Escola de EngenhariaU niversidade do Minho
Departamento de Sistemas de Informação
»«MERCADOS E NEGÓCIOS: DINÂMICAS E ESTRATÉGIAS
Academia, e mpresas e inovação
Eduardo Beira
WP 75 (2007)
Working papers “Mercados e Negócios”
Maio 2007
»«wp 75 (2007)
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»«MERCADOS E NEGÓCIOS: DINÂMICAS E ESTRATÉGIAS
Academia, e mpresas e inovação
Eduardo Beira
Escola de Engenharia, Universidade do Minho
(C) Eduardo Beira, 2007. All rights.
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Um p ar ado xo?
Em discussão anterior (1) tive oportunidade de referir a forma paradoxal como avalio a
evolução das relações entre ensino superior (Universidade, em especial) e o mundo
empresarial nas últimas décadas, baseado na minha experiência profissional e académica,
desde o inicio da década de 70 até hoje:
- por um lado um aumento da importância das parcerias entre as empresas e a
Universidade, a o níve l f orm al e instituc io na l, em projectos e iniciativas com melhores
mecanismos de avaliação e controlo,
- mas por outro lado um mundo académico mais fechado, com muito menos i nteracçõ e s
infor ma is e p e ssoa is co m a ind ustria e a s em presa s, muito menos permeada e
influenciada pela experiência no campo profissional, muito mais preocupada e motivada
pelos valores exclusivamente internos e corporativos.
Trinta anos depois, o sistema fechou-se, mas paradoxalmente sempre a falar na necessidade
de se abrir mais ao exterior. No cerne da questão está que o crescimento do sistema se fez á
custa de um corpo docente sem vida profissional e sem ligações ao mundo externo.
Paradoxalmente é hoje mais raro encontrar nas escolas de Engenharia um docente
universitário com simultânea actividade empresarial (ou mesmo de outros tipos de
organizações da sociedade), ou com um passado de forte imersão na realidade externa à
academia.
Lembro-me bem da "rationale" que estava por trás disso: criar a dedicação à Universidade a
tempo inteiro, acabar com os "profs" que não faziam investigação porque
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dedicavam muito tempo à indústria. O resultado é perverso: tem transformado a academia
num mundo fechado, altamente corporativo e perigosamente ignorante da realidade não
académica, geneticamente empobrecido sob o ponto de vista cultural e de geração / difusão
de conhecimento.
A po nta do ice ber gue
A figura junta retoma um modelo da OCDE que nos pode ajudar (2): aquilo que vemos das
relações empresas / ensino superior é apenas uma ponta visível de um iceberg (ver figura).
A parte invisível do iceberg é muito maior e sustenta a parte visível. Retiremos a
parte invisível do iceberg e ele afunda-se e quase desaparece. Por outras palavras: não
podemos ter a parte visível do iceberg sem uma grande parte invisível. No caso das relações
entre empresas (ou sociedade) e ensino superior (Universidade em especial) a parte visível é
constituída pela actividade formal conjunta que resulta em actividades contratualizadas e
instituições conjuntas, as quais emergem de uma base intangível de redes informais de
cooperação associadas á mobilidade dos docentes e investigadores, publicações conjuntas
entre académicos e profissionais, assim como todo o tipo de reuniões e eventos que
misturam ambos os mundos, incluindo a gestão dos fluxos (e refluxos) de alunos entre o
ensino superior e a indústria.
O que se tem visto nas ultimas décadas é o desespero de se tentar forçar a parte visível do
iceberg, muitas vezes de forma muito voluntariosa, ao mesmo tempo que se tem na prática
diminuído as oportunidades e o valor de muita da interacção que caracteriza a parte
invisível do iceberg.
A fragilidade das relações informais entre a academia e a indústria, associada a uma quase
nula mobilidade (intra e extra academia) dos docentes e a baixa densidade de participação
em redes profissionais limita as oportunidades de polinização cruzada de ideias e de
inovação. Infelizmente o quadro institucional tem favorecido que o trabalho de casa na
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construção e reforço da parte invisível do iceberg seja cada vez mais difícil e menos
produtivo - em grande medida porque faltam os agentes de ligação e de mudança adequados
e necessários.
Mas reforçar a parte invisível do iceberg implica medidas como
- reconhecer a importância da actividade industrial e da experiência profissional (não
académica) como factores de progressão na carreira académica
- incentivos à publicação em jornais e revistas especializadas da industria e não apenas em
revistas académicas de investigação
- valorização de oportunidades informais de networking, imersões em actividades e
ambientes empresariais, recurso a profissionais como parte da leccionação, ...
Tudo coisas bem conhecidas, mas que são claramente desfavorecidas pelo actual Estatuto
da Carreira Docente e também pela cultura interna da academia, cujo "inbreeding"
escandaloso não pode obviamente ser propício ao desenvolvimento da parte invisível do
iceberg.
O caso de Carlos Couto, um professor da Universidade do Minho que foi um dos maiores
inovadores nas relações entre empresas e Universidade na década de 80, tendo
protagonizado na região projectos emblemáticos da I&D conjunta em Portugal, como o dos
sistemas de pesagem da Cachapuz (em Braga) e outros, é muito elucidativo e merece
reflexão: "A tendência é a Universidade às vezes reagir mal a isto. Eu próprio não querendo
por a carreira em risco, a partir de determinada altura tive que fazer uma opção, no sentido
de permanecer na vida académica. O que eu constato, agora, á posteriori, é que a
consequência disso foi terem diminuído fortemente os contactos com a industria, porque
redireccionei a vida para uma via académica mais tradicional" (3). Ou como a própria
academia acabou por matar um dos seus casos mais sérios e de maior sucesso na parte
visível do iceberg.
