da agricultura para
P15 Dinâmica
o futuro: metodologias
de investigação e prospetivas
Atas Proceedings
ISBN 978-989-8550-19-4
P15 · Dinâmica da agricultura para o futuro:
metodologias de investigação e prospetivas
Coordenadores
Ana Alexandra Vilela Marta Rio Costa
(UTAD) [email protected]
Emiliana Silva
(UAC) [email protected]
A agricultura e o setor alimentar deparam-se com um futuro incerto, encontrando-se sob influência de múltiplos fatores, que têm revelado a vulnerabilidade dos sistemas agro-alimentares atuais e originando consenso sobre a necessidade de sistemas mais resilientes. Neste
contexto, a investigação está cada vez mais envolvida com a antecipação de desenvolvimentos futuros, através da avaliação e previsão de cenários. O objetivo deste painel é discutir
metodologias, procedimentos e resultados de investigação sobre a dinâmica da agricultura
e do setor agro-alimentar para o futuro, para a identificação das suas implicações e de mecanismos de alerta a nível local, regional e global.
3892 | ESADR 2013

Bruno Aires da Silva Almeida
[email protected]
AASM  Associação Agrícola de S. Miguel,
Emiliana Leonilde Dinis Gil Soares da Silva
[email protected]
Universidade dos Açores – DCA  CEEAplA

A discussão do próximo quadro de apoio comunitário à Região Autónoma dos Açores, no
âmbito da Política Agrícola Comum marca a atualidade açoriana. Um cenário possível é o
decréscimo de apoios aos produtores açorianos, nomeadamente o subsídio que depende
exclusivamente da quota leiteira. Para compensar esta quebra da “receita” urge que os
produtores leiteiros dos Açores melhorem a eficiências das suas empresas agrícolas. Sendo
assim, este trabalho tem como objetivo principal conhecer os valores de eficiência e estimar
o número de explorações eficientes em S. Miguel, dado que esta ilha contribui com cerca
de 75% da produção regional e a produção dos Açores representa cerca de 30% da
produção de leite de Portugal.
Neste trabalho utilizaramse os dados de 91 explorações pertencentes à ilha de São Miguel..
Fezse uma caracterização das explorações leiteiras e utilizouse para estimar a eficiência o
programa DEAP (“Data Envelopment Analysis”). Estimouse a eficiência das explorações
em dois modelos de eficiência não paramétrica alternativos: considerando ou não os
subsídios como output.
No Modelo I verificouse que apenas 7 delas obtiveram máxima eficiência técnica (7,69%
da amostra). O nível médio de ineficiência técnica foi de 0,312, o que significa que se pode
reduzir em média até 31,2% dos gastos nos consumos, sem penalizar a produção. A
eficiência técnica baixa de 68,8% no Modelo I para 63,7% no Modelo II, em que apenas 5
explorações são eficientes tecnicamente (5,49% da amostra).
Este trabalho fará uma caracterização da estrutura das empresas pecuárias dos Açores,
apresentará a metodologia utlizada (DEA), uma descrição dos trabalhos com aplicações do
Atas Proceedings | 3893
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
DEA mais relevantes, seguindose a apresentação e discussão dos resultados. Ao finalizar
apresentaremos as considerações finais e as fontes bibliográficas utilizadas.
 Açores, “Data Envelopment Analysis”, eficiência, leite, modelos.

S. Miguel é a maior das ilhas da Região Autónoma dos Açores, quer em população, quer
em dimensão. A produção agrícola é uma componente importante no produto interno bruto.
A fileira do leite tem o maior impacto na economia dos Açores, embora a fileira da carne,
as pescas e o turismo também se apresentem como alternativas de produção. A produção
leiteira de vaca e do queijo representam, respetivamente, 28,4% e 35,0% da produção do
total a nível nacional (INE, 2009).
O objetivo deste trabalho é conhecer a eficiência económica de 91 das explorações
micaelenses. Para tal, utilizase a análise não paramétrica de eficiência (
) e o DEAP  para calcular a eficiência técnica a rendimentos variáveis e a
rendimentos constantes.
Neste trabalho apresentase uma caracterização sumária da Região Autónoma dos Açores,
uma descrição da metodologia e algumas investigações que recorreram a esta metodologia.
Finalmente, apresentamse os resultados e conclusões.

