CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. LUIZ ANTÔNIO MONTEIRO LINDENBERG: MEMÓRIAS DA ELEIÇÃO MUNICIPAL DE 1922 Adilson Silva Santos Resumo O objetivo dessa comunicação é apresentar a eleição de 1922 para prefeito de Cachoeiro de Itapemirim e os seus desdobramentos para a carreira política de Luiz Antônio Monteiro Lindenberg. Candidato à reeleição, Luiz Lindenberg teve sua candidatura substituída às vésperas da eleição e isso teve um impacto importante em sua trajetória: o abandono da carreira política e o retorno ao exercício de sua profissão, a medicina. O que o teria levado a tomar essa decisão é analisado a partir da análise qualitativa do Cachoeirano, O Município e do Diário da Manhã, importantes periódicos da época, bem como das Atas da Câmara Municipal de Cachoeiro de Itapemirim. A escolha por esse tipo de pesquisa justifica-se porque ela permite que se desenvolvam investigações científicas em situações complexas onde somente as informações estatísticas relacionadas ao passado não são suficientes para coleta de dados. Trata-se, portanto, de uma pesquisa documental e à luz da Nova História Política. Luiz Antônio Monteiro Lindenberg nasceu na fazenda Monte Líbano, era filho de Carlos Adolfo Lindenberg e Bárbara Monteiro Lindenberg, filha do capitão Francisco de Souza Monteiro. Graduou-se médico e, tempos depois, entrou para a carreira política por incentivo de seu tio, Bernardino de Souza Monteiro, e José Gomes Pinheiro Jr. e já em sua primeira eleição foi eleito para o cargo de prefeito da cidade de Cachoeiro de Itapemirim, a mais importante do sul do Espírito Santo. Na eleição de 1922 para o mesmo cargo foi preterido embora já tivesse sido lançado como candidato pelo Partido Republicano EspíritoSantense. Dos fatos que evolvem essa eleição municipal conclui-se que a substituição da candidatura de Luiz Lindenberg próximo ao pleito municipal pela de Augusto Emílio Estellita Lins, teria sido determinante para o seu abandono da vida pública e para e seu retorno ao exercício da medicina. Não obstante isso vale ressaltar que essa substituição esteve ligada ao racha ocorrido no seio da oligarquia Monteiro nas eleições para o governo do Espírito Santo, em 1920. Depois do racha entre Jerônimo e Bernardino Monteiro, nas eleições estaduais de 1920, os pleitos eleitorais nos municípios vão refletir essa cisão, uma vez que os candidatos partidários de Jerônimo vão disputar o poder com os partidários de Bernardino. A lógica quase sempre será a mesma: como Bernardino passa a ser o chefe da oligarquia estadual, seus candidatos vão vencer os pleitos uma vez que controlam a máquina eleitoral. Além disso, os candidatos lançados pelo PRES serão os de conciliação para evitar confrontos e dissensões no partido. Palavras-chave: Luiz Lindenberg; Eleições Municipais; Oligarquia Monteiro. Abstract The purpose of this communication is to present the 1922’s election for mayor of Cachoeiro de Itapemirim and its consequences for the political career of Luiz Antônio Monteiro Lindenberg. Incumbent, Luiz Lindenberg had replaced his candidacy on the eve of the Mestre em História (Ufes), Professor do curso de História do Centro Universitário São Camilo – Espírito Santo 1 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. election, and this had a major impact on his course: the abandonment of the political career and return to the exercise of their profession, medicine . What would have led to this decision is analyzed from the qualitative analysis of Cachoeirano and Daily Morning, important periodicals of the time, as well as the Minutes of the City Council of Cachoeiro de Itapemirim. The choice for this type of research is justified from it allows them to develop scientific research in complex situations where only the statistical information related to the past are not sufficient for data collection . It is, therefore, a documentary research and in the light of the New Political History. Luiz Antônio Monteiro Lindenberg was born on the farm Mount Lebanon, was the son of Carlos Adolfo Lindenberg and Barbara Monteiro Lindenberg, daughter of