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Aliás verifica-se que na prática a corporação académica, entregue a si própria, acaba por ser
mais "papista do que o papa". Basta ver o que acontece com a da categoria dos professores
convidados nas nossas Universidades: perversão do conceito (usando o modelo para
contratar á margem da carreira formal pessoas sem qualquer qualificação para convidado ou seja sem experiência não académica relevante) e marginalização (remetendo para as
franjas do sistema e dificultando a sua integração na actividade académica, mesmo com
prejuízo da oferta lectiva).
Não é ainda claro até que ponto as transformações em curso no modelo de governação do
ensino superior poderão (ou não) contribuir para mudar este estado das coisas.
Ino vaç ão e mo b ilid ad e
A inovação (empresarial ou não) é acima de tudo um fenómeno de construção social baseado
na reutilização ou recombinação de conhecimentos anteriores em contextos ou domínios
diferentes (4). E não tem relação directa com a despesa em I&D (como sugerido pelo
chamado, e gasto, modelo linear da inovação), mas com a disponibilidade de agentes
("brokers") capazes de fazer a transferência e readaptação de ideias em novos contexto.
Agentes capazes de movimentarem ideias entre "small worlds" ("pequenos mundos")
distantes e disjuntos.
É na intersecção de mundos e conhecimentos diferentes que se criam as oportunidades de
inovação (4). Logo as políticas pró-inovação têm que se fazer pela promoção da mobilidade e
da interacção, exactamente ao nível da parte invisível do iceberg.
Exper iê ncia pe ssoa l e for maç ão do co nhec im e nto
Michael Polanyi é um dos pensadores mais influentes do século XX, cuja citação se
popularizou na actual onda (moda) da chamada "economia do conhecimento", citado acima
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de tudo pela sua contribuição para evidenciar as ditas componentes tácitas e formais do
conhecimento.
Mas Michael Polanyi é seguramente muito mais citado do que lido. Na sua obra central (5,
mas não a mais citada) Polanyi mostra que todo o conhecimento é pessoal e reflecte a
própria experiência do indivíduo. Não há conhecimento sem estar integrado no próprio ser
físico pensante, e na sua história pessoal, e constrói-se com a sua própria participação
pessoal. O passado pessoal condiciona a construção do conhecimento e não há construção
formal directa e abstracta de conhecimento. Mais: não é verdade que o conhecimento seja
ou tácito ou formal: antes o conhecimento formal assenta sobre o conhecimento tácito,
representando uma forma adicional de elaboração. (Não admira que seja também frequente
o recurso à analogia do iceberg para representar esta visão, em que o conhecimento formal
é apresentado como a parte visível do iceberg, e o conhecimento tácito como a parte
invisível e submersa do iceberg, que sustenta a parte visível). Esta visão tem profundas
implicações epistemológicas e na filosofia da ciência, com imediatas implicações sobre o
iceberg das relações entre empresas e academia e também sobre a emergência da inovação:
é acima de tudo o passado pessoal que facilita (ou não) o aparecimento de agentes de
inovação ("brokers" de ideias entre mundos diferentes). E que ajuda a construir as extensas
redes da parte invisível do icebergue. Temos defendido que a academia precisa de
diversidade: diversidade de modelos, diversidade de agentes, diversidade de currículos e
diversidade de graus (6). O modelo institucional único e uma carreira de via única serão dos
maiores obstáculos à cooperação entre empresas e academia, e de um modo geral entre a
sociedade e a academia. Para facilitar isso a academia precisa de ser um "melting pot" de
actores de diferentes experiências pessoais e interesses, em que a experiência de vida
pessoal e profissional seja valorizada - nos docentes e nos discentes.
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(*) Professor convidado. Depois de uma primeira carreira académica na U. Porto (1972 a
1982), trabalhou durante quase vinte cinco anos na gestão de empresas de serviços e
industriais. Regressou em 2001 à vida académica.
Ref ere ncia s:
(1) Beira, E., "Academic and business views on partnerships for innovation",
Workshop ", Partnerships for innovation: fostering industry science relationships",
Lisboa, 17 e 1 8 de Dezembro de 2001 (disponível como Working paper, WP18 (2002),
DSI, U. Minho)
(2) Malkin, D., "Connecting science and innovation for economic growth", Workshop
"Partnerships for innovation: fostering industry science relationships", Lisboa, 1 7 e
1 8 d e Dezembro de 2001
(3) Couto, C, depoimento em Beira, E., "Protagonistas das tecnologias da
informação em Portugal. Uma colecção de testemunhos", Braga, AIMinho, 2004
(disponível em w w w .memtsi.dsi.uminho.pt)
(4) Horgadon, A., "How breakthroughs happen. The surprising truth about how
companies innovate", Harvard Business Scholl Press, 2003; Johansson, F. "The
Medici effect. Breakthrough insights at the intersection of ideas, concepts and
cultures " , Harvard Business Scholl Press, 2004
(5) Polanyi, M., "Personal knowledge. Towards a post-critical philosophy",
University of Chicago Press, 1974 (Ted: 1958).
(6) Beira, E., "Universidade, industria e sociedade desafios", in Conceição, P., D.
Durão, M . Heitor e F. R. Santos, "Novas ideias para a Universidade", 1ST Press,
1998
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Figura 1:
O icebergue das relações entre a ciência e a industria.
Adaptado de Malkin (2001)
MECANISMOS FORMAIS DAS RELAÇÕES ENTRE A CIÊNCIA E A
INDÚSTRIA: A PONTA DO ICEBERGU
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