EVIDÊNCIA OBSERVACIONAL DE TRIPLETO RESSONANTE: UM ESTUDO DE CASO José Paulo Bonatti1, Carlos Frederico Mendonça Raupp2 e Pedro Leite da Silva Dias3 1 Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos / Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – CPTEC/INPE, Cachoeira Paulista – SP, Brasil, [email protected] 2 Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas / Universidade de São Paulo – IAG/USP, São Paulo – SP, Brasil, [email protected] 3 Laboratório Nacional de Computação Científica – LNCC, Petrópolis – SP, Brasil, [email protected] RESUMO: Foi estudado o período muito seco de março de 2007 sobre a América do Sul. Encontrou-se que houve aumento da atividade convectiva na ZCIT e no Sul do Brasil e diminuição forte em quase toda a América do Sul. Houve uma dominância da onda 3 na anomalia de geopotencial no Hemisfério Sul com mudança de intensidade nos máximos de modo que em fevereiro os máximos eram mais intensos e em março os mínimos é que o foram. O reverso ocorreu no Hemisfério Norte. Na energética modal houve um aumento para Kelvin na região equatorial, compatível com o aumento de atividade convectiva. Por outro lado, houve uma diminuição em geral sobre o continente para a onda de Rossby, porém um aumento na região norte/nordeste do Brasil sobre o oceano. Tanto para Kelvin quanto para Rossby as maiores variações foram na Classe 1. Nas interações entre Rossby e Kelvin, há uma diminuição na região norte/nordeste do Brasil sobre o oceano em março e um aumento sobre o oceano em torno de 30oW,12oS que segue para oeste continente adentro. No final de fevereiro é notado um aumento da energia modal de OK1 e um subseqüente aumento na onda OR0 dando indícios de um tripleto ressonante que deve estar contribuindo para a mudança não-linear de fase das ondas de Rossby em latitudes médias e a conseqüente seca sobre a América do Sul. Porém a energia total dessas ondas não é constante, o que indica que outros processos também contribuem para o evento como um todo. ABSTRACT: It was studied a very dry period March 2007 on South America. It was found that there was an increase on the convective activity at the ZCIT and in Southern Brazil and strong decline in almost the entire South America. There was a dominance of the wave 3 in the anomaly of geopotencial in the Southern Hemisphere with change of intensity in the maximum so that the maximum in February were more intense and in March the minimum were more intense. The reverse occurred in the Northern Hemisphere. There was an increase in the modal energy for Kelvin in the equatorial region, consistent with the increase in convective activity. Furthermore, there was a decrease in general on the continent for the Rossby wave, but an increase in the region north/northeastern Brazil over the ocean. Both for Kelvin and for Rossby the major changes were in Class 1. For the interactions between Kelvin and Rossby, there is a decrease in the region north/northeastern Brazil over the ocean in March and an increase over the ocean around 30oW, 12oS that penetrates westward over the continent. In the end of February it was an increase in modal energy of OK1 and subsequent increase in the OR0 giving evidence of a resonant triad that may be contributes to the non-linear phase change of the Rossby waves in middle latitudes and the consequent on drought over South America. But the total energy of these waves is not constant, indicating that other processes also contribute to the event as a whole. Palavras-chave: ondas atmosféricas, tripletos ressonantes, variabilidade de baixa-freqüência 1. INTRODUÇÃO A variabilidade de baixa freqüência pode ser definida como associada a fenômenos atmosféricos com freqüências menores que a de escala sinótica, isto é, períodos maiores que uma semana. Os padrões de teleconexões atmosféricas são fenômenos de baixa freqüência que tem estrutura ondulatória e são geograficamente dependentes. Esses padrões de teleconexões atmosféricas são mais notáveis na média e na alta atmosfera e são caracterizados por uma estrutura vertical equivalente barotrópica, ou seja, com centros de ação apresentando a mesma fase em toda extensão vertical atmosférica. Alguns desses padrões apresentam centros de ação que se estendem dos trópicos até os extratrópicos, tais como os padrões do Pacífico/América do Norte (PNA) e do Pacífico/América do Sul (PSA), sendo, consequentemente, responsáveis pela influência de fenômenos tropicais como a Oscilação de Madden-Julian (OMJ) e o El Niño-Oscilação Sul (ENSO) sobre a dinâmica de médias e altas latitudes. Assim, uma significativa parte de energia da atmosfera está presente em modos equivalentes barotrópicos. Portanto, a forma pela qual os modos de variabilidade tropicais cuja estrutura vertical é essencialmente baroclínica, tais como a OMJ, interagem com padrões equivalentes barotrópicos que apresentam uma significativa influência na circulação atmosférica de médias e altas latitudes é um ponto central para a compreensão da dinâmica dos movimentos de baixa freqüência na atmosfera. Uma forma de estudar este processo é analisando a dinâmica das interações