUTRINA
princípio da boa-fé: duas questões fulcrais
Ultrapassando as questões intricadas acerca da experiência
como objeto promotor da escolha do empregado na continuidade da
relação empregatícia, passa-se ao exame de dois espeques basilares
quanto a tais contratos: sua análise sob o prisma da conservação dos
contratos e da boa-fé.
O contrato de experiência, atualmente, longe de se prestar
a seu papel primário, é instrumento de aniquilamento de direitos
trabalhistas, uma vez que se desfaz como mero contrato a prazo
determinado, com o diferencial de se dar por um tempo de no máximo
noventa dias, não poder ser renovado nos mesmos termos e, observese, poder ser produzido em toda e qualquer situação laboral12.
Servisse a seu propósito idealizado, razão não haveria a
criticar a possibilidade dos contratos de experiência poderem se prestar
a todo e qualquer tipo de atividade. Contudo, o legislador parece ter
apenas se preocupado com a motivação no termo a quo do pacto, em
outras palavras, apenas exigiu a motivação para o início do contrato
de experiência, facilitando o empresariado a proceder ao exame
preliminar das atividades de um empregado. De forma intrigante, nada
se buscou com o fito de impedir seu uso indiscriminado na análise
do termo final do pacto, passando-se a entender, em mais uma séria
constatação de concretização das vontades capitalistas, que o simples
exaurimento do termo, diga-se o mero perpassar do prazo determinado
sem qualquer justificativa, sem continuação de labor por parte do
empregado, implica dizer da não satisfação com os serviços deste.
Não se tem a exigência de qualquer constatação da
não serventia da mão-de-obra do indivíduo contratado a título
de experiência. Usando mão de seu histórico poder de mando, o
empregador simplesmente descarta o empregado depois de passado o
12 Distingue-se nesse ponto dos demais contratos a prazo determinado, os quais exigem
alguma particular necessidade de ser o contrato assim firmado, uma vez que a imperiosidade
jurídica é dos contratos contínuos. Observe-se ser a orientação da jurisprudência majoritária
do TST a indistinção das atividades submetidas a este tipo de pacto: “Contrato de experiência.
Caracterização. O contrato de experiência não impõe que a atividade profissional a ser
desenvolvida seja de natureza técnica, especializada. Recurso desprovido” (TST – E-RR4221/90.8 – Ac. SDI – 1462/92. Rel.: Min. José Calixto – DJU 21.08.1990, p. 12.901.
FERRARI, Irany; MARTINS, Melchíades Rodrigues. Julgados trabalhistas selecionados. Vol.
II. São Paulo: LTr, 1993, p. 203).
119
DOUTRINA • Revista TRT 6
prazo de experiência, ao mesmo passo que sem qualquer cerimônia já
passa a um novo contrato de experiência com um segundo empregado,
que fatalmente, no mais das vezes, terá repetido o destino do anterior.
Temos, então, mais uma técnica capitalista de redução de custos e
aumento de lucros, uma vez que o recém-contratado dará sempre
mais que o seu melhor, nos curtos dias que o aguardam, com o sonho
de sua atividade ser bem conceituada no contrato experimental e se
vê ingressando nos quadros empresariais.
É neste ponto que se permeia a questão da boa-fé no
contrato de experiência, enfocando-se tanto na seara coletiva, como
exemplificado, quanto em seara individual.
Além da ausência de normativa específica condizente
ao contrato de experiência, de forma a salvaguardar o trabalhador
submetido a tal condição de incerteza (pois o melhor que fizer não
será ainda suficiente, já que as razões são desconhecidas), se olvida
da utilização do mecanismo tão claro a serviço da dignidade da pessoa
humana e demais direitos fundamentais: o princípio da boa-fé objetiva,
aplicado supletivamente ao direito do trabalho, por autorização
expressa da CLT – art. 8º, parágrafo único.
Entrelaça-se o princípio da boa-fé com a questão de
confiança, devendo se ter por certo que a boa-fé há de ser pressuposto
essencial a todo o contrato, do início ao fim e, inclusive, nos períodos
pré e pós-contratuais. Em lição de Menezes Cordeiro:
Nas suas manifestações
subjectiva e objectiva, a boa-fé está ligada
à confiança: a primeira dá, desta, o momento
essencial; a segunda confere-lhe a base
juspositiva necessária quando, para tanto,
falte uma disposição legal específica. Ambas,
por fim, carreiam as razões sistemáticas
que se realizam na confiança e justificam,
explicando, a sua dignidade jurídica e cuja
projecção transcende o campo civil13.
13 CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil. Coimbra:
Almedina, 2007, p. 1250.
120
Revista TRT 6 • DOUTRINA
Nesse âmbito, a boa-fé deve perdurar do início ao fim do
contrato, sobretudo, no que toca aos pontos centrais do pacto.
Assim, se no limiar do pacto de experiência tem-se por
certo o objetivo contratual (aptidão técnica, comportamento e até
mesmo, para quem insiste em acreditar, análise das condições de
trabalho pelo empregado), ao final do prazo (e não do pacto), exigível
se faz a observação do resultado: as condições de trabalho são
satisfatórias? O empregado possui efetivamente aptidão técnica para
o desempenho das atividades? Possui o empregado algum desvio de
comportamento no que tange ao emprego?
Imprescindível assim, sob a ótica da boa-fé 14, que
o empregado seja informado qual dos requisitos necessários à
continuação do pacto não foi implementado, sob pena de o arbítrio
atuar.
Quem se submete a um exame, qualquer que seja, por
óbvio quer saber não só do seu resultado, mas também como se chegou
até mencionado resultado, seja para melhorar numa oportunidade
futura em uma outra empresa, seja para ter a possibilidade de justificar
eventual equívoco. Em não sendo assim, com pauta na dignidade da
pessoa humana, por não poder ser o homem tratado como mercadoria
e pela boa-fé objetiva que deve circundar não apenas o início do pacto,
há de se entender como abusiva a rescisão operada.
É que os contratos de experiência inspiram, para o
trabalhador, a expectativa de continuidade em caso de êxito na
experiência. Contudo, da forma como se está a fazer, se opera de forma
legitimada pelas interpretações dissonantes ao ferimento de deveres
de informação e, sobretudo, a fórmulas precarizantes da prestação
do trabalho.
Em outras palavras, se a regra é a proteção mediante o
princípio da continuidade, com contrato a prazo indeterminado, e o
fim do Direito do Trabalho é primar pela dignidade do trabalhador: o
contrato de experiência, nos moldes de desnecessidade de justificativa
14 Em interessante e inovadora abordagem, a 2.ª Turma do E. TRT da 9.ª Região dispôs
em aresto: “À semelhança do que se dá nas tratativas preliminares, em que se reconhece a
responsabilidade pré-contratual permeada pelo princípio da boa-fé, também no contrato de
experiência têm as partes o dever de lealdade e a conseqüente responsabilidade da parte
que, depois de suscitar na outra a justa expectativa de celebração de um certo negócio, volta
atrás e desiste de consumar a avença”. (TRT-PR-ROPS 1.234/2002. julgado em 08.04.03. Rel.
Juíza Marlene T. Fuverki Suguimatsu).
121
DOUTRINA • Revista TRT 6
resilitória, é verdadeiro instrumento de vilipêndio aos direitos
trabalhistas, tanto na ordem material como na ordem psíquica,
ao contar com uma verdadeira rejeição se declarada por parte do
empregador, vez que tal pacto se presta a testar o empregado em sua
aptidão técnica e seu comportamento.
O princípio da conservação dos contratos trabalhistas, até
pelo seu teor de função social, é aplicável não apenas em relação aos
contratos indeterminados, mas também em relação aos contratos a
prazo determinado e, inclusive, quanto aos contratos de experiência,
cada qual conforme os seus ditames.
A proteção à dispensa, àquela mesma preconizada com
o intuito mor de salvaguarda a relação de emprego em seu âmago
democrático, como pondera Antônio Álvares da Silva, vincula-se à
noção de continuísmo, “sob o fundamento de que o posto de trabalho,
o emprego, não é apenas o meio de subsistência do empregado, mas
também um ponto de referência fundamental em sua vida, fator de
equilíbrio psicológico e social”15.
Ora, não é porque o contrato já é de certo modo
precarizado, vez que não a ele se aplica a idéia de continuidade em
potencial aplicada aos contratos a prazo indeterminado, que deve ter
afastada toda e qualquer proteção e a idéia de conservação contratual
em seus moldes16.
Somente se faz possível identificar se houve ou não
escorreita finalização do contrato de experiência, e se esta não se
deu de modo fraudulento, se o motivo da não continuidade for
exteriorizado pelo empregador.
A motivação, se por falta de aptidão técnica, se o
comportamento não é consentâneo com o esperado, deve constar
especificamente do momento do término do prazo de experiência,
pois o tão só término deste não deve implicar, à luz dos princípios da
boa-fé e da continuidade dos contratos, a cessação contratual. Serve,
assim, a motivação deste ato como instrumento e pressuposto para a
realização dos ditames do Direito do Trabalho em sua essência.
15 SILVA, Antônio Álvares da. Proteção contra a dispensa na nova Constituição. Belo
Horizonte: Del Rey, 1991, p. 61.
16 Acerca da diferença do princípio da continuidade para o princípio de conservação dos
contratos, cf. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit., p. 613-622.
122
Revista TRT 6 • DOUTRINA
6. Considerações finais
O trabalho não é mercadoria, como em felicidade apregoa
o Tratado de Versalhes, muito embora, no mais das vezes, a legislação
reproduza, disfarçadamente, os anseios capitalistas e, à guisa do
positivismo cego, a magistratura também o faça, em reflexo.
Devem os magistrados, chamando a si a responsabilidade,
e arraigados no espírito constitucional e clarividente de humanismo,
resgatar a função precípua do Direito do Trabalho, onde o homem,
por valer mais que o dinheiro, não pode ser descartado sem quaisquer
justificativas.
O contrato de experiência, por si só, é um verdadeiro ato
atentatório ao princípio da proteção. Adicionado de desnecessidade
de motivação quando do término do prazo firmado, a potencialidade
da precarização se concretiza, passando o empresariado a ter em suas
mãos um instrumento legalizado de descarte do ser humano.
A motivação deve ser sempre exigida, inclusive ao final
dos contratos de experiência. Afigura-se como instrumento hábil a
verificação do princípio da boa-fé e da conservação dos contratos. Sem
aquela, não tem o trabalhador confiança na sua possível continuidade
empregatícia, no seu papel de ser humano e, obviamente, confiança
no Judiciário.
Exigi-la, mais que vinculação a uma determinada linha de
pensamento acerca de natureza jurídica de institutos, é inspirar um
ato de confiança do trabalhador à magistratura, e, numa situação como
a apresentada, quem sabe poderão destemidos, em face da ameaça,
bradar que “ainda existem juízes” por aqui.
7. Referências bibliográficas
ALMEIDA, Milton Vasques Thibau de. O contrato de
experiência. In Curso de Direito do Trabalho – Estudos em memória de Célio
Goyatá. Coord. Alice Monteiro de Barros, vol. 1. 2ª ed. São Paulo: LTr, 1994.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São
Paulo: LTr, 2005.
CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé
no direito civil. Coimbra: Almedina, 2007.
123
DOUTRINA • Revista TRT 6
FERRARI, Irany; MARTINS, Melchíades Rodrigues. Julgados
trabalhistas selecionados. Vol. II. São Paulo: LTr, 1993.
MAGANO, Octavio Bueno. Contrato de prazo determinado. São
Paulo: Saraiva: 1984.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho.
22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
ROCHA, Jólia Lucena da. Precarização dos Direitos Trabalhistas:
análise critica da legislação pró-capital. In Revista da ESMAT 13, João Pessoa:
ano 2, n° 2, p. 392-428, novembro 2009. ISSN 1983-3830.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução
Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
SILVA, Antônio Álvares da. Proteção contra a dispensa na nova
Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 1991.
S Ü S S E K I N D, Ar n a l d o ; MA R A N H ÃO, D é l i o ; V I A N N A ,
Segadas; TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Instituições de direito do
trabalho, vol. 1. 19ª ed. São Paulo: LTr, 2000.
VIANA, Márcio Túlio. Acesso ao emprego e atestado de bons
antecedentes. 25.09.2006. Disponível em: <http: //www.amatra23.org.br/
artigos/artigo.asp?cod=3>. Acesso em 02.02.2009.
124
Revista TRT 6 • DOUTRINA
5
LOS DERECHOS DE LOS
TRABAJADORES AUTÓNOMOS
A LA SEGURIDAD Y SALUD
EN EL TRABAJO EN EL
ESTATUTO ESPAÑOL DE LOS
TRABAJADORES AUTÓNOMOS:
¿EFECTIVAMENTE UN
PROGRESO?
Juliana Cunha Cruz
Advogada, doutoranda em Direito do Trabalho e em
Direitos humanos pela Universidade de Salamanca –
Espanha.
Sumário:
1. Consideraciones primeras;
2. El ámbito subjetivo de aplicación de la LETA;
2.1 Los trabajadores autónomos en general;
2.2 Los trabajadores autónomos económicamente
dependientes;
3. El derecho del trabajador autónomo a la seguridad y salud
en el trabajo;
3.1 Panorama español anterior a la LETA
3.2 Perspectiva de las normativas comunitarias;
3.3 El enfoque dado por la LETA;
4. Consideraciones finales – Bibliografía;
6. Conclusões;
7. Referências
125
DOUTRINA • Revista TRT 6
1. CONSIDERACIONES PRIMERAS
Como bien resalta el preámbulo de la Ley 20/2007 del
Estatuto del Trabajo Autónomo (LETA)1, en el siglo XX la forma
preponderante de trabajo era la dependiente y asalariada, ajena a “los
frutos y a los riesgos de cualquier actividad emprendedora”, así el
trabajo autónomo era restringido y se limitaba a áreas de la actividad
poco lucrativas y de reducida dimensión.
Actualmente, la situación es distinta, en cuanto al número
de trabajadores autónomos, debido a las influencias del avance y
difusión de la informática y las telecomunicaciones y también en
virtud de las propias transformaciones en el proceso productivo, es
cada vez mayor y hoy alcanza sectores de la actividad que tienen alto
valor añadido. Hoy en España hay 2.091.733 trabajadores autónomos2
dados en alta en la seguridad social, lo que demuestra ser, desde
luego, una parcela importante de la población activa española y
consiguientemente desde hace tiempo merecía una atención mayor
por parte de los legisladores.
No se quiere con eso decir que hasta la Ley 20/2007 el
trabajador autónomo se encontraba al margen del ordenamiento, al
revés, “el trabajador autónomo ha sido, de las dos grandes formas de
articular una prestación laboral, el primero en ser objeto de regulación
en el período histórico contemporáneo” 3, además la legislación
1 Hasta el presente momento no fue establecida pacíficamente una sigla para representar
esa ley en los textos jurídicos, como ocurre en el caso del Estatuto de los Trabajadores
(ET). Algunos la llaman LETA, otros LETAU. Lo mismo ocurre con la sigla referente a los
trabajadores autónomos económicamente dependientes que algunos llaman TADE otros
TRADE o hasta incluso TRAUDE. Nosotros utilizaremos en este texto la sigla LETA y TADE
para referirnos respectivamente a la Ley del Estatuto de los Trabajadores Autónomos y a
los trabajadores autónomos dependientes económicamente, utilizando, así, por linealidad,
apenas a la primera letra de cada palabra para formar la sigla. No obstante en las citaciones,
podrá aparecer y ciertamente aparecerán otras siglas por una cuestión de fidelidad al texto
transcrito.
2 Número actualizado hasta 31 de marzo de 2009 y que considera como autónomos
“aquellos trabajadores afiliados a alguno de los regímenes por cuenta propia de la Seguridad
Social y que no están integrados en sociedades mercantiles, cooperativas ni en otras entidades
societarias. También se excluyen los que figuran como colaboradores familiares y los que están
registrados formando parte de algún colectivo especial de trabajadores. (fuente: Ministerio de
Trabajo y Inmigración de España <http://www.mtin.es/es/empleo/economia-soc/autonomos/
estadistica/2009/1trim/PUBLICACION_RESUMEN_RESULTADOS.pdf>.
3 VALDÉS DAL-RÉ, 2007, p. 24.
126
Revista TRT 6 • DOUTRINA
existente había seguido una “lógica sencilla” que es la de la dispersión,
en virtud de la “diversidad normativa a la que han quedado sometidas
las obligaciones de trabajar instrumentadas a través, precisamente, de
una pluralidad de negocios jurídicos”4. Así, fue demasiado importante
la llegada de la LETA para unificar el régimen jurídico del trabajo
autónomo.
Entre las significativas innovaciones traídas por esa ley
podemos destacar la que regula el trabajo autónomo económicamente
dependiente, del cual hace parte un importante colectivo de
trabajadores españoles que, sin embargo desarrollan su actividad de
forma autónoma, tienen una importante y prácticamente exclusiva
dependencia económica de uno de sus contratantes. Por esa situación
de desventaja que este tipo de trabajador presenta ante su contratante,
el legislador, “atento a las consecuencias sociales negativas”5 de una
exclusión absoluta del manto protector del Derecho laboral a esa clase
de trabajadores, optó por una “laboralización parcial de la institución”
6
y extendió a ellos algunos derechos propios de las relaciones
laborales jurídicamente dependientes, como por ejemplo el derecho
a interrupciones justificadas de la actividad laboral (art. 16 LETA).
En lo que se refiere a la protección de la salud y seguridad es
cierto que la política y la legislación de prevención de riesgos laborales
siempre estuvieron vinculadas a la regulación del trabajo asalariado,
sin embargo estos riesgos afectan indistintamente a cualquier persona
que realice una actividad profesional, independientemente de la
naturaleza del vínculo en virtud del cual se realiza un trabajo.7
Asimismo, es indiscutible que los trabajadores autónomos
siempre fueron abordados en esa leyes y políticas de prevención más
como un factor de riesgo a la salud y seguridad de los trabajadores
subordinados que compartiesen con él el mismo centro de trabajo de lo
que como un sujeto digno de protección y eso no era una particularidad
de la legislación Española, pues inclusive en la Directiva Marco
no estaba incluido cualquier derecho a la protección de la salud y
seguridad de los autónomos.
4 Ibidem, p. 24
5 PALOMEQUE LÓPEZ, 2007, p. 13
6 Ibidem, p. 13.
7 Cf. GARCÍA JIMENEZ y MOLINA NAVARRETE, 2008, p. 196.
127
DOUTRINA • Revista TRT 6
Esa mentalidad tenía como base el hecho de que además
de ser dueño de las herramientas y materias primas y del local de
trabajo, es el propio trabajador autónomo quien organiza su trabajo.
Así, no había a quien atribuir al derecho de protección de la salud y
seguridad en el trabajo el deber correlativo de garantizarlo.
Con el aumento relevante de accidentes de trabajo
envolviendo trabajadores autónomos, muchas veces en mayor volumen
de los que ocurrían con trabajadores subordinados, empezó a quedar
cada vez más clara la necesidad de salir del marco reparador de daños
ocurrentes de accidentes de trabajo de los autónomos y pasar hacia un
sistema preventivo. Así, las leyes empezaron a cada vez más a tratar el
tema, no obstante sin deshacerse del perjuicio de tratar al autónomo
más como causante de daños que como merecedor de protección.
Con la edición de un estatuto propio para regular el trabajo
autónomo tenía el legislador una gran oportunidad de cambiar todo
ese pensamiento y partir hacia una protección efectiva de esa clase
de trabajadores. ¿Será que lo hizo? Esa es justamente la pregunta
que pretendemos contestar con ese trabajo, no sin antes estudiar el
ámbito subjetivo de aplicación de la LETA.
2. EL ÁMBITO SUBJETIVO DE APLICACIÓN
DE LA LETA
2.1 LOS TRABAJADORES AUTÓNOMOS
EN GENERAL
Uno de los grandes problemas que enfrentó el legislador
para establecer la delimitación del ámbito de imputación de la LETA
fue la existencia de diversos tipos de trabajos y de trabajadores
autónomos, pues, como bien resaltan GARCÍA JIMÉNEZ y MOLINA
NAVARRETE, el trabajo autónomo “se caracteriza por conocer en la
práctica una extrema diversidad de modalidades que, a su vez, han
ido promoviendo una amplia y variada, también dispersa, gama de
régimen jurídicos de prestación de servicios profesionales en régimen
de autonomía.”8 Es un claro ejemplo el hecho de que no había una
definición universal del trabajador autónomo, sino tantas definiciones
cuantas referencias legislativas, como podemos ver comparando el
8 GARCÍA JIMENEZ y MOLINA NAVARRETE, 2008, p. 54.
128
Revista TRT 6 • DOUTRINA
concepto bastante estricto presente en la ley de riesgos laborales en
contraposición a la definición del trabajador autónomo en la ley de
seguridad social que es muy amplia y flexible.
Así, el legislador tenía dos opciones al editar la LETA, la
primera era trabajar con un concepto preciso y restringido, el cual
excluiría de su ámbito de aplicación una gran parte de este colectivo
de trabajadores, y la segunda era elegir un concepto flexible, amplio,
capaz de abarcar un número mayor de situaciones y de adaptarse a
la realidad presente y futura. Como veremos, el legislador optó por
la segunda opción.9
De acuerdo con el artículo primero de la LETA, son
trabajadores autónomos aquellas “personas físicas que realicen de
forma habitual, personal, directa, por cuenta propia y fuera del ámbito
de dirección y organización de otra persona, una actividad económica
o profesional a título lucrativo, den o no ocupación a trabajadores por
cuenta ajena”.
Tenemos, pues, como primer presupuesto exigido por la
LETA para ser un trabajador autónomo, que además de ser una persona
física, lo que es un dato obvio ya que no habría como considerar una
persona jurídica trabajador autónomo, realice el trabajo de forma
habitual. Aunque de inicio pueda parecer una exigencia sencilla no
lo es, pues se trata de un concepto jurídico indeterminado. Según
GARCÍA JIMENEZ y MOLINA NAVARRETE el mayor problema
está en entre la lectura que se hace de la habitualidad en el lenguaje
ordinario y la que hacen los jueces, veamos:
El problema mayor reside en el salto producido entre
su lectura en el lenguaje ordinario identificado con un criterio
temporal – ejercicio continuado y no ocasional o esporádico, de una
actividad económica -, y la lectura propuesta por Jueces (STS de 29 de
septiembre de 1997) que la identificaran con un criterio económico:
cuantía de la remuneración derivada del ejercicio de la actividad, sin
duda de más fácil verificación – umbral del SMI – pero también más
equívoca.10
Sin embargo, si bien esa cuestión trae influencias en el
encuadramiento practico como autónomo, especialmente en el caso
9 10 Cf. Ibidem, p. 55.
GARCÍA JIMENEZ y MOLINA NAVARRETE, 2008, p. 57-58.
129
DOUTRINA • Revista TRT 6
de concesión de autorización para trabajos a extranjeros o en caso
de trabajadores familiares, la habitualidad no es un factor único y
determinante, aunque importante, para establecer si un trabajador
es o no autónomo, por lo que se puede decir que el legislador optó
correctamente por utilizar un criterio flexible con relación a este
requisito.
El segundo presupuesto caracterizador del trabajo
autónomo es la prestación personal y directa de los servicios. De
pronto, resáltese que eso no tiene nada que ver con el hecho de
que el trabajo del autónomo sea personalísimo y de que él sea
insustituible, al revés, la LETA expresamente admite la posibilidad
de que el autónomo tenga contratados colaboradores para auxiliarlo
en la ejecución de las tareas contratadas cuando al final del artículo
primero usa la expresión “de o no lugar a trabajadores por cuenta
ajena”. Lo que en verdad la LETA exige es que el autónomo sea una
persona física, exceptuando incluso las sociedades de persona, y que
él colabore en la realización de la actividad contratada, porque el
trabajo es algo inherente a las personas y es justo por eso que para
él se exige una especial protección. A ese respeto dijeron GARCÍA
JIMENEZ y MOLINA NAVARRETE:
Para el trabajador por cuenta propia significa que ha de ser
una persona física, descartando toda organización colectiva – incluso
si se trata de <<sociedades profesionales>> -, y comprometer su
esfuerzo en la actividad, esto es, ha de implicar de manera inmediata
sus capacidades y sus energías. Pero eso no quiere decir que no pueda
valerse de colaboradores en el ejercicio de su, sea por vía laboral o
mercantil. (…)
Ahora bien, en este caso bastará con que realice labores
de dirección y gestión de la actividad emprendida (…)
En este sentido debemos insistir en que la dimensión
personal del trabajo es, junto al paradigma del <<contratante
débil>> o desequilibrio de prestaciones, la razón de ser de una tutela
especial y diferenciada a la típica del Derecho Civil.11
La tercera exigencia es que el trabajo se haya desempeñado
por cuenta propia, concepto que también trae muchas divergencias
practicas. Segundo Alonso Olea, podemos entender por trabajo por
11 Ibidem, p. 58-59.
130
Revista TRT 6 • DOUTRINA
cuenta propia aquellos cuyos frutos pertenecen a quien realiza el
trabajo, veamos:
Hemos dejado dicho que la atribución directa e inmediata
de los frutos del trabajo a quien lo ejecuta es definitoria del trabajo
por cuenta propia; dentro de éste puede distinguirse según que el
trabajador titular primero de los frutos sea también (1) quien los
consuma o (2) los venda (los enajene, si se quiere expresión más amplia)
a un tercero-cliente, que a su vez puede ser (2.1) su consumidor o
usuario final, o (2.2) un <<intermediario>> que se encargue de su
venta o de incorporarlo a su propio proceso productivo, comerciante
el primero, industrial el segundo, en la terminología tradicional.12
Ya para Martín Valverde la idea de ajenidad en los frutos no
se sostiene, porque cada vez más es posible verificarse en la práctica
ajenidad sin dependencia, dependencia sin ajenidad y hasta mismo
ajenidad sin remuneración, de modo que “una sola nota o elemento
característico no bastan seguramente para describir esta relación
cardinal en las sociedades contemporáneas en toda la variedad de
sus manifestaciones”13.
En otra dirección encontramos los enseñanzas de Bayón
Chacón que sustituye el criterio de la ajenidad en los frutos y
distingue el trabajo por cuenta propia del por cuenta ajena en virtud
de la ajenidad en los riesgos14, teoría esta que también fue objeto de
innúmerables criticas.15 Rodirguez-Piñero, por su vez, entiende que
la dependencia16 es el criterio fundamental17 y muchas otras teorías
pueden ser verificadas en los textos de los grandes nombres del
escenario jurídico laboral.
No se quiere aquí agotar esa discusión, tampoco llegar a
una conclusión de cual criterio es el más apropiado para verificar en
una situación práctica si el trabajo es por cuenta propia o por cuenta
12 ALONSO OLEA, 2002, p. 75
13 MARTÍN VALVERDE, 1996, p. 421-422.
14 Cf. RODRIGUEZ-PIÑERO, 1966, p. 154.
15 Ver em Ibidem, p. 154-157 y SANGUINETTI RAYMOND, 1987, 35-41.
16 En ese caso la distinción entre trabajador por cuenta propia y por cuenta ajena ya pasaría
a la cuestión establecida en el próximo requisitos, cual sea, el de la independencia jurídicoorganizativa y funcional.
17 Vide RODRIGUEZ-PIÑERO, 1966, p.157-161.
131
DOUTRINA • Revista TRT 6
ajena. Solamente trajimos esos datos para demostrar la complejidad
que existe tras el presupuesto comentado, especialmente si hablamos
de los autónomos económicamente dependientes.18
El próximo requisito para encuadrar a los trabajadores
autónomos es el de la independencia jurídico-organizativa y funcional.
De pronto, se puede ver que el legislador en la LETA utilizó el mismo
criterio de la LET (art. 1.1), aún, en su sentido de negación. “Sin duda
la opción es criticable (…) Su presencia termina ignorando cualquier
relevancia típica al rasgo propio del autónomo, su libertad organizativa
y de gestión, para confundirlo con el trabajo por cuenta propia”19.
Igualmente a la cuestión del trabajo por cuenta propia,
esa suscita muchísimos problemas. El criterio de independencia
jurídico-organizativa y funcional es muy flexible, el propio TS ya se
pronunció en el sentido de que un trabajador puede prestar servicios
por cuenta ajena, sujetarse a las instrucciones técnico organizativas
del contratante, pero aún no ser un empleado en virtud de disponer
de organización propia y de control sobre su tiempo de trabajo, como
es el caso de los agentes mercantiles20.
No obstante todas las cuestiones controvertidas que
existen a cerca del criterio dependencia/independencia, se puede
perfectamente entender que la intención del legislador era de
que se dejase claro que este tipo de trabajo, aunque realizado en
las dependencias del contratante y sin embargo haya determinada
dependencia económica, para ser un trabajo autónomo el prestador del
servicios tiene que mantener determinada libertad técnica y funcional
en el desarrollo de su actividad productiva.21
El siguiente presupuesto exigido por la LETA es el de
que la prestación de servicios tenga carácter oneroso. Así, igual
como se exige en el trabajo subordinado, para que un trabajador sea
considerado autónomo es necesario que desarrolle su actividad con
intención de obtener lucros, de ese modo y utilizando analógicamente
el contenido del artículo 1.3 d) de la LET, se quedan excluidas del
trabajo autónomo las actividades realizadas por benevolencia, amistad,
18 Para superar el problema práctico de constatación de autonomía o dependencia los
Tribunales Españoles suelen utilizar el sistema de indicios de pruebas.
19 GARCÍA JIMENEZ y MOLINA NAVARRETE, 2008, p. 60.
20 STS de 2 de julo de 1996, cf. Ibidem, p. 60.
21 En ese sentido ver GARCÍA JIMENEZ y MOLINA NAVARRETE, 2008, p. 61
132
Revista TRT 6 • DOUTRINA
bien como las relativas al autoconsumo.22
Además, es importante observar que la LETA no constituye
ninguna exigencia de que la actividad autónoma sea única, principal,
o que mantenga el trabajador y su familia, sólo se exige el pago por el
servicio prestado, aunque se haga menester observar que la doctrina
jurisprudencial ya trabajó la idea de habitualidad en razón de la cuantía
de la contraprestación derivada del ejercicio de la actividad (STS 29
de septiembre de 1997).
Aún con relación a la contraprestación es importante
observar que, a priori, el criterio de establecimiento de la
contraprestación no es relevante, pudiendo ser por actividad o por
resultado, así como a tanto alzado o periódica, aún, en el caso de los
TADES la situación es distinta como veremos adelante.
El próximo requisito de configuración del trabajador
autónomo es la voluntariedad jurídica. Para tratar ese requisito,
primero se hace necesario tener en mente que es distinta la no
manifestación de voluntad en el contrato en casos de fraude (falsos
autónomos) con la presión socioeconómica que muchas veces no deja
al trabajador otra elección sino trabajar autónomamente. La primera,
indudablemente retira el carácter de prestación autónoma y puede
generar vinculo de empleo entre las partes si el trabajador acude al
juzgado social, por su vez la segunda no es una fraude en sentido
propio, no hay vicio en la manifestación de voluntad, apenas hay
factores externos a la relación contractual que son determinantes y
que dependen, en general, de la elección de las partes contratantes.
En seguida, es relevante observar que esa manifestación
de voluntad no es exigida únicamente en el acto de contratar, sino en
toda la duración del contrato e incluso en su extinción. Por fin, deja
al legislador el incuestionable hecho de que es posible al trabajador
autónomo pueda añadir a su actividad la condición de empleador, de
modo que “la concurrencia simultánea de la condición de trabajador
autónomo y de empleador es un dato irrelevante a los efectos de la
delimitación del ámbito de la LETAU”23. No obstante, cuando se
trata del trabajador autónomo económicamente dependiente las cosas
cambian, conforme veremos.
También, en el segundo párrafo del artículo 1.1, la LETA
22 En ese sentido ver Ibidem, p. 62.
23 Ibidem, p. 63.
133
DOUTRINA • Revista TRT 6
incluye en su ámbito de aplicación el trabajado realizado por familiares
de autónomos de forma habitual y desde que no tengan la condición
de trabajador por cuenta ajena conforme el establecido en el artículo
1.3 e) de la LET24. Como se ve, la LETA eximió estos trabajadores de
cumplir los requisitos generales anteriormente estudiados, actuando
explícitamente de forma protectora y trayendo una seguridad jurídica,
al menos formal, para ese caso.
Es importante consignar que esos trabajadores familiares
de autónomos siempre se situaron en una “zona gris” del derecho, ora
pareciéndose con un trabajador autónomo, ora con una relación de
empleo, pues el problema principal de este colectivo de trabajadores es
el hecho de que actúan por cuenta propia pero de forma dependiente,
pues “El carácter lucrativo de la actividad es evidente, aunque
ciertamente también se trate de un modo difuso, por cuanto está
claro que aun no percibiendo una remuneración concreta, especifica
por la actividad, el familiar siempre actuará por cuenta propia, y no
ajena, cuando los frutos o resultados de su actividad se destinan al
fondo social o familiar común”25. Y, además, en este caso es común
que la patria potestad actúe como un equivalente funcional del poder
directivo común en los contratos de trabajo. Considerando, pues las
particularidades de ese colectivo de trabajadores, se hacía, realmente,
necesaria una mención del legislador a ese respeto, la cual se completa
con el contenido de la Disp. Adic, 10ª de la LETA.
Asimismo, la LETA expresamente declaró incluidos en su
ámbito de aplicación los siguientes sujetos: los socios industriales de
sociedades regulares colectivas y de sociedades comanditarias; los
comuneros de las comunidades de bienes y los socios de sociedades
civiles irregulares, salvo que su actividad se limite a la mera
administración de los bienes puestos en común; quienes ejerzan
las funciones de dirección y gerencia que conlleva el desempeño
del cargo de consejero o administrador, o presten otros servicios
para una sociedad mercantil capitalista, a título lucrativo y de forma
habitual, personal y directa, cuando posean el control efectivo, directo
24 Art 3. Se excluyen del ámbito regulado por la presente ley: e) Los trabajos familiares,
salvo que se demuestre la condición de asalariados de quienes los llevan a cabo. Se
considerarán familiares, a estos efectos, siempre que convivan con el empresario, el cónyuge,
los descendientes, ascendientes y demás parientes por consanguinidad o afinidad, hasta el
segundo grado inclusive y, en su caso, por adopción.
25 GARCÍA JIMENEZ y MOLINA NAVARRETE, 2008, p. 65.
134
Revista TRT 6 • DOUTRINA
o indirecto de aquélla, en los términos previstos en la disposición
adicional vigésima séptima del texto refundido de la Ley General de la
Seguridad Social aprobado por Real Decreto Legislativo 1/1994, de 20
de junio y los trabajadores autónomos económicamente dependientes.
Considerando que el legislador en esos caso exigió el
cumplimento de todos los requisitos del artículo 1.1, se verifica
claramente que era innecesaria esa declaración, pues aunque no lo
hiciera el legislador ellos estarían protegidos por su contenido.
Por fin, en el artículo 1.2 e) el legislador acrecentó que
también sería aplicado el contenido de la LETA “a cualquier otra
persona que cumpla con los requisitos establecidos en el artículo
1.1 de la presente Ley”, con relación a esa redundancia innecesaria
del legislador, hago mías las palabras de GARCÍA JIMENEZ y
MOLINA NAVARRETE: “A referencia inútil del legislador, silencio
del comentarista.”26
Con eso, pasamos a estudiar el trabajo autónomo
económicamente dependiente, delimitando ahora quien son los sujetos
que ejercen este nuevo tipo de trabajo incluido en el ordenamiento
jurídico por la LETA.
2.2. LOS TRABAJADORES AUTÓNOMOS
ECONÓMICAMENTE DEPENDIENTES
Según el artículo 11 de la LETA son trabajadores
autónomos económicamente dependientes “aquéllos que realizan
una actividad económica o profesional a título lucrativo y de forma
habitual, personal, directa y predominante para una persona física
o jurídica, denominada cliente, del que dependen económicamente
por percibir de él, al menos, el 75 por ciento de sus ingresos por
rendimientos de trabajo y de actividades económicas o profesionales.”
De ese concepto se verifica que además de los requisitos
que se exigen para los autónomos en general el legislador acrecentó
dos elementos, el de que trabaje predominantemente para una persona
física o jurídica, que la ley denominó cliente, y que de ella dependan
por lo menos 75% de sus ingresos por rendimientos de trabajo y de
actividades económicas profesionales, sin embargo en los presupuestos
comunes podemos identificar algunas peculiaridades cuando se trata
26 GARCÍA JIMENEZ y MOLINA NAVARRETE, 2008, p. 70.
135
DOUTRINA • Revista TRT 6
de trabajadores económicamente dependientes, por eso empezaremos
por hacer un comentario acerca de ellas.
La primera observación que se puede hacer es que en el
caso de los TADES el carácter personal y directo del trabajo tiene
un significado más estricto, exigiéndose participación personal del
autónomo en la prestación del trabajo. Eso queda claro en virtud
de la prohibición del legislador de que el TADE tenga a su cargo
trabajadores por cuenta ajena, así como de que él lance mano del
instrumento de contratación o subcontratación de parte o de toda,
la actividad (Art. 11.2 a).
En seguida, con relación a la habitualidad es importante
resaltar que para los TADES además de una cuestión de desempeño
permanente de la actividad económica, también está intrínseca a la
idea de habitualidad, entendida como continuidad de la prestación
de servicios para el cliente de quien se depende, lo que no quiere
decir que se trate de la existencia de un único contrato de prestación
de servicios.
En lo que se refiere a la independencia jurídica, que el
legislador llamó para los autónomos en general de independencia
jurídico-organizativa y funcional, en el caso del TADE es más
importante aún, pues existiendo la dependencia económica, el trazo
principal de su distinción para los trabajadores por cuenta ajena es
justo la ausencia de subordinación jerárquica del TADE a su cliente.
Es verdad también que aunque sea un elemento
importantísimo, la existencia o no de subordinación es más difícil aún
de verificar en el caso de TADES, pues al desempeñar su actividad
estos trabajadores se incorporan a la estructura productiva empresarial
y por eso es inevitable una determinada adecuación de sus actividades
a las reglas empresariales, especialmente cuando hay por atrás una
dependencia económica y consecuentemente un poder de negociar
bastante mitigado. Todavía esa relación jamás puede traspasar los
límites de una coordinación en que se mantenga la libertad de decisión
del TADE en torno de la ejecución de su trabajo, así como el control
organizativo sobre ella.
En virtud de esa línea tenue y para evitar que la
dependencia técnica no se confunda con subordinación jerárquica27
27 “es oportuno recordar que la dependencia económica de este tipo de trabajador
136
Revista TRT 6 • DOUTRINA
el legislador previó expresamente que el TADE debe desarrollar
su actividad con criterios organizativos propios, sin perjuicio de las
indicaciones técnicas que pudiese recibir de su cliente y que no puede
él ejecutar su actividad de manera indiferenciada con los trabajadores
que presten servicios bajo cualquier modalidad de contratación laboral
por cuenta del cliente. (art. 11.2 “b” y “d”).
Asimismo, para que no se utilice el TADE como una forma
de fraude a la relación de empleo la LETA exigió que él disponga
de infraestructura productiva y material propios necesarios para
el ejercicio de la actividad e independientes de los de su cliente,
siempre que dichos instrumentos de trabajo sean relevantes para su
ocupación profesional.
Con relación a la onerosidad del trabajo, diferentemente
de los autónomos en general, la contraprestación por los servicios
realizados por un TADE ha de ser establecida en función del resultado
de su actividad o del cumplimento del servicio contratado y asumiendo
riesgos y venturas de él (art. 11.2 “e”).
Pasando a los requisitos particulares, podemos verificar que
para la LETA el elemento esencial en torno al que gira la concepción
del TADE es la dependencia económica frente a su cliente principal.
Como se percibe en el artículo 11.1, la LETA no exigió que el TADE
prestase servicios de forma exclusiva a un determinado cliente,
sino que tuviera un cliente para el cual prestase servicios de forma
preponderante. Además, estableció como criterio de apuración de
esa preponderancia no el volumen de negocios, sino la dependencia
económica generada en razón de ella, la cual se verifica cuando el
cliente proporciona al trabajador un setenta y cinco por cien de sus
ingresos por rendimientos de trabajo y de actividades económicas o
profesionales.
Sin embargo, presente el cumplimiento de todos los
requisitos anteriormente estudiados, jamás podrán ser clasificados
como TADES28, por expresa determinación de la LETA (art. 11.3),
autónomo provoca que en sus decisiones intervengan significativamente las condiciones
relativas a la realización del encargo recibido. (…) no ocurre una subordinación jerárquica sino
una dependencia técnica entre dicho trabajador y la entidad que es destinataria preeminente
de sus servicios.” (MORATO GARCÍA, 2007, p.91)
28 Resáltese que la restricción es para que sea considerado un autónomo económicamente
dependiente, siendo perfectamente posible, cuando cumplidos los presupuestos, que ellos se
137
DOUTRINA • Revista TRT 6
los titulares de establecimientos o locales comerciales e industriales
y de oficinas y despachos abiertos al público y los profesionales que
ejerzan su profesión conjuntamente con otros en régimen societario
o bajo cualquier otra forma jurídica admitida en derecho.
Por fin, con relación a las tres profesiones referidas en
específico por la LETA hay que mencionar que con relación a los
transportistas con vehículo propio desde que cumplan todos los
requisitos de la disposición tercera de la LETA, podrán perfectamente
ser encuadrados como TADES. En referencia a los agentes de
seguros dice la disposición adicional decimoséptima de la LETA:
“Los contratos celebrados por los agentes de seguros que cumplan
con las condiciones establecidas en el capítulo tercero de la presente
Ley y los supuestos en que dichos agentes quedarían sujetos al
mismo se determinarán reglamentariamente sin afectar, en ningún
caso, su relación mercantil.” Y, por fin, en lo que dice respeto a los
representantes de comercio, la LETA excluye, cuando mantenga una
relación de de dependencia económica con su cliente principal, la
responsabilidad por los riesgos y venturas de sus relaciones de trabajo
con el cliente principal.
Identificados los trabajadores autónomos en general y los
autónomos económicamente dependientes pasaremos a estudiar
como la LETA reguló su derecho a la seguridad y salud en el trabajo,
no sin antes tratar, aunque rápidamente, el panorama legal anterior a
la publicación de este Estatuto.
3. EL DERECHO DEL TRABAJADOR AUTÓNOMO A LA SEGURIDAD Y SALUD EN EL
TRABAJO
Antes de trabajar con los textos legales en que se consagran
el derecho a la seguridad y salud de los trabajadores autónomos en
el trabajo, se hace necesario resaltar la dificultad práctica en aplicar
una norma prevencionista a este grupo de trabajadores por la propia
naturaleza de su relación de trabajo ya que el autónomo funciona
al mismo tiempo en la condición de empresario y obrero.29 Así a
diferencia del trabajador subordinado, no hay nadie a quien se pueda
encuadren en la condición general de trabajadores autónomos.
29 En este sentido ver LOZANO LARES, 2008, p 211.
138
Revista TRT 6 • DOUTRINA
imputar de forma directa la obligación de asegurar la seguridad y
salud del autónomo, sino a él mismo.
Eso todo se torna aún más complejo cuando el autónomo
tiene otros trabajadores a su cargo, pues en este caso, además de ser
el responsable directo por su propia seguridad y salud, él asume el
deber de cumplir todas las obligaciones preventivas para con sus
obreros como cualquier otro empresario.
Hechas esas consideraciones, pasamos a analizar la
protección de la seguridad y salud laboral de los autónomos en la Ley
de Prevención de Riesgos Laborales (LPRL).
3.1 EN LA LEY DE PREVENCIÓN DE RIESGOS LABORALES
Es cierto que el derecho a la seguridad y salud en el
trabajo está relacionado directamente con los bienes jurídicos de la
persona del trabajador relativos a la vida, a la integridad física y moral,
previstos en el artículo 15 de la CE, y el derecho a la protección de
la salud, establecido en el artículo 43.1. Asimismo, aunque parezcan
derechos meramente particulares de la persona y consecuentemente
del trabajador, con la determinación en su art. 40.2 de que es un
deber de los poderes públicos velar por la seguridad e higiene en el
trabajo, el texto constitucional elevó a la categoría de interés general
de la sociedad que el trabajador pueda desempeñar su trabajado en
condiciones dignas y seguras.30
Sin embargo el texto del referido artículo 40.2 hace mención
a un deber del Estado, en él “no se encuentra un reconocimiento
expreso a favor de los trabajadores a disfrutar de una protección
eficaz en materia de seguridad y salud en el trabajo”31. Solamente en
el art. 19.1 del Real Decreto Legislativo 1/1995, que aprobó el Texto
Refundido del Estatuto de los Trabajadores (ET) se vio por primera vez
una referencia expresa ese derecho. Pero, aunque hubiese la previsión,
este derecho no estaba debidamente reglamentado, así en respuesta
a la determinación Constitucional y a los compromisos comunitarios
(Directiva Marco, entre otras) e internacionales (Convenio n. 155 de
30 A ese respeto ver MARTÍN HERNÁNDEZ, 2006, p. 13, 59.
31 Ibidem, p. 59.
139
DOUTRINA • Revista TRT 6
la OIT) fue promulgada en España la ley 31/1995 de Prevención de
Riesgos Laborales (LRPL).32
Según PALOMEQUE LÓPEZ 33, la articulación jurídica
de la protección de la seguridad y salud en el trabajo encomendada a
los poderes públicos por la CE en su art. 40.2 se encuentra sostenida
en cuatro pilares básicos, a saber: el primero es “la formulación
legislativa del derecho subjetivo de los trabajadores a <<una
protección eficaz en materia de seguridad y salud en el trabajo>>
(…) como verdadero soporte del conjunto normativo dispuesto en
este ámbito”34, el segundo es la imposición al empleador de un deber
permanente, general y completo de protección correlativo al derecho
del trabajador, exigiendo por tanto que el empresario utilice cuantas
medidas sean necesarias para alcanzar esa protección eficaz estén
esas legalmente previstas o no. El tercero es el establecimiento del
contenido del deber de protección del empresario, que para el autor
debe ser restringido al marco de las especialidades recogidas, no
estableciéndose en una obligación ilimitada y excesiva como se suele
plantear. Y por fin, el autor apunta como cuarto pilar la ampliación
sucesiva del contenido del deber de protección que alcanza además
del qué, el cómo se deben llevar a cabo las acciones preventivas y
quienes deben participar en la misma, resaltando que él, aunque
ampliado, sigue siendo determinable. 35
Dentro de ese marco de referencia general y considerando
el contenido expreso del artículo 14.1 de la RPLR se puede verificar
claramente que la legislación de protección de seguridad y salud fue
pensada y editada para los trabajadores subordinados, el personal civil
y los funcionarios públicos, incluyendo por excepción los socios de
las cooperativas cuya actividad en ellas sea de prestación de trabajo
personal. (art. 3.1 segundo párrafo LPRL).36
32 Sobre el tema ver Ibidem, p. 8-14.
33 PALOMEQUE LÓPEZ, 2007, p. 20
34 Ibidem, p. 22
35 Cf. Ibidem, p. 23-24.
36 “Esta precisión hay que interpretarla en coordinación con lo dispuesto en la Disp.
Final ET, que (…) establece que la inclusión de los trabajadores autónomos en el ámbito de
aplicación de la normativa laboral resulta excepcional y solo es posible cuando así lo señale
expresamente la propia normativa laboral y en los términos específicos en que dicha normativa
se establezca.” (MARTÍN HERNÁNDEZ, 2006, p. 151)
140
Revista TRT 6 • DOUTRINA
Con relación a los autónomos en general, se verifica que
LPRL no se dedica a tratar de ese colectivo en específico, refiriéndose
al mismo más como un factor de riesgo en el proceso productivo
desarrollado por una empresa de lo que como un destinatario de las
reglas de seguridad. En las palabras de Martínez Barroso, la LPRL
no contempla al trabajador autónomo exactamente como elemento
aislado, ni siquiera como persona que puede correr riesgo a resulta de
su trabajo, al menos en una primera aproximación; lo contempla más
bien como una pieza añadida en el proceso productivo desarrollado
por una empresa y, por tanto, como uno de los eslabones que hay que
atender en ese contexto. No importa, por así decirlo, el trabajador en
si mismo considerado, sino su participación en que puede generar
riesgos laborales para otros y, en especial, para los asalariados
implicados en la actividad empresarial correspondiente.37
En virtud de eso, el legislador se limitó a trabajar la
cuestión de los autónomos en situaciones puntuales. Primeramente,
en el artículo 3.1 LPRL se delimitó el ámbito de aplicación de
esa ley a “los derechos y obligaciones que puedan derivarse a los
trabajadores autónomos” lo que demuestra el ámbito restringido
en que ella debe ser aplicada a ese colectivo de trabajadores, pues
considerando el contenido de la Disposición final primera del ET
que dice expresamente que “el trabajo realizado por cuenta propia no
estará sometido a la legislación laboral, excepto en aquellos aspectos
que por precepto legal se disponga expresamente” se puede concluir
que con excepción de las referencias expresas del legislador, en todos
los demás casos el trabajador autónomo está excluido del régimen de
protección de la LPRL.
Asimismo, en dos casos excepcionales de inclusión del
trabajador autónomo en el ámbito de protección de la LPRL se ve en
común la situación de que el autónomo no solo estará expuesto a los
riesgos que él propio produce en la realización de actividad laboral,
sino a los riesgos producidos por los demás trabajadores que ocupen
el mismo centro de trabajo del cual no es propietario. “Es decir se
trata de supuestos en los que el trabajador autónomo, a consecuencia
del cumplimiento de su actividad por cuenta propia, se va a encontrar
expuesto a una serie de riesgos para su vida, su integridad física y
psíquica y su salud que él por si mismo no está en disposición de
37 MARTÍNEZ BARROSO, 2006b, p. 214
141
DOUTRINA • Revista TRT 6
prevenir.”38
Además, en este mismo supuesto, el trabajador autónomo
expondrá los demás trabajadores que compartan el mismo centro
de trabajo a los riesgos que él mismo produzca en el desarrollo de
su prestación de servicio, por lo que los empresarios de los demás
trabajadores pasan a tener la obligación de proteger sus trabajadores
por cuenta ajena de los riesgos derivados de la presencia del autónomo.
Fue precisamente este doble aspecto emanado de la
presencia de un autónomo en un centro productivo que no sea de su
propiedad que justificó su inclusión en parte en el ámbito protectivo
de la LRPL. Los derechos, el trabajador autónomos los tendrá frente
al empresario titular del centro productivo en que labore, así como
a los demás autónomos y empresarios con los que concurra en el
mismo centro de trabajo y ellos están orientados directamente a la
prevención de los riesgos que le afectan y que no son creados por
él. En contrapartida las obligaciones que les son atribuidas buscan
evitar que los riesgos que produzca afecten los demás autónomos y
los demás trabajadores por cuenta ajena que compartan el mismo
centro de trabajo, viabilizando así que los empresarios de estos
últimos cumplan con su obligación de proporcionarles una protección
realmente eficaz.39
El artículo 24 de la LRPL que establece los derechos
del autónomos en materia de seguridad y salud en el trabajo está
reglamentado por el RD 171/2004 y esto texto legal confiere a ellos una
serie de derechos y obligaciones que podemos resumir básicamente
en torno de una sola palabra, cual sea, cooperación40. Así en ese real
decreto no se transfiere la responsabilidad por la seguridad y salud del
autónomo al titular del centro de trabajo o a los demás empresarios
concurrentes en el sitio de cumplimiento de su trabajo, apenas se
resalta el deber de cooperación que el empresarios principal y todos
38 MARTÍN HERNÁNDEZ, 2006, p. 151
39 Cf. Ibidem, p. 152.
40 Aunque la ley solamente hable expresamente en el deber de cooperar del trabajador
entendemos que las obligaciones del empresario dueño del centro productivo y de los demás
empresarios concurrentes en el lugar de prestación de servicios para con los trabajadores
también se configuran como un deber de cooperación. Pues el autónomo coopera con ellos en
la consecución de la prevención de la seguridad y salud eficaz de sus trabajadores por cuenta
ajena y ellos cooperan con la actividad preventiva de los autónomos que sigue siendo una
responsabilidad suya.
142
Revista TRT 6 • DOUTRINA
los demás empresarios, incluso el autónomo tienen por compartir el
mismo centro de producción.41
Solamente dentro de esa idea de cooperación el Real
Decreto concede al trabajador autónomo derechos como el de que
se le proporcione información necesaria sobre los riesgos que sean
directamente derivados de las condiciones y organización del centro
productivo y además sobre todas las medidas de seguridad adoptadas
para prevenirlos. Así como le confiere obligaciones como la de que el
autónomo coopere participando de la actividad preventiva en lo que
sea necesario para prevenir eficazmente los riesgos laborales derivados
de la concurrencia de todos esos sujetos en un mismo centro de trabajo.
Sin embargo, como sólo alcanzan a los autónomos las reglas
de derecho del trabajo que expresamente se digan, no se puede atribuir
a ellos los derechos conferidos exclusivamente para los trabajadores
encuadrados como tal en el concepto previsto por la LRPL como por
ejemplo el de participación y representación específica mediante
órganos especializados al respecto, el derecho a recibir una formación
sobre esas cuestiones, o el derecho a la vigilancia de su salud, etc.42
Para LOZANO LARES, los autónomos aún se encuentran
implícitamente protegidos por el contenido del art. 41 LPRL donde
se les garantiza el derecho a protección frente a los fabricantes,
importadores y suministradores de maquinaria, equipos, productos y
útiles de trabajo, en el sentido de que estos aseguren que sus artefactos
no constituyan una fuente de peligro para el trabajador, pero aquí el
mismo se encuentra protegido más en calidad de consumidor de lo
que como trabajador.43
Por fin, es importante resaltar que solamente en el sector de
la construcción ya había una mejor reglamentación acerca del derecho
de los autónomos a seguridad y salud en su trabajo, pues considerando
41 Con el intento de robustecer ese deber de cooperación atribuido a los autónomos por
la LPRL (art. 24.5) la LISOS tipificó en su art. 12.13 como infracción administrativa grave
la no adopción de “las medidas de cooperación y coordinación necesarias para protección y
prevención de riesgos laborales”por los empresarios y trabajadores autónomos que desarrollen
actividades en un mismo centro de trabajo, así como tipificó como muy grave esa misma
actitud cuando la actividad desarrollada sea reglamentariamente considerada como peligrosa
o con riesgos especiales. (art. 13.7)
42 A ese respeto ver MARTÍN HERNÁNDEZ, 2006, p.153.
43 Cf. LOZANO LARES, 2008, p.214.
143
DOUTRINA • Revista TRT 6
los altos niveles de siniestralidad en el sector de la construcción para
el cual concurre la masiva presencia de trabajadores autónomos y
asalariados de distintos empresarios trabajando conjuntamente fue
incluido en el Real Decreto 1627/1997 una serie de derechos y de
obligaciones44 exigibles del autónomo en el desarrollar de su actividad
productiva.45
Visto eso, pasaremos a verificar como se trata la protección
del autónomo en relación a su seguridad y salud en el trabajado en el
ámbito de las normativas comunitarias.
3.2 EN EL ÁMBITO COMUNITARIO
Como vimos, en general los autónomos están fuera del
ámbito de protección contra riesgos laborales. Ocurre que eso no
pasa solamente en España, sino en prácticamente todos los Estados
de la Unión Europea. En general no se encontraba siquiera en
las normativas comunitarias una preocupación con esta clase
de trabajadores, lo que es prueba el hecho de que esa clase de
trabajadores fue excluida de toda y cualquier referencia proteccionista
por la Directiva Marco46.
Sin embargo como ya se ha dicho, la importancia del trabajo
autónomo creció y aun crece en gran volumen y justo por la ausencia
de medidas preventivas y formativas el número de accidentes entre
los autónomos también son bastantes y cada vez más significativos.
Así, en 18 de febrero de 2003 el Consejo de la Unión Europea
recomendó que se mejorase en los Estado miembros la protección
de la salud y de la seguridad de los trabajadores por cuenta propia,
incitándoles a fomentar políticas públicas de prevención de accidentes
y enfermedades profesionales, así como a promover la seguridad y
salud de los trabajadores autónomos, considerando sus peculiaridades
y los riesgos especiales existentes en determinados sectores.
44 Obviamente muchos más obligaciones que derechos.
45 A ese respeto ver LOZANO LARES, 2008, p.218.
46 Por eso bien resalta MARTÍN HERNÁNDEZ que “esta inclusión de los trabajadores
autónomos en el ámbito de aplicación de la LRPL, aunque sea parcial y limitada, constituye
una novedad en relación a la Directiva Marco ya que en los arts. 2 y 3 de la misma, relativos
a su ámbito subjetivo de aplicación, solo se recogen entre los sujetos protegidos aquellos que
realicen una prestación materialmente laboral, sea en el ámbito público o en el privado, pero
no a los trabajadores autónomos” (2006, p. 159)
144
Revista TRT 6 • DOUTRINA
Siguiendo esa tendencia, la Directiva 92/57/CEE al tratar
acerca del trabajo realizado en obras de construcciones temporales
o móviles previó la extensión de determinadas reglas relativas a la
utilización de equipos de trabajo y de protección a los trabajadores
autónomos. Igualmente en ese sentido se incluyó en la LETA
disposiciones específicamente relacionadas a la protección de la
salud y seguridad del trabajador autónomo las cuales en seguida
analizaremos.
3.3 EN LA LEY DEL ESTATUTO DEL TRABAJO AUTÓNOMO
Siguiendo la dirección de las actuales estrategias de la
Unión Europea en materia de Seguridad y Salud en el trabajo, la
LETA, a ejemplo del ET, garantizó a los trabajadores autónomos un
derecho individual a la integridad física y a una protección adecuada
de su seguridad y salud en el trabajo, art. 4.3 LETA.