Captain Francisco de Souza Monteiro . He graduated from medical and times later entered for the political career by encouraging his mother uncle, Bernardino de Souza Monteiro, José Gomes Pinheiro Jr. and already in his first election he was elected to the post of mayor of Cachoeiro de Itapemirim, more important city in the south of the Espírito Santo . In the 1922, election to the same office was passed, even though he had been released as a candidate for the Republican Party - Espirito Santense. Of facts which evolve this municipal election is concluded that the replacement of candidacy Luiz Lindenberg near the municipal elections by Augusto Emílio Estellita Lins, would have been decisive for its abandonment of public life and and his return to the practice of medicine . Nevertheless it is worth mentioning that this substitution was linked to the rift occurred within the oligarchy Monteiro elections for the government of the Espírito Santo in 1920. After the rift between Jeronimo and Bernardino Monteiro, in 1920 state elections, the elections in the districts will reflect this split , since party candidates Jeronimo will compete with the power of the Bernardino’s supporters. The logic is almost always the same: how Bernardino becomes the head of state oligarchy, their candidates will win the elections because they control the election machine . In addition, candidates will be launched by PRES conciliation to avoid confrontation and dissension in the party. Keywords: Luiz Lindenberg; Municipal Elections; Oligarchy Monteiro. A Primeira República (1889-1930) brasileira constrói-se a partir da combinação de vários elementos, entre os quais o federalismo e o liberalismo. Com a preocupação de manter a ordem, excluem-se as camadas populares e privilegiam-se as oligarquias instaladas nos estados. Para Carvalho (1987) A expectativa inicial, despertada pela República, de maior participação, foi sendo assim sistematicamente frustrada. Desapontaram-se os intelectuais com as perseguições do governo Floriano Peixoto; desapontaram-se os operários, sobretudo sua liderança socialista, com as dificuldades de se organizarem em partidos e de participarem do processo eleitoral; os jacobinos foram eliminados. Todos esses grupos tiveram de aprender novas formas de inserção no sistema, mais fáceis para alguns, mais difíceis para outros (CARVALHO, 1987, p.3). 2 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. A primeira década da Primeira República foi extremamente conturbada, marcada por uma profunda instabilidade política, não apenas pelos movimentos que assinalam a revolta contra as condições de vida da maior parte da população e da luta pela terra, como a Revolta de Canudos, mas, também, pela luta entre diversos grupos e facções políticas instaladas nos estados. Em meio a esses acontecimentos configura-se a elaboração dos rumos que norteariam a fabricação de um novo regime condizente com predomínio dos grupos agrários, particularmente os paulistas e mineiros. Nesse sentido, a Constituição de 1891, elaborada a partir do modelo da Constituição dos Estados Unidos, desconsiderando a realidade socioeconômica do Brasil, calcou - se tanto no liberalismo, quanto no federalismo, pois este já fazia parte do anseio das elites provinciais desde o Império. No federalismo, a oportunidade de aumentar o poder dos estados, tão almejada pelos grandes proprietários de terra desde há muito tempo, foi finalmente consolidada e com ele o aumento da autonomia para legislar, criar e cobrar impostos, para contrair empréstimos no exterior, além de formar força policial etc. Tanto o poder dos estados foi fortalecido como o dos municípios, pois ai postula como chefe da política local o coronel. O título de coronel Havia se originado dos títulos da Guarda Nacional, criada pouco depois da Independência para defender a Constituição, para auxiliar na manutenção da ordem prevenindo revoltas, para promover o policiamento regional e local. Todos os habitantes dos pais se integravam os diversos escalões da Guarda nacional; os chefes locais mais prestigiosos automaticamente ocupavam