ELEIÇÃO PARA O SUPREMO Antônio Álvares da Silva Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG e autor do livro Eleição de Juízes pelo Voto Popular, editora LTr. O Supremo Tribunal trocou de presidentes. Gilmar Mendes entrega o comando a Cezar Peluzo. Enquanto presidentes se revezam, uma discussão tarda no Congresso e na sociedade e uma pergunta fica sem resposta: por que os ministros do Supremo e dos tribunais superiores não são eleitos? Se todo poder emana do povo, por que excluir os ministros de tribunais superiores, que são titulares de um Poder da República, tão importante como os demais? Alega-se que a eleição levaria para o Judiciário nomes indesejáveis. E citam os críticos da eleição um rol de políticos que, estando hoje no Congresso, poderiam estar amanhã no Supremo. O argumento é falho e desconhece o mecanismo da escolha. Na época das eleições para Presidente da República, cada partido apresentaria o rol de seus candidatos a ministros de tribunais superiores, comprometendo-se a indicá-los acaso vitorioso nas urnas. Para que o candidato fosse aceito, a lei exigiria que, além do notável saber jurídico e ilibada reputação, outras se somariam: prática da profissão jurídica por 10 anos, mestrado, doutorado, publicação de obras, docência em universidades, mediante aprovação em concurso, etc. Bastam estas exigências para provar que a eleição não seria uma porta aberta aos políticos incapazes, inoperantes e desonestos, nem para leigos e aventureiros. O candidato não receberia pessoalmente de ninguém contribuições para a campanha. Isto ficaria a cargo do partido. A ocupação do cargo seria temporária. Os tribunais superiores são órgãos jurídico-políticos. Toda questão jurídica é política e vice-versa. É preciso renovação, porque tudo se transforma no tempo. Não tem sentido um ministro ocupar o cargo por vinte ou trinta anos. Os Poderes precisam de gente nova, para fazer frente aos novos tempos. Terminado o mandato, o ministro voltaria ao que era, antes das eleições. Os candidatos deveriam ser juristas e não apenas juízes. A magistratura não detém o monopólio do conhecimento do Direito. Os professores universitários, os advogados, os procuradores também deveriam concorrer, para garantir-se abertura e diversidade. Eles também deveriam fazer parte dos tribunais superiores. A eleição garantiria a independência do Judiciário, que hoje é apenas um subpoder. De fato, como pode ser Poder independente aquele cujos membros são escolhidos por outro? Acaso os juízes escolhem ministros do Executivo ou um terço dos deputados e senadores? Se a eleição é boa para os outros poderes, por que não seria também para a magistratura? Se o concurso público fosse a solução de tudo, não estaríamos vivendo os problemas que hoje a magistratura enfrenta. É verdade que a corrupção se estende a uma minoria, mas é um fato. Serão punidos os corruptos? Se houvesse eleição, seriam automaticamente excluídos. Além do mais, se cremos na força miraculosa dos concursos, por que não o introduzir também como meio de escolha de deputados, senadores e de presidentes da república? Ninguém aceitaria esta solução, porque o povo seria excluído da escolha. Por que então afastá-lo da escolha de seus juízes, que são representantes de um Poder tal como o presidente da república no Executivo, e os parlamentares, no Legislativo? Todos sabem que a escolha de ministros se guia por critérios partidários e de amizade com o meio político, principalmente com o chefe do Executivo. Títulos e cultura ficam em segundo plano. Então, não é melhor submeter a escolha ao voto popular, em vez de limitá-la a injunções políticas, decididas em ante-salas de políticos ou no Palácio do Planalto? O mais estranho de tudo isto é que muitos recusam a eleição, mas concordam que os ministros sejam escolhidos por quem é eleito. A eleição não serve para os juízes, mas serve para quem vai escolhê-los. Todos sabem que o Judiciário é um poder sem a magnitude do Executivo e do Legislativo. De ambos, depende para tudo. Os valores orçamentárias não lhe são repassados. Para aumentar salários ou enfrentar gastos de qualquer espécie, tem que buscar favores nos outros Poderes, não só para votar a verba, como também para liberá-la. Se fossem eleitos, teriam legitimidade para exigir, não para pedir, porque seriam representantes do povo, na mesma condição dos agentes de outros poderes. No júri popular, entregamos ao povo o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, ou seja, a mais grave lesão que se pode cometer numa sociedade organizada, porque está em jogo a vida humana. Se entregamos ao povo um julgamento tão importante na condição de juízes, não podem eles escolher seus próprios juízes? O problema da eleição de juízes está na forma da eleição e não na eleição em si mesma. Percebendo-se esta diferença, tudo muda. O Judiciário é um Poder e não existe Poder que não emane do povo. Está na hora de acabar com esta hipocrisia social.