De hecho, esa es una situación novedosa, pues por primera
vez hubo un reconocimiento formal del derecho del autónomo a la
salud y seguridad laboral. Sin embargo, en la práctica, la determinación
legal tropieza una vez más en el dilema de su doble condición de
auto-empleador y auto-empleado.47 Así, a la hora de hablar acerca
de las garantías de efectividad de ese derecho el legislador lo hizo de
forma tímida e inadecuada apenas apuntando normas programáticas
a las administraciones públicas y reiterando los términos de la LPRL
en lo que se refiere a las hipótesis de trabajo en centro productivo
de propiedad ajena al autónomo. Lo que se ve en verdad es más
una intención del legislador de integrar el autónomo en la actividad
preventiva de riegos que garantizar en la práctica esa protección.48
Primeramente, hay que resaltar que la LETA como forma
de poner en práctica ese papel activo ordena en su artículo 8.1 que las
Administraciones Públicas competentes promuevan además de una
formación en prevención específica y adaptada a las peculiaridades
de los trabajadores autónomos49, asesoramiento técnico y vigilancia
47 En ese sentido LOZANO LARES, 2008, p.222-223.
48 En ese sentido GARCÍA JIMENEZ y MOLINA NAVARRETE, 2008, p. 202.
49 Con relación a la importancia de la cuestión preventiva dijo Martínez Barroso: “ Si no se
establecen normativamente los instrumentos necesarios para sensibilizar a los autónomos en
145
DOUTRINA • Revista TRT 6
y control del cumplimiento de las reglas de prevención de riesgos
laborales. Pero así como es verdad que el legislador fue atento al
establecer este mandamiento, es cierto que no instituye medios de
exigibilidad inmediata de esa protección.50
También orientando la función de esfuerzos en el sentido
de reducir la siniestralidad y evitar la aparición de enfermedades
profesionales en los respectivos sectores, la LETA responsabiliza a
las asociaciones representativas de los trabajadores autónomos y las
organizaciones sindicales más representativas a realizar programas
permanentes de información y formación correspondientes a dicho
colectivo promovidos por las Administraciones Públicas competentes
en materia de prevención de riesgos laborales y de reparación de
las consecuencias de los accidentes de trabajo y las enfermedades
profesionales (12ª disposición adicional).
Además, el artículo 8.3 la LETA ratifica los deberes de
cooperación, información e instrucción establecidos en los apartados
1 y 2 del artículo 24 de la LRPL cuando trabajadores autónomos y
trabajadores de otra u otras empresas desarrollen actividades en un
mismo centro de trabajo, así como cuando los trabajadores autónomos
ejecuten su actividad profesional en los locales o centros de trabajo
de las empresas para las que presten servicios. Todavía, como bien
resalta LOZANO LARES es importante frisar?? que el supuesto de
hecho contemplado por el artículo 8.3 de la Ley 20/2007, si bien abarca
lo dispuesto en el artículo 24.1 LPRL, no se corresponde de igual
modo, en cambio, con la descripción fáctica del artículo 24.2 LPRL,
donde no se exige que las empresas concurrentes presten servicios
al empresario titular del centro de trabajo, sino que basta con que
desarrollen actividades en el mismo.(…) 51
Asimismo, el mismo autor observa que el legislador perdió
la oportunidad de imponer el deber de vigilancia establecido en el
artículo 24.3 LPRL a aquellos titulares del centro de producción que
el cumplimiento de las medidas de seguridad haciéndoles ver las consecuencias públicas que
tiene el no hacerlo, difícilmente se va a conseguir una concienciación general de la prevención
de riesgos laborales. Concienciación que no sólo tiene ventajas desde el punto de vista de las
personas sino también de los costes económicos que suponen los accidentes de trabajo y las
enfermedades profesionales.” MARTÍNEZ BARROSO, 2008, p. 138-139.
50 En ese sentido GARCÍA JIMENEZ y MOLINA NAVARRETE, 2008, p. 203.
51 LOZANO LARES, 2008, p.225.
146
Revista TRT 6 • DOUTRINA
contraten con autónomos obras o servicios que no estén directamente
ligados a su propia actividad.52
Con relación al artículo 8.4 LETA, aunque a la primera
vista parezca ser su contenido una repetición de lo ya establecido
por la LPRL, en verdad no lo es, pues el legislador suprime una
laguna existente al establecer un deber in vigilando para la empresa
contratante, ya sea o no a su vez contratista o subcontratista,
que, en cierto modo, la convierte en responsable solidaria de los
incumplimientos del trabajador autónomo, que ve así reforzado su
deber de autoprotección con un derecho de tutela cuyo garante no
es otro que el titular del centro de trabajo.53
Es importante observar que el elemento clave para la
configuración de ese deber de vigilancia no es indispensable que haya
la formalización de un contrato civil o mercantil entre el contratante
y el trabajador autónomo, sino que exista entre ellos una relación
jurídica obligacional en razón de la cual esté el trabajador autónomo
obligado a realizar una obra o servicio.54
Por su vez, el artículo 8.5 LETA obliga los empresarios a
asumir las obligaciones del último párrafo del art. 41.1 LPRL cuando
los autónomos ejecuten su trabajo con maquinaria, equipos, productos,
materias o útiles proporcionados por la empresa para la que ejecutan
su actividad profesional, en local distinto del centro de trabajo de tal
empresa.
Como se nota, trata de una ampliación a los autónomos de
las garantías de protección previstas en la LPRL con exclusividad para
los trabajadores por cuenta ajena, todavía es importante observar que
esa previsión solamente alcanza el derecho a recibir del empresario
toda la información necesaria para que pueda manejar los artefactos
sin la producción de riesgos para su seguridad y salud profesional.55
Ocurre que difícilmente se producirá la circunstancia de
que el trabajador autónomo no esté integrado en el centro de trabajado
de su contratante pero realice sus actividades con instrumentos de
52 Conferir en Ibidem, p.225.
53 Ibidem, 2008, p.226.
54 En ese sentido MARTÍNEZ BARROSO, 2008, 142.
55 Nese sentido LOZANO LARES, 2008, p.227.
147
DOUTRINA • Revista TRT 6
trabajo de propiedad de él, por eso afirma MARTÍNEZ BARROSO,
la obligación en cuestión es una “obligación marginal”56.
Por su vez, el artículo 8.6 LETA prevé una penalidad
para la hipótesis del empresario no cumplir con las obligaciones
determinadas por los apartados 3 a 5 del artículo 8 LETA, que consiste
en indemnizar el autónomo por los daños y perjuicios que sufra siempre
y cuando haya relación causal directa entre tales incumplimientos y
los perjuicios y daños causados. Asimismo, determinó el legislador
que la responsabilidad por el pago de esa indemnización recaerá
directamente sobre el empresario y será concedida con independencia
de que el trabajador autónomo se haya acogido o no a las prestaciones
por contingencias profesionales.
El contenido de ese artículo, según GARCÍA JIMENEZ
y MOLINA NAVARRETE 2008, es “un reflejo legal de una principio
más general hoy y completamente asentado en la práctica judicial:
la empresa que no adopta medidas adecuadas para prevenir un daño
a la salud es plenamente responsable del mismo al margen de cual
sea la conducta del trabajador – STSJ Madrid, Sala Social, de 28 de
mayo de 2007-”.57
Por fin, se encuentra en la LETA (art. 8.7) una autorización
legal para que el autónomo, siempre que se encuentre en situación
de riesgo grave e inminente, cese la prestación de sus servicios y
abandone el lugar de trabajo, lo que desde luego se nota trata de una
garantía similar al ius resistentiae del trabajador subordinado. La
principal consecuencia de esa regla es que el abandono del puesto de
trabajo no puede caracterizar incumplimiento del contrato, tampoco
motivo de interposición de una acción resolutoria del contrato por
parte del contratante (art. 21.1 LRPL). A respeto de esa previsión
legal dijo MARTÍNEZ BARROSO que al pie de la letra esta es una
garantía innecesaria una vez que es totalmente aplicable a la relación
de trabajo autónomo la figura del caso concreto y de la fuerza mayor
“que excusaría con todo fundamento la ejecución del contrato”58, sin
embrago la propia autora reconoce que en virtud de la importancia
del objeto en discusión no se hace excesivo , hasta incluso se aconseja,
56 MARTÍNEZ BARROSO, 2008, 145.
57 GARCÍA JIMENEZ y MOLINA NAVARRETE, 2008, p. 206.
58 MARTÍNEZ BARROSO, 2008, 147.
148
Revista TRT 6 • DOUTRINA
una previsión legal específica al respeto.
4. CONSIDERACIONES FINALES
Considerando lo que fue expuesto se puede concluir que
fue un importante avance para los trabajadores autónomos en general
la edición de la LETA, una vez que unificó el régimen jurídico del
trabajador autónomo y consolidó una serie de derechos importantes
que les garantizaran mejores condiciones de trabajo.
Además, también se puede considerar una conquista la
regulación del trabajo autónomo económicamente dependiente,
por el propio hecho de reconocer su existencia y asegurar derechos
especiales, lo que demuestra la consciencia de su situación de
desventaja frente al denominado cliente principal y la aptitud del
derecho del trabajo de adaptarse a las nuevas realidades sociales y de
acudir a las necesidades de laboralización de determinados institutos
antes completamente alejados de él.
Sin embargo, el texto que se ha editado trae consigo
muchas imprecisiones y previsiones cuestionables, especialmente en
cuanto a los TADES, que merecen, aún más esfuerzos y atención de
los laboralistas. En los textos escritos, que no son muchos, sobre todo
por el corto tiempo de vigencia de la LETA se encuentran posiciones
diametralmente opuestas lo que es inevitable e incluso saludable para
que se hagan todas las reflexiones posibles y se analicen en todas las
repercusiones prácticas que cada uno de los dispositivos de esta ley
pueda traer.
Con relación a la garantía de protección a la seguridad y
salud del trabajador se ve que la LETA no evolucionó cuanto podía
y se mantuvo en la misma línea de pensamiento de que el autónomo
por ser responsable por su propio trabajo es quien en verdad se debe
responsabilizar por su salud y seguridad, apenas aumentando un poco
esa garantía cuando él desarrolla su trabajo en compañía de otros
trabajadores por cuenta ajena en un centro de trabajo que no es de
su propiedad, lo que deja en evidencia que en esos casos se garantiza
una protección mayor más en virtud de los riesgos que puede provocar
de lo que por una cuestión de proteger su propia seguridad y salud.
Por otro lado, es importante observar que la atribución
expresa de un deber a la Administración Pública de actuar activa y
149
DOUTRINA • Revista TRT 6
preventivamente en el sentido de garantizar una protección de la
seguridad y salud laboral del trabajador autónomo fue un importante
avance, el cual terminó por no tener las consecuencias prácticas
necesarias en virtud de su omisión al no establecer claramente las
funciones administrativas del Estado, especialmente las pertinentes
a la delimitación de competencias. De ese modo, sugerimos que
para suprimir esa laguna sean utilizadas subsidiariamente las reglas
correspondientes presentes en la LPRL.
Urge, pues, que el trabajador autónomo, sobremodo
el autónomo económicamente dependiente, sea observado por el
legislador como un trabajador que al desarrollar su trabajo está sujeto
a los mismos riesgos como cualquier otro trabajador y que en una gran
cantidad de casos, él está en verdad integrado al centro productivo
de su contratante de modo permanente, continuado, como cualquier
de los trabajadores por cuenta ajena y que en virtud de eso merecen
ser ampliadas su garantías de efectividad.
Asimismo, obsérvese que el contenido del artículo 40.2 de
la CE no puede encontrar un obstáculo en la naturaleza del vínculo
contractual para que sea efectivo, de modo que las Administraciones
Públicas, considerando el contenido de la legislación vigente, lo que de
momento puede y debe hacer para consagrar en la práctica ese derecho
constitucional de los trabajadores autónomo es poner en práctica las
orientaciones del artículo 8.1 LETA, pues sin duda la prevención es
fundamental y es el primer paso a ser dado en dirección a garantizar
a esa clase de trabajador una protección eficaz en materia de salud y
seguridad en el trabajo.
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VALDÉS DAL-RÉ, Fernando. “Un Estatuto para el trabajo
autónomo.” Documentación Laboral (Ediciones Cinca) III, n. 81 (2007).
151
DOUTRINA • Revista TRT 6
6
AGENTES PÚBLICOS E
RESPECTIVA TUTELA DA HIGIENE, SEGURANÇA E SAÚDE DO
TRABALHO: QUESTÕES DE
COMPETÊNCIA
Bruno Santos Cunha
Advogado e Procurador do Município do Recife.
Sumário:
1. Nota Introdutória;
2. O Judiciário Trabalhista e as repercussões advindas da
Emenda Constitucional n. 45/2004;
3. Os agentes públicos. Amplitude da categoria e as relações
de trabalho e emprego: questões de competência;
4. Tutela dos agentes públicos no que toca à higiene,
segurança e saúde do trabalho: o regime de emprego público e
o regime jurídico-administrativo;
5. Conclusão;
6. Bibliografia
1. NOTA INTRODUTÓRIA
Ainda dentro das repercussões advindas da Emenda
Constitucional n. 45/2004 (Reforma do Judiciário), o presente
estudo pretende analisar figura polêmica e pouco tratada da “nova”
competência do Judiciário Trabalhista. Em específico, o que se busca
é a definição da competência trabalhista, ou não, nos casos envolvendo
julgamento de matéria atinente à tutela da higiene, segurança e saúde
do trabalho de agentes públicos, sejam tais agentes vinculados ao ente
152
Revista TRT 6 • DOUTRINA
público por regime de emprego (celetista), ou jurídico-administrativo
(estatutário).
2. O JUDICIÁRIO TRABALHISTA E AS REPERCUSSÕES ADVINDAS DA EMENDA
CONSTITUCIONAL N. 45/2004
Passados quase seis anos da promulgação da Emenda
Constitucional n. 45/2004, as questões atinentes à competência da
Justiça Laboral ainda são alvo de caloroso e incessante debate, seja
na doutrina, seja na jurisprudência.
De fato – e no bojo da chamada Reforma do Judiciário –,
tal Emenda Constitucional operou inúmeras alterações na estrutura
organizacional do Judiciário Brasileiro, disciplinando de forma
pormenorizada uma nova configuração orgânica em variados ramos do
mesmo, o que implica, como consectário, o surgimento de inúmeras
controvérsias, mormente no campo das parcelas de competência
de cada partição orgânica do aludido Poder e em virtude da criação
de novos institutos e instrumentos jurídico-processuais, no afã da
efetividade e celeridade processual almejadas.
Logo de início – e como bem anotado por respeitada
doutrina1 –, o que salta aos olhos com a nova configuração já falada
– e advinda da já referida manifestação do constituinte derivado
reformador – é o nítido crescimento das demandas a serem dirimidas,
agora, pela Justiça Laboral, eis que a já consolidada disciplina do art.
114 da Constituição Federal foi, talvez, o maior alvo das alterações
concernentes à repartição de competências jurisdicionais.
Desta feita, o que há de se discutir no presente estudo, em
sentido amplo, é a questão da competência do Judiciário Trabalhista
para as lides que envolvem os chamados agentes públicos, para então,
em campo específico, adentrar na temática da tutela da higiene,
segurança e saúde do trabalho em relação a tais espécies de atores,
em um sentido pormenorizado.
1 Veja-se, por exemplo, a seguinte obra, que, com a colaboração de doutrinadores de
escol, bem ressalta as especificidades das alterações ora debatidas: COUTINHO, Grijalbo
Fernandes; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Justiça do trabalho: competência ampliada. São
Paulo: LTr, 2005.
153
DOUTRINA • Revista TRT 6
3 . O S A G E N T E S P Ú B L I CO S . A M P L I T U D E
DA C AT E G O R I A E A S R E L AÇÕ E S D E T R A B A L H O E E M P R E G O : Q U E S TÕ E S D E CO M PETÊNCIA
Inicialmente, antes de adentrar especificamente na questão
inerente às relações trabalhistas – em uma conotação dilatada – e à
respectiva tutela jurisdicional, necessário que se proceda à exposição
sintética acerca da categorização dos agentes públicos, delimitando as
espécies distintas que, concebidas em suas intrínsecas determinações,
compõem o gênero acima aludido.
De plano – e com espeque nas lições de Edmir Netto de
Araújo –, tem-se que agente público pode ser assim considerado:
Com efeito, todo aquele que,
de alguma forma, sob qualquer categoria
ou título jurídico, desempenha função ou
atribuição considerada pelo Poder Público
como a si pertinente, seja em virtude de
relação de trabalho (estatutária ou não), seja
em razão de relação contratual, encargo
público ou qualquer outra forma de função
de natureza pública, será, enquanto a
desempenhar, um agente público.2
No mesmo sentido, a lição de Celso Antônio Bandeira de
Mello, que assim inaugura capítulo de sua obra específico sobre a
temática:
Esta expressão – agentes públicos
– é a mais ampla que se pode conceber
para designar genérica e indistintamente os
sujeitos que servem ao Poder Público como
instrumentos expressivos de sua vontade ou
ação, ainda quando o façam apenas ocasional
2 ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 276.
154
Revista TRT 6 • DOUTRINA
ou episodicamente.3
De qualquer sorte – e descendo à apreciação minuciosa
– tem-se na doutrina administrativista certas discussões quanto às
espécies dos chamados agentes públicos, sendo oportuno, por ora,
adotar uma de tais classificações. Em específico – e com base na
doutrina de Dirley da Cunha Júnior4 –, vislumbram-se as seguintes
espécies de agentes públicos:
AGENTES PÚBLICOS –
espécies:
1)agentespolíticos–subordinandose diretamente à Constituição da Republica,
tais agentes, de certa forma, podem ser
considerados, também, como detentores de
vínculo jurídico-administrativo com o Estado
(estatutários), eis que seu estatuto estaria
fundado na própria norma constitucional de
regência.
2) agentes ou ser vidores
administrativos do Estado, a abranger:
2.1) servidores públicos, que, a
rigor da existência ou não de Regime Jurídico
Único5, poderão ser estatutários (detentores
de cargo público) ou celetistas (ocupantes de
emprego público).
2.2) servidores empregados (ou
empregados públicos, detentores de vínculo
contratual celetista com o Estado – emprego
público).
2.3) servidores temporários –
3 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 18. ed. São
Paulo: Malheiros, 2005. p. 228.
4 Vide: CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de direito administrativo. 8. ed. Salvador:
Juspodium, 2009. p. 255-272.
5 Muito embora escape ao tema ora debatido, vale anotar que a questão do Regime Jurídico
Único decorre do caput do art. 39 da CF/88 e suas ‘alterações’; inicialmente pela EC n. 19/98
e, mais tarde, com a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI n. 2135-4, de 2/8/2007.
155
DOUTRINA • Revista TRT 6
contratados nos termos do art. 37, IX, da CF/88,
naquilo que se costuma mencionar como
regime especial de direito administrativo, a
fim de atender necessidade temporária de
excepcional interesse público.
2.4) servidores militares – também
considerados em um regime jurídico especial
em razão da natureza e peculiaridades de
suas atividades.
3) agentes par ticulares em
colaboração com o Estado – a abranger
todos aqueles que, sem perder a qualidade de
particular, exercem função pública, prestando
atividade ao Estado, sem vínculo, com ou
sem remuneração, ainda que eventualmente.
Resta claro, pois, que a categoria agente público abrange
uma gama diferenciada de espécies de agentes ‘vinculados’ de alguma
forma ao ente estatal. Entrementes, é válido destacar que, no bojo do
presente estudo e ao que ora importa, a diferenciação fundamental
há de ser tida em função da submissão ou não à jurisdição trabalhista,
tendo-se em vista a vinculação existente entre Estado e Agente
Público.
Em tal seara – e ficando adstrito às categorias que ora se
busca confrontar, mormente os ditos servidores públicos e servidores
empregados, na expressão de Dirley da Cunha Júnior –, fácil
vislumbrar que, de há muito, houve a pacificação de uma separação
na competência para julgamento das ações decorrentes dessas
duas espécies de relação Estado x Agente. O que se viu, em breve
síntese, foi a submissão dos detentores de cargo (regime jurídicoadministrativo) à justiça comum (federal ou estadual), enquanto os
ocupantes de emprego público (regime celetista) estariam adstritos
à jurisdição trabalhista.
Nesse ponto, é de se mencionar que a já citada Emenda
Constitucional n. 45/2004 houve por trazer novos caracteres ao
debate, inovando as atribuições do Judiciário Trabalhista, que, em
suma, subsumiu-se, durante muito tempo, às lides decorrentes da
relação ‘empregado e empregador’, na forma originária do art. 114
156
Revista TRT 6 • DOUTRINA
da Constituição Federal de 1988, in verbis:
CF/88 – Art. 114. Compete à
Justiça do Trabalho conciliar e julgar os
dissídios individuais e coletivos entre
trabalhadores e empregadores, abrangidos
os entes de direito público externo e da
administração pública direta e indireta
dos Municípios, do Distrito Federal, dos
Estados e da União, e, na forma da lei, outras
controvérsias decorrentes da relação de
trabalho, bem como os litígios que tenham
origem no cumprimento de suas próprias
sentenças, inclusive coletivas.
Após tal caracterização originária, o que se deu foi a
ampliação de competência com base em alteração do substrato básico
de incidência da jurisdição trabalhista, substituindo-se a relação
‘empregador x empregado’pelo conceito jurídico muito mais amplo de
‘relação de trabalho’, o que, obviamente, houve por trazer repercussão
na seara dos agentes públicos, como se depreende da novel redação
do dispositivo acima transcrito:
CF/88 – Art. 114. Compete à
Justiça do Trabalho processar e julgar:
I – as ações oriundas da relação
de trabalho, abrangidos os entes de direito
público externo e da administração pública
direta e indireta da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios.
De qualquer forma – e baseado no nítido viés ampliativo
da reforma constitucional –, o que há de ser dito é que tal alteração
acirrou os debates quanto à submissão dos agentes públicos, em
termos gerais, à jurisdição trabalhista, sobretudo porque, como já visto,
inúmeras são as formas utilizadas pelo Estado a fim de arregimentar
tais agentes, o que influirá na futura definição do órgão jurisdicional
competente para as lides daí advindas – que, sem dúvidas, estarão
157
DOUTRINA • Revista TRT 6
albergadas dentro do conceito ‘relação de trabalho’.6
De fato, a dúvida surgida diante de tal reforma constitucional
reside no alcance da expressão ‘relação de trabalho’, a abarcar ou não as
lides advindas de agentes públicos de regime jurídico-administrativo,
detentores de cargo público.
Em anotação sintética, vê-se que a celeuma instaurada
quanto à tutela jurisdicional de tais agentes públicos foi dirimida pelo
Supremo Tribunal Federal que, ao interpretar e dar a última palavra
sobre o ordenamento jurídico-constitucional, travou posição no
sentido de que “o disposto no art. 114, I, da Constituição da República,
não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor
que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária”.7
Assim, muito embora pareça-nos finalizada tal celeuma – o
que não é verdade8 –, ainda resta discussão em tal temática, sobretudo
se trouxermos à baila a tutela da higiene, segurança e saúde do
trabalho, naquilo que é concernente aos agentes públicos, conforme
se discutirá a seguir.
4. TUTELA DOS AGENTES PÚBLICOS NO
QUE TOCA À HIGIENE, SEGURANÇA E
SAÚDE DO TR ABALHO: O REGIME DE EM P R E G O P Ú B L I CO E O R E G I M E J U R Í D I CO -ADMINISTRATIVO
Passada a questão inicial da parcela de jurisdição
competente para julgamento dos agentes públicos – sejam detentores
de cargo ou ocupantes de emprego –, é de ver-se que, em atuação
jurisdicional recente, o Supremo Tribunal Federal houve de enfrentar
novamente a matéria, ao menos de forma reflexa, quando do
julgamento de questão afeta à tutela da higiene, segurança e saúde
6 Ainda que se possam vislumbrar notórias discussões quanto à correta extensão do conceito
jurídico de ‘relação de trabalho’ – seja na doutrina, seja na jurisprudência –, vale dizer que
tais escapam ao âmbito deste estudo, que há de subsumir-se à questão dos agentes públicos.
7 Veja-se, para tal, a íntegra da ADI n. 3.395, proposta pela Associação dos Juízes Federais
– AJUFE.
8 Bom anotar, no ponto, que muitos estudiosos de renome – sobretudo do âmbito trabalhista
– ainda travam posição no sentido oposto ao que decidido pelo STF, embora este não seja o
objetivo do presente estudo.
158
Revista TRT 6 • DOUTRINA
do trabalho.
Em específico, é de se dizer que tal matéria situa-se naquilo
que se costuma designar de tutela do meio ambiente do trabalho, a
abranger a higiene, segurança e saúde, cujos fundamentos de proteção
são trazidos, expressamente, na própria Constituição Federal9 e em
legislação infraconstitucional.10
De todo modo – e voltando ao caso submetido ao crivo
do Supremo –, o que se deu foi que, no julgamento da Reclamação
n. 3.303/PI, da Relatoria do Ministro Carlos Britto, se discutiu
novamente a submissão de agentes públicos à jurisdição trabalhista,
mormente naquilo que concerne à já citada higiene, segurança e saúde
do trabalho. Assim, para análise minuciosa da temática, eis trecho
do relatório da presente ação constitucional, salientando resumo do
pleito encartado na mesma.
O nobre Ministério Público do
Trabalho, por sua Procuradoria Regional
da 22ª Região, instaurou Inquérito Civil
Público e, posteriormente, ajuizou Ação Civil
Pública, com pedido de medida liminar, junto
à 2ª Vara Federal do Trabalho de Teresina,
em face do Estado do Piauí, pretendendo
a observância por parte do réu de normas
de saúde, segurança e higiene do trabalho,
no âmbito do Instituto de Medicina Legal
do Estado – IML, setor da Secretaria de
Segurança Pública do Estado do Piauí, órgão
da Administração Direta estadual.
Em sua defesa, o Estado do
Piauí, de logo, argüiu a ilegitimidade do
Ministério Público do Trabalho, uma vez
que suas atribuições visam à proteção de
9 Daí um dos supedâneos constitucionais a ensejar a interferência do Supremo em tais
questões. Veja-se, por oportuno, uma referência expressa ao meio ambiente do trabalho na
Constituição – a par de outras de incidência sistemática e/ou indireta: CF/88 – Art. 200 –
Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: VIII –
colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
10 Cite-se dentre outros, no ponto, a própria CLT, em seu Título II – Das Normas Gerais de
Tutela do Trabalho, Capítulo V – Da Segurança e Medicina do Trabalho.
159
DOUTRINA • Revista TRT 6
direitos pertinentes às relações de emprego,
em face de violação às normas celetistas, o
que não ocorre no presente caso. Alegou,
ainda, a incompetência absoluta da Justiça
do Trabalho, em face do disposto no art. 114
da Constituição Federal, tendo em vista que
o objeto da referida ação se referia à suposta
violação de normas de saúde, segurança e
higiene do trabalho em órgão da Administração
Direta do Estado, que tem seus funcionários
submetidos a regras de estatuto próprio de
ordem administrativa e não celetistas. Em
outras palavras, inexiste relação de emprego
que justifique a competência daquela justiça
especializada.
Não obstante toda argumentação
desenvolvida nos referidos autos pelo Estado
do Piauí, a douta Vara Federal do Trabalho
reconheceu legitimidade ao Ministério
Público do Trabalho para mover a referida
ação, bem como se considerou competente
para apreciar e julgar o presente.11
Logo após tal introdução, o Ministro Relator
vislumbrou que os agentes públicos em questão – lotados no IML
do Estado do Piauí – não detinham com o referido Estado uma
vinculação de caráter estatutário, cravando nesse ponto – e ao menos
como recurso para sua fundamentação para não acolher a Reclamação
– a possibilidade de serem jurisdicionados pela Justiça Laboral no
presente caso.
O que se vê, pois, é que no julgamento da citada Reclamação
o STF houve por decidir que não houve afronta à competência por ele
definida para o julgamento das relações advindas de agentes públicos
estatutários (detentores de cargo público), mormente em cima de dois
grandes conjuntos de argumentos, trazidos pelo Ministro Relator: 1)
não haveria afronta à competência trabalhista, porquanto a ação civil
11 STF – Reclamação n. 3.303/PI.
160
Revista TRT 6 • DOUTRINA
pública tinha como objeto exigir o cumprimento, pelo Poder Público
Piauiense, das normas trabalhistas relativas à higiene, segurança e
saúde dos trabalhadores; 2) as relações jurídicas mantidas entre os
trabalhadores do Instituto Médico legal piauiense e o Estado não
detinham caráter estatutário.
E tal foi assim, porque a estreita via da Reclamação enseja
apenas o cotejo entre a decisão em controle de constitucionalidade
(in casu, a ADI 3.395) e aquilo que alegado pelo Reclamante; desta
feita, ou se respeitou a decisão provinda da jurisdição constitucional,
ou não. No caso específico, teve-se que a mesma foi respeitada, eis
que não se discutia na Ação Civil Pública originária intentada pelo
Ministério Público do Trabalho a natureza do vínculo existente entre
os agentes e o Estado do Piauí.
Assim, muito embora a saída dada pelo Tribunal tenha
sido ligada ao processo constitucional da Reclamação e seu objeto,
importa notar que, nos debates havidos naquela Corte Suprema, fora
ao menos cogitada e ventilada a questão que ora se defende, qual seja:
a competência do Judiciário Trabalhista para o deslinde das questões
afetas à higiene, segurança e saúde do Trabalho, tanto de servidores
estatutários como de celetistas, sobretudo porque em tais ações não
se discute nada relacionado ao vínculo havido, mas sim às condições
de trabalho, em sentido lato. Há de ser seguida, pois – e para todos
agentes públicos –, a orientação dada na Súmula n. 736 do Supremo
Tribunal Federal:
Súmula 736, STF – Compete à
Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham
como causa de pedir o descumprimento de
normas relativas à segurança, higiene e saúde
dos trabalhadores.
Corroborando com tal entendimento, basta notar que, para
os servidores detentores de cargo público (estatutários), a Constituição
da República, em seu art. 39, §3º, traz a incidência do art. 7º, XXII,
também constitucional, no seguinte sentido:
CF/88 – Art. 39, § 3º Aplica-se
aos servidores ocupantes de cargo público
o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII,
161
DOUTRINA • Revista TRT 6
XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII
e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos
diferenciados de admissão quando a natureza
do cargo o exigir.
CF/88 – Art. 7º. São direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, além de
outros que visem à melhoria de sua condição
social:
XX I I - re d u ç ã o d o s r i s c o s
inerentes ao trabalho, por meio de normas
de saúde, higiene e segurança;
Resta clara, desta feita, a necessária tutela do meio ambiente
do trabalho de tais agentes públicos, não obstante serem, in casu,
classificados como estatutários ou não. Em adição, é de ver-se que os
Ministros da Corte Suprema, ainda que em obiter dictum, anotam uma
pretensa possibilidade de que o Ministério Público tutele, na Justiça
Laboral, as condições do meio ambiente do trabalho, a despeito do
vínculo havido entre agente público e Estado, principalmente com
espeque nas atribuições e funções institucionais do órgão ministerial
afetas à defesa da ordem jurídica, em sentido amplíssimo: vide art.
129, II, da CF/88:
Art. 129. São funções institucionais
do Ministério Público:
II - zelar pelo efetivo respeito
dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados
nesta Constituição, promovendo as medidas
necessárias a sua garantia;
Vejamos, por elucidativo, trecho dos debates travados
na Corte quando do julgamento da precitada ação constitucional, a
registrar e apontar tendência que, no presente estudo, entendemos
salutar para o fiel desenvolvimento da ampla proteção ao trabalhador
– e da sua dignidade, por óbvio –, de notório cunho constitucional
e que, ademais, por sua longínqua especialização, não pode ser
subtraída da competência trabalhista, a despeito da natureza do
162
Revista TRT 6 • DOUTRINA
vínculo eventualmente existente entre agentes públicos e Estado12:
O SENHOR MINISTRO CELSO
DE MELLO: Há um aspecto interessante:
como se cuida de uma ação civil pública, o
próprio Ministério Público do Trabalho, que
a promove (e interveio nesse processo como
interessado), destaca a inocorrência de ofensa
à nossa decisão proferida na ADI 3.395/DF,
ao salientar que a Súmula 736/STF reconhece
a competência da Justiça do Trabalho para
julgar ações – como esta – “que tenham como
causa de pedir o descumprimento de normas
trabalhistas relativas à segurança, higiene e
saúde dos trabalhadores” (fls. 185).
Obser vou-se, ainda, que os
trabalhadores do IML não têm vínculo
estatutário nem estão submetidos a regime
especial. Quer dizer, trata-se, no caso, de
uma decisão judicial, proferida em sede de
ação civil pública ajuizada pelo Ministério
Público do Trabalho, contra determinada
entidade estatal, em decorrência de suposto
descumprimento, pelo Poder Público local,
de normas de saúde, de higiene e de
segurança do trabalho. Descumprimento que,
alegadamente, ocorreria no âmbito de uma
determinada autarquia estadual ou mesmo
no de um órgão da administração pública
centralizada.
O fato é que essa “causa petendi”
estaria a sugerir, longe de qualquer debate
sobre a natureza do vínculo (se laboral, ou
não, se de caráter estatutário, ou não), que se
12 De qualquer sorte, nem se mencionam, por ora, as correntes doutrinárias – já aludidas
alhures – que trazem uma expressão notadamente ampliativa da jurisdição trabalhista, com
espeque na interpretação do conceito jurídico de ‘relação de trabalho’ disposto no art. 114, I,
da CF/88, mas tão somente a questão da tutela da higiene, segurança e saúde do trabalho, a
quem quer que seja.
163
DOUTRINA • Revista TRT 6
pretende, na realidade, e numa perspectiva
de pura metaindividualidade, provocada
pela iniciativa do Ministério Público, saber
se normas referentes à higiene e à saúde do
trabalho estariam sendo observadas, ou não,
por determinado ente público.
O EXCELENTÍSSIMO
SENHOR MINISTRO MENEZES
DIREITO: Exatamente por esse aspecto o
Relator não enfrentou a questão do vínculo.
Examina-se, na realidade, apenas a justiça
competente para julgar uma ação civil pública
relativa à higiene do trabalho.
O SENHOR MINISTRO
CARLOS BRIT TO (RELATOR): Que seria
a Justiça do Trabalho.
O EXCELENTÍSSIMO
SENHOR MINISTRO MENEZES
DIREITO: Nesse sentido, o precedente
não foi violentado, por isso a reclamação é
julgada improcedente.13
5. CONCLUSÃO
Bem de ver, ante o exposto, que as expressões acima
fomentam e reiteram o posicionamento aqui explanado e defendido,
tendo-se como possível – e até recomendável – a incidência da
jurisdição trabalhista aos agentes públicos em casos que tais; seja
pela notória especialização da qual se reveste o Judiciário Trabalhista
(e seus próprios agentes) para as lides que versam sobre a tutela do
meio ambiente do trabalho, seja – e ora com muito mais peso – pelo
fato de que tais lides prescindem da verificação do vínculo havido
entre o agente e o Estado, eis que a proteção é direcionada ao meio
ambiente do trabalho – de estatura constitucional –, como legítimo
13 STF
�����������������������������
– Reclamação n. 3.303/PI.
164
Revista TRT 6 • DOUTRINA
bem jurídico a ser tutelado.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. 5.
ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito
administrativo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
BARRO, Alice Monteiro. Curso de direito do trabalho. 2. ed.
São Paulo: LTr, 2006.
CAIRO JÚNIOR, José. Curso de direito do trabalho: direito
individual e direito coletivo do trabalho. 4. ed. Salvador: Juspodium, 2009.
COUTINHO, Grijalbo Fernandes; FAVA, Marcos Neves
(Coord.). Justiça do trabalho: competência ampliada. São Paulo: LTr, 2005.
CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de direito administrativo. 8.
ed. Salvador: Juspodium, 2009.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21. ed. São Paulo:
Atlas, 2005.
SARAIVA, Renato. Curso de direito processual do trabalho. 7.
ed. São Paulo: Método, 2010.
165
DOUTRINA • Revista TRT 6
7
REFLEXOS DA INADMISSIBILIDADE DOS EMBARGOS
DECLARATÓRIOS NO PRAZO
DO RECURSO ORDINÁRIO
José Geraldo da Fonseca
Desembargador Federal do Trabalho do TRT da 1ª Região
- Rio de Janeiro
Sumário:
1. Introdução;
2. Etimologia e Origem Histórica dos Embargos Declaratórios;
3. Quem pode embargar;
4. Natureza Jurídica dos Embargos Declaratórios;
5. Efeitos dos Embargos Declaratórios;
6. Reflexos da Inadmissibilidade dos Embargos Declaratórios
no Prazo do Recurso Ordinário
1. Introdução
Nada é mais difícil de enxergar do que o óbvio. Talvez
por isso se dispense aos embargos declaratórios tão pouca atenção
doutrinária. A banalização do seu uso é tanta que os juízes, de regra,
recebem sua interposição não como uma oportunidade rara de aclarar
a decisão com novos subsídios para que a jurisdição se complete, mas
como postergação, ou uma reprimenda velada, uma espécie de puxão
de orelhas pela contradição interna do julgado, pela dicção capenga
ou por se ter deslembrado de examinar ponto litigioso sobre o qual
se reclamou um expresso juízo de valor.
Embora a lei diga que embargos são recursos, nem mesmo
isso é pacífico entre os doutores. Objeta-se, com razões de sobra, que
166
Revista TRT 6 • DOUTRINA
o fato de, por opção legislativa, estarem topograficamente localizados
no capítulo dos recursos, não os faz recursos, porque daqueles não
têm os pressupostos mínimos.
Dos efeitos naturais da interposição dos embargos
declaratórios, um, em especial, merece dobrada reflexão pelas
consequências que traz ao devido processo legal: a interrupção do
prazo para a interposição do recurso subseqüente. Alguns juízes
trabalhistas têm emprestado aos embargos declaratórios interpostos
contra sentenças e acórdãos um tipo de efeito que eles não têm, ou
lhes negado efeito que efetivamente têm. Esses juízes sustentam
que os embargos de declaração não conhecidos por falta de um ou
mais requisitos intrínsecos ou extrínsecos de admissibilidade não
interrompem o prazo para a interposição do apelo subseqüente — no
caso do processo do trabalho, o recurso ordinário de que trata o art. da
CLT —, e, fiando-se nisso, denegam seguimento ao recurso interposto
após a intimação da sentença que julga os embargos.
Até que ponto isso é correto?
É disso que este estudo trata.
2. Etimologia e Origem Histórica dos Embargos Declaratórios
“Embargo” provém do verbo latino imbarricare, que
significa prender a barra, embaraçar, estorvar, opor obstáculo1.
Embargar é impedir que a decisão judicial passe de logo em julgado e
cumpra a sua finalidade essencial. De raízes romanas2, os declaratórios
chegaram até nós por mãos portuguesas, previstos, inicialmente, nas
três Ordenações reinóis3 e, depois, nos arts. 641 a 643 do Regulamento
nº 737, de 1.850, e na Consolidação Ribas. Posteriormente, foram
disciplinados nos arts. 682, 683 e 687 do D.nº 3.083, de 5 de novembro
de 1858 e, por último, no art.683 do D.nº 3.084, de 1898, já então com
o perfil mais próximo ao do que temos hoje. A Constituição de 1891
1 BORGES, Marcos Afonso. Embargos infringentes. Ed. Saraiva, SP, 1992, p.15.
2 A origem romana dos embargos declaratórios não é aceita por Manoel Antonio Teixeira
Filho, Sistema dos Recursos Trabalhistas, Ed. LTr, SP,5ª edição, 1991,p.309 nem por Sérgio
Pinto Martins, Direito Processual do Trabalho, Ed.Atlas, SP., 23ª edição, p.485.
3 Nas Afonsinas, Livro II, t.69,§4º; nas Filipinas, Livro II, t.66,§6º; e nas Manuelinas, Livro
II, t.50,§5º.
167
DOUTRINA • Revista TRT 6
permitia aos Estados-membros legislarem sobre direito processual e,
por conta disso, os embargos declaratórios tiveram disciplina díspar
nos diversos Códigos estaduais, dentre esses o do Rio Grande do Sul4;
o da Bahia5; o de Minas Gerais6; o do Distrito Federal7; o de São Paulo8;
o do Rio de Janeiro9; o de Pernambuco10; o de Santa Catarina11; o do
Ceará12 e o do Paraná13.
A Constituição de 1934 reservou à União competência
exclusiva para legislar sobre direito processual e, a partir daí, editou-se
o DL nº 1608, de 18/11/39, que instituiu o primeiro código unitário
de direito processual, revogado, em 11/1/73, pela L. nº 5.869, que
instituiu o Código de Processo Civil e passou a regular os embargos
declaratórios nos arts. 463,II, 464, 465 e 535 a 538, segundo sejam
interpostos contra sentença ou acórdão.
Até a edição da L. nº 2.244, de 23/6/54, a CLT era omissa
sobre embargos. Com a nova redação do art.702, II, letra “e” e §2º,
letra “d”, os embargos passaram a ser admitidos contra acórdãos do
Tribunal Pleno ou das Turmas do TST. Atualmente, sua previsão está no
art.897-A da CLT. Nos embargos declaratórios não se quer que o juiz
redecida, mas que reexprima14, para que somente então a prestação
jurisdicional seja completa, ainda que, do ponto de vista da parte, não
inteiramente satisfatória. Nessa medida, ainda que com nítida natureza
integrativa15, concorrem para a efetivação do due process of law16.
4 L.nº15, de 16/1/1908, art.510.
5 L. nº 1.271, de 21/8/1915, arts.1239 a 1241.
6 Código de Processo Civil e Comercial, arts.1439 a 1441.
7 Decreto nº 16.752, de 31/12/1924.
8 L. nº 2421, de 15/1/1930, art.335.
9 L. nº 1.580, de 20/1/1919, art.2333.
10 Arts.1434 a 1438.
11 Código Judiciário de Santa Catarina, art.1385.
12 Art.1401.
13 L. nº 915, de 23/2/1920, arts. 697 e 756.
14 PIMENTEL, Wellington Moreira. Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo,
RT, 2ª edição, vol.III, p.531.
15 CPC, arts.463 e 535
16 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Omissão judicial e Embargos de Declaração. Ed. RT,
168
Revista TRT 6 • DOUTRINA
3. Quem pode embargar
Podem interpor embargos declaratórios todos quantos,
de modo direto ou indireto, possam ser alcançados pelos efeitos da
decisão17. O prazo de interposição, antes de 48h contra sentenças18,
e de cinco dias contra acórdãos19, é de 5 dias contra aquelas e
estes20, interponíveis contra sentenças terminativas ou definitivas,
decisões, em sentido lato ― por expressa autorização da Orientação
Jurisprudencial nº 74 da SBDI-II do C. TST, até mesmo contra
“despacho monocrático”, em rigor decisões monocráticas, que não
são, tecnicamente, sentenças ― e acórdãos, não com a natureza de
recurso, mas de meio de esclarecimento do julgado, simples incidente
processual cujo objetivo é o aperfeiçoamento da decisão21. É pobre
de fundamentos a tese de que o Ministério Público e as entidades
referidas no DL nº 779/69 dispõem de prazo dobrado para embargos22.
Esse privilégio não está nos arts. 897-A da CLT e 536 do CPC, não
bastasse pesar contra tal tese a evidência de que embargos não são
recursos23.
4. Natureza Jurídica dos Embargos Declaratórios
Não há consenso na doutrina sobre a natureza jurídica
São Paulo, 2005, p.18.
17 CPC,art.499: Partes, o assistente, simples ou litisconsorcial, o perito, o Ministério Público
etc.
18 ��������������
CPC, art.465.
19 ��������������
CPC, art.536.
20 ������������������������������
CLT,art.897-A e CPC, art.536.
21 MARTINS, Sérgio Pinto, Direito Processual do Trabalho, Atlas,SP.,23ª Ed.,2005,p.486.
22 MARTINS, Sérgio Pinto, op.cit.,p.490.
23 DIDIER JR, Fredie; DA CUNHA, Leonardo José Carneiro, op.cit.,p.200, dizem: “Em
se tatando de parte representada por defensor público, o prazo será contado em dobro, pois o
defensor público dispõe dessa prerrogativa de prazos em dobro(L.nº 1.060/50,art.5º, §5º). O
Ministério Público e a Fazenda Pública dispõem igualmente de prazo em dobro para a oposição
dos embargos declaratórios(CPC,art.198). Havendo litisconsorte com procuradores diferentes,
o prazo para opor embargos declaratórios também deve ser computado em dobro”.
169
DOUTRINA • Revista TRT 6
dos embargos de declaração24. Por opção legislativa, são recurso25.
Conceitualmente, não o são. É preciso separar o joio. Com essa
natureza ― recurso ―, não há instituto semelhante no direito
comparado26, e até mesmo a legislação portuguesa, que nos serviu
de semente, não mais lhes empresta tal27. A presença dos embargos
declaratórios no sistema recursal parece ter como fundamento a
garantia constitucional de que aquele que se socorre do Judiciário tem
o direito de ver a sua questão decidida de modo claro, fundamentado
e justo.
“Recurso” provém de recursus, de recurrere, que significa
retorno, regresso, caminho de volta, retroação, refluição. O sentido é
daquilo que tem o curso ao contrário, aquilo que regressa ao ponto
de partida, que retoma ― re ― o seu curso ― cursus―, o seu
caminho28. Por embargos não se pede modificação do julgado, ou
sua substituição, mas esclarecimentos. São meio posto ao alcance da
parte para pedir ao juiz que torne clara a decisão. Todo recurso tem
princípios e pressupostos que precisam ser de antemão satisfeitos,
e que, por certo, não estão presentes nos embargos de declaração29,
por isso o dissenso sobre a sua natureza jurídica. Em sentido
amplo, recurso é o remédio jurídico adequado para que o vencido,
total ou parcialmente, possa obter, dentro do mesmo processo, a
reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da prestação
jurisdicional consubstanciada na sentença ou no acórdão. É o meio
processual estipulado pelo legislador para permitir à parte o reexame
de determinada decisão e obter a sua anulação, reforma total ou
parcial, ou a sua substituição30. Está implícita na expressão recurso
a idéia de que a situação que se quer corrigir por meio dele fugiu
24 VALENTIM CARRION, Comentários à CLT, Ed. Saraiva, SP, 2002,23ª ed, p.742 e
SÉRGIO PINTO MARTINS,op.cit.,p.486 não reconhecem natureza recursal aos embargos.
25 L.nº. 8.950/94.
26 MAZZEI, Rodrigo Reis. Embargos de Declaração in Dos Recursos ― Temas Obrigatórios
e Atuais, v. II, publicação do Instituto Capixaba de Estudos, Vitória,ES, 2002, p.287.
27 MAZZEI, Rodrigo Reis, op.cit., p.288.
28 MARTINS, Sérgio Pinto,op. cit, p.398.
29 Assim, por exemplo, o duplo grau de jurisdição, o preparo, a sucumbência, a voluntariedade,
a dialeticidade, a complementariedade, a non reformatio in pejus, a consumação, o “tantum
devolutum quantum appellatum”, entre outros.
30 MARTINS, Sérgio Pinto, op.cit.,p.389.
170
Revista TRT 6 • DOUTRINA
à sua destinação natural. Se a L. nº 8.950/94 pôs fim à controvérsia
sobre sua natureza jurídica e os apelidou recurso31, o que, de resto, já
estava no art.496 do CPC, com a redação da L. nº 8.038/90, o conforto
de se achar que algo é porque alguém ou alguma coisa diz que é
tem o incômodo de esconder a essência das coisas, e dar primazia
ao nome em vez do conceito. A natureza recursal dos embargos é
atípica, anômala, restrita, porque não têm a mesma finalidade dos
demais recursos previstos do art.496 do CPC, ou dos admitidos
em leis extravagantes, ad esempio os do art.34 da L. nº 6.830/8032
e os do art.42 da L. nº 9.099/9533. Seriam, se tanto, “recursos de
fundamentação vinculada”, na medida em que aquele que embarga
somente pode fazê-lo nas hipóteses expressamente taxadas na lei, isto
é, omissão, obscuridade e contradição e, excepcionalmente, como
forma de exigir do juiz a correção de erro material, ou examinar
vício acerca de matéria de ordem pública34. Enquanto nos recursos,
em sentido estrito, o sucumbente quer a reforma, a modificação,
a invalidação ou a ampliação do conteúdo do ato decisório, o que
pede por meio dos declaratórios não é a substituição da decisão
guerreada, mas a sua integração. Ainda quando se empreste aos
embargos efeitos infringentes, isto é, modificativos, de modo que
a sentença ou o acórdão sejam parcial ou totalmente absorvidos
pela nova decisão neles proferida, tecnicamente não se quis a sua
substituição ou reforma, mas a sua integração, que, em determinadas
circunstâncias, pode mudar radicalmente a conclusão do julgado.
Mesmo nessa hipótese, em que o efeito infringente dos embargos
declaratórios altera radicalmente a conclusão do julgado embargado,
entende-se que a alteração de conteúdo é simples efeito secundário da
integração pretendida nos declaratórios. Afirma-se que o julgador, ao
dar provimento aos embargos de declaração e esclarecer, completar
ou integrar o conteúdo decisório do primeiro julgamento, altera as
premissas de seu raciocínio para concluir que a integração pretendida
pelo embargante é de tal modo substancial que o obriga a consignar
na decisão de embargos aquilo que, efetivamente, desejou, sem êxito,
31 CPC, art.496, IV.
32 Lei de Execução Fiscal.
33 Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
34 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, op.cit.,p.63.
171
DOUTRINA • Revista TRT 6
remarcar na primeira decisão35.
5. Efeitos dos Embargos Declaratórios
Os efeitos mais elementares de qualquer recurso são o
devolutivo ― a apelação devolve ao tribunal o conhecimento de tudo
aquilo contra o qual se apela —, o suspensivo ― o apelo obsta os
efeitos da sentença e a formação da coisa julgada até o trânsito em
julgado da decisão — e o substitutivo — a decisão sobre o mérito do
apelo substitui inteiramente a decisão recorrida36—, mas a doutrina
também refere ao translativo ― o julgador “ad quem” pode julgar
fora dos limites da apelação nos casos das matérias de ordem pública
ou que deva conhecer de ofício ― e ao expansivo — vencido o juízo
de admissibilidade, o órgão “ad quem” pode proferir decisão mais
abrangente do que o simples reexame da matéria impugnada trazida
pelo mérito do recurso37 —.
Foi dito que a jurisdição é inerte38. O efeito devolutivo dos
embargos é a revelação de seu caráter dispositivo. O que a desperta é o
ato de disposição da parte. Por outro lado, o juiz deve julgar a lide nos
limites do pedido, e estes são fixados pela petição inicial39. Quando
embarga, a parte deduz frente ao juízo prolator da decisão hostilizada
não um pedido novo, mas um pedido de aclaramento da decisão
anterior, cujos contornos haviam sido fixados na petição inicial. Os
embargos declaratórios não deixam de ter efeito devolutivo apenas por
35 MAZZEI, Rodrigo Reis, op.cit.,p.302.
36 CPC, art.512.
37 NERY JR,Nelson, Princípios Fundamentais — Teoria Geral dos Recursos, Ed.RT, SP,4ª
edição,404/405 informa, ainda, que a doutrina usualmente fala também em efeito expansivo
interno e efeito expansivo externo. Dá exemplos: ao apreciar apelação (ou, no caso do processo do
trabalho, recurso ordinário) interposta contra sentença de mérito, o tribunal dá-lhe provimento
e acolhe preliminar de litispendência. Essa decisão, sobre questão preliminar, expande-se por
toda a sentença, invalidando-a, pois o resultado efetivo do julgamento é a extinção do processo
sem resolução do mérito, na forma do art.267, V, do CPC. O efeito expansivo externo dáse no julgamento do agravo de instrumento, ad esempio. Em regra, agravos não têm efeito
suspensivo, mas, provido o agravo pelo tribunal, todos os atos processuais praticados no
interregno que vai de sua interposição ao julgamento serão inválidos se incompatíveis com
a nova decisão proferida nesse agravo, e devem ser repetidos. Assim, também, nos casos de
execução provisória de sentença cujo recurso foi recebido apenas no efeito devolutivo.
38 ������������
CPC,art.2º.
39 ��������������������
CPC, arts.128 e 460
172
Revista TRT 6 • DOUTRINA
que são interpostos para o mesmo juízo prolator da decisão recorrida.
Como dito, sua função essencial é aclarar a decisão, e não reformá-la.
Como regra, ao apreciar embargos o juízo sentenciante não profere
novo julgamento, e sim aclara a decisão anterior. Excepcionalmente,
quando supre omissão, o caráter infringente dos embargos autoriza o
juiz a prolatar nova decisão, “pois diz mais do que continha a decisão
anterior”40.
O efeito suspensivo é uma qualidade do recurso que
posterga a produção dos efeitos da decisão embargada para o momento
do trânsito em julgado41. A suspensividade somente pode ocorrer se a
decisão embargada for recorrível, o que não é o caso, por exemplo, das
sentenças de alçada42. Embora na constância da suspensividade não
se possa, como regra, praticar atos de sequência do procedimento, o
juiz pode determinar providências urgentes, que visem à conservação
da coisa ou a evitar o perecimento do direito43.
O efeito substitutivo dos embargos declaratórios somente
estará presente nos casos de conhecimento, ainda que não se lhes
dê provimento de mérito44. Superado o exame dos pressupostos
de admissibilidade dos embargos, o órgão julgador pode dar-lhes
provimento, no todo ou em parte, ou simplesmente negar-lhes
provimento. Se modifica a decisão, aclarando-a, esta nova decisão
substitui a anterior, porque é a única que passa a valer no processo. A
substitutividade dos embargos se dá mesmo que o órgão julgador lhes
negue provimento. Assim é porque o que passa a valer no processo não
é a decisão embargada, mas a proferida nos embargos, que confirma
a decisão recorrida por não vislumbrar nos embargos qualquer das
condições do art.535 do CPC45. Penso que não se possa aplaudir
a lição de que o efeito substitutivo do recurso — e aqui me refiro
especificamente aos embargos declaratórios — somente se dá quando
se tratar de recurso contra error in judicando, ou contra error in
procedendo ao qual se nega provimento. Segundo esse entendimento,
40 ������������������
NERY JR, Nelson. op. cit, p.369.
41 ��������������������������������
NERY JR, Nelson, op.cit.,p.376.
42 ���������������
L. nº 5584/70.
43 ������������������������������������
NERY JR, Nelson, op.cit.,p.378/379.
44 ������������������������������������
NERY JR, Nelson, op.cit.,p.4l5/416.
45 ���������������������������������
NERY JR, Nelson., op.cit.,p.416.
173
DOUTRINA • Revista TRT 6
quando se dá provimento aos embargos interpostos contra decisão
com error in judicando, substitui-se a decisão anterior, por outra.
O mesmo efeito ocorreria nos casos de improvimento de embargos
contra sentença com error in procedendo porque, nesse caso, se
manteria incólume a sentença embargada. Mas, na hipótese de se dar
provimento aos embargos contra sentença com error in procedendo,
o julgamento posterior anularia a sentença atacada, e não haveria o
que substituir46. Intuo que mesmo que se acolha a tese de error in
procedendo e se anule a sentença, o efeito substitutivo estará presente
justamente porque essa nova decisão substitui a antiga, e é a única
que prevalecerá no processo. Tratando-se de embargos declaratórios,
a natureza infringente, de que podem ser dotados, permite essa
alteração, o que mais reforça a evidência de que o efeito substitutivo
pode estar presente mesmo no caso de error in procedendo. O
art.897-A, parte final, da CLT, cogita de outro fundamento para
cabimento do efeito modificativo da decisão por embargos, além dos
de omissão e contradição no julgado. Fala em “manifesto equívoco
no exame dos pressupostos extrínsecos do recurso”, isto é, preparo,
tempestividade e regularidade formal47.
6. Reflexos da Inadmissibilidade dos Embargos
Declaratórios no Prazo do Recurso Ordinário
Quando diz que nenhum juiz prestará a jurisdição senão
depois de provocado48, a lei quer dizer que a jurisdição é inerte49. O
ato de reclamar o exercício da atividade jurisdicional é, por assim
dizer, primal, o que inaugura a jurisdição, desperta a jurisdição da
sua inércia. O exame da validade desse ato postulatório é o exame
da validade do próprio procedimento, do qual esse ato faz parte50.
Todo ato postulatório, qualquer que seja, se sujeita a um duplo exame
46 ��������������������������������
NERY JR, Nelson, op.cit.,p.416.
47 DIDIER JR, Fredie e CARNEIRO DA CUNHA, Leonardo José, Curso de Direito
Processual Civil ― Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais, v. III,
Ed. Podivm, 6ª ed.,2008,p.45.
48 CPC, art. 535.
49 �������������
CPC, art.2º.
50 DIDIER JR, Fredie e CARNEIRO DA CUNHA, Leonardo José, op.cit.,p.43.
174
Revista TRT 6 • DOUTRINA
pelo juiz da causa. Num primeiro juízo, verifica-se se o conteúdo
da postulação é possível: trata-se de juízo de admissibilidade ou de
inadmissibilidade. No segundo, se, sendo possível, a pretensão procede
ou improcede: trata-se de juízo de procedência ou de improcedência.
Somente se chega ao segundo juízo ― se a pretensão procede ou
improcede ― se superado, com êxito, o juízo de admissibilidade51.
Quando o órgão julgador não pode superar o juízo de admissibilidade
do recurso, diz-se que o apelo não foi admitido, ou não foi conhecido. O
juízo de admissibilidade opera no plano da validade dos atos jurídicos52,
pertence à teoria geral do processo e se aplica ao procedimento53.
