«O PORTO DO FUNCHAL E A ECONOMIA DA MADEIRA NO SÉCULO XVIII» PELO DR. JOÃO JOSÉ ABREU DE SOUSA — AS CONDIÇÕES DA PRODUÇÃO E AS INSUFICIÊNCIAS DOS ABASTECIMENTOS. Conjugou-se sempre, mais ou menos intimamente, a economia da Madeira com as relações externas, e, nesse campo, com a economia «internacional». Com efeito, sempre esteve relacionada com os mercados consumidores e produtores europeus ou metropolitanos, mas com acentuada tendência para se «satelitizar», como já acentuámos, em relação aos primeiros, quer nas suas áreas metropolitanas quer coloniais, ou mesmo criar «micro-relações» regionais muitas vezes servidas pelos armadoras locais. O primeiro grande «ciclo» da economia madeirense - o do açúcar - vai desde meados do século XV até princípios do século XVI, altura em que a concorrência do açúcar de S. Tomé e do Brasil, agravada com o contrabando, provoca uma crise na produção e nos preços. Já então eram os estrangeiros que controlavam a colocação do produto e o seu transporte, sobretudo italianos e flamengos que, por vezes, intervinham mesmo na sua produção. Isto apesar das renovadas tentativas do poder central para ter bem seguras as bases económicas da ilha, evitando demasiado autonomia nas suas relações, forma de garantir um maior domínio político. É sobretudo a partir da segunda metade do século XVI, e com maior intensidade nos séculos XVTI e XVIII, que se vai desenvolver um novo ciclo na economia do arquipélago: - o do vinho. Este produto, tal como o açúcar, não pudera encontrar na metrópole um mercado de complementaridade equilibrada, daí, muito naturalmente, a principal produção regional desse período era solicitada para as áreas estrangeiras ou coloniais que também se tornavam os principais centros da importação de manufacturas ou víveres pela Madeira. Dentro destas, cedo se foi impondo, criando ligações de troca directa, privilegiadas, a Inglaterra, estruturando-se como que uma «autarquia» económica em relação à Metrópole. Esta gradual aglutinação da Madeira no campo das actividades económicas inglesas acompanhou o próprio alçamento da Grã-bretanha à cabeça das relações económicas internacionais, domínio de mercados europeus e ultramarinos (pala constituição de colónias) bem como das vias de comunicação marítimas. Se, como é óbvio, a Madeira se situa nesse enquadramento de forças é perfeitamente compreensível que uma «crise» económica, provocada pelas incertezas dos mercados consumidores, nos atingisse no principal produto então exportável, o vinho. O bloco dos países nórdicos foi arrastado a um longo conflito com a Espanha que não beneficiou as nossas relações comerciais. Efectivamente a união com a Espanha poucas vantagens económicas trouxe. Mercado concorrente na maioria dos produtos metropolitanos ou mesmo concorrendo em certos produtos tropicais, era natural que as nossas relações com os países do norte fossem as únicas que, nas condições do tempo, permitissem uma saudável política de trocas. Nesse sentido, mesmo antes da Revolução de 1640 os mercadoras de Lisboa e outros portos procuram um novo esquema de relações comerciais centradas na produção brasileira e nos mercado de consumo nórdicos. No caso da Madeira, desembaraçar-se do domínio espanhol, era tanto mais pertinente quanto já estava consolidado um sistema de relações «centrífugas» em relação à própria metrópole. Esta tendência tradicional de separatismo económico continua a manifestarse com intensidade particular desde a segunda metade do século XVII, deixadas para trás as recordações do domínio da Espanha, presentes na densidade dum sistema defensivo situado na costa do sul, agora quase tornado inútil, à medida que o proteccionismo inglês manifestava a sua supremacia marítima com a consequente segurança da ilha e das vias de comunicação que interessava. Desde os começos do século XVIII que as relações comerciais entre a Madeira e a Inglaterra nunca mais deixam de crescer. Comerciantes ingleses desde há muito que substituíam os flamengos ou italianos no conjunto da praça funchalense. Muito activos, arrematam o vinho aos produtores e colocam-no nos mercados por eles controlados. Os produtos manufacturados e os víveres que vêm da Inglaterra e colónias americanas em troca do vinho passam pelas suas mãos. Armadores ingleses garantem o grosso deste tráfego. Assim, mesmo quando a balança comercial se equilibrava ou apresentava ligeiro favorecimento à Madeira, os lucros da própria exportação vinham acumular-se nas mãos dos mercadores e armadores ingleses. Os registos das alfândegas inglesas entre 1697 e 1783 dão sempre um saldo favorável à exportação da Inglaterra. Veja-se o quadro n.° 1. Quadro n.