lineares fracas entre ondas baroclínicas equatorialmente confinadas e ondas de Rossby barotrópicas com uma significativa amplitude em latitudes médias e altas (Raupp, 2006). Em um sistema dispersivo, com não-linearidades quadráticas na mais baixa ordem, com a amplitude das ondas relativamente pequena (mas finita) de tal forma que estas preservem suas freqüências características dentro de um período típico de interação, quando a fase relativa entre o produto de duas ondas devido aos termos nãolineares e uma terceira onda não varia no tempo, ou varia muito pouco, as ondas envolvidas neste trio interagem significativamente. Neste caso, este trio de ondas é referido como tríade ou tripleto ressonante. Assim, em um sistema dispersivo contendo não-linearidades quadráticas na mais baixa ordem, se a amplitude típica do sistema é pequena de tal forma que as ondas lineares constituam a solução dominante, somente os tripletos ressonantes contribuem significativamente para a evolução do sistema não-linear. Raupp (2006) estudou os tripletos ressonantes do ponto de vista teórico utilizando um modelo barotrópico divergente não-linear no plano-β equatorial. O objetivo neste estudo é uma tentativa de identificar observacionalmente as tríades ressonantes. 2. DADOS E METODOLOGIA Os dados utilizados neste estudo para os cálculos de energética modal são análises espectrais T382L64 provenientes do NCEP (National Centers for Environmental Predictions dos EUA), com truncamento triangular na onda zonal 382 e 64 camadas. O número de camadas determina o número de modos verticais que podem ser determinados. Cada modo vertical tem uma correspondente altura equivalente (Hn) que é o autovalor da equação da estrutura vertical e tal estrutura é definida pelas autofunções. Para efeitos deste estudo, estes modos serão divididos em 4 categorias: • Classe 0: modos com Hn maior que 600 m (de 1 a 5); • Classe 1: modos com Hn entre 100 e 600 m (de 6 a 10); • Classe 2: modos com Hn entre 100 e 10 m (de 11 a 22); • Classe 3: modos com Hn menor que 10 m (de 23 a 64). A Classe 0 inclui o modo externo ou barotrópico, dado que sua estrutura vertical não apresenta zeros, sendo importantes na energética do cinturão de altas de latitudes médias. A estrutura vertical dos demais modos desta classe tem zeros nos altos níveis, podendo ser considerados barotrópicos em quase toda a troposfera. As demais classes possuem modos baroclínicos, sendo que a Classe 1 tem modos cuja estrutura vertical tem máximos na alta e baixa troposfera com sinais trocados e possuindo valor nulo em níveis intermediários. A Classe 1 é importante nas regiões tropicais onde há convecção em grande escala. A Classe 2 são modos importantes para processos de níveis mais baixos, incluindo a camada limite. A Classe 3 tem também importância em baixos níveis, porém tem maior energia onde há topografia acentuada. Para a análise de campos foram utilizadas análises 1o x 1o do NCEP disponíveis em https://dss.ucar.edu/datazone/dsszone/ds083.2/ e para análise de precipitação os dados diários utilizados foram provenientes do GPCP (Global Precipitation Climate Project) disponíveis em ftp://precip.gsfc.nasa.gov/pub/1dd/. Para a análise de partição e interação modal de energia a metodologia utilizada é a mesma que em Bonatti e Silva Dias (2006). O caso analisado foi o período seco sobre o Brasil em março de 2007. 3. RESULTADOS A figura 1a mostra anomalia de precipitação para o mês de março de 2007 baseada nos dados disponíveis do GPCP, ou seja, são desvios em relação à média de 11 anos (1997 a 2007) que mostra uma situação de seca intensa. A figura 1b trás a diferença entre o mês de março de abril, relevando que a chuva diminuiu em todo continente exceto ao Sul e ao Norte do Brasil, mostrando uma Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) mais intensa em março. A) B) Figura 1 – Anomalia de precipitação para março (A) e diferença entre março e fevereiro de 2007 (B). A figura 2a traz a anomalia de geopotencial para o mês de fevereiro e nível de 500 hPa onde nota-se no Hemisfério Sul uma clara dominância de onda 3 com máximos positivos mais ativos, enquanto que no mês de março (figura 2b) esta dominância ainda persiste, porém os mínimos negativos, principalmente os próximos à América do Sul é que dominam e há também o surgimento de ondas mais curtas em latitudes mais baixas. Interessante notar que no Hemisfério Norte também há mudança de fase semelhante, porém os mínimos dominam em fevereiro e os máximos em março. B) A) Figura 2 – Anomalia de altura geopotencial para fevereiro (A) e março (B) de 2007, nível 500 hPa. Na figura 3 é apresentada a energética modal para a diferença entre março e fevereiro em energia para a onda de Kelvin para as Classes 0 e 1. Nota-se para todas as classes há um aumento de energia em Kelvin de fevereiro para março na região equatorial. Este aumento deve estar associado ao aumento da atividade convectiva na região tropical mostrado na figura 1a. O maior aumento é na Classe 1, porém as classes 1 e 3 (não mostrado) estão em fase com o aumento de precipitação. A) B) Figura 3 – Energética modal para a onda de