História da Química Representação de Temas Científicos em Pintura do Século XVIII: Um Estudo Interdisciplinar entre Química, História e Arte Ana Paula Gorri e Ourides Santin Filho Este artigo analisa o trabalho dos chamados químicos pneumaticistas a partir da pintura Um experimento com um pássaro na bomba de ar, executada em 1768 por Joseph Wright of Derby. A obra mostra um grupo de pessoas assistindo a demonstrações com uma bomba de vácuo. Um pássaro está confinado num globo de vidro do qual o ar foi evacuado e parece estar resfolegando. Outros dispositivos experimentais são retratados no quadro. A partir da cena retratada, são discutidos aspectos históricos, filosóficos e científicos da época, com ênfase nos trabalhos de químicos do século XVIII na busca e caracterização de novos “ares”. Sugerimos que o texto seja utilizado como iniciador de um debate interdisciplinar envolvendo Química, História e Arte. história da química; pinturas; química pneumática Recebido em 19/02/08, aceito em 08/04/09 184 A adoção de propostas interdisciplinares no ensino tem sido um dos grandes desafios enfrentados pelos educadores. Uma nova concepção de atividade escolar que aborde os saberes humanos integrados em forma de rede tem sido preconizada pelo MEC e pela CAPES em documentos recentes (Brasil, 2000). A interdisciplinaridade surge então como atividade integradora dos conhecimentos e também pode servir como incentivadora no aprofundamento dos estudos, até pelo caráter lúdico que possa vir a apresentar, se for revestida de atividades que desloquem o aluno da prática usual de estudo e o coloque diante de situações ou de materiais didáticos com os quais ele não está habituado a lidar. Este trabalho examina um tema de interesse químico a partir da pintura An experiment on a bird in the air pump, executado em 1768 pelo pintor romântico Joseph Wright of Derby. A obra é avaliada em seu conteúdo científico, escola artística e momento sua primeira exposição na Sociedade filosófico de sua elaboração, colocandos Artistas de Londres, exibindo, do em comunicação disciplinas que dentre outros trabalhos, a obra Three são consideradas por estudantes e persons viewing the gladiator by canprofessores do Ensino Médio comdlelight (Três pessoas observando o pletamente desvinculadas em seus gladiador sob luz de vela), de 1765. conteúdos, tais como Química, Arte Essa foi sua primeira obra da série e História. “à luz de velas” pelo O quadro retrata qual ficou reconheA adoção de propostas o ar como entidade cido. interdisciplinares no ensino mecânica e sua imDentro desse tem sido um dos grandes portância na respitema, os dois prindesafios enfrentados pelos ração e manutenção cipais trabalhos de educadores. da vida. Focalizamos Wright são A philosoaqui, a partir da análipher giving a lecture se do quadro, os trabalhos dos químion the orrery (Um filósofo dando uma cos pneumaticistas ingleses sobre os aula no planetário, 1766) e a obra An diferentes “ares”, como eram conheexperiment on a bird in the air pump cidos os gases na época, bem como (Um experimento com um pássaro os pressupostos que orientaram o na bomba de ar, 1768). Esses dois trabalho desses pesquisadores. quadros apresentam uma complexa e delicada combinação de Arte, Ciência O pintor Joseph Wright of Derby e Filosofia e são testemunhos claros Joseph Wright nasceu em 3 de do refinamento alcançado por Derby setembro de 1734 em Derby, Inglaem sua arte. terra central. Desde cedo, descobriu A proposta de representação de seu talento e interesse na arte de temas científicos em suas obras dedesenhar retratos. Aos 31 anos, fez correu da amizade de Wright of Derby com pesquisadores, muitos dos quais faziam parte do então Círculo Esta seção contempla a história da Química como parte da história da ciência, buscando ressaltar como o conhecimento Lunar, entidade que agregava intecientífico é construído. QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Representação de Temas Científicos em Pintura do Século XVIII Vol. 31, N° 3, AGOSTO 2009 lectuais da época. Com sede em Birmingham, seus membros se reuniam nas segundas-feiras de