° 1 COMÉRCIO ENTRE A INGLATERRA E A MADEIRA 1697/1783 PERÍODOS IMPORTAÇÃO DA MADEIRA EXPORTAÇÃO DA INGLATERRA 1697 1711 2.608 £ 14.464 £ BALANÇO FAVORÁVEL À INGLATERRA 11.856 £ 1711 1730 4.055 £ 58.195 £ 54.140 £ 1731 1751 4.191 £ 19.093 £ 14.902 £ 1752 / 1765 3.463 £ 30.486 £ 27.023 £ 1766 / 1779 4.354 £ 23.312 £ 18.958 £ 1780 2.612 £ 51.907 £ 49.295 £ 1781 2.433 £ 24.000 £ 21.567 £ 1782 3.867 £ 50.256 £ 46.389 £ 1783 3.303 £ 26.919 £ 23.617 £ Mas este saldo favorável à Inglaterra não pode ser generalizado ao «mundo britânico». As exportações de vinhos da Ilha para o conjunto dessa área consumidora, que conseguimos apurar entre 1777 a 1782, é a seguinte, ao preço médio de 25 libras cada pipa: Quadro n.° 2 EXPORTAÇÃO DE VINHO ENTRE Í777/1782 (Quantidade em pipas) ANOS AMÉRICA ÁSIA ÁFRICA EUROPA TOTAL 1777 6.405 1.272 135 402 8.215 1778 6.163 3.112 103 180 9.560 1779 5.705 2.751 56 771 9.284 1780 9.297 1.176 98 494 11.067 1781 6.694 245 198 948 8.085 1782 6.469 3.481 61 1.034 11.046 O aumento da exportação vinícola (a principal) para o reino da Inglaterra (Escócia e País de Gales) vai-se mesmo acentuar apresentando-se a balança favorável entre 1784 a 1786: Quadro n.° 3 COMÉRCIO ENTRE A INGLATERRA E A MADEIRA (1784/1786) ANOS IMPORTAÇÃO DA MADEIRA 1784 84.125 £ EXPORTAÇÃO BALANÇO DA INGLATERRA FAVORÁVEL À MADEIRA 61.991 £ 22.134 £ 1785 115.850 £ 86.426 £ 29.424 £ 1786 115.475 £ 78.325 £ 37.150 £ As vantagens dos mercadores ingleses, porém, mesmo nestas condições «favoráveis» eram praticamente morganáticas. A própria importação, como nota um despeitado deputado da Junta da Real Fazenda (João Eustachio de Sousa), dos produtos madeirenses era já recuperada pelos fretes pagos. Os mercadores ingleses utilizavam ainda a «técnica» das bancarrotas para não pagar as dívidas contraídas com produtos insulanos como defesa para os anos mais críticos. Desde 1784 (a Inglaterra sofria as consequências da independência americana) assistimos às seguintes «quebras»: Quadro n.° 4 BANCARROTAS DE CASAS INGLESAS CASAS IMPORTÂNCIA Chambers, Hicox e C.a 120.000$00 Fco. Hyggins 60.000$00 ........................... Donalson Searle e C." 120.000$00 Não identificada 400.000$00 » » TOTAL ......... 150.000$00 850.000$00 Há ainda que ter em conta que havia um activo contrabando de produtos vindos da Inglaterra que nem deixavam lucros ao fisco. Os mercadores ingleses tinham ainda o «hábito» de só pagarem o vinho com os lucros com ele obtidos, isto não só por gozarem da confiança creditaria dos produtores ilhéus, mas também porque estes, de resto, senhores de escasso capital, não teriam muitas soluções pela frente de modo a libertaremse dos «serviços», nem sempre desejados, do intermediário inglês. A revolução americana, afectando uma importante zona de consumo, não viria a alterar a estrutura sustentada por essa burguesia estrangeira - controlando a exportação da principal riqueza local, e mantendo largo domínio do mercado interior, sustentando, de modo especial, a importação dos víveres com primordial importância para os cereais. A vinculação da ilha à rotina comercial atrás apontada era favorecida, de forma substancial, pela premente necessidade de abastecimentos sm víveres, dada a insuficiência da produção local, que encontrava uma compensação fácil nos excedentes alimentares da Inglaterra e suas zonas coloniais, particularmente a americana. Essa vinculação foi de facto aumentando, à medida que se dava um aumento demográfico em relação indirecta com os meios de subsistência local, mesmo muito prejudicados pela invasão da cultura da vinha, sobretudo na região sul da ilha (1). Mas, como reconheciam as próprias autoridades (2), era com a exportação do vinho qus se «... fornecia o Povo (...) girava o comércio interior / e exterior com permutações...»; desempenhava mesmo o papel de substituto do numerário, sempre muito diminuto para as transacções de certo vulto, apesar de correr muita moeda estrangeira e até falsa. (3) Nas zonas rurais a produção de subsistência devia, em anos mais contínuos, bastar à sua população. Portanto a população funchalense tornava-se a principal consumidora de mantimentos estrangeiros sobretudo os cereais. A cidade tornara-se centro de crescente população burguesa, nobres vivendo de terras aforadas e uma classe plebeia muitas vezes ligada às actividades do porto. O sector rural da população, responsável pela produção da riqueza básica (o vinho) ou produtos de subsistência, encontrava-se geralmente na posição socio-económica de «colono», isto é, trabalhavam as «fazendas» pertencentes a cerca de 200 famílias ou administradores de «capelas».(4) _________________ (1) Por exemplo entre Novembro de 1794 e Março de 1795 só na região de Câmara de Lobos se plantaram mais de 176.000 bacelos. Nestes último ano houve uma das habituais crises de produção cerealífera — Arquivo da Secretaria do Governo — S E P N." 25 — A. D. F. (2) Relatório de 31/7/1782 enviado pelo governador D. Diogo Pereira Coutinho ao Erário Régio — Registo Particular do Governo, Livro III, fl. 41v —A. D. F. (3) Carta Regia de 19/8/1794 in Registo Geral da secretaria do Governo — S4 E_. P2 N." 25 - A. D. F. com providências sobre o tipo de moeda admitido a circular na ilha. A moeda em relação à metropolitana estava desvalorizada. A peseta com valor intrínseco de 170 reis, corria na metrópole a 160 e na Madeira a 200 reis, por isso era chamada de «dois tostoens». (4) L.