nela os postos mais elevados, eram “coronéis”, ou tenente-coronel; seguiam-se nos postos de majores, capitães, etc (QUEIROZ, 1976, p.164-165). A Guarda Nacional fora fundada no período regencial, funcionando como uma espécie de força paramilitar da elite, capaz de conter as rebeliões populares que porventura estourassem nesse conturbado momento da história brasileira. O posto de coronel era atribuído a homens de grande fortuna e era a mais alta patente da Guarda Nacional, atuando como um poder privado no âmbito da municipalidade. De acordo com Resende (2006), o coronelismo corresponde a um fenômeno novo, pois demarca uma mudança qualitativa na tradicional dominação do poder privado no Brasil. Para Leal (1975) o coronelismo é: Resultado da superposição de formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada. Não é, pois, a mera 3 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. sobrevivência do poder privado, cuja hipertrofia constituiu fenômeno típico de nossa história colonial. É antes de tudo uma forma peculiar de manifestação do poder privado, ou seja, uma adaptação em virtude da qual os resíduos do nosso antigo e exorbitante poder privado têm conseguido coexistir com um regime político de extensa base representativa (LEAL, 1975, p. 20). Dentre os principais elementos que caracterizam o coronelismo é que está baseado numa troca de compromissos entre o poder público que se fortalecia com o advento da República em detrimento do poder privado, num universo estritamente agrário e latifundiário, superposto nas formas de um sistema representativo em uma estrutura econômica e social basicamente rural. A base de poder desse indivíduo era o município onde dele todos dependiam, sob os quais se mantinha dominante pela força dos capangas e/ou através de favores, principalmente quando na Constituição de 1891 e a implantação do federalismo, uma vez que ao aumentar o poder dos estados, aumentou, também, o dos municípios (RESENDE, 2003). Era o estado o responsável, também, pela manutenção desses municípios o que favoreceu o poder de algumas oligarquias que, possuindo um grande número de apaziguados e apadrinhados, poderiam usufruir de uma relação bastante proveitosa no que se refere a uma troca de favores existente entre essas esferas de poder. O poder de um coronel estava ligado à importância socioeconômica da região em que este residia e à quantidade de eleitores sobres os quais este dominava, existindo, assim diversos graus de coronéis, variando de acordo com a parentela, suas alianças de sangue etc. Ele possui também um poder advindo de seu domínio sobre lotes consideráveis de voto de cabresto, pois ele exerce seu domínio sobre uma imensa massa miserável que tira sua subsistência da terra e que vive num estado lastimável de pobreza, dependendo dos favores desse indivíduo para sua sobrevivência. Por ser o chefe político local, é em função dele e/ou por seus esforços que ocorrem os melhoramentos das localidades como escola, estrada, saúde, hospital, luz elétrica, a ferrovia, o telégrafo fato que contribui para sua posição de liderança no âmbito de seu domínio. Seu poder se expressava ainda no paternalismo característico desse período, bem como nas relações de apadrinhamento que se vê utilizadas nesse contexto e, também, por causa da rarefação do poder público nas instâncias municipais que se não bastasse a inação diante de suas arbitrariedades, beneficiava-se com isso, perpetuando-se no poder ou favorecendo a sucessão política de acordo com pactos oligárquicos (LEAL, 1975). Outro aspecto característico desse intrincado jogo político vigente na Primeira República é que a permanência ou ascensão ao poder depende de uma aliança com a oligarquia que 4 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. domina a cena política nos estados. Fazer-lhe oposição simboliza o alijamento do poder. De acordo com Carone (1975, p. 272), “O desvio da política oligárquica leva comumente dissidências ou dissidentes ao ostracismo, e até à morte”. A partir dos anos 1920, O Brasil assiste a um período bastante conturbado na história da Primeira