lua cheia para discutir os recentes progressos da ciência e da tecnologia, além de realizar experimentos e demonstrações. A escolha das noites de lua cheia facilitava a volta dos participantes para casa após as atividades científicas. O Circulo cresceu e adotou, em 1775, o nome de Sociedade Lunar, mais uma das muitas sociedades lunares que se popularizaram na época. Dentre os membros dessa sociedade, encontram-se James Watt, criador da máquina a vapor; o químico Joseph Priestley, cujo trabalho será debatido à frente; e Erasmus Darwin, médico de Joseph Wright e tema de um de seus quadros. Erasmus foi avô de Charles Darwin, autor da obra A origem das espécies (1859) e propositor da Teoria da Evolução baseada no processo de seleção natural. demonstradores de com baixa iluminaA interdisciplinaridade experimentos eram ção – desenvolvendo surge como atividade viajantes que iam de enorme destreza em integradora dos cidade em cidade, criar volumes usando conhecimentos e mostrando seu traa técnica de claro-estambém pode servir balho. Em especial, curo – e utilizou-se da como incentivadora no esse quadro foi pinluz de uma vela para aprofundamento dos tado por Wright em direcionar a atenção estudos, até pelo caráter uma das apresentapara pontos da cena lúdico que possa vir a ções de Ferguson na (Figura 3, esquerda). apresentar. cidade de Derby. Sabidamente, No centro da pinFerguson não usava tura, Ferguson manipula uma bomba pássaros em suas demonstrações. de vácuo, constituída por uma estruSupõe-se então que o estranho obtura de madeira com duas colunas jeto que repousa na taça que contém cercando dois pistões metálicos e líquido sejam os pulmões ou bexiga um braço articulado. O braço se code algum animal, cuja expansão necta a uma alavanca com a qual se e contração por efeito da pressão executa o bombeamento de ar pelos do ar eram largamente estudadas, pistões. Ao lado dessa estrutura, há mantendo-os no interior de balões uma coluna de madeira que sustenta de vidro. Todo o aparato parece ter um enorme globo de vidro. É possível sido feito para demonstrar a pressão perceber a presença de um orifício dos gases em câmaras no interior de que é conectado por uma mangueira líquidos ou gases. com a bomba geradora do vácuo Sobre a mesa, pode-se ver uma Análise do quadro à luz da cultura de (Figura 2). pequena garrafa também contendo sua época Dentro do globo de vidro, há um uma cânula e um líquido. Ao lado O quadro (Figura 1) mostra uma pássaro, exótico para a região, e idenda pequena garrafa, há um par de reunião científica noturna e tem como tificado como uma cacatua. O pássaro hemisférios de Magdeburgo (Figura assunto principal a demonstração parece estar dando suas derradeiras 3, direita), usados para demonstrar das propriedades do ar. O centro do resfolegadas. A distribuição dos eleas intensas forças necessárias para quadro contém um vaso e, detrás mentos de claro-escuro no quadro compensar os efeitos da pressão deste, provém toda a iluminação que mostra que seu autor colocou a fonte atmosférica sobre recipientes evadomina a cena. de iluminação da cena bem no centro cuados. A obra retrata um estudioso da do quadro. Escondida atrás de um Do lado esquerdo, um adulto e natureza, de nome James Ferguson, vaso contendo líquido, uma vela confeuma criança encontram-se totalmente executando experimentos associados re ar sinistro a toda cena. Derby tornouenvolvidos pelo experimento. O adulto à pressão do ar. Normalmente os se especialista nesse tipo de pintura está sentado, tem em suas mãos um relógio e parece verificar o tempo que o pássaro suporta sem ar. Essa representação é carregada de significado. Nos quadros medievais, as referências ao tempo (traduzidas principalmente pela presença de ampulhetas ou de crânios) eram feitas muitas vezes no sentido de lembrar ao homem a finitude da vida e a inevitabilidade da morte, sobre a qual não se tem domínio. O relógio exibe aqui, além do significado acima, um status epistemológico diferente, em que o tempo aparece também como coordenada física a ser utilizada no experimento, algo que podia ser representado matematicamente