INICIAÇÃO CIENTÍFICA PARA DEFICIENTE AUDITIVO: UM
RELATO DE EXPERIÊNCIA DE TRABALHO REALIZADO EM
COLÉGIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Adriana Oliveira Bernardes
UENF (Universidade do Estado do Norte Fluminense), [email protected]
RESUMO
A chegada de indivíduos com necessidades especiais na escola, demanda uma nova postura do
professor, de modo a atende-los em suas especificidades. Sabemos da importância de além de
estarem na escola, receberem um ensino de qualidade, que realmente faça diferença para o
mesmo e que atenda-o enquanto individuo pertencente a sociedade e com direitos a se
desenvolver plenamente. Nesse sentido é válido que o mesmo tenha oportunidades de visualizar
patamares, que poderão no futuro auxiliá-lo em sentido geral. Pensando nesses fatores,
realizamos um trabalho de iniciação científica de Ensino Médio com aluno com deficiência
auditiva, desenvolvendo junto ao mesmo o tema Astrofotografia. A Astrofotografia é uma área ,
na qual, conhecimentos de Óptica, que fazem parte da disciplina Física, são necessários e no 3o
ano do Ensino Médio permite uma contextualização da matéria, desejável num contexto
inclusivo. O trabalho foi realizado em colégio público estadual de Nova Friburgo, estado do Rio
de Janeiro. Neste artigo discutimos o trabalho em si e a visão da intérprete que acompanhou o
trabalho, sobre as dificuldades encontradas por um aluno surdo na escola, as dificuldades para
desenvolver o projeto e o desenvolvimento do aluno a partir da participação no mesmo.
Palavras-Chave: Ensino Inclusivo, Ensino de Física, Deficiência auditiva, Iniciação
Científica no Ensino Médio.
INTRODUÇÃO:
Alguns autores, ressaltam a importância de uma política que não só propicie a
permanência do aluno na escola, mas que também permita um ensino de qualidade a
toda diversidade de alunos que compõe a escola.
A política de inclusão dos alunos na rede regular de ensino que
apresentam necessidades educacionais especiais, não consiste
somente na permanência física desses alunos, mas o propósito
de rever concepções e paradigmas, respeitando e valorizando a
diversidade desses alunos, exigindo assim que a escola defina a
responsabilidade criando espaço inclusivos. Dessa forma, a
inclusão significa que não é o aluno que se molda ou se adapta à
escola, mas a escola consciente de sua função, coloca-se a
disposição do aluno.
SCHNEIDER (2003)
A questão é reforçada pela autora abaixo, que afirma que:
O princípio democrático da educação para todos só se evidencia
nos sistemas educacionais que se especializam em todos os
alunos, não apenas em alguns deles, os alunos com deficiência.
A inclusão, como consequência de um ensino de qualidade para
todos os alunos provoca e exige da escola brasileira novos
posicionamentos e é um motivo a mais para que o ensino se
modernize e para que os professores aperfeiçoem as suas
práticas. É uma inovação que implica num esforço de
atualização e reestruturação das condições atuais da maioria de
nossas escolas de nível básico.
MANTOAN (2002)
O Ensino de Óptica no Ensino Médio e a Astronomia
Uma forma de motivar o ensino da Física, especificamente da Óptica no Ensino
Médio é através do entendimento de como são obtidas astrofotografias. Esta ciência,
trata das fotografias de planetas, luas, galáxias, entre outros corpos celestes e para
entender como se dá todo o processo de obtenção das mesmas, conhecimentos de Óptica
são necessários.
A Física quando vinculada a questões do cotidiano pode se tornar prazerosa e
instigante, uma vez contextualizada, pode fazer com que os alunos se interessem mais e
mais e com que haja um retorno melhor, em relação a aprendizagem dos alunos.
A Astrofotografia, de maneira geral, a partir de sua divulgação pode trazer grandes
benefícios ao ensino de Física e também a divulgação da Astronomia.
Em BERNARDES (2012) é afirmado que: ”Experiências de divulgação de
Astronomia podem colaborar positivamente para a motivação do aprendizado do
aluno”.