° I do Registo Particular do Governador João António de Sá Pereira, fl. 175—A. D. F. — Representação dos colonos, de 1773. O Tal posição numérica entre proprietários de domínio útil e pleno aproxima-se dos números reais. Estes colonos mesmo que quisessem escapar ao controle dos seus senhorios e aproveitarem raros «baldios» tinham dificuldade em irrigar as novas terras por falta de águas livres, além de outros inconvenientes que resultavam sobretudo da improdutividade dessas terras. Nessa medida o grosso da população rural entrava num já então considerado obsoleto sistema de relações contratuais - baseado no contrato de colónia, possível regionalização da enfiteuse tradicional, com vantagem saliente para uma das partes: o proprietário propriamente dito. Nas condições estabelecidas por este contrato os senhorios, quanto à cultura das vinhas, em crescente desenvolvimento, mandavam avaliar os centos ou milheiros da plantas, as madeiras e as paredes que sustentavam os «poios» como «benfeitorias», com um valor que às vazes excedia o do próprio solo. Tal facto conduzia a uma espécie de «servidão»; como os colonos não podiam sempre pagar tal quantia logo no início do contrato ficavam a devêla a juro (5%), isto além de serem normalmente obrigados a «partirem» as meias dos frutos e se obrigarem à conservação das citadas benfeitorias. No caso das vinhas, cuja duração vital não excedia 10 a 20 anos, tal cláusula mostrava-se particularmente vantajosa para o senhorio. Assim, por melhor que fosse a colheita e os preços do mercado, os colonos com as suas «meias» nunca podiam, ou então só com muitas dificuldades, cobrir-se das despesas e dívidas, tornando-se para eles muito precária a iniciativa dum laudémio, mesmo quando as benfeitorias já lhe pertencessem, por, nesta caso, os proprietários as avaliarem desfavoravelmente. Na cultura da vinha, a obrigação da venda da metade que cabia ao colono ao proprietário (tal prática estendia-se a outros frutos), criava condições para o estabelecimento de preços lesivos, pagando o senhorio essas meias, por vezes, com géneros comestíveis (importados) de inferior qualidade. Em suma verificamos que as vantagens, nestas condições, da cultura e comércio do vinho esbatem-se em nível medíocre nas camadas produtoras mais modestas da população, o que, por pressão dos senhorios, não impedia o seu crescente desenvolvimento, destinando-se mais de metade da produção à exportação, com o perigo, já então evidente, de quebra de preço e estocagem crescente. (5) Beneficiários, em melhores condições, da cultura vinícola eram os «senhorios» terra-tenentes mas sobretudo a burguesia mercantil. _________________ (5) L.º I do Registo Particular do Governador João António de Sá Pereira - Carta para o Secretário de Estado dos Negócios do Reino. Funchal, 31/10/1768 - fl. 50 -A. D. F. Quando o colono conseguia desviar do controle morganático do senhorio alguma produção dirigia-se ao comerciante que, aproveitando a urgência da venda, estipulava preços irrisórios que nem chegavam muitas vezes a pagar, dado já lhes terem fornecidos, (6) «à conta», géneros importados, com frequência em más condições, mas a preços elevados. Assim ficam os comerciantes sempre na posição de credores. Os proprietários rurais vinham também a cair na mesma rede tecida pelos mercadores, frequentemente prejudicados com as quebras fraudulentas. As relações que os comerciantes estabelecem directamente com os colonos, se não traziam vantagens para estes, muito menos as levavam aos senhores rurais que se viam perante a concorrência de vinhos postos à venda por preços diminutos. Às vezes os comerciantes já assim abastecidos recusavam a descer o preço. Natural que, nestas circunstâncias, procurassem manter um monopólio de produção assegurando-se dele através de certas cláusulas dos contratos de colónia, canalisando pelas suas casas a produção vinícola, quando à actividade de senhores rurais não associavam a de exportadores (como a casa Carvalhal). (7) Há que ter em conta que a divisão colono e senhorio se pode apresentar demasiadamente esquemática dado que existiam proprietários ou administradores de vínculos mais ou menos importantes, alguns seriam tão modestos que dificilmente competiriam com alguns beneficiário de terras aforadas. No último quartel do século XVIII existiam cerca de 6.000 vínculos (morgados ou capelas) alguns muito diminutos. No total das 200 grandes famílias de senhorios só umas 30 eram de real importância (Esmeraldos, Accyolli, etc). Os proprietários rurais que também se ocupavam da exportação dos seus produtos estabeleciam uma transição para a burguesia de tipo urbano. __________________ (6) Os Guardas Mores da Saúde fiscalizavam os armazéns e lojas do Funchal, sendo muitas vezes lançados ao mar géneros estragados. Em carta ao Governador dos Açores, D. Antão de Almada, o da Madeira, João António de Sá é de opinião que da «impureza» dos géneros estrangeiros «procedem as muitas doenças q tem opprimido (...) estes povos — L.