e que já fazia parte da interpretação mecânica do mundo no século XVIII. A presença do adulto Figura 1: A obra An experiment on a bird in the air pump (Um experimento com um páscom o relógio se contrapõe ao homem saro na bomba de ar) elaborada por Joseph Wright of Derby em 1768. QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Representação de Temas Científicos em Pintura do Século XVIII Vol. 31, N° 3, AGOSTO 2009 185 Figura 2: Detalhes de James Ferguson, do balão contendo o pássaro (esquerda) e da bomba de vácuo (direita). em atitude de oração. Em segundo lugar, o experimentador olha para o público e, com sua mão direita, parece convidá-lo a tomar a decisão quanto ao destino do pássaro. Por trás de toda a cena, um menino está colocado vizinho a uma janela. Ele segura uma corda com a qual pode içar uma gaiola e também olha para o observador do quadro. Talvez o pintor tenha nos contado o final do experimento, pois o menino parece abaixar a gaiola, antecipando seu resultado. É provável que o pássaro venha a sobreviver. Por fim, as cortinas da janela estão abertas. No céu, um pouco escondida pelas nuvens, pode-se divisar a lua cheia. É a homenagem que Derby presta aos membros da Sociedade Lunar de sua época que, com suas reuniões noturnas, já antecipavam os encontros científicos tão comuns nos dias de hoje. O momento filosófico do século XVIII 186 Figura 3: Detalhes do vaso no centro do quadro, por trás do qual provém a luz que ilumina todo o quadro (esquerda) e detalhes de um frasco com líquido e dos hemisférios de Magdeburgo (direita). sentado à direita, que assume postura introspectiva em aparente atitude de oração. Ao seu lado e vizinhas à bomba de vácuo, duas meninas, consoladas por um adulto, exibem terror e consternação diante da iminente morte do pássaro. Apenas um casal de jovens, visivelmente apaixonados, parece não se envolver com a cena, pois mantêm os sentidos e o pensamento longe desse momento de tensão. Trata-se de amigos de Wright of Derby, que logo viriam a se casar e que foram imortalizados pelo pintor em seu quadro Mr. and Mrs. Thomas Coltman (O Sr. e a Sra. Thomas Coltman), elaborado entre 1770 e 1772. Os diversos semblantes parecem reproduzir a multiplicidade de sentimentos causados pelas conquistas QUÍMICA NOVA NA ESCOLA científicas da época: temor, indiferença, esperança, consternação e poder diante dos novos tempos. Chama a atenção o fato de que, no modelo de Ciência que se estabelece, o homem procura se colocar fora da natureza para observá-la. Essa parece ser a atitude do homem com o relógio que, ausente da gravidade da cena, assume uma postura de observador pretensamente neutro e isento com relação à natureza e ao fato observado. A obra de Wright dialoga intensamente com o espectador. Primeiramente, há um lugar não preenchido na mesa, na exata posição ocupada por quem olha o quadro. De modo emblemático, o posto vazio situa-se entre o filósofo de postura moderna, que porta o relógio, e o filósofo antigo, O quadro representa muito bem o principal movimento intelectual e filosófico no século XVIII, o Iluminismo. Esse período foi antecedido pela Idade Média, momento de elevada produção intelectual e riqueza artística e cultural da humanidade. Não obstante, os Iluministas se viam ‘iluminando’ as mentes de seus contemporâneos e lutando contra as ‘trevas’ da ignorância. Eles classificavam a Idade Média como uma “época obscura, um retrocesso à barbárie [a que] os resplendores da Renascença haviam posto um fim definitivo” (Rossi, 2001, p. 14). Como era de se esperar, o símbolo maior do Iluminismo era a luz, e foi com muita destreza e sutileza que Wright of Derby cria a iluminação de seus quadros da série “à luz de velas” (à qual pertencem, além do An experiment on a bird..., os clássicos A philosopher giving a lecture on the orrery e Three persons viewing the gladiator by candlelight). Nas duas primeiras obras, o autor representou a luz da Ciência e da inteligência humanas clareando mentes e ambientes que, até a Idade Média, viviam supostamente mergulhados nas trevas impostas pelo sistema filosófico dominante. Representação