Oftalmologia - Vol. 36: pp.325-328
Comunicações Curtas e Casos Clínicos
Síndrome de Stuve-Wiedemann: Casos Clínicos
Ana Martinho Silva1, Ana Maria Silva Carvalho2, J. Maia Seco2,
F. Bívar2, Arabela Coelho2, A. Castanheira-Dinis3
Médico Interno de Oftalmologia – Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto
Assistente Hospitalar Graduado de Oftalmologia – Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto
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Professor Doutor Director do Serviço de Oftamologia – Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto
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RESUMO
Introdução: A Síndrome de Stuve-Wiedemann é uma doença rara, autossómica recessiva, associada à mutação 5p13.1, descrita em 1971. Caracteriza-se por uma deformação óssea progressiva, estatura pequena, por ossos longos arqueados, flexão permanente dos dedos das mãos e pés, escoliose
progressiva e sintomas de disautonomia, tais como: instabilidade de temperatura corporal e ausência
de reflexo corneano, associados a escoliose progressiva. A ausência de reflexo corneano promove o
desenvolvimento de queratite neuropática e úlceras de córnea. Existe uma elevada taxa de mortalidade, não estando descrito na literatura crianças que tenham sobrevivido após os 16 anos de idade.
Material e Métodos: Apresentação de dois casos clínicos.
Discussão: Caso clínico 1 - Doente do sexo feminino, 17 anos de idade. Nos primeiros dias de
vida apresentou Síndrome de Dificuldade Respiratória, com necessidade de ventilação mecânica.
Apresentava leucoma central da córnea do olho direito (OD) e leucoma periférico neovascularizado do olho esquerdo (OE). Foi enviada para a consulta de genética, onde é feito o diagnóstico
de Síndrome Stuve-Wiedemann – Displasia metafisária. Caso clínico 2 - Doente do sexo masculino, de 3 anos de idade, irmão da doente anteriormente descrita, com síndrome polimalformativa e períodos de hiperpirexia, em relação provável com S. Stuve-Wiedemann. Múltiplos
episódos de engasgamento e bronqueolites. Queratoconjuntivites de repetição e leucoma inferior, bilateralmente. Discute-se a evolução do quadro clínico e a capacidade de intervenção bem
sucedida sobre a córnea ser limitada, por ausência de reflexo corneano.
Palavras-chave
Reflexo corneano, queratite neuropática, leucoma.
ABSTRACT
Stuve-Wiedemann Syndrome: Case Reports
Introduction: Stuve Wiedemann Syndrome (SWS) is a rare autosomal recessively inherited
syndrome, caused by a mutation in 5p13.1 and was described in 1971. It is characterized by short
stature, progressive bowing of the long bones of the arms and legs, fingers or toes that are that
are permanently flexed with ulnar deviation. Patients develop progressive scoliosis and dysautonomia symptoms, including temperature instability and absent corneal reflex. Lack of corneal reflex predisposes to neuropathic keratitis and corneal ulcers. SWS is usually associated with high
mortality rates. In the literature there are no cases describing survivals older than 16 years of age.
Material and Methods: Review of two clinical cases.
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Ana Martinho Silva, Ana Maria Silva Carvalho, J. Maia Seco, F. Bívar, Arabela Coelho, A. Castanheira-Dinis
Discussion: Case report 1 - Female patient, 17 years old. In the first days after birth, the patient
developed respiratory distress with need of mechanical ventilation. The right eye showed central
corneal leucoma and a neovascularized marginal leucoma in the left eye. The patient went to a
geneticist, who diagnosed the SWS. Case report 2 - Male patient, 3 years old, brother of the
previous patient, with skeletal disorder and hyperthermic episodes, likely related with the SWS.
Feeding and swallowing difficulties. This patient had multiple keratoconjuntivitis and inferior
leucoma in both eyes. This article discusses the evolution of these clinical cases and the limitations for a well succeeded corneal intervention due to the lack of corneal reflex.
Key-words
Corneal reflex, neuropathic keratitis, leucoma.