República, conhecido como a crise dos anos 1920, em que os elementos constitutivos desse sistema político descrito até aqui serão veementemente contestados. Entre os episódios dessa crise, destacam-se a Reação Republicana, o tenentismo e as diversas colunas espalhadas pelo país, a criação do Partido Comunista Brasileiro, a Semana de Arte Moderna entre outros, assim como a Revolução de 30 que resultou na ascensão e Getúlio Vargas ao poder como presidente da república (FERREIRA; PINTO, 2003). Com a Reação Republicana os estados de segunda grandeza, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Distrito Federal, lançaram a candidatura de Nilo Peçanha e J. J. Seabra à presidência e vice-presidência da república em oposição à candidatura de Artur Bernardes e Urbano Santos, candidatos apoiados pelas oligarquias mineira e paulista. Para Ferreira e Pinto, A Reação Republicana resultou da insatisfação das oligarquias de segunda grandeza ante a dominação de Minas e São Paulo. A resistência dos estados do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul e do Distrito Federal não era um fenômeno novo, pois em várias ocasiões pôde-se detectar uma busca de articulação entre essas oligarquias estaduais com o objetivo de aumentar seu poder de negociação ante os estados dominantes (FERREIRA; PINTO, 2003, p. 399). O movimento tenentista recebeu essa denominação por ter em suas fileiras oficiais de nível intermediário do Exército. Entre suas propostas estavam a reforma da Constituição, a limitação da autonomia local, a moralização dos costumes políticos e a unificação da justiça e do ensino, assim como do regime eleitoral e do fisco. Das manifestações tenentistas,destacase a Revolta dos Dezoito do Forte de Copacabana e as colunas Miguel-Costa e Luís Carlos Prestes ((FERREIRA; PINTO, 2003, p. 401). Se em âmbito nacional os anos 1920 caracterizaram-se por uma crise política e por diversas manifestações de oposição à chamada república oligárquica, de acordo com Wanick (2008, p. 43), a política capixaba apresentava um clima de serenidade. Os governos estaduais e as sucessões ocorreram em clima de tranquilidade tanto na transferência de Nestor Gomes 5 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. (1920-1924) para Florentino Avidos (1924-1928), quanto de Florentino para Aristeu Borges de Aguiar, depois de duas grandes crises políticas já comentadas aqui, em 1916 e 1920. Uma das razões para essa calmaria política, segundo o mesmo autor, foi o bom comportamento da economia capixaba. Para ele, a economia capixaba e a tranquilidade política andaram de braços dados, embora o autor advirta que não só em momentos de crise econômica há crise política. É possível ter momentos de prosperidade econômica acompanhado de graves problemas de ordem política. Ainda segundo Wanick (2008, p. 47), o estado “(...) se beneficia dessa elevação continuada e consistente do preço do café e aproveita para pagar antigos empréstimos inadimplentes e realizar importantes inversões”. Aproveita-se da elevação continuada dos preços do café durante quase toda a década de 1920, além do “(...) aumento considerável da apropriação de parte do excedente da produção capixaba dentro das fronteiras do Estado” (WANICK, 2008, p. 48). Isso porque o café do sul era exportado quase que na totalidade pelos portos do Rio de Janeiro até início do século XX, passaram a ser exportados pelo porto de Vitória, antigo projeto dos governos Afonso Cláudio e Moniz Freire, concluído na década de 1920. Embora essa década para a população capixaba tenha sido tranquila, bastante diferente do que ocorreu em outros estados brasileiros, ela se inicia com a mais greve crise política vivenciada pelo estado e que acarretou a divisão da oligarquia que dominava a cena política capixaba desde o fim da primeira década do século XX, os Souza Monteiro. De acordo com Saletto (2005), Bernardino apoiou Nestor Gomes, que fora secretário de finanças e agricultura de seu governo, e Jerônimo e seus partidários recusaram-se a reconhecer a eleição. Ai o Congresso de dividiu. Treze deputados partidários de Jerônimo se