Em relação ao tema também podemos considerar que:
“A astronomia envolve uma combinação de ciência, tecnologia e
cultura e é uma poderosa ferramenta para despertar o interesse
em Física, Química, Biologia e matemática, inspirando os
jovens a carreiras científicas e tecnológicas. Mais do que isso
mostra ao cidadão de onde viemos, onde estamos e para onde
vamos.”
DAMINELLI (2009, p.105)
No currículo mínimo estadual de Física, as habilidades e competências relacionadas ao
aprendizado da luz e suas propriedades, constam no 3o ano do Ensino Médio:
Reconhecer, utilizar, interpretar e propor modelos explicativos para fenômenos naturais
ou sistemas tecnológicos.
Reconhecer o olho humano como um receptor de ondas eletromagnéticas.
Compreender os fenômenos relacionados à luz como fenômenos ondulatórios.
Identificar a cor como uma característica das ondas luminosas.
Compreender fenômenos naturais ou sistemas tecnológicos, identificando e
relacionando as grandezas envolvidas.
Diferenciar a natureza das ondas presentes em nosso cotidiano.
Conhecer as características do espectro eletromagnético, reconhecendo as diferenças
entre os tipos de ondas eletromagnéticas a partir de sua frequência.
Compreender as propriedades das ondas e como elas explicam fenômenos presentes em
nosso cotidiano.
Compreender a importância dos fenômenos ondulatórios na vida moderna sobre vários
aspectos, entre eles sua importância para a exploração espacial e na comunicação.
Tabela 1 – Habilidades e Competências do CM relacionadas à Óptica.
Os objetivos do trabalho a ser desenvolvido pelo aluno na escola, através da iniciação
científica era:
Objetivos Gerais:
 Discutir conceitos físicos de Óptica como: teorias sobre a luz, propriedades da
luz, câmara escura e formação de imagens.
 Divulgar Astronomia na escola através das fotografias obtidas e também os
trabalhos de Astrofotografia no Brasil.
Objetivos Específicos:
 Divulgação de astrofotografias: da lua, planetas e constelações no Ensino Médio
 Promover a discussão científica através da exposição das fotos obtidas.
METODOLOGIA:
No ano de 2013, contávamos com um número de seis alunos com deficiência
auditiva na escola no Ensino Médio, cinco no primeiro ano e um no terceiro.
A experiência foi realizada com o aluno do terceiro ano, que apresentava características
peculiares: se comunicava através de língua de sinais e também por linguagem falada, e
era um aluno considerado pelos professores e intérpretes como talentoso, dentro é claro
das limitações que são impostas a pessoa com deficiência auditiva e as que lhes são
impostas pelo ambiente excludente em que vivem.
Uma dessas dificuldades foi exposta pelas intérprete: falta de interesse dos professores
das disciplinas e pouco diálogo para elaboração de um trabalho em parceria com o
mesmo, para um melhor resultado, no qual o aluno fosse prioritário para aprendizagem.
O TEMA DO TRABALHO DESENVOLVIDO
O tema era astrofotografia e a ideia era trabalhar conceitos de Óptica, que é a
parte da Física que estuda a luz, já que tais conceitos são importantes para
Astrofotografia.
Os conceitos trabalhados foram os seguintes:
Natureza da luz, Princípio da propriedade Retilínea da Luz, Reflexão, Refração,
Difração, Polarização, imagem na câmera, tipos de câmeras.
O trabalho foi iniciado da seguinte forma: inicialmente a professora de Física com a
ajuda da interprete passou para o aluno todas as etapas do trabalho compostas:

Pesquisa bibliográfica sobre o tema a ser desenvolvido que era especificamente
da área de Astronomia, no caso, da Astrofotografia;

Elaboração de apresentação de slides para que o conhecimento pudesse ser
apresentado a comunidade escolar, assim como em congressos, eventos
científicos de maneira geral;

Elaboração de experimentos que envolviam o entendimento de fenômenos
relacionados a luz, já que o tema Astrofotografia demandava conhecimentos de
Óptica, parte da Física que estuda a luz;

Apresentação de experimentos a comunidade escolar, bem como em eventos
científicos.
Em encontros semanais entre professor, aluno e intérprete, era trabalhado:
o
entendimento de fenômenos, os quais, o aluno precisava compreender, realizada
discussão de como seriam construídos os experimentos e seria feitas as apresentações.