Apóia-se em pressupostos de admissibilidade, que se dividem em
intrínsecos e extrínsecos. Os intrínsecos dizem respeito à própria
existência do poder de recorrer: cabimento, legitimação, interesse e
inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer. Os
extrínsecos, referem-se ao modo de exercitar o direito de recorrer:
preparo, tempestividade e regularidade formal54. Como todo recurso,
os embargos declaratórios sujeitam-se a esses dois juízos.
Questão que ainda desafia a doutrina trabalhista diz
respeito aos efeitos do não-conhecimento dos embargos declaratórios
na contagem do prazo de interposição do recurso ordinário. Na
antiga redação dos arts.464 e 535 do CPC, a interposição dos
embargos declaratórios suspendia o prazo de interposição do recurso
seguinte. Hoje, embargos interrompem o prazo de qualquer outro
recurso, mesmo para a parte que não embargou55. Na suspensão, o
prazo peremptório para o aviamento do recurso subseqüente fluía
inexoravelmente, mesmo em face da interposição dos embargos,
de sorte que a parte, dispondo de oito dias para interpor o recurso
ordinário, ou de quinze para o de apelação, e tendo aviado embargos
no 3º dia do prazo, somente poderia dispor dos cinco dias sobejantes
para manejar o recurso próprio, se se tratasse do recurso ordinário
do processo do trabalho, ou de doze, se se tratasse de apelação do
51 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, RJ,
2003, 11ª edição, v. V, p.262.
52 DIDIER JR, Fredie e CARNEIRO DA CUNHA, Leonardo José,op.cit.,p.41.
53 NERY JR, Nelson. Teoria geral dos recursos.Ed. RT,SP, 2004,6ª Ed.,p.255.
54 DIDIER JR, Fredie e CARNEIRO DA CUNHA, Leonardo José, op.cit.,p.45.
55 O art.50 da L. nº 9.099/95(Lei dos Juizados Especiais Cíveis) diz que os embargos
suspendem o prazo de qualquer outro recurso.
175
DOUTRINA • Revista TRT 6
processo civil. Com a interrupção, todo o prazo é-lhe devolvido por
inteiro a partir da intimação da sentença que julgar os embargos.
Questão interessante, já examinada em concreto56, diz com
a extensão da expressão “para todos os outros recursos”, constante da
regra de direito. Imagine-se que, proferida uma sentença, um dos
litigantes interpõe embargos de declaração. Como está no art.538
do CPC, esse ato faz interromper o prazo de qualquer outro recurso
para ambas as partes, inclusive para aquela que não embargou.
Seria possível que, após a decisão desses embargos, e já que o prazo
de qualquer outro recurso está suspenso para todos, a parte que
não embargou interpusesse embargos de declaração não contra
a sentença que decidiu os embargos do adversário, mas contra a
sentença originária, que inicialmente não havia embargado? O STJ
decidiu que sim, mas a solução não é bem-vinda na doutrina57. O
correto — concordo — seria admitir embargos declaratórios apenas
contra a sentença que decidiu os embargos, pela própria parte ou pela
parte contrária, até porque a parte que embargou não pode, depois
de julgados os seus embargos, continuar embargando a sentença já
embargada, ainda que por outros fundamentos, mas apenas a sentença
que decidiu os embargos de declaração58.
A L. nº 8.950/94 modificou a disciplina dos declaratórios
para restringir seu cabimento aos casos de omissão, obscuridade ou
contradição, não mais admitindo embargo por dúvida, e dizendo,
expressamente, que a sua interposição interrompe o prazo de
interposição de qualquer outro recurso59. Não está na lei nem em
qualquer compêndio de doutrina que o não-conhecimento dos
embargos, por falta de qualquer dos pressupostos de admissibilidade,
impede a interrupção do prazo de interposição do recurso subseqüente.
Como dito, no juízo de admissibilidade o juiz verifica a satisfação
dos pressupostos intrínsecos(cabimento, legitimação, interesse e
inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer)
e extrínsecos (preparo, tempestividade e regularidade formal) de
admissibilidade dos embargos. Ainda que esses embargos não possam
56 ���������������������������
STJ — REsp. nº 444.162-GO.
57 DIDIER JR, Fredie; CARNEIRO DA CUNHA, Leonardo José, op.cit.,p.188.
58 DIDIER JR, Fredie; CARNEIRO DA CUNHA, Leonardo José Carneiro, op.cit.,p.189.
59 ��������������
CPC, art.538.
176
Revista TRT 6 • DOUTRINA
ser conhecidos, por falta de um ou mais desses pressupostos, o prazo
para a interposição do recurso subseqüente estará automaticamente
interrompido60. A única hipótese em que os embargos não-conhecidos
não interrompem o prazo do recurso seguinte é aquela em que os
próprios embargos foram interpostos fora do prazo legal, ainda que
dentro do prazo de interposição do recurso subseqüente. Nesse caso,
como não se interrompe prazo extinto, e os embargos declaratórios
foram aviados de modo tardinheiro, o prazo de interposição do recurso
subseqüente ao de embargos continuou fruindo normalmente a partir
da intimação da sentença. Se a parte interpuser o recurso próprio,
fiando-se na ilação de que os seus embargos, embora intempestivos,
interromperam o prazo do recurso principal, muito provavelmente terá
deixado escapar o prazo legal e permitido a formação da coisa julgada
material. Mesmo aqui, há divergência. Doutrina muito aplaudida diz
que a interposição dos embargos declaratórios interrompe o prazo dos
recursos mesmo se feita a destempo. Segundo esse entendimento,
os embargos declaratórios somente não interromperiam o prazo
do recurso se viessem após o decurso do prazo do próprio recurso
cabível contra a sentença que se pretendeu embargar. Como não se
interrompe prazo já escoado, essa seria, em rigor, a única hipótese
em que não haveria interrupção. Fora disso, e desde que o recurso
próprio seja interposto dentro do prazo legal, haveria interrupção.
Assim, por exemplo, se a parte dispõe de cinco dias para interpor
embargos de declaração, e de oito para recorrer ordinariamente no
processo do trabalho, haverá interrupção mesmo que interpostos
embargos declaratórios no sexto dia, desde que o recurso ordinário
seja aviado até o oitavo dia61.
60 VILHENA,Paulo Emilio Ribeiro.Recursos Trabalhistas e Outros Estudos de Direito
e de Processo do Trabalho, Ed. LTr, SP, 2001,p.56, diverge: “Se a parte entra com os
embargos declaratórios intempestivamente(CLT,art.897-A)e, depois de seu julgamento(que
deverá ocorrer na “primeira audiência ou sessão”, presteza que serve tanto a um rito
quanto ao outro), volta ela com o recurso ordinário ou o de revista, mas dentro do prazo
de 8 dias da decisão de embargos, pode-se perguntar qual decisão transitou em julgado ou
quando se deu a coisa julgada.É evidente que a coisa cosa julgada operou-se já ao tempo
da interposição dos embargos de declaração, que, não conhecidos, não têm o condão de
ressuscitar o momento processual perdido e as questões decididas”.
61 CARNEIRO, Athos Gusmão. Dos Embargos de Declaração e seu inerente efeito
interruptivo do prazo recursal. Revista Síntese de Direito Civil, Porto Alegre (10):5-9,mar/
abr/2001.
177
DOUTRINA • Revista TRT 6
8
O NOVO CAPITALISMO
CONTEMPORÂNEO E A
PRIVATIZAÇÃO DA
PREVIDÊNCIA
Juliana Teixeira Esteves
Advogada, doutora em Neoconstitucionalismo pela
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
1. Introdução;
2. A globalização - novos caminhos do capitalismo
contemporâneo;
3. O triunfo do capitalismo - do Estado liberal para o welfare
state – breve evolução histórica;
4. Etapas da acumulação financeira;
5. A financeirização do sistema previdenciário;
6. A precarização das relações de trabalho e a previdência
social;
7. A privatização da previdência - um novo mercado para
a globalização;
8. Críticas ao sistema de fundos de pensão;
9. Conclusão;
10. Referências bibliográficas
Resumo: O capitalismo passou por várias fases e a mais
recente consiste na financeirização do sistema previdenciário.
O mundo globalizado construiu um novo sistema securitário de
previdência baseado em três pilares. Previdência complementar
é hoje, o principal pilar desse sistema. A partir da evolução do
capitalismo e dos caminhos por ele trilhados, o texto mostra
como a privatização da previdência pode ser prejudicial ao
próprio sistema e aos indivíduos que dele dependem.
178
Revista TRT 6 • DOUTRINA
1. INTRODUÇÃO
A contínua deteriorização do mundo do trabalho na década
de 90 significa um processo de uma nova configuração estrutural das
relações de trabalho, gerando, inclusive, alterações para o sindicalismo
tão atuante em momentos anteriores ao período neoliberal. As
alterações dos paradigmas das relações estatais levaram a Organização
Internacional do Trabalho (OIT) a aprovar, em junho de 1998, a
Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no
Trabalho e seu seguimento, que fixa orientações para que o crescimento
econômico venha em conjunto com justiça social. Dentre os princípios
relativos aos direitos fundamentais do trabalho está o da eliminação
da discriminação em matéria de emprego e ocupação. Para promover
a Declaração, a OIT estabeleceu um programa que tem dentre os
seus três objetivos o de promover medidas políticas que conduzam
à prática desses princípios, segundo as condições características de
cada país. É claro que esta Declaração tem um caráter promocional,
somente vinculando os países que a ratificaram e não havendo sanção
para aqueles que não a aplicarem. A Constituição Brasileira tem em
seu escopo princípios já previstos na referida Declaração, servindo,
portanto, de referência à uma comunidade internacional e em
especial à comunidade legisladora. É nesta abordagem que se inicia o
trabalho. Assim, com o fim da ditadura militar, o Brasil entrou na rota
da globalização mundializada, iniciando as privatizações de estatais
e realizando políticas que determinaram o rumo que a economia
brasileira tomaria na próxima década. A nova política, entretanto, não
conseguiu conter os efeitos devastadores do neo-liberalismo. Em meio a essa realidade começam a crescer no Brasil as
multinacionais e o mercado financeirizado de ações incrementando um
mercado já precarizado no setor público e desejado pelos investidores
– o mercado da previdência complementar. O presente estudo tem
por objetivo analisar o sistema de pensões que pode ser organizado
mediante dois critérios: a estrutura do sistema e segundo a metodologia
adotada para estabelecer os níveis de contribuição e benefício. Dentro
do primeiro critério, o sistema pode ser de capitalização, que acumula
fundos para o financiamento dos benefícios futuros, capitalizando
contribuições dos trabalhadores, ou pode ser disciplinado mediante
a repartição, que pressupõe a manutenção do equilíbrio financeiro
179
DOUTRINA • Revista TRT 6
permanentemente, inexistindo acumulação de fundos. No segundo
critério a metodologia estabelece duas possibilidades dos fundos
serem esquematizados: por contribuição definida, nos quais os níveis
de contribuição são estabelecidos desde o princípio, ficando os níveis
de benefícios vinculados aos resultados financeiros, ou por benefício
definido, onde os valores dos benefícios são predeterminados e as
contribuições são reajustadas de forma a garantir o financiamento.
Há, ainda, um terceiro esquema, os de contribuição e benefícios
definidos, onde os dois parâmetros são previamente fixados, havendo,
entretanto, necessidade de um bom estudo demográfico e econômico
que assegure a sua estabilidade financeira.
Os sistemas previdenciários da América Latina em sua
grande parte organizaram-se sob o regime de capitalização coletiva
parcial, que foram gradativamente alternados para o esquema de
repartição, tendo alguns retornado ao sistema de capitalização
nos anos 90. Esses processos foram desenvolvidos numa época
de grande instabilidade econômica, institucional e política, que
contribuiu para a deficiência da gestão do modelo previdenciário
de então. As várias crises financeiras ocorridas no planeta serviram
de justificativa para a reforma dos parâmetros da seguridade social.
Taxas de contribuição aumentaram e o valor dos benefícios sofreu
redução. Objetivando solucionar as crises financeiras provocadas
pelo sistema previdenciário, vários países iniciaram as reformas
de base da previdência social. Também as idéias de flexibilização,
desregulamentação e privatização de vários setores do Estado surgiram
neste momento. O capitalismo não estava mais amparado somente nos
meios de produção industrial e a nova crise capitalista trazida pela
globalização trouxe a necessidade de descoberta de outras fontes de
capital e uma dessas fontes estaria no capital salarial dos empregados.
Paralelamente, a difícil situação financeira do sistema previdenciário
fez com que se considerasse a possibilidade de serem criados novos
sistemas, com elementos privados e organizados segundo o esquema
de capitalização, criando-se condições para uma maior participação
dos trabalhadores na previdência. Para justificar o “acesso” aos salários
dos empregados utiliza-se como argumento a principal preocupação
dos cidadãos – como assegurar os níveis básicos de rendimentos para
a fase idosa da vida? Tenta-se privatizar o sistema previdenciário e
transferir ao trabalhador a responsabilidade de custear a sua própria
aposentadoria, sem qualquer interferência estatal, exceto na condição
180
Revista TRT 6 • DOUTRINA
de regulamentador e fiscalizador do sistema. Para que isso seja
possível é necessário que o trabalhador poupe valores a partir da
idade considerada ativa utilizando-os após certa idade e quando se
tornar inativo. Surgem, então, as seguradoras e os investidores do
capital alheio. Tais quantias são, normalmente, aplicadas no mercado
de ações, que a longo prazo têm apresentado rentabilidade positiva.
Mas, quais as garantias de que a aplicação da futura aposentadoria dos
trabalhadores será suficientemente remunerada1 a ponto de resguardar
o valor real após trinta anos, por exemplo?
Nesse trabalho estuda-se o sistema dos fundos de pensão,
que nada mais são do que o sistema previdenciário fechado, restrito a
empregados de determinadas empresas e financiado a partir de parte
dos salários desses trabalhadores. É aqui que se identifica o interesse
do empresariado estrangeiro e sua influência nas instituições brasileiras
por meio das instituições financiadoras de programas sociopolíticos. O
cenário mundial globalizado é historicamente construído para o bemestar do capital. Será apresentada a previdência na perspectiva das
teorias da acumulação do capital, ou da financeirização das empresas,
e a importância que essa poupança previdenciária tem para o sistema
financeiro. Com isso, demonstram-se as principais características que
fazem da previdência privada um sistema a ser aplicado somente em
sociedades amplamente igualitárias, com um desenvolvido senso de
justiça e responsividade dos gestores. A previdência complementar
fechada, ou fundo de pensão, destina-se à consumidores-cidadãos,
trabalhadores ou não, em condições financeiro-econômicas suficientes
e capazes de contribuir para um sistema privado previdenciário por
capitalização. Tudo isso, dentro de um sistema em que a lucratividade
está atrelada à constante diminuição de custos e onde está presente
o aumento da precarização do trabalho humano e com ela a redução
dos salários reais.
2. A GLOBALIZAÇÃO – NOVOS CAMINHOS
DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO
A mudança em todo o sistema de produção desde os anos 70
provocada pelo início do estado neoliberal, até a recente globalização
1 Foram muitos os fundos de pensão norte-americanos que faliram com a crise financeira
iniciada em 2008.
181
DOUTRINA • Revista TRT 6
acarretou profundas mudanças nas relações de trabalho de todo o
mundo. Analisando as alterações sofridas pelo sistema capitalista, que,
aparentemente, fortaleceu-se, avaliaremos as condições de trabalho
restadas para o homem neste século vinte e um, que se diferenciam
substancialmente das relações de trabalho mantidas durante o período
chamado fordista. Durante este período as relações de trabalho
eram baseadas na subordinação direta ao empregador, que detinha
o poder diretivo da empresa e cujas normas asseguravam os direitos
sociais e os benefícios trabalhistas dos empregados. A arquitetura do
capitalismo mudou de estrutura e o modelo de estado neoliberal não
mais se coaduna com a realidade. O sistema toyotista de produção
(que sucedeu o modelo fordista) acarretou um desemprego observável
em todo o planeta, dos países subdesenvolvidos aos desenvolvidos. As
novas formas de produção (modelo toyotista), objetivando a redução
de custos e aumento da performance, ajudou no desenvolvimento da
tecnologia, e esta, por sua, e substituiu os homens nas funções mais
básicas do mercado. Inicia-se neste período a idéia de um poder
capitalista internacional único, com a formação de blocos econômicos,
com soberania política e até jurídica, acima dos poderes dos seus
estados-membros.
No Brasil, as reformas realizadas pelos governos Collor e
Cardoso seguiram a tendência mundial a fim de adequar o mercado
brasileiro às novas normas de competição do mercado internacional,
principalmente até o ano de 1997, período em que a expansão
capitalista denominou-se de globalização. Neste período houve
grande expansão dos países desenvolvidos, e até dos países em
desenvolvimento, mas a taxa de emprego não aumentou na mesma
proporção. A abertura comercial das exportações e a sobrevalorização
da moeda real geraram no final dos anos 90 a falência e fusão de grande
número de empresas. Assim, a recente política de competitividade
provocada pela globalização associada às políticas neoliberais da
economia pós 1994 (quebra das cadeias de produção), fizeram crescer
o índice de desemprego no Brasil. Em 2000 o índice de desemprego
diminuiu, mas o poder de compra da moeda brasileira caiu. A
diminuição da renda média representou o aumento do desemprego
nos anos 90, e também a informalização crescente do mundo do
trabalho. Por exemplo, em 2000, o IBGE salientou que, dos 822 mil
empregos criados nas seis regiões metropolitanas, apenas 62 mil foram
com carteira registrada, ou seja, 7,5% do total (MENOS EMPREGO,
182
Revista TRT 6 • DOUTRINA
2000; ANDRADE, 2005) .
Esta contínua deteriorização do mundo do trabalho
na década de 90 (neoliberal) significa um processo de uma nova
configuração estrutural das relações de trabalho, gerando, inclusive,
alterações para o sindicalismo tão atuante na fase anterior ao
período neoliberal. As normas estatais do mundo moderno não mais
conseguem assegurar a estabilidade social de seus cidadãos. Deste
modo, diante da possibilidade da mudança dos paradigmas do mundo
do trabalho após os anos 90, o objetivo deste ensaio é apresentar os
principais aspectos que demonstram a mudança do Estado-Modelo,
no tocante a sua concepção clássica de soberania e de limites políticoterritoriais definidos face à mundialização e constituição dos blocos
econômicos, e a necessidade de rever o papel do Estado na segurança
do direito social ao trabalho e ao bem-estar social. No exemplo da
União Européia, a regulamentação da integração regional com a livre
circulação de trabalhadores e mercadorias dentre os estados-membros,
a existência de um órgão soberano à soberania dos estados modificam
o conceito de Estado e apresentam novas relações laborais. O mesmo
está acontecendo com a constituição da ALCA e do MERCOSUL.
Em breve as barreiras alfandegárias entre os estados-membros do
Mercosul não mais existirão. É provável ainda que a circulação de
trabalhadores entre estes países se torne livre, sem limites territoriais
que imponham a aplicação da legislação do país. O avanço da
tecnologia não será interrompido e novos empregos serão criados e
mais empregados serão substituídos pelas máquinas informatizadas.
As alternativas buscadas pelo mercado nos últimos anos para diminuir
os encargos legais incidentes sobre a mão-de-obra fez com que novas
relações trabalhistas surgissem, mas sem que houvesse subordinação
entre o contratante e o contratado, a exemplo das cooperativas de
trabalho, as empresas de terceirizações de serviços, os negócios
virtuais realizados pela internet, entre outros.
3. A FINANCEIRIZAÇÃO DO SISTEMA
PREVIDENCIÁRIO
Um novo ciclo apresenta-se no mundo financeiro através
da acumulação de riquezas. As empresas necessitam elevar o seu
capital rotativo e para não recorrerem aos bancos criam os fundos de
renda própria, que é a oportunidade dos empregados participarem
183
DOUTRINA • Revista TRT 6
dos ganhos desta mesma empresa por meio da compra de espécies
de títulos de capitalização. Para que isto ocorra, tais títulos hão de
ser negociados na bolsa de valores. Os estudos demonstram que os
analistas financeiros estabelecem comissões na negociação para os
acionistas-investidores, além de metas preestabelecidas as empresas
no intuito de maximizar os seus ganhos e valorizar as ações no
mercado, o que se reflete sobre os empregos. Assim questiona-se: quem realmente se beneficia com a criação dos fundos de pensão?
Os fundos de renda própria globalizaram-se e a América
Latina vêm reformando os seus sistemas previdenciários desde o
início dos anos oitenta, e o Brasil não esteve fora dessas reformas.
Além das reformas na previdência dos trabalhadores do setor privado
e do público, foram aprimoradas as legislações acerca da previdência
complementar, com intuito de regulamentar a atividade das empresas
já havidas e atuantes no país e de complementar a renda dos
trabalhadores a ser usufruída na velhice ou incapacidade, ou pelos
beneficiários na morte do titular. Esse quadro de reformas está em
consonância com o esquema de reformas previdenciárias sugerido
pelo Banco Mundial e outros organismos internacionais. Apesar das
previdências complementares existirem no Brasil há várias décadas,
o estudo das mesmas é necessário face ao impacto que têm na renda
do trabalhador ativo e na economia do país como um todo, haja vista
ser de suma importância o adequado e suficiente desenvolvimento
econômico gerador de emprego e renda para que o trabalhador possa
contribuir com sua própria aposentadoria. Além disso, mas não menos
importante, o fato de que a previdência complementar na forma
apresentada nos dias presentes, dentro de um sistema capitalista
financeirizado, exerce o papel de gerador de renda capitalista e não
de um benfeitor que objetiva acrescer vantagens às que o Estado
fornece ao cidadão. Outro ponto, mas secundário, é que a composição
da plataforma política do PT na época eleitoral de 2002, admitiu as
previdências complementares
“como complemento ao sistema
público universal, para os trabalhadores
tanto do setor público como do privado
que aspirem a aposentadorias superiores
às oferecidas pelo teto do orçamento
publico, haverá um sistema de planos
184
Revista TRT 6 • DOUTRINA
complementares, com ou sem fins lucrativos,
de caráter facultativo, e sustentado por
empregados e empregadores”.2
A implantação dos sistemas complementares vem sendo
feita, inclusive, com subsídios federais por meio das reduções nas
alíquotas de cobrança do Imposto sobre Renda. O que devemos
responder é se é a Previdência Social que está falindo ou se é o
capitalismo que precisa do capital produtivo dos trabalhadores.
Seria a Previdência Social um estorvo ao crescimento/sustentação
do capitalismo? Os fundos de pensão são vistos como uma alternativa
de recuperação do capitalismo acionarial e manutenção do regime de
acumulação financeira. E, estando o fenômeno inserido num contexto
capitalista, há necessidade de ser observado também sob essa ótica.
Alguns estudiosos do meio internacional, dentre eles Esther Jeffers,
Catherine Sauviat, Dominique Plihon e François Chesnais analisam a
financeirização das empresas como forma de elevação dos ganhos e
redução de custos do empresariado, pretendendo-se analisar a ciranda
gerada pelo sistema de acumulação de capitais que é: (i) investimento
do montante arrecadado dos empregados no mercado de ações ou
contratação de um especialista em investimentos; (ii) o mercado de
ações, por sua vez requer maximização do valor financeiro da empresa;
(iii) a empresa para “valer mais” precisa elevar os seus ganhos e o meio
mais eficaz para elevar ganhos diante da crise mundial do capitalismo
é reduzir os custos; (iv) e a redução de custos passa pela redução do
montante da folha de pagamentos e essa redução pode significar
demissões e outras formas de diminuição de direitos.
Assim é que a recente crise do sistema capitalista leva
as empresas a caminharem para o novo modelo de acumulação, a
financeirização das empresas, acarretando, dentre outras coisas, a
instituição de fundos de pensão das empresas que visam a partir
de agora ao aumento do valor de suas ações no mercado. Para isso,
realizam desde a simples especulação até o enxugamento do quadro
de funcionários, como forma de cortar gastos. Este enxugamento se dá
não só através de demissões, mas também por meio da precarização
das relações de trabalho, como a terceirização e a flexibilização
2 Plataforma do Partido dos Trabalhadores publicada no sítio www.pt.org.br, acessada em
20/01/2006.
185
DOUTRINA • Revista TRT 6
das leis do trabalho. A precarização das relações de trabalho vem
sendo construída aos poucos, através de modificações na legislação.
A flexibilização das leis do trabalho associada à terceirização de
serviços no setor público e privado é apresentada pelo empresariado
como prerrogativa de solução para o desemprego e o conseqüente
crescimento da economia. Ao lado da preocupação com o desemprego
está a necessidade de manutenção do sistema econômico capitalista.
4. A PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE
TRABALHO E A PREVIDÊNCIA SOCIAL
Junto com as reformas vieram as idéias de flexibilização,
desregulamentação e privatização de vários setores do Estado,
partindo-se do pressuposto de que o mercado livre é mais competente
para dar destino aos recursos do que o Estado. Vários países latinos
absorveram a teoria e iniciaram o longo processo de abertura da
economia aos mercados internacionais, privatizando empresas
públicas e racionalizando a administração pública.
Durante as décadas de 80 e 90, dentre os anseios por
privatização e redução do intervencionismo estatal nas relações
privadas, houve discussões acerca da desregulamentação do Direito
do Trabalho, sendo este último a variável freqüentemente utilizada
como o ator principal na arena das crises econômicas da época (e
resistente até os dias atuais). Com o argumento de elevar a contratação
e rotatividade de mão-de-obra, algumas pequenas reformas foram
realizadas neste período em vários países, inclusive no Brasil. Mas o
desemprego não diminuiu como o previsto. Uma curiosidade deve ser
observada: apesar da falta de emprego ser observada em vários lugares
e em períodos de crise e recessão econômica, verifica-se também que
alguns setores da economia têm estado em franca ascensão e com
lucros expressivos. Mesmo assim continuam com elevado número de
dispensas de empregados, objetivando a redução dos custos e aumento
de lucros elevando a cotação das ações na bolsa de valores. É possível
observar ainda que os índices de desemprego e de exclusão social
permaneceram intactos nos países em que houve a desregulamentação
das leis trabalhistas. A crise capitalista juntamente com a globalização
trouxe a necessidade de descoberta de novas fontes de capital e uma
dessas fontes estaria no capital salarial dos empregados. Paralelamente,
a difícil situação financeira do sistema previdenciário fez com que
186
Revista TRT 6 • DOUTRINA
fosse considerada a possibilidade de se criarem novos sistemas de
natureza previdenciária, com elementos privados e organizados
segundo o esquema de capitalização, criando-se condições para uma
maior participação dos trabalhadores na previdência complementar.
Para justificar o “acesso” aos salários dos empregados utiliza-se como
argumento a principal preocupação dos cidadãos – como assegurar os
níveis básicos de rendimentos para a fase idosa da vida? Desde então
se tenta privatizar o sistema previdenciário e transferir ao trabalhador
a responsabilidade de custear a sua própria aposentadoria, sem
qualquer interferência estatal, exceto na condição de regulamentador
e fiscalizador do sistema. Para que isso seja possível é necessário
que o trabalhador poupe valores a partir da idade considerada ativa
utilizando-os após certa idade e quando se tornar inativo. Para que
esses valores poupados tenham uma rentabilidade capaz de atender
aos anseios do trabalhador no futuro, é necessário aplicar a verba no
“instrumento” correto. Surgem então as seguradoras e os investidores
do capital alheio. Tais quantias são, normalmente, aplicadas no
mercado de ações, na bolsa de valores. Então, quais as garantias
de que a aplicação da futura aposentadoria dos trabalhadores será
suficientemente remunerada a ponto de resguardar o valor real após
trinta anos, por exemplo? quais as garantias que o Estado tem de que
não precisará dar assistência aos cidadãos abandonados pelo sistema
capitalista, acaso o sistema previdenciário venha a ser totalmente
privatizado como orientam algumas Organizações Internacionais,
a exemplo do Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial?
Importante observar que o atual regime previdenciário
brasileiro contribui de sobremaneira para o crescimento da economia
de previdência privada. Temos um sistema público fundado no sistema
de repartição, mas com contribuições definidas, chamado no meio
internacional de PAYG – pay as you go - que freqüentemente alarda
a impossibilidade de pagar os benefícios futuros dos contribuintes
presentes, e que por causa disso vê-se diante da necessidade de elevar
as alíquotas de contribuição, reduzir e limitar o valor dos benefícios,
elevar a idade e o tempo de serviço para aposentadoria, e ainda
desvincular o pagamento dos inativos dos que estão na ativa. Observese que tais ações são prerrogativas do Banco Mundial previstas no
Averting Old Age: Polices to Protect the Old and Promote Growth.
Com o aumento da idade para aposentadoria e a redução e limitação
dos valores a serem pagos aos aposentados, os cidadãos vêem-se
187
DOUTRINA • Revista TRT 6
empurrados a contratar um regime de previdência complementar, seja
individualmente (aberta), seja coletivamente (fechado), que integram
o sistema privado, também fundado no sistema de capitalização.
O Estado regulou a matéria previdenciária permitindo que
os planos de previdência privada circulem livremente, repercutindo
significativamente na vida brasileira. A título de exemplo, planos
de previdência complementar aberta estão sendo usados como uma
maneira de burlar os impostos cobrados na transmissão dos bens por
causa mortis34 Até 2004 as empresas de previdência complementar
ainda argumentavam na Justiça o direito de não pagar impostos
alegando serem entidades sem fins lucrativos assemelhadas a
associações ou fundações, e, portanto não deveriam pagar impostos.
Mas o STJ entendeu pelo não enquadramento das referidas empresas
na condição de “sem fins lucrativos” e que, portanto, devem pagar os
impostos sobre os lucros.
5. A FLEXIBILIZAÇÃO - O EFEITO DA
GLOBALIZAÇÃO NA EMPREGABILIDADE
MUNDIAL
A recente crise do sistema capitalista leva as empresas a
caminharem para o novo modelo de acumulação, a financeirização das
empresas, acarretando, dentre outras coisas, a instituição de fundos
de pensão das empresas que visam a partir de agora ao aumento do
valor de suas ações no mercado. Para isso realizam desde a simples
especulação ao enxugamento do quadro de funcionários como forma
de cortar gastos. Este enxugamento é realizado não só através de
demissões, mas também por meio da precarização das relações de
trabalho, como a terceirização e a flexibilização das leis do trabalho.
O Direito do Trabalho pode ser classificado em fases.
A primeira é chamada de manifestações incipientes ou esparsas,
que iniciou-se no Peel`s Act inglês (destinado a restringir o uso do
trabalho infantil na Inglaterra) de 1802 até 1848. A segunda fase ocorre
3 A lei permite que seja cobrado até 8% de imposto de transmissão causa mortis sobre o valor
de mercado do bem. O saldo da previdência complementar pode ser sacado imediatamente
pelo beneficiário, pagando-se somente o CPMF (0,38%) e IR (até 27,5% sobre os rendimentos)
se devido.
4 O art. 55 da MP 252 – MP do Bem – ratifica que a transmissão dos recursos investidos em
fundos de previdência complementar independem de inventário.
188
Revista TRT 6 • DOUTRINA
entre 1848 e 1919 e denomina-se sistematização e consolidação do
Direito do Trabalho. A terceira – institucionalização do Direito do
Trabalho – remonta aos anos 1919 e vai até meados dos anos setenta.
A quarta e última fase, e que iremos introduzir neste trabalho foi
iniciada em 1979/1980 e está presente até os dias atuais e consiste
na crise e transição do Direito do Trabalho. A crise ocasionada pelo
petróleo entre 1973/1974 acentuou a concorrência inter-empresarial e
também as taxas de desocupação/desemprego no mercado de trabalho.
Paralelamente o Estado via-se numa crise fiscal e os cientistas de então
começaram a questionar o papel provedor de políticas sociais do Estado.
Ao lado de tudo isso a renovação tecnológica apresenta a robotização,
microeletrônica e a microinformática, agravando a redução dos postos
de trabalho e emprego em várias áreas da economia, especialmente
a da indústria. Neste instante surgem as primeiras inovações na
forma de trabalho, falando-se em teletrabalho e trabalho em casa,
quebrando barreiras geográficas até então existentes, permitindo que
o trabalho fosse realizado independentemente de questões de tempo
e espaço. Começa-se a falar em reestruturação da gestão empresarial,
defendendo-se a descentralização da administração dos negócios, e
fazendo crescer a figura da terceirização nas relações de trabalho.
Neste contexto econômico o sistema capitalista ganha força
para quebrar o pensamento do Estado de Bem-Estar Social, através
das vitórias de Margaret Thatcher (1979), Ronald Reagan (1980) e
Helmut Kohl (1982). Em meio a todo esse desejo de desregular as
políticas sociais e as regras jurídicas limitadoras da atuação capitalista,
encontra-se, inevitavelmente, o Direito do Trabalho. Assim, para
continuar o trabalho proposto pelos defensores capitalistas era preciso
modificar a lei e a concepção de proteção do trabalhador. Devemos
lembrar que o modelo juslaboral vigente em vários países ainda hoje,
foi construído com base na exploração do ser humano promovida
pelos anseios de riqueza do capitalismo, e de fato construiu uma
inquestionável intervenção na economia, favorecendo, via de regra,
a distribuição social dos ganhos econômicos. As duas últimas décadas
do século XX foram marcadas pela flexibilização quando não pela
desregulamentação das leis do trabalho, objetivando, em tese, a
produzir mais postos de trabalho e reduzir o impacto que a revolução
tecnológica gerou no mercado laboral. Mormente após o início dos
anos noventa, verificou-se que a profecia da sociedade sem trabalho
não se concretizou, apesar de terem havido acentuadas reduções
189
DOUTRINA • Revista TRT 6
nos índices de empregabilidade. Ocorreu, sem dúvida, uma grande
desregulamentação e informalização do trabalho, especialmente nos
países ditos em desenvolvimento e subdesenvolvidos.
Nesse momento histórico algumas das mais importantes
alterações sofridas pelo ordenamento jurídico brasileiro ocorreram
no serviço público. Em 1998, a Emenda 19 alterou a norma e criou
a figura do emprego público passando a permitir expressamente a
investidura em cargo ou emprego público de comissão declarado
em lei de livre nomeação e exoneração. Em 2000, o TST garantiu
aos órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional
o direito de contratar sem vínculo empregatício mediante empresa
interposta e permitiu a contratação de serviços de vigilância, de
conservação e limpeza, e serviços especializados ligados à atividademeio do tomador de serviços também sem vínculo empregatício. Tal
consideração permite que órgãos públicos não sejam responsabilizados
pelos atos de seus gerenciadores quando estes burlam a legislação e
contratam pessoal sem o concurso público.
A regulamentação do então chamado emprego público
trouxe à baila uma nova figura de empregado público, que não
possui a estabilidade garantida dos servidores públicos – regidos por
Estatuto próprio – mas participam do Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço – FGTS. Em 1998, foi aprovada a Lei 9.601 instituindo
no Brasil a hipótese do contrato a tempo parcial e o chamado banco
de horas, já experimentado no Direito estrangeiro. A proposta era
de uma flexibilização jus trabalhista com o objetivo de gerar novos
postos de trabalho, não tendo obtido o sucesso pretendido. No Direito
Internacional, a OIT promulgou a Convenção n. 158, proibindo a
dispensa de empregados de forma arbitrária. Os argumentos neoliberais afirmam que a flexibilização seria o melhor caminho para a
crise provocada pelos altos custos de contratação e demissão de pessoal
no Brasil. Contudo, o que comumente se observa é uma confusão de
idéias acerca do conceito de desregulamentação e da flexibilização
do Direito do Trabalho no Brasil.
6. A PRIVATIZAÇÃO DA PREVIDÊNCIA –
UM NOVO MERCADO PARA A GLOBALIZAÇÃO
O mundo tem acompanhado de perto a mudança na
190
Revista TRT 6 • DOUTRINA
seguridade social de diversos países. A distância entre população
economicamente ativa e os aposentados tem se tornado menor e,
em outras palavras, o mundo está ficando mais velho. Apesar da
longevidade ter sido almejada durante séculos pelo homem, hoje ela
é vista como um problema. A solução apresentada, contudo, rompe
com décadas de conquistas sociais da humanidade, como a garantia
do direito de uma aposentadoria mantida pelo Estado após anos de
trabalho.
A reforma da previdência social é apontada pelo Banco
Mundial como indispensável ao sustento dos Estados nos próximos
trinta anos. A reforma (ou contra-reforma como preferem alguns)
(GRANEMANN, 2003) estaria sustentada em três pilares abaixo
explicados. O regime fechado é o que será tratado neste trabalho
e consiste na participação dos trabalhadores em fundos de pensão
constituídos nas empresas onde trabalham, por meio de espécies de
títulos de capitalização, que seriam/serão revertidos em seu próprio
benefício no momento da aposentadoria. O modelo apresentado como
ideal pelo Banco Mundial prevê que o sistema público assegurará
tão-somente àqueles realmente necessitados, assim declarados por
lei complementar, uma renda mínima assistencial, financiada por
impostos. O segundo pilar consiste na obrigatoriedade na participação
em fundos de pensão (fechados); e por último a participação facultativa
em planos de previdência complementar.
O governo Lula aparentemente adotou o projeto do
Banco Mundial da previdência de três pilares e está implementando,
gradativamente, as mudanças ali previstas e iniciadas por FHC. O
sistema facultativo privado (ou sistema complementar aberto) terminou
por se incorporar a nossa realidade quando ocorreram as mudanças
nos tetos de pagamento de aposentadorias recentemente, tanto no
Regime Jurídico Único (RJU) quanto no Regime Geral de Previdência
Social (RGPS) que forçam o trabalhador a “voluntariamente” realizar
poupanças complementares geridas por seguradoras autorizadas por
lei.
Não obstante os argumentos dos defensores da necessidade
de inclusão da iniciativa privada na gestão e pagamentos das
aposentadorias, há aqueles que apontam o déficit do sistema
capitalista e as quedas das bolsas de valores como fatores geradores
da necessidade de criar os fundos de pensão (sistema complementar
191
DOUTRINA • Revista TRT 6
fechado). O regime financeiro das empresas tem mudado em muitos
países, passando de uma economia de endividamento (overdraft
economy) para uma auto-economia, ou economia de fundos próprios
que consiste na emissão de ações e formação de economia. Durante
o período fordista o regime empresarial predominante era baseado no
modelo tradicional de empresa – stakeholder - em que os dirigentes
detinham todo o poder sobre a empresa, em detrimento dos acionistas.
O novo modelo de economia de fundos próprios ou shareholder,
dá prioridade aos interesses dos acionistas. Em termos de análises
econômicas o método utilizado era o MEDAF - Modelo de Equilíbrio
dos Ativos Financeiros, no qual o valor da empresa é igual ao valor
atualizado da seqüência de investimentos futuros (ex post). O modelo
de fundos próprios rege-se pelo método EVA (Economic Value Added)
medido pelo resultado econômico da empresa, uma vez que se tenha
remunerado o conjunto de capitais investidos, recursos alheios e
fundos próprios (ex ante). O rendimento exigível não se determina
a partir das características próprias da empresa, mas em função da
capacidade de pressão que a estrutura de mercado de ações pode
exercer sobre ela.
Este novo regime caracteriza-se pela relação entre a
distribuição do valor arrecadado em favor das empresas, a elevação da
importância dos acionistas e dos fundos de investimentos estrangeiros
e, ainda, a financeirização da gestão das empresas, que adveio da
necessidade de as empresas terem a rentabilidade financeira gerada
sobre o desenvolvimento de sua atividade ou dos empregos.
Esses novos paradigmas desmistificam, por outro lado,
os conceitos de soberania e de territorialidade e trazem uma nova
concepção de Estado. As reformas realizadas pelos governos Collor e
Cardoso5 seguiram a tendência mundial, a fim de adequar o mercado
brasileiro às novas normas de competição do mercado internacional.
Neste período, houve grande expansão dos países desenvolvidos, e
de países em desenvolvimento como os asiáticos, contudo a taxa de
emprego não aumentou na mesma proporção6. No final dos anos 90
5 A reforma do Estado para as autoridades brasileiras fundava-se num ajuste fiscal, por
meio da privatização de empresas estatais, acreditando-se que um Estado menor e com menos
dívidas seria mais eficiente. Este ajuste também corresponde às exigências do liberalismo.
6 Com o aperfeiçoamento da tecnologia e introdução de novos meios de produção,
aumentou-se a quantidade de bens produzidos com o menor número possível de mão de obra.
192
Revista TRT 6 • DOUTRINA
a abertura comercial das exportações e a sobrevalorização da moeda
real geraram a falência e a fusão de grande número de empresas e
conseqüentes dispensas de empregados. Algumas grandes empresas
brasileiras ingressaram no mundo da financeirização e da bolsa de
valores com a participação do capital investido pelos trabalhadores.
Mas, como já foi dito, esta financeirização está prevista num plano
de recomendação do Banco Mundial (BM) – “Averting the Old
Age: Polices to Protect the Old and Promote Growth7” que prevê a
interferência do setor privado na administração dos fundos de pensão.
Neste mesmo documento o BM propõe as três formas de fundos
apresentadas anteriormente e apresenta como fator principal do
empobrecimento do sistema previdenciário dos países o crescimento
da proporção entre pessoas idosas (acima de 60 anos) e a redução da
taxa de natalidade8. Apresenta, ainda, como solução, a introdução de
mecanismos privados para sustentar os idosos do futuro.
O trabalhador assalariado da atualidade, em muitas
empresas, está comprometido com o empregador por meio dos
benefícios obtidos através da participação nos Fundos de Pensão.
Estudos realizados nos Estados Unidos (COGGIOLLA, 2004)
permitem observar que trabalhadores com baixos salários estão
prolongando o seu tempo de vida ativa, trabalhando mais tempo e
em condições cada vez mais precárias em virtude de perdas sofridas
com os Fundos de Pensão. No Brasil, isso também ocorreu e a mais
recente alteração de idade adveio das reformas previdenciárias de
1998 e 2003. Aparentemente, os critérios exigidos pelos acionistasinvestidores (administradores) geram extinção de postos de trabalho,
e, conseqüentemente, elevam a taxa de desemprego.
No sistema de acumulação de capitais os trabalhadores
objetivam desenvolver o seu trabalho para garantir um emprego e
satisfazer-se socialmente; já os acionistas conseguem perceber os
prismas dos riscos do rendimento do capital. Diante do lema colocado
e desenvolvido pelo capitalismo, segundo o qual “o trabalho dignifica
7 “Prevenir a crise do envelhecimento: políticas para proteger as pessoas idosas e promover
o crescimento”
8 A teoria pode ser falsificada quando averiguam-se os dados reais fornecidos por órgãos
oficiais como sindicato dos auditores federais e dos auditores previdenciários, que apresentam
a previdência pública brasileira superavitária.
193
DOUTRINA • Revista TRT 6
o homem”, o trabalhador vê o fator trabalho como satisfação pessoal e
social. Não vê o trabalho como um bem negociado na bolsa de valores.
Com a inserção da figura do trabalhador na participação da economia
empresarial surge a necessidade de efetuarem-se reformas jurídicas
quanto à legislação trabalhista e legislação comercial, re-enquadrando
o trabalhador na gestão empresarial. Tal reforma far-se-ia necessária,
em tese, mas contrariamente às posições do Banco Mundial e demais
organismos internacionais, em vista da exposição do empregado aos
ditames patronais e às conveniências do mercado financeiro, o que
também reforçaria o poder controlador do Estado e das autoridades
responsáveis no sistema bancário e financeiro9. Mas, como mencionado,
a posição internacional é no sentido de tornar as relações trabalhistas
exclusivamente privadas, sem qualquer intervenção do setor público,
inclusive no que diz respeito ao pagamento de aposentadorias.
7. CRÍTICAS AO SISTEMA DE FUNDOS DE
PENSÃO
Apesar dos organismos mundiais declararem que a
previdência em três pilares é o melhor sistema que um país pode ter,
evidencia-se ainda nos anos 2000 o colapso do sistema privado de
previdência. Nos Estados Unidos algumas empresas já não têm como
pagar o benefício aos seus aposentados. Isso porque no momento
em que as empresas tinham grandes lucros nas bolsas de valores
decorrentes dos ganhos obtidos com os investimentos dos empregados
em papéis da própria empresa, nos anos 1990, elas não aumentaram a
contrapartida devida para a previdência dos funcionários, efetuando
somente o pagamento mínimo necessário à manutenção do sistema.10
Com a queda do valor nominal das ações nas bolsas de valores, as
empresas diminuíram o seu capital e também o dos empregados
que estava aplicado, não tendo de onde obter recursos para pagar.
Essa bola de neve levou a empresa General Motors a declarar em 21
de novembro de 2005 a extinção de 30 mil postos de trabalho além
do fechamento de várias fábricas nos Estados Unidos. As empresas
9 A descoberta da contabilidade fraudulenta de algumas empresas (Enron, por exemplo)
gerou a crise da Bolsa de Valores em 2002.
10 A antiga lei ERISA dos EUA estabelece que a previdência privada será financiada com
recursos dos empregados e empregadores.
194
Revista TRT 6 • DOUTRINA
americanas possuem uma agência federal de seguros de pensão e,
conforme noticiado pela a revista New York Times, em 16 de novembro
de 2005, no artigo intitulado Pension board says déficit is steady for
now, de Mary Williams Walsh, o déficit até 30 de setembro de 2005
é de US$23,1 bilhões enquanto em 2004 foi de US$ 23,5 bilhões.
Após analisar-se os sistemas de pensões constatou-se
que o sistema privado, além de não apresentar garantias futuras ao
trabalhador, é um sistema injusto onde somente quem pode trabalhar
poderá ingressar nele, e dentre estes há ainda o fator discriminação
de gênero que há muito é observado pelos mesmos organismos
internacionais que tentam impor os três pilares da previdência como
o milagre previdenciário. Os fundos das empresas podem também
ser administrados por elas mesmas. De acordo com dados coletados,
algumas empresas investem o capital em suas próprias ações, a
exemplo da General Electric, que tem 75% e da Coca-Cola, 78% em
ações de seus empregados por meio dos Fundos de Pensão, o que
representa um grande risco ou uma grande chance de lucros para os
empregados. A Enron – empresa comerciante de gás e eletricidade nos
EUA – aplicou 60% das ações de seus empregados nela própria e faliu.
A figura dos acionistas-investidores, que são particulares
responsáveis por administrar os ativos financeiros através de empresas
especializadas, chamados de investidores institucionais, tornou-se
mais importante do que a figura dos diretores de empresas. Estes
investidores, em sua maioria estrangeiros à empresa, impõem critérios
de gestão às carteiras de ações como forma de igualar-se à condição
dos diretores das empresas11. Os critérios comumente adotados
pelas empresas para que o valor de suas ações seja maximizado são:
qualidade da informação administrada aos acionistas; proteção dos
acionistas minoritários por meio da garantia de direitos e obrigações
oriundas da quantidade de ações - uma ação, um voto; conselho de
administração devidamente remunerado, separando as funções de
presidente e diretor-geral; ausência de medidas anti-OPA12; definição
da forma de remuneração dos diretores incentivando a maximização
11 O diretores detém todas as informações necessárias sobre o desempenho da empresa.
Os acionistas exigem transparência como forma de reduzir as “assimetrias na informação”
(Dominique Plihon, in Las trampas de las finanzas mundiales)
12 Medidas destinadas a impedir a compra de uma empresa através da bolsa seguindo o
procedimento da oferta pública de aquisição.
195
DOUTRINA • Revista TRT 6
das ações. Para exemplificar a aplicação dos critérios acima, a ALCOA
anunciou em 2005 que demitiria 6.500 empregados, cerca de 5% (cinco
por cento) em sua segunda fase da reestruturação e tal declaração fez
as ações da empresa caírem em 2,68% (dois vírgula sessenta e oito por
cento) na bolsa de valores. Mormente o Executivo-chefe, Alain Belda,
declarou querer “se livrar” de US$ 62 milhões nos custos anuais até
o final do ano. Ainda segundo ele, a empresa estava se adequando à
nova estrutura internacional de negócios e procurando melhorar sua
eficiência. (O VALOR, 2005, p.B9, n.1)
Os instrumentos utilizados para elevar o valor das ações
das empresas (shareholder value) são classificados por Dominique
Plihon em (1) fusões e aquisições de empresas – importando quase
sempre em demissões de empregados; (2) Retorno para as atividades
básicas da empresa – reduzindo o quadro de empregados da empresa;
(3) Re-engineering de processos concentrando a atividade da empresa
nos segmentos mais rentáveis – com o reenquadramento das atividades
os empregados são destinados às chamadas empresas terceirizadas.
Tais empresas normalmente precarizam as condições laborais e
comumente, no Brasil, infringem as leis trabalhistas; (4) Redução do
capital – redução da quantidade de títulos ofertados na bolsa de valores
como forma de valorizar a procura pelos mesmos.
Em meio à globalização, fusões e incorporações
multinacionais, reformas previdenciárias e capital de empregados
aplicados em bolsas de valores, duas observações podem ser feitas:
(a) O capital de um país pode terminar no estrangeiro através das
bolsas de valores; e (b) Os investidores-diretores podem ditar regras
direcionadas à exploração do trabalhador para maximizar os ganhos.
A acumulação de capitais restaura ainda um velho problema que é
o desemprego. É certo que a figura o pleno emprego dificilmente
retornará aos países que o implantaram face a grande substituição de
mão-de-obra pelas máquinas e computadores, mas o anseio por novos
meios de capitalizar dinheiro leva às privatizações e por conseguinte
à extinção de postos de trabalho.
8. CONCLUSÃO
Os Sistemas Públicos de Previdência e de Seguridade
Social, mesmo que tenham origens muito remotas, consolidaram-
196
Revista TRT 6 • DOUTRINA
se a partir da instituição do Estado do Bem-Estar Social. Esta
arquitetura política foi concebida e instituída em virtude das crises
que se instalaram nas primeiras décadas do século XX, especialmente,
a Primeira Guerra Mundial, o surgimento do nazi-fascismo, a
Grande Depressão, a Segunda Guerra Mundial e, sobretudo, o
aparecimento do Socialismo Real. Em resumo, ela surgiu porque era
vital “humanizar” o sistema capitalista de produção e dar uma nova
configuração ao modelo de Estado Liberal e da sociedade centrada
no individualismo contratualista.
O Estado do Bem-Estar, por seu turno, somente teve
sustentabilidade, em face de uma alternativa de Sociedade do Trabalho
pautada no Pleno Emprego e na idéia do trabalho subordinado
protegido. A partir das Crises do Petróleo desencadeadas na década de
70 do século passado; dos governos ultraliberais de Reagan e Tatcher,
na década de 80, e do desemprego estrutural - produto da inserção
maciça das novas tecnologias - começa a desvanecer-se o Estado
Social e, com ele, os sistemas públicos de seguridade social de caráter
marcadamente contributivo – por empregados e empregadores.
Mesmo que os sistemas privados de seguridade também tenham
sido concebidos em épocas remotas, surgem eles, a partir daí, como
sistema não somente alternativo, senão também como sistemas
substitutivos da previdência e da seguridade públicas, na esteira da
ideologia ultraliberal.
Esta nova concepção de seguridade foi alardeada porque
houve a substituição ou inversão dos sistemas econômicos: o capital
financeiro se sobrepondo ao capital produtivo. Na América Latina foi o
Chile o primeiro país a introduzir a concepção privada de seguridade
social, como marco privilegiado das relações entre capital e trabalho.
No contexto da sociedade Pós-industrial, verifica-se que
o sistema público de previdência e de seguridade sociais vem sendo
ideologicamente questionado, a fim de atender a voracidade do sistema
financeiro internacional. Por isso, constituiu-se como pauta referencial
do Consenso de Washington e vem sendo ainda disseminado pelo
Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Na segunda
parte do trabalho foi possível observar a convergência idealizada a
fim de fazer o dinheiro fluir para as bolsas de valores: modificações
nas leis trabalhistas, modificação das leis de acesso à bolsa de valores,
modificações da lei das S/A, entre outras. No Brasil, o sistema público
197
DOUTRINA • Revista TRT 6
de previdência e de seguridade social vem sofrendo um desgaste sem
precedentes e abriga, em seu conjunto, vários fatores: o desemprego
estrutural, o desvio de recursos da previdência para satisfação de
outros interesses políticos; a inadimplência; a resistência dos setores
públicos e privados, inclusive, de grupos econômicos poderosos, em
contribuir regularmente para manutenção do sistema. Já os sistemas
privados sofrem as vicissitudes dos mercados, uma vez que estão
condicionados aos pêndulos dos mercados financeiros. Dependem
ainda da sua boa ou má administração e, por último, como têm um
caráter contributivo, tornam-se também prisioneiro da instabilidade
do mercado de trabalho. A aposentadoria das pessoas foi colocada no
mercado de risco e isso não pode ser apresentado como um benefício
para os trabalhadores, pois o mercado não pode ser responsabilizado
por infortúnios sofridos pelos trabalhadores. Já o Estado pode, ele
existe juridicamente. Os fundos de pensão obedecem às orientações
do mercado financeirizado e se for considerado o benefício econômico
de um trabalhador isolado, deve-se também observar o sacrifício de
tantos outros quantos foram necessários para elevar os lucros das
empresas participantes do sistema.
Após analisar o funcionamento conclui-se que os dois
sistemas de previdência estão sujeitos aos mesmos problemas de
taxa de contribuição e à longevidade dos contribuintes/beneficiários,
principalmente por causa do desemprego estrutural que se formou no
planeta de forma irreversível. Isto porque, em vista das peculiaridades
demográficas dos grupos de funcionários, a partir de determinado
intervalo uma quantidade bem maior de cotistas passará para a
condição de aposentados, deixando de contribuir e passando a
receber dos fundos. E esse fato já pode ser evidenciado na economia
americana.
Observou-se que os dois sistemas estão basicamente
amparados no regime de contratação subordinada ou na relação de
emprego, onde o empregador contribui tanto quanto o empregado para
a futura previdência. É possível observar-se, também, que, a teoria
econômica do Banco Mundial considera que a proposta de pagamento
de uma renda mínima para os cidadãos que não possuíram condições
de poupar durante a vida ativa para o seu próprio sustento na idade
avançada em ou casos de invalidez involuntária já é aplicada no Brasil
e de forma bastante ineficiente (através da LOAS). É certo que a
privatização da previdência está servindo de capital de investimento
198
Revista TRT 6 • DOUTRINA
das empresas financeirizadas aumentando significativamente o seu
valor e contribuindo para o enriquecimento de poucos às custas do
empobrecimento e até desemprego de muitos.
As empresas beneficiárias das transações assim como o
mercado financeiro poderiam ser onerados com o pagamento de
impostos calculados sobre as negociações realizadas pelas empresas,
especialmente aquelas que transportam a força de trabalho de
serviço técnico especializado de seu país, para um outro com custos
menores. As empresas mais ricas contribuiriam para o funcionamento
da seguridade social de onde as empresas pobres também se
beneficiariam, em troca do capital humano e do capital financeiro
que lhes é gentilmente fornecido. A taxa TOB poderia ser uma saída
para o desenvolvimento das economias mais atrasadas, fornecendo
mais consumo para o sistema capitalista e ajudando a sustentar a
globalização de forma mais humanitária e possível neste século. A
insistência da OMC – Organização Mundial de Comércio – em não
viabilizar tal taxação somente reforça a tese de que os empresários
não estão dispostos a recuar diante da total financeirização de suas
economias em prejuízo do mercado de consumo dos países mais
pobres.
Os fundos de pensão espelham uma lógica social em que
a definição de seu “real significado” é objeto de disputa de vários
agentes coletivos. Esses agentes podem ser facilmente representados
por seus tradicionais dirigentes, que tiveram sua representação
ampliada durante os mandatos de FHC, e os dirigentes sindicais que,
em função da diminuição de importância e com a queda da inflação
neste mesmo período, tentaram inserir-se novamente na administração
das entidades. A “sapiente” teoria neo-liberal dos fundos de pensão é
falsa, visto que as gerações posteriores pagarão de qualquer forma a
aposentadoria das gerações presentes, seja sob a forma da repartição,
seja sob a forma injusta de uma adversa divisão dos rendimentos
da atividade econômica do futuro, pressionando lucro contra o
salário, uma vez que a capitalização é produzida pela remuneração
dos capitais investidos nas atividades referenciadas pelos fundos de
pensão. Na perspectiva dos defensores da capitalização esta é melhor,
também porque os agentes que a controlam não estão subordinados
aos governos e à política e, por isso, administram de forma mais
eficiente o capital que lhes é entregue. Já os partidários do sistema
de repartição apontam fatos em que gestores de fundos privados são
199
DOUTRINA • Revista TRT 6
adjetivados como “depositários infiéis”, a fim de demonstrar que não
há diferença fática entre as capacidades de gestão dos dois tipos de
regime. Uma defesa dessa contracorrente encontra-se em Nikonoff
(NIKONOFF, 1999).
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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201
DOUTRINA • Revista TRT 6
9
ARTIGO 71 DA LEI 8.666/93
E SÚMULA 331 DO C. TST:
PODERIA SER DIFERENTE?
Tereza Aparecida Asta Gemignani
Desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho
da 15ª Região- Campinas. Doutora em Direito pela
Universidade de São Paulo - USP
“ Uma coisa é um país,
outra um ajuntamento.
Uma coisa é um país,
outra um regimento.”
Affonso Romano
(Que país é este ?)
Resumo: A Súmula 331 do TST reputa constitucional
o artigo 71 da Lei 8.666/93, vedando a transferência da
responsabilidade patronal conforme explicitado em seu
inciso II, caminhando o inciso IV nesta mesma direção ao
prever a observância do benefício de ordem, quando fixa a
responsabilidade subsidiária. Considera que nas terceirizações
cabe ao ente público, tomador dos serviços prestados,
acompanhar o cumprimento das obrigações trabalhistas pelo
empregador. O fato desta contratação ter ocorrido mediante
processo licitatório não o desonera do encargo legal de fiscalizar
a atuação do contratado, nem afasta a aplicação do artigo 186
do Código Civil. O comportamento negligente e omisso, que
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Revista TRT 6 • DOUTRINA
permite a lesão aos direitos fundamentais do trabalhador que
atuou em seu benefício, configura culpa in vigilando e viola
o interesse público albergado nos princípios da legalidade,
moralidade e eficiência elencados no artigo 37 da CF/88, que
exigem a atuação pautada pela boa governança e accountability
na gestão da coisa pública.