reuniram e elegeram Jair Etienne Dessaune presidente do Congresso, não reconhecendo a eleição de Nestor. Os partidários de Bernardino, onze deputados ao todo, reuniram-se com ele no palácio do governo e empossaram Nestor, que tempos depois e com a intervenção federal determinada pelo presidente Epitácio Pessoa, assumiu o poder. (SALETTO, 2005). Essa situação resvalou nos municípios e em vários houve duplicata de governo municipal com ambas as facções declarando-se vencedoras. Ao final, o grupo apoiado por Bernardino acabou assumindo o poder, assim como ocorreu em nível estadual. A eleição de 1922 para o cargo de prefeito de Cachoeiro de Itapemirim é um reflexo dessa situação. Eleito para um primeiro mandato em 1920, depois de um conturbado pleito eleitoral, 6 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. Luiz Lindenberg assume o poder no município depois que seu tio, José de Souza Monteiro, vitorioso porque era o candidato da ala de Bernardino, não compareceu à posse. O presidente da Câmara Municipal, Atílio Vivacqua, assumiu o cargo até que fosse convocada nova eleição. Feita a eleição em 10 de outubro daquele ano, Luiz Lindenberg sagrou-se vencedor, quando assume a prefeitura. (O Município, 06/04/1920; Cachoeirano, 1920; Diário da Manhã, 21/03/1920; Ata da Câmara Municipal de Cachoeiro de Itapemirim, 1920) Na posse, em 30 de novembro de 1920, Luiz Lindenberg faz um importante discurso depois do juramento de posse. Nele, afirma: Senhores, eu venho para essa casa, com um programma traçado, um programma que se resume na palavra – trabalhar. Nesta palavra eu encerro todas as minhas intenções. Procurar elevar, pelo trabalho são nossa proveitosa terra e garantir-lhe o seu lugar bem merecido – leader do estado – eis minha principal preocupação. Uma política são, de trabalho, honestidade, de paz e de concordia – eis o meu programma. Não é demais repetir que o Brasil não o Espírito Santo ou o nosso município, não é e não poderá ser um paiz industrial Todas suas riquezas e seus bens estão em seu solo (ubérrimo) que retribue tudo com immensa reserva. O maior erro cometido, até agora, em nossa terra foi a criação, nesta cidade de fabricas que jamais poderiam trabalhar com lucro para a terra. O resultado vós podeis apreciar: o gasto criminoso de uma fortuna fabulosa, a queda da lavoura pelo deslocamento da população rural na esperança de maiores lucros, ineptamente prometidos e, finalmente, resultado que não podeia falhar – impate de formidável capital em esqueletos de fabricas e de uzinas que não viveram,a lavoura (deperecida ) só agora em ressurgimento, depois das ultimas esperanças esvalidas e a desilusão e desconfiança da gente do campo em todas as iniciativas governamentais Tem sido sempre criminosa preocupação de nossos governantes, a introdução onerosa do braço estrangeiro, abandonando o elemento nacional a posição de pária imprestável de quem nada se pode esperar, deferido como um elemento mau a todas espécies de endemia e necessidades (ATA DA CÂMARA MUNICIPAL DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM, 30.11.1920). O presidente da Câmara, Atílio Vivacqua, membro também do Partido Republicano EspíritoSantense diz que lamentava ter de discordar do prefeito eleito quando disse que, condenando o estabelecimento de fábricas na cidade, resultando, disso, gasto criminoso de fortuna e a queda da lavoura pelo deslocamento da população rural para a cidade. Disse que a cidade deve boa parte do seu desenvolvimento a essas fábricas. Disse também que o “(...) ubérrimo valle do Itapemirim não teria tido o incremento que esta tendo não fosse a existência da uzina paineiras, que é inegavelmente a principal força propulsora do progresso e da riqueza do Estado”. Também protesta contra o Prefeito quando fala do estrangeiro que para ele (Atílio) “(...) representou fator precípuo, indispensável até, do engrandecimento nacional”, citando 7 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. outros estados como Paraná e Rio Grande do Sul. Talvez legisle em causa própria já que é descendente de imigrantes italianos (ATA DA CÂMARA