Nesses momentos de diálogo, verificamos que inúmeras dificuldades deveriam ser
vencidas: a língua de sinais não expressava todas as palavras comuns a Astronomia,
então era necessário cria-las, o tempo para desenvolvimento das atividades era escasso e
não havia incentivo a nenhuma das partes envolvidas para que o trabalho fosse
realizado.
A própria palavra Astrofotografia não tinha sinal e foi combinado que para
expressá-la o aluno deveria fazer o símbolo de fotografia e apontar para o céu.
Esse procedimento era importante, já que em suas apresentações esta palavra deveria ser
sinalizada várias vezes.
Inicialmente foram pesquisados o que é luz e quais eram suas propriedades,
temas como câmera escura e formação de imagens em máquinas fotográficas.
A partir dai, o aluno foi incentivado a pesquisar o que era Astrofotografia e sua
evolução desde as primeiras fotos aos dias atuais e a participar da feira de ciências
escolar, onde teve oportunidade de discutir e apresentar seu trabalho.
Como acreditávamos que experimentos trariam um bom entendimento dos alunos,
foram elaborados:
 Experimento para verificação da propagação retilínea da luz;
 Experimentos para verificação de algumas propriedades da luz como:
reflexão, refração e difração;
 Uma câmara escura para o entendimento da formação das imagens na
máquina fotográfica.
Nesta primeira etapa, o trabalho começou a ser apresentado não só na escola, mas
também em alguns colégios da região, favorecendo o contato entre estudantes do Ensino
Médio e Ensino Fundamental com a pesquisa realizada, além do conhecimento do
projeto por professores de Ciências, Geografia e Física, colaborando para estimular
outras escolas a troca e divulgação de temas científicos.
Na segunda etapa do trabalho, o aluno iniciou a pesquisa sobre a diferença entre
máquinas fotográficas analógicas e digitais, entendendo as diferenças entre o
funcionamento das mesmas.
RESULTADOS:
A divulgação de astrofotografias gerou a discussão de vários conceitos de
Óptica, pois ficou clara a necessidade de uma maior exposição a luz para obtenção de
tais fotos, entre outras questões importantes.
A apresentação dos experimentos sobre Óptica em forma de oficinas em feira de
ciências escolar, trouxe o aprendizado aos alunos que participaram de forma lúdica,
discutindo os temas supramencionados de Óptica, Astronomia e Astrofotografia.
Questões colocadas para intérprete que trabalhou junto ao projeto:
1) Como intérprete, quais os benefícios que você observou no desenvolvimento do
aluno, devido a participação no trabalho?
2) Como você trabalhou com ele a apresentação?
3) Quais foram os problemas encontrados?
4) O que tiveram que fazer para driblar os problemas?
5) Como sentiu a motivação do mesmo para aprender a disciplina?
6) Quais foram os aspectos mais importantes que você presenciou?
Em relação a questão 1, a intérprete responde: Infelizmente, em geral o aluno surdo
normalmente tem pouca visão prática do mundo, aqui em nossa região. Principalmente em
relação ao mundo da educação superior. Ao se envolver no projeto, vi no aluno, não só a
expansão de seus horizontes, mas também, motivação pessoal ao se empenhar por uma melhor
formação.
Em relação a questão 2, a intérprete responde: Depois da orientadora do trabalho passar as
instruções e a matéria para o aluno, incentivei o mesmo a procurar outras fontes e meios de
entender melhor, como fotos, vídeos relacionados, após treinamos a apresentação juntos.
Em relação a questão 3, a intérprete responde: Sempre surgem problemas! O principal deles era
o tempo necessário para me dedicar ao aluno.
Em relação a questão 4, a intérprete responde: Foi preciso paciência e boa vontade para
resolver esse problema. Também o aluno aprendeu a ser mais independente do intérprete apesar
da barreira linguística. Na maioria das vezes, dentro do horário da escola, voltávamos nossa
atenção para o projeto. Intérpretes de outros turmas também auxiliaram!
Em relação a questão 5, a intérprete responde: O projeto motivou-o de modo impar. A disciplina
se tornou para ele de fácil entendimento. O interesse em pesquisas e detalhes, o motivou a
procurar mais, a perguntar mais. Ele se mostrou muito mais disposto a aprender e recebeu ajuda
neste sentido.
