Levantamento do patrimônio arqueológico da ilha de Itamaracá: século XVIII. Rodrigo Ibson da Silva Oliveira 1, Ana Lucia do Nascimento Oliveira2 Introdução Material e métodos O processo de expansão colonial do império português provocou em nossa história marcas profundas sobre as quais muito há ainda por ser discutido, em todas as instâncias do social, do político e do econômico. Para a discussão que pretendemos travar neste texto, faz-se necessário ter sempre em mente que as situações econômicas encontradas na Ilha de Itamaracá no século XVIII dizem respeito a esta lógica colonial de acumulação de riquezas, pautada na conquista e exploração de território, sobretudo, na manutenção destes locais de interesse econômico. É importante pensar na dinâmica vivenciada na ilha pois vários outros personagens vão atuar além do colonizador português tais como ingleses, franceses, holandeses, os quais sempre foram sinônimos de ameaça. Não devemos esquecer que a ilha era um local estratégico posto que situada ao norte do litoral Pernambucano, em que guarda além de mares e rios de águas límpidas, uma diversidade de produtos nativos, mas principalmente de atividades produtivas bastante cobiçadas mesmo no contexto econômico efervescente das demais capitanias. Além de estar bastante próxima da Capitania de Pernambuco, (a qual tinha uma representatividade conceituada perante a coroa), Itamaracá também presenciou boa parte das decisões políticas, sociais e econômicas que tornaram a capitania de Pernambuco a mais próspera da colônia, mas que começava a apresentar sinais de declínio, o que pode se configurar como uma das muitas crises do açúcar enfrentadas. Em nosso trabalho a ilha de Itamaracá não ficará à sombra da Capitania de Pernambuco, pois acreditamos que, ao contrário do que coloca Manuel Correia de Andrade, ela apresentava condições de se sustentar economicamente, denotando bastante autonomia até no trato com os negociadores. Para fugir a esta tradição historiográfica que obscureceu a história de Itamaracá, principalmente no século XVIII como sendo praticamente irrelevante para o período colonial, tentaremos evidenciar potenciais econômicos explorados pela população como a produção açucareira, madeireira, de alguns produtos da flora cultivados, como frutas diversas. Esta nossa pesquisa carece de métodos diversos para melhor compreensão da dinâmica social, política e econômica estabelecida na ilha durante o século XVIII. Portanto, temos nos apropriado de métodos e técnicas adotados tanto pelo geografia, a qual tem nos possibilitado informações a respeito das paisagens apresentadas na ilha, bem como características geológicas que tem nos informado sobre as peculiares características do solo, bem como seu potencial para compor essa teia comercial. Também teve espaço nessa trama metodológica as técnicas utilizadas pela arqueologia convencional. Através das quais pudemos estabelecer um dialogo mais pertinente entre o presente e o passado, já que todo fragmento encontrado, segundo os preceitos arqueológicos, é também um documento histórico que deve ser problematizado por oferecer um leque de possibilidades ao ser interpretado. Buscamos auxílio também nas abordagens realizadas pela arqueologia subaquática, a qual tem possibilitado a interpretação material da dinâmica comercial através de suas perspectivas em relação aos objetos encontrados submersos. Esses vestígios poderiam ser pequenos fragmentos de materiais utilizados no cotidiano da tripulação das que se faziam presente em Itamaracá, mas principalmente embarcações que tem a possibilidade de serem encontradas na Ilha. Isso seria de suma importância para a compreensão dessa dinâmica. Fazendo uma analise das fontes manuscritas, pudemos entender que o litoral Pernambucano possui uma enorme riqueza cultural submersa, pois se trata de vestígios materiais que podem responder inúmeras questões referentes a acontecimentos sociais, políticos e econômicos pertinentes ao contexto colonial brasileiro. Dessa forma, foram registrados só no litoral pernambucano cerca de duzentos indícios de naufrágios, dentre os quais vinte e cinco foram encontrados, e destes, cinco ainda não se sabe a procedência. A Ilha de Itamaracá, por sua vez, traz a sua parcela de naufrágios para também compor esses indícios mencionados anteriormente. Apresenta indícios de embarcações naufragadas em sua costa, as quais podem ter como indicação motivos diversos na relação das causas de seus naufrágios, o que problematiza as atividades comerciais estabelecidas no contexto da ilha de Itamaracá. ________________ 1. Primeiro Autor é estudante de graduação do curso de Licenciatura Plena em História, sexto período, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e é bolsista PIBIC-CNPq 2. Segundo Autor é Professor Adjunto do Departamento de Letras e Ciências Humanas (DLCH), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Rua Dom Manoel de Medeiros, S/N – Dois Irmãos, Recife - PE, CEP 5-970. Apoio financeiro: Petrobras. Sendo assim, a análise desses naufrágios é de suma importância