MUNICIPAL DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM, 30.11.1920). Luiz Antônio Monteiro Lindenberg nasceu na fazenda Monte Líbano, em Cachoeiro, em 1895 e faleceu no Rio de Janeiro, em 1955. Era o filho mais velho do engenheiro Carlos Adolpho Lindenberg e Bárbara Monteiro Lindenberg,1 filha de Francisco de Souza Monteiro, irmã de Jerônimo e Bernardino.Casou-se com Janes Monteiro Lindenberg Era médico e foi incentivado a candidatar-se ao cargo de prefeito pelo tio, Bernardino, e por Pinheiro Jr. (MOREIRA, 2004, p. 280; MACIEL, 2001, p. 351). Em 1922, Luiz Lindenberg aparece como candidato do PRES à reeleição. Entretanto, esse pleito guarda resquício da situação capixaba da cisão entre Jerônimo e Bernardino, em 1920.Em 02 de janeiro é lançada sua candidatura, em artigo denominado “Política Municipal”, mas em 16 de março, mais dois meses depois, portanto, e pouco mais de uma semana antes da eleição, outro candidato aparece como indicação ao cargo de prefeito: Augusto Emílio Estellita Lins. Em artigo intitulado “Nuvem que passou”, o Cachoeirano assim se pronunciaria O desfecho amigável a que chegou o caso da Prefeitura, conciliando-se todas as divergências em torno do nome do brilhante e respeitável Dr. Augusto Lins, creou, para os bons amigos desta terra, um desafogo restaurador. As intimas ligações deste jornal com o ilustre Sr. Dr. Luiz Lindenberg, e uma admiração franca por suas inestimáveis qualidades de trabalho, de intelligencia e de caracter, formaram nossa opinião a respeito de S. Exa. e a convicção de que as necessidades administrativas do municipio reclamavam sua reeleição. (...) Creada, porém, a anormalidade no seio do Partido, cujos elementos mais acatados divergiam na escolha dos candidatos, pensávamos logo, desejosos de evitar uma lucta desagradável, em que a solução mais util estava na formula conciliatória que se conseguio. (...) Felizmente, de todos os lados os votos eram os mesmos, votos de concordia em bem da harmonia politica do Partido. A candidatura do Dr. Augusto Lins, resolvendo todas as difficuldades, reunio, desde logo, os aplausos unanimes dos responsaveis pela ordem politica do município. Ella foi, pela conciliação que trazia, a garantia de uma perfeita união de sentimentos em trono do caso (CACHOEIRANO, 16.03.1922). 1 O casal teve sete filhos: Luiz Lindenberg (1895), Ary Adolfo (1896), Carlos Fernando (1899), Francisco (1900), Maria Ester (1902), José Sinval (1904), e Fernando (1906). ALMEIDA, Amylton de. Carlos Lindenberg: um estadista e seu tempo. Vitória: Arquivo Público do estado do Espírito Santo, 2010, p. 71. 8 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. Em outro artigo, de sua autoria, Luiz Lindenberg explica a situação e o porquê da desistência de sua candidatura. Nesse texto, afirma que assumiu o poder depois da renuncia de José Monteiro: Vindo occupar o cargo de Prefeito Municipal, na vaga creada pela renuncia do s. dr. José Monteiro, indicado pela unanimidade das forças politicas do Municipio, até hoje só me têm movido no desempenho do cargo o amor ao progresso de Cachoeiro de Itapemirim e o intuito de concorrer ao bem estar do povo. (...) A candidatura do sr. Raphael Di Martino surgio de circunstamcias também conhecidas. Achava-se, então, na capital do Estado, a cuidar dos interesses superiores do Municipio. Ao chegar, informado de tudo, resolvi apresentar-me candidato (...). Na manhã do dia 10, conferenciando com o Sr. De Martino sobre o que se passara, declarou-me ele ter desistido de sua candidatura, em telegramma ao chefe. Comprehendera o meu nobre e respeitavel as lastimáveis consequencias de uma lucta, no seio do partido. Reflectindo eu, então, calmamente, sobre a situação, embora contrariando o sentimento de grande número de amigos, achei que, mesmo tornado livre o caso, não devia promover, com a disputa eleitoral, divisão dos elementos do Partido. Resolvi, então, escrever aos dignissimos amigos Srs. Ricardo Gonçalves e Dr. Francisco Gonçalves a seguinte carta: ““Tendo chegado o caso da candidatura ao cargo de Prefeito ao ponto que chegou e não desejando ser apontado