Em relação a questão 6, a intérprete responde: Posso dizer que o mais importante de
tudo foi a superação. Apesar de momentos de desânimo, a garra do aluno e o empenho da
orientadora resultou num trabalho maravilhoso! E a superação e a satisfação estampados no
nosso aluno foi refletida no trabalho, foi gratificante.
ANÁLISE DO DEPOIMENTO DA INTÉRPRETE
Podemos observar no depoimento da intérprete a preocupação com a situação do aluno
com deficiência auditiva na escola, isso pode ser denotado quando a mesma relata a dificuldade
em relação a um trabalho conjunto com o professor, que possibilite um melhor aprendizado ao
aluno.
A mesma aborda outras dificuldades como tempo escasso e a impossibilidade de se
dedicar a ao aluno neste projeto, já que sua função é simplesmente estar em sala de aula,
realizando a interpretação dos professores.
Podemos observar que a mesma vê o trabalho de forma positiva, relatando que o mesmo
auxiliou o aluno em termos de se tornar mais autônomo em relação a seu aprendizado e também
exalta a motivação do aluno para estudar Física e até mesmo pensar em ir adiante nos estudos
após a realização do trabalho.
A mesma vê o trabalho como uma possibilidade de superação para o aluno de suas
dificuldades e incentivo a seu desenvolvimento.
PARTICIPAÇÃO EM EVENTOS CIENTÍFICOS
O trabalho realizado foi apresentado pelo aluno em feiras de ciências internas e
externas, eventos ligados as universidades, congressos e na Semana Nacional de Ciência e
Tecnologia.
O mesmo participou de feira de ciências municipal, onde obteve o 2o lugar na categoria
ciências exatas, tendo o mesmo competido com alunos ditos “normais”.
Participou de evento promovido pelo Consórcio CEDERJ no pólo de Nova Friburgo, tendo
apresentado o trabalho em pôster.
No III SNEA (Simpósio Nacional de Ensino de Astronomia), no qual pode apresentar
seu trabalho na categoria pôster e na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia.
Em todos os eventos o aluno interagiu fortemente com professores de todos os níveis de ensino,
alunos de graduação e ensino médio, bem como pessoas do público em geral.
CONCLUSÃO:
O trabalho mostra inicialmente a possibilidade de oferecer a um aluno com
necessidade especial a oportunidade para realização de iniciação científica, ainda no
Ensino Médio, dentro de escola pública, o que normalmente nem os alunos ditos
“normais” tem acesso.
O trabalho realizado também mostra a importância da articulação entre professor
da disciplina e intérprete para
um maior aproveitamento do aluno, que poderá
transcender os limites impostos pela sala de aula, podendo o mesmo a partir daí,
desenvolver-se de forma plena, recebendo uma educação de qualidade e que ao mesmo
tempo, leve-o a se perceber como cidadão que goza de pleno direito a educação e
desenvolvimento provindo de sua estada na escola.
Acreditamos que o aluno, vivenciou uma situação na qual as diretrizes da
UNESCO para a educação no século XX, no qual aprendeu a aprender e a fazer, era
nosso objetivo incentivá-lo e torna-lo mais autônomo, de modo geral.
O aprender a ser também foi trabalhado, no sentido em que almejávamos que o
mesmo vivenciasse a experiência de sentir que suas limitações, não eram empecilho
para seu desenvolvimento pleno. E o aprender a viver com os outros, enfrentar aqueles
que dizem que não é possível e mostrar o contrário
REFERÊNCIAS:
BERNARDES, A.O. Discutindo a questão da deficiência.
http://www.educacaopublica.rj.gov.br/suavoz/0150.html
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Brasília, MEC, 1996.
DELORS. Jacques (coord.). Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a
Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. São Paulo:
Cortez; Brasília: MEC/Unesco, 1980. cap. 4, p. 89-102.
MANTOAN, M. T. E. Ensinando à turma toda as diferenças na escola. Pátio revista
pedagógica, ano V, n. 20, fev./abr. 2002, p. 18-23.
MANTOAN, M. T. E. Caminhos pedagógicos da inclusão. 2002. Disponível em
http://www.educacaoonline.pro.br. Acesso em: 20 nov. 2008.
DAMINELI, A. Fascínio do Universo. Odysseus Editora Ltda. 2010. 111 páginas.
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iniciação científica para deficiente auditivo