Palavras-chave: Constitucionalidade do artigo 71 da Lei
8.666/93 e Súmula 331 do TST. Cláusula de reserva de plenário.
Boa governança e accountability. Responsabilidade subsidiária
de ente público. Benefício de ordem.
Sumário:
1. Introdução;
2. O sentido da supremacia do interesse público sobre o
particular;
3. O artigo 71 da Lei 8.666/93;
4. Inconstitucionalidade. A Súmula Vinculante nº 10;
5. A aferição dos limites da aplicação da lei implica o
controle difuso da constitucionalidade?
6. Obalizamentodeconduta.Boagovernança. Accountability;
7. A cláusula de reserva de plenário;
8. Poderia ser diferente?;
9. Conclusão;
10. Referências Bibliográficas
1. Introdução
Em relação aos entes públicos, o inciso XXI do artigo 37
da CF/88 estabeleceu que os serviços prestados por terceiros devem
ser contratados mediante processo de licitação. O artigo 71 da Lei
8.666/93 fixou que nestes casos a responsabilidade do empregador
pelos débitos trabalhistas não seria transferida para a Administração
Pública.
Nos últimos anos, em decorrência de significativas
alterações que vêm ocorrendo na atuação dos entes estatais, esse
tipo de contratação tem se intensificado, notadamente em relação às
atividades-meio da Administração. A questão trazida para o Judiciário
203
DOUTRINA • Revista TRT 6
trabalhista surge quando o empregador deixa de pagar o empregado
e de recolher as contribuições fundiárias e previdenciárias.
Neste caso, o disposto no artigo 71 supra referido poderia
ser considerado salvo-conduto para afastar qualquer responsabilidade
do ente público?
Provocado por um número significativo de processos
em que esta situação jurídica é questionada, o Tribunal Superior do
Trabalho editou a Súmula 331 que fixou dois parâmetros distintos:
A- Face às exigências previstas no inciso II do artigo 37
da CF/88, quanto à necessidade de prévia aprovação em concurso
público, estabeleceu que a “contratação irregular de trabalhador,
mediante empresa interposta,não gera vínculo de emprego com os
órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional”,
preservando a não transferência prevista no artigo 71 da Lei 8.666/93
B- Atento à necessidade de conferir efetividade à legislação
trabalhista, fixou o entendimento de que o “inadimplemento
das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a
responsabilidade subsidiária do tomador de serviços”, o que exige
a observância do benefício de ordem, mantendo assim essa mesma
diretriz legal.
Entretanto, tal orientação jurisprudencial vem sendo objeto
de reiterados questionamentos junto ao STF, tendo o Ministro Marco
Aurélio Mello manifestado divergência por ocasião do julgamento
da ADC 16/ DF e deferido liminar na Reclamação 9016, ajuizada
pelo Estado de Rondônia, por entender que a decisão judicial que
adota a Súmula trabalhista teria exarado manifestação implícita de
inconstitucionalidade do artigo 71 da Lei 8.666/93, sem observar a
cláusula de reserva de plenário prevista no artigo 97 da CF/88, assim
desrespeitando a Súmula Vinculante nº 10.
Tendo em vista a significativa repercussão desta decisão na
seara trabalhista, o presente artigo se propõe a trazer idéias e reflexões,
que possam contribuir para o debate da matéria.
2. O sentido da supremacia do interesse
público sobre o particular
Uma das argumentações contra a diretriz adotada pela
204
Revista TRT 6 • DOUTRINA
Súmula 331 consiste na alegação de que o interesse particular de
um trabalhador, ou de um grupo de trabalhadores, não poderia
prevalecer sobre o interesse público, de modo que a atribuição
de responsabilidade subsidiária ao ente público, quando houve a
contratação dos serviços mediante licitação, violaria o princípio da
legalidade.
Será?
Maria Sylvia Zanella di Pietro 1 explica que os “dois
princípios fundamentais e que decorrem da assinalada bipolaridade
do Direito Administrativo - liberdade do indivíduo e autoridade da
Administração - são os princípios da legalidade e da supremacia do
interesse público sobre o particular... essenciais, porque, a partir
deles, constroem-se todos os demais”.
Entretanto, é interessante observar como a doutrinadora
descola a idéia de interesse particular do conceito de direitos
fundamentais. Com efeito, ao discorrer sobre as tendências atuais
do direito administrativo brasileiro, ressalta que entre as inovações
trazidas pela Constituição Federal de 1988 está o “alargamento do
princípio da legalidade (para abranger não só a lei, mas também
princípios e valores)”, de modo que o Estado Democrático de Direito
passa a vincular a lei aos ideais de justiça, submetendo o “Estado
não apenas à lei em sentido puramente formal, mas ao Direito,
abrangendo todos os valores inseridos expressa ou implicitamente
na Constituição,” notadamente os que foram albergados nos artigos
1º a 4º, entre os quais se destacam a dignidade da pessoa humana, o
valor social do trabalho e da livre iniciativa, a moralidade, publicidade
e impessoalidade.
Destarte, a discricionariedade administrativa será por
estes limitada “o que significa a ampliação do controle judicial, que
deverá abranger a validade dos atos administrativos não só diante
da lei, mas também perante o Direito”. Portanto, o princípio da
legalidade, referido no inciso II do artigo 5º da CF/88, deve ser
entendido como um conjunto de leis, valores e princípios agasalhados
também nos direitos fundamentais, que estabelecem limites à atuação
administrativa, exigindo submissão ao Estado de Direito.
1 Di Pietro, Maria Sylvia Zanella- Direito Administrativo- 21 ª edição- Editora Atlas S.A.São Paulo- 2008- págs. 62 e seguintes.
205
DOUTRINA • Revista TRT 6
Ao discorrer sobre os direitos fundamentais na Carta de
1988, Gilmar Ferreira Mendes2 enfatiza que a “colocação do catálogo
dos direitos fundamentais no início do texto constitucional denota
a intenção do constituinte de emprestar-lhe significado especial...
ressalta a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e
o seu dever de guardar-lhes estrita observância”. Explica que os
direitos fundamentais ultrapassam a órbita subjetiva, alçando uma
dimensão maior na perspectiva da ordem constitucional objetiva,
assim formando a base do ordenamento jurídico de um Estado
Democrático de Direito. Trazendo à colação doutrina desenvolvida por
Jellinek,quanto a Teoria dos quatro “status”, ressalta que os direitos
fundamentais cumprem diferentes funções na ordem jurídica. Não
se restringem mais à concepção tradicional de direitos de defesa,
consagrando também direitos“que tanto podem referir-se a prestações
fáticas de índole positiva (faktische positive Handlungen) quanto a
prestações normativas de índole positiva (normative Handlungen)”
por parte dos entes públicos.
Explica que na condição de direito de defesa impõem
ao Estado o “dever de agir contra terceiros”, resguardando o
indivíduo também “contra abusos de entidades particulares, de
forma que se cuida de garantir a livre manifestação da personalidade,
assegurando uma esfera de autodeterminação do indivíduo”. Ademais,
“reconduzidos ao status positivus de Jellinek, implicam uma postura
ativa do Estado, no sentido de que esse se encontra obrigado a colocar
à disposição dos indivíduos prestações de natureza jurídica e material”.
Com base na doutrina e jurisprudência da Corte
Constitucional Alemã, explica Gilmar Mendes que o dever de
proteção abrange também deveres de segurança que impõem ao
Estado a obrigação de “proteger o indivíduo contra ataques de
terceiros mediante adoção de medidas diversas” e o dever do Estado
“atuar com objetivo de evitar riscos” para o cidadão, de modo que a
inobservância do dever de proteção configura lesão a direito que a
Carta Constitucional reputou fundamental.
Portanto, a definição do âmbito de abrangência do direito
de proteção exige um “renovado e constante esforço hermenêutico”,
concluindo que, face a sua importância como viga de sustentação da
2 Mendes, Gilmar Ferreira- Direitos Fundamentais e controle de constitucionalidadeestudos de direitos constitucional- Editora Saraiva – 2004- 3ª edição- São Paulo- págs 1 a 12
206
Revista TRT 6 • DOUTRINA
Carta Política de 1988, os direitos fundamentais “somente podem ser
limitados por expressa disposição constitucional ( restrição imediata)
ou mediante lei ordinária promulgada com fundamento imediato na
própria Constituição”.3
Neste contexto, as lúcidas observações de Luigi Ferrajoli4
ao rejeitar também a análise da questão sob o estereótipo da maioria/
minoria, ressaltando que os direitos fundamentais “correspondem às
faculdades ou expectativas de todos os que definem as conotações
substanciais da democracia e que são constitucionalmente subtraídos
ao arbítrio da maioria como limites ou vínculos indissociáveis das
decisões governamentais”, porque o reconhecimento jurídico desses
direitos é intrínseco à condição de cidadão/sujeito, assim entendida
como a superação da situação de súdito/objeto de dominação.
Na mesma senda trilhou Luis Roberto Barroso5 ao enfatizar
que o “o público não se confunde com o estatal” pois atuam em planos
diversos, chamando atenção para a importância de “reavivar uma
distinção fundamental e pouco explorada”, que divide o conceito de
interesse público entre primário e secundário. Explica que o interesse
público primário é a razão de ser do Estado e está sintetizado nos
fins que lhe cabe promover: justiça, segurança e bem-estar social,
enquanto o interesse público secundário corresponderia ao interesse
estatal da “pessoa jurídica de direito público que seja parte em uma
determinada relação jurídica- quer se trate de União, quer se trate de
Estado-membro, do Município ou das suas autarquias.
Sem afastar a importância do interesse estatal secundário,
pondera que “em nenhuma hipótese será legítimo sacrificar o interesse
público primário com o objetivo de satisfazer o secundário”. Ressalta,
ademais, que num “Estado democrático de direito, assinalado pela
centralidade e supremacia da Constituição, a realização do interesse
público primário muitas vezes se consuma apenas pela satisfação
de determinados interesses privados. Se tais interesses foram
protegidos por uma cláusula de direito fundamental” não remanesce
3 Mendes, Gilmar Ferreira – Direitos fundamentais e controle da constitucionalidadepag. 14 e 28
4 Ferrajoli, Luigi- Direito e Razão- 3ª edição- Editora Revista dos Tribunais- São Paulo2010- págs 814/815
5 Barroso, Luis Roberto- Curso de Direito Constitucional contemporâneo- Editora
Saraiva-1ª edição 2009- págs. 61, 69 e seguintes
207
DOUTRINA • Revista TRT 6
nenhuma dúvida, pois configurados na constituição como “formas
de realizar o interesse público, mesmo quando o beneficiário for
uma única pessoa privada. Não é por outra razão que os direitos
fundamentais, pelo menos na extensão de seu núcleo essencial, são
indisponíveis”. Assim, o interesse público secundário - i.e., o da
pessoa jurídica de direito público, o do erário - jamais desfrutará de
supremacia, condição ostentada pelo interesse público primário, por
consubstanciar os valores fundamentais que devem ser preservados,
notadamente o princípio da dignidade à pessoa humana, conceito
de “corte antiutilitarista, pretende evitar que o ser humano seja
reduzido à condição de meio para a realização de metas coletivas”
(grifos acrescentados).
Ao analisar o conteúdo essencial dos direitos fundamentais
sob uma dimensão objetiva, Virgílio Afonso da Silva6 destaca que
“deve ser definido com base no significado deste direito para a vida
social como um todo. Isso significa dizer que proteger o conteúdo
essencial de um direito fundamental implica proibir restrições à
eficácia deste direito que o tornem sem significado para todos os
indivíduos ou boa parte deles.”
Nesta perspectiva, exigir que a Administração Pública
fiscalize o cumprimento da legislação trabalhista pelo empregador
contratado, não atende apenas ao direito de um indivíduo ou de um
grupo de trabalhadores, mas visa proteger o conteúdo essencial de
um direito fundamental e seu significado como valor fundante da
república brasileira, nos termos estabelecidos pelo inciso IV do artigo
1º da CF/88.
As ponderações de Daniel Sarmento 7 também caminham
nesta direção ao destacar que uma das conseqüências mais importantes
da “dimensão objetiva dos direitos fundamentais é o reconhecimento
de sua eficácia irradiante. Esta significa que os valores que dão lastro
aos direitos fundamentais penetram por todo o ordenamento jurídico,
condicionando a interpretação das normas legais e atuando como
impulsos e diretrizes para o legislador, a administração e o Judiciário.
Através dela, os direitos fundamentais deixam de ser concebidos
6 Afonso da Silva, Virgílio- Direitos Fundamentais- conteúdo essencial, restrições e
eficácia- Malheiros editores- 2ª edição- São Paulo- pag 185.
7 Sarmento, Daniel- Direitos fundamentais e relações privadas- 2ª edição- 2ª tiragemLúmen Júris Editora- Rio de Janeiro 2008- págs 124 e seguintes
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Revista TRT 6 • DOUTRINA
como meros limites para o ordenamento e se convertem no norte do
direito positivo, no seu verdadeiro eixo gravitacional” o que implica
numa filtragem constitucional, na reinterpretação dos institutos legais
“sob uma ótica constitucional”. Conclui que “a dimensão objetiva dos
direitos fundamentais prende-se ao reconhecimento de que neles
estão contidos os valores mais importantes de uma comunidade
política” que penetram “por todo o ordenamento jurídico, modelando
suas normas e institutos e impondo ao Estado deveres de proteção.
Assim, já não basta que o Estado se abstenha de violar os direitos
humanos. É preciso que ele aja concretamente para protegê-los de
agressões e ameaças de terceiros, inclusive daquelas provenientes
dos atores privados.”
Tais reflexões trazem subsídios importantes para a análise
da controvérsia.
Se o ente público efetua contratação para a realização de
um serviço, só porque tal se deu através de um processo licitatório
estaria desobrigado de fiscalizar e exigir que este empregador cumpra
suas obrigações trabalhistas, fundiárias e previdenciárias?
Se o Estado de Direito mantém a estrutura de uma Justiça
Especializada Trabalhista como garantidora, por que iria permitir que
um ente público se mantivesse inerte, precisamente quando a lesão
é praticada contra aquele trabalhador que atua em seu benefício?
O marco normativo exige que o ente público acompanhe
e fiscalize se o empregador contratado está cumprindo as obrigações
patronais trabalhistas, fundiárias e previdenciárias, a fim de preservar
o conteúdo essencial dos direitos trabalhistas instituídos como
fundamentais pela Carta Política de 1988.
Com efeito, num Estado Democrático de Direito, como
sustentar que a Administração Pública aufira proveito dos serviços
de um trabalhador, mas lave as mãos em relação aos seus direitos
trabalhistas, que detém natureza alimentar, efetuando o pagamento
ao empregador sem fiscalizar se houve o efetivo cumprimento da
norma fundamental prevista no artigo 7º da CF/88, e fique tudo por
isso mesmo?
Acaso o artigo 71 da lei 8.666/93 desobriga a Administração
Pública de respeitar os direitos fundamentais daquele que presta
serviços em seu benefício?
209
DOUTRINA • Revista TRT 6
3. O artigo 71 da lei 8.666/93
Vejamos o que diz o texto legal.
Estabelece o caput do artigo 71 da Lei 8.666/93 que:
O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas,
previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do
contrato.
E o parágrafo 1º:
A inadimplência do contratado, com referência aos encargos
trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à administração Pública
a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do
contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações,
inclusive perante o registro de imóveis
Acertadamente dispôs o preceito legal, pois cabe mesmo
ao contratado a responsabilidade pelos encargos trabalhistas em
decorrência de sua situação de empregador, condição que não se
transfere ao ente público, porque nestes casos a Administração Pública
está constitucionalmente impedida pelo inciso II do artigo 37 da CF/88
de atuar como empregadora, conforme observado pela Súmula 331
do C. TST ao dispor no inciso II:
A contratação irregular de trabalhador, mediante
empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da
administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37 II da
CF/88).
Agora, situação jurídica diversa é a referida pelo inciso IV
da mesma Súmula, ao tratar da responsabilidade da Administração
Pública pela omissão e negligência, quando deixa de exigir e fiscalizar
o cumprimento da legislação trabalhista pelo empregador contratado,
fixando que:
O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte
do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador
dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos
da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das
empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que
hajam participado da relação processual e constem também do título
executivo judicial ( art. 71 da lei 8.666/93)
Este é o texto que tem sido objeto de vários questionamentos
210
Revista TRT 6 • DOUTRINA
perante o STF, como passaremos a examinar.
4. Inconstitucionalidade. A Súmula Vinculante
nº 10
O Ministro Marco Aurélio Mello abriu divergência por
ocasião do julgamento da ADC 16/ DF (ainda não concluído). Ao
apreciar a Reclamação 9016 deferiu liminar, asseverando que a decisão
proferida com esteio nesta diretriz jurisprudencial teria incorrido
em declaração implícita de inconstitucionalidade do artigo 71 da Lei
8.666/93, sem observância da cláusula de reserva de plenário, com
flagrante violação da Súmula Vinculante nº 10, que estabeleceu:
“Viola a cláusula de reserva de plenário ( CF, artigo 97)
a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare
expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder
público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”.
Assim, é preciso analisar primeiramente a seguinte questão:
A diretriz jurisprudencial estabelecida no inciso IV da
Súmula 331 do TST afastou a incidência do disposto no artigo 71 da
Lei 8.666/93?
Penso que não.
Em nenhum momento a constitucionalidade do referido
dispositivo legal foi questionada, nem mesmo de forma implícita.
Pelo contrário, explicitamente se partiu do pressuposto de sua
constitucionalidade, como demonstra o verbete sumular que faz
menção expressa ao texto legal em seu inciso IV.
Ademais, a diretriz jurisprudencial trabalhista não
estabeleceu a transferência dos encargos patronais do empregador
para a Administração. Pelo contrário, não houve transferência de
responsabilidade, pois o empregador permanece como o principal
responsável pelo adimplemento da obrigação, de modo que aplicação
do disposto no artigo 71 da Lei 8.666/93 foi observada também pelo
inciso IV deste verbete.
Por outro lado, não se pode desconsiderar que a Lei
8.666/93 teve o objetivo de instituir normas para licitações/contratos
da Administração Pública e não para disciplinar a responsabilidade
advinda da conduta omissiva e negligente dos entes estatais.
211
DOUTRINA • Revista TRT 6
Ao estudar o instituto da licitação, Vladimir da Rocha França
ressalta que em relação à matéria os “princípios constitucionais não
podem ser compreendidos como compartimentos estanques, tal
como gavetas num armário. Tais normas jurídicas ganham maior
intelecção e efetividade quando são conjugadas, no esforço de conferir
harmonia, coerência e racionalidade à aplicação das regras do sistema
do direito positivo. Nas licitações, os princípios jurídicos funcionam
como bússolas na concretização das regras jurídicas que disciplinam a
matéria no plano constitucional e infraconstitucional. Cabe ao gestor
público justamente empregar esses preceitos fundamentais para
otimizar a seleção da melhor proposta e a preservação da garantia
da isonomia” evitando que haja a “ violação a um princípio jurídico
durante a formação ou desenvolvimento da licitação”
Ora, o artigo 71 da Lei 8.666/93 não isentou a Administração
Pública do dever de acompanhar e fiscalizar a atuação da empresa
contratada quanto ao efetivo cumprimento das obrigações legais
trabalhistas.
Nem pode ser interpretado como permissivo legal que
possibilite a adoção de conduta negligente por parte do ente público,
que permite a violação de princípios jurídicos e cause lesão aos direitos
fundamentais do trabalhador, que presta serviços em seu benefício.
A responsabilidade subsidiária não transfere à Administração
Pública a responsabilidade que é própria do empregador, tendo em
vista que em seu conceito está implícita a observância do benefício
de ordem e a possibilidade de ação regressiva.
Destarte, a interpretação sistemática do disposto no caput
do artigo 71 e seus parágrafos respalda a fixação da responsabilidade
subsidiária da Administração Pública, nos termos estabelecidos na
Súmula 331 pelo Tribunal Superior do Trabalho, que assim atua no
legítimo exercício de sua competência constitucional exclusiva (art.
111 e seguintes da CF/88).
Interessante analisar as razões de decidir exaradas no voto
proferido pelo Ministro César Peluso no julgamento da ADC 16/ DF,
em que o Distrito Federal busca a declaração de constitucionalidade
8
8 França, Vlademir da Rocha- Considerações sobre a legalidade e demais princípios
jurídicos da licitação- in Princípio da legalidade: da dogmática jurídica à teoria do Direitocoordenadores Cláusio Brandão, Francisco Cavalcanti e João Mauricio Adeodato- Editora
Forense- Rio de Janeiro- 2009- pags. 395 a 416
212
Revista TRT 6 • DOUTRINA
do artigo 71 da Lei 8.666/93 em face da aplicação da referida Súmula.
Ponderou este Relator que não havia sentido em apreciar o pedido,
pois a presunção de constitucionalidade do referido dispositivo não
estava em cheque, sendo que além de assegurar a satisfação dos
débitos trabalhistas, mediante a responsabilidade subsidiária do ente
público tomador de serviço, a Súmula do TST preservou o constante
do parágrafo 1º do artigo 71 da Lei 8.666/93, cuja menção expressa
consignou no referido verbete, concluindo não ter sido demonstrada
a existência de controvérsia sobre a constitucionalidade da norma. O
Ministro Marco Aurélio apresentou divergência e o julgamento foi
suspenso por pedido de vista do então Ministro Menezes Direito.
5. A aferição dos limites de aplicação da lei
implica no controle difuso de constitucionalidade?
Ante tal panorama, o exame da questão exige que seja
apreciado o seguinte ponto nodular da controvérsia:
A aferição dos limites de aplicação de um determinado
dispositivo legal implica controle difuso de constitucionalidade?
Quando os Tribunais do Trabalho procedem à
interpretação sistemática, a fim de aferir os limites de aplicação de
diferentes dispositivos legais, tal configura, por si só, controle de
constitucionalidade?
Ao apreciar a Reclamação 6665/ 2008, apresentada
em relação a decisão proferida pelo TRT da 2ª Região no P.
01663.2005.291.02.00-1, o Ministro Joaquim Barbosa julgou
improcedente o pedido, ponderando:
“A simples ausência de aplicação de uma dada norma
jurídica ao caso sob exame não caracteriza, tão-somente por si,
violação da orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal. Por
exemplo, é possível que dada norma não sirva para desate do quadro
submetido ao crivo jurisdicional pura e simplesmente porque não há
subsunção”. Para caracterização da ofensa ao artigo 97 da Constituição,
que estabelece a reserva de plenário (full bench) para declaração
de inconstitucionalidade, é necessário que a causa seja decidida
sob critérios diversos, alegadamente extraídos da Constituição, de
modo a levar ao afastamento implícito ou explícito da norma por
213
DOUTRINA • Revista TRT 6
incompatibilidade com a Constituição.
Ademais, é importante lembrar que não se exige a reserva
estabelecida no artigo 97 da constituição sempre que o Plenário, ou
órgão equivalente do Tribunal já tiver decidido a questão.
...é importante salientar que a
Súmula 10 desta Corte não se refere às exceções
à observância da cláusula de reserva de plenário
(art. 97 da CF/88). A súmula explicita e veda
uma forma indireta de burla ao disposto no
artigo 97 da CF/88. Desse modo, permanecem
hígidas no sistema as exceções legalmente
previstas à cláusula de reserva de plenário”
(RCL 7.874, Rel Min Joaquim Barbosa, decisão
monocrática DJ de 23.04.2009)
Conforme ressaltado, a interpretação sistemática, ínsita a
todo julgamento, efetuada com o escopo de aferir qual a norma apta a
possibilitar a subsunção necessária para obter a solução de determinada
controvérsia, não configura controle difuso de constitucionalidade
dos demais dispositivos legais, que não se destinavam a disciplinar a
situação jurídica em conflito.
A Lei federal 8.666/93, promulgada para estabelecer
“normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes
a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e
locações no âmbito dos poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios”, disciplina as relações entre licitante e
licitado, mas nada dispõe sobre a responsabilização da administração
Pública pela conduta negligente que viole direitos fundamentais do
trabalhador que atua em seu benefício, de modo que não há como
ampliar sua aplicação à situação jurídica diversa daquela que visou
regular.
Ademais, como bem pondera Maria Sylvia9, o procedimento
licitatório decorre do “princípio da indisponibilidade do interesse
público” e se constitui numa “restrição à liberdade administrativa
9 Di Pietro, Maria Sylvia Zanella- obra citada- pag. 335
214
Revista TRT 6 • DOUTRINA
na escolha do contratante; a Administração terá que escolher aquele
cuja proposta melhor atenda ao interesse público”. Deste modo,
desatende aos princípios da moralidade e probidade, referidos nos
artigos 89 a 99 da Lei 8.666/93, a Administração Pública que deixa
o contratante atuar sem fiscalização, permitindo que descumpra a
legislação trabalhista mesmo recebendo recursos públicos para tanto,
assim lesando também o interesse público.
A diretriz jurisprudencial fixada pela Súmula 331 não trata
da constitucionalidade, ou não, do artigo 71 da Lei 8.666/93, mas da
sua observância nos termos em que foi estabelecido, o que afasta a
interpretação ampliativa e aplicação do referido dispositivo a situação
jurídica que não visou disciplinar, como a referente à responsabilidade
do ente público que paga sem fiscalizar se as obrigações patronais
trabalhistas do empregador contratado foram satisfeitas, adotando
flagrante conduta negligente, que viola os direitos trabalhistas.
Neste contexto, o marco normativo que permite a
subsunção do fato (conduta lesiva por omissão da Administração
Publica) está posto no artigo 186 do Código Civil ao dispor :
Art. 186 - Aquele que, por ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Tal imputação não caracteriza a transferência vedada
pelo artigo 71 da Lei 8.666/93, porque o empregador continua a
deter com exclusividade a responsabilidade patronal contratual. A
responsabilidade da Administração Pública deriva de fato gerador
diverso, ex lege, tendo a Súmula 331 observado tal disposição
legal ao atribuir-lhe a conotação de subsidiária, em que é de rigor
a observância do benefício de ordem e a possibilidade de ação
regressiva, de sorte que se trata de uma questão de subsunção do
fato à norma, uma questão de legalidade, que em nenhum momento
resvalou para o exame da constitucionalidade, o que afasta a aplicação
da exigência contida na Súmula Vinculante nº 10.
215
DOUTRINA • Revista TRT 6
6. O balizamento de conduta. Boa governança. Accountability
Como anteriormente ressaltado, o argumento de que a
responsabilidade subsidiária do Estado não poderia subsistir, pois o
interesse público tem supremacia sobre o particular, da forma como
foi construído não se sustenta, por se revelar falacioso.
Com efeito, não se trata de fazer valer o direito de um
indivíduo ou de um grupo de empregados, mas de preservar o
conteúdo essencial dos direitos trabalhistas, cujo cumprimento
se reveste de inequívoco interesse público por se tratar de norma
fundamental, assim instituída pela Lei Maior em seu artigo 7º.
Ademais, como considerar que uma conduta omissa e
negligente por parte da Administração Pública possa ser considerada
preservadora do interesse público?
Os preceitos infraconstitucionais que disciplinam a
licitação se referem à situação jurídica diversa e não afastam o interesse
público, nos termos em que foi conceituado pela Constituição quanto
ao respeito ao marco normativo trabalhista, estabelecido sob a matriz
fixada nos princípios fundantes estabelecidos nos incisos III e IV do
artigo 1º da Constituição Federal de 1988.
Como bem pondera Maria Sylvia Zanella di Pietro10 a
“preocupação com a proteção do interesse público nasceu com o
Estado Social. E não nasceu para proteger um interesse público
único, indeterminado, difícil ou impossível de definir-se”, mas “para
proteger os vários interesses das várias camadas sociais.” Conhecido
também como princípio da finalidade pública “vincula a autoridade
administrativa em toda a sua atuação” e tem o objetivo primordial de
atender ao bem-estar coletivo. Assim, se a lei concede à Administração
o poder/dever de processar uma licitação, tal expediente não pode
ser usado como salvo conduto para burlar as leis trabalhistas, pois tal
configura abuso de poder que viola o interesse público.
Neste sentido as lúcidas reflexões de Celso Antonio
Bandeira de Mello11 ao ressaltar que “sendo interesses qualificados
10 Di Pietro, Maria Sylvia- obra citada pag. 37 e seguintes; 63 e seguintes.
11 Mello, Celso Antonio Bandeira de- Curso de Direito Administrativo- Malheiros- São
Paulo – ano 2010- pags. 73/74
216
Revista TRT 6 • DOUTRINA
como próprios da coletividade - internos ao setor público - não
se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por
inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não
tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas
curá-los - o que é também um dever - na estrita observância do que
dispuser a intentio legis”.concluindo que a Administração Pública
tem natureza instrumental, não detendo o Juízo de disponibilidade
para escolher quais dos interesses públicos confiados a sua guarda
e realização deverão ser observados, ou não, sob pena de ter que
responder pela omissão.
O nexo causal justificador da responsabilização é a conduta
omissiva e negligente do ente público, que se beneficia da força de
trabalho de alguém e remunera seu empregador sem fiscalizar se este
cumpriu com suas obrigações trabalhistas. Destarte, a construção
jurisprudencial contida no inciso IV da Sumula 331 foi explicitada
secundum legem, escorada no artigo 186 do Código Civil, aplicável por
compatível com o Direito Trabalhista, restando plenamente observado
o princípio da legalidade, tendo o Tribunal Superior do Trabalho assim
atuado no desempenho de sua função constitucional, com o escopo
de proceder à necessária uniformização da jurisprudência.
Mas não é só.
Produz efeito que se espraia por toda a sociedade como
balizador de conduta, ao sinalizar que a Administração Pública deve
proceder com mais cautela, fiscalizando e acompanhando a prestação
de serviços em prol do interesse público, dever legal que não pode
ser afastado pelo simples fato da contratação ter ocorrido mediante
processo licitatório.
Neste sentido, trago novamente à colação as reflexões
de Celso Antonio Bandeira de Mello, ao pontuar que o princípio da
finalidade está encartado na legalidade, pois não se “compreende uma
lei, não se entende uma norma, sem entender qual é o seu objetivo.
Donde não se aplica uma lei corretamente se o ato de aplicação carecer
de sintonia com o escopo por ela visado. Implementar uma regra de
direito não é homenagear exteriormente sua dicção, mas dar satisfação
a seus propósitos. Logo só se cumpre a legalidade quando se atende
a sua finalidade. A atividade administrativa desencontrada com o fim
legal é inválida e, por isso, judicialmente censurável”
O processo licitatório tem a finalidade de escolher a melhor
217
DOUTRINA • Revista TRT 6
proposta em igualdade de condições, em prol do interesse público.
AresponsabilizaçãodaAdministraçãopeloacompanhamento
e fiscalização dos serviços contratados emerge, portanto, da própria
finalidade da lei. Ademais, se reveste de inequívoco efeito moralizador
dos procedimentos administrativos, conferindo-lhes maior lisura. Com
efeito, cientes de que haverá efetiva fiscalização pelo ente público,
os interessados só participarão de um processo licitatório se tiverem
condições de honrar a proposta apresentada em sua integralidade, o
que inclui o cumprimento das conseqüentes obrigações trabalhistas.
O argumento de que a responsabilidade subsidiária do
Estado não poderia subsistir em tais casos, pois o interesse público
tem supremacia sobre o particular, também se revela insustentável
por ser antitético.
Como vislumbrar que está sendo priorizada a supremacia
do interesse público, se houve a escolha de proposta menos vantajosa
por apresentar números e valores irreais, já contando com o posterior
inadimplemento das obrigações trabalhistas, assim viciando o próprio
processo licitatório ao elidir a igualdade de condições?
Como sustentar que está sendo atendido o interesse
público, quando tal situação via de regra leva a uma paralisação dos
serviços pelos trabalhadores que deixam de receber seus direitos,
mesmo quando o empregador já foi pago pela Administração com
recursos públicos?
Ora, é precisamente o contrário!
A responsabilização subsidiária do Estado visa preservar o
interesse público sobre interesses outros, nem sempre confessáveis,
daqueles que participam de um processo licitatório apresentando
propostas fictícias, já contando com futura inadimplência de certas
obrigações. Trata-se de cumprir o princípio da legalidade e fazer valer a
finalidade do ordenamento jurídico, evitando que a licitação seja usada
para auferir vantagens e burlar a legislação trabalhista pelo contratante,
causando pesado ônus para a sociedade como um todo, que arcará com
os custos da máquina judiciária a ser movimentada pelos trabalhadores
para o recebimento de seus direitos, além dos prejuízos causados pela
falta de recolhimento das contribuições devidas.
O ordenamento jurídico do país não está fatiado em
comportamentos estanques. As leis se articulam como vasos
218
Revista TRT 6 • DOUTRINA
comunicantes, tendo por escopo o balizamento da conduta social. Ao
exigir que o ente público fiscalize a atuação do contratado, quanto
ao cumprimento das obrigações trabalhistas, a lei está sinalizando
que o processo licitatório é prá valer e não uma peça de ficção. Está
evidenciando que o Estado que exige o cumprimento da lei trabalhista
através da Justiça do Trabalho é o mesmo Estado que fiscaliza tal
cumprimento na prestação de serviços por parte de terceiros, ou seja,
o padrão de conduta exigível dos cidadãos é o mesmo, conferindo
maior legitimidade ao próprio processo licitatório, por sinalizar aos
participantes que atuará durante a prestação de serviços para evitar
que tais parâmetros sejam infringidos de forma transversa.
A maioridade do país, como nação, exige que tais
marcos paradigmáticos sejam respeitados por todos, sem excluir a
Administração Pública, que detém responsabilidade fiscalizadora
durante a prestação dos serviços contratados.
É dizer, a lei não vale só para os outros, mas para a
Administração Pública também, e com muito mais razão. O
ordenamento jurídico não ampara a interpretação que possibilita a
negligência e omissão do próprio ente público, reduzindo-o a triste
figura de acobertador da conduta ilícita do empregador contratado.
Com efeito, qual o fundamento jurídico para sustentar que
ao atuar como tomador o ente público estaria dispensado de exigir
e fiscalizar o efetivo cumprimento da lei trabalhista, se a força de
trabalho foi prestada em seu benefício?
Como admitir que teria obrigação de ressarcir o dano
provocado por ato ilícito, praticado contra terceiros, conforme prevê
o parágrafo 6º do artigo 37 da CF/88, mas estaria desobrigado de
responder pelo ilícito praticado contra um trabalhador, de cuja atuação
auferiu proveito?
Com percuciência pondera Maria Sylvia 12 que quando “a
administração pública recorre a terceiros para a execução de tarefas
que ela mesma pode executar, ela está terceirizando. Embora se
trate de contratação que obedece às regras e princípios do direito
administrativo, a terceirização acaba, muitas vezes, por implicar
burla aos direitos sociais do trabalhador da empresa prestadora do
serviço, o que coloca a Administração Pública sob a égide do direito
12 Di Pietro, Maria Sylvia Zanella- obra citada- pag 325
219
DOUTRINA • Revista TRT 6
do trabalho. Daí a necessidade de sujeitar-se às decisões normativas
da Justiça do Trabalho.”
Luis Roberto Barroso13 caminha nesta mesma direção
ao ressaltar que a cabe à Constituição de um Estado democrático
“veicular consensos mínimos, essenciais para a dignidade das pessoas
e para o funcionamento do regime democrático, que envolvem a
garantia dos direitos fundamentais.”
Neste contexto, o fato de ter ocorrido um processo de
licitação isenta a Administração Pública de responder pelos atos
ilícitos praticados?
Poderia ser utilizado o artigo 71 da Lei 8.666/93 como
salvo-conduto para justificar conduta negligente e respaldar a
irresponsabilidade da Administração Pública, quando todo o
ordenamento jurídico aponta em sentido inverso?
Ao aplicar as balizas reitoras explicitadas no artigo 186 do
Código Civil e 37 da CF/88, notadamente quanto à observância dos
princípios da finalidade como informador da legalidade, moralidade,
publicidade e eficiência, exige-se que Administração Pública atente
para as regras da boa governança, para a observância da accountability,
conduta que irradiará seus efeitos por todo o tecido social, estimulando
a ética concorrencial no processo licitatório, o que redundará na
prestação de um serviço público de melhor qualidade, agora sim, em
benefício da coletividade e do interesse público da nação.
7. A cláusula de reserva de plenário
A decisão proferida com espeque na diretriz jurisprudencial
consignada na Súmula 331 viola a cláusula de reserva de plenário?
Ao disciplinar a matéria, estabeleceu a Constituição Federal
em seu artigo 97:
“Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros
ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais
declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder
Público”.
Trata-se, portanto, de exigência a ser observada quando se
13 Barroso-Direito constitucional contemporâneo- págs 90/91
220
Revista TRT 6 • DOUTRINA
questiona a inconstitucionalidade de uma lei.
Não é esse o caso, pois a Súmula 331 do C. TST faz
expressa menção ao artigo 71 da Lei 8.666/91, reconhecendo sua
constitucionalidade.
Ademais, não se pode perder de vista que este entendimento
jurisprudencial advém de uma Súmula expedida pelo Plenário de um
Tribunal Superior, que tem competência para tanto, assim atraindo
a aplicação do disposto no artigo 557 do CPC, compatível com o
processo trabalhista, que preceitua:
“O relator negará seguimento a recurso manifestamente
inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula
ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo
Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.
Se a edição de Súmula pelo Tribunal Superior (TST)
produz fundamentos judiciais suficientes para respaldar uma decisão
monocrática, por que deixaria de gerar efeitos quando se trata de uma
decisão de Colegiado, quando a lei sinaliza exatamente em sentido
contrário como consta do parágrafo 2º deste artigo?
Tal raciocínio foi claramente explicitado pelo Ministro
Ayres Brito ao apreciar reclamação com o mesmo questionamento,
decidindo nos seguintes termos:
“Trata-se de reclamação constitucional,
aparelhada com pedido de medida liminar, proposta
pelo Estado de Minas Gerais, contra acórdão do Tribunal
Regional do Trabalho da 3ª Região. 2. Argúi o autor
que a Quinta Turma do Tribunal Regional do Trabalho
da 3ª Região, ao negar provimento a recurso ordinário
em reclamação trabalhista, afastou a aplicabilidade
do § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93. Isto sem que
houvesse pronunciamento do Plenário do tribunal
acerca da inconstitucionalidade do dispositivo legal. (...)
E o fato é que essa súmula foi objeto de análise pelo
Plenário do Tribunal Superior do Trabalho no Incidente
de Uniformização de Jurisprudência nº 297.751/96, em
221
DOUTRINA • Revista TRT 6
11 de setembro de 2000. Não houve, portanto, nenhuma
violação à reserva de plenário (art. 97 da Constituição
Federal). Digo isto porque me parece, neste juízo
provisório, aplicável ao caso a disciplina do parágrafo
único do art. 481 do Código de Processo Civil, in verbis:
“Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais
não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a
argüição de inconstitucionalidade, quando já houver
pronunciamento destes ou do plenário do Supremo
Tribunal Federal sobre a questão (...)”
(STF-Rcl-8216- MC/MG, Rel. Min. Carlos
Ayres Britto, publicado no DJ de 19.05.09) (grifou-se).
“(...) Ademais, não me parece razoável que o
relator, nos termos do art. 557 do Código de Processo Civil
(O relator negará seguimento a recurso manifestamente
inadmissível, improcedente, prejudicado ou em
confronto com súmula ou com jurisprudência dominante
do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou
de Tribunal Superior) possa, monocraticamente, com
supedâneo em súmula ou jurisprudência dominante de
tribunal superior, julgar improcedente um recurso (que,
lembre-se, não raro ataca sentença em que se tenha
declarado a inconstitucionalidade de lei), sem que se
confira a mesma prerrogativa às Turmas ou Câmaras
dos tribunais. Daí a leitura conjunta que há de se fazer
do parágrafo único do art. 481 e do art. 557, ambos do
Código de Processo Civil (...)”
(STF-Rcl-7219- MC/MG, Rel. Min. Carlos
Ayres Britto, publicado no DJ de 13.02.2009) (grifou-se).
Importante ressaltar os termos em que foi exarado
posicionamento, quando analisada a matéria referente à Súmula
222
Revista TRT 6 • DOUTRINA
Vinculante nº10, conforme registro dos debates que constam da 15ª e
16ª Sessões Plenárias do STF - DJe nº 172/2008 Divulgação: quintafeira- 11 de setembro Publicação: sexta-feira - 12 de setembro, cujo
texto a seguir transcrevo, com grifos ora acrescentados:
QUINTA)
DEBATES QUE INTEGRAM A ATA DA 15ª (DÉCIMA
SESSÃO ORDINÁRIA, DO PLENÁRIO, REALIZADA
EM 11 DE JUNHO DE 2008
D E B AT E S PA R A A A P R O VA Ç Ã O D A S Ú M U L A
VINCULANTE Nº 7
O SR. MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE)
– Senhores Ministros, talvez em relação a esses dois casos, a Súmula
nº 648, e em relação também à reserva de Plenário, nós pudéssemos
elaborar uma Súmula, ouvido o Procurador-Geral, e depois poderíamos
chegar a um texto, porque parece que são matérias pacíficas.
Em relação à Súmula nº 648, claro, já se trata de
entendimento sumulado.
Em relação à reserva de Plenário, com as ressalvas que
nós conhecemos e que a jurisprudência do Supremo encaminhou,
e depois foram incorporadas inclusive pelo legislador, nos arts. 481
e 482 do CPC, também é uma matéria bastante pacífica. Acho que
não há nenhuma dúvida em relação a isso.
SEXTA)
DEBATES QUE INTEGRAM A ATA DA 16ª (DÉCIMA
SESSÃO ORDINÁRIA, DO PLENÁRIO, REALIZADA
EM 18 DE JUNHO DE 2008
D E B AT E S PA R A A A P R O VA Ç Ã O D A S Ú M U L A
VINCULANTE Nº 10
O SR. MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE)
- Penso já ter sido distribuída a proposta de súmula que deliberamos
na sessão anterior sobre a questão da reserva de Plenário. Houve
aprovação, mas a Ministra Ellen Gracie, agora, nos submete essa
223
DOUTRINA • Revista TRT 6
proposta. Vou ler o texto (Questão de Ordem no RE 580.108): “Viola
a cláusula de reserva de plenário (Constituição Federal, artigo 97)
a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare
expressamente a inconstitucionalidade de norma, afasta a sua
incidência no todo ou em parte”.
O SR. MINISTRO MARCO AURÉLIO - Presidente, claro
que podemos deixar de aplicar uma lei por ser também inadequada
à espécie em termos de regência. Agora, no caso a premissa é única,
a declaração - diria -“escamoteada” de inconstitucionalidade da lei.
Penso que a percepção dessa premissa está na cláusula, embora não
declare expressamente, ou seja, afasta, para aplicar a Constituição
Federal, sem levar o incidente a órgão especial ou ao Plenário. Sendo
esse o sentido, estou de pleno acordo. Presidente, apenas mais uma
colocação, para que fique documentado, inclusive quanto ao meu
ponto de vista. Aqui também não está apanhada a situação em que,
em processo subjetivo, já houve a declaração de inconstitucionalidade
da lei pelo Supremo.
O SR. MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE)
- Ou mesmo pelo órgão especial do Tribunal porque o CPC faz essa
ressalva.
O S R . M I N I S T R O MA R CO AU R É L I O - H ave n d o
decisão do próprio Tribunal, claro que não têm de ocorrer sucessivos
incidentes.
O SR. MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE)
- Que são aquelas hipóteses em que a própria lei ressalva.
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE - Senhor
Presidente, eu gostaria apenas, como autora da proposta, de sugerir
uma pequena alteração, que me foi alcançada pelo colega Ministro
Carlos Britto. Na redação que Vossas Excelências têm em mãos,
quando se diz: “não declare expressamente a inconstitucionalidade
de norma” substitua-se esse termo “norma” por “lei ou ato normativo
do poder público”. Com isso estaremos reproduzindo o texto do art.
97 da Constituição. Acato essa ponderação do Ministro Carlos Britto,
penso que enriquece a redação.”
..........................................
Portanto, esta será a Súmula Vinculante nº10:
“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a
224
Revista TRT 6 • DOUTRINA
decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare
expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do
poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”
Destarte, como a ressalva quanto à aplicação do preceituado
nos artigos 481 e 482 do CPC foi devidamente destacada nos debates,
e a interpretação da Súmula Vinculante nº 10 não pode ultrapassar
as balizas postas pelo artigo 97 da CF/88, onde estaria a violação da
cláusula de reserva de plenário na decisão que adotou o entendimento
contido na Súmula 331?
Após apreciar inúmeros processos, nos quais ficou
evidenciado o comportamento negligente do ente público, quando
deixa de fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista pelos
contratados, que atuavam como empregadores dos trabalhadores
que prestavam serviços em seu benefício, o Tribunal Superior do
Trabalho reputou constitucional o artigo 71 da Lei 8.666/93 nos
termos em que foi promulgado. Assim, manteve o ali disposto
quanto à impossibilidade de transferência das obrigações patronais,
estabelecendo expressamente na Súmula 331 que não há vínculo de
emprego ente o ente público e o trabalhador. Ao aplicar o referido
verbete as Câmaras ou Turmas mantêm este entendimento quanto
à vedação de transferência, de modo que em nenhum momento se
coloca em questão a inconstitucionalidade, nem mesmo implícita, do
artigo 71 da Lei 8.666/93
8. Poderia ser diferente?
Ao constatar que o comportamento negligente da
Administração Pública provoca lesão aos direitos fundamentais do
trabalhador, respaldado na diretriz constitucional prevista no inciso
IV do artigo 1º e no parágrafo 6º do artigo 37, ambos da CF/88, bem
como artigo 186 do Código Civil, cuja aplicação considera compatível
com o direito trabalhista, o TST vem reconhecendo a responsabilidade
subsidiária pela reparação da lesão, o que implica a observância do
benefício de ordem e possibilita ação regressiva.
Portanto, não há qualquer transferência das obrigações
empregatícias.
O empregador continua, como sempre, detentor da
responsabilidade patronal. A responsabilidade do ente público decorre
225
DOUTRINA • Revista TRT 6
de fato gerador distinto, ex lege, qual seja, o comportamento culposo
por negligência.
E poderia ser diferente?
A Justiça Trabalhista poderia ignorar que um número
expressivo de entes públicos deixam de cumprir seu dever de fiscalizar
a prestação de serviços pelos contratados, efetuando pagamentos sem
antes exigir a comprovação de que houve a observância das obrigações
patronais trabalhistas?
Poderia admitir que a omissão do ente público redunde
num enriquecimento ilícito do empregador, que se apodera dos valores
referentes às verbas trabalhistas, deixando de efetuar os pagamentos
de natureza alimentar devidos ao seu empregado, além de sonegar
os recolhimentos fundiários e previdenciários ?
A Constituição pode ser reduzida a um simples ajuntamento
de normas, com o descumprimento das regras de boa governança e
accountability que instituem o devido processo legal administrativo,
sob o descarado argumento de que o agente público se limitou a seguir
os trâmites de um procedimento licitatório?
Os direitos fundamentais, estabelecidos como vigas de
edificação da República Brasileira pela Carta Constitucional, podem
ser rebaixados a condição de mero regimento?
A Carta Constitucional é bússola que fixa a diretriz, o
caminho a ser percorrido pelo ordenamento jurídico para preservar
o conteúdo essencial dos direitos fundamentais, que sustentam
institucionalmente o país, preservando sua vitalidade como nação.
Assim é porque a Constituição atua como “fonte de Direito
(constitucional) e também conjunto normativo que disciplina as demais
fontes do direito”, como pontua André Ramos Tavares14
Cabe ao intérprete promover a análise sob tal perspectiva,
para garantir a harmonia que propicia a efetividade do sistema. Para
tanto, não se pode deixar de acompanhar Luis Roberto Barroso 15
quando ressalta que a ordem jurídica é um sistema dotado de unidade
e harmonia. “Os diferentes ramos do direito constituem subsistemas
14 Tavares, André Ramos- Teoria da Justiça Constitucional- Editora Saraiva- São Paulo2005- pag. 45
15 Barroso, Luis Roberto- obra citada- págs 294/295
226
Revista TRT 6 • DOUTRINA
fundados em uma lógica interna e na compatibilidade externa com
os demais subsistemas” sendo a Constituição um “fator de unidade
do sistema como um todo, ditando os valores e fins que devem ser
observados e promovidos pelo conjunto do ordenamento”. Por isso, o
Direito “existe para realizar determinados fins sociais, certos objetivos
ligados à justiça, à segurança jurídica, à dignidade da pessoa humana
e ao bem-estar social”, princípios albergados na Constituição que se
irradiam por todo o sistema jurídico do país.
Poderia ser diferente ?
9. Conclusão
A regra posta no artigo 71 da Lei 8.666/93 estabeleceu
que os deveres patronais próprios do empregador não se transferem
para a Administração Pública, mas não excluiu sua responsabilização
pela preservação dos direitos fundamentais do trabalhador, base de
sustentação do ordenamento jurídico de um Estado de Direito, cuja
exigibilidade se reveste de interesse público, de sorte que falacioso
e incabível o argumento que pretende restringir a dimensão da
controvérsia a um simples confronto entre público e privado.
Ademais, em cumprimento aos princípios da legalidade,
moralidade e eficiência albergados no artigo 37 da CF/88, a
Administração Pública tem obrigação legal de pautar sua atuação pela
boa governança e accountability na gestão da coisa pública, de modo
que lhe cabe fiscalizar o empregador contratado para que cumpra
com suas obrigações trabalhistas. O fato desta contratação ter ocorrido
mediante processo licitatório não elide tal conclusão, pois não afasta
a aplicação do artigo 186 do Código Civil quando o comportamento
negligente e omisso do ente público possibilita a violação e lesão aos
direitos fundamentais do trabalhador, que atuou em seu benefício.
Assim sendo, ao consignar que as obrigações patronais do
empregador não se transferem ao ente público, mas não impedem a
sua responsabilização pela conduta culposa in vigilando, por omissão
e negligência, imputando-lhe a responsabilidade subsidiária, que
implica a observância do benefício de ordem e possibilita a ação
regressiva, a diretriz jurisprudencial traçada na Súmula 331 pelo TST
não tratou da constitucionalidade, mas da legalidade, da subsunção do
fato à norma apta para discipliná-lo, inexistindo na decisão pautada
227
DOUTRINA • Revista TRT 6
por tal diretriz qualquer descumprimento da cláusula de reserva de
plenário preceituada no artigo 97 da CF/88 e referido na Súmula
Vinculante nº 10.
10. Referências Bibliográficas
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella- Direito Administrativo- 21 ª
edição- Editora Atlas S.A.- São Paulo- 2008
MENDES, Gilmar Ferreira- Direitos Fundamentais e controle
de constitucionalidade- estudos de direitos constitucional- Editora Saraiva
– 2004- 3ª edição- São Paulo
FERRAJOLI, Luigi- Direito e Razão- 3ª edição- Editora Revista
dos Tribunais- São Paulo- 2010
BARROSO, Luis Roberto- Curso de Direito Constitucional
contemporâneo- Editora Saraiva-1ª edição 2009
AFONSO DA SILVA, Virgílio- Direitos Fundamentais- conteúdo
essencial, restrições e eficácia- Malheiros editores- 2ª edição- São Paulo
SARMENTO, Daniel- Direitos fundamentais e relações privadas2ª edição- 2ª tiragem- Lumen Juris Editora- Rio de Janeiro 2008
FRANÇA, Vlademir da Rocha- Considerações sobre a legalidade
e demais princípios jurídicos da licitação- in Princípio da legalidade: da
dogmática jurídica à teoria do Direito- coordenadores Cláudio Brandão,
Francisco Cavalcanti e João Mauricio Adeodato- Editora Forense- Rio de
Janeiro- 2009
MELLO, Celso Antonio Bandeira de - Curso de Direito
Administrativo- Malheiros- São Paulo - ano 2010
TAVARES, André Ramos- Teoria da Justiça Constitucional- Editora
Saraiva- São Paulo- 2005-
228
Jurisprudência
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
Acórdãos
PROC. Nº TRT - 00327-2009-000-06-00-5
ÓRGÃO JULGADOR: TRIBUNAL PLENO
RELATOR: DESEMBARGADOR PEDRO PAULO PEREIRA NÓBREGA
IMPETRANTE: ANDRÉA FERNANDA GONÇALVES DA SILVA
IMPETRADA: JUÍZA DA 1ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
LITISCONSORTES: LOSANGO PROMOÇÕES DE VENDAS LTDA.
E HSBC BANK BRASIL S.A. – BANCO MÚLTIPLO
ADVOGADO: IVAN BARBOSA DE ARAÚJO
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA – JUNTADA DE DOCUMENTAÇÃO DE CONTEÚDO JURISPRUDENCIAL – INDEFERIMENTO PELO “A QUO” – VIOLAÇÃO A DIREITO LÍQUIDO E
CERTO – CONFIGURAÇÃO – CONCESSÃO DA SEGURANÇA. 1.
A expressão ilegalidade utilizada no texto constitucional tem sentido
amplo. Resulta, outrossim, que o ato contra o qual se insurge a parte
impetrante deve ser, na realidade, manifestamente ilegal, entendida dita
palavra, de modo extenso, como serviente a designação de procedimento oficial contrário à lei, abrangente nessa contemplação não só
o ato efetivamente praticado nessa condição, como também aquele
de previsão inexistente. “In casu”, apesar de o conteúdo encerrado na
documentação – cuja juntada foi indeferida pelo “a quo” – consubstanciar o posicionamento adotado por outros órgãos judiciários em
outros feitos, mas sobre o mesmo direito objetado na reclamatória
em apreço, entendo que a pretensão da impetrante conta com apoio
na legislação e sobretudo na tradição do nosso direito pátrio. Tanto é
assim que a jurisprudência representa uma fonte do Direito do Trabalho,
231
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
relevando o fato de que, na realidade, essa manifestação não obriga
nem vincula os magistrados, que são livres para decidir conforme seu
convencimento e a interpretação dos ditames contidos na lei. Todavia,
partindo do pressuposto de que muitos direitos trabalhistas somente
surgiram na formatação legal após reiteradas decisões judiciais que
os reconheceram, entendo que a jurisprudência é uma importante
fonte do Direito, especificamente em se tratando da seara trabalhista,
haja vista os numerosos verbetes sumulares expedidos pelo TST. No
aspecto, aliás, o artigo 397 do CPC, é enfático em exortar que as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo.
Assim sendo, não havendo vedação legal para juntada de documentos
nos autos – desde que observado o momento oportuno para tanto,
como ocorreu na hipótese a trato –, claro que muito menos haverá
com relação às decisões proferidas sobre a matéria objeto da ação, as
quais – repita-se – podem trazer fatos elucidativos ao seu julgamento.
Nestes termos, qualquer impedimento quanto à realização desse ato
processual gera e induz transgressão a direito líquido e certo da parte,
defensável por intermédio do mandamus. 2. Segurança concedida.
Vistos etc.
Mandado de Segurança impetrado por ANDRÉA
FERNANDA GONÇALVES DA SILVA, contra ato praticado pela
JUÍZA TITULAR DA 1ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE,
nos autos da Reclamação Trabalhista nº 00689-2009-001-06-00-2,
ajuizada contra LOSANGO PROMOÇÕES DE VENDAS LTDA. e
HSBC BANK BRASIL S.A. – BANCO MÚLTIPLO, consistente no
indeferimento de juntada aos autos de cópias de decisões proferidas
em outros processos que tramitaram em juízos trabalhistas diversos.
A petição inicial (fls. 02/28) veio acompanhada do
instrumento de mandato de fl. 29, além dos documentos de fls.
30/105, que representam a prova pré-constituída, os quais contam
com a declaração de autenticidade de fl. 08, firmada pelo advogado
que subscreveu a exordial, fulcrada na atual redação do artigo 830 da
CLT, sendo suficientes à compreensão da matéria fático-jurídica que
envolve o presente mandamus.
Alegando haver demonstrado a presença dos requisitos
232
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
legais, o impetrante requereu, como medida liminar, “a suspensão
do ilegítimo ato judicial, da Exmª Srª Drª Juíza Titular, da
MM. 1ª Vara do Trabalho do Recife, Drª Yolanda Polimeni de
Araújo Pinheiro, objeto do presente ´writ`, assegurando-se, por
conseguinte, a efetiva manutenção, no bojo dos autos processuais
de nº 00689-2009-001-06-00-2, referentes à ação trabalhista, ali
proposta, pela ora requerente, de todas as fotocópias de decisões
legitimamente, lá apresentadas, pela ora impetrante, com o fito
de prestarem-se, durante todo o seu curso, em nível de subsídios
jurisprudenciais (artigo 8º da CLT)” (fl. 26).
Considerando a relevância dos fundamentos desta ação
mandamental, bem assim, a demonstração do perigo da demora, deferi
a providência postulada, para suspender os efeitos da aludida ordem
judicial (fls. 108/111).
Ao apreciar a liminar acima referida, determinei, também,
fosse oficiada a autoridade impetrada para prestar as informações
previstas no inciso I do artigo 7º da então vigente Lei nº 1.533/51, as
quais vieram aos autos em 24.08.2009, consoante expediente de fls.
119/121, em que foram relatados os acontecimentos que geraram a
emissão do ato hostilizado.
Os litisconsortes, apesar de regularmente notificados
(fls. 114 e 115), não apresentaram resposta ao presente mandamus,
conforme certificado à fl. 123.