° I do Registo Particular do Governador João António de Sá Pereira — Carta de 2/7/1768, pág. 26 - A. D. F. Já em carta anterior dirigida ao secretário de Estado dos Negócios do Reino (26/4/1768) é o mesmo governador, apostado em assegurar a autonomia da Ilha em relação ao estrangeiro, que dá conta duma representação dos moradores da Madeira que «queriam» o promovimento da pescaria para se poderem libertar da «... miséria a que está reduzida por falta de alimentos obriga/dos a sustentar-se de carnes, e peixes salgados, e corruptos, q aqui introduzem os ingleses com grave prejuízo dos seus habitantes...» (L.° I do Registo Particular do Governador João António de Sá Pereira - 1768. A. D. F. — fl. 17). (7) Dirigida pelos descendentes de João Esmeraldo, mercador flamengo estabelecido na Madeira logo na primeira fase da sua história, mas depois «afidalgado.» Quanto aos mercadores os de maior poder e prestígio são os estrangeiros, principalmente os ingleses que são olhados com uma impotente antipatia pela burguesia regional. Nem todos os sectores sociais se integravam numa actividade económica que, mais ou menos directamente, fosse condicionada pelos mercados externos. Um largo volume de gente desocupada preocupava as autoridades «... Mt.ª gente vadia, e sem préstimo (...) não podendo já caber nas cadeias (...) os criminosos e dissolutos se deixavam às vezes alguns ao menos sem esta demonstração de castigo...».(8) Para acabar com este «desemprego» tentou-se a emigração oficial para o Brasil e Angola. As buscas de soluções num nível local para a questão do excesso demográfico, os problemas sociais e da economia cuja crise se tornara crónica eram tentações fáceis para os administradores. Reflectindo um certo pendor «colbertista», tomam-se disposições para completar as infrutíferas tentativas de autonomia agrária pela introdução de algumas produções manufactureiras, evitando-se contudo legislações impeditivas (9) das importações que garantiam o escoamento do vinho. Durante a gestão do governador António de Sá Pereira procurara-se obstar a «decadência do povo» com uma sistemática planificação de medidas (10) - o controle do numerário circulante que fazia aumentar os preços e embaraçar o comércio, o fim da monucultura da vinha, mandando arrancar pelo menos algumas, e, com um sentido bastante pouco realista, aponta como solução para a «falta de pão» o aproveitamento das terras «incultas» da ilha, cerca de 3/4 da sua superfície total. As vinhas são apontadas como a «causa» dos criadores de gado laçarem-no sem pastor à «serra», onde destruíam as sementeiras de quem tentasse a sorte de cultivar esses baldios. _______________ (8) Carta de 26/4/1768 do Governador João António de Sá Pereira in Registo Particular, fl. 17— A. D. F. (9) Portaria da Junta da Real Fazenda de 18/3/1780 proibindo certas importações desde que houvesse nacionais ou produzidas localmente. As aduelas deviam ser «acabadas» na ilha, os móveis eram proibidos de entrar. Alfândega do Funchal — N.º 193, fl. 148v A. N. T. T. (10) Carta de 31/10/1768 enviada ao Secretário de Estado dos Negócios do Reino — L.° I do Registo Particular do Gov. João António de Sá Pereira, fl. 50, A. D. F. As terras consideradas mais próprias para a agricultura, em novas arroteias, eram as situadas nas freguesias do sudoeste (Arco, Estreito, Prazeres, Fajã da Ovelha, Paul do Mar, Ponta do Pargo) «... por serem terras de melhor qualidade, os habitantes mais dados ao trabalho, e os terrenos menos montuosos...» O problema da água resolvia-se também aí mais facilmente. Alguns oficiais engenheiros observaram as nascentes levantando uma planta que foi enviada ao governo central. O Paul da Serra (planalto central da Ilha) era indicado no mapa, considerando o mesmo governador ser «(...) huma porção de terra admirável, que terá mais de seis léguas de comprido, e huma e meio de largo; porem p.