de Temas Científicos em Pintura do Século XVIII Vol. 31, N° 3, AGOSTO 2009 Na obra de Wright aqui retratada, para a compreensão da natureza da Lentamente, um grupo de estudiodois elementos se destacam por sua respiração e da importância do ar sos dos “ares” estava se formando e imponência: a bomba de vácuo e o como fluido vital. A bomba de vácuo viriam a ser conhecidos como químipersonagem que a opera. A tela reilustrada por Wright surge assim cos pneumaticistas, alguns dos quais mete assim a uma conquista científica como elemento fortemente represenmerecem destaque. e a seu conquistador. No entanto, tativo dos trabalhos desses estudioOs químicos pneumaticistas qual é essa conquista e quem é esse sos ingleses sobre a mecânica e a conquistador no contexto social e importância fisiológica do ar. Um importante representante dos científico do século Além desses esquímicos pneumaticistas foi Joseph XVIII? tudos, procurava-se Black (1728-1799). Estudante de meFocalizamos aqui, a partir Em seu aspecto também caracteridicina da Universidade de Glasgow, da análise do quadro filosófico mais prozar os “ares” produBlack concluiu seu curso defendendo Um experimento com um fundo, o estudioso zidos por reações um trabalho acerca das propriedades pássaro na bomba de ar, da natureza tem em químicas diversas, da magnésia alba (modernamente os trabalhos dos químicos suas mãos o poder incluindo os compodemos considerar como carbopneumaticistas ingleses sobre a vida e a plexos processos de nato de magnésio), então utilizada sobre os diferentes “ares”, morte. O controle da combustão e putrepara combater a acidez estomacal. bem como os pressupostos quantidade de ar disfação de plantas e Ele percebeu que a magnésia alba, que orientaram o trabalho ponível ao pássaro e, animais. Tais estudos assim como outros alcalis brandos desses pesquisadores. portanto, a decisão ganharam forte alen(como os carbonatos de sódio e posobre sua vida é dito com os trabalhos tássio), liberava, quando aquecida ou tada por ele e por seu instrumento. do reverendo anglicano Stephen atacada por ácidos, um “ar” que nela Difícil então superestimar a imporHales (1677-1761). estaria “fixado”, reconhecido hoje tância e a dramaticidade conferida Botânico e fisiologista, Hales estucomo sendo o gás carbônico. ao ar na obra de Wright. A compredou os trabalhos de Boyle e publicou Black denominou o novo gás ensão desse valor pode ser feito sob dois livros: Vegetable Staticks (1727) e como “ar fixo”, uma vez que o mesmo diversos pontos de vista: o ar como Haemostaticks (1737). Hales entendia parecia estar “fixado” nesses mate‘elemento’ constitutivo da natureza no que o ar era um elemento e se pôs riais. Comparando as propriedades pensamento aristotélico; como acoa determinar sua quantidade nos do ar atmosférico com as do ar fixo, lhedor dos ‘espíritos’ emanados das corpos. Para recolhê-los, inventou a ele percebeu que este era impróprio operações alquímicas medievais; e cuba pneumática, constituída por um para a respiração e não sustentava como entidade mecânica, decorrente tubo de vidro longo e curvo, fechado a chama de uma vela. Colocando o dos estudos de Robert Boyle (1627em uma de suas extremidades, na novo ar em contato com o resíduo 1691) e Robert Hooke (1635-1703) no qual se coloca o material a estudar. sólido remanescente do aquecimenséculo XVII. Contudo, foi no século Tal extremidade é coto, Black notou que XVIII que o ar e os “ares” adquiriram locada para aquecer este voltava a “se O quadro mostra uma um significado mais profundo do num forno e a outra fixar” no material, rereunião científica noturna e ponto de vista químico. extremidade do tubo generando os álcalis tem como assunto principal recurvado é imersa brandos, inclusive O ar e os “ares” a demonstração das dentro de uma tina a magnésia alba. O propriedades do ar. Na obra de Wright, a bomba de d´água contendo um mesmo ar seria tamvácuo surge, ao lado de seu opegrande balão invertibém identificado por rador, como elemento soberano a do, também cheio de água. Desse Black a partir da exalação respiratória dominar a cena. Sua