O Ministério Público do Trabalho, através do Procurador
Aluísio Aldo da Silva Júnior, emitiu o parecer de fls. 125/126, opinando
pela denegação da segurança.
É o relatório.
VOTO:
1. DA MATÉRIA OBJETO DA PRESENTE
233
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
SEGURANÇA
Trata-se de mandado de segurança contra ato praticado
pela Juíza Titular da 1ª VT do Recife, que, como dito antes, indeferiu
a juntada, aos autos, de cópias de decisões proferidas em outros
processos e oriundos de juízos trabalhistas diversos, cujos elementos,
no dizer da impetrante, tinham como escopo servir de subsídios
jurisprudenciais.
Respeitada a asserção externada pelo a quo, inclusive
já veiculada no Informativo “Isto Posto”, página 9 da edição julho/
agosto/2009, da nossa entidade associativa de classe – cuja circulação,
aliás, ocorreu no início do mês de setembro de 2009 –, entendo
configurada a violação a direito líquido e certo, nos termos noticiados
na exordial da presente ação.
Com efeito, a expressão ilegalidade utilizada no texto
constitucional tem sentido amplo. Resulta, outrossim, que o ato
contra o qual se insurge a parte impetrante deve ser, na realidade,
manifestamente ilegal, entendida dita palavra, de modo extenso,
como serviente a designação de procedimento oficial contrário à lei,
abrangente nessa contemplação não só o ato efetivamente praticado
nessa condição, como também aquele de previsão inexistente.
In casu, apesar de o conteúdo encerrado na documentação
– cuja juntada foi indeferida pelo a quo – consubstanciar o
posicionamento adotado por outros órgãos judiciários em outros
feitos, mas sobre o mesmo direito objetado na reclamatória em apreço,
entendo que a pretensão da impetrante conta com apoio na legislação
e sobretudo na tradição do nosso direito pátrio.
Tanto é assim que a jurisprudência representa uma fonte
do Direito do Trabalho, relevando o fato de que, na realidade, essa
manifestação não obriga nem vincula os magistrados, que são livres
para decidir conforme seu convencimento e a interpretação dos
ditames contidos na lei.
Todavia, partindo do pressuposto de que muitos direitos
trabalhistas somente surgiram na formatação legal após reiteradas
decisões judiciais que os reconheceram, entendo que a jurisprudência
234
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
é uma importante fonte do Direito, especificamente em se tratando
da seara trabalhista, haja vista os numerosos verbetes sumulares
expedidos pelo TST.
E na exordial da presente ação mandamental, dita assertiva
conta com relevo na fundamentação trazida à apreciação, à medida
em que a impetrante justifica que a “apresentação, para juntada, foi
levada a efeito, à guisa, apenas, de subsídios jurisprudenciais, com o
específico objetivo destarte, de também passarem a compor os autos
processuais” (fl. 04).
Ao contrário de tudo quanto dito, o que conta como entrave
no âmbito jurídico, no particular, é a indicação lacônica das fontes
jurisprudenciais que respaldam o direito vindicado em juízo, o que
levaria o julgador, forçosamente, a efetivar pesquisas para tomar
conhecimento do respectivo conteúdo, providência que, parafraseando
a autoridade coatora, atentaria contra “os princípios da economia e
celeridade processuais, bem a eficiência da administração pública”
(fl. 120).
De mais a mais, conduzindo a questão para a melhor
conceituação doutrinária do que encerra a prova material que compõe
os autos de uma ação, documento não é apenas o papel que registra
a ocorrência de um fato ou ato de cujo conteúdo se deseja fazer a
publicidade em juízo para corroborar a tese acusatória ou defensiva.
Assim, toda decisão, à exceção daquelas em que a matéria
tratada seja apenas de direito, há questões de cunho fático, e, portanto,
ao contrário do que consta nas informações prestadas pela autoridade
dita coatora, podem, sim, servir como elemento de prova, auxiliando,
por conseguinte, na elucidação dos fatos que permeiam a hipótese
objeto de exame, especificamente, quando existente, nas ações,
identidade do polo passivo ou ativo. Agora, se o magistrado se aterá
ou não ao seu conteúdo, isso, sim, é uma questão que se insere no
princípio da livre persuasão racional do juízo, o qual não comporta
qualquer dissensão.
Releva sobressaltar que a ata colacionada à fl. 81 do
235
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
presente caderno processual, que precede a prática do ato tido por
ilegal, contém comandos de característica contraditória: embora, em
um primeiro momento o a quo conceda às partes “o prazo comum e
preclusivo de 05 (cinco) dias para juntada de toda a prova documental”,
em um segundo, discrimina quais espécies poderão vir aos autos nessa
condição, ao vedar “a juntada de cópia de decisão”.
No aspecto, aliás, o artigo 397 do CPC é enfático em exortar
que as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do
processo. Assim sendo, não havendo vedação legal para juntada de
documentos nos autos – desde que observado o momento oportuno
para tanto, como ocorreu na hipótese a trato –, claro que muito menos
haverá com relação às decisões proferidas sobre a matéria objeto da
ação, as quais – repita-se – podem trazer fatos elucidativos ao seu
julgamento.
Nestes termos, qualquer impedimento quanto à realização
desse ato processual gera e induz transgressão a direito líquido e certo
da parte, defensável por intermédio do mandamus.
Deste modo, analisando os dispositivos processuais que
disciplinam a apresentação de documentos em juízo, a exemplo
daquele acima mencionado, não há qualquer alusão no sentido
de que a produção ou exibição de documento deva ser justificada
ou fundamentada para sua admissão. Entendimento em contrário
consubstancia puro exercício arbitrário de hermenêutica.
Portanto, sem prejuízo da redundância, os elementos
jurisprudenciais em apreço, sopesados o seu caráter informativo,
destinam-se a demonstrar, tecnicamente falando, a existência ou
inexistência de um ato ou fato que não escapa, porém, ao sublime e
impostergável exercício de direito legalmente conferido às partes.
E reportando-me às informações prestadas pela autoridade
dita coatora (fls. 119/121), nelas vislumbro o cunho social de que se
revestem, especificamente porque essas mesmas considerações, como
antes mencionado, foram objeto de um artigo escrito no Informativo
“Isto Posto”, da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da
Sexta Região, edição julho/agosto de 2009, de autoria da autoridade
impetrada, Juíza Yolanda Polimeni de Araújo Pinheiro, Titular da 1ª
Vara do Trabalho do Recife.
Dentro deste contexto, relevo merecem as suas reflexões
quando explana que, efetivamente, uma das grandes preocupações
236
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
da humanidade hoje é a preservação do meio ambiente, sendo muitos
os defensores dessa tese de natureza ecológica, no sentido de que “a
utilização de papel vai de encontro aos anseios sócio-ambientais da
atualidade” (fl. 119). Disso não discordo, e faço minhas as suas palavras.
Mas tal, contudo – pelo menos enquanto não for destinado,
à parte, outro meio de apresentar em juízo as suas deduções e
pretensões jurídicas, como, por exemplo, através da tecnologia digital
–, ainda não se sobrepõe ao direito que consagradamente lhe assiste
para esse mesmo desiderato.
Nestes termos, tenho que o pedido da impetrante procede
inteiramente, pelo que, suspendendo a eficácia da determinação
contida à fl. 104 destes autos, torno-a sem efeito.
2. DA CONCLUSÃO
Diante do exposto, ratificando a liminar deferida às
fls. 108/111 destes autos, concedo em definitivo a segurança para
determinar a suspensão da ordem judicial que emana do despacho
de fl. 173, alusiva ao indeferimento da juntada de cópias de decisões
de cunho jurisprudencial, apresentadas pela impetrante nos autos
da Reclamação Trabalhista nº 00689-2009-001-06-00-2, da 1ª VT do
Recife.
Custas pelos litisconsortes, no importe de R$10,00,
calculadas sobre o valor atribuído à causa na exordial (R$500,00 - fl.
28).
Dê-se ciência desta decisão à Excelentíssima Juíza da 1ª
Vara do Trabalho do Recife, através de ofício, consoante determina o
artigo 11 da Lei nº 12.016/2009.
ACORDAM os Desembargadores do Tribunal Regional
do Trabalho da Sexta Região, em sua composição Plena, por maioria,
ratificando a liminar deferida às fls. 108/111 destes autos, conceder em
definitivo a segurança para determinar a suspensão da ordem judicial
que emana do despacho de fl. 173, alusiva ao indeferimento da juntada
de cópias de decisões de cunho jurisprudencial, apresentadas pela
impetrante nos autos da Reclamação Trabalhista nº 00689-2009-00106-00-2, da 1ª VT do Recife/PE; contra os votos da Desembargadora
237
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
Virgínia Malta Canavarro e da Juíza Convocada Carmen Lúcia
Vieira do Nascimento, que denegavam a segurança. Custas pelos
litisconsortes, no importe de R$10,00 (dez reais), calculadas sobre o
valor atribuído à causa na exordial (R$500,00 - fl. 28). Dê-se ciência
desta decisão à Excelentíssima Juíza da 1ª Vara do Trabalho do
Recife, através de ofício, consoante determina o artigo 11 da Lei nº
12.016/2009.
Recife, 11 de fevereiro de 2010.
PEDRO PAULO PEREIRA NÓBREGA
Desembargador Federal do Trabalho
Relator
238
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
PROC. Nº TRT - 00167.2009.000.06.00.4 (AR)
ÓRGÃO JULGADOR: TRIBUNAL PLENO
RELATORA: DES. MARIA CLARA SABOYA A. BERNARDINO
AUTOR: JOSÉ GUEDES DE MELO – ME
RÉU: JOSÉ ROBERTO MONTEIRO DA SILVA
ADVOGADOS: MARCOS AURÉLIO FERREIRA DE LIMA E OUTROS
(2)
PROCEDÊNCIA: TRT/6ª REGIÃO
EMENTA: AÇÃO RESCISÓRIA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.
ARTIGO 7º, INCISO XXIX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. APLICAÇÃO DE OFÍCIO. ARTIGO 219, § 5º. DO CÓDIGO DE RITO.
PROCESSO DO TRABALHO. EM SEDE DE EXECUÇÃO. Envolvendo
a controvérsia sub judice o momento e (mais importante) o mecanismo
processuais adequados para se arguirem os efeitos da prescrição, não
se verifica desrespeito frontal à norma contida no artigo 7º, inciso
XXIX, da Carta Magna, que nada dispõe a respeito. Tem ela como
escopo definir os limites à proteção do direito de ação, mister para
o qual o legislador constituinte estabeleceu prazos prescricionais a
serem observados. Por sua vez, a incidência ou não do artigo 219,
§ 5º, da Lei Processual Civil, que disciplina a aplicação de ofício dos
efeitos prescricionais, no processo do trabalho, é, estreme de dúvida,
matéria controvertida nas esferas doutrinária e jurisprudencial, o que,
por si só, afasta a possibilidade do corte rescisório, por violação literal
à disposição de lei, por este ângulo da questão, na linha das Súmulas
nºs 83, do Tribunal Superior do Trabalho, e 343, do Supremo Tribunal
Federal. Sim, porque a violência à literalidade da lei, capaz de autorizar
a desconstituição do julgado, pressupõe, sempre, agressão direta, no
sentido de que tenha sido ofendida a letra expressa do texto legal,
consoante regra inserta no artigo 485, inciso V, do Código de Processo
Civil, ao negar-se vigência a disposição legal ou deixar-se de aplicá-la.
Significa dizer, em outras palavras, que não se busca corrigir injustiça da
decisão, nem muito menos, eleger, dentre as interpretações possíveis,
a prevalente na jurisprudência. Ação Rescisória improcedente.
239
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
Vistos etc.
Trata-se de ação rescisória proposta por JOSÉ GUEDES
DE MELO – ME, respaldada no artigo 485, inciso V, do Código de
Processo Civil, com vistas à desconstituição de sentença prolatada nos
autos da reclamação trabalhista nº 00167-2007-231-06-00-7, ajuizada
por JOSÉ ROBERTO MONTEIRO DA SILVA.
Amparando-se nos artigos 219, §5º, e 485, inciso V, do
Código de Processo Civil; 189, 153, 205 e 206, do Código Civil de
2002; e 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal, objetiva o autor,
mediante a presente ação, rescindir o decisum supra mencionado,
que implicou o reconhecimento do interregno contratual alegado pelo
reclamante, de 1º.03.1982 até 30.09.2006, ou seja, vinte e quatro anos
e sete meses, e deferiu verbas referentes a todo o período, inclusive
férias e 13º salários, desrespeitando, no seu entender, a prescrição
qüinqüenal estabelecida na Constituição Federal. Assevera que essa
prescrição deve ser declarada de ofício pelo juiz. Pondera que tentou
ver reparado o lapso do Magistrado Sentenciante através de diversas
petições e embargos, mas não conseguiu êxito. Informa que teve
penhorado bem que foi levado a hasta pública, e que, se for arrematado,
causará transtornos e danos quase irreparáveis à empresa. Argumenta
que, diante da impossibilidade de interpor recurso, na época própria,
deixou transcorrer o prazo recursal, restando-lhe, apenas, o presente
remédio para buscar a retificação da decisão do Juízo monocrático.
Invoca os artigos 273, inciso I, e 489, do CPC e requer concessão
de liminar para suspensão da execução, e consequente retirada dos
bens da hasta pública. Pede a procedência da ação, com a rescisão
da sentença hostilizada, e um novo julgamento da lide, desta feita,
aplicando-se a prescrição qüinqüenal.
Depósito prévio devidamente realizado (fl. 10).
A ação foi instruída com os documentos de fls. 11/36.
Mediante o despacho de fls. 39/40, a Exma. Relatora
Originária ordenou a intimação do autor para autenticação das
peças; emenda à inicial com relação ao valor da causa; e juntada de
documento complementar. Determinação devidamente cumprida
(fl. 41).
À fl. 44, o autor peticionou, sanando os vícios apontados
pelo Juízo.
240
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
Liminar indeferida, nos termos da decisão de fls. 48/49.
Apesar de regularmente notificado, o réu não apresentou
contestação (fl. 52).
O Ministério Público do Trabalho, por intermédio do Dr.
Waldir de Andrade Bitu Filho, opinou, às fls. 54/56, pela improcedência
da ação rescisória.
À fl. 60 determinei a notificação do autor para indicação
expressa do dispositivo legal que entende violado.
Pronunciamento da parte autora às fls. 63/65.
Novo parecer do Ministério Público do trabalho, às fls.
68/71, pela improcedência da ação rescisória.
É o relatório.
VOTO:
Trata-se de ação rescisória calcada no artigo 485, inciso V,
do Diploma de Rito, por meio da qual denuncia a parte autora violação
aos artigos 7º, inciso XXIX, da Carta Política Nacional; 219, § 5º, do
Código de Processo Civil; e 189, 193, 205 e 206, do Código Civil de
2002, onde objetiva a declaração de ofício dos efeitos prescricionais,
em relação aos créditos trabalhistas reconhecidos judicialmente na
Ação Trabalhista – Processo nº 00167-2007-231-06-00-7, movida por
José Roberto Monteiro da Silva, ora réu, ora em execução.
Registre-se, inicialmente, que a violência à literalidade
da lei, capaz de autorizar a desconstituição do julgado, pressupõe,
sempre, agressão frontal, no sentido de que tenha sido ofendida a
letra expressa do texto legal, consoante regra inserta no artigo 485,
inciso V, do Código de Rito, ao negar-se vigência a disposição legal ou
deixar-se de aplicá-la. Significa dizer, em outras palavras, que não se
busca corrigir injustiça da decisão, nem, muito menos, eleger, dentre
as interpretações possíveis, a prevalente na jurisprudência.
Sérgio Sahione Fadel, ao examinar o tema – ação rescisória,
alicerçada no permissivo contido no artigo 485, inciso V, do Digesto
processual Civil – enfatiza que: “não se discute a justiça ou injustiça
da sentença, nem se tergiversa sobre a melhor ou mais adequada
interpretação. Há que se configurar a violação expressa da norma legal,
e mesmo assim não em função do interesse particular ou privado da
241
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
parte, mas em atenção à defesa de uma norma de interesse público”
(Código de Processo Civil Comentado, Tomo III, Konfino, 1974, p.78).
Nessa linha, leciona Manoel Antonio Teixeira Filho, in Ação
Rescisória, Parte Específica, LTr, 1999, p. 17, que: “conforme havíamos
afirmado, o inciso V, do art. 485, do CPC, pressupõe a inequívoca
violação da norma legal, como requisito para o exercício da ação
rescisória. Com isso, o legislador visou a preservar a supremacia da
ordem legal. Consequentemente, se a decisão rescindenda se baseou
em uma das interpretações possíveis do texto legal, não se pode dizer
que ela haja perpetrado lesão ao senso literal inequívoca da norma.”
Feitas as digressões acima, examino o caso concreto.
DA VIOLAÇÃO LITERAL À DISPOSIÇÃO
DE LEI – ART. 485, INCISO V, DO CÓDIGO
DE PROCESSO CIVIL.
a) Da violação ao artigo 7º, inciso XXIX, da
Carta Federal
A discussão envolve o momento e (mais importante) o
mecanismo processuais adequados para se arguirem os efeitos da
prescrição. A norma constitucional emoldurada nesta ação, contudo,
nada dispõe a respeito. Tem ele como escopo definir os limites à
proteção do direito de ação, mister para o qual o legislador constituinte
estabeleceu prazos prescricionais a serem observados, a saber:
“Ar t. 7º. S ão direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, além de
outros que visem à melhoria de sua condição
social:
(...)
XXIX – ação, quanto aos créditos
resultantes das relações de trabalho, com
prazo prescricional de cinco anos para os
trabalhadores urbanos e rurais, até o limite
de dois anos após a extinção do contrato de
trabalho;”
242
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
Não há, portanto, como se vislumbrar, a partir da exposição
constante na atrial, agressão direta à norma constitucional, eis que,
repita-se, o que está em foco, no caso concreto, é a obrigatoriedade,
na visão parte autora, da aplicação de ofício da prescrição quinquenal,
regulamentada no artigo 219, § 5º, do CPC, ao processo trabalhista,
mesmo após o trânsito em julgado da sentença de conhecimento, isto
é, em sede de execução.
Sobre esse ângulo, destarte, improspera o pedido de corte
rescisório.
b) Da violação ao artigo 219, § 5º, do Código
de Processo Civil
À época da prolação da sentença, estava em vigor a
nova redação do § 5º, do artigo 219, do CPC, conferida pela Lei
nº 11.280/06, que determina, a meu ver, a pronúncia pelo juiz de
ofício da prescrição ocorrente. Entretanto, existe dúvida nas esferas
doutrinária e jurisprudencial quanto à aplicação desse dispositivo ao
processo do trabalho.
No campo doutrinário preleciona Melchíades Rodrigues
Martins que “As disposições da Lei n. 11.280/06 aplicam-se no
processo, quer no comum, quer no trabalho, tendo por fundamento
o princípio constitucional da igualdade de tratamento (art. 5º,
XXXV). Ademais, se a Constituição Federal Brasileira estipula que os
créditos resultantes das relações de trabalho estão sujeitos ao prazo
prescricional de cinco anos, para os trabalhadores urbanos ou rurais, e
até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho (art. 7º,
XXIXX), os atores sociais a ela vinculados também estarão obrigados
a observá-los, sob pena de ferir a segurança jurídica e a confiança em
que se deve inspirar todo o Estado de Direito. O princípio da proteção
não deve ser analisado isoladamente no trato de matéria de regência
constitucional, mas em conjunto com os da segurança e da salvaguarda
dos interesses da gestão empresarial em virtude do interesse maior
preconizado no art. 7º, XXIX, da Carta Magna, que visa acima de tudo
a paz social e a estabilidade jurídico-social” (LTr 74-03/274).
Trilha o mesmo caminho, consoante artigos doutrinários
publicados na Revista LTr, dentre outros, os juristas José Augusto
Rodrigues Pinto (LTr 70-04/395), Manoel Antônio Teixeira Filho (LTr
243
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
70-3-/298) e Francisco Antônio de Oliveira (LTr 70-05/519).
Em sentido diametralmente oposto ensina Jorge Luiz
Souto Maior:
“que a aplicação de ofício da
prescrição compromete toda a existência
teleológica do Direito do Trabalho, uma
vez que ofende o princípio basilar de
toda estrutura justrabalhista – o princípio
protetivo. A proteção conferida ao
trabalhador tem por escopo atenuar, pelo
menos na esfera jurídica, a desigualdade
socioeconômica existente no plano fático da
relação de emprego. Desta forma, a inserção
do § 5º do artigo 219 do CPC nas lides
trabalhistas seria beneficiar o empregador
inadimplente, extirpando com os direitos do
trabalhador de forma precária e açodada”
(LTR 70-08/920).
Na esfera jurisprudencial prevalece, ainda hoje, a
controvérsia quanto à aplicação de ofício da prescrição, disciplinada no
artigo 219, § 5º, do Código de Processo Civil ao processo do trabalho.
Decisões favoráveis:
Ementa: I) Prescrição Declaração de Ofício - Possibilidade – Art.
219, § 5º, do CPC. 1. A nova regra do art.
219, § 5º, do CPC, de aplicação imediata aos
processos pendentes, à luz do art. 1.211 do
mesmo diploma legal, prevê a declaração
de ofício da prescrição, aplicando-se
necessariamente nesta Justiça Especializada.
Para tanto, basta verificar o preenchimento
das condições previstas no art. 769 da CLT
sobre aplicação subsidiária da legislação
processual civil na esfera trabalhista, quais
244
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
sejam, a omissão e a compatibilidade da
regra civil com o Processo do Trabalho. 2.
In casu, a legislação trabalhista é omissa
sobre a iniciativa para declaração dos efeitos
da prescrição, pois o diploma consolidado
apenas estabelece prazo prescricional
(CLT, art. 11). Ademais, a nova regra não é
incompatível, tampouco exclui o princípio
da tutela do hipossuficiente que fundamenta
o Direito do Trabalho, pois a fragilidade do
trabalhador em relação ao empregador é
apenas econômica, já tutelada pela legislação
substantiva, não se justificando privilégio
suplementar processual nesse campo, o qual
implicaria ofensa ao art. 125, I, do CPC, que
exige o tratamento isonômico das partes
em juízo. O magistrado trabalhista deve
aplicar de forma imparcial uma legislação
material que já é protetiva do trabalhador.
3. Importante registrar que a declaração
de ofício da prescrição contribui para a
efetiva aplicação dos princípios processuais
trabalhistas (garantia da informalidade, da
celeridade, do devido processo legal, da
economia processual, da segurança jurídica,
bem como do princípio constitucional da
razoável duração do processo e da dignidade
da pessoa humana), impedindo a prática
de atos desnecessários, como por exemplo,
nas demandas em que o direito material
discutido já se encontra fulminado pela
prescrição. 4. Finalmente, é mister frisar
que o próprio dispositivo anterior, que
previa a necessidade de argüição, pela
parte interessada, da prescrição de direitos
patrimoniais tinha sede civil e processual
civil (CC, art. 194; CPC, art. 219, § 5º), e
era aplicada subsidiariamente na Justiça do
Trabalho à míngua de regramento próprio
245
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
desta. Mudando a legislação que disciplina o
modo de aplicação da prescrição (revogação
do art. 194 do CC e alteração da redação
do § 5º do art. 219 do CPC), a repercussão
é inexorável na esfera laboral. Pretender a
não-aplicação da regra processual civil ao
Processo do Trabalho, nessa hipótese, deixa
sem respaldo legal a exigência judicial da
argüição, pela parte, da prescrição, como
condição de seu acolhimento, o que atenta
contra o princípio da legalidade (CF, art.
5º, II). 5. Nem se diga que a norma civil
revogada subsiste no Processo do Trabalho
como princípio, uma vez que, havendo
norma legal expressa em sentido contrário,
não há possibilidade de remissão a princípio
carente de positivação, mormente em
matéria processual, que se norteia por
regras claras e expressas. As próprias regras
do CPC de 1939 que ainda subsistem
como princípios sob a égide do CPC de
1973 (v.g., arts. 809 e 810, prevendo os
princípios da variabilidade e fungibilidade
recursais) são apenas aquelas que não foram
expressamente contrariadas por dispositivos
que estabelecessem procedimento diverso.
Agravo de instrumento desprovido. RR 6306/2007-661-09-00 – (AC. 7ª T.) – Rel.
Min. Ives Gandra Martins Filho. DJe/TST
n. 241/09, 28.5.09, p. 1548/9.”
Ementa: “Prescrição. Apreciação
de ofício. Regência da lei 11.280/2006.
Princípio do isolamento dos atos processuais.
Aplicabilidade no processo do trabalho. No
sistema do isolamento dos atos processuais,
os atos já praticados de acordo com a lei
antiga são válidos e a lei nova se aplica aos
posteriores. A prescrição, que era exceção
246
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
de mérito em sentido estrito e que deveria
ser necessariamente alegada pela parte, com
a alteração legislativa passou a ter natureza
de objeção, que o magistrado deve conhecer
de ofício, tal como ocorre com a decadência,
em qualquer tempo e grau de jurisdição.
A natureza das demandas trabalhistas,
bem como o caráter alimentar do salário
dizem respeito ao Direito Material e não
se mostram aptos para afastar os princípios
da igualdade das partes e da imparcialidade
do magistrado que rege o ramo processual,
portanto, perfeitamente compatível com o
Processo do Trabalho a regra do art. 219, §
5º, do CPC... Processo extinto com resolução
do mérito pela aplicação da prescrição total
na forma do art. 219, § 5º, do CPC com a
redação dada pela Lei n. 11.280/2006” TRT
10ª Reg. RO 01112-2005-005-10-00-8 –
(Ac.1ª T./06) – Relª. Juíza Cilene Ferreira
Amaro Santos. DJU3 14.7.06, p.13”
E M E N TA - P R E S C R I Ç Ã O .
Não obstante os princípios basilares que
alicerçam o Direito do Trabalho, como o da
proteção ao trabalhador, a prescrição é norma
de ordem-pública prevista no art. 7º, XXIX,
da Constituição da República e, como tal o
seu reconhecimento não pode ser afastado
pelo Juiz. Eventual, hipossuficiência de
uma das partes da relação jurídica de direito
material, não tem o condão de excepcionar
a aplicação da disposição legal em questão”
TRT 11ª Região, RO-1798-2007-351-1100 – (AC. 1ª T. 7753/08) – Relª Vera Lúcia
Câmara de Sá Peixoto. DO/JT do TRT 11ª
Reg. Ed. 79, 5.8.08, p.30
247
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
Decisões contrárias:
Ementa:
RECURSO
D E R E V I S TA - P R E S C R I Ç Ã O
- D E C R E TA Ç Ã O D E O F Í C I O INAPLICABILIDADE DO ART. 219, §
5º, DO CPC NA ESFERA TRABALHISTA.
A prescrição é instituto de direito material,
cuja aplicação na esfera trabalhista está
condicionada às condições estabelecidas
no art. 8º e parágrafo da CLT. A disposição
contida no art. 219, § 5º, do CPC, ao
determinar a decretação de ofício da
prescrição, não se compatibiliza com os
princípios que regem o Direito do Trabalho,
notadamente o da proteção, que busca
reequilibrar a disparidade de forças entre
reclamante e reclamado. Nesse sentido já se
manifestou a SBDI-1 desta Corte Superior.
Recurso de revista não conhecido. TSTRR-665/2008-151-17-00-7 – (Ac. 1ª T.) – Rel.
Min. Luiz Philippe Vieira de Melo Filho.
DJe/TST n. 356/09, 12.11.09, p. 508.”
E M E N TA : P r o c e s s o d o
Trabalho - Prescrição ex offício - artigo
219, § 5º, do CPC - Incompatibilidade - A
decretação ex offício da prescrição vai de
encontro à espinha dorsal do direito do
trabalho, na medida em que relega ao
esquecimento o princípio da proteção
ao hipossuficiente, cujo objeto é o de
minorar a desigualdade sócio econômica
do trabalhador na esfera jurídica. Trata-se
de regra do processo comum que afronta
à própria essência da Justiça do Trabalho,
razão porque está fora do alcance da
supletividade prevista no artigo 769 da
248
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
CLT. Recurso provido. (TRT 15ª Região Campinas/SP - AP 3856-1998-038-15-00-0AC 73773/08-PATR, 10ªC. - Rel. Luiz José
Dezena da Silva, DOE 14/11/2008, pág 62).
E M E N TA - P R E S C R I Ç Ã O .
PRONÚNCIA
DE
OFÍCIO.
INAPLIC ABILIDADE, NO PR OCESSO
DO TR ABALHO. A proteção ao
hipossuficiente - princípio basilar do Direito
do Trabalho - tem por escopo atenuar,
na esfera jurídica, a desigualdade sócioeconômica e de poder existente, no plano
fático da relação de emprego. Diante disso,
pode-se afirmar que a norma do parágrafo
5º, do artigo 3º, do CPC, é incompatível,
com tal princípio protetivo, visto que a
pronúncia da prescrição, de ofício, pelo Juiz
do Trabalho, beneficiará, apenas, um dos
sujeitos da relação empregatícia - no caso,
o empregador inadimplente. Conclui-se,
portanto, pela inaplicabilidade, no processo
trabalhista, da nova regra do processo
comum, em face de sua incompatibilidade,
com os princípios que informam o Direito
do Trabalho – sob pena de comprometerse a própria essência da função teleológica
desse ramo jurídico especializado (TRT 3ª
Região, 1ª Turma, Processo n. 00081-2006029-03-00-7 RO, Relator: Manuel Cândido
Rodrigues, 18.10.06, p.5).
Assim, demonstrado à saciedade o dissenso jurisprudencial
quanto à incidência do artigo 219, § 5º, da Lei Processual Civil,
ao processo trabalhista, o que, por si só, afasta a possibilidade de
desconstituição do julgado, na linha das Súmulas 83, do Tribunal
Superior do Trabalho, e 343, do Supremo Tribunal Federal.
249
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
c) Da violação aos artigos 189, 193, 205 e 206,
do Código Civil Brasileiro em vigor
A discussão, na verdade, reside, unicamente, no momento
próprio para arguição de prescrição (CC, art. 193). A sentença
rescindenda, por óbvio, não tratou da matéria. Por outro lado,
inexiste prova nos autos de sua arguição na execução do julgado e seu
indeferimento. Deixo assentado, porém, sua possibilidade de arguição
no processo de conhecimento, na instância ordinária, consoante regra
insculpida no artigo 193, do Código Civil de 2002, cristalizada na
Súmula nº 153, do Tribunal Superior do Trabalho, que giza: “Não se
conhece de prescrição não arguida na instância ordinária”.
Comentando o artigo 193, do Código Civil, assevera Maria
Helena Diniz que:
“a prescrição poderá ser arguida
na primeira instância, que esta sob a direção
de um juiz singular, e na segunda instância,
que se encontra em mãos de um colegiado
de juízes superiores. Pode ser invocada em
qualquer fase processual: na contestação,
na audiência de instrução e julgamento,
nos debates, em apelação (JTJ, 179:219),
em embargos infringentes, sendo que
no processo em fase de execução não é
cabível a arguição de prescrição, exceto se
superveniente `a sentença transitada em
julgado” (Código Civil Anotado, p. 203 –
sem os destaques).
No caso dos autos, admitindo-se a arguição dos efeitos
prescricionais na execução, não demonstrada, repita-se, mais uma
vez, a tese expendida pelo autor, agride, visceralmente, o princípio da
segurança jurídica e o caso julgado, proclamados constitucionalmente
(CF, art. 5º, caput, e inciso XXXVI). Preclusa, portanto, sua invocação.
Destarte, tenho, também, como não feridos os artigos 189,
193, 205 e 206, do Código Civil, o que importa na improcedência da
ação.
250
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
Em suma, só é rescindível decisão contra legem em sua
literalidade, e assim é porque o objetivo da jurisdição é garantir a
ordem jurídica. Desse modo, a motivação da ação, na espécie, é, sem
dúvida, a violação do texto legal e não sua exegese, salvo, obviamente,
se dessa interpretação restar agredida, frontalmente, a letra da lei, o
que não é, em absoluto, o caso em julgamento.
CONCLUSÃO:
rescisória.
Ante o exposto, julgo improcedente a presente ação
Custas, pela parte Autora, no importe de R$ 1.078,98 (hum
mil e setenta e oito reais e noventa e oito centavos), calculadas sobre
o valor dado à causa R$ 53.948,79 (cinquenta e três mil novecentos e
quarenta e oito reais e setenta e nove centavos).
Reverta-se o depósito prévio em favor do Réu (no caso de
julgamento unânime).
ACORDAM os Desembargadores do Tribunal Pleno, por
unanimidade, julgar improcedente a presente ação rescisória. Custas,
pela parte Autora, no importe de R$ 1.078,98 (hum mil e setenta e
oito reais e noventa e oito centavos), calculadas sobre o valor dado
à causa R$ 53.948,79 (cinquenta e três mil novecentos e quarenta e
oito reais e setenta e nove centavos). Reverta-se o depósito prévio em
favor do Réu (no caso de julgamento unânime).
Recife, 11 de maio de 2010.
MARIA CLARA SABOYA A. BERNARDINO
Desembargadora Relatora
251
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
PROC. TRT - 00259-2009-000-06-00-4
ÓRGÃO JULGADOR: TRIBUNAL PLENO (COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA).
RELATOR: DESEMBARGADOR NELSON SOARES JÚNIOR.
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO.
PROCURADOR: MORSE LYRA NETO.
RÉUS: ENGENHO AMORINHA E JANDELSON GOUVEIA DA SILVA.
ADVOGADOS: JOSE FERNANDO DE SOUZA MOURA E FRANCISCO FERREIRA SALES DE MELO.
EMENTA: AÇÃO RESCISÓRIA. COLUSÃO DAS PARTES A FIM
DE FRAUDAR A LEI. PROPOSITURA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.
ÔNUS SUBJETIVO DA PROVA. PREVALECÊNCIA DO PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA. O Ministério Público –– instituição permanente, essencial à função jurisdicional
do Estado, à qual constitucionalmente incumbe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis –– tem indubitável legitimação para ajuizamento de ação
rescisória, em caso de colusão entre as partes com o fito de fraudar a
lei, cabendo-lhe poderes e ônus idênticos aos outros jurisdicionados.
Essa é a exegese do disposto nos artigos 81 e 487, inciso III, letra “b”,
do Código de Processo Civil. Entretanto, se ele não demonstra, de
forma efetiva –– em razão do princípio constitucional da presunção
de inocência ––, que as partes incorreram nessa prática de falsidade
ideológica (artigo 299, caput, do Código Penal), a medida jurisdicional
que se impõe é a declaração da improcedência da ação rescisória.
Vistos etc.
Cuida-se de ação rescisória, proposta pelo Ministério
Público do Trabalho com fundamento no inciso III artigo 485 do
Código de Processo Civil (CPC), em face do Engenho Amorinha
(pertencente ao espólio de João Gouveia da Silva) e Jandelson
Gouveia da Silva, contendo pedido de desconstituição da sentença do
Excelentíssimo Juiz da Vara do Trabalho de Ribeirão (PE), proferida
252
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
nos autos do processo nº. 00876-2006-261-06-00-3, que implicou o
acolhimento parcial dos pedidos.
O autor sustenta, em síntese, que a sentença foi resultante
de reclamação simulada, pelos réus desta relação processual, com a
finalidade de apropriarem-se do fundo agrícola e fraudarem os direitos
trabalhistas dos credores do espólio de João Gouveia da Silva, ou seja,
dos antigos empregados do Engenho Amorinha. Afirma que o autor
da reclamação trabalhista, Jandelson Gouveia da Silva, e o irmão
João Gouveia da Silva Filho foram flagrados, pelo Grupo Especial
de Fiscalização Móvel da Secretaria de Inspeção do Ministério
do Trabalho e Emprego, administrando os Engenhos Amorinha e
Manhoso com a utilização dos trabalhadores em situação análoga à de
escravos. Destaca que o conhecimento da mencionada reclamação,
por intermédio do Excelentíssimo Juiz da Vara do Trabalho de
Ribeirão, ocorreu apenas na oportunidade da propositura de uma
ação preparatória. Salienta que, em razão da atuação daquele grupo
especial de fiscalização –– composto por auditores fiscais e apoiado
também pelo Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União
e Polícia Federal ––, celebrou Termo de Ajustamento de Conduta com
o réu Jandelson Gouveia da Silva, o Espólio de João Gouveia da Silva
e o herdeiro João Gouveia da Silva Filho. Esclarece que na execução
da sentença trabalhista, sem nenhuma oposição dos herdeiros, houve
a penhora do Engenho Amorinha. Por isso, supõe que o intuito dos
herdeiros é de adjudicação do fundo agrícola, para eliminar a garantia
dos verdadeiros credores trabalhistas, com lesão à ordem jurídica. Para
demonstrar esse fato, articula o seguinte: a) o segundo réu, que então
era prefeito do Município de Escada pela segunda vez, não informou
aos auditores fiscais a existência da reclamação proposta em desfavor
do Engenho Amorinha –– havendo silêncio idêntico por parte dos
demais co-herdeiros nos depoimentos prestados no procedimento
instaurado pelo grupo especial de fiscalização; b) a testemunha,
253
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
ouvida na instrução processual, era servidor do Município de Escada
desde o primeiro mandato de prefeito do autor da reclamação; e c)
o então reclamado se limitou, na contestação, a fazer impugnações
genéricas, não havendo produzido prova contrária aos interesses do
então reclamante. Com base nesses fatos, com fundamento no artigo
40 do Código de Processo Penal, requer a remessa de cópias das peças
processuais ao Ministério Público Federal e ao Ministério Público
Estadual, a fim de serem apurados os ilícitos previstos nos artigos
342 e 347 do Código Penal e na Lei nº 8.429/92. Finalmente pede
a desconstituição da sentença e, em novo julgamento, a extinção do
processo relativo à reclamação trabalhista, sem resolução do mérito,
conforme Orientação Jurisprudencial nº 94 da “SDI-II” do Tribunal
Superior do Trabalho (TST).
Às fls. 292/3, indeferi o requerimento de natureza cautelar,
formulado pelo Ministério Público do Trabalho na petição inicial,
porém, em julgamento de agravo regimental, este plenário determinou
a suspensão da execução da sentença rescindenda até o julgamento
desta ação rescisória.
Na contestação, o segundo réu suscitou preliminar de
inépcia da petição inicial, prejudicial de decadência e pediu a
declaração de improcedência da ação rescisória (fls. 298/319); o
primeiro réu –– citado por meio da senhora Jaildes Gouveia da Silva
Meira (uma herdeira do espólio) –– não se pronunciou. No entanto, a
herdeira Jaceilda Gouveia da Silva, utilizando-se do nome do espólio
entre parênteses, contestou a ação e requereu a realização de nova
citação sob a alegação de não estar, à época, ainda investida do múnus
de inventariante (fls. 332/41).
À fl. 344, convertendo o julgamento em diligência,
requisitei cópia das peças do processo originário à Diretora de
Secretaria da 1ª Vara do Trabalho de Ribeirão, as quais foram juntadas
às fls. 347/530 –– idênticas, em parte, às anexadas pelo Ministério
254
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
Público do Trabalho às fls. 128/255
Regularmente intimados, apenas o autor apresentou razões
finais (fls. 537/541).
Por força da determinação documentada à fl. 545, as partes
pronunciaram-se sobre os supracitados documentos às fls. 547, 550,
553 e 556.
É o relatório.
VOTO:
DA PREJUDICIAL DE DECADÊNCIA DO
DIREITO À AÇÃO RESCISÓRIA SUSCITADA PELO RÉU JANDELSON GOUVEIA DA
SILVA
Senhor presidente, de acordo com os termos constantes do
item VI da Súmula 100 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em se
tratando de denúncia “(...) de colusão das partes, o prazo decadencial
da ação rescisória somente começa a fluir para o Ministério Público,
que não interveio no processo principal, a partir do momento em que
tem ciência da fraude.”
No caso em apreciação, não obstante o Ministério Público
do Trabalho tenha, por força de determinação judicial expressa, sido
intimado da decisão rescindenda e recebido cópia da reclamação
trabalhista e da respectiva contestação em abril de 2007, somente
obteve ciência dos fatos, narrados como indícios da colusão entre
as partes, em 2009, ou seja, a partir da fiscalização realizada pelo
Ministério do Trabalho e Emprego no Engenho Amorinha. Portanto,
como o ajuizamento da ação rescisória ocorreu no mesmo ano, não se
há de falar da consumação da decadência do direito à ação rescisória,
uma vez que foi exercido no biênio previsto no artigo 495 do CPC.
Por essas razões, rejeito essa prejudicial.
255
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
DA PRELIMINAR DE INÉPCIA DA PETIÇÃO
INICIAL SUSCITADA PELO RÉU JANDELSON GOUVEIA DA SILVA
Senhor presidente, o réu Jandelson Gouveia da Silva
suscitou preliminar de inépcia da petição inicial, sob a alegação de que
não existe comprovação do trânsito em julgado da decisão rescindenda,
mas não lhe assiste razão.
De fato: ele incorreu em erro conspícuo, ao fazer essa
sustentação no caso em análise, porque há certidão do trânsito em
julgado da decisão rescindenda à fl. 170.
Dessa forma, rejeito também essa preliminar.
DO MÉRITO
Senhor presidente, inicialmente destaco a desnecessidade
de renovação da citação do Engenho Amorinha, porque, no âmbito da
Justiça do Trabalho, não há obrigação dessa espécie de ato processual
operar na pessoa de representante legal.
Registro ainda que, não obstante o supracitado fundo
agrícola não haja respondido aos termos da ação rescisória, que lhe foi
proposta pelo Ministério Público do Trabalho, uma co-proprietária,
herdeira do espólio de João Gouveia da Silva, apresentou contestação
cujos termos serão considerados, oportunamente, porque não houve
oposição das partes.
Demais, além de a contestação do segundo réu impedir a
presunção de veracidade dos fatos descritos na petição inicial (artigo
320, inciso I, do CPC), em se tratando de ação rescisória, que é
julgamento de julgamento, não há espaço jurídico-processual para
aplicação dessa sanção ao réu revel.
Portanto, inexistindo necessidade de conversão do
256
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
julgamento em diligência, passo ao exame do mérito da ação rescisória.
Senhor presidente, conforme relatei, para postular a
desconstituição da decisão rescindenda, o Ministério Público do
Trabalho afirmou que ela foi fruto de colusão entre as partes. No
entendimento que ele expressou na petição inicial, na relação
processual originária os réus simularam a reclamação trabalhista,
com a finalidade de apropriarem-se do fundo agrícola e fraudarem os
direitos trabalhistas dos credores do espólio de João Gouveia da Silva,
ou seja, dos antigos empregados do Engenho Amorinha.
Para demonstração do conluio, ele asseverou que o
segundo réu, então prefeito do Município de Escada pela segunda
vez, não declarou aos auditores fiscais a existência da reclamação
trabalhista, proposta em desfavor do Engenho Amorinha, e que
houve idêntico silêncio, por parte dos demais co-herdeiros, nos
depoimentos constantes do procedimento instaurado pelo grupo
especial de fiscalização. Em seguida, asseverou que a testemunha,
ouvida na relação processual originária, era servidor do Município de
Escada, desde o primeiro mandato de prefeito do autor da reclamação
trabalhista, e que o então reclamado se limitou, na contestação, a fazer
impugnações genéricas, não havendo produzido prova contrária aos
interesses do então reclamante.
Pois bem, conquanto eu exija demonstração de fraude à
lei –– pois, aliando-me ao professor José Carlos Barbosa Moreira,
entendo que, na hipótese em causa, não basta “(...) a intenção de
prejudicar terceiro(s)” 1 ––, passo desde logo à investigação do conluio,
denunciado pelo autor da ação rescisória, em face da tendência
generalizada que todos têm, no âmbito desta justiça especializada,
de ombrear as duas espécies de fraude. Antes, porém, saliento que a
1 Cf. Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. rev. e atua. Rio de Janeiro: 1978;
vol. V, p. 150.
257
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
farei com base na prova indiciária, porque, conforme o disposto no
revogado artigo 252 do CPC de 1939 (cuja idéia está compreendida no
atual artigo 332 do CPC 2), “o dolo, a fraude, a simulação e, em geral,
os atos de má fé poderão ser provados por indícios e circunstâncias.”
Feita essa observação, destaco que o primeiro argumento
do Ministério Público do Trabalho é, data vênia, de todo inconsistente
porque o silêncio do réu e do irmão, que não é parte desta relação
processual, sobre a existência da reclamação trabalhista em desfavor
do Engenho Amorinha, decorreu, obviamente, da inexistência
de perguntas nesse sentido. No ponto, o equívoco dele é de fácil
percepção porque não se tratou, na hipótese em causa, de depoimentos
prestados em investigação sobre a existência de causas perante a
Justiça do Trabalho ––malgrado do relatório da fiscalização conste
um item, à fl. 87, em que há alusão àquela ação trabalhista ––, mas
sim a respeito das condições de trabalho do pessoal empregado no
fundo agrícola.
O segundo argumento do Ministério Público merece
análise em maior profundidade, porque envolve inclusive a imputação
de crime de perjúrio à testemunha Vanildo Bertoldo da Silva.
Examinando os elementos de convicção, observo que, na época em
que esse cidadão prestou depoimento na relação processual originária
(6 de março de 2007), ele era servidor do Município de Escada, pois
havia sido contratado pelo segundo réu. Ocorre que esse fato não é
indício de conluio entre as partes porque não foi negado pelos réus
nem pelo próprio, quer em juízo, quer extrajudicialmente (fls. 257,
270/1, 298/307 e 332/41).
Quanto a esse aspecto, convém recordar esta lição do
professor Egas Moniz de Aragão sobre a análise correta dos indícios:
“A eles se aplica o conselho encampado pelo legislador francês em
2 Cf., por todos, E. D. Moniz de Aragão. Exegese do Código de Processo Civil. Rio de
Janeiro: AIDE, 1984, vol. IV, p. 74.
258
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
relação às presunções hominis: não podem ser admitidos senão quando
graves, precisos e concordantes (Cód. Civil, art. 1.353)”. Isso porque,
conforme ele adverte, “a não ser tomada essa elementar cautela, o
emprego da prova indiciária constituirá perigo seriíssimo, pois dará
margem a abusos de difícil reparação; entronizará os julgamentos por
mera suspeita, fundados em mexerico, diz-que-diz” 3.
Mas há outro fato relacionado à testemunha pelo Ministério
Público: a existência de divergências nos depoimentos prestados,
respectivamente, perante a Justiça do Trabalho e o grupo especial de
fiscalização. No primeiro, diz ele, a testemunha declarou que a CTPS
fora assinada; no segundo, que não sabia; no primeiro, trabalhar para
o Engenho Amorinha; no segundo, para o fundo agrícola e para o
gabinete do prefeito de Escada (situação que perdurou até abril de
2009); e, no primeiro, que o reclamante trabalhava das 6 às 18 horas,
todos os dias, na safra e entressafra. Daí, o Ministério Público do
Trabalho arremata que houve crime de falso testemunho e que estaria
demonstrada a simulação da reclamação trabalhista, pelos réus, com o
fim de apropriarem-se do fundo agrícola em detrimento dos interesses
de terceiros. Ocorre, com o devido respeito, que essas conclusões não
resistem à análise científica.
Com efeito, não fosse o operoso grupo especial de
fiscalização –– apoiado pelo Ministério Público do Trabalho, Ministério
Público Federal, Defensoria Pública da União e Polícia Federal
–– um notório fator de inibição a qualquer pessoa leiga –– fato que
justifica satisfatoriamente a hesitação da testemunha na declaração
concernente à assinatura da CTPS ––, em relação aos outros pontos
há necessidade de observar-se, inicialmente, conforme advertiu
Giorgio Tesoro, “(...) que a testemunha não é uma máquina que
reproduza exatamente aquilo que viu e ouviu, mas, um ser pensante
3 Op. cit., p. 74.
259
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
que julga e elabora todas as suas sensações e, por isto, mais ou menos
conscientemente, deforma o que viu e ouviu” 4.
Por outro lado, sem esquecimento de que a testemunha
respondeu apenas às perguntas que lhe foram feitas –– fato que explica,
razoavelmente, os acréscimos constantes do segundo depoimento, por
meio do qual se pretendeu, de forma imprópria, municiar o Ministério
Público do Trabalho de recursos para propositura da ação rescisória,
uma vez que as indagações feitas à testemunha nada tinham a ver,
em sua grande maioria, com as condições de trabalho do pessoal
empregado no Engenho Amorinha ––, é igualmente imprescindível se
verificar, no caso em apreciação, se tais acréscimos revelam, conjunta
ou isoladamente, a colusão entre as partes a fim de fraudar a lei. E a
resposta, para meu espírito, é negativa.
Aliás, mesmo se a ação rescisória houvesse sido proposta
com base no disposto no inciso VI do artigo 485 do CPC (sentença
fundada em prova falsa), nem assim eu vislumbraria verossimilhança
na alegação do Ministério Público do Trabalho, uma vez que na decisão
rescindenda, após acolher parcialmente a prescrição quinquenal,
suscitada pelo réu na contestação, o juízo rejeitou o pedido do então
reclamante, de retificação da data de admissão constante da CTPS,
sob o fundamento de que a testemunha ouvida “(...) sequer sabia a
própria data de admissão” (fl. 159).
E mais: a alegação do Ministério Público do Trabalho,
de que a testemunha cometeu crime de perjúrio, não é de ser
acatada simplesmente pela eventual existência de divergências nas
declarações, prestadas perante a Justiça do Trabalho e o grupo especial
de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, por força do
disposto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição da República.
4 Cf. La psicologia della testimonianza, p. 2. Apud: ROSA. I. Borges da. Questões
Essenciais de Direito e Nulidades Processuais. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1959, vol. 1,
p. 147.
260
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
De fato, sobre a presunção de inocência –– cristalizada
nesse preceito constitucional –– assim se expressa Alexandre de Morais:
“A Constituição Federal estabelece que ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória,
consagrando a presunção de inocência, um dos princípios basilares do
Estado de Direito como garantia processual penal, visando a tutela da
liberdade pessoal. Dessa forma, há necessidade o Estado comprovar
a culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente presumido
inocente, sob pena de voltarmos ao total arbítrio estatal. A presunção
de inocência é uma presunção JURIS TANTUM, que exige para ser
afastada a existência de um mínimo necessário de provas produzidas
por meio de um devido processo legal e com a garantia de ampla
defesa. Essa garantia já era prevista no art. 9º, da Declaração Francesa
dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada em 26.08.1789
(...)” (Cf. Constituição do Brasil Interpretada. 7. ed. Rio de Janeiro:
Atlas, p. 339 e s.).
Ora, essa “presumption of innocence” (como a denominam
os norte-americanos) –– garantia prevista inclusive na Declaração
Universal dos Direitos Humanos (artigo 11) ––, conquanto seja
interpretada de forma diferente nos diversos sistemas jurídicos do
mundo contemporâneo, é aplicável plenamente, em nosso país, em
toda a espécie de processo, conforme o plenário do Supremo Tribunal
Federal proclamou, dentre outros, no julgamento da ADPF nº 144
(DF). O seu conteúdo foi bem resumido na ementa do acórdão do
HC-95.886, relatado pelo Ministro Celso de Mello, desta maneira:
“O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA IMPEDE QUE
O E S T A D O T R A T E , C O M O S E C U L PA D O
FOSSE, AQUELE QUE AINDA NÃO SOFREU
CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL. - A
prerrogativa jurídica da liberdade - que possui
261
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não
pode ser ofendida por interpretações doutrinárias
ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante
discurso de conteúdo autoritário, culminam por
consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e
garantias fundamentais proclamados pela Constituição
da República, a ideologia da lei e da ordem. Mesmo que
se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime
indigitado como grave, e até que sobrevenha sentença
penal condenatória irrecorrível, não se revela possível
- por efeito de insuperável vedação constitucional (CF,
art. 5º, LVII) - presumir-lhe a culpabilidade. Ninguém
pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a
natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido
atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão
judicial condenatória transitada em julgado. O princípio
constitucional da presunção de inocência, em nosso
sistema jurídico, consagra, além de outras relevantes
conseqüências, uma regra de tratamento que impede o
Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao
suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como
se estes já houvessem sido condenados, definitivamente,
por sentença do Poder Judiciário. Precedentes” (cf.
Ementário do STF, vol. 02385, III, p. 00599).
No voto-condutor do acórdão proferido no supracitado
julgamento da ADPF nº 144, o Ministro Celso de Mello teceu as
seguintes considerações:
“(...) Nem se diga que a garantia fundamental de presunção
de inocência teria pertinência e aplicabilidade unicamente
restritas ao campo do direito penal e processual penal.
Torna-se importante assinalar, neste ponto, Senhor
Presidente, que a presunção de inocência, embora
historicamente vinculada ao processo penal, também
irradia os seus efeitos, sempre em favor das pessoas,
contra o abuso de poder e a prepotência do Estado,
262
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
projetando-os para esferas processuais não-penais, em
ordem impedir, dentre outras conseqüências no plano
jurídico –– ressalvada a excepcionalidade de hipóteses
previstas na própria Constituição ––, que se formulem,
precipitadamente, contra qualquer cidadão, juízos morais
fundados em situações jurídicas ainda não definidas (e,
por isso mesmo, essencialmente instáveis) ou, então, que
se imponham, ao réu, restrições aos seus direitos, não
obstante inexistente condenação judicial transitada em
julgado.”
Pelas razões até este momento expostas, senhor presidente,
concluo que o Ministério Público –– instituição permanente, essencial
à função jurisdicional do Estado, à qual constitucionalmente incumbe
a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis –– tem indubitável legitimação
para ajuizamento de ação rescisória, em caso de colusão entre as
partes com o fito de fraudar a lei, cabendo-lhe poderes e ônus
idênticos aos outros jurisdicionados. Essa é a exegese do disposto nos
artigos 81 e 487, inciso III, letra “b”, do Código de Processo Civil.
Entretanto, se ele não demonstra, de forma efetiva –– em razão do
princípio constitucional da presunção de inocência ––, que as partes
incorreram nessa prática de falsidade ideológica (artigo 299, caput,
do Código Penal), a medida jurisdicional que se impõe é a declaração
da improcedência da ação rescisória.
De fato: essa conclusão é inexorável, na hipótese em
julgamento, porque, mesmo se fosse inexigível –– quanto a esse
aspecto do conflito de interesses (a falsidade ideológica que o
Ministério Público do Trabalho classificou erroneamente como
crime de fraude processual) –– decisão penal transitada em julgado,
e ponderássemos apenas com o princípio da desconsideração prévia
da culpabilidade dos réus, remanesceria, em prol deles, o benefício da
dúvida porque os indícios não são absolutos: sequer revelam fraude
263
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
contra terceiros.
A propósito, assim me expressei no indeferimento do
pedido de natureza cautelar:
“(...) no exercício deste juízo sumário e provisório de
cognoscibilidade, não vejo como a execução da decisão
rescindenda, proferida em processo trabalhista de 1º
de novembro de 2006, implique a fraude de créditos
trabalhistas previstos em Termo de Ajuste de Conduta
(documento extrajudicial dotado de eficácia executiva),
de 21 de maio de 2009, em que figuram justamente
como obrigados o Espólio de João Gouveia da Silva
(proprietário do fundo agrícola) e Jandelson Gouveia
da Silva (beneficiário da decisão rescindenda).”
Com essas considerações, julgo a ação rescisória
improcedente: é como voto. ACORDAM os juízes do Tribunal Regional do Trabalho da
Sexta Região, em sua composição plena, por unanimidade, rejeitar a
prejudicial de decadência do direito à ação rescisória, suscitada pelo
réu Jandelson Gouveia da Silva; por unanimidade, rejeitar a preliminar
de inépcia da petição inicial, suscitada pelo réu Jandelson Gouveia
da Silva; e, no mérito, ainda por unanimidade, julgar a ação rescisória
improcedente e declarar, com fundamento no disposto no artigo 790-A
da Consolidação das Leis do Trabalho, a isenção do Ministério Público
do Trabalho em relação ao pagamento das custas processuais.
Recife, 29 de junho de 2010.
NELSON SOARES JÚNIOR
Desembargador relator
264
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
PROC. TRT Nº 0201800-47.2009.5.06.0301 (RO)
ÓRGÃO JULGADOR: PRIMEIRA TURMA
RELATORA: DESEMBARGADORA NISE PEDROSO LINS DE SOUSA
RECORRENTE: COMPANHIA INDUSTRIAL DO NORDESTE BRASILEIRO (MASSA FALIDA)
RECORRIDAS: MANOEL PEREIRA DA FONSECA E COOPERATIVA
AGRÍCOLA HARMONIA
ADVOGADOS: JOSÉ PEDRO SOARES LIRA, FRANCISCO JOSÉ
GOMES DA COSTA E JOSÉ PEDRO SOARES LIRA
PROCEDÊNCIA: VARA DO TRABALHO DE CATENDE/PE
EMENTA: MASSA FALIDA. CONTINUIDADE DA ATIVIDADE.
CONTRATO DE TRABALHO FIRMADO ANTES DA DECRETAÇÃO
DA FALÊNCIA. Contratado a reclamante antes da decretação da falência e permanecendo a trabalhar mesmo após a quebra da empresa, de
modo que, mantendo o falido a continuidade da atividade empresarial
nos mesmos moldes dos anos anteriores à decretação da falência e
beneficiando-se da prestação de serviços da obreira, mantém-se a decisão que determinou que a execução dos créditos trabalhistas referentes
ao período pós-falência seja processada perante a Justiça do Trabalho,
não se sujeitando à habilitação perante o Juízo Falimentar. Inteligência
do artigo 84, da Lei nº 11.101, de 09.02.2005. Recurso não provido.
Vistos etc.