ª estas terras se porem em cultura he precizo fazerem-se povoações nas mesmas obrigando, e ajudando juntamente aos novos povoadores; pois a sua pobreza os redus a um estado de não poderem operar per si (...)». O princípio estabelecido no século XV de que as águas eram «livres para uzo dos Povoadores» ia ser restaurado para evitar dificuldades aos arroteadores. Estas veleidades de autonomia económica com recurso às possibilidades internas não surtiram os efeitos desejados nunca passando de aspirações ou esboços de projectos e mesmo malogros práticos (como o povoamento do «Santo da Serra» — planalto no oeste da ilha, por habitantes do Porto Santo). Estas tentativas para desenvolver todas as virtualidades produtivas da Madeira formulavam-se geralmente nas épocas mais críticas. Assim vemos durante a guerra dos «Sete Anos» que pusera mais uma vez à prova o ponto fraco da economia da Ilha, afectado que tinha sido profundamente o comércio americano. São as autoridades municipais (11) que se opõem, por mais familiarizadas com os problemas regionais, aos planos de arroteamento de novas parcelas — obsessão dos governadores da segunda metade do século XVIII (sem que seja de supor «influências» fisiocráticas, mas antes uma maneira espontânea e mecânica de encarar a questão da falta de víveres). Tais programas de intensificação da produção agrícola traduzir-se-iam praticamente numa erosão fácil de terrenos predominantemente inclinados, e na impossibilidade de tirar rendimento de terrenos que permaneciam em pousio insuficiente. Além de que o arvoredo tornava-se necessário para assegurar a existência da água. Admitia-se contudo serem susceptíveis de aproveitamento algumas planícies e vales serranos onde o plantio de castanheiros poderia dar um produto substituto dos cereais. ______________ (11) Informação da Câmara do Funchal ao Governador acerca da forma de promover a cultura da Ilha (Funchal 7/7/1759) - A. H. U. — Madeira — Caixa 1 — N.° 173. Todos estes esforços revelam mais os reflexos duma situação crítica, ocupando de modo inquietante as consciências, do que traduzem propedêuticas de vias práticas que a resolvesse. Não nos sendo possível apurar toda a produção da Ilha no período estudado, apresentamos contudo, a título expressivo das suas insuficiências, a do ano de 1786, no que se refere ao trigo, cevada e centeio. Nesse ano, que se pode considerar entre o médio e o abundante, foi a seguinte: Quadro n.° 5 PRODUÇÃO CEREALÍFERA EM 1786 (Quantidades em moios) REGIÕES TRIGO CEVADA CENTEIO TOTAL Norte da Ilha 1.440 365 276 2.081 Sul da Ilha 1.983 439 590 3.012 TOTAL 3.423 804 866 5.093 Esta produção local reforçada pela precária exportação da ilha vizinha do Porto Santo dava apenas para sustentar a população durante cerca de quatro meses. (12) A necessidade do abastecimento em grão era aguda para um largo sector populacional, - trinta mil no dizer de Eustachio de Sousa, no documento que vimos citando - que não podia recorrer às batatas e ao inhame. Este último tubérculo constituía um «indispensável e principal alimento» dos colonos. Os senhorios trocavam a metade que lhe cabia por trigo da terra, um saco de inhame (valendo 300 réis) por cada alqueire de trigo (600 réis no último quartel do século). Tendo-se de recorrer principalmente à importação. Esta, entre 1783 e 1786 foi a seguinte: __________________ (12) Index Geral do Regista da Antiga Provedoria da Fazenda fl. 48 — A. D. F. — Carta de 28/8/1781 do Senado Municipal. Quadro n.° 6 IMPORTAÇÃO DE GRÃO ESTRANGEIRO (Quantidade em moios) CEREAIS 1783 1784 1785 1786 TERMO MÉDIO Trigo ...... 4.789 1.466 3.177 2.893 3.081 Cevada ..... 4.789 1.466 3.177 2.893 3.081 Milho ...... TOTAL 2.573 12.151 2.554 5.486 4.879 11.233 2889 8.675 3.224 9.386 Mas há ainda que ter em conta a importação de farinhas (com a média anual de 13.670 barris no período apresentado como ilustração). Esta imperiosa necessidade dos mantimentos exteriores, de modo especial de cereais, se não é novidade na história da ilha, muito menos o é ao longo de todo o século XVIII, sofrendo flutuações muitas vezes relacionadas com acontecimentos internos ou com as perturbações que alguns conflitos internacionais causaram nas comunicações. A sustentar esta importação básica estava, como já sabemos, o produto mais aceite nos mercados estrangeiros, o vinho - oito a dez mil pipas anuais em média (13). Além dos mercados estrangeiros abastecedores normais, havia o recurso aos nacionais, de modo saliente os açoreanos. As dificuldades e o preço com que chegavam os víveres para a população, provindos do estrangeiro, levava precisamente a encarar o abastecimento dos Açores, pela sua qualidade e proximidade do transporte, como uma excelente solução (14) ainda que não total. Dentro desse prisma um alvará de 26/2/1771 estabelece a liberdade do comércio de trigo das ilhas açoreanas proibindo o monopólio das câmaras quando se tratasse do «...socorro dos moradores da Ilha da Madeira...» não devendo ser reexportado. Mas as relações com os Açores eram naturalmente dificultadas pela impossibilidade de encontrar produtos madeirenses que lhes interessasse. Na prática essas relações traduziam-se numa balança comercial muito desequilibrada, agravada com o facto de causar transtornos às fracas reservas monetárias da ilha, dado o pagamento se fazer a dinheiro. Ainda o perigo representado pela possível entrada de vinho do Faial utilizável na falsificação do «Madeira», levava a contínuos malentendidos com navios açoreanos ou daí provenientes. _________________ (13) L.