importância não modo, os gases emanados do matee da combustão de matéria orgânica. pode, com efeito, ser menosprezada. rial aquecido podiam ser recolhidos Desse modo, duas novidades Ela ocupa um lugar de destaque no no balão. Em seus estudos, Hales surgiram na Química. Em primeiro estudo dos ares. submeteu à destilação materiais de lugar, “um novo ar” havia sido isolado, Robert Boyle e Robert Hooke origem orgânica e mineral, cuja longa com propriedades bastante diferenaperfeiçoaram o dispositivo criado lista incluía sangue, sebo, chifres, gortes daquelas do ar atmosférico. Em por Otto von Guericke em 1650 e duras, conchas, sementes, madeira, segundo lugar, esse novo ar passou realizaram importantes estudos somel, carvão, calcário, salitre, pirita, a ser visto como um participante num bre o comportamento mecânico e a além de produtos de fermentação e processo químico, pois podia ser “reimportância fisiológica do ar. Boyle putrefação. movido” e “refixado” nas substâncias. descobriu a relação inversa entre a A invenção da cuba pneumática Contemporâneo de Joseph Blapressão e o volume do ar, e Hooke por Hales permitiu que os gases fosck, Henry Cavendish (1731-1810) demonstrou que a função dos movisem obtidos e recolhidos com pouca era dotado de extrema versatilidade mentos respiratórios é prover os pulcontaminação, abrindo caminho para e fez experiências importantes em mões de ar fresco, abrindo caminho seu estudo químico sistemático. eletricidade, calor, gravitação, meteoQUÍMICA NOVA NA ESCOLA Representação de Temas Científicos em Pintura do Século XVIII Vol. 31, N° 3, AGOSTO 2009 187 188 rologia e deixou um vasto trabalho em Segundo Cavendish, o ar inflamárelatando que ela se tornava “mais saquímica. Tinha um estilo de vida que vel (ou flogístico, na sua visão) deveborosa e refrescante”. Priestley pode muita gente imagina ser, ainda hoje, ria provir do metal, já que este seria então ser considerado o inventor da a vida de todo cientista. Excêntrico, rico naquele e o ácido o deslocaria água com gás, a qual se acreditava não tinha laços de amizade, pouco para fora do metal, formando o sal. ter propriedades medicinais. conversou e nunca se casou. No âmbito dessa teoria, tal hipótese Numa vasta obra em seis voEm seu livro Experiments on facé bastante razoável, uma vez que este lumes intitulada Experiments and titious airs (Experimentos sobre os “ar”, numa reação inversa, é capaz de observations on different kinds of air ares factícios, 1766), Henry Cavenreduzir os óxidos (que são as “cais”, (Experimentos e observações sobre dish descreveu a obtenção de um desprovidas de flogístico) nos seus diferentes tipos de ar) e publicada “ar” contido de forma inelástica em metais, ricos nesse material. de modo irregular entre 1774 e 1786, outros corpos e que deles podem Dois novos “ares” faziam agora Priestley relata como produziu e ser liberados por procedimentos quíparte do elenco de substâncias disestudou as propriedades de nada micos. Cavendish também estudou poníveis aos químicos. Entretanto, menos do que doze diferentes “ares” as propriedades do ar fixo de Black. em termos de número de “ares” esa saber: ar desflogisticado (1774); ar No final do século tudados, Priestley flogisticado (1772); ar nitroso (1772); XVII, surgiu uma teoria superou todos os vapor nitroso (1772); vapor nitroso A obra retrata um que procurava expliseus antecessores. desflogisticado (1774); ar fixo ou ar estudioso da natureza, car diversas reações Joseph Priesmefítico (1771); dois ares inflamáveis de nome James Ferguson, químicas. Herdeira do tley (1733-1804) (1772) (o que se atribui a Cavendish, executando experimentos pensamento dos alera filho de alfaiae ainda o gás que hoje conhecemos associados à pressão do ar. quimistas árabes e da te. A família tinha como monóxido de carbono, que teoria dos três princíformação religiosa também se inflama); ar do ácido pios de Paracelso, a Teoria do Flogísliberal e dissidente. O jovem Joseph vitriólico (1774), ar do ácido marinho tico supunha que um corpo, ao sofrer estudou línguas antigas e modernas (1772), ar alcalino (1774) e ar do ácido