Cuida-se de recurso ordinário interposto pela
CO M PA N H I A I N D U S T R I A L D O N O R D E S T E B R A S I L E I R O
(MASSA FALIDA), em face de decisão proferida pelo MM. Juiz da
Vara do Trabalho de Catende/PE que, às fls. 92/95, julgou procedentes,
em parte, os pedidos formulados na reclamação trabalhista ajuizada
por MANOEL PEREIRA DA FONSECA, condenando a recorrente
ao pagamento das parcelas descritas no referido título judicial.
Em suas razões de recurso, às fls. 102/105, cinge-se
o inconformismo da recorrente, diante da determinação contida
no decisum, de que a execução seja processada nesta Justiça
Especializada, defendendo deva ser habilitado o crédito exequendo
265
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
junto ao Juízo Falimentar, de modo a evitar o pagamento a um
credor trabalhista em detrimento aos demais. Cita entendimento
jurisprudencial e doutrinário em defesa de sua tese, objetivando,
em suma, que seja procedida a habilitação do crédito nos autos do
processo da falência, nos termos do art. 265, VI, do CPC, evitando-se
prejuízo à universalidade dos credores.
Contrarrazões apresentadas pelo autor, às fls. 113/117..
A espécie não exige intervenção obrigatória do Ministério
Público do Trabalho (art.49, do Regimento Interno da Corte).
É o relatório.
VOTO:
Pretende a recorrente obter a reforma da sentença que
determinou que a execução de parte dos valores devidos à reclamante
seja processada perante esta Justiça Especializada, de modo que o
crédito obreiro seja habilitado junto ao Juízo Falimentar, evitando-se
lesão à universalidade dos credores.
Não procede a irresignação.
Em que pese ser fato público neste Estado a decretação de
falência da Usina Catende S/A, atualmente denominada Companhia
Industrial do Nordeste Brasileiro (Massa Falida), é incontroverso nos
autos que o reclamante foi contratado em 13.03.1992 e continuou
prestando serviços à recorrente, mesmo após a decretação da falência,
ocorrida em 17 de maio de 1995.
O Juízo de primeiro grau reconheceu a procedência de
vários títulos vindicados na reclamação trabalhista, decretando a
prescrição quinquenal sobre aqueles anteriores a 30.09.2004, salvo
em relação aos depósitos fundiários por submeterem-se á prescrição
trintenária, nos termos da Súmula 362, do C. TST. Determinou, em
seguida, que parte do crédito deferido, referente ao período anterior
à decretação da falência (17.05.1995), deverá ser habilitado junto
ao Juízo Falimentar e a parte restante, ou seja, aquela referente à
prestação de serviços posterior à quebra, será processada perante a
Justiça do Trabalho.
Não há qualquer ilegalidade na determinação perpetrada
266
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
pelo Juízo de primeiro grau.
Sobre o tema, aliás, colho excerto do voto proferido pelo
juiz Bartolomeu Alves Bezerra, quando do julgamento do agravo de
petição nº 00964-2008-301-06-00-1, interposto pela mesma recorrente,
verbis:
“E M E N T A: MASSA FALIDA. CONTINUAÇÃO
DO NEGÓCIO. SUCESSÃO DE EMPREGADORES
– Embora, como regra, a massa falida não tenha a livre
administração de seus bens e, portanto, não lhe seja
lícito escolher a quem pagar primeiro, a hipótese dos
autos é diferente, porque houve continuação da atividade
empresarial. Nessa situação, apesar de o acionante ter
sido contratado antes do decreto de quebra, ele continuou
trabalhando para a massa, em indisfarçado processo de
sucessão de empregadores. Em conseqüência, a massa
responde pelos créditos de rescisão e tudo quanto deixou
de ser pago ao empregado, independentemente de
habilitação. Agravo de petição improvido.
(...)
VOTO:
Tenho que não assiste qualquer razão à recorrente.
De fato, embora, como regra, a massa falida não
tenha a livre administração de seus bens e, portanto, não
lhe seja lícito escolher a quem pagar primeiro, a hipótese
dos autos é diferente, porque houve a continuidade do
negócio da empresa falida sob a condução do síndico da
massa. EDUARDO GABRIEL SAAD (in CLT Comentada,
29ª ed., 1996, LTr, pág. 304, nota 2 ao art. 449), esclarece
que “A falência, necessariamente, não põe fim ao contrato
de trabalho. Se o síndico houver por bem dar continuidade
às atividades econômicas do falido, ficam os contratos de
trabalho preservados”.
Quando se dá a continuidade da atividade empresarial
267
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
do falido, sob a batuta do síndico que representa os
credores, onde o comerciante continua comprando,
vendendo e fazendo o troco, segundo a inteligência dos
arts. 10 e 448 da CLT, ocorre verdadeira sucessão de
empregadores. E, neste caso, cabe à massa responder pelos
créditos de rescisão e tudo quanto deixou de ser pago ao
empregado, independentemente de habilitação.
Logo, nego provimento.”
Note-se que o procedimento adotado pela magistrada
sentenciante encontra guarida no art. 84, I da Lei nº. 11.101, de 09 de
fevereiro de 2005 (Lei de Falências e de Recuperação de Empresas),
que assim dispõe, textual:
“Art. 84. Serão considerados crédito extraconcursais
e serão pagos com precedência sobre os mencionados no
art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a:
I – remunerações devidas ao administrador judicial
e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do
trabalho relativos a serviços prestados após a decretação
da falência”
O posicionamento ora adotado, aliás, converge com o
entendimento deste E Regional, que, em sua composição plenária,
por ocasião do julgamento do MS nº. 0031400-30.2009.5.06.0000,
cuja relatoria incumbiu ao eminente Juiz Bartolomeu Alves Bezerra,
em decisão recente, publicada em 30.03.2010, assim se pronunciou,
verbis:
MANDADO DE SEGURANÇA. DÍVIDA
TRABALHISTA CONTRAÍDA PELA MASSA FALIDA.
CRÉDITO EXTRACONCURSAL. INEXIGÊNCIA
DE HABILITAÇÃO – Em se tratando de condenação
trabalhista decorrente de liame empregatício contratado
após o decreto de falência, isto é, contratado já pela
massa e não pelo empresário falido, não existe nenhum
direito líquido e certo ao procedimento de habilitação no
268
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
juízo universal. Na espécie, trata-se de um crédito extra
concursal (art. 124 do Decreto-lei nº 7.661/1945 e art. 84
da Lei n º 11.101/2005) e, portanto, sujeita-se à execução
particular em favor do credor e está afeta à competência
da Justiça do Trabalho, já que se trata de uma sentença
proferida por esta Especializada. Segurança denegada.
Outros, igualmente, são os precedentes de todas as
turmas que compõem esta Corte, retratados em acórdãos lavrados
nos autos dos processos números 00376-57.2008.5.06.0301;
0035000-63.2008.5.06.0301; 0028500-15.2007.5.06.0301 – 2ª Turma;
00964-78.2008.5.06.0301, - 3ª Turma; e 0015600-63.2008.5.06.0301;
0070400-41.2008.5.06.0301; 0075800-36.2008.5.0301; 008050089.2007.5.06.0301, - 1ª Turma, onde, em todos estes figura como
reclamada a empresa Companhia Industrial do Nordeste Brasileiro,
ora recorrente.
Conclui-se, pois, que os créditos cuja competência
executória está afeta a esta Justiça Especializada limitam-se àqueles
denominados extraconcursais, decorrente de prestação de serviços
posteriores à decretação da falência, em consonância com o disposto
no inciso I, do artigo 84, da Lei nº 11.101/2005, estando a decisão a
quo em perfeita harmonia com a legislação que regula a espécie.
Nada a reformar, portanto.
CONCLUSÃO:
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
ACORDAM as Desembargadoras e o Juiz convocado da
Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região,
por unanimidade, negar provimento ao recurso.
Recife, 01 de julho de 2010.
NISE PEDROSO LINS DE SOUSA
Desembargadora Relatora
269
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
PROC. Nº. TRT – 0074600-60.2009.5.06.0009(RO)
ÓRGÃO JULGADOR: SEGUNDA TURMA
RELATOR: DESEMBARGADOR ACÁCIO JÚLIO KEZEN CALDEIRA
RECORRENTE: DISTLOG DISTRIBUIDORA DE JORNAIS E REVISTAS LTDA.
RECORRIDO: JOEL OTÁVIO MIGUEL DA SILVA
ADVOGADOS: SÍLVIO FERREIRA LIMA E DANIEL HENRIQUE
MONTEIRO FERNANDES
PROCEDÊNCIA: 9ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE-PE
EMENTA: SALÁRIO MÍNIMO E REGIME DE TEMPO PARCIAL.
PROPORCIONALIDADE. Havendo contrato de trabalho em regime
parcial, é lícito o pagamento do salário mínimo proporcional ao tempo
trabalhado. A hipótese está assegurada pelo art. 58-A, da CLT, podendo
o salário ser pago de forma proporcional ao número de horas trabalhadas em jornada reduzida, não havendo que se falar em afronta ao art.
7º, VII, da C.F, visto que a norma constitucional estabelece o limite da
jornada de trabalho de oito horas diárias e quarenta e quatro semanais.
Vistos etc.
Recorre ordinariamente DISTLOG DISTRIBUIDORA
DE JORNAIS E REVISTAS LTDA. de decisão proferida pelo
MM. Juízo da 9ª Vara do Trabalho do Recife-PE, que julgou
PROCEDENTES, EM PARTE, os pedidos formulados na reclamação
trabalhista ajuizada por JOEL OTÁVIO MIGUEL DA SILVA em
face da recorrente, nos termos da fundamentação de fls. 96/100.
Embargos declaratórios opostos pela reclamada, às fls.
101/104, e rejeitados conforme decisão de fl. 105.
Razões do recurso, às fls. 108/112, nas quais se insurge
contra o decisum que a condenou na diferença salarial entre o salário
recebido pelo reclamante em regime de tempo parcial e o mínimo
constitucionalmente estabelecido. Aduz que a r. sentença violou o art.
58-A, da CLT, eis que o contrato estabelecia o regime de tempo parcial.
Salienta que o referido contrato não foi especificamente impugnado
e que as provas dos autos respaldam a tese patronal.
270
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
O reclamante, embora devidamente notificado, não
apresentou contrarrazões, conforme certificado à fl. 117.
Desnecessária a remessa dos autos à Procuradoria Regional
do Trabalho, porquanto não vislumbro interesse público no presente
litígio (art.49 do Regimento Interno deste Sexto Regional).
É o relatório.
VOTO:
Das diferenças salariais
Afirma a recorrente em seu apelo que o reclamante foi
contratado em regime de tempo parcial, não podendo receber as
diferenças salariais para o mínimo legal, sob afronta ao artigo 58-A,
da CLT.
Pois bem.
O reclamante, na peça vestibular, afirmou que recebia a
título de salário mensal a quantia de R$ 207,90, inferior ao mínimo
constitucionalmente estabelecido que era de R$ 465,00.
Por sua vez, a reclamada alegou na peça de defesa que o
reclamante foi contratado para trabalhar como promotor de entregas
no regime de 25 horas semanais, recebendo a remuneração à base da
hora trabalhada, consoante cláusula constante no item “2” do contrato
de trabalho firmado entre as partes.
O M.M Juízo condenou a reclamada no pagamento de
diferença salarial, por entender que mesmo trabalhando por hora em
tempo parcial, não existe possibilidade de um empregado perceber
abaixo do salário mínimo constitucionalmente protegido, conforme
art. 7º, IV, da Lei Maior.
Pois bem.
Data venia, do juízo a quo, razão parcial assiste à reclamada.
Inicialmente cumpre asseverar que restou incontroverso
nos autos, que o reclamante foi contratado para trabalhar em regime
de tempo parcial, conforme contrato de trabalho de fl. 86.
A Carta da República estabelece no art. 7º, inciso IV, que é
271
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
direito dos trabalhadores urbanos e rurais receberem salário mínimo
que atenda às necessidades básicas do trabalhador e de sua família.
E complementa a Lei Maior no inciso VII, do mesmo artigo, que
não pode haver salário inferior ao mínimo fixado em lei para os que
recebem remuneração variável.
Por sua vez, o art. 58-A, § 1º, da CLT, reza que: “ O
salário a ser pago aos empregados sob o regime de tempo parcial será
proporcional à sua jornada, em relação aos empregados que cumprem,
nas mesmas funções, tempo integral.”
No caso dos autos, o autor foi contratado em regime de
tempo parcial para receber um valor fixo correspondente a R$ 1,89
por hora trabalhada, com duração total limitada a 25 horas semanais
e 8 horas diárias. E esse valor pago a título de salário por hora
trabalhada equivale proporcionalmente à metade do que seria pago a
um empregado que trabalhasse em tempo total, sendo igual ao valor
de um salário mínimo.
É de sabença, que o regime de tempo parcial está inserido
no ordenamento jurídico pátrio, através da Consolidação das Leis do
Trabalho, vigorando plenamente nos contratos de trabalho.
O art. 58-A, e seu § 1º, da CLT, é claro no sentido de conferir
o regime de trabalho parcial de, no máximo, 25 horas semanais, sendo
proporcional à jornada integral, inclusive em relação ao salário.
Neste diapasão, se enquadrando o autor nos moldes do art.
58-A, consolidado, deve o mesmo receber salário proporcional àquele
trabalhador que recebe, ao menos, o mínimo legalmente estabelecido,
não havendo que se falar em receber valor inferior ao salário mínimo,
eis que, do contrário, o artigo consolidado se tornaria letra morta.
Em verdade, as garantias trabalhistas, ao longo do tempo,
tem procurado restringir a utilização máxima da mão de obra do
trabalhador, no entanto, não dificulta o labor em jornada reduzida ou
moderada. Neste sentido, nota-se que a legislação pátria tem limitado
a duração da jornada de trabalho por dia, semana ou mês, mas não
prevê limites para a redução das horas de trabalho, com rendimentos
proporcionais acordados.
A despeito de tal fato, o salário mínimo constitucionalmente
assegurado, utilizou-se não apenas do critério valorativo de garantia,
mas, também, do número de horas laboradas pelo trabalhador. A esse
272
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
respeito, discorre com grande propriedade o doutrinador Maurício
Godinho Delgado (CURSO DE DIREITO DO TRABALHO, Editora
LTr, pág. 885:
“De fato, as garantias trabalhistas construídas ao
longo da História têm buscado restringir fundamentalmente
a utilização máxima da força de trabalho (no dia e semana,
principalmente), não inviabilizando, é claro, seu uso
moderado ou pouco intenso. É o que se percebe, por
exemplo, nas regrais legais que estipulam duração máxima
para o labor a cada dia (ou duração semana máxima),
não proibindo, em contraponto, duração reduzida com
vantagens trabalhistas proporcionalmente ajustadas. Nessa
linha, a idéias prevalecente de fixação do salário obreiro
em função de parâmetros temporais distintos (hora, dia ou
mês) é funcional, exatamente por permitir o cálculo das
verbas trabalhistas em comparação com as horas pactuadas
de labor (por exemplo, jornadas de 5 horas, correspondendo
a uma duração mensal do trabalho de 150 horas, já incluídos
os dias de repouso – tudo isso com salário horário, diário
e mensal equivalentes).
Do mesmo modo, a garantia de salário mínimo
sempre foi construída tendo por critério de aferição a real
duração do trabalho pactuada com o empregado (salário
mínimo horário, diário ou mensal). Por esta razão sempre
foi possível falar-se, validamente, em meia jornada (com
durações semanais e mensais equivalentes à metade do
padrão vigorante), correspondendo a meio salário mínimo
(na verdade, salário mínimo correspondente à duração
reduzida do labor).”
Corroborando este entendimento, segue decisão do C.
TST, no AIRR-1695/2002-025-03-00.7, 1ª Turma, de relatoria do Min.
Walmir Oliveira Costa:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO
D E R E V I S TA . P R O C E D I M E N TO S U M A R Í S S I M O.
273
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
EMPREGADO DOMÉSTICO. JORNADA REDUZIDA.
SALÁRIO MÍNIMO. PROPORCIONALIDADE .
O art. 7º, IV, da Constituição da República garante o
salário mínimo como sendo a menor remuneração paga ao
trabalhador. Todavia, a interpretação desse dispositivo deve
ser feita considerando o inciso XIII do referido dispositivo
constitucional, o qual estabelece o limite da jornada de
trabalho de oito horas diárias e quarenta e quatro semanais.
Nesse sentido, se a jornada de trabalho contratada do
empregado, ainda que trabalhador doméstico, é inferior
àquela constitucionalmente estipulada, o salário pode
ser pago de forma proporcional ao número de horas
trabalhadas em jornada reduzida.”
Cabe ressaltar, que o regime de tempo parcial somente
pode ser aplicado a trabalhadores inseridos na jornada normal de 08
horas ao dia, naturalmente não abarcando aqueles trabalhadores com
jornada especial.
Desta forma, havendo contrato de trabalho com regime
de tempo parcial reconhecidamente válido, o salário pago por hora
trabalhada proporcionalmente à do salário mínimo, está amparado
pela CLT, podendo ser aplicado no presente caso.
Todavia, compulsando-se os autos, observo que o vínculo
empregatício ocorreu no período compreendido entre 10.08.2008
à 06.04.2009. E que o salário mínimo cujo valor era de R$ 415,00,
até 31.01.2009, correspondente à R$ 1,89 (um real e oitenta e nove
centavos), a hora trabalhada, foi reajustado à quantia de R$ 465,00,
equivalente à R$ 2,11 (dois reais e onze centavos), a hora laborada.
A despeito de tal fato, a própria recorrente confirmou que
sempre pagou a título de hora trabalhada o valor de R$ 1,89, conforme
se observa no contrato de trabalho em regime de tempo parcial, à
fl. 86, e ficha de registro de empregados, fl. 91, não tendo, a partir
de 01.02.2009, reajustado o salário do trabalhador para o novo valor
proporcional ao salário mínimo.
Assim sendo, dou provimento parcial ao recurso patronal
para reconhecer a validade do contrato por tempo parcial, e excluir
do condeno o pagamento de diferença salarial e sua repercussão, no
período compreendido entre 10.08.2008 à 31.01.2009. Quanto ao
274
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
período de 01.02.2009 à 06.04.2009, limito a condenação ao pagamento
da diferença do salário recebido por hora trabalhada de R$ 1,89 ao
valor de R$ 2,11 e suas repercussões nas férias + 1/3, 13º salário,
aviso prévio e FGTS + 40%.
CONCLUSÃO:
Ante o exposto, dou provimento parcial ao recurso
para excluir da condenação o pagamento de diferença salarial
e repercussões, no período compreendido entre 10.08.2008 à
31.01.2009. Quanto ao interstício de 01.02.2009 à 06.04.2009, limito
a condenação ao pagamento da diferença do salário recebido por hora
trabalhada de R$ 1,89 ao valor de R$ 2,11 e suas repercussões nas
férias + 1/3, 13º salário, aviso prévio e FGTS + 40%. Ao decréscimo
condenatório arbitro em R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais).
ACORDAM os Membros integrantes da 2ª Turma do
Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região, por unanimidade,
por unanimidade, dar provimento parcial ao recurso para excluir
da condenação o pagamento de diferença salarial e repercussões,
no período compreendido entre 10.08.2008 à 31.01.2009. Quanto
ao interstício de 01.02.2009 à 06.04.2009, limitar a condenação ao
pagamento da diferença do salário recebido por hora trabalhada de
R$ 1,89 ao valor de R$ 2,11 e suas repercussões nas férias + 1/3, 13º
salário, aviso prévio e FGTS + 40%. Ao decréscimo condenatório
arbitra-se em R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais).
Recife, 14 de abril de 2010.
ACÁCIO JÚLIO KEZEN CALDEIRA
Desembargador Federal do Trabalho
Relator
275
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
PROC. Nº. TRT – 0033100-93.2009.5.06.0015 (00331-2009015-06-00-2)
ÓRGÃO JULGADOR: SEGUNDA TURMA
RELATOR: DESEMBARGADOR VALDIR CARVALHO
RECORRENTE: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - EBCT
RECORRIDO: ERIK CÉSAR CARVALHO DA SILVA
ADVOGADOS: HEITOR DE A. PICANÇO P. NETO E CASSIUS
GUERRA VAREJÃO DE ALCÂNTARA
PROCEDÊNCIA: 15ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE/PE
EMENTA: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS
– EBCT. BENEFICIÁRIA DOS FAVORES DA FAZENDA PÚBLICA.
DISPENSA IMOTIVADA. IMPOSSIBILIDADE. Em que pese as Empresas
Estatais (Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista), por força
de norma inserta no artigo 173, §1º, inciso II, da Carta Política Nacional,
estejam sujeitas, em matéria trabalhista,“ao regime jurídico próprio das
empresas privadas”, em face do disposto no art. 12, do Decreto-lei n.
509/69, a demissão, sem causa, de empregados da Empresa Brasileira
de Correios e Telégrafos – EBCT, requer motivação, consoante Orientação Jurisprudencial nº 247, item II, da SDI – 1, do Tribunal Superior
do Trabalho:“A validade do ato de despedida do empregado da Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação,
por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública
em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das
prerrogativas de foro, prazos e custas processuais.” A tese empresarial é
de que o demandante violou Regulamento Disciplinar de Pessoal (item
2, “f”) em razão de haver silenciado sobre o recebimento indevido do
benefício auxílio creche pela sua companheira, à época, também empregada da reclamada. Esse entendimento, contudo, discrepa da ordem
jurídica constitucional (direito ao silêncio - art. 5º, LXIII, CF). É que, em
face do direito fundamental que protege contra a auto-incriminação,
previsto no art. 5º, LXIII, CF (o preso será informado de seus direitos, entre
os quais o de permanecer calado), considerando que embora aludindo ao
preso, a interpretação da regra constitucional deve ser no sentido de
que a garantia abrange toda e qualquer pessoa, e, ainda, que o art. 406,
I, do CPC, na mesma linha, dispõe que “a testemunha não é obrigada a
276
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
depor de fatos que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge e
aosseusparentesconsangüíneosouafins,emlinhareta,ounacolateralem
segundo grau”, não pode ser considerado ato de indisciplina ensejadora
de quebra de fidúcia o fato do demandante não haver comunicado
sua empregadora sobre irregularidade praticada na empresa pela sua
companheira. “o direito à não-auto-incriminação constitui uma barreira
intrasponível ao direito à prova de acusação; sua denegação, sob qualquer
disfarce, de representará um indesejável retorno às formas mais abomináveisdarepressão,compromentendoocaráterético-políticodoprocessoea
própriacorreçãonoexercíciodafunçãojurisdicional”(AntonioMagalhães).
Em concreto, as circunstâncias apresentadas pela demandada como
motivadoras da rescisão contratual do demandante, silêncio quanto
à fraude perpetrada por sua companheira, não configura motivo disciplinar capaz de quebrar a fidúcia inerente ao contrato de emprego,
a justificar a dispensa sem justa causa do obreiro. Tenho, pois, como
não afrontado o item 2, “f”, do Regulamento Disciplinar de Pessoal
da reclamada, o que autoriza o decreto de reintegração no emprego.
Recurso ordinário improvido.
Vistos etc.
Recurso ordinário interposto por EMPRESA BRASILEIRA
DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - EBCT, em face de decisão
proferida pela MM. 15ª Vara do Trabalho do Recife/PE, que, às fls.
726/736, julgou procedente, em parte, a reclamação trabalhista nº
0033100-93.2009.5.06.0015, contra ela ajuizada por ERIK CÉSAR
CARVALHO DA SILVA, ora recorrido.
Embargos de declaração opostos pela reclamada às fls.
737/743, acolhidos às fls. 745/746.
Em suas razões às fls. 753/763, pugna a reclamada pela
reforma da sentença que declarou a nulidade da dispensa do autor e
determinou a sua reintegração no cargo que exercia quando de sua
demissão, bem como o pagamento dos salários vencidos da data da
dispensa até a efetiva reintegração, com suas repercussões. Sustenta,
inicialmente, que, ao contrário do que declarou o Juízo de Primeiro
grau, a demissão do reclamante, embora não tenha sido por justa
causa, foi devidamente motivada, nos estritos termos da OJ 247, da
SDI – 1, do Colendo TST. Aduz que o obreiro não gozava estabilidade
277
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
provisória e que, através do processo administrativo no qual foi
respeitado o contraditório e a ampla defesa, restou demonstrado que
o reclamante tinha conhecimento da irregularidade no recebimento
do benefício auxílio creche por parte de sua companheira, que na
época também trabalhava para a ré, o que ensejou a quebra da fidúcia
indispensável na relação de emprego e, conseqüentemente, motivou
a demissão do autor. Informa, por fim, que o dever de retidão de
conduta, civilidade e moralidade devem estar acima das relações
afetivas ou de parentesco. Pede provimento ao apelo.
Contrarrazões apresentadas às fls. 767/772.
A Procuradoria Regional do Trabalho, por meio do parecer
da lavra do Procurador Regional Waldir de Andrade Bitu Filho, às fls.
775/778, opinou pelo improvimento do recurso ordinário.
É o relatório.
VOTO:
Pretende a reclamada, ora recorrente, a reforma da
sentença de primeiro grau que declarou a nulidade da dispensa do
autor por falta de motivação e determinou a sua reintegração ao
emprego, com pagamento dos salários vencidos e vincendos.
O reclamante ajuizou a presente demanda trabalhista
postulando sua reintegração no emprego, alegando ter estabilidade
sindical em razão da sua condição de delegado sindical, assim como,
asseverando que “não houve motivação para sua demissão, devendo
este Juízo considerar inválido o procedimento realizado pela reclamada
por ser eivado de vício.” (fl. 08). Aduz, que foi dispensado sob a
acusação de que fora conivente com sua namorada, Sra. Elisabete
Lins Barros de Melo, a qual, por sua vez, foi acusada de ter recebido
indevidamente o auxílio creche e que, ao ser interrogada, afirmou
que o obreiro não tinha conhecimento do fato da filha da depoente
não estar mais estudando. Sustenta que por ser Delegado Sindical,
conforme Acordo Coletivo de Trabalho (cláusula 19), só pode ser
dispensado motivadamente, mediante apuração dos fatos justificadores
da demissão, em procedimento próprio, assegurada assistência sindical
e ampla defesa, o que informa não ter sido observado na hipótese, uma
vez que o sindicato não lhe assistiu em seu depoimento.
A postulada informa que o reclamante foi dispensado sem
278
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
justa causa, porém, com motivação, eis que, após regular processo
administrativo, concluiu-se pela participação do autor, ainda que de
forma passiva, em fraude praticada pela sua companheira, à época
também empregada da ré, no recebimento do benefício auxílio creche,
asseverando, ainda, que tendo o demandante sido nomeado para o
cargo de Delegado Sindical, jamais gozou estabilidade provisória
pretendida, a qual é prevista, apenas, àqueles eleitos para cargo de
administração sindical.
O cerne da discussão, nos presentes fólios, diz respeito à
validade da demissão sem justa causa do reclamante.
Necessário consignar, inicialmente, que a alegação de
estabilidade provisória de Delegado Sindical foi escorreitamente
rejeitada na sentença guerreada (fl. 730), de conformidade com
entendimento do TST, consubstanciado na OJ nº 369, da SDI-1, nada
mais havendo a ser apreciado, portanto, neste particular.
O reclamante é empregado da Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos – EBCT, empresa pública, integrante da
Administração Indireta Federal, a quem compete “executar e controlar,
em regime de monopólio, os serviços postais em todo o território
nacional” (artigo 2º, inciso I, do Decreto-lei n. 509/69), com capital
constituído unicamente por recursos provenientes da União Federal
e, como tal, submetida ao disposto no artigo 37, da Constituição
Federal. Goza a demandada dos privilégios assegurados à Fazenda
Pública, “quer em relação à imunidade tributária, direta ou indireta,
impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente
a foro, prazos e custas processuais”, nos moldes do artigo 12, do
retromencionado decreto, recepcionado pela Constituição Federal de
1988, como, aliás, proclamou o Plenário do Excelso Supremo Tribunal
Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 220.906, do qual foi
condutor do acórdão o Ministro Maurício Corrêa, e seus empregados
gozam de garantia no emprego nos moldes do artigo 165, da CLT.
Logo, em que pese as Empresas Estatais (Empresas
Públicas e Sociedades de Economia Mista), por força de norma
inserta no artigo 173, §1º, inciso II, da Carta Política Nacional,
estejam sujeitas, em matéria trabalhista, “ao regime jurídico próprio
das empresas privadas”, em face do disposto no art. 12 do Decretolei n. 509/69, a demissão de empregados da Empresa Brasileira
de Correios e Telégrafos – EBCT, requer motivação, consoante
279
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
Orientação Jurisprudencial nº 247, item II, do Tribunal Superior do
Trabalho, in verbis:
Nº 247 SERVIDOR PÚBLICO. CELETISTA
CONCURSADO. DESPEDIDA IMOTIVADA. EMPRESA
PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA
MISTA. POSSIBILIDADE. Inserida em 20.06.2001
(Alterada – Res. nº 143/2007 - DJ 13.11.2007)
I - A despedida de empregados de empresa pública e de
sociedadedeeconomiamista,mesmoadmitidosporconcurso
público, independe de ato motivado para sua validade;
II - A validade do ato de despedida do empregado da
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está
condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo
tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à
imunidade tributária e à execução por precatório, além das
prerrogativas de foro, prazos e custas processuais.(grifei)
Acerca da questão, importa salientar que os motivos
ensejadores de dispensa por justa causa elencados no art. 482,
Consolidado, não se confundem com a motivação do ato administrativo
de dispensa de empregado de empresa estatal que goza dos
privilégios assegurados à Fazenda Pública, caso dos autos, motivação
esta indispensável, em respeito aos princípios da impessoalidade e
legalidade, consagrados no artigo 37, caput, da Constituição Federal.
Assim, na condição de empregado da Empresa Brasileira
de Correios e Telégrafos – EBCT, o autor é detentor de garantia
no emprego. No caso das denominadas garantias no emprego, à
exceção de dirigente sindical (CLT, artigo 543, § 3º), que têm idêntico
procedimento ao do empregado portador de estabilidade decenal,
inexiste exigência de procedimento legal específico, a exemplo dos
casos de cipeiro, onde é necessário, apenas, motivar a decisão, nos
termos preceituados no artigo 165, Consolidado, que giza:
“Os titulares da representação dos empregados
nas CIPA(s) não poderão sofrer despedida arbitrária,
entendendo-se como tal a que não se fundar em motivo
disciplinar, técnico, econômico ou financeiro.”
280
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
A tese empresarial é de que o demandante violou
Regulamento Disciplinar de Pessoal (item 2, “f”) em razão de haver
silenciado sobre o recebimento indevido do benefício auxílio creche
pela sua companheira, à época, também empregada da reclamada. Esse
entendimento, contudo, discrepa da ordem jurídica constitucional
(direito ao silêncio - art. 5º, LXIII, CF).
É que, em face do direito fundamental que protege contra
a auto-incriminação, previsto no art. 5º, LXIII, CF (o preso será
informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado),
considerando que embora aludindo ao preso, a interpretação da regra
constitucional deve ser no sentido de que a garantia abrange toda e
qualquer pessoa, e, ainda, que o art. 406, I, do CPC, na mesma linha,
dispõe que “a testemunha não é obrigada a depor de fatos que lhe
acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge e aos seus parentes
consangüíneos ou afins, em linha reta, ou na colateral em segundo
grau”, não pode ser considerado ato de indisciplina ensejadora de
quebra de fidúcia o fato do demandante não haver comunicado sua
empregadora sobre irregularidade praticada na empresa pela sua
companheira. No caso, amparado o vindicante na prerrogativa contra
a auto-incriminação presente no ordenamento jurídico pátrio.
No campo da doutrina, Alexandre de Moraes ensina que
“A expressão preso não foi utilizada pelo texto constitucional em seu
sentido técnico, pois o presente direito tem como titulares todos aqueles,
acusados ou futuros acusados (por exemplo: testemunhas, vítimas), que
possam eventualmente ser processados ou punidos em virtude de suas
próprias declarações.
Comentando o direito ao silêncio, Antonio Magalhães expõe
que:
‘o direito à não-auto-incriminação constitui
uma barreira intrasponível ao direito à prova de acusação;
sua denegação, sob qualquer disfarce, de representará
um indesejável retorno às formas mais abomináveis da
repressão, compromentendo o caráter ético-político do
processo e a própria correção no exercício da função
jurisdicional” (Direito à prova no processo penal. São
Paulo : Revista dos Tribunais, 1997. p. 114).’” (Direitos
Humanos e Fundamentais, Teoria Geral, Comentários aos
281
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do
Brasil, Doutrina e Jurisprudência, 4ª edição, editora Atlas
S/A – fls. 286/287)
Nesse sentido, no julgamento do Habeas Corpus nº
78.708-SP, o Ministro Sepúlveda Pertence assinalou que “I. O direito
à informação da faculdade de manter-se silente ganhou dignidade
constitucional, porque instrumento insubstituível da eficácia real
da vetusta garantia contra a auto-incriminação que a persistência
planetária dos abusos policiais não deixa perder atualidade. II. Em
princípio, ao invés de constituir desprezível irregularidade, a omissão
do dever de informação ao preso dos seus direitos, no momento
adequado, gera efetivamente a nulidade e impõe a desconsideração
de todas as informações incriminatórias dele anteriormente obtidas,
assim como das provas delas derivadas.”
A propósito, assim decidiu o STF:
“COMISSÃO PARLAMENTAR INQUÉRITO.
R I V I L É G I O C O N T R A A AU TO - I N C R I M I N A Ç Ã O.
DIREITO QUE ASSISTE A QUALQUER INDICIADO
U TESTEMUNHAL. IMPOSSIBILIDADE DE O PODER
PÚBLICO IMPOR MEDIDAS RESTRITIVAS A QUEM
EXERCE, REGULARMENTE, ESSA PRERROGATIVA.
MEDIDA LIMINAR CONCEDIDA.
- O privilégio contra a auto-incriminação – que é
plenamente invocável perante as Comissões Parlamentares
de Inquérito – traduz direito público subjetivo assegurado
a qualquer pessoa que deva prestar depoimento perante
órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do
Poder Judiciário.
-O exercício do direito de permanecer em
silêncio não autoriza os órgãos estatais a dispensarem
qualquer tratamento que implique restrição à esfera jurídica
daquele que regularmente invocou essa prerrogativa
fundamental. Precedentes.
- Ninguém pode ser tratado como culpado,
independentementedanaturezadoilícitopenalquelhepossa
282
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
ser atribuído, sem que exista decisão judicial condenatória
transitada em julgado. O princípio constitucional da nãoculpabilidade consagra, em nosso sistema jurídico, uma
regra de tratamento que impede o Poder Público de agir
e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado,
ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem
sido condenados definitivamente por sentença do Poder
Judiciário. Precedentes.” HC 79.812-8 – SP, STF/pleno, RT
788/520 e RTJ 176/805)
Em concreto, as circunstâncias apresentadas pela
demandada como motivadoras da rescisão contratual do demandante,
silêncio quanto à fraude perpetrada por sua companheira, não
configura motivo disciplinar capaz de quebrar a fidúcia inerente
ao contrato de emprego, a justificar a dispensa sem justa causa do
obreiro. Tenho, pois, como não afrontado o item 2, “f”, do Regulamento
Disciplinar de Pessoal, o que autoriza o decreto de reintegração no
emprego.
No ponto, endosso parte dos fundamentos da respeitável
sentença impugnada, “in verbis”:
“Constitui garantia constitucional do cidadão
que nenhuma pena passará da pessoa do condenado.
No caso presente, a imputação de fraude no
recebimento de Auxilio Creche fora imputada a Sra.
Elisabete, que também era funcionária da reclamada. Fora
ela quem requereu o benefício junto à reclamada. Era ela
quem apresentava os recibos e quem recebia da reclamada
o auxílio.
O fato de o reclamante manter com a mencionada
ex-empregada um relacionamento amoroso não o torna
cúmplice, nem conivente com a alegada fraude imputada
a ela.
A própria Elisabete, no depoimento prestado
nos autos da sindicância, às fls. 56, afirma que o Erick
(reclamante) não faz o papel de pai dos seus filhos menores
e que com relação à criação, educação, rendimento escolar
283
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
de seus filhos e tudo o que se relacionava a eles era de
responsabilidade dela, tendo omitido do reclamante o fato
de haver retirado da escola sua filha.
Por outro lado, ainda que tivesse conhecimento
da fraude praticada pela companheira, o reclamante, como
companheiro da Sra. Elisabete, não estaria obrigado a
denunciar o fato a reclamada, pois estaria denunciando
a própria companheira, não sendo razoável exigir-se do
mesmo tal postura.” (fls. 729/730)
O argumento apresentado pela empresa para justificar a
rescisão contratual do recorrido, portanto, é inservível para tolher o
seu direito a manter-se no emprego.
Feitas tais considerações, tenho por ilegal o ato de demissão
do autor, mantendo-se, pois, a sentença que determinou a reintegração
do trabalhador no emprego e pagamento dos salários vencidos e
vincendos.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário.
ACORDAM os Desembargadores da 2ª Turma do Tribunal
Regional do Trabalho da Sexta Região, por unanimidade, negar
provimento ao recurso ordinário.
Recife-PE, 17 de março de 2010.
VALDIR CARVALHO
Desembargador Federal do Trabalho
Relator
284
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
PROC. N.º TRT. RO – 0004600-08.2009.5.06.0018
ÓRGÃO JULGADOR: TERCEIRA TURMA
RELATORA: DES.ª VIRGÍNIA MALTA CANAVARRO
RECORRENTES: PP – PARTIDO PROGRESSISTA (DIRETÓRIO NACIONAL) E MARIA IRECE BEZERRA ANDREOTTI
RECORRIDOS: OS MESMOS E PP - PARTIDO PROGRESSISTA (DIRETÓRIO ESTADUAL)
ADVOGADOS: LUCIANA FERREIRA GONÇALVES, CARLOS HUMBERTO RIGUEIRA ALVES E ELIAS MANOEL DA SILVA
PROCEDÊNCIA: 18ª VARA DO TRABALHO DE RECIFE–PE
EMENTA: I – DIREITO DO TRABALHO. RECURSO ORDINÁRIO
DO RECLAMADO. RECLAMAÇÃO CONTRA PARTIDO POLÍTICO.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS DIRETÓRIOS NACIONAL
E ESTADUAL. Mesmo dispondo de CNPJs distintos, é inequívoco que
tanto o Diretório Nacional quanto o Estadual são órgãos de direção e
de ação do Partido, não havendo como negar a responsabilidade solidária do Diretório Nacional em relação às obrigações assumidas pelo
Diretório Estadual. A situação assemelha-se à do grupo econômico, que
se caracteriza quando há controle de uma empresa sobre as demais,
numa relação vertical ou de hierarquia, ou ainda entre empresas que
possuem apenas uma relação de coordenação horizontal. Não resta
a menor dúvida de que trabalham ambos, Diretório Nacional e Estadual, em prol do Partido, havendo uma relação de coordenação para
possibilitar uma atuação partidária mais efetiva.
II – RECURSO ORDINÁRIO DA AUTORA. CONTESTAÇÃO GENÉRICA. DEFERIMENTO DO PLEITO COM ADEQUAÇÃO AOS
ELEMENTOS DE PROVA COLIGIDOS AOS AUTOS. Ainda que o reclamado não tenha apresentado contestação específica contra a jornada
de trabalho declinada na inicial deve o julgador, ao fixar a condenação,
adequá-la aos elementos carreados aos autos, especialmente as declarações da testemunha trazida aos autos pela parte autora.
Vistos etc.
R e c o r r e m o r d i n a r i a m e n t e o P P – PA R T I D O
PROGRESSISTA (DIRE TÓRIO NACIONAL) E MARIA IRECE
285
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
BEZERRA ANDREOTTI de decisão proferida pelo MM. Juízo da
18ª Vara do Trabalho de Recife-PE, que julgou PROCEDENTES
EM PARTE os pedidos formulados na ação trabalhista ajuizada
pela segunda em face do primeiro recorrente e do PP - PARTIDO
PROGRESSISTA (DIRE TÓRIO ESTADUAL), nos termos da
fundamentação de fls. 182/183.
Recurso Ordinário do 2º Réu
Razões do recurso às fls. 199/214. Argúi, inicialmente, a
sua ilegitimidade passiva ad causam e ausência de responsabilidade
solidária. Diz que é fato incontroverso que a autora busca uma relação
de emprego que alega ter sido mantida com o Diretório Estadual do
partido e não com o Diretório Nacional, pessoas jurídicas distintas,
inclusive com CNPJs distintos. Ressalta que não se trata de uma simples
Comissão Provisória, pois existe o Diretório Estadual que atualmente
conta com uma Comissão Provisória para sua administração, conforme
autoriza o art. 38, inciso XVIII do Estatuto do Partido. Salienta que a
própria existência de uma Comissão Provisória para a administração do
Diretório Estadual já faz prova suficiente de que não havia ingerência
do Diretório Nacional no citado órgão, sendo parte ilegítima para
figurar no polo passivo da presente reclamação. Argumenta que
inexiste qualquer possibilidade de eventual condenação solidária
do recorrente, haja vista que, por imposição legal, o Diretório
Nacional não pode ser responsabilizado por qualquer dos pleitos
aduzidos pela recorrida, que pretende o reconhecimento de vínculo
empregatício que alega ter mantido com o Diretório Estadual. Afirma
que repassou regularmente o Fundo Partidário devido ao Diretório
Estadual de Pernambuco e, assim, não pode responder pelo não
cumprimento de obrigações assumidas por aquele Diretório, pois a
legislação é absolutamente clara ao dispor que a responsabilidade cabe
exclusivamente ao órgão partidário (municipal, estadual ou nacional)
que tiver dado causa ao não cumprimento da obrigação. Requer a
extinção do processo sem resolução de mérito a teor do disposto no
art. 267-VI do CPC. Renova a arguição da prescrição quinquenal,
alegando que se encontram prescritos os direitos postulados exigíveis
até janeiro de 2005. Diz também que a reclamante foi dispensada
em 12.04.1999, há mais de dez anos, estando precluso seu direito de
286
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
ajuizar reclamação trabalhista. Insurge-se contra o reconhecimento
da existência de vínculo empregatício sob a alegação de que a
recorrida jamais manteve qualquer vínculo empregatício seja com
o recorrente ou com o Diretório Estadual do Partido. Afirma que a
autora não juntou qualquer documento que comprovasse que tenha
prestado algum tipo de serviço para ele após sua demissão ocorrida em
14.04.1999, não tendo mantido qualquer vínculo empregatício com ou
reclamado ou com o Diretório Estadual após esse período. Frisa que
durante os períodos de campanha eleitoral é comum os diretórios dos
partidos contratarem prestadores de serviços nas mais diversas áreas.
Invoca o disposto no art. 100 da Lei nº. 9.504/97. Alega que a mão-deobra contratada para prestação de serviços nas campanhas eleitorais
não gera vínculo empregatício. Frisa que a própria reclamante aduziu
na inicial que o Diretório Estadual está funcionando como uma
Comissão Provisória, no entanto após o último pleito eleitoral não
teve qualquer funcionamento na sede do Diretório Estadual. Diz que
em momento algum restou demonstrada a exclusividade na prestação
dos serviços, habitualidade e subordinação. Não se conforma ainda
com a condenação no pagamento de indenização por danos moral e
material. Insiste inicialmente na negativa do vínculo empregatício
razão pela qual não poderia ter havido qualquer ação ou omissão que
pudesse causar dano à reclamante. Argumenta também que não há
nos autos qualquer comprovação de que a autora tenha sido vítima de
acidente de trabalho passível de fundamentar o pleito. Destaca que
a própria demandante afirma ser vítima de um câncer de mama, não
sendo a hipótese de doença profissional ou advinda de um acidente
de trabalho, não havendo que se falar em obrigação do empregador
quanto aos custos com o tratamento médico. Pontua que ainda que
a recorrida fosse empregada dos reclamados na ocasião, o que até
então não se comprovou, ainda assim o empregador não é obrigado
a custear tratamento de saúde de seus empregados com relação a
doenças não relacionadas à atividade profissional, improcedendo
o pedido de dano material. Quanto ao dano moral, diz que cabe à
reclamante demonstrar inequivocamente que entrou em depressão
em razão da doença, porque se viu desamparada sem poder usufruir
dos benefícios da Lei nº. 8.213/91. Argumenta que a autora não
demonstrou que as atividades exercidas teriam agravado o seu estado
de saúde, não podendo os reclamados ser responsabilizados pelo fato
de a reclamante ter entrado em processo depressivo ao descobrir a
287
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
doença. Ressalta que a demandante não mantinha qualquer vínculo
com o Diretório Nacional, não contribuindo para os danos que ela
alega ter sofrido. Busca, alternativamente, a redução do valor arbitrado
à indenização. Diz que o arbitramento no importe de R$ 20.000,00
se mostra exorbitante.
Recurso Ordinário da Autora
Razões do recurso às fls. 222/231. Busca, inicialmente,
a ampliação da condenação no pagamento de horas extras, a serem
calculadas com base na jornada descrita na exordial, haja vista que,
no particular, a contestação foi apresentada de forma genérica, eis que
limitada à negativa da relação de emprego, aplicando-se à hipótese o
disposto no art. 302 do CPC. Insurge-se contra a aplicação, de ofício,
da prescrição quinquenal. Alega incompatibilidade do disposto no §
5º do art. 219 do CPC com o processo trabalhista. Por fim, pretende
o acréscimo à condenação do reajuste do salário com base no INPC.
Diz que a remuneração percebida nunca sofreu qualquer reajuste,
havendo perda de compra do salário.
Contrarrazões apresentadas pela autora às fls. 234/249,
pelo segundo réu às fls. 276/282 e pelo primeiro réu às fls. 284/291.
Desnecessária a remessa dos presentes autos à d.
Procuradoria, em face do disposto no art. 50 do Regimento Interno
deste Regional.
É o relatório.
VOTO:
Preliminar de não conhecimento do recurso do reclamado por deserção, arguida pela
reclamante
Rejeito.
Embora pessoalmente divirja de tal posicionamento,
o fato é que o C. TST vem entendendo que o depósito recursal
288
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
efetuado na Guia para Depósito Judicial Trabalhista, como ocorreu
na espécie (fls. 216), supre a exigência do art. 899, § 4º, da CLT
e da sua Instrução Normativa nº. 18/99, haja vista que o depósito
encontra-se à disposição do juízo e perfeitamente identificado,
vinculado ao processo. Alcançada a sua finalidade, não há porque
deixar de ser conhecido o apelo.
A propósito:
RECURSO DE EMBARGOS
INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI N.º
11.496/2007. RECURSO ORDINÁRIO. DEPÓSITO
RECURSAL. GUIA DE DEPÓSITO JUDICIAL
TRABALHISTA. DESERÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA.
Afigura-se regular o depósito recursal para fins de
recurso quando efetuado mediante guia de depósito
judicial trabalhista, observados o prazo e valor legais, e
encontrando-se consignados na guia respectiva o nome
do Reclamante e do Reclamado, a Vara do Trabalho
em que tramitou o feito e o número do processo, além
da autenticação do Banco recebedor da quantia. Não
caracteriza a deserção do recurso o fato de o depósito ter
sido efetuado em guia diversa da GFIP e fora da conta
vinculada do FGTS. Recurso de embargos conhecido e
não provido.- (TST-E-ED-RR-3630/2006-047-12-00.8,
Redator Designado Lelio Bentes Corrêa, SBDI-1, DEJT
7/8/2009.)
-RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO
SOB A VIGÊNCIA DA LEI N.º 11.496/2007, QUE
DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 894 DA CLT. RECURSO DE REVISTA - CONHECIMENTO
E PROVIMENTO – DEPÓSITO RECURSAL RECOLHIMENTO - COMPROVAÇÃO - GUIA
DE DEPÓSITO DIVERSA DA PREVISTA NA
INSTRUÇÃO NORMATIVA N.º 26/2004/TST VALIDADE - Não obstante a Instrução Normativa
26/2004 aluda à utilização da Guia de Recolhimento do
FGTS e Informações à Previdência Social - GFIP para
289
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
recolhimento do depósito recursal, previsto no artigo
899 da CLT, é válida a utilização da Guia para Depósito
Judicial Trabalhista, para o recolhimento respectivo,
porque não há previsão legal no sentido de a incorreção
da Guia de Recolhimento do Depósito Recursal gerar
a deserção do recurso e, ainda, porque o equívoco
havido não impossibilitava a identificação para que se
destina o depósito, alcançando, na hipótese, o princípio
da finalidade essencial do ato processual. Recurso
de Embargos conhecido e desprovido.- (TST-E-EDRR-486/2005-026-09-00.2, Rel. Min. Carlos Alberto Reis
de Paula, SBDI-1, DEJT 27/3/2009.)
Preliminarmente:
Suscito o não conhecimento das contrarrazões de fls.
276/282, apresentadas pelo segundo réu ao recurso ordinário
apresentado pela autora, por intempestividade.
Notificado para contra-arrazoar o recurso ordinário
interposto pela autora em 13.10.2009 (fls. 267.v), uma terça-feira,
iniciada foi a contagem do prazo no dia seguinte, 14.10.2009,
estendendo-se até 21.10.2009, uma quinta-feira. As contrarrazões,
porém, só foram protocoladas em 23.10.2009 (fls. 276), fora do prazo.
Recurso Ordinário do 2º Reclamado
Da ilegitimidade passiva ad causam
Da ilegitimidade passiva ad causam, argüida
pelo recorrente
Sem razão o recorrente.
É legitimado a figurar no polo passivo da ação aquele
contra quem é deduzida a pretensão inicial ou é chamado a responder
solidária ou subsidiariamente pelos créditos pretendidos.
Assim, não há que se cogitar em ilegitimidade do
recorrente, haja vista que foi chamado pela autora para integrar o polo
passivo da ação. A questão alusiva à responsabilidade solidária exige
290
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
incursão meritória, razão porque com ele será apreciada.
Da responsabilidade solidária
Argumenta que inexiste qualquer possibilidade de eventual
condenação solidária do recorrente, haja vista que, por imposição legal,
o Diretório Nacional não pode ser responsabilizado por qualquer dos
pleitos aduzidos pela recorrida, que pretende o reconhecimento de
vínculo empregatício que alega ter mantido com o Diretório Estadual.
Afirma que repassou regularmente o Fundo Partidário devido ao
Diretório Estadual de Pernambuco e, assim, não pode responder pelo
não cumprimento de obrigações assumidas por aquele Diretório, pois a
legislação é absolutamente clara ao dispor que a responsabilidade cabe
exclusivamente ao órgão partidário (municipal, estadual ou nacional)
que tiver dado causa ao não cumprimento da obrigação.
Analisando a questão alusiva à responsabilidade da
recorrente pelos títulos da condenação assim se manifestou o juízo
de 1º grau:
“(...) À priori, há de se observar que a Lei
9.096/95 que rege a matéria acerca dos Partidos Políticos já
deixa evidenciado que o Partido Político é uno, indivisível,
visto adquirir personalidade jurídica quando tem seus atos
constitutivos registrados junto ao Cartório de Registro de
Títulos e Documentos e esses são ratificados perante o
TSE, isto é, na sede em Brasília; de forma que os demais
Partidos dele ramificados nos Estados e Municípios,
constituem-se em meros órgãos de direção e ação, mas
indivisível, cuja fonte que os origina é oriunda do Partido
Nacional. De igual forma, para a apreciação acerca da
situação desses dois Partidos, de cunho Nacional e Estadual,
respectivamente, há de se analisar o Estatuto do Partido
Progressista, colacionado aos autos às fls. 114. Pois bem,
o próprio Estatuto do Partido Progressista, de cunho
Nacional, deixa clara essa indivisibilidade desses Partidos
Nacional e Estaduais. Veja-se o que dispõe as cláusulas
desse Estatuto, in verbis:
291
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
“CAPÍTULO IV
DOS ÓRGÃOS DO PARTIDO.
Art. 7º. São órgãos do Partido, nas respectivas
áreas jurisdicionais:
(...)
II - De direção e de ação:
(...)
b) os Diretórios Estaduais.”
“CAPÍTULO VIII
DO DIRETÓRIO E DA COMISSÃO
EXECUTIVA NACIONAL.
(...)
Art. 36. Compete ao Diretório Nacional:
(...)
VIII - julgar os recursos que lhe forem
interpostos de atos e decisões da Comissão Executiva
e dos demais órgãos partidários estaduais e municipais
encaminhados pela referida Comissão:”
“CAPÍTULO IX
D O S D I R E TÓ R I O S E DA S CO M I S S Õ E S
EXECUTIVAS ESTADUAIS.
(...)
Art. 42. Compete à Comissão Executiva
Estadual exercer todas as atividades do Diretório Estadual
ad referendum deste e, ainda:
(...)
XI - elaborar e remeter, semestralmente, ao
Diretório Nacional, relatório das atividades políticopartidárias;
XII - remeter ao Diretório Nacional cópia
das atas de eleição do Diretório Estadual, de eleição dos
Delegados à Convenção Nacional, de eleição da Comissão
292
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
Executiva e da indicação dos candidatos do Partido aos
cargos eletivos;”
(...)
SEÇÃO II
Do Orçamento e da Contabilidade
(...)
Art. 102. Os Diretórios Estaduais receberão as
contas dos Diretórios Municipais que as encaminharão,
juntamente com as suas, ao Diretório Nacional, ao qual
competirá a prestação de contas ao Tribunal Superior
Eleitoral, salvo disposição de lei em contrário.”
Nesses aspectos, analisando essas determinações
do Estatuto do Partido Nacional, observamos a total
vinculação do Partido Estadual, como um só Partido
Progressista. Primeiramente, o Diretório Nacional trata o
Diretório Estadual como um órgão de direção e ação desse
Partido. Em segundo aspecto, demonstra sua superioridade
sobre os Partidos Estaduais ao determinar que lhe cabe,
em última instância, julgar as deliberações desses Partidos
Estaduais. Em contrapartida, define dentre as atuações
dos Partidos Estaduais a prestação de contas mensais para
com o Partido Nacional; bem como, a prestação de contas
semestrais, mediante envio do relatório das atas de eleição e
demais deliberações a nível estadual. Tais atos demonstram,
de forma induvidosa, que de fato os Partidos Estaduais
estão intrinsecamente ligados ao Partido Nacional, mediante
dependência financeira e política; sendo, portanto, ambos os
Partidos (Nacional e Estadual), solidariamente responsáveis
pelos débitos oriundos da vinculação empregatícia da
reclamante.” Fls. 183/184.
Incensurável o decisum.
Com efeito, mesmo dispondo de CNPJs distintos, é
inequívoco que tanto o Diretório Nacional quanto o Estadual são
órgãos de direção e de ação do Partido, não havendo como negar
293
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
a responsabilidade solidária do Diretório Nacional em relação às
obrigações assumidas pelo Diretório Estadual. A situação assemelhase à do grupo econômico, que se caracteriza quando há controle de
uma empresa sobre as demais, numa relação vertical ou de hierarquia,
ou ainda entre empresas que possuem apenas uma relação de
coordenação horizontal. Não resta a menor dúvida de que trabalham
ambos, Diretório Nacional e Estadual, em prol do Partido, havendo
uma relação de coordenação para possibilitar uma atuação partidária
mais efetiva.
Nada a reformar quanto a este item.
Do vínculo empregatício
Insurge-se contra o reconhecimento da existência de
vínculo empregatício sob a alegação de que a recorrida jamais manteve
qualquer vínculo empregatício seja com o recorrente ou com o
Diretório Estadual do Partido.
Alegou a reclamante na inicial que foi admitida em
02.01.1997 pelo diretório regional estadual do Partido Progressista
Brasileiro, hoje Partido Progressista, para exercer a função de gerente
administrativo. Disse que em 12.04.1999 foi dada baixa no contrato de
trabalho, embora tenha permanecido, de forma clandestina, a prestar
serviços nas mesmas condições anteriores, sem qualquer solução de
continuidade.
Defendendo-se, nega o 1º reclamado a prestação de
serviços após o desligamento no ano de 1999 (fls. 81).
A testemunha trazida pela reclamante, Sr. Rinaldo da Silva
Valença, declarou:
“Que confirma seu depoimento firmado na
ata do processo 1668/08-3, da 3ª VT do Recife; que os
fatos relacionados ao depoente mencionados naquela
ata também ocorreram com a Reclamante, isto é, que a
Reclamante também trabalhou para o Diretório Estadual
desde 1997 até depois das eleições de 2008, por volta do
mês de outubro/2008, sendo que desde junho de 2008
que o Diretório ficou sem pagar os salários do pessoal,
294
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
incluindo o depoente e a Reclamante; (...) que a Reclamante
ausentou-se alguns dias em fevereiro de 2008 para tirar
os nódulos da mama; que novamente se submeteu a outra
cirurgia em maio de 2008 para retirada da mama; que
nesse período, o Diretório pagou os salários da Reclamante,
mas a Reclamante estava clandestina e, por isso, ela e a
família dela tiveram que arcar com as despesas dessas
cirurgias; que a Reclamante de vez em quando, viajava
para Brasília para as Convenções do Diretório Nacional;
que o Diretório Nacional enviava recursos do Fundo
Partidário mensalmente para o Diretório Estadual e esse
prestava contas anualmente; que a Reclamante era Gerente
Administrativa, fazendo todos os serviços na Reclamada;
que o depoente teve a baixa em sua CTPS em 2000 e também
continuou clandestino, que a Reclamada não justificou esse
ato; que a maioria dos funcionários tiveram a baixa em suas
CTPSs nessas épocas, inclusive a Reclamante teve em 1999,
mas todos continuaram trabalhando de forma clandestina
nos mesmos serviços; (...) que a Reclamante ia para Brasília
a pedido de algum deputado federal do Partido ou para
alguma Convenção; que o Diretório Nacional pagava as
passagens” (fls. 153/154).