º do Registo Particular do Governador João António de Sá Pereira, fl. 26 — A. D. F. — Carta ao Governador dos Açores. (14) In Collecção da Legislação Portuguesa — Ant. Delgado da Silra — 1763/74. Lx. 1829. Como embaraço que era para as regulares relações da ilha com o estrangeiro é natural que só se recorresse de preferência àquelas ilhas em momentos críticos. Assim vemos em 1781 (l5) o senado da Câmara insistir para com a Junta da Real Fazenda para deixar descarregar um navio que se encontrava no porto, vindo da Terceira com trigo e milho mas impedido pela Junta de desembarcá-lo. A Câmara informava haver «.. .nos garnéis dos Mercadores...» apenas 175 moios de trigo. Uma provisão emanada Junta da Real Fazenda local desse mesmo ano, retomando as disposições duma anterior (8/2/1745), sugeria cautelas para falsos alarmes de crise de abastecimentos, que eram um modo de favorecer a especulação. Insistia que a colheita fora abundante e houvera um fornecimento de grãos estrangeiros de mais de 2.000 moios «...para que as va/gas declamaçoins da alguns particu/lares não absorvão as autoridades publi/cas...» e aponta a súmula dos males advindos das relações comerciais com os Açores, «...monopulizando as letras exaurin/do a substância da Ilha com a extra/ção do dinheiro pelos Navios dos Açores/que fazem todo o comércio seu, ganhos / e fretes...» o que era contra o disposto no alvará já citado de 1771. Além disso insistia-se, numa clara visão do esquema comercial em que estava integrada a ilha, que os Açores «...nunca forão capazes de bas/tecerem estas (Ilhas), aparte impatarem a con/correncia dos que extranhem os vinhos /...». Este zelo dos deputados da Junta da Real Fazenda denota uma vivência de interesse só susceptível de ser apreendida por homens em contínuo contacto com as necessidades da economia local, impelidos naturalmente a «sabotar» as intensões do govero central consideradas inoportunas (p. e o alv. de 26/2/1771). Essa tendência comprometia de tal maneira as autoridades centrais que estas mostram-se célebres em pôr-lhe cobro. No caso acima apontado, que não é singular, vemos logo em Outubro desse mesmo ano um aviso expedido da Secretaria de Estado dos Negócios Ultramarinos ao governador onde se exige que a liberdade de relações com as ilhas açoreanas seja prontamente restabelecida, de acordo com a legislação em vigor; indignando-se da proibição que a Junta da Fazenda da Madeira fizera sobre a entrada dos géneros açoreanos, estranha que ela se arrogasse o poder de fazer leis! A Junta justificou a sua atitude porque pretendia «...impedir a extracção da Moeda que os sobreditos Navios levavão...» (16) Assim difíceis se apresentavam as relações com as ilhas dado a situação de não complementaridade ou até franca concorrência no mercado vinícola, o que não impedia o seu precioso recurso nas épocas de crise alimentar (vide quadros relativos às importações açoreanas). ______________ (15) Documento citado N.º 110, pág. 49. (16) Registo Particular do Governo - L.º 3, fl. 12v - Carta do Governador de 12/12/1781 — S3 E4 P5 A. D. F. Com a metrópole já se impõe uma regularidade de relações a que não é alheia o estímulo de certos monopólios como o do tabaco, sabão e sal, mas as desvantagens económicas de tais relações não passam despercebidas. Em carta ao Erário Régio comenta o governador D. Diogo Pereira Coutinho (17) ser a ilha sempre devedora ao comércio estrangeiro e que «...não tem não pode ter, o maior dos males, co/mercio com a sua capital, por falta de couzas permutáveis / e que por isso só vê com dor suas florestas / fabricas sem delias se poder prover...». Já vimos que perante essa situação de facto o governo central vai aceitar certos privilégios locais quanto à importação de produtos manufacturados desistindo do proteccionismo alfandegário à escala do espaço nacional. Mais equilibradas se apresentavam, como veremos, as relações com o Brasil, assentes numa permuta de produtos agrícolas que permitiam um intercâmbio mais estável. Durante o período estudado, a permanência em valor absoluto, do número de navios que comerciam com o Brasil mostra-se mais como resultado dum rígido controle do Estado do que à estagnação das relações. Já com os Açores tal índice numérico revela as dificuldades advindas para esse tráfego dado nem acompanhar as normais necessidades da Madeira que se agravavam com o aumento da população e o incremento de plantio de vinhas, comprometendo as já escassas áreas cerealíferas. Visto que o principal caudal do intercâmbio comercial se estabelecia com os marcados