como causador de uma scisão no seio do partido, desisto de minha candidatura (...). Retiro-me de quaesquer luctas, recolhendo-me definitivamente ao exercício de minha profissão, arrependido e convencido de que não possúo, nem desejo possuir, as qualidades necessárias ao bom politico. Deixo em vossas mãos a resolução do caso, tomando a responsabilidade de recommendar aos meus amigos a candidatura que achardes mais conveniente. Esta é a attitude que me aconselham minha consciencia e a estima que dedico a meu venerando chefe e amigo, o Senador Bernardino Monteiro””. Sciente, pouco depois, de que tudo se resolvera por accôrdo em torno do nome do Dr. Augusto Lins, devo declarar que recebi a noticia com verdadeira alegria. Amigo meu dos mais queridos, a que estou irmãmente ligado pelos laços mais estreitos, o Dr. Augusto Lins mereceu logo meu decidido apoio (CACHOEIRANO, 16.03.1922). No texto, entre os aspectos mais importantes, destaca-se sua decisão: retirar-se de qualquer luta política e recolher-se definitivamente ao exercício de sua profissão, arrependido e convencido de não possuir as qualidades necessárias para um bom político. Ao que parece, Luiz Lindenberg desapontou-se com a decisão do PRES em preterir sua candidatura em detrimento de Augusto Seabra. Decepcionado e frustrado com a política preferiu o exercício da medicina, pois reconhecia não se encaixar no jogo de poder em que as determinações oligárquicas e coronelísticas eram incontestáveis e não levava em conta uma boa ou má administração. Levam em conta, apenas, os interesses desses grupos instalados no poder. 9 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. Seu irmão, Carlos Fernando Monteiro Lindenberg, fez sua carreira política apoiado pelo tio, Jerônimo Monteiro. Desde pequeno, com nove ou dez anos de idade, Carlos Lindenberg já participava da política através de uma prática conhecia como “constitui”. Em depoimento,quando entrevistado por Fernando Lima Sanchotene, João Eurípedes F. Leal e Todeska Badke,2 Carlos Lindemberg explica no que consistia essa fraude: Mas eu já estava envolvido na vida política desde 9 ou 10 anos. Na época de fazer a inscrição eleitoral, nós éramos chamados pelos candidatos para fazer o Constitui. Era o seguinte: o sujeito passava uma procuração, que dizia: constituo meu procurador o Coronel Antonio de Souza Monteiro, para fim de me alistar como eleitor e assinava. Fazíamos isso com a letra de meninos de 9 ou 10 anos, justamente porque a letra, ruim, confundia-se com letra de colonos que, geralmente, não era boa. Assim esse processo passou a chamar-se Constitui, uma procuração que a gente fazia ao Coronel Antonio de Souza Monteiro, meu tio, para alistamento de eleitores. (ZORZAL, 1995. p. 84). Luiz Lindenberg teve carreira política curta, ao contrário de seu irmão, Carlos Lindenberg, que disputou uma eleição para a prefeitura de Cachoeiro, em 1924 e perdeu, disputando com Marcondes Alves de Souza e Augusto Seabra Muniz, o vencedor. Em 1933, ajuda a organizar o Partido Social Democrático (PSD) em nível estadual, pelo qual se elege deputado federal. Exerceu cargos em nível estadual, como Secretário de Agricultura, sendo eleito novamente deputado federal em 1945, pelo PSD, e governador do estado em 1947, além de senador entre 1951 e 1958. É eleito para um segundo mandato como governador do Espírito Santo entre 1959 e 1962, mas renuncia para candidatar-se ao senado, mas perdea eleição. Em 1966,pela Arena, vence as eleições para o senado onde permanece até 1974, quando se despede da vida político-partidária (Almeida, 2010). Portanto, Carlos Lindenberg estava acostumado às idas e vindas do jogo político. Conhecia, desde pequeno,o meandro da disputa pelo poder, inclusive, que colocava em lados opostos, com armas em punho, irmãos, como ocorreu em sua própria família com seus tios Jerônimo e Bernardino. Ao que parece, Luiz Lindenberg não estava acostumado a isso, tampouco se permitiu acostumar, deixando a vida política na primeira grande decepção, retirando-se de quaisquer lutas pelo poder. 2 ZORZAL, Marta. Espírito Santo: estado, interesses e poder. Vitória: FCAA/SPDC, 1995. 