combustão, perdia um fluido bastante e se interessava por Filosofia Natural. de flúor (1775). Modernamente esses tênue, que foi chamado de flogístico. Sua carreira científica começou com gases são identificados como oxigêSegundo essa teoria, o flogístico não o título de Doutor em Letras pela nio, nitrogênio, óxido nítrico, dióxido poderia ser isolado dos compostos, Universidade de Edimburgo, obtido de nitrogênio, óxido nitroso, dióxido mas apenas transferido de um corpo em 1765, mas seu trabalho e mesmo de carbono, hidrogênio, monóxido de a outro. Ele estaria presente em maior sua presença nas rodas de intelectucarbono, dióxido de enxofre, cloreto quantidade nos materiais muito comais era malvista em função de suas de hidrogênio, amônia e tetrafluoreto bustíveis (como carvão, papel, madeiposições religiosas consideradas de silício, respectivamente. ra, enxofre, fósforo, óleos, gorduras excessivamente liberais. Tamanha conquista foi possível etc.), mas também estaria presente Seus primeiros estudos em Filosograças à sua ideia de aperfeiçoar a nos metais. Nessa teoria, a queima fia Natural são refecuba pneumática de de um metal conduziria à formação rentes à eletricidade Hales, substituindo Os diversos semblantes, de uma cal (óxido) com liberação do e foram publicados a água da cuba e do retratados na pintura, flogístico para a atmosfera: metal → na obra The history balão por mercúrio parecem reproduzir cal (óxido do metal) + flogístico. and present state em algumas situaa multiplicidade de Reagindo metais com soluções of electricity (1767). ções, permitindo que sentimentos causados pelas de ácidos diluídos, Henry Cavendish Nesse mesmo ano, fossem recolhidos conquistas científicas da observou a evolução de um gás de Priestley se transferiu “ares” ainda não época: temor, indiferença, densidade extremamente baixa e para Leeds, imporcaracterizados por esperança, consternação muito inflamável. Chamou-o de “ar tante centro fabril da serem solúveis em e poder diante dos novos inflamável” e propôs que o gás fosépoca, concentranágua. tempos. se o próprio flogístico, originário do do, graças às fontes Priestley estudou metal e não do ácido, interpretando de carvão da região, diversas propriedaa reação como as indústrias têxtil, metalúrgica e des desses ares, dentre eles a respisiderúrgica. Em Leeds, veio a se inrabilidade, a solubilidade em água e teressar por Química e, em especial, a capacidade de sustentar a chama pelos gases. de uma vela ou de carvão. É importante salientar que esse Morador vizinho a uma cervejaria, Um “ar” em especial, obtido pelo e outros esquemas, apresentados interessou-se pelo gás emanado das aquecimento de mercurius precipitaneste trabalho, não eram adotados fermentações. Caracterizou-o como tus per se (óxido de mercúrio), chana época dos flogistonistas, apareo “ar fixo” de Black e supostamente mou a atenção de Priestley. Ele não cendo aqui apenas a título de esclafoi o primeiro a dissolvê-lo em água a se solubilizava na água e apresentava recimento. fim de modificar suas propriedades, altíssima respirabilidade, além de inQUÍMICA NOVA NA ESCOLA Representação de Temas Científicos em Pintura do Século XVIII Vol. 31, N° 3, AGOSTO 2009 tensificar em muito a chama de uma que resolver tal querela, é o resultado mudança de concepção de constituivela e a combustão do ferro e do carque a experiência sugere. Se, de fato, ção de mundo, além de introduzirem vão. Adepto da teoria do flogístico, ele a água é produto uma abordagem quíinterpretou que o novo “ar” possuía da combinação dos mica no estudo dos A bomba de vácuo tais propriedades por conter pouco dois “ares”, então ela gases, outorgando ilustrada por Wright flogístico. Chamou-o então de ‘ar não é um elemento. a esses compostos surge como elemento desflogisticado’. Dispondo de pouco Aos poucos, o o devido lugar de fortemente representativo flogístico, o novo ar poderia então mistério dos fluidos destaque que eles dos trabalhos dos recebê-lo em maior quantidade, o que aeriformes ia se remerecem na natuestudiosos ingleses sobre explicaria a melhora observada nas velando, desde o trareza