INTRODUÇÃO
O Síndrome de Stuve-Wiedemann (STW) é uma doença rara, autossómica recessiva, associada à mutação 5p13.1
(LIFR – leukemia inhibitory factor receptor), descrita em
1971. O LIFR é uma citoquina polifuncional que afecta
a diferenciação, a sobrevivência e a proliferação de uma
grande variedade de células no adulto e no embrião. Caracteriza-se por uma deformação óssea progressiva, estatura
pequena, por ossos longos arqueados (campomelia), pela
flexão permanente dos dedos das mãos e pés (campodactlia)
com desvio ulnar, fracturas esponâneas, escoliose progressiva, e sintomas de disautonomia, tais como: instabilidade
da temperatura corporal, ausência de reflexo corneano e reflexo rotuliano, língua sem papilas fungiformes. A ausência
de reflexo corneano promove o desenvolvimento de queratite neuropática e úlceras de córnea.
A dismorfia facial é normalmente evidente com blefarofimose, face achatada e micrognatia.
A dificuldade na deglutição, a patologia respiratória
grave, episódios de hipertermia recorrente podem causar a
morte nos primeiros meses de vida. Existe uma elevada taxa
de mortalidade, não estando descrito na literatura crianças
que tenham sobrevivido após os 16 anos de idade.
Alguns autores defendem que o STW e o Síndrome de
Schwartz-Jampel tipo II são a mesma entidade.
necessidade de ventilação mecânica. EEG traçado normal.
TAC-CE dilatação do espaço subaracnoideu.
Aos três anos de idade apresentava leucoma central da
córnea do olho direito (OD) e leucoma periférico neovascularizado do olho esquerdo (OE). Foi enviada para a consulta de genética, onde foi feito o diagnóstico de Síndrome
Stuve-Wiedemann – Displasia metafisária. Até aos dias de
hoje teve múltiplos internamentos e deterioração da componente esquelética.
AF irrelevantes.
Exame objectivo
Deterioração da componente esquelética: doente dependente de cadeiras de rodas, com grandes dificuldades na locomoção, aos 17 anos de idade (Fig.1). Flexão permanente
dos dedos das mãos e pés (Fig.2).
MAV sc OD 0.05, OE 0.020.
Segmento anterior ODE (Fig. 3 e 4): Leucoma inferior
ODE, que atinge a área central, sobretudo o OE, com elevação de tecido e neovasos; câmara anterior formada.
Fundoscopia ODE difícil de visualizar.
CASO CLÍNICO 2
CASO CLÍNICO 1
T.S.M.S., 17 anos, sexo feminino, pais de etnia cigana, saudáveis e consaguíneos. Malformações congénitas:
artrogripose e dismorfia facial. Nos primeiros dias de vida
apresentou Síndrome de Dificuldade Respiratória, com
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R.S.M.S., sexo masculino, 3 anos, irmão da doente
anteriormente descrita, com síndrome polimalforma-tiva
e períodos de hiperpirexia, em relação provável com S.
Stuve-Wiedermann. Múltiplos episódios de engasgamento e bronqueolites. História de queratoconjuntivites de
repetição.
Síndrome de Stuve-Wiedemann: Casos Clínicos
Fig. 3 | Leucoma no 1/3 inferior OD.
Fig. 1 | Flexão permanente dos membros superiores e inferiores.
Fig. 4 | Leucoma no 1/3 inferior da córnea neovascularizada OE.
Fig. 2 | Flexão permanente dos dedos das mãos.
Exame objectivo
AV doente não colaborante. Movimenta-se facilmente
desviando-se dos objectos.
Segmento anterior ODE (Fig. 5 e 6): Mácula na região
central inferior da córnea ODE, mais acentuado OE.
Fig. 5 | Mácula na córnea OD.
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Ana Martinho Silva, Ana Maria Silva Carvalho, J. Maia Seco, F. Bívar, Arabela Coelho, A. Castanheira-Dinis
que esta patologia é recorrente, o que inviabilizaria o transplante de córnea.
BIBLIOGRAFIA
Fig. 6 | Mácula na córnea OE.
DISCUSSÃO
Estamos perante dois casos raros de sobrevivência de
doentes com S. Stuve-Wiedemann.
O tratamento instituído: lubrificantes oculares, retinol.
Não tem indicação para queratoplastia penetrante, dado
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| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
1. Bonthuis D, Morava E, Booij L, Stuve Wiedemann synfrome and related syndromes: case report and possible
anesthetic complications. Paediatric Anaesthesia, Volume 19, Number 3, March 2009, pp 212-217.
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3. Di Rocco M, Stella G, Bruno C, Long term survival in
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4. Centre for Arab Genomic Studies, A division of Sheikh
Hamdan Award for Medical Sciences, The Catalogue
for Transmission Genetics in Arabs- Database.
Os autores não têm conflitos de interesse a declarar
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