10 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. Em outro texto, intitulado “Ao eleitorado cachoeirense”, de 12 de março de 1922, agora assinado por ele próprio, Luiz Lindenberg, Felinto Elysio Martins, Raphael Di Martino, Francisco de Carvalho Braga e Fernando de Abreu, indicam a candidatura de Augusto Lins para prefeito. Depois, Augusto Lins fala de sua candidatura em artigo denominado “Ao eleitorado: illustres co-municipes”: Penso traduzir assim, em poucas palavras, o meu desejo de corresponder ao mandato de que me ides investir, mantendo politicamente a attitude determinada pela situação e pela minha já comprovada sinceridade partidaria, e administrativamente, os meus habitos e a minha assás conhecida linha de proceder. Há, outrosim, indispensabilidade de uma aproximação efficiente e duradoura entre a Camara e a Prefeitura municipaes, para o desprendido exame de suas questões, de forma que os dous poderes venham a corresponder praticamente á identidade de suffragio de que um e outro emanam, sob eguaes aspirações de ordem, progresso e de paz. Mais se acentuam as vantagens dessa communhão de trabalho, quando se têm em vista as situações financeira e economica do Municipio, as quaes a Prefeitura, por si so, não se abalançaria a tentar resolver (CACHOEIRANO, 12.03.1922). Augusto Lins seria, então, um candidato da conciliação e conforme previsto, ele é eleito com 1445 votos e, ao que parece, não houve candidato de oposição. Mais uma vez a política municipal, apesar de suas particularidades, vai refletir a situação política estadual. Cabe aqui uma observação relevante que merece destaque: para candidatar-se ao cargo de prefeito de Cachoeiro, Augusto Lins abrira mão da prefeitura de Muniz freire, na qual era prefeito. Ele pede licença do cargo para candidatar-se aqui, vencer as eleições para tornar-se prefeito (MOREIRA, 2004). Das reportagens do Cachoeirano apreende-se que havia outros candidatos ao cargo de prefeito, entre os quais Raphael Di Martino. Provavelmente, a escolha de Augusto Lins se explica por ser um candidato de fora da cidade, alheio às lutas internas do PRES em nível municipal, atitude bastante utilizada em diversos momentos durante a Primeira República. Pode-se concluir, então, aquilo que já foi dito anteriormente: depois do racha entre Jerônimo e Bernardino Monteiro, nas eleições estaduais de 1920, os pleitos eleitorais nos municípios vão refletir essa cisão, pois os candidatos partidários de Jerônimo vão disputar o poder com os partidários de Bernardino, vencendo sempre os apoiados por Bernardino que passa a ser o chefe da oligarquia estadual, detendo o controle da máquina eleitoral. Além disso, os candidatos lançados pelo PRES serão os de conciliação para evitar confrontos e dissensões no partido. Não obstante isso, Luiz Lindenberg, decepcionado por seu nome ter sido preterido no 11 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. pleito de 1922 para a prefeitura de Cachoeiro, decide abandonar a política partidária e dedicar-se à medicina, sua profissão. Sobre a memória desse pleito, cabe dizer aquilo que afirma Meneses [...] a memória enquanto processo subordinado à dinâmica social desautoriza, seja a ideia de construção do passado, seja a de uma função de almoxarifado desse passado. A elaboração da memória se dá no presente e para responder a solicitações do presente (MENESES, 1992, p. 10). Luiz Lindenberg cumpriu o que prometera: de 1922 até 1930, período que faz parte de minhas pesquisas recentes, não participou de nenhuma eleição municipal, tampouco exerceu cargos políticos como prefeito ou vereador. Referências FONTES PRIMÁRIAS Cachoeirano, 12 e 16/03/1922. Diário da Manhã, 21/03/1920. O Município, 06/04/1920. Atas da Câmara Municipal de Cachoeiro de Itapemirim, 30/11/1920. OBRAS DE APOIO ALMEIDA, Amylton de. Carlos Lindenberg: um estadista e seu tempo. Vitória: Arquivo Público do estado do Espírito Santo, 2010. CARONE, Edgard. A República Velha: instituições e classes sociais. 3.ed. São Paulo: Difel, 1975. 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