Kelvin: diferença entre março e fevereiro de 2007. Na figura 4 é apresentada a energética modal para a diferença entre março e fevereiro em energia para a onda de Rossby para as Classes 0 e 1. Nota-se, em geral, uma diminuição de energia em Rossby para as classes 0, 1 e 2 e há um aumento para a Classe 3 (não mostrado) de fevereiro para março na região equatorial oeste e sobre o continente. Esta diminuição deve estar associada à mudança de fase na anomalia de geopotencial mostrada na figura 2b. A maior diminuição é na Classe 1, sobre todo o continente, porém em todos os casos há um aumento na região equatorial ao norte/nordeste do Brasil sobre o oceano. B) A) Figura 4 – Energética modal para a onda de Rossby: diferença entre março e fevereiro de 2007. A figura 5 traz as interações modais de energia entre as ondas de Rossby e Kelvin para as diferenças entre março e fevereiro de 2007 para as Classes 0 e 1. Nota-se que há uma tendência de diminuição de interação ao norte/nordeste do continente sobre o oceano, onde há aumento da energia em Rossby (figura 4). Há também uma tendência de aumento de interação na região que vai de cerca de 20oW,15oS e penetrando no continente no sentido oeste, característica mais clara na Classe 1 (figura 5b). Nota-se também uma tendência de diminuição de interação em todo parte sul da região mostrada na figura 5, sendo mais clara na Classe 0, ou seja, as interações barotrópicas fincam menos intensas, por outro lado as baroclínicas (figura 5b) são mais intensas em março sobre o continente. B) A) Figura 5 - Energética da interação modal para Rossby e Kelvin: diferença entre março e fevereiro de 2007. Na figura 6 encontra-se a distribuição no tempo de energia modal para as ondas de Rossby (s=3 e ℓ=5) da Classe 0 (com freqüências -0,0395, -0,0383, -0,0348, -0,0298 e -0,0244), chamada de OR0, e de Kelvin (s=1) para a Classe 1 (com freqüências 0,0735, 0,0591, 0,0492, 0,0424 e 0,0371), chamada de OK1. Nota-se um aumento da energia modal para OK1 desde 21 de fevereiro atingindo um pico no início de março, enquanto que para OR0 há um aumento iniciando-se em 5 de março e com pico em 8 de março, atingindo cerca de 50% do total em Rossby. Devido a este aumento de energia em ondas individuais com freqüências compatíveis com o critério de tripleto ressonante (Raupp, 2006), pode-se dizer que é uma evidência observacional deste fato. Isto dá indicação de que um tripleto ressonante pode estar contribuindo para a mudança de fase e amplitude das ondas de Rossby de forma não-linear e a conseqüente seca na América do Sul. Porém não foi possível identificar o terceiro membro do tripleto, que normalmente tem baixa energia modal relativa, a qual funciona com um catalisador. Por outro lado, a soma a energia das duas ondas de um tripleto ressonante deveria ser aproximadamente constante. Pela figura 6b nota-se que isto não ocorre. Pode-se concluir que este não é um caso de ressonância pura devendo haver outros fatores que contribuem para a energética das ondas. B) A) Figura 6 – Distribuição no tempo de energia modal para as ondas de Rossby e Kelvin. 4. DISCUSSÕES E CONCLUSÕES Foi estudado o período muito seco de março de 2007 sobre a América do Sul. Encontrou-se que houve aumento da atividade convectiva na ZCIT e no Sul do Brasil e diminuição forte em quase toda a América do Sul. Houve uma dominância da onda 3 na anomalia de geopotencial no Hemisfério Sul com mudança de intensidade nos máximos de modo que em fevereiro os máximos eram mais intensos e em março os mínimos é que o foram. O reverso ocorreu no Hemisfério Norte. Na energética modal houve um aumento para Kelvin na região equatorial, compatível com o aumento de atividade convectiva. Por outro lado, houve uma diminuição em geral sobre o continente para a onda de Rossby, porém um aumento na região norte/nordeste do Brasil sobre o oceano. Tanto para Kelvin quanto para Rossby as maiores variações foram na Classe 1. Nas interações entre Rossby e Kelvin, há uma diminuição na região norte/nordeste do Brasil sobre o oceano em março e um aumento sobre o oceano em torno de 30oW,12oS que segue para oeste continente adentro. No final de fevereiro é notado um aumento da energia modal de OK1 e um subseqüente aumento na onda OR0 dando indícios de um tripleto ressonante que deve estar contribuindo para a mudança não-linear de fase das ondas de Rossby em latitudes médias e a conseqüente seca sobre a América do Sul. Porém a energia total dessas ondas não é constante, o que indica que outros processos também contribuem para o evento como um todo. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Bonatti, J. P.; Silva Dias P. L. Modal energetic partition and interaction among vertical and horizontal modes for the Catarina phenomena. Proceedings of 8th International Conference on Southern Hemisphere Meteorology and Oceanography, Foz do Iguaçu, Pr, 24 a 28 de abril de 2006. Raupp, C. F. M. Interação não-linear entre ondas atmosféricas: um possível mecanismo para a conexão trópicosextratrópicos em baixa-frequência. Tese de Doutorado, Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), abril 2006, 177 pp.