para a compreensão da dinâmica comercial estabelecida na ilha, já que cada um deles tem a peculiaridade do motivo de ter sido naufragado. Sendo assim, analisaremos as inúmeras possibilidades dessas embarcações terem naufragado, por exemplo, por falta de manutenção das caravelas, ou naus, que por possuírem estrutura de madeira teriam uma durabilidade de aproximadamente vinte anos, a possibilidade de uma elaboração equivocada na construção que não suportasse o tamanho, altura e o tipo de carga a ser transportada. Resultados e Discussão Questionar o panorama comercial como posto para a Capitania de Itamaracá durante o século XVIII sob a perspectiva do diálogo entre a história e a arqueologia requer um entendimento ligado a abertura de perspectiva proporcionada pela Nova História Cultural em que estabelecer paralelos entre ciências é possível e recomendável, de modo que, para este nosso objeto, seria bastante complicado problematizar as relações comerciais sem ter como ponto de partida as abordagens de forma diferenciada e sensível às transformações desta categoria de análise histórica. Os convencionais métodos aplicados a arqueologia, tem subsidiado de forma significativa a nossa pesquisa, pois através destes pudemos relacionar tanto o caráter ambiental e geográfico das áreas pesquisadas, quanto os aspectos materiais encontrados nestes ambientes. Esses aspectos mostram como os inúmeros documentos remanescentes nas entranhas do solo (os quais são conhecidos como fragmentos arqueológico), tem possibilitado esse diálogo com os teóricos da história, os quais nos levam a questionar em primeiro lugar o nosso referencial temporal, afinal o nosso recorte compreende um século de história, e isso é uma questão de difícil resolução, caso tivéssemos pretendido fazer uma história total, mas como nossa intenção é relativizar as questões sócio-culturais a partir das transformações econômica, podemos ratificar a importância. Pudemos entender como faz Fernand Braudel em seu livro Civilização Material, Economia e Capitalismo, Séculos XV-XVIII, que este tempo longo denota permanências e rupturas nas estruturas sociais, o que significa dizer para o nosso objeto por exemplo, que as fases produtivas na Ilha não foram lineares, talvez disso decorra a já citada afirmação de Manuel Correia de Andrade, em períodos de crise, alternativas econômicas foram encontradas, como vamos demonstrar com a questão dos Fornos de cal. Uma vez que as rupturas não se deram apenas a respeito das categorias materiais, mas se fizeram sentir também nas estratégias utilizadas pelos produtores e comerciantes para enfrentar as oscilações da economia colonial. Trabalharemos nesta parte do texto com alguns elementos que constituem-se associados as relações comerciais presentes na história da Ilha de Itamaracá, estes elementos são conduzidos em nosso trabalho como indícios de uma historiografia bastante fragmentada que por um lado nega a existência de engenhos na Ilha de Itamaracá e por outro os evidencia, que ignora a presença dos fornos de cal, os quais se mostraram extremamente relevantes para a capitania e seu desenvolvimento e mesmo manutenção dentro desta ordem colonial. O paradigma indiciário é, portanto, nosso principal veículo de investigação, porque nos permite a partir desta coleção de indícios construir as situações possíveis para a realização deste comércio. É a partir deste pressuposto que podemos compreender as distintas informações trazidas pelas fontes utilizadas, os entendimentos entre documentos manuscritos, fontes orais atuais, iconografias, mapas, material arqueológico só se tomaram de sentido quando tratados como pequenos indícios isolados a serem tratados separadamente e só em um segundo momento da pesquisa associados. Contudo, o geógrafo e historiador Manuel Correia de Andrade, em seu livro, “Itamaracá, uma capitania frustrada”, vem afirmar que na ilha não havia a presença de engenhos de cana de açúcar, primeiramente pela condição do clima, e depois pela condição do solo. Entretanto, após a realização de prospecções arqueológicas, pudemos identificar cerca de seis engenhos dispersos em toda a ilha. É bem verdade que alguns desses engenhos produziam e comercializavam além do açúcar e seus derivados, produtos como algodão, tabaco, frutas tropicais, madeiras diversas (dentre estas o pau Brasil), entre outros produtos, e que estes “produtos alternativos” também contribuíram para essa fomentação comercial que se re-significava na ilha no século XVIII. Referências Bibliográficas [1] AGOSTINHO, Pedro. Para um programa de pesquisa sobre arqueologia, história e etnografia navais da costa brasileira: o projecto Archenave. O Arqueólogo Português. Lisboa, Série 4, n. 6/7, p. 367-378, 1988/1989. [2] ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das letras, 2000. [3] BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo, Séculos XV-XVIII (Volume 1). São Paulo: Livraria editora Martins Fontes, 1995. [4] GUINSBURG, Carlos. Mitos, emblemas e sinais: Morfologia e História. São Paulo: Companhia das Letras. 1990