e na Química. a mecânica e a importância combustões sob atmosfera deste. balho da mecânica Ao lado da bomba fisiológica do ar. Conhecedor dos resultados de dos gases, por parte de vácuo de Robert Priestley, Cavendish passou a estude Boyle e Hooke, Boyle, os pneumadar o mesmo ar, inclusive testando a até a obtenção e caracterização quíticistas ingleses estão, pois, muito combustão de seu ‘ar inflamável’ na mica de entidades diferentes do ar bem representados na imponente presença do ‘ar desflogisticado’ de atmosférico. imagem do personagem que aparePriestley. Ele constatou que o produto Diversos outros estudos com ce no quadro, tendo eles aberto as formado era a água, ou seja, ar inflanovos tipos de “ar” foram conduportas para Lavoisier elaborar uma mável (rico em flogístico) + ar deszidos por esses e outros químicos teoria mais ampla e completa acerca flogisticado (pobre em flogístico) pneumaticistas. Eles legaram a nós da combustão e da respiração aniágua. Dito de outro modo, água – “ar novas técnicas e novas substâncias mal, a Teoria do Oxigênio. inflamável” ar desflogisticado, isto gasosas, definidas e individualizadas, Agradecimentos é, o ar desflogisticado seria nada merompendo assim com a velha nonos do que a água ção de que o ar seria Ana Paula Gorri agradece ao da qual havia sido um elemento obtido, Programa PIBIC/UEM pela concesNa pintura, o ar pode ser subtraído o flogístico. muitas vezes, contasão de bolsa de Iniciação Científica, visto como ‘elemento’ De qualquer forma, a minado de diversas e Ourides Santin Filho agradeconstitutivo da natureza no água seria constituímaneiras. Foi a partir ce ao CNPq pelo financiamento pensamento aristotélico; da pela reação entre do estudo dos “ares” de parte deste trabalho (Proc. como acolhedor dos dois “ares”. Há uma que a água também 400874/2006-7). ‘espíritos’ emanados das controvérsia acerca perdeu seu status de operações alquímicas de a quem se atribui elemento primordial Ana Paula Gorri é aluna do curso de Licenciatura medievais; e como primeiro tal constade composição da em Química da Universidade Estadual de Marin entidade mecânica, tação, Cavendish ou natureza e passou a gá (UEM) e bolsista do Programa PIBIC/UEM. decorrente dos estudos Ourides Santin Filho ([email protected]), bacharel Lavoisier, e por trás ser vista como uma de Boyle e Hooke no em Química, mestre e doutor em Química (Físicodela está a primazia combinação de duas química) pela USP, pós-doutor pela Université Louis século XVII pela descoberta da substâncias mais Pasteur (Strasbourg, França), é professor associado composição da água simples. do Departamento de Química da UEM e orientador do Programa de Pós-graduação em Educação para (Alfonso-Goldfarb e Ferraz, 1993). Assim, os químicos pneumatia Ciência e o Ensino de Matemática (PCM/UEM). No entanto, mais importante do cistas tiveram papel fundamental na Referências Para saber mais ALFONSO-GOLDFARB, A.M. e FERRAZ, M.H.M. As possíveis origens da química moderna. Química Nova, v. 16, n. 1, p. 63-68, 1993. BRASIL. Ministério da Educação. Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES). Documento da área interdisciplinar. Brasília, 2000. ROSSI, P. O nascimento da ciência moderna na Europa. Bauru: EDUSC, 2001. ALFONSO-GOLDFARB, A.M. Da alquimia à Química. São Paulo: Landy, 2001. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília, 1999. CHILVERS, I. Dicionário Oxford de Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001. GEPEQ. Interações e transformações III. Química Ensino Médio: Guia do Professor. São Paulo: EDUSP, 1998. GOTTSCHALL, C.A.M. Do mito ao pensamento científico. 2 ed. São Paulo: Atheneu, 2004. NATIONAL GALLERY. 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Some aspects on the historical and philosophical context of the painting are discussed, and the text can be used as an interdisciplinary material in high school chemistry courses. Keywords: History of chemistry, paintings, pneumatic chemistry QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Representação de Temas Científicos em Pintura do Século XVIII Vol. 31, N° 3, AGOSTO 2009 189