Como se vê, diferentemente do que alega o recorrente, a
testemunha apresentada pela recorrida, de modo firme e convincente,
comprova a prestação de serviços de forma clandestina após a baixa
indevida procedida na CTPS em 12.04.1999 (fl. 20). Prestação que se
deu nos mesmos moldes anteriores, ou seja, com todos os elementos
do art. 3º da CLT. Reforçam tal conclusão os cheques de fls. 42/43 e
as correspondências de fls. 27/41.
Mantenho o decisum também nesse aspecto.
Da prescrição
Renova a arguição de prescrição quinquenal, alegando que
se encontram prescritos os direitos postulados exigíveis até janeiro de
2005. Diz também que a reclamante foi dispensada em 12.04.1999, há
mais de dez anos, estando precluso seu direito de ajuizar reclamação
295
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
trabalhista.
Carece o recorrente de interesse recursal quanto à
prescrição quinquenal, já acolhida pelo juízo de primeiro grau fl.
183. Quanto à prescrição total bienal, mantido o reconhecimento do
vínculo empregatício até janeiro de 2009, não há que se cogitar em
prescrição total do direito de ação.
Nada a deferir.
Da indenização por danos moral e material
Requereu a reclamante, em aditamento à inicial, a
condenação dos reclamados no pagamento de indenização por danos
moral e material. Alegou que em fevereiro de 2008 foi acometida
de câncer de mama e como era empregada clandestina deixou de
ser encaminhada ao INSS deixando de receber o auxílio-doença,
bem como o tratamento especial e o direito de se aposentar. Disse
que sofreu prejuízo de ordem moral em razão do desamparo a que
foi submetida pelo ex-empregador, chegando a sofrer processo
depressivo. Afirmou que, igualmente, sofreu prejuízo de ordem
material, pois arcou com todos os custos do tratamento (fl. 73/74).
Afastou o juízo de origem o pedido de indenização por dano
moral, haja vista que “a enfermidade da autora não teve qualquer nexo
de causalidade com a função exercida, não havendo como compelir
a reclamada ao pagamento de uma indenização por danos morais à
autora por conta disso” (fl. 187), carecendo o recorrente de interesse
recursal no particular.
Deferiu, contudo, a indenização por danos materiais sob
o argumento de que “Houve, de fato, um constrangimento à autora
quando se viu totalmente desamparada ao se deparar com essa
enfermidade mas, sem qualquer plano de saúde ou apoio junto ao INSS,
por ser clandestina na reclamada; sequer pôde a reclamante gozar
do benefício previdenciário ou postular uma aposentadoria especial,
porque a reclamada havia deixado a autora clandestina durante vários
anos; esse fato, sim, gera à autora uma indenização por danos materiais
e pelos constrangimentos que sofreu deles consequentes. Destarte,
defere-se à reclamante uma indenização pelos danos materiais e
consequentemente, morais, que sofreu em decorrência dos fatos acima
aduzidos, ora arbitrados em R$ 20.000,00 (vinte mil reais); valor esse
296
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
que servirá para atender, pelo menos em parte, os anseios da autora e
não levar as reclamadas à insolvência.” (fl. 187).
À primeira vista parece haver contradição no julgado de
1º grau. É que indeferiu o pedido de indenização por dano moral
por ausente a existência de nexo de causalidade entre a enfermidade
que acometeu a reclamante e as funções por ela desempenhadas.
Depois, deferiu “indenização por danos materiais e consequentemente
morais” tendo em vista que sendo “clandestina na reclamada; sequer
pôde a reclamante gozar do benefício previdenciário ou postular uma
aposentadoria especial”. Os fundamentos, contudo, são pertinentes
ao dano moral e não material.
Pois bem.
Como já salientou o juízo a quo, a reclamante foi acometida
de doença que não possui qualquer relação com a sua atividade
laboral, sendo indevido o pleito de indenização por dano moral sob
esse ponto de vista.
No que pertine à indenização por danos materiais, o fato
de ter sido a demandante mantida na clandestinidade por dez anos
não constituiria óbice ao tratamento pelo SUS, haja vista que desde
a promulgação da nova Constituição a assistência médica oficial foi
universalizada, atendendo indistintamente trabalhadores contribuintes
da previdência oficial ou pessoas a ela não vinculadas. Assim, o fato
de a reclamante ter custeado o tratamento médico na rede particular
de hospitais não decorre da sua condição de empregada clandestina.
Portanto, o reclamado não pode ser responsabilizado pelo fato de
a reclamante, não possuindo plano de saúde (o que não decorre da
clandestinidade do serviço), ter custeado o seu tratamento particular.
Por outro lado, a testemunha da reclamante afirmou que
os salários do período de afastamento da autora para o seu tratamento
de saúde foram pagos pelo reclamado (fl. 153). Sendo assim, a autora
não teve prejuízo financeiro em decorrência do seu afastamento do
serviço, uma vez que o empregador arcou com o pagamento do salário
mesmo sem a prestação dos serviços, assumindo o papel que, no caso
de empregado registrado, seria do INSS.
No que diz respeito à obtenção de aposentadoria especial,
deve ser ressaltado que o reconhecimento da existência de tempo
de serviço clandestino acarretará o recolhimento das contribuições
previdenciárias relativas ao período, viabilizando a obtenção da
297
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
aposentadoria especial, caso verificadas as condições para tanto.
De todo o expendido, resulta indevida, a meu ver, a
indenização por danos materiais.
Devida, contudo, a indenização por dano moral. Inequívoco
o sofrimento a que foi submetida a recorrida em decorrência das
inseguranças geradas com a irregularidade do seu contrato de trabalho,
considerando o seu estado de saúde. Mesmo que tenha ela optado
pelo tratamento particular, não há dúvida quanto à preocupação com
a falta de amparo previdenciário.
Desse modo, ainda que não reconheça o direito à
indenização por danos materiais, entendo ser devida a indenização
por dano moral. Afastada a indenização por danos materiais, reduzo
o valor da indenização ao importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais),
quantia que considero razoável.
A condenação do recorrente decorre da sua responsabilização
subsidiária pelos títulos da condenação.
Isto posto, dou provimento parcial ao recurso do reclamado
para excluir da condenação a indenização por danos materiais,
arbitrando em R$ 10.000,00 o valor da indenização por dano moral.
Recurso Ordinário do Reclamante
Das horas extras
Busca, inicialmente, a ampliação da condenação no
pagamento de horas extras, a serem calculadas com base na jornada
descrita na exordial, haja vista que, no particular, a contestação foi
apresentada de forma genérica, eis que limitada à negativa da relação
de emprego, aplicando-se à hipótese o disposto no art. 302 do CPC.
Disse a autora na inicial que nos períodos eleitorais (de
junho até a véspera da eleição de cada ano eleitoral) ela trabalhava
das 08h até 01h/02h do dia seguinte, de segunda a domingo, inclusive
feriados, com 30 minutos de intervalo.
A contestação centrou-se na negativa do vínculo
empregatício, não apresentando contestação específica quanto à
jornada de trabalho declinada na exordial (fl. 87).
A testemunha apresentada pela demandante disse que a
298
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
reclamante cumpria a mesma jornada de trabalho por ele informada
em seu depoimento como autor do processo utilizado como prova
emprestada, textualmente: “que nos anos em que havia eleição, desde
o mês de junho até a véspera da eleição, o horário era das 08:00h à
00:00/01:00h, com 30 minutos de intervalo e 01 folga por semana”
(fl. 155).
Deferiu o juízo de origem 56 horas extras semanais no
período eleitoral, nelas já computadas as horas extras decorrentes da
concessão parcial do intervalo e a redução da hora noturna.
O que resulta dos elementos coligidos aos autos (falta
de contestação específica quanto às horas extras e depoimento da
testemunha apresentada pela própria reclamante) é uma jornada
média, no período eleitoral, das 08h às 24h30, com meia hora de
intervalo e uma folga semanal. Nessa jornada se constata a prestação
de 8 horas extras diárias (isso sem considerar a redução das horas
trabalhadas das 22h às 24h30), de segunda a sexta-feira, e mais uma
hora extra de intervalo, sendo que no sábado havia mais quatro horas
extras, totalizando na semana 52 horas extras (a observar ainda a
redução da hora noturna) e mais 6 horas do intervalo intrajornada, o
que perfaz um total de mais de 58 horas extras semanais, computandose a redução da hora noturna, superior ao fixado na sentença (56 horas
extras semanais).
Assim, provejo o recurso nesta parte para determinar que
as horas extras, horas de intervalo e adicional noturno sejam apurados
com base na jornada média das 08h às 24h30, com 30 minutos de
intervalo e uma folga semanal, isso apenas nos períodos eleitorais
imprescritos, ou seja, de junho até a véspera das eleições de 2004 e
2006.
Da aplicação ex-officio da prescrição
Insurge-se contra a aplicação, de ofício, da prescrição
quinquenal. Alega incompatibilidade do disposto no § 5º do art. 219
do CPC com o processo trabalhista.
Qualquer razão lhe assiste.
Ao contrário do que alega a recorrente, houve, sim, arguição
de prescrição, tanto a bienal total quanto a parcial quinquenal (fls. 80
299
ACÓRDÃOS • Revista TRT 6
e 96), não havendo que se cogitar em aplicação de ofício da prescrição.
Do reajuste dos salários
Pretende o acréscimo à condenação do reajuste do salário
com base no INPC. Diz que a remuneração percebida nunca sofreu
qualquer reajuste, havendo perda de compra do salário.
O pedido foi julgado inepto pelo juízo de 1º grau “visto
que não há fundamentação legal a tal pretensão, nem tampouco,
foi colacionada Norma Coletiva indicando essa majoração salarial
perseguida; de forma que prevalece como verba salarial o valor
invariável de R$2.000,00 mensais, conforme aduzido na inicial” (fl.
186).
Com efeito, não indica a reclamante qual o fundamento
legal para pleitear o reajuste do salário com base no INPC. Não serve
de embasamento ao pleito a simples alegação de que este é o índice
utilizado nas negociações coletivas levadas a efeito entre sindicatos de
empregados e empregadores. A se exigir do empregador a aplicação
de reajuste salarial teria que ser indicada a existência de norma legal
ou convencional nesse sentido, mas nada foi apontado.
Confirmo a sentença.
Isto posto, dou provimento parcial ao recurso da reclamante
para determinar que as horas extras, horas de intervalo e adicional
noturno sejam apurados com base na jornada média das 08h às 24h30,
com 30 minutos de intervalo e uma folga semanal, isso apenas nos
períodos eleitorais imprescritos, ou seja, de junho até a véspera das
eleições de 2004 e 2006.
Conclusão
Diante do exposto, rejeito a preliminar arguida pela
reclamante de não conhecimento do recurso do reclamado por
deserção; ainda preliminarmente, suscito o não conhecimento
das contrarrazões apresentadas pelo segundo reclamado por
intempestividade. No mérito, dou provimento parcial ao recurso
do reclamado para excluir da condenação a indenização por danos
materiais, arbitrando em R$ 10.000,00 o valor da indenização por
dano moral; e dou provimento parcial ao recurso da reclamante para
300
Revista TRT 6 • ACÓRDÃOS
determinar que as horas extras, horas de intervalo e adicional noturno
sejam apurados com base na jornada média das 08h às 24h30, com 30
minutos de intervalo e uma folga semanal, isso apenas nos períodos
eleitorais imprescritos, ou seja, de junho até a véspera das eleições
de 2004 e 2006. Considerando o provimento parcial de ambos os
recursos, deixo de arbitrar novo valor à condenação.
ACORDAM os Juízes da Terceira Turma do Tribunal
Regional do Trabalho da 6ª Região, por unanimidade, rejeitar
a preliminar arguida pela reclamante de não conhecimento do
recurso do reclamado por deserção; ainda preliminarmente, não
conhecer das contrarrazões apresentadas pelo segundo reclamado
por intempestividade. No mérito, por igual votação, dar provimento
parcial ao recurso do reclamado para excluir da condenação a
indenização por danos materiais, arbitrando em R$ 10.000,00 o valor
da indenização por dano moral; e dar provimento parcial ao recurso da
reclamante para determinar que as horas extras, horas de intervalo e
adicional noturno sejam apurados com base na jornada média das 08h
às 24h30, com 30 minutos de intervalo e uma folga semanal, isso apenas
nos períodos eleitorais imprescritos, ou seja, de junho até a véspera
das eleições de 2004 e 2006. Considerando o provimento parcial de
ambos os recursos, deixa-se de arbitrar novo valor à condenação.
Recife, 14 de abril de 2010.
VIRGÍNIA MALTA CANAVARRO
Desembargadora Relatora
301
Revista TRT 6 • SÚMULAS
Súmulas
SÚMULA Nº 01
SUCESSÃO TRABALHISTA - ALIENAÇÕES DE ESTABELECIMENTOS
BANCÁRIOS DECORRENTES DA EXECUÇÃO DO PROER - PROGRAMA
DE APOIO À REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO DO SISTEMA
FINANCEIRO - CARACTERIZAÇÃO (REQUISITOS)
Nas alienações de estabelecimentos bancários decorrentes da execução
do PROER - Programa de Apoio à Reestruturação e ao Fortalecimento
do Sistema financeiro, caracteriza-se sucessão trabalhista (artigos 10
e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho) mesmo nas hipóteses
em que o bancário não tenha prestado trabalho ao sucessor, sendo,
outrossim, irrelevante a tal configuração o fato de a instituição sucedida
não ter sido extinta, ou seja, de estar submetida a regime de liquidação
extrajudicial.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 08/2000 - 3ª PUBL. DOE-PE: 22/07/2000
SÚMULA Nº 02
BANC ÁRIO - CONTR ATAÇ ÃO DE HOR AS EX TR AS À DATA DA
ADMISSÃO - EXEGESE DOS ARTIGOS 224 E 225 DA CONSOLIDAÇÃO
DAS LEIS DO TRABALHO
A contratação do serviço suplementar, quando da admissão do
trabalhador bancário, é nula. Os valores assim ajustados apenas
remuneram a jornada normal, sendo devidas as horas extras com o
adicional de, no mínimo, 50% (cinqüenta por cento).
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 08/2000 - 3ª PUBL. DOE-PE: 22/07/2000
SÚMULA Nº 03
DIFERENÇ AS DE REMUNER AÇ ÃO DE REPOUSOS SEMANAIS NATUREZA JURÍDICA DA PRESTAÇÃO - MATÉRIA DISCIPLINADA PELO
303
SÚMULAS • Revista TRT 6
ARTIGO 10 DO REGULAMENTO APROVADO PELO DECRETO Nº 27.048,
de 12 DE AGOSTO DE 1949
As diferenças de remuneração de repousos semanais, decorrentes de
horas extras, implicam o direito à complementação do pagamento de
aviso prévio indenizado, férias, gratificação natalina e depósitos de
fundo de garantia do tempo de serviço - FGTS, em razão da natureza
salarial definida pelo artigo 10, caput, do regulamento aprovado pelo
Decreto nº 27.048, de 12 de agosto de 1949”.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 08/2000 - 3ª PUBL. DOE-PE: 22/07/2000.
SÚMULA Nº 04
JUROS DE MORA - DEPÓSITO EM GARANTIA DO JUÍZO - EXEGESE
DO ARTIGO 39, § 1º, DA LEI 8.177/91 - RESPONSABILIDADE DA PARTE
EXECUTADA
Independentemente da existência de depósito em conta, à ordem
do Juízo, para efeito de garantia, de modo a possibilitar o ingresso
de embargos à execução e a praticar atos processuais subseqüentes,
os juros de mora - que são de responsabilidade da parte executada devem ser calculados até a data da efetiva disponibilidade do crédito
ao exeqüente.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 04/2001 - 3ª PUBL. DOE-PE: 22/06/2001
SÚMULA Nº 05
(Cancelada pela RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT - 003/2003 DOE/
PE: 25.02.03)
CUSTAS PROCESSUAIS – PAGAMENTO – IMPOSIÇÃO À PARTE
VENCIDA EM JULGAMENTO DE AÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO
– IMPOSSIBILIDADE
Tratando-se de espécie de tributo cuja exigência depende de previsão
legal, e havendo os artigos 702, inciso I, alínea “g”, e 789, § 2º, da
Consolidação das Leis do Trabalho sido revogados pela Emenda
Constitucional nº 1 de 1969 – conforme proclamado pelo Supremo
Tribunal Federal no julgamento do RE nº 116.208-2, de que foi
relator o Eminente Ministro Moreira Alves -, não há possibilidade
de o magistrado trabalhista, em julgamento de ação de embargos de
terceiro, condenar a parte vencida ao pagamento de custas processuais.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 19/2001 - 3ª PUBL. DOE-PE: 22/12/2001
304
Revista TRT 6 • SÚMULAS
SÚMULA Nº 06
FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO – FGTS – PRESCRIÇÃO
Durante a vigência do contrato de trabalho e até dois anos após a sua
extinção, é trintenária a prescrição do direito de reclamar a efetivação
dos depósitos do FGTS, relativamente às parcelas de natureza salarial
percebidas pelo empregado.
RESOL. ADMINISTRATIVA TRT - 004/2003 (DOE/PE de 13,14 e 15.03.2003)
SÚMULA Nº 07
GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO – INTEGRAÇÃO NA BASE DE CÁLCULO
DAS HORAS EXTRAS
Em consonância com o disposto no artigo 457 da CLT, a gratificação
percebida habitualmente em razão do exercício de função tem
natureza salarial e, por conseqüência, integra a base de cálculo das
horas extras prestadas.
RESOL. ADMINISTRATIVA TRT - 004/2003 (DOE/PE de 13,14 e 15.03.2003)
SÚMULA Nº 08
GRATIFICAÇÃO SEMESTRAL – QUITAÇÃO EM PARCELAS MENSAIS
Inclusão na base de cálculo para remuneração das horas extras. A
parcela denominada gratificação semestral, quando paga mensalmente,
possui natureza salarial, consoante diretriz traçada no artigo 457, § 1º
da CLT, integrando a base de cálculo das horas extras.
RESOL. ADMINISTRATIVA TRT - 004/2003 (DOE/PE de 13,14 e 15.03.2003)
SÚMULA Nº 09
TAXA ASSISTENCIAL – EMPREGADOS NÃO SINDICALIZADOS –
INEXIGIBILIDADE
É nula, por afrontar o princípio da liberdade sindical, a cláusula de
instrumento normativo que obriga empregados não sindicalizados ao
pagamento da taxa assistencial.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT nº 14/2005 Publ. DOE/PE: 31.08.2005
página 33
SÚMULA Nº 10
MA N DA D O D E S E G U R A N Ç A – D E T E R M I N AÇ ÃO J U D I C I A L D E
BLOQUEIO DE CRÉDITO
Mesmo que se processe em execução provisória, o ato judicial que
305
SÚMULAS • Revista TRT 6
determina o bloqueio de crédito não fere direito líquido e certo do
devedor, considerando-se o disposto nos artigos 889 e 882 da CLT,
bem como a ordem de gradação estabelecida pelo artigo 655 do
CPC, e, ainda, o disposto no artigo 588, caput, inciso II e § 2º do
CPC, acrescidos pela Lei nº 10.444/2002, superveniente à edição da
Orientação Jurisprudencial nº 62 da SDI-II do TST.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT nº 14/2005 Publ. DOE/PE: 31.08.2005
página 33
SÚMULA Nº 11
AÇÃO ANULATÓRIA – LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
DO TRABALHO – COMPETÊNCIA FUNCIONAL
Em consonância com o disposto no artigo 83, IV, da Lei Complementar
nº 75/93, o Ministério Público do Trabalho está legitimado para
ajuizar ação anulatória envolvendo previsão contida em contrato de
trabalho, convenção ou acordo coletivo.2. É da competência originária
do Tribunal Regional do Trabalho o julgamento de ação anulatória
ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, com o objetivo de
desconstituir cláusula resultante de negociação coletiva, desde que
as bases territoriais dos sindicatos convenentes ou acordantes não
extrapolem a sua circunscrição.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT nº 15/2005 Publ. DOE/PE: 31.08.2005
página 33
SÚMULA Nº 12
CONTRATO DE EMPREGO. ILICITUDE DO OBJETO. TRABALHO VINCULADO AO
JOGO DO BICHO. CONTRAVENÇÃO PENAL. NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE
DECLARAÇÃO COM EFEITOS RETROATIVOS
Configurados os requisitos do contrato de emprego, hão de ser
assegurados ao trabalhador os direitos constitucionais por força dos
princípios da dignidade humana, da irretroatividade da declaração das
nulidades no âmbito do Direito do Trabalho e da primazia da realidade
por tratar-se, o jogo do bicho, de atividade socialmente arraigada e
tolerada pelo Poder Público.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 17/2008 - 3ª PUBL. DOE/PE: 28/01/2009
SÚMULA Nº 13
EMPREGADO PÚBLICO. ESTABILIDADE FINANCEIRA. ÍNDICE DE REAJUSTE
306
Revista TRT 6 • SÚMULAS
Ao empregado público, que adquiriu o direito à incorporação de
gratificação pelo exercício de função comissionada, em razão do
princípio da estabilidade financeira, assegura-se o reajuste salarial
geral, mas não a vinculação aos mesmos índices e critérios de revisão
aplicados à remuneração dos cargos e funções comissionados.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 17/2009 - 3ª PUBL. DOE/PE: 28/08/2009
SÚMULA Nº 14
CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. MOMENTO DE INCIDÊNCIA DE
JUROS E MULTA.
A hipótese de incidência da contribuição social prevista no artigo
195, inciso I, alínea “a”, da Constituição da República Federativa do
Brasil ocorre quando há o pagamento ou o crédito dos rendimentos
de natureza salarial decorrentes do título judicial trabalhista, razão
pela qual, a partir daí, conta-se o prazo legal para o seu recolhimento,
após o que, em caso de inadimplência, computar-se-ão os acréscimos
pertinentes a juros e multa mencionados na legislação ordinária
aplicável a espécie.
RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 25/2009 - 3ª PUBL. DOE/PE: 02/10/2009
307
Sentenças
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 6ª REGIÃO
9ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE-PE
Processo nº 0000455-96.2010.5.06.0009
C O M PA N H I A P E R N A M B U C A N A D E S A N E A M E N T O –
COMPESA
Consignante
JOSIAS CAVALCANTI AMORIM
Consignado
SENTENÇA
VISTOS, ETC...
I – Ação de consignação em pagamento proposta por
C O M PA N H I A P E R N A M B U C A N A D E S A N E A M E N T O –
COMPESA contra JOSIAS CAVAL-CANTI AMORIM, ambos
qualificados nos autos, pelos fatos e fundamentos jurídicos expostos
na inicial de fls. 0303/05, que veio acompanhada pelos documentos
de fls. 06/38v, através da qual alegou ter admitido o consignado em
16 de junho de 1998, para exercer a função de operador de sistema
I, o tendo despedido, sem justo motivo, em 22 de março de 2010,
concedendo-lhe aviso prévio na modalidade indenizada. Acrescentou
que o réu se recusou a firmar o termo de rescisão; a submeter-se ao
exame médico demissional e a receber as verbas rescisórias, razão
pela qual propôs a consignação, com o fito de adimplir as obrigações
decorrentes do desate contratual e desonerar-se dos efeitos da mora.
O depósito da importância consignada foi realizado em fl.
41.
Frustrada a tentativa de conciliação, o consignado
apresentou a resposta de fls. 44/56, instruída pelos documentos de
fls. 57/70. Aduziu que foi admitido através de concurso público; que
ajuizou duas ações judiciais contra a consignante; que foi despedido
sem ter cometido qualquer falta funcional, depois de ter denunciado
311
SENTENÇAS • Revista TRT 6
perante o Juízo da MM 15ª Vara do Trabalho da Capital que o perito
nomeado por aquele juízo para realizar perícia técnica havia realizado o
laudo sem comparecer ao local de trabalho do obreiro, fato confirmado
pelo operador que estava de plantão quando a perícia foi supostamente
realizada; que, por causa disso, o consignado e o operador de plantão
no dia em que teria sido realizada a suposta perícia foram demitidos;
que o sindicato conseguiu reverter a demissão do operador, mas não
a do réu; que foi justa a sua recusa em aceitar a demissão arbitrária;
e que goza de estabilidade no emprego. Requereu o benefício da
gratuidade da justiça e pugnou pela improcedência da consignação.
Apresentou ainda, o trabalhador, reconvenção em fls. 71/83,
que é cópia idêntica da contestação, exceção feita aos pedidos que
deduziu. Colacionou ainda os documentos de fls. 84/88.
A reconvinte contestou às fls. 102/108. Negou que houvesse
demitido o obreiro por causa das ações que ajuizou e da denúncia
que noticiou na defesa à consignação e na reconvenção. Disse que
exerceu direito potestativo de demitir seu empregado, sem motivação
de qualquer tipo. Invocou a proteção da Súmula 390 do TST e pediu
a improcedência da reconvenção.
À alçada foi atribuído o valor de R$ 3.816,39.
Na data designada para prosseguimento da audiência,
dispensei os depoimentos pessoais das partes e a produção de provas,
com a anuência dos litigantes, deferi a juntada posterior de uma carta
de preposição e encerrei a instrução.
Os litigantes aduziram razões finais e não conciliaram.
É O RELATÓRIO.
II – Defiro ao consignado reconvinte o benefício da
gratuidade da justiça, com fundamento no art. 790, § 3º da CLT.
Da solução de três questões depende o julgamento desta
ação. A primeira é responder se o empregado público é detentor de
estabilidade no emprego. A segunda é definir se as empresas públicas
e sociedades de economia mista integram a Administração Indireta e,
em caso de resposta positiva, se os seus dirigentes ou órgãos colegiados
podem praticar atos desprovidos de motivação. E a terceira consiste
em debater sobre a conveniência de se emprestar eficácia ao novel
princípio da indenidade, como forma de proteção da dignidade do
312
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
trabalhador e, principalmente, de consagrar a dignidade constitucional
do princípio do livre acesso ao judiciário.
Os três temas serão apreciados na ordem em que foram
apresentados.
A resposta à primeira indagação é negativa. Não, os
empregados públicos não gozam de estabilidade no emprego, somente
reservada pela Constituição aos servidores públicos, stricto sensu,
depois de cumprido o estágio probatório, na disciplina do caput do
art. 40 da CRFB.
Na mesma linha, o item II da Súmula 390 do TST:
“ Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de
economia mista, ainda que admitido mediante aprovação
em concurso público, não é garantida a estabilidade
prevista no art. 41 da CF/1988”.
E é normal que seja assim porque, imperando na
administração o princípio da legalidade estrita, somente é permitido
ao administrador praticar os atos expressamente autorizados pela lei,
não se podendo emprestar interpretação extensiva ao caput do art.
41, da CRFB, que tem redação extremamente precisa e restritiva:
“São estáveis após três anos de efetivo exercício, os
servidores nomeados para cargos de provimento
efetivo em virtude de concurso público”.
Passemos ao exame da segunda indagação: as empresas
públicas e as sociedade de economia mista integram a Administração
Pública e, em caso de resposta positiva, podem os administradores e
órgão colegiados, praticarem atos que não sejam fundamentados?
A resposta ao primeiro questionamento é positiva e ao
segundo é totalmente negativa.
A organização da Administração Pública Federal Indireta
esta disposta no art. 4º, II do Decreto Lei 200, de 25 de fevereiro de
1967:
313
SENTENÇAS • Revista TRT 6
“Art. 4° A Administração Federal compreende:
I - A Administração Direta, que se constitui dos
serviços integrados na estrutura administrativa
da Presidência da República e dos Ministérios.
II - A Administração Indireta, que compreende
as seguintes categorias de entidades, dotadas de
personalidade jurídica própria:
a) Autarquias;
b) Emprêsas Públicas;
c) Sociedades de Economia Mista.
d) fundações públicas. (Incluído pela Lei nº 7.596,
de 1987)”.
Não há dúvida de que a COMPESA integra a Administração
Indireta do Estado de Pernambuco, na condição de sociedade de
economia mista, instituída pela Lei Estadual nº 6.307, de 29 de julho
de 1971. Logo, os atos dos seus dirigentes estão submetidos aos
requisitos de validade dos atos administrativos.
A acionada confirmou a alegação autoral, invocando o
amparo do inciso II, do § 1º, do art. 173 da Carta Política.
É de todo impertinente a defesa.
Com a devida vênia dos respeitáveis entendimentos em
sentido contrário, a regra constitucional mencionada tem dupla função:
(i) definir o regime jurídico das relações de trabalho do quadro de
pessoal das empresas públicas, sociedades de economia mista e de suas
subsidiárias, (ii) e garantir que concorram, na atividade econômica,
quando for o caso, em igualdade de condições com as empresas
privadas, de forma a anular qualquer tipo de privilégio concorrencial.
Não há qualquer dúvida de que os atos praticados pelos
agentes da administração em geral, seja a direta, seja a indireta, não
prescindem de motivação.
A propósito do assunto, pontifica o administrativista Hely
Meirelles:
“A motivação dos atos administrativos vem se impondo
dia a dia, como uma exigência do Direito Público e da
314
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
legalidade governamental. Do Estado absolutista, em
que prepondera a vontade pessoal do monarca com
força de lei –‘quod principi placuit legis hebet vigorem’-,
evoluímos para o Estado de Direito, onde só impera a
vontade das normas jurídicas.
(...)
No Direito Público, o que há de menos relevante
é a vontade do administrador. Seus desejos, suas
ambições, seus programas, seus atos, não têm eficácia
administrativa, nem validade jurídica, se não estiverem
alicerçados no Direito e na Lei. Não é a chancela da
autoridade que valida o ato e o torna respeitável e
obrigatório. È a legalidade a pedra de toque de todo ato
administrativo.
Ora, se ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude da lei, claro está que todo
ato do Poder Público deve trazer consigo a demonstração
de sua base legal.
(...)
Nesse sentido é a lição dos modernos publicistas,
a começar por Bielsa, neste passo: ‘Por princípio,
as decisões administrativas devem ser motivadas
formalmente, vale dizer que a parte dispositiva deve
vir precedida de uma explicação ou exposição dos
fundamentos de fato (motivos-pressupostos) e de
direito (motivos-determinantes da lei)’. E, rematando,
o mesmo jurista reafirma: ‘No Direito Administrativo
a motivação –como dissemos- deverá constituir
norma, não só por razões de boa administração, como
porque toda autoridade ou Poder em um sistema de
governo representativo deve explicar legalmente, ou
juridicamente, suas decisões.
O excelente Jèze já acentuava, de há muito, que, ‘para se
ter a certeza de que os agentes públicos exercem a sua
função movidos apenas por motivos de interesse público
da esfera de sua competência, leis e regulamentos
recentes multiplicam os casos em que os funcionários, ao
executarem um ato jurídico, devem expor expressamente
315
SENTENÇAS • Revista TRT 6
os motivos que o determinaram. É a obrigação de motivar.
O simples fato de não haver o agente público exposto os
motivos do seu ato bastará para torná-lo irregular; o ato
não motivado, quando o devia ser, presume-se não ter
sido executado com toda a ponderação desejável, nem
ter tido em vista um interesse público da esfera de sua
competência funcional.
Entre nós, Bilac Pinto, invocando a mesma passagem
de Jèze, expõe que ‘o princípio da motivação dos atos
administrativos constitui moderna tendência do Direito
Administrativo dos países democráticos.
(...)
A motivação, portanto, deve apontar a causa e os elementos
determinantes da prática do ato administrativo, bem
como o dispositivo legal em que se funda. Esses motivos
afetam de tal maneira a eficácia do ato que sobre eles se
edificou a denominada teoria dos motivos determinantes,
delineada pelas decisões do Conselho de Estado da
França e sistematizada por Jèze”.
(In Direito Administrativo Brasileiro, Ed. Malheiros, 22ª
ed., págs. 182/183, sem os sublinhados)
Mello:
Da mesma forma, o festejado Celso Antônio Bandeira de
“Deve-se também considerar, também, como postulado
pelo princípio da legalidade o princípio da motivação,
isto é, o que impõe à Administração Pública o dever de
expor as razões de direito e de fato pelas quais tomou a
providência adotada. Cumpre-lhe fundamentar o ato que
haja praticado, justificando as razões que lhe serviram
de apoio para expedi-lo.
Isto porque, sobretudo quando dispõe de certa liberdade
(discricionariedade administrativa) para praticar o ato tal
ou qual, não haveria como saber-se se o comportamento
que tomou atendeu ou não ao princípio da legalidade, se
foi deferente com a finalidade normativa, se obedeceu
316
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
à razoabilidade e à proporcionalidade, a menos que
enuncie as razões em que se embasou para agir como
agiu”.
E ainda:
“Dito princípio implica para a Administração o dever
de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos
de direito e de fato, assim como a correlação lógica
entre os eventos e situações que deu por existentes e
a providência tomada, nos casos em que este último
aclaramento seja necessário para aferir-se a consonância
da conduta administrativa com a lei que lhe serviu de
arrimo.
(...)
O fundamento constitucional da obrigação de motivar
–como se esclarece em seguida- implícito tanto no
art. 1º, inciso II, que indica a cidadania como um dos
fundamentos da República, quanto no parágrafo único
deste preceptivo, segundo o qual todo o poder emana do
povo, como ainda no art. 5º, XXXV, que assegura o direito
à apreciação judicial, nos casos de ameaça ou lesão a
direito. È que o princípio da motivação é reclamado,
quer como afirmação do direito político dos cidadãos
ao esclarecimento do ‘porque’ das ações de quem gere
negócios que lhes dizem respeito por serem titulares
últimos do poder, quer como direito individual a não se
assujeitarem a decisões arbitrárias, pois só têm que se
conformar às que forem ajustadas às leis.
(...)
Assim, atos administrativos praticados sem a tempestiva
e suficiente motivação são ilegítimos e invalidáveis pelo
Poder Judiciário toda vez que sua fundamentação tardia,
apresentada apenas depois de impugnados em Juízo, não
possa oferecer segurança e certeza de que os motivos
aduzidos efetivamente existiam ou foram aqueles que
embasaram a providência contestada”,
317
SENTENÇAS • Revista TRT 6
(In Curso de Direito Administrativo, Ed. Malheiros, 4ª
ed., págs. 28 e 57/58, sem os sublinhados)
E ainda o didático texto de autoria de Andréa Kugler Batista
Ribeiro:
“1. DO CONCEITO DE ATO ADMINISTRATIVO
Com o escopo de servir como sustentáculo a posterior
argumentação, faz-se necessário tecer, brevemente,
alguns comentários acerca de ato administrativo,
da sua classificação quanto à margem de escolha do
administrador, bem como, estabelecer a diferenciação
entre motivo e motivação.
Assim, traz-se à cola, inicialmente, um breve conceito
de ato administrativo, como sendo o ato jurídico
decorrente do exercício da função administrativa, sob
um regime de direito público ou, como prefere Marçal
Justen Filho (JUSTEN FILHO, Marçal, 2005, p.185),
“é uma manifestação de vontade funcional apta a gerar
efeitos jurídicos, produzida no exercício de função
administrativa”.
2. ATO VINCULADO E ATO DISCRICIONÁRIO
Ultrapassada a noção preliminar de ato administrativo,
é pertinente mencionar que ele possui inúmeras
classificações, que muitas vezes diferem de acordo com
o posicionamento dos doutrinadores.
Uma das classificações é quanto a liberdade da
Administração na prática do ato (ou seja, quanto à
margem de escolha do administrador); segundo a qual
os atos administrativos podem ser discricionários ou
vinculados.
Contudo, cumpre mencionar que há uma parcela da
doutrina pátria que desconsidera a existência de atos
318
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
discricionários, sob égide do argumento de que nenhum
ato pode ser assim considerado em sua íntegra.
Todavia, a maioria doutrinária leva em consideração a
classificação em pauta.
Assim sendo, ato discricionário é aquele que a
Administração pratica com certa margem de liberdade
de decisão, visto que o legislador, não podendo prever
de ante-mão qual o melhor caminho a ser tomado,
confere ao administrador a possibilidade de escolha ,
dentro da lei.
É pertinente salientar, no entanto, que não se confunde
margem de escolha com liberdade absoluta, pois o ato
discricionário deve sempre respeitar os limites legais
e, segundo aduz Odete Medauar (MEDAUAR, Odete,
2003, p. 162) “o próprio conteúdo tem de ser consentido
pelas normas do ordenamento; a autoridade deve ter
competência para editar; o fim deve ser o interesse
público”. Portanto, o administrador não possui total
liberdade, estando sempre balizado pelas imposições
legislativas.
Em outro diapasão, ato vinculado é aquele em que
a Administração não possui qualquer margem de
liberdade de decisão, visto que o legislador pré-definiu
a única conduta possível do administrador diante da
situação, sem deixar-lhe margem de escolha.
Após a noção geral acerca de ato discricionário e ato
vinculado, é pertinente tecer um panorama geral
acerca de um dos elementos (ou requisitos) do ato
administrativo, qual seja, o motivo.
3. MOTIVO E
ADMINISTRATIVO
MOTIVAÇ ÃO
DO
ATO
Neste sentido, faz-se necessário mencionar que o motivo
caracteriza-se como as razões de fato e de direito que
autorizam a prática de um ato administrativo, sendo
319
SENTENÇAS • Revista TRT 6
externo a ele, o antecedendo e estando necessariamente
presente em todos eles.
Contudo, cumpre esclarecer que motivo não se confunde
com motivação.
A motivação feita pela autoridade administrativa afigurase como uma exposição dos motivos, a justificação do
porquê daquele ato, é um requisito formalístico do ato
administrativo. De acordo com Celso Antonio Bandeira
de Mello (MELLO, Celso Antonio Bandeira de, 2003,
p. 366-367) “é a exposição dos motivos, a fundamentação
na qual são enunciados (a) a regra de direito habilitante,
(b) os fatos em que o agente se estribou para decidir
e, muitas vezes, obrigatoriamente, (c) a enunciação da
relação de pertinência lógica entre os fatos ocorridos e o
ato praticado”.
4. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES
No esteio das diferenças estabelecidas entre motivo e
motivação, surge a teoria dos motivos determinantes,
segundo a qual o motivo é um requisito tão necessário
à prática de um ato, que fica “umbilicalmente” ligado a
ele, de modo que se for provado que o motivo é falso ou
inexistente, por exemplo, é possível anular-se totalmente
o ato, ou seja, os motivos se integram à validade do ato.
Desta forma, uma vez enunciados os motivos pelo
seu agente, mesmo que a lei não tenha estipulado a
necessidade de enunciá-los, o ato somente terá validade
se os motivos efetivamente ocorreram e justificam o ato.
5. DA NECESSIDADE DA MOTIVAÇÃO
Neste palco, surge a debatida discussão acerca de
quando é ou não necessária a motivação de um ato
administrativo.
Há variados posicionamentos a respeito do assunto,
320
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
como: o de alargar a extensão de incidência da
necessidade de motivação dos atos administrativos; o
da obrigatoriedade de motivação apenas quando a lei
impor; o da motivação ser sempre obrigatória; e, o da
necessidade de motivação depender da natureza do ato,
exigindo ou não a lei.
Com o escopo de sanar a discussão acerca do tema, é
criada a Lei nº 9784 de 1999, estabelecendo em seu artigo
50 as situações em que os atos deverão necessariamente
ser motivados:
“Art. 50. Os atos administrativos deverão ser
motivados, com indicação dos fatos e dos
fundamentos jurídicos, quando:
I – neguem, limitem ou afetem direitos ou
interesses;
II – imponham ou agravem deveres, encargos
ou sanções;
III – decidam processos administrativos de
concurso ou seleção pública;
IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade
de processo licitatório;
V – decidam recursos administrativos;
VI – decorram de reexame de ofício;
VII – deixem de aplicar jurisprudência
firmada sobre a questão ou discrepem de
pareceres, laudos, propostas e relatórios
oficiais;
VIII – importem anulação, revogação,
s u s p e n s ã o o u co nva l i d a ç ã o d e ato
administrativo.”
Embora a lei disponha expressamente os casos em
que deve haver motivação, acredita-se que todo o ato
discricionário deve ser necessariamente motivado.
No que tange ao ato vinculado, a lei já pré-definiu qual a
321
SENTENÇAS • Revista TRT 6
única possibilidade de atuação do administrador diante
do caso concreto. Assim, nas hipóteses não esculpidas na
lei, em não havendo motivação, mas sendo possível se
identificar qual o motivo, não há que se falar em vício,
não havendo efetiva necessidade de motivação.
Entretanto, no que concerne aos atos discricionários,
entende-se pela sua necessária motivação, independente
de designados ou não na lei; caso não motivado, estará
eivado de vício, pendendo à conseqüente invalidação.
Defende-se tal posicionamento pois, no ato discricionário
o administrador possui uma margem de liberdade
de atuação e, como não se encontra na qualidade de
detentor da coisa pública, mas de mero gestor dos anseios
da coletividade, deve explicação à população como um
todo, fazendo valer o princípio da publicidade sempre
que houver qualquer margem de liberdade na tomada
de decisões. Afinal, o fato de vivermos em um Estado
Democrático de Direito confere ao cidadão o direito de
saber os fundamentos que justificam o ato tomado pelo
administrador.
Ressalta-se ainda que, se todas as decisões do Poder
Judiciário, bem como as decisões administrativas dos
Tribunais, devem necessariamente ser fundamentadas;
há de ser motivado também o ato administrativo,
principalmente o discricionário.
Ademais, destaca-se que a motivação deve ser sempre
anterior ou concomitante a execução do ato, caso
contrário, abrir-se-ia margem para a Administração,
após a prática do ato imotivado e diante da conseqüente
possibilidade de sua invalidação, inventar algum
falso motivo para justificá-lo, alegando que este foi
considerado no momento de sua prática.
Diante do exposto, defende-se a necessária motivação
de todo o ato discricionário, de modo a fazer valer
os princípios e valores basilares da Constituição
pátria, como a democracia, a moralidade, a probidade
administrativa e a publicidade, entre outros”.
(In http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.
322
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
asp?id=1399, sem os sublinhados)
Resta bem claro, portanto, que a demissão imotivada do
obreiro, configurou violação aos incisos I e VIII do art. 50 da Lei nº
9.784 de 29 de janeiro de 1999, primeiro por ter negado o direito do
consignado ao empregado e depois, por ter configurado revogação
do ato administrativo de sua nomeação para o emprego depois de
submissão a certame público.
Naturalmente, não desconheço as muitas e respeitabilíssimas
decisões judiciais em sentido contrário, conferindo às pessoas jurídicas
integrantes da Administração Indireta a faculdade de despedir
arbitrariamente seus empregados.
No entanto, sempre houve decisões no sentido inverso,
do que são exemplos as que se seguem:
Processo nº TRT- RO - 1444/00
Órgão Julgador: 3ª Turma
Juíza Relatora: Eneida Melo Correia de Araújo
“EMENTA: Sociedade de Economia Mista - Princípios
da Administração Pública - Observância - À luz do
que enunciam os princípios que regem o Direito
Administrativo, entre os quais se inclui o da motivação, não
pode o administrador público dispensar seus servidores
de forma desfundamentada. As balizas que limitam as
sociedades de economia mista são as mesmas em que se
orientam os Órgãos da Administração Pública Direta, tais
como o respeito da legalidade, moralidade, publicidade,
impessoalidade. É mister que haja uma causa de interesse
público demonstrável para que o administrador dispense
seus trabalhadores”.
Processo nº TRT RO-0689-2002-001-22-00-9
ACÓRDÃO TRT Nº 1101/2003
“ E M E N TA : E M P R E S A P Ú B L I C A – D E N Ú N C I A
VAZIA DO CONTRATO DE TRABALHO – PRÁTICA
ILEGAL – Integrando a empregadora a Administração
323
SENTENÇAS • Revista TRT 6
Pública, impossibilitada resta-lhe a prática da denúncia
vazia do contrato de trabalho, em virtude dos princípios
impostos no art. 37 da CF/88, precisamente, os princípios
da moralidade e da impessoalidade e o ingresso mediante
concurso público, que reclamam, sempre, a prática de
ato motivado para a dispensa. Logo, inexistindo fator
justificador da despedida, correta a conclusão do comando
judicial que a declarou nula, bem como determinou a
reintegração do empregado”.
Concluo, portanto, pela nulidade do ato de demissão
do reconvinte, porque desprovido de motivação, transformando
a discricionariedade administrativa na mais pura e simples
arbitrariedade.
Finalmente, alcançamos a terceira e última indagação, tão
importante e fundamental quanto a anterior.
Em memorável conferência que ministrou no último
Encontro Regional da AMATRA VI, o Ministro Augusto César Leite de
Carvalho, do Tribunal Superior do Trabalho, expôs para os congressistas
sua tese de doutorado sobre o princípio da indenidade que consiste,
em breve síntese, na garantia de emprego para o trabalhador que
ajuíza ação contra sua empregadora, como instrumento de garantia da
efetividade dos direitos trabalhistas e de acesso ao Poder Judiciário,
blindando o hipossuficiente contra os atos de retaliação arbitrária do
poder econômico.
Para melhor explicar a tese, sirvo-me de artigo doutrinário
do insigne colega Eduardo Sérgio de Almeida, juiz do Trabalho da
13ª Região, pós-graduado em Filosofia e mestre em Direito pela
Universidade Federal de Pernambuco, doutorando pela Universidade
Castilla La-Mancha em Ciudad Real (Espanha), publicado no sítio
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10095.
“I - INTRODUÇÃO
O objetivo do presente ensaio é o de demonstrar que
a garantia de indenidade do trabalhador que demanda
perante a Justiça do Trabalho, contra seu empregador,
324
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
visando a corrigir uma situação que esse trabalhador
entende ser violadora dos seus direitos, é perfeitamente
compatível com o ordenamento jurídico brasileiro e
está amparada pelos princípios de não discriminação e
de dignidade da pessoa humana, além do principio de
cidadania, que são fundamento e objetivo da Republica
Federativa do Brasil, constantes da Constituição brasileira.
O substantivo indenidade vem do adjetivo indene, que
segundo o Dicionário Houaiss é aquele que não sofreu
dano, que se encontra livre de prejuízo, sendo indenidade
a isenção de dano. Do ponto de vista jurídico, mais
particularmente do ponto de vista do Direito do Trabalho,
garantia de indenidade significa que está assegurado ao
trabalhador que demanda contra o seu empregador perante
a Justiça que o mesmo não pode sofrer qualquer sanção
ou discriminação patronal pelo exercício desse direito de
ação judicial.
Entre os especialistas, costuma-se afirmar que a Justiça
do Trabalho brasileira é, na verdade, uma Justiça do
ex-empregado, devido à circunstância de não haver, na
nossa legislação, impedimento para que o empregador
despeça o empregado que busca o amparo do Judiciário
contra ato patronal hipoteticamente violador de direito
seu. Ousamos discordar do ponto de vista estabelecido,
porquanto entendemos que, no nosso ordenamento
jurídico, encontram-se normas positivadas que garantem
a indenidade do trabalhador, enquanto demandante contra
seu empregador, uma vez que o exercício de um direito
fundamental, como o direito de ação, não pode ser objeto
de retaliação por parte do empregador, sem que o EstadoJuiz, quando provocado, venha em socorro do retaliado,
declarando nulo o ato violador dessa garantia e penalizando
o empregador que transgride uma das garantias básicas
da cidadania.
Para alcançar nosso objetivo, discorreremos brevemente
sobre a noção de princípios e direitos fundamentais,
bem como faremos um ligeiro exame da doutrina e
jurisprudência espanhola a respeito do tema. Também
325
SENTENÇAS • Revista TRT 6
examinaremos a jurisprudência brasileira a respeito do
principio de não discriminação.
II - DOS PRINCÍPIOS E DIREITOS
FUNDAMENTAIS
A questão dos princípios e dos direitos fundamentais
tem-se constituído motivo gerador de lutas políticas e
sociais de ontem e de hoje. No início da idade moderna,
com as doutrinas jusnaturalistas e, posteriormente, com
a inclusão nas constituições dos Estados Liberais, dos
direitos e garantias fundamentais, o tema, de ordem
filosófica e política foi e continua sendo fundamental para
a consolidação do Estado de Direito.
Aqui não nos interessa a discussão da origem histórica
do tópico. A nossa preocupação é de ordem dogmática
e tem em vista as disposições a respeito do assunto na
Constituição brasileira, que, não obstante ser a nossa lei
fundamental, contém princípios e regras que o próprio
texto constitucional denomina de fundamentais, em face da
importância basilar das normas que tratam da justificação
da existência do Estado, isto é, das bases filosóficas que
norteiam essa existência, e dos direitos e garantias do
cidadão.
Logo no artigo 1° da Constituição, é asseverado que a
Republica Federativa do Brasil constitui-se em Estado
de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania;
II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político. O art. 3° dispõe: constituem
objetivos fundamentais da Republica Federativa do
Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar
a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem
preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer
outras formas de discriminação.
Ao contrário do que ocorria antes da Segunda Guerra
326
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
Mundial, o entendimento atual é de que esses princípios,
dentre outros contidos no texto constitucional, não são
simplesmente políticos, meras regras programáticas,
dirigidas ao legislador futuro. Ao contrário, são normas
jurídicas positivas dotadas de validez e legitimidade,
conseqüentemente de aplicação obrigatória pelo Legislador,
pelo Administrador e pelo Juiz nas tarefas que competem
aos titulares de cada uma das três funções do Estado.
Conforme assevera o Min. do STF Marco Aurélio, “em
relação aos direitos e às garantias individuais, a Carta de
1988 tornou-se, desde que promulgada, auto-aplicável,
cabendo aos responsáveis pela supremacia do Diploma
Máximo do País buscar meios de torná-lo efetivo”.
De acordo com a moderna doutrina, de origem alemã,
denominada Drittwirkung, hoje amplamente aceita,
inclusive no Brasil, os direitos fundamentais, reconhecidos
na Constituição, têm eficácia frente a terceiros e não
somente frente ao Estado. Segundo esta construção
doutrinária, os direitos fundamentais não são só os
direitos de liberdade frente ao poder público, senão
também direitos de liberdade ou de ação exercitáveis em
todos os âmbitos da vida social. No dizer de Bonavides,
“direitos fundamentais que já não se circunscrevem à esfera
subjetiva, confinada ao confronto indivíduo-Estado, numa
relação onde se patenteia sempre a exterioridade do ente
individual frente ao Estado, em antagonismo com este, isto
é, em oposição ao seu poder... Como se vê, havia dantes
o direito fundamental do status negativus, mas agora
o que há é um direito fundamental incorporando à sua
caracterização a dimensão objetiva...”
III - DIREITO DE AÇÃO COMO DIREITO
FUNDAMENTAL
Entre os direitos fundamentais assegurados a todos os
brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, previstos
no art. 5° da Constituição Federal, encontra-se aquele
elencado no inciso XXXV, que garante a todos a apreciação,
327
SENTENÇAS • Revista TRT 6
pelo Poder Judiciário, de lesão ou ameaça a direito.
Esta regra já se encontrava consagrada no ordenamento
constitucional anterior à Constituição de 1988, uma vez
que a Constituição de 1967, no § 4° do art. 153, dispunha:
“A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário
qualquer lesão de direito individual”. Comentando tal
dispositivo Frederico Marques afirma: “Primeiramente, se
a lei não pode subtrair da apreciação do Poder Judiciário
qualquer lesão a direito individual, daí se segue que o
direito de ação está consagrado como direito fundamental
do indivíduo no Direito Constitucional brasileiro”.
Ora, se o direito de ação, como direito subjetivo público,
está consagrado como direito fundamental, toda conduta,
mesmo legalmente prevista, que vise a impedir o exercício
desse direito, fere um direito subjetivo concreto e, mais
grave ainda, atenta contra a organização do Estado
brasileiro, na medida que atinge princípios e objetivos
fundamentais da nossa república, viola, portanto a
Constituição.
Então, tendo em vista os dispositivos constitucionais acima
referidos, muito embora o direito positivo brasileiro não
contenha, expressamente, qualquer norma que obstaculize
o empregador de adotar represálias contra o seu empregado
que lhe aciona perante a Justiça, esse impedimento
pode ser deduzido do princípio constitucional de não
discriminação e do princípio constitucional da dignidade
da pessoa humana, pois conferir ao cidadão o amplo acesso
ao Poder Judiciário, sem cercar esse direito de garantias
mínimas, permitindo ao empregador dificultar ou mesmo
impedir o empregado de buscar a proteção do Estado-Juiz,
equivale a negar essa proteção e, por via de conseqüência,
negar um direito fundamental previsto na Constituição. E
não se diga que o empregado tem liberdade para pleitear
reparação de possível lesão de seu direito, por parte do
empregador, sendo as retaliações patronais conseqüência
dessa liberdade, pois no direito, que trata de relações
intersubjetivas, não interessa aquele conceito de liberdade,
que é dos antigos, como autodeterminação absoluta.
Nessa acepção, até um homem preso ou acorrentado
328
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
seria livre, pois não seria possível prender ou acorrentar
o seu espírito. Tal conceito, além de filosoficamente
indefensável, não serve como guia de uma sociedade
pluralista como as existentes nos países democráticos.
Devemos ter em conta o conceito moderno de liberdade
política, liberdade em sentido negativo, que vê a liberdade
como não impedimento. Nas palavras de Berlin, “se pode
dizer que sou livre quando nenhum homem ou grupo de
homens interfere em minha atividade. Nesse aspecto a
liberdade política é o espaço em que alguém pode atuar sem
ser impedido por outros. Se outros me impedem de fazer
algo que antes podia fazer, sou, nesta medida, menos livre.
Se, porém, o impedimento vai mais além do normalmente
admissível, posso dizer que estou sob coação ou até que
estou sendo escravizado”.
É o próprio Berlin que exemplifica duas situações em que
não há liberdade, do seguinte modo: “Se em um estado
totalitário traio um amigo, sob ameaça de tortura ou se
atuo de determinado modo com medo de perder o emprego,
posso afirmar que não agi livremente”.
Mesmo que se entenda não haver aplicabilidade direta
dos direitos fundamentais entre particulares, mas
aplicabilidade indireta ou reflexa, que é na atualidade
a doutrina prevalecente na Alemanha, haveria que
ser impedida qualquer represália do empregador ao
empregado que o aciona, mesmo não havendo norma
específica a respeito, baseado nos deveres de proteção
que tem o Estado em relação aos seus cidadãos, prevista
no caput do art. 5° da Constituição Federal. Segundo
Canaris, “o direito privado pode permanecer aquém da
medida de proteção ordenada pela Constituição. Aqui o
legislador viola, portanto, um direito fundamental e isto
não na sua função de proibição de intervenção, mas sim
na sua função de mandamento de tutela... . Os direitos
fundamentais podem conduzir a uma complementação e
correção do Direito Privado pela via do desenvolvimento
judicial do direito”.
329
SENTENÇAS • Revista TRT 6
IV - LIMITAÇÕES AO DIREITO PATRONAL
DE DESPEDIR EMPREGADOS
No Brasil, vigora o direito de o empregador despedir o
empregado sem motivar essa despedida, bastando que
pague os valores indenizatórios previstos em lei, que não
são mais do que a multa de 40% sobre o valor do Fundo de
Garantia depositado em conta vinculada desse trabalhador,
e a obrigação de avisar-lhe, previamente, dessa despedida,
com prazo mínimo de 30 dias, ou de pagar-lhe o valor do
período do pré-aviso. Diz-se que o empregador tem direito
potestativo de despedir o trabalhador. Seria, entretanto,
absoluto tal direito? A resposta é não. O direito brasileiro
contém limites ao poder patronal de despedir trabalhador.
Caso do trabalhador eleito para cargo de direção de
entidade sindical ou de membro eleito como representante
dos trabalhadores nas Comissões Internas de Prevenções
de Acidentes (CIPA). Caso da mulher grávida, a partir da
confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
Caso do trabalhador em gozo de licença para tratamento
de saúde. A lei concede estabilidade no emprego a esses
trabalhadores, que só poderão ser despedidos, enquanto
perdurar a situação garantidora da estabilidade, em casos
excepcionais, como, por exemplo, por justa causa ou pela
extinção do estabelecimento em que trabalham.
Recentemente, a jurisprudência trabalhista brasileira vem
entendendo que a dispensa do trabalhador portador do
vírus HIV, caso se dê de forma arbitrária, afronta o caput
do art. 5° da Constituição Federal, sendo, por isso, vedada
pelo nosso ordenamento jurídico. Tal entendimento não se
constitui, porém, em uma nova forma de estabilidade mas
é, tão somente, uma maneira de evitar que o despedimento
se dê de maneira discriminatória, com a violação de um
direito fundamental. São inúmeras as decisões do Tribunal
Superior do Trabalho − TST − nesse sentido, a exemplo
do acórdão cuja ementa se transcreve a seguir:
330
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
EMPREGADA PORTADORA DO VÍRUS
HIV. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA
A SDI-I do TST firmou posicionamento no
sentido de que, ainda que não exista, no
âmbito infraconstitucional, lei específica
asseguradoradapermanêncianoempregodo
empregado portador do vírus HIV, a dispensa
de forma arbitrária e discriminatória afronta
o caput do art. 5º da CF/88.
O art. 5° da Constituição Federal, logo
no caput, estabelece: “Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade”.
A despedida ou outra qualquer punição do trabalhador
que recorre ao Judiciário visando assegurar um direito
supostamente violado pelo seu empregador constitui
também, indubitavelmente, atitude discriminatória,
violadora da liberdade do trabalhador e de direito
fundamental assegurado na Constituição pelo inciso XXXV
do art. 5°. Tal direito não é meramente programático, como
seriam aqueles que asseguram ser direito social o direito
a moradia, ou o direito a um salário mínimo capaz de
atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e de
sua família, pois para tornar exeqüível tal dispositivo − o
que assegura amplo acesso ao Judiciário − o inciso LXXIV
do art. 5° da Constituição prevê a prestação de assistência
judiciária gratuita aos que comprovarem insuficiência de
recursos. Como se vê, o legislador constituinte procurou
tornar o acesso ao Judiciário uma garantia real. É efetiva
esta garantia ao trabalhador se não se veda ao empregador
adotar medidas retaliatórias contra o empregado que o
demanda perante o Judiciário? Obviamente que não, pois o
receio do revide patronal, que pode variar da transferência
331
SENTENÇAS • Revista TRT 6
de função ou do lugar de prestação de serviços e da
supressão de gratificação, até a despedida pura e simples,
em geral é suficiente para demover o trabalhador de buscar
os seus direitos, que julga violados, perante a Justiça.