estrangeiros, particularmente anglo-saxónicos, daí advinham naturalmente os víveres. Igualmente nas mãos dos estrangeiros se encontra o «sistema» da importação e distribuição por grosso, mesmo quando se tratasse de, em períodos críticos, encontrar soluções de emergência ou mercados mais adventícios. Ainda então os madeirenses vêem ou são «obrigados» a ver na segurança do dispositivo estrangeiro a solução. Nessas circunstâncias, que não são raras, estes encontram uma boa oportunidade para especularem numa confusa mistura de interesse particulares e colectivos. Esta burguesia mostrava-se em todos os momentos particularmente activa, concorrendo com melhores vantagens, com a insular e mesmo encontrando, por parte das autoridades regionais, uma benevolência que, apesar de tudo, não se revela a única vantagem. Constatamos em fase desta supremacia traços de «xenofobia» em largas camadas da população, até porque, a certa altura, como veremos, passa a existir uma íntima correlação entre «estrangeiro» e «inimigos da velha ordem» (fins do século XVIII). ____________ (17) Citada pág. 143. Ocupar-nos-emos mais detalhadamente duma das habituais crises de abastecimentos cujo processo se d2senvolve em moldes certamente típicos. Em 1795 assistimos a um agravamento cíclico da crise motivada pela escassez de víveres, não só devido às habituais dificuldades levantadas quanto à segurança do porto, no período invernal, que agravava a tendência de as reservas alimentares se esgotarem nesse período de repouso à produção agrícola, mas por, nesse caso, os sucessores internacionais terem desempenho papel revelante (18). Com efeito a nossa ainda recente intervenção em conflito com a França (1793) tornava mais agressiva a acção de corsários franceses que não deixavam de provocar certa perturbação nas comunicações. Em Novembro desse ano um mercador inglês John Blakburne Júnior Banger responde ao apelo da Câmara dispondo-se a enviar um navio americano que tinha no porto, a galera «Patty e Julia», «para executar o desígnio de uma importação de 300 a 400 moios da trigo de Mogador ou outras praias das vizinhanças», mas, atendendo ao risco da empresa, quer que lhe seja assegurado uma vantagem de 20%. Com efeito, apesar de, com «optimismo», se recear que as dificuldades do «pays» (Madeira» se prolongassem por mais meses tinha medo este mercador que, quando a carregação viesse, já estivesse o mercado devidamente abastecido, solicitando daí o proteccionismo duma autoridade oficial para se precaver contra as consequências de algum «dumping» inesperado (19). Para evitar os incómodos da concorrência os mercadores usavam ainda outros processos mais expeditos, sem grandes preocupações pelas reais necessidades do marcado consumidor, antes vendo nas dificuldades do abastecimento um mero meio de lucro, de resto natural. O Senado pressuroso acolhe a sugestão (20) considerando a melhor para a «... utilidade (... dum) povo que aflito geme com a fome e com a cares/tia dos diminutos géneros...» vendo no suplicante «... zello e umanidade para com o publico apezar do/interesse posto...» ____________ (18) Durante a guerra dos Sete Anos vemos o senado da Câmara a obrigar os navios, por carência em terra, a descarregar os géneros que traziam, e não apenas, o que estava de acordo com o regulamento alfandegário, navios arribados. (19) Carta de John Banger ao Senado da Câmara (registada a 24/11/1793) — Registo Geral da Câmara Funchal — T.º 13, fl. 49 — A. D. F. (20) Requerimento ao Senado do Juiz do Povo de 25/2/1797. Registo Geral da Câmara, tomo 13, fl. 61 — A. D. F. O Juiz reclama em nome do «povo» da carestia do trigo (1.200 réis ao alqueire) e das reclamações de alguns comerciantes portugueses e ingleses contra «alguns» comerciantes ingleses e cônsul americano que pretendem manter o monopólio das relações com Safim e Mogador, controlando todo o tráfego com essas praças. Esses traficantes tinham toda a vantagem em manter a alta de preços. Aceite a proposta de John Banger afixam-se editais «... que fasam saber nam somente ao povo mas ao/corpo do comercio o que o suplicante Requer em beneficio de todos» (sic). Logo, sem mais entraves, a decisão é comunicada ao governador (21) para mandar cartas de ofício ao ministério e governadores das terras onde o navio fosse buscar socorro. D. Diogo Pereira sem vagares burocráticos, «que a fome ameaçava», logo informa o secretário de Estado José de Seabra de Sá. O governador ciente dos acontecimentos mundiais a que era sensível a estrutura económica da iha, referia que havia já vinte dias que não se vendia trigo, a farinha estrangeira vendia-se a 3.000 réis a arroba e acrescentava «a actual situação da Europa» fazia recear que «...o giro ordinário do com/mercio desta ilha, não possa introduzir nella com/brevidade este género...» (22) Enquanto a galera de Banger buscava