Se o acesso à Justiça não é assegurado efetivamente
ao trabalhador, na vigência do pacto laboral, resta
comprometida a principal função social do Direito do
Trabalho que, segundo López “repousa em um delicado
equilíbrio estrutural entre a liberdade de empresa e o poder
empresarial, de um lado e a proteção e tutela do trabalho
assalariado, mediante a compensação das desigualdades
do contratante débil e dos grupos sociais dependentes,
por outro lado”.
E DIREITO V - DIREITO ESPANHOL BRASILEIRO
Sobre o assunto que vimos discutindo, penso que será
útil trazer a cotejo o exemplo do direito espanhol. Na
Espanha, o Estatuto dos Trabalhadores prevê dois tipos
de invalidade das despedidas de empregados: a despedida
nula e a despedida improcedente. A primeira está prevista
no art. 55 do Estatuto; quando uma despedida é declarada
nula, o empregador terá que readmitir imediatamente
o trabalhador, pagando-lhe os salários deixados de
perceber desde a despedida até a efetiva readmissão. Na
despedida declarada improcedente, prevista no art. 56 do
Estatuto, o empregador poderá optar entre a readmissão
do trabalhador, com o pagamento dos salários no período
de afastamento do trabalho ou o pagamento de uma
indenização de 45 dias de salário por cada ano de trabalho
e mais a soma dos salários deixados de perceber desde
a data da despedida, até a notificação da sentença que
declare a improcedência ou até que o trabalhador tenha
arranjado outro emprego, neste caso se a nova colocação
for anterior à sentença.
No direito brasileiro, não há igual distinção. Nas despedidas
sem justa causa em que não haja impedimento legal ou
332
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
contratual ao poder patronal de despedir o seu empregado,
são devidas apenas as reparações legalmente previstas,
que são, como já assinalado, muito poucas e francamente
insuficientes para constituir-se em empecilhos para os
despedimentos e para a tão criticada rotatividade de mãode-obra, reconhecidamente causadora de nefastos efeitos
sociais e econômicos.
No caso das denominadas estabilidades no emprego (a de
empregado eleito diretor sindical ou membro de CIPA,
a da gestante, a do trabalhador em gozo de licença para
tratamento de saúde), havendo despedidas, estas podem
ser anuladas pelo juiz, com a conseqüente obrigatoriedade
do empregador readmitir o empregado, pagando-lhe a
remuneração vincenda, do momento da despedida até
a data da efetiva readmissão ou, caso mais freqüente,
considerando-se as circunstâncias da existência de
incompatibilidade entre as partes da relação de emprego,
a condenação do empregador ao pagamento de uma
indenização ao empregado e a remuneração do período que
mediou entre a despedida e a data da prolação da sentença.
Assim sendo, sustentamos que no Brasil também deve
ser garantida a indenidade do trabalhador que demanda
perante a Justiça contra o seu empregador, por suposta
violação de um direito, desde que tal demanda não
seja artificialmente forjada com o intuito de impedir
uma demissão já prevista ou anunciada com base em
critérios técnicos, econômicos ou de conveniência do
empresário. Nosso entendimento está embasado no
direito interno brasileiro, conforme vimos argumentando
e encontra respaldo ainda no Pacto Internacional de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), que
tendo sido aprovado pelo Decreto Legislativo n° 226 de
12/12/1991 e promulgado pelo Decreto Legislativo N° 592
de 06/12/1992, também é direito interno. Nesse pacto, os
Estados se obrigam a criar mecanismos judiciais aptos a
garantir os direitos sociais, com a conseqüente reparação
no caso de violação dos mesmos.
Na Espanha, inexiste, igualmente, dispositivo expresso
333
SENTENÇAS • Revista TRT 6
em norma legal que preveja a garantia de indenidade do
trabalhador frente a represálias do empregador, no caso
de demanda judicial proposta por aquele contra este, o
que não impediu o Tribunal Constitucional de decidir, em
inúmeros julgados, que o direito de acesso ao Judiciário,
como direito fundamental, estaria prejudicado em sua
eficácia caso o trabalhador pudesse ser penalizado pelo
empregador por ter ajuizado ação contra este. Merece
transcrição o trecho seguinte da Sentença do Tribunal
Constitucional N° 55/2004.
“En suma, el derecho fundamental a la tutela judicial
efectiva consagrado por el art. 24.1 de la Constitución
Española quedaría privado en lo esencial de su eficacia si la
protección que confiere no incluyera las medidas que puede
llegar a adoptar un empresario como reacción represiva
frente a una acción judicial ejercitada por un empleado
ante los Tribunales. El temor a tales medidas podría
disuadir a los trabajadores de hacer valer sus derechos
y, por tanto, poner en peligro gravemente la consecución
del objetivo perseguido por la consagración constitucional
de la efectividad de la tutela judicial, retrayendo a los
trabajadores de hacer uso de su derecho a la protección
jurisdiccional ante los órganos del Poder Judicial”.
O entendimento da Corte Constitucional espanhola a
respeito da matéria em discussão é pacífico na atualidade,
sendo a garantia de indenidade devida não apenas ao
trabalhador que já se encontra demandando contra seu
empregador, senão também àquele que dá início a atos
preparatórios de demanda judicial, como é o caso da
sentença cujo trecho se transcreveu retro, como se lê da
sua parte final, abaixo reproduzida:
“ha de concluirse que el despido del
demandante de amparo se conectaba
directamente con una actuación tendente a la
evitación del proceso, lo que, en los términos
334
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
antes señalados, constituye una vulneración
de la garantía de indemnidad contraria al
art. 24.1 CE”.
Para Álvarez Alonso, que escreveu inspiradora obra
monográfica sobre o assunto, “parece evidente que o
reconhecimento de um direito deve conter não só a
possibilidade de exercitá-lo, senão também a tutela de quem
o exercita, frente a quem poderia ver-se afetado por seu
exercício, isto é, no caso do empregado que demanda contra
seu empregador, direito constitucionalmente previsto, deve
ser assegurada ao trabalhador a garantia de não sofrer
represálias por parte do seu empregador, afetado pela
demanda do trabalhador”.
A dependência do trabalhador frente ao empregador,
característica da relação de trabalho, não pode ser agravada
com a falta de garantia do exercício do direito de ação
por parte do hipossuficiente, sob pena de transformar-se
a garantia constitucional de amplo acesso ao Judiciário
em letra morta, ao menos em relação ao trabalhadorempregado que necessitar recorrer ao Estado-Juiz, para
ter assegurado um direito hipoteticamente violado por
seu empregador. Deste modo, essa garantia há que estar
contida no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que
seria incoerente a existência de uma garantia, da natureza
de direito fundamental, sem a possibilidade real do seu
exercício. Como afirma o Professor Luiz Roberto Barroso,
“A Constituição não é apenas parâmetro de validade das
normas de hierarquia inferior, senão também vetor de
interpretação de todas as normas do sistema”. Voltando ao
exemplo espanhol, é novamente Álvarez Alonso que nos
vem em socorro quanto afirma: “A garantia de indenidade
não faz mais que reafirmar algo já pressuposto nas
relações jurídicas. O fazer valer as próprias posições ou
interesses no lugar e momento correspondentes, inclusive
em sede judicial, não comporta qualquer tipo de censura
ao trabalhador,seja como sanção, ou sequer desprezo ou
desconsideração”.
335
SENTENÇAS • Revista TRT 6
Perfeitamente cabível, em face do ordenamento jurídico
brasileiro, o mesmo entendimento que têm a doutrina
e a jurisprudência espanholas em relação à garantia de
indenidade do trabalhador frente represálias patronais
pelo exercício do direito de ação.
VI - CONCLUSÕES
Dos argumentos expostos, concluímos que no ordenamento
brasileiro encontram-se normas que garantem a indenidade
do trabalhador frente a represálias patronais pelo exercício
do direito de ação contra esse mesmo empregador, pois
entendimento em sentido diverso leva à dedução de que
o direito brasileiro tolera o desrespeito a vários princípios
constitucionais, sobretudo o desrespeito ao princípio da
não discriminação, ao princípio da igualdade, ao princípio
da dignidade da pessoa humana, e tolera a violação
frontal de um dos fundamentos do Estado Brasileiro,
o da cidadania. Se não há efetiva garantia de acesso ao
Judiciário, por parte do trabalhador empregado, consagrase, na prática, a existência de dois tipos de cidadãos, ou
melhor, consagra-se a existência de uma sobrecidadania
e uma subcidadania, ferindo-se de morte a dignidade do
trabalhador reduzido, neste aspecto, à condição de servo
do patrão; faz-se tábula rasa do princípio republicano, que
identifica a liberdade com ausência de dependência do
indivíduo da vontade arbitrária de outros homens.
Portanto, devem ser consideradas nulas quaisquer
represálias tomadas pelo empregador contra o empregado
que buscar o amparo do Judiciário, em contraposição ao
seu patrão, visando a corrigir uma hipotética lesão ao seu
direito, uma vez que tais atos patronais violam frontalmente
os já referidos princípios constitucionais e o disposto no art.
9° da CLT, que comina nulidade de pleno direito aos atos
destinados a desvirtuar, impedir ou fraudar os preceitos
protetores do hipossuficiente. No caso de despedida, deve
ser determinada a reintegração do empregado, com o
conseqüente pagamento da remuneração do período que
336
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
decorreu desde a data do afastamento até a reintegração,
assegurando-se todos os demais direitos decorrentes do
contrato de trabalho.
Na construção da democracia que almejamos, como
nação civilizada anelada, não podemos ter uma parcela
significativa da nossa população à qual se confere certos
direitos fundamentais, impossibilitada de exercê-los
efetivamente por conta da vontade arbitrária de outrem.
Opus iustitiae pax”.
Ora, depois de longos anos de serviço, sem qualquer mácula
funcional, o vindicante e seu colega operador foram dispensados sem
motivação de qualquer natureza, depois de ajuizarem reclamações
contra a empregadora e denunciarem a realização de perícia em tese,
uma vez que não houve comparecimento do perito ao local de trabalho
dos obreiros.
É mais do que justificado que se presuma que a dispensa
resultou de ato de retaliação da empregadora, justificando que se
garanta ao obreiro, sua indenidade, porque não pode sofrer punição
por exercer direito fundamental assegurado pela Carta Magna.
Tudo isso bem considerado, julgo improcedente a ação de
consignação em pagamento e procedente a reconvenção, declarar nula
a demissão do reconvinte e determinar a sua imediata reintegração ao
emprego, independentemente do trânsito em julgado desta sentença,
no prazo de um dia depois de intimada a reconvinda, sob pena de
pagamento de multa de R$ 1.000,00 (um mil reais) por dia de atraso
no cumprimento da obrigação de fazer, bem como a pagar os salários
e vantagens pessoais, férias e gratificações natalinas devidas durante
o período de afastamento e ainda a recolher o FGTS em sua conta
vinculada.
Os honorários advocatícios são devidos, nos termos da Lei
5.584/70, Súmulas 219 e 329 do TST e OJ 305 da SBDI-I, por estar
configurada a assistência sindical, em valor equivalente ao percentual
de 15% (quinze por cento) sobre o montante bruto do crédito do
reconvinte.
Liquidação por cálculos, com base na evolução salarial do
reconvinte. Atualização monetária, na forma da Súmula 381 do TST.
337
SENTENÇAS • Revista TRT 6
Juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, pro rata die, desde 7 de
abril de 2010. Tudo até a data do efetivo pagamento, como disciplinado
pelo art. 39 da Lei 8.177 de 1º de março de 1991 e pela Súmula 04
do TRT da 6ª Região.
Imposto de renda pelo recconvinte, sobre o montante
das parcelas tributáveis do seu crédito, devendo ser recolhido pela
Secretaria, tão logo ocorra o fato gerador. A obrigação de recolher a
contribuição social é da reconvinda, sendo certo que ela será ressarcida
pelo trabalhador, na hipótese de haver contribuição suplementar do
segurado a ser recolhida.
ISTO POSTO
III – Julgo IMPROCEDENTE a ação de consignação
em pagamento proposta por COMPANHIA PERNAMBUCANA
DE SANEAMENTO – COMPESA contra JOSIAS CAVALCANTI
AMORIM; e, no mais, julgo PROCEDENTE a reconvenção ajuizada
p o r J O S I A S C AVA LC A N T I AM O R I M co nt ra CO M PA N H I A
P E R N A M B U C A N A D E S A N E A M E N TO – CO M P E S A , p a r a
condenar a reconvinda a reintegrar o reconvinte ao emprego e a
pagar-lhe a pagar os salários, vantagens pessoais, férias e gratificações
natalinas devidas durante o período de afastamento e ainda a recolher
o FGTS em sua conta vinculada, no prazo de 48 horas depois de
liquidada a presente, com acréscimo de juros moratórios e correção
monetária, observados os limites estabelecidos na fundamentação.
Custas processuais provisórias pela reclamada, de R$ 40,00,
calculadas sobre R$ 8.000,00, valor atribuído à condenação.
Determino o recolhimento da contribuição social e do
imposto de renda.
Intimações desnecessárias.
Recife, 30 de julho de 2010.
Juiz do Trabalho Theodomiro Romeiro dos Santos
Titular da 9ª Vara do Trabalho do Recife
338
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 6ª REGIÃO
5ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE-PE
PROCESSO N° 00564-2008-005-06-00-7
S A I N T- G O B A I N D O B R A S I L P R O D U TO S I N D U S T R I A I S E
PARA CONSTRUÇÃO LTDA.
Ré
M A R I A R I TA M A R C U L I N O R E S E N D E G O N Z A G A ,
S E V E R I N A MA R I A MA R C U L I N O, DA LVA NY D E G U S MÃO
MARCULINO, KELDA BEATRIZ DE GUSMÃO MARCULINO,
B R AY N E R D E G U S M Ã O M A R C U L I N O , S Ô N I A M A R I A
M A R C U L I N O, J A N D I R A M A R G A R I D A M A R C U L I N O D E
C E R Q U E I R A , M A R I A A L D E N I R M A R C U L I N O F R AT E L E S ,
R I TA D E FÁT I MA D O S S A N TO S MA R C U L I N O e K A I Q U E
DOUGLAS DOS SANTOS MARCULINO
Autores
SENTENÇA
VISTOS, ETC.
I – RELATÓRIO
MARIA RITA MARCULINO RESENDE GONZAGA,
S E V E R I N A MA R I A MA R C U L I N O, DA LVA NY D E G U S MÃO
MARCULINO, KELDA BEATRIZ DE GUSMÃO MARCULINO,
B R AY N E R D E G U S M Ã O M A R C U L I N O , S Ô N I A M A R I A
M A R C U L I N O, J A N D I R A M A R G A R I D A M A R C U L I N O D E
C E R Q U E I R A , M A R I A A L D E N I R M A R C U L I N O F R AT E L E S ,
R I TA D E FÁT I MA D O S S A N TO S MA R C U L I N O e K A I Q U E
DOUGLAS DOS SANTOS MARCULINO, qualificados nos autos,
339
SENTENÇAS • Revista TRT 6
ajuizaram ação indenizatória por danos materiais e morais em
face de BRASILIT INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA. (antiga
denominação da empresa ré).
Em síntese alegam que são descendentes do Sr. JOSÉ
MARIANO MARCULINO, ex-empregado da ré, o qual teria
adquirido enfermidade relacionada ao trabalho prestado à demandada
(complicações decorrentes do contato com o asbesto), tanto que em
vida o de cujus firmou instrumentos de transação com a empresa
prevendo indenização, todavia percebeu valores aquém dos corretos,
bem ainda que o falecimento do obreiro lhes causou ofensa imaterial
e a empresa não custeou as despesas com o funeral.
Por essas razões perseguem a decretação da nulidade
de cláusulas dos instrumentos de transação firmados entre o exempregado e a acionada, bem ainda o pagamento das despesas com
a casa funerária e indenização por danos morais.
Devidamente citada, a ré compareceu à audiência
designada na qual, recusada a conciliação, apresentou contestação em
78 laudas, suscitando preliminares de incompetência, irregularidade
de representação, carência de ação e inépcia para, no mérito, negar
as obrigações postuladas na exordial, aduzindo que adotou as
providências para eliminação dos riscos no longínquo período em que
o de cujus lhe prestou serviços, que já indenizou o ex-empregado em
vida e que não há nexo causal para com as ofensas sugeridas no libelo.
Os autores se manifestaram sobre a defesa e os documentos.
Proferida antecipadamente a sentença de fls. 223/226
declinando da competência em favor da Justiça Estadual.
Através de recurso ordinário o E. TRT modificou o
entendimento e afirmou a competência desta Justiça Especializada
para a causa, determinando o retorno dos autos a esta Vara para
prolação de nova sentença.
Determinei a juntada de certidão de dependentes do de
cujus perante o INSS, o que cumprido com a juntada do documento
de fl. 314.
A empresa se manifestou a respeito e os autos vieram
conclusos para julgamento.
Era o que importava relatar.
PASSO A DECIDIR.
340
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
II – FUNDAMENTAÇÃO
PRELIMINARMENTE
Do julgamento do processo
Consoante acima relatado, o presente processo teve
sentença prolatada após a manifestação dos demandantes sobre
a defesa e a prova documental produzida pela ré, não tendo sido
produzidas outras provas. O E. TRT da 6ª Região reformou a
decisão de piso e ordenou o retorno dos autos a este Juízo para novo
julgamento, sendo certo que a instrução processual não foi reaberta.
Quando da baixa dos autos, determinei providências para
identificar a legitimidade ad causam.
No tangente a novas provas, as partes nada mais
requereram. Logo, considerando que o acórdão regional não reabriu
a instrução e que inexiste de pleito superveniente para colheita de
novas provas, resolvo julgar a causa com os elementos de convicção
já disponíveis nos autos.
Da gratuidade da Justiça
Concedo a gratuidade da Justiça aos demandantes, na
forma do art. 790, § 3o, da CLT, presumindo verdadeira, pois não
suplantada por evidência em contrário, a declaração de que não podem
demandar sem prejuízo à subsistência.
Da competência
A incompetência ex ratione materiae suscitada pela
defesa foi repelida pelo E. TRT da 6ª Região e somente as instâncias
extraordinárias poderão deliberar em contrário, se encontrando
superado o tema nesta oportunidade.
Da legitimidade ativa para postular as reparações
patrimoniais
As prestações requeridas pelos autores desta ação são: a)
declaração de nulidade das cláusulas 2ª e 9º da transação firmada
entre o de cujus e a demandada; b) pagamento das diferenças dos
341
SENTENÇAS • Revista TRT 6
valores pactuados entre o falecido José Mariano Marculino e a ré; c)
o ressarcimento das despesas com o funeral; d) indenização por danos
morais decorrentes da morte do Sr. José Mariano Marculino.
A petição inicial afiança que todos os autores estão
legitimados para a lide porque seriam descendentes e únicos herdeiros
do de cujus.
A informação não está totalmente correta.
As autoras Dalvany de Gusmão Marculino e Rita de Fátima
dos Santos Marculino são noras do Sr. José Mariano Marculino. Logo,
diversamente do invocado na peça inaugural, não são sucessoras do
falecido, nos termos do art. 1.829 do Código Civil, já que o vínculo
que as unia ao de cujus era por afinidade.
Considerando que a própria inicial vinculou a legitimidade
ativa à vocação hereditária, as noras do falecido carecem de
legitimidade.
Decido excluir da lide as demandantes Dalvany de
Gusmão Marculino e Rita de Fátima dos Santos Marculino, na
forma do art. 267, VI, do CPC, sendo certo que continuarão no
feito apenas na qualidade de representantes legais de seus filhos
incapazes.
Já os demais postulantes, com efeito, são herdeiros do Sr.
José Mariano Marculino, porquanto são filhos e netos do de cujus
(cujos pais também faleceram).
Firmado esse pressuposto, os pedidos de (a) nulidade das
cláusulas contratuais que impediriam a postulação de diferenças da
indenização paga pela ex-empregadora ao falecido em vida e (b) o
pagamento dessas diferenças observam o disposto no art. 1º da Lei
n° 6.858/80, segundo o qual a legitimidade cabe aos dependentes do
de cujus perante a previdência social ou, na falta deles, aos sucessores
previstos na lei civil, independentemente de inventário e arrolamento.
In casu a certidão de fl. 314 demonstra que o extinto não
deixou dependentes previdenciários, de forma que estão legitimados
para as reparações patrimoniais todos os sucessores do obreiro: os
filhos por força do art. 1.829, I, do Código Civil; os netos dos filhos
já falecidos pelo direito de representação assegurado nos arts. 1.851,
1.852, 1.854 e 1855 do Código Civil.
Destarte, rejeito a preliminar de ilegitimidade para os
342
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
pleitos dos itens “b-1” e “b-2” do rol postulatório da peça vestibular.
Quanto às “despesas da casa funerária” (item “b-4” dos
pedidos), trata-se de dano não ao de cujus, e sim àqueles que custearam
o sepultamento, de natureza emergente.
Os documentos de fls. 84/85 demonstram que apenas
Carlos José Marculino, um dos filhos de José Mariano Marculino,
custeou o funeral do genitor, ou seja, nenhum outro filho do falecido
teve gastos com o funeral. Logo, a legitimidade para requerer o
pagamento das despesas com a casa funerária era exclusivamente
de Carlos José Marculino, único a experimentar o dano patrimonial.
Ocorre que o Sr. Carlos José Marculino também veio a
óbito, no dia 25.11.2005, e deixou os filhos Kelda Beatriz de Gusmão
Marculino e Brayner de Gusmão Marculino (netos de José Mariano
Marculino), ambos autores desta ação. São somente esses netos de
José Marculino os legitimados a requerer o ressarcimento das despesas
com o funeral, enquanto sucessores de Carlos José Marculino, na
forma do art. 1.829, I, do Código Civil. Por consequência, os demais
requerentes não têm legitimidade ativa para o pedido de ressarcimento
de despesas com o funeral.
Decreto a extinção do pedido do item “b-4” (despesas
com a casa funerária) sem resolução do mérito, na forma do art.
267, VI, do CPC, quanto aos autores MARIA RITA MARCULINO
R E S E N D E G O N Z A G A , S E V E R I N A M A R I A M A R C U L I N O,
D A LVA N Y D E G U S M Ã O M A R C U L I N O , S Ô N I A M A R I A
M A R C U L I N O, J A N D I R A M A R G A R I D A M A R C U L I N O D E
C E R Q U E I R A , M A R I A A L D E N I R M A R C U L I N O F R AT E L E S ,
R I TA D E FÁT I MA D O S S A N TO S MA R C U L I N O e K A I Q U E
DOUGLAS DOS SANTOS MARCULINO, remanescendo para
análise meritória a postulação de Kelda Beatriz de Gusmão Marculino
e de Brayner de Gusmão Marculino.
Sobre a indenização por danos morais derivados da morte do
familiar, os autores não requerem alguma indenização que seria devida
ao falecido (pai e avô), e sim a reparação do dano que eles próprios –
filhos e netos – dizem haver experimentado como consequência do
sofrimento e da perda do ente querido. Inaplicável ao caso, portanto,
toda a argumentação da vindicada sobre não ser transmissível o
direito à indenização por danos morais, já que não se está diante da
hipótese de transmissão da indenização extrapatrimonial. Os autores
343
SENTENÇAS • Revista TRT 6
estão legitimados, eis que são os pretensos ofendidos pela doença e
morte do familiar. Indefiro in totum a preliminar de ilegitimidade
neste particular.
Da regular representação em Juízo
Ao revés do articulado pela empresa defendente, os autores
KELDA e KAIQUE não subscreveram isoladamente as procurações
de fls. 49 e 55. Ao lado da assinatura de ambos estão as assinaturas de
suas mães. Logo, regular a outorga de poderes ao advogado subscritor
da petição inicial. Preliminar indeferida.
Do interesse de agir
Sem razão a empresa ao alegar a falta de interesse
processual quanto ao pedido de nulidade da transação celebrada
entre ela e o de cujus.
As partes têm, neste ponto, interesses contrapostos, o que
caracteriza litígio que somente pode ser resolvido em Juízo e não pelo
uso das próprias forças dos litigantes, na medida em que rejeitaram
a conciliação.
O processo é útil e necessário para se alcançar o fim
almejado pelos autores. Logo, está presente o interesse de agir.
O mais há de ser analisado no mérito da causa e não como
preliminar.
Da inépcia
Indefiro a argüição de inépcia da petição inicial alegada
pela defesa, pois a peça vestibular preenche os requisitos do art. 840,
§ 1º, da CLT, c/c o art. 282 do CPC, em especial uma breve exposição
dos fatos que originaram o litígio, estando o processo apto para o
julgamento de mérito.
Da impugnação à prova documental
As partes não apontaram nenhuma inexatidão concreta de
conteúdo nas cópias de documentos juntadas ao caderno processual.
Alia-se a isto a circunstância de que aqueles que realmente importam
à solução da lide são reproduções de documentos comuns aos
344
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
litigantes. Repele-se toda a qualquer impugnação à prova documental
com fundamento no art. 830 da CLT. E nenhum documento deve
ser desentranhado dos autos, visto que servem à formação do
convencimento do julgador.
NO MÉRITO
Antes dos pedidos propriamente ditos, é necessário dirimir
a controvérsia acerca da incidência do cutelo prescricional.
Da prescrição
De acordo com o princípio da actio nata, ocorrida a violação
de um direito nasce para o seu titular a pretensão de reparação. Tratase de princípio normatizado no sistema jurídico pátrio pelo art. 189
do Código Civil.
Na esteira desse pressuposto, impende definir qual
prescrição a aplicar ao caso vertente, se a civil ou a trabalhista.
Consoante a jurisprudência do C. TST, a data da
ocorrência do fato danoso em combinação com a vigência da Emenda
Constitucional n° 45 definem a espécie de prescrição a adotar. Confirase:
TST-RR-640/2005-013-17-00.6
Recorrente: COMPANHIA VALE DO RIO DOCE CVRD
Recorrido: JOÃO VIEIRA CARNEIRO
ACÓRDÃO
7ª TURMA
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS
- PRESCRIÇÃO APLICÁVEL AOS CASOS EM QUE A
LESÃO SOFRIDA PELO EMPREGADO É ANTERIOR
À EDIÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL 45/04.
1. Na esteira do atual entendimento da SBDI-1 desta
Corte ( TST-E-ED-RR-1.112/2005-005-10-00.8, Rel.
Min. Lelio Bentes Corrêa, DEJT de 16/10/09; TST-ERR-56/2007-009-18-00.8, Rel. Min. Maria Cristina Peduzzi,
DEJT de 21/08/09; TST-E-RR-1.993/2005-005-18-00.3,
345
SENTENÇAS • Revista TRT 6
Rel. Min. Brito Pereira, DEJT de 21/08/09), aplica-se
a prescrição cível às ações de indenização por danos
materiais e morais decorrentes de acidente de trabalho
ou doença ocupacional quando a lesão sofrida pelo
empregado ou a sua ciência é anterior à edição da Emenda
Constitucional 45/04.
2. Assim sendo, a tese defendida pela Reclamada, no
sentido de ser aplicável à presente reclamação trabalhista
a prescrição do art. 7º, XXIX, da CF, contada a partir da
data em que sustenta ter o Obreiro tomado ciência da
sua perda auditiva (maio de 1998), encontra óbice da
Súmula 333 desta Corte, descabendo cogitar de violação
constitucional ou de divergência jurisprudencial, uma vez
que já foi atingido o fim precípuo do recurso de revista.
Recurso de revista não conhecido.
Pois bem, de acordo com essa diretriz, as supostas lesões
ao patrimônio do de cujus, consistentes no recebimento a menor das
indenizações previstas nos instrumentos de transação firmados com
a ré, ocorreram em 12.07.2002 e no dia 27.05.2004, quando assinados
os documentos de fls. 13/17 do volume apartado e de fls. 70/73 dos
volumes principais.
A EC n° 45 teve vigência a partir do dia 31.12.2004. Essas
lesões, portanto, lhe são anteriores e, consequentemente, o prazo
aplicável no particular é o do direito comum.
Rejeito o argumento da empresa pela aplicação do prazo
trabalhista bienal para os pedidos dos itens “b-1” e “b-2” do libelo.
Fixado isto, o lapso temporal para se postular a nulidade e
as diferenças da indenização por danos pactuada via transação era de
três anos, conforme preconiza o inciso V do art. 206 do Código Civil,
a contar de 27.05.2004, aplicando-se a regra de transição do art. 2.028
do referido Digesto para com o primeiro instrumento.
No caso em foco, o prazo para se postular a nulidade
e as diferenças do primeiro instrumento de transação escoou em
12.07.2005, ainda durante a vida do Sr. José Mariano Marculino.
Fulminada está a pretensão relativa ao primeiro instrumento de
transação.
346
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
Decreto a extinção do processo com resolução do mérito
no tocante aos pedidos de nulidade das cláusulas do Instrumento
Particular de Transação firmado em 12.07.2003 e da diferença da
indenização prevista nesse mesmo instrumento, nos termos do art.
269, IV, do CPC.
De outra via, o prazo para invalidação e diferenças do
segundo instrumento de transação iniciou perante o de cujus José
Mariano Marculino e continuou a correr contra seus sucessores, nos
termos do art. 196 do Código Civil, salvo os incapazes, por força do
art. 198, I, do mesmo Codex. Findou para os capazes em 27.05.2007
(triênio posterior à assinatura do instrumento de transação), ao passo
que se mantém para os incapazes.
Por oportuno, destaco que se trata de pretenso direito
divisível, na medida em que o bem é fungível e o art. 1º da Lei n°
6.858/80 estabelece o pagamento do crédito em quotas destacadas
do total, não sendo caso de litisconsórcio ativo necessário (já que a
lei assim não prevê), de forma que a regra do art. 198, I, do Código
Civil não aproveita os capazes.
De ser salientada, também, a natureza relativa da nulidade
arguida, visto que o negócio jurídico sub examine era lícito em sua
motivação e objeto, foi celebrado por pessoas capazes, não dependia
de forma ou solenidade especial, não configura simulação e não era
vedado por lei, ou seja, trata-se de negócio meramente anulável por
algum dos defeitos previstos no art. 849 do Código Civil.
Proposta a presente ação só em 25.04.2008, decreto a
extinção dos pedidos dos itens “b-1” e “b-2” da petição inicial com
resolução do mérito, nos termos do art. 269, IV, do CPC, salvo
quanto aos autores Kelda Beatriz de Gusmão Marculino e Kaique
Douglas dos Santos Marculino.
Já para os pedidos de ressarcimento de despesas com o
funeral e de indenização por danos morais, ambos são decorrentes
da morte do ex-empregado e estão fundados na tese de que o óbito
decorreu da doença profissional adquirida pelo operário. Embora os
alegados prejuízos tenham nascido com a morte do trabalhador em
10.10.2005, a postulação se assenta no nexo de causa para com os
serviços prestados à demandada. Assumem feição de créditos com
origem na relação de emprego, derivados da morte por moléstia
adquirida no trabalho.
347
SENTENÇAS • Revista TRT 6
A lesão moral – morte do familiar – e o prejuízo patrimonial
– custos com o funeral – são posteriores à vigência da EC n° 45. A
prescrição aplicável a esses pleitos é a trabalhista bienal, conforme
o art. 7º, inciso XXIX, da CF/88, na medida em que o contrato
de trabalho se encontrava extinto à época da morte e a prescrição
quinquenal só tem lugar durante a vigência do pacto de emprego.
Mas, não poderia nunca ser contada a partir data de
extinção do contrato de trabalho. Afinal, só com a morte do exempregado os autores experimentaram os prejuízos moral e material,
de acordo com o princípio da actio nata. O dies a quo da prescrição é
10.10.2005. Indeferida a argumentação da ré em contrário.
Neste caminhar, o prazo fatal para propositura da ação
pelos sucessores plenamente capazes do falecido era até 10.10.2007,
o qual restou inobservado, porque esta ação veio a ser proposta em
25.04.2008.
Entretanto, a prescrição em apreço não atinge os incapazes,
nos moldes do art. 198, I, do Código Civil. Ressalto que o art. 440 da
CLT se aplica quando está em discussão crédito de menor de 18 anos
na condição empregado e não para hipóteses como a presente em que
os menores são herdeiros. Incide, pois, a regra civil.
Destaco que o autor Brayner de Gusmão Marculino,
nascido em 29.08.1987, completou 16 anos em 2003 e 18 anos em
29.08.2005, antes do óbito do seu avô e da morte de seu pai (Carlos José
Marculino), de modo que a prescrição contra ele correu normalmente.
Deste modo decido: a) decretar a extinção, com resolução
do mérito, do pedido do item “b-4” (despesas com o funeral) quanto
ao autor Brayner de Gusmão Marculino, permanecendo a análise
do pleito para com a autora Kelda Beatriz; b) decretar a extinção
do pedido do item “b-3” (indenização por danos morais) da petição
inicial com resolução do mérito relativamente a todos os postulantes,
exceto os autores Kelda Beatriz de Gusmão Marculino e Kaique
Douglas dos Santos Marculino.
Tudo consoante o art. 269, IV, do CPC.
A aplicação da prescrição em desconformidade com o acima
decidido é rejeitada.
Resolvida a questão prejudicial, alcanço, em seguida, os
pedidos.
348
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
Da nulidade do segundo instrumento de transação e da
diferença dos valores pactuados
Prima facie, é necessário relembrar que o operário e a
acionada firmaram dois instrumentos de transação.
O primeiro datado de 12.07.2002 e repousa às fls. 13/17 do
volume apartado dos autos processuais e nele o operário havia sido
enquadrado na Classe III do Anexo III do Instrumento, pelo que
recebeu R$ 19.519,50, de acordo com a previsão da clausula 4ª, § 3º.
Esse instrumento acabou cancelado e as partes entabularam
nova transação encartada num segundo instrumento, exatamente
aquele que os autores juntaram às fls. 70/73 do volume I do caderno
processual, ocasião em que o trabalhador foi reclassificado para a
Classe V do Anexo III daquele novo Instrumento, passando a ter
direito à indenização de R$ 50.000,00, tendo recebido R$ 26.633,20
conforme o recibo de fl. 80.
Os pedidos de nulidade das cláusulas do primeiro contrato
e de diferença de R$ 19.519,50 para R$ 20.000,00 estão prescritos,
restando analisar a situação do segundo Instrumento Particular de
Transação.
Pois bem, as cláusulas que se pretende anular são a 2ª e a
9ª, as quais estabelecem renúncia expressa a qualquer reivindicação
relacionada a dano proveniente da exposição à poeira de amianto.
Analisando o teor dos instrumentos e a prova dos autos,
tenho que não prospera a insurgência dos vindicantes pela nulidade.
O pedido de lastreia em suposta coação ao de cujus na assinatura do
instrumento de fls. 70/73, que teria sido “obrigado” a subscrevê-lo.
Contudo, inexiste nos autos qualquer evidência de que o obreiro
tenha sido coagido a concordar com a transação. A hipossuficiência
do trabalhador não conduz, por si só, a tal conclusão, especialmente
no caso em apreço, pois o instrumento de fls. 70/73 foi celebrado
muito tempo depois do encerramento do contrato de trabalho que o
Sr. José Mariano Marculino manteve com a então Brasilit Indústria e
Comércio Ltda. Deste modo, a empresa não exercia qualquer poder
ou influência sobre o trabalhador.
Não se cuida, outrossim, de contrato de adesão. Na
verdade, o trabalhador havia sofrido um dano à saúde em decorrência
da exposição ao asbesto e a empresa lhe propôs o pagamento de
349
SENTENÇAS • Revista TRT 6
uma indenização cumulada com um plano de saúde vitalício. Em
contrapartida o trabalhador renunciaria a outros direitos advindos
desse fato. Típica transação prevista no art. 840 do Código Civil.
Veja-se, ainda, que assinaram o instrumento de fls. 70/73,
como testemunhas, dois filhos do de cujus, os quais certamente
prestaram alguma assistência e esclarecimento ao pai.
Frente a esse quadro, não encontro elementos para
invalidar o negócio jurídico em tela e julgo improcedente o pedido de
nulidade das cláusulas 2ª e 9ª do Instrumento Particular de Transação
subscrito pela ré e pelo Sr. José Mariano Marculino no dia 27.05.2004.
O pleito de pagamento da diferença de R$ 26.633,20 para
R$ 50.000,00 segue o mesmo caminho da improcedência.
Isto porque o segundo instrumento de transação
substituiu o primeiro (de fls. 13/17 do volume apartado) e promoveu
a reclassificação de autor para um patamar de moléstia mais grave,
consequentemente majorando o valor previsto na primeira avença
para a indenização.
Ocorreu uma novação, na forma do art. 360, I, do Código
Civil.
Por conseguinte, a indenização pactuada foi uma só e as
quantias previstas nos dois instrumentos – R$ 19.519,50 e R$ 50.000,00
– não devem ser somadas para se alcançar seu total. A indenização
integral ajustada importou em R$ 50.000,00, montante acertado no
segundo instrumento e que substituiu, pela novação, o primeiro
valor. O total da indenização, então, não era de R$ 69.519,50, e sim
R$ 50.000,00.
Estabelecida essa premissa, tem-se que o Sr. José Mariano
Marculino recebeu da demandada o valor nominal de R$ 46.152,70,
sendo R$ 19.519,50 em 13.08.2002 (fl. 24 do volume apartado), mais
R$ 26.633,20 em 11.06.2004 (fl. 80 dos volumes principais).
Porém, a promovida justificou a contento que atualizou
monetariamente a quantia paga em 13.08.2002 para R$ 23.366,80, o
que resultou na diferença de R$ 26.633,20. Sendo a correção monetária
a recomposição da moeda frente à inflação, correto o proceder da
empresa.
A quantia paga em 13.08.2003, atualizada, e o valor pago
em 11.06.2004, totalizam a indenização de R$ 50.000,00 estabelecida
350
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
no último instrumento de transação, não havendo diferença a saldar.
Das despesas com o funeral
Pedido de análise meritória restrita à autora Kelda Beatriz
de Gusmão Marculino, filha menor de Carlos José Marculino e neta
de José Mariano Marculino.
Neste particular, se discute o direito ao ressarcimento das
despesas suportadas com o sepultamento do obreiro José Mariano
Marculino.
Os documentos de fls. 84/85 revelam que o Sr. Carlos
José Marculino pagou à casa funerária o importe de R$ 710,00,
correspondente a uma coroa de flores e à prestação do serviço do
corpo do seu genitor José Mariano Marculino.
A suplicada comprovou, com o recibo de fl. 58 do volume
apartado, o ressarcimento dessas despesas.
Julgo improcedente o pedido em apreço, por nada mais
haver a ressarcir ou indenizar a título de despesa com o funeral.
Da indenização por danos morais
Os menores impúberes Kelda Beatriz de Gusmão Marculino
e Kaique Douglas dos Santos Marculino reclamam indenização por
danos morais em virtude do sofrimento e morte do avô, José Mariano
Marculino, por pretensa responsabilidade da acionada, dado que o
obreiro foi exposto aos efeitos do amianto durante os anos que prestou
serviços à ré.
A promovida, em resumo, afiança que sempre observou as
normas de saúde e segurança do trabalho, adotando as providências
úteis à eliminação dos riscos à saúde de seus empregados, além de
ter realizado os exames cabíveis à época, não tendo agido com dolo
ou culpa, inexistindo responsabilidade e não sendo verdadeira a
assertiva de que o ex-empregado José Mariano Marculino faleceu
por força exclusiva de mesotelioma, doença que não se enquadraria
como oriunda do trabalho.
Posto isto, não é demais ressaltar que os danos materiais são
aqueles que atingem o patrimônio, um bem de natureza econômica,
enquanto os danos morais violam bens imateriais, da personalidade.
351
SENTENÇAS • Revista TRT 6
Quem quer que, por ação ou omissão voluntária ou culposa, ofenda
tais bens ou direitos, deverá suportar a reparação do dano moral,
na forma do que dispunha o art. 159 do Código Civil de 1916 e
também consoante o Estatuto Civil de 2002, arts. 186, 187 e 927.
Para a configuração do dano, portanto, é imprescindível que estejam
conjugados a ação ou omissão do agente, o prejuízo a um bem
material ou imaterial e a relação de causalidade a uni-los. O dano
normalmente há de ser injusto, sem estar acobertado por excludente da
responsabilidade do agente e da reparabilidade do prejuízo, adotando
o ordenamento jurídico a teoria clássica, assentando-se no conceito
da culpa, salvo as hipóteses previstas em lei para a responsabilidade
objetiva.
Cabe determinar, ainda, que o dano moral há de ser efetivo,
sólido, plausível e consistente, não podendo se restringir a conclusões
exclusivamente subjetivas de alguém com personalidade mais frágil ou
delicada e susceptível a melindres e sensibilidades, sendo necessário
que se materialize à luz da razoabilidade e do senso comum médio
de todos os que vivem em sociedade.
Afinal a interação social é composta pela cooperação,
mas também pela competição e por conflitos, nem todas as pessoas
se agradando mutuamente, existindo agruras e irritações normais
oriundas da relação social que não caracterizam dano moral.
No caso em apreço, o de cujus laborou para a demandada
entre 22.03.1954 e 07.03.1961, um total de 6 anos, 11 meses e 16 dias,
época de vigência do Código de 1916.
A primeira conclusão é de que não há espaço para aplicação
de responsabilidade objetiva, ainda que os efeitos da ação/omissão
viessem a ser produzidos na vigência do Código Civil atual.
Então, para o deslinde da controvérsia se faz necessário
determinar: a) a doença, enquanto dano extrapatrimonial, do exempregado da empresa; b) o nexo de causa da doença do obreiro
para com o trabalho à requerida; c) a culpa da ex-empregadora; d) o
nexo causal entre a morte do trabalhador e a doença supostamente
adquirida no trabalho; e) o dano experimentado pelos autores em
razão do falecimento do avô.
Neste passo, o dano concretizado pelo surgimento da
doença e seu nexo causal para com o trabalho, assim como a culpa da
empresa, estão demonstrados por intermédio dos exames médicos
352
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
e pela transação firmada entre a ré e o de cujus (Relatório de fl. 66
diagnosticando a doença oriunda do contato com o asbesto e sugerindo
o encaminhamento do paciente para o oncologista, o contrato de fls.
70/73 e a ficha médica e os exames de fls. 5 a 13 do volume apartado).
Afinal, se a promovida não houvesse constatado a existência
da moléstia e sua origem na exposição ao amianto não teria celebrado
com o ex-empregado a transação pela qual custeou plano de saúde
vitalício e o indenizou ainda em vida relativamente aos danos à saúde.
Lembre-se que o obreiro foi enquadrado na Classe V do Anexo III do
Instrumento de Transação subscrito, na qual se incluem as neoplasias
pleuro-pulmonares.
O próprio surgimento da enfermidade vinculada ao asbesto
é prova de que a ex-empregadora não adotou os meios suficientes para
eliminação do risco à saúde.
E isto aconteceu não apenas com o demandante, mas
também com inúmeros outros “colaboradores” da acionada, fato
notório até em face do conteúdo dos instrumentos de transação
trazidos à baila, que contemplam cinco classes de prejudicados pela
poeira de amianto, demonstrando que as implicações não aconteceram
com algum trabalhador isoladamente, e sim com um grupo de exempregados, bem ainda diante das causas que se avolumam na Justiça
sobre o tema.
Culpa grave, registre-se, em virtude da nocividade do
agente causador e da gravidade da doença.
Reconhecido o dano, seu nexo causal para com o trabalho
executado em favor da vindicada e a culpa patronal, resta definir se
a morte do Sr. José Mariano Marculino teve como causa a doença
ocupacional.
De acordo com os elementos disponíveis nestes autos,
várias foram as causas da morte apontadas na certidão cuja cópia
repousa à fl. 82: a) insuficiência respiratória; b) septicemia; c) infecção
respiratória; d) mesotelioma pleural direito; e) insuficiência renal; f )
hipertensão arterial; g) diabetes e; h) coronariopatia.
O falecido obreiro ainda fumou por cerca de trinta anos,
fato comprovado pelo documento de fls. 05/06 do volume apartado,
certamente contribuindo para sua morte.
O mesotelioma pleural direito é compatível com o Relatório
353
SENTENÇAS • Revista TRT 6
de fl. 66 e com os resultados dos exames acostados ao volume apartado.
Mas, não há nestes fólios elementos para se vincular
todas as demais doenças do aparelho respiratório do de cujus ao
mesotelioma.
Ainda foram apontadas na certidão de óbito a septicemia, a
insuficiência renal, a hipertensão arterial, o diabetes e a coronariopatia,
que não aparentam vinculação com o trabalho.
Assim, o mesotelioma pleural, doença ocupacional
adquirida pelo operário em virtude da exposição à poeira do amianto,
é definido como concausa da morte do Sr. José Mariano Marculino,
na inteligência do art. 21, I, da Lei n° 8.213/91.
Apesar de não poder ser isoladamente responsabilizada
pelo óbito do ex-empregado, emerge para empresa o dever de
indenizar aqueles que experimentaram dano com a morte do familiar,
na proporção de sua culpa. Dentre os ofendidos se incluem seus netos.
Preleciona Maria Helena Diniz (in Curso de Direito Civil
Brasileiro, 7º V., Saraiva, 2007):
“Como a ação ressarcitória do dano moral funda-se na
lesão a bens jurídicos pessoais do lesado, portanto inerentes
à sua personalidade, em regra, só deveria ser intentada pela
própria vítima, impossibilitando a intransmissibilidade
sucessória e o exercício dessa ação por via subrogatória.
Todavia, há forte tendência doutrinária e jurisprudencial no
sentido de se admitir que pessoas indiretamente atingidas
pelo dano possam reclamar sua reparação.
No caso do dano moral, pontifica Zannoni, os lesados
indiretos seriam aquelas pessoas que poderiam alegar um
interesse vinculado a bens jurídicos extrapatrimoniais
próprios, que se satisfaziam mediante a incolumidade
do bem jurídico moral da vítima direta do fato lesivo.
Ensina-nos De Cupis que os lesados indiretos são aqueles
que têm um interesse moral relacionado com um valor
de afeição que lhes representa o bem jurídico da vítima
do evento danoso. P. ex.: o marido ou os pais poderiam
pleitear indenização por injúrias feitas à mulher ou aos
filhos, visto que estas afetariam também pessoalmente o
354
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
esposo ou os pais, em razão da posição que eles ocupam
dentro da unidade familiar. Haveria um dano próprio
pela violação da honra da esposa ou dos filhos. Ter-se-á
sempre uma presunção juris tantum de dano moral,
em favor dos ascendentes, descendentes, cônjuges ou
conviventes, irmãos, inclusive de criação (RT, 791:248),
em caso de ofensa a pessoas da família. Essas pessoas
não precisariam provar o dano extrapatrimonial,
ressaltando-se a terceiros o direito de elidirem aquela
presunção. Os demais parentes, amantes (sendo impuro
o concubinato), noiva (RT, 790:438), amigos, poderiam
pleitear indenização por dano moral, mas terão maior ônus
de prova, uma vez que deverão provar, convincentemente,
o prejuízo, como consequência direta da perda sofrida, e
demonstrar que se ligavam à vítima por vínculos estreitos
de amizade ou de insuspeita afeição.”
(Sem grifos no original)
Adoto o entendimento de que o dano experimentado pelos
autores prescinde de prova, pois decorre do próprio fato – morte do
familiar, sendo certo que a empresa não apresentou sequer algum
indício em contrário.
A dor não pode ser aquilatada. No entanto, os demandantes
merecem receber uma indenização como meio de compensar ou
minimizar de alguma forma o sentimento de perda com a doença e a
morte do avô, assim como a indenização assume o caráter profilático
para com a empresa, observando-se a sua capacidade financeira.
Para fins de fixação do quantum, tem-se de um lado a
culpa grave da empresa ao expor o trabalhador a tão nocivo agente
insalutífero e não adotar as medidas necessárias à neutralização dos
efeitos do asbesto, assim como a morte de alguém próximo implica
em sofrimento intenso e priva a convivência com o familiar.
Os valores desembolsados pela acionada com a indenização
e o tratamento do de cujus repararam danos diretos ao trabalhador e
não aqueles postulados nesta ação, de modo que não interferem na
quantificação da indenização aos seus netos, embora não se possa
negar a boa-fé da empresa.
355
SENTENÇAS • Revista TRT 6
Do outro vértice, a pretensão da exordial alcançou um
milhão de reais para os dez autores, o que implica em cem mil reais
para cada um, e está arrimada na tese de que o falecimento do Sr.
José Mariano Marculino derivou unicamente da doença do trabalho.
Logo, de acordo com as limitações da causa de pedir e do
pedido (arts. 128 e 460 do CPC), a indenização requerida em favor de
cada demandante é de R$ 100.000,00, levando-se em consideração na
proemial que a doença pulmonar teria sido a causa isolada do óbito.
Todavia, conforme definido alhures, as complicações
oriundas do asbesto, embora graves e relevantes, não foram a única
causa da morte de José Mariano Marculino, o que já deve reduzir a
estimativa da peça vestibular.
Além disto, de regra a perda de um avô, apesar de intensa,
não tem o mesmo impacto na vida de uma criança que a morte de um
genitor. Normalmente uma pessoa convive menos tempo com os avós
e a proximidade não é a mesma em comparação com os pais.
Por fim, há de se considerar o contido no Decreto n°
3.266, de 29.11.1999, da Presidência da República, segundo o qual
um homem brasileiro com 70 anos em 2000 (como o de cujus) possuía
esperança de vida por mais 12,9 anos. O Sr. José Mariano Marculino,
nascido em 29.05.1930, faleceu com 75 anos, quase oito anos antes
da estimativa estatal.
Conjugando todos esses fatores, reputo razoável e adequada
ao panorama retratado nestes autos uma indenização para cada neto
no valor de R$ 51.000,00, equivalente a cem salários mínimos atuais,
no que fica condenada a empresa ré.
Dos honorários sucumbenciais
Quanto aos honorários advocatícios, embora concedida a
gratuidade da Justiça aos promoventes, isto não abarca o pagamento
de honorários advocatícios de sucumbência, mas apenas as demais
despesas processuais, a exemplo de custas e honorários periciais.
Isto porque, no processo laboral, a assistência judiciária
é prestada pelo sindicato profissional e os honorários somente são
pagos em tal hipótese, ainda que os autores sejam pobres na forma
da lei. Como resolveram contratar advogado particular, renunciaram
aos honorários de sucumbência. A assistência sindical não aconteceu
356
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
no caso em tela.
Inexiste, ainda, incompatibilidade entre o disposto na Lei
nº 5.584/70 e o que dispõe o art. 133 da Constituição da República,
sobre o papel do advogado na administração da Justiça, vez que este
artigo apenas reconheceu a importância da função do advogado, da
mesma forma que é essencial a função do Ministério Público, o qual,
contudo, também não tem intervenção obrigatória em todas as lides,
nenhuma novidade trazendo ao sistema jurídico nacional.
Não estão revogadas as disposições da Lei n° 5.584/70 e
nem os artigos 791 e 839 da CLT, relativos ao jus postulandi das partes
na Justiça Laboral.
Indefiro o pedido de honorários advocatícios, em
consonância com o teor das Súmulas 219 e 329 do C. TST.
Rejeito, ainda, o pleito de honorários em favor da
empresa, não apenas em virtude da parcial procedência da ação, mas
principalmente pela falta de previsão legal no processo do trabalho
para pagamento de honorários pelo trabalhador ou seus sucessores.
Da litigância de má-fé
Rejeito o pedido dos demandantes pugnando pelo
reconhecimento da litigância de má-fé da suplicada, por não
vislumbrar conduta da parte ré prevista no art. 17 do CPC, que exerceu
seu direito de defesa, até o momento, sem cometer excesso ou abusos.
Da inexistência de recolhimentos
Não incide à condenação o imposto de renda, uma vez que
a indenização deferida é oriunda de acidente de trabalho. Do mesmo
modo não incidem contribuições previdenciárias, por não ser parcela
incluida no rol legal do salário-de-contribuição.
Dos juros moratórios
Os juros moratórios – remuneração do capital pelo atraso
na quitação da dívida - são devidos à base de 1% ao mês, conforme
o art. 883 da CLT e art. 39, § 1o., da Lei n° 8.177/91 e até o efetivo
pagamento do débito, devendo ser cumprido o Enunciado 04 do E.
TRT da 6a. Região, in verbis:
357
SENTENÇAS • Revista TRT 6
“J U R O S D E M O R A - D E P Ó S I TO E M G A R A N T I A
DO JUÍZO - EXEGESE DO ARTIGO 39, § 1º, DA
LEI 8.177/91 - RESPONSABILIDADE DA PAR TE
EXECUTADA - Independentemente da existência de
depósito em conta, à ordem do Juízo, para efeito de
garantia, de modo a possibilitar o ingresso de embargos
à execução e a praticar atos processuais subseqüentes,
os juros de mora - que são de responsabilidade da parte
executada - devem ser calculados até a data da efetiva
disponibilidade do crédito ao exeqüente. Sala de Sessões
do Pleno, 17 de maio de 2001 (quinta-feira). ANA MARIA
SCHULER GOMES - Juíza Presidente do TRT da 6ª
Região.”
Da correção monetária
No tocante à correção monetária, devem ser utilizados os
índices fornecidos pela Corregedoria do E. TRT da 6a. Região, a partir
da data de prolação desta sentença, pois o quantum indenizatório
leva em conta o valor que representa na presente data. Não é viável
considerar a data do trânsito em julgado do decisum, posto que
eventuais recursos poderiam fazer que um grande hiato temporal
ficasse sem a recomposição da moeda.
III – DISPOSITIVO
Frente a todo o exposto, e considerando o mais que dos
autos consta, DECIDO:
1. Julgar a causa no estado em que se encontra e com os
elementos de convicção já disponíveis nos autos;
2. Conceder a gratuidade da Justiça aos demandantes, na
forma do art. 790, § 3o, da CLT;
3. Dar por prejudicada a arguição de incompetência absoluta
neste grau de jurisdição;
4. Excluir da lide as demandantes Dalvany de Gusmão
Marculino e Rita de Fátima dos Santos Marculino, na forma do art.
267, VI, do CPC, as quais continuarão no feito apenas na qualidade
de representantes legais de seus filhos incapazes;
358
Revista TRT 6 • SENTENÇAS
5. Decretar a extinção do pedido de item “b-4” (despesas
com a casa funerária) da petição inicial sem resolução do mérito, na
forma do art. 267, VI, do CPC, quanto aos autores MARIA RITA
MARCULINO RESENDE GONZAGA, SEVERINA MARIA
MARCULINO, DALVANY DE GUSMÃO MARCULINO, SÔNIA
MARIA MARCULINO, JANDIRA MARGARIDA MARCULINO
DE CERQUEIRA, MARIA ALDENIR MARCULINO FRATELES,
R I TA D E FÁT I MA D O S S A N TO S MA R C U L I N O e K A I Q U E
DOUGLAS DOS SANTOS MARCULINO;
6. Rejeitar a preliminar de ilegitimidade com relação aos
demais pedidos e autores;
7. Indeferir as demais questões preliminares suscitadas pelas
partes;
8. Pronunciar a prescrição e decretar a extinção do processo
com resolução do mérito no tocante aos pedidos de nulidade
das cláusulas do Instrumento Particular de Transação firmado
em 12.07.2003 entre o de cujus e a empresa ré e da diferença da
indenização prevista nesse mesmo instrumento, nos termos do art.
269, IV, do CPC;
9. Pronunciar a prescrição e decretar a extinção dos pedidos
dos itens “b-1” e “b-2” da petição inicial com resolução do mérito, na
forma do art. 269, IV, do CPC, salvo quanto aos autores Kelda Beatriz
de Gusmão Marculino e Kaique Douglas dos Santos Marculino;
10. Pronunciar a prescrição e decretar a extinção, com
resolução do mérito, do pedido do item “b-4” (despesas com o funeral)
somente quanto ao autor Brayner de Gusmão Marculino, de acordo
com o art. 269, IV, do CPC;
11. Pronunciar a prescrição e decretar a extinção do pedido
do item “b-3” (indenização por danos morais) da petição inicial com
resolução do mérito, nos moldes do art. 269, IV, do CPC, relativamente
a todos os postulantes, exceto os autores Kelda Beatriz de Gusmão
Marculino e Kaique Douglas dos Santos Marculino;
12. Indeferir a incidência da prescrição quanto ao mais;
13. Julgar parcialmente procedente a postulação remanescente
de Kelda Beatriz de Gusmão Marculino e Kaique Douglas dos Santos
Marculino em face da SAINT-GOBAIN DO BRASIL PRODUTOS
INDUSTRIAIS E PARA CONSTRUÇÃO LTDA., para condenar esta
359
SENTENÇAS • Revista TRT 6
a pagar a indenização por danos morais de R$ 51.000,00 (cinquenta
e um mil reais) para cada um dos autores, com incidência de juros e
correção monetária.
Tudo consoante a Fundamentação supra, que passa a
integrar este dispositivo como se nele estivesse transcrita.
Custas processuais pela demandada, sucumbente no
objeto da ação em seu conjunto, na melhor interpretação do art.
789 da CLT, no montante de R$ 2.040,00 (dois mil e quarenta reais),
calculadas sobre R$ 102.000,00 (cento e dois mil reais), valor arbitrado
à condenação, para fins de direito.
P. R. I.
CUMPRA-SE.
Recife (PE), 22 de janeiro de 2010.
GUSTAVO AUGUSTO PIRES DE OLIVEIRA
Juiz do Trabalho
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Revista - Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região