os mantimentos, medidas concretas eram tomadas pelo governo da ilha, raciona-se a venda e procura-se pôr cobro ao açambarcamento até «... chegarem algumas das carregações que se esperavam...» (23) Entretanto a situação transforma-se subitamente invertendo-se a posição do mercado. Este, suficientemente abastecido, vê os preços descerem de tal modo que torna difícil a posição dos abastecedores. As providências do senado da Câmara que iam no sentido de alicerçar com uma garantia de preço mínimo e lucro a Companhia de Banger, desagradavam ao governo do reino. Por isso o secretário de Estado Luís Pinto de Sousa manda revogar «... toda e qualquer Postura que pensar fazer sobre os privilégios/eizensons de pessoa ou pessoas na/falta de mantimentos...», defendia-se a solução dum «... Quadro n.º 7 ENTRADAS DE NAVIOS COM ABASTECIMENTOS DE OUTUBRO DE 1795 A MARÇO DE 1796 Out. Nov. Dez. Jan. Fev. Março Total 2 4 8 3 5 22 Canárias e N. África América do Norte . 1 1 2 4 3 Inglaterra....... 1 2 1 2 5 11 1 (24) 4 5 Europa do Norte . . . Metrópole Açores 1 5 — 2 1 2 3 5 ____________ (21) Carta de 27/ll/1795 do Senado da Câmara - Registo Geral da Secretaria do Governo. (22) Registo Geral da Secretaria do Governo - N.º 25, fl. 203v - S4E2P2 - A. D. F. (23) Edital de 12/12/1795 - Registo Geral da Secretaria do Governo N.º 25, fl. 203v S4E2P2, - A. D. F. (24) Trata-se da galera «Patty e Julia», vinda de Lisboa com 200 moios de trigo ensacado e a lastro. comercio livre e elimitado...». Receava-se que a atitude das autoridades municipais viesse conduzir a um monopólio (25) directo agravando as condições de aprovisionamento da ilha. Passou também a existir uma base jurídica para a Câmara se desembaraçar da onorosidade da responsabilidade tomada. Entretanto ciente da falência do seu negócio, J. Banger requer à Câmara (26) que a galera trouxera de Lisboa o artigo do «ajuste» mas não podia pelo preço que ele corria tirar o lucro que fora prometido, estando o trigo em mau estado, constando pouco satisfeito que «... chegavam diariamente outras carregassoins...» sendo obrigado a barateá-lo ainda mais. Porém as autoridades municipais denunciam o acordo baseadas, como já dissemos, nas disposições do governo. Banger não abandonaria apesar de tudo o negócio que lhe proporcionara a importação dos mantimentos, particularmente os cereais. Em 1798 uma carta de privilégio (27) garante-lhe o uso duma invenção: «...uma machina para purifi/car toda a qualidade de grão evitar a Ruina que/costuma cauzar o insecto devorador delle (...). O caso deste mercador é apenas sintomático do que vimos afirmando sobre as condições da produção local neste período. A incapacidade de manter o abastecimento interno levava a Madeira a procurá-lo nos mercados que podiam compensatoriamente consumir a sua produção vinícola, ou então de modo menos durável em regiões nacionais, sobretudo nas épocas de urgência, muito frequentes. Então os Açores e a Metrópole ou Cabo Verde passam, particularmente o primeiro e o último, a um plano expressivo. Mas igualmente certos territórios estrangeiros, «marginais» ao grande quadro em que se processam as relações comerciais da Madeira, vão então ganhar uma funcionalidade nele, como a Berbéria e as Ilhas Canárias (28). Todo este sistema de relações é dominado, mesmo regionalmente, por uma influente burguesia estrangeira, inglesa sobretudo, que se apoia em condições muito vantajosas (controle dos mercados, capitais e transportes). Dentro destas condições, o circuito comercial em que entrava n ilha, tornavase mais importante e denso quando se tratava das relações com o estrangeiro, nem sempre autónomas, antes pelo contrário, das próprias necessidades do trânsito atlântico desses navios que encontravam no Funchal um bom porto de escala. Em condições mais precárias mantém-se as relações com as áreas nacionais, nelas participando activamente mercadores e armadores locais que, jogando com um certo espírito xenófobo, constituem uma ligeira concorrência à estrangeira. Tornar-se-á particularmente activa depois da revolução americana, mas nunca conseguirá destronar os elementos ingleses. ____________ (25) A burguesia local reagia mal às tentativas de estabelecimento de monopólios - quer sobre os vinhos quer sobre a importação de cereais. (26) Registo Geral da Câmara do Funchal - T.º 13, fl. 51 - A. D. P. (27) Carta régia de 17/9/1798 - Registo Geral da Câmara - Tomo XIII, fl. 107 - A. D. F. (28) Com a expansão do comércio do vinho da Madeira para a Ásia, as Canárias desempenharão um importante papel nas tentativas de falsificações. Navios da praça do Funchal «especializavam-se» em conduzir vinho autêntico às Canárias onde eram lotados com vinhos locais e reexportados para a Ásia fugindo ao controle que se estabelecia à qualidade do produto, imposto com especial zelo pela Colónia britânica.