Em 2009, o efetivo bovino nacional era de 1.391.000 animais, dos quais (20,0%) eram
vacas leiteiras com idade igual ou superior a dois anos, que tinham parido pelo menos uma
vez e cujo leite produzido era principalmente vendido ou autoconsumido pela família do
produtor (INE, 2011).
O Quadro n.º 1 mostranos que o número de bovinos diminui 2.1 % entre o ano de 1999 e
2009. Neste período de tempo, o número de vacas leiteiras diminuiu 22% registando a
maior descida na região Centro (Beira Litoral e Beira Interior). O Alentejo é a região que
tem maior expressão na produção bovina (39% do efetivo nacional, quase exclusivamente
para a produção de carne) Seguemse as regiões predominantemente leiteiras, do Norte
(Entre Douro e Minho) com 18% e os Açores com 17%, que em conjunto concentram mais
de 2/3 do efetivo leiteiro de Portugal.
3894 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
















400
210
161
393
12
240
4



133
74
29
21
1
99
1

Unidade: 1000 cabeças





323
103
201
39
46
21
562
21
9
1
245
92
5
1


Fonte: INE (2000,2011)
Em Portugal, em 2009, o efetivo bovino médio por exploração era de 26,7 cabeças. Em
anos mais recentes observase, que as explorações de bovinos leiteiros convergem para
um sistema de estabulação, sendo no Norte mais expressiva. Em Lisboa e no Centro a
estabulação é significativa e concentram os sistemas mais intensivos de produção de
bovinos de carne e de leite. Pelo contrário, a sua expressão é mínima no Alentejo e nos
Açores, pela utilização quase exclusiva de sistemas extensivos nestas duas regiões.
No Quadro n.º 2 observase que a produção de leite de vaca entre 1999 e 2009 temse
mantido constante, não obstante da diminuição gradual nos últimos 10 anos no número
do efetivo leiteiro. Isto é, a média de produção por vaca tem aumentado
significativamente (em 1999 era de 5.541 kg, e em 2009 era 6.973 kg aumentando de
21%). Verificase também um aumento no Teor Butiroso (TB) e no Teor Proteico (TP).

Unidade: litros (milhares)






2.116.967
1.978.471
3.78
3.16

2.136.285
1.998.216
3.80
3.22

2.054.270
1.923.577
3.83
3.27

2.166.501
2.039.727
3.84
3.25

2.019.952
1.893.243
3.81
3.28


2.076.958
1.949.670
3.85
3.28
2.128.412
1.999.234
3.85
3.28
3
Atas Proceedings | 3895
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural

2.048.724
1.924.111
3.84
3.25

2.028.789
1.909.440
3.85
3.28


2.076.769
1.960.899
3.86
3.27
2.047.593
1.938.641
3.83
3.28
Fonte: INE (2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008,2009)
Em 2009 foram recenseadas 13.541 explorações agrícolas, em que S. Miguel tem cerca
de metade (42,2%) do total (SREA, 2011). A fileira do leite regista um enorme impacto
na economia dos Açores. Segundo o INE (2009), do total da produção de vaca em
Portugal em 2007, os Açores contribuíram com 28,4%, sendo que a produção da ilha de
São Miguel contribuiu com 63,7% do total açoriano. Em São Miguel, nos últimos anos,
temse observado um aumento dos produtos de valor acrescentado, como o queijo e
iogurtes em detrimento dos produtos com menor valorização (leite em pó e da
manteiga). Em 2005, a produção de manteiga e do leite em pó atingiu os 24,4% e os
97,1% do total nacional (INE, 2009).
Esta nova mudança de política das empresas de transformação devese à valorização dos
produtos pela diferenciação e criação da “Marca Açores” permitindo, por exemplo, que
em 2005 o queijo produzido na RAA já atingisse os 35% da produção nacional. Existem
em Portugal doze queijos com Denominação de Origem Protegida (DOP), sendo que
dois são açorianos: o queijo de São Jorge e o queijo do Pico. No caso do queijo de São
Jorge a sua produção representa mais de 50% da produção nacional de queijos DOP,
porém, é o produto com menor valor médio de venda por unidade (INE, 2009).
Na União Europeia a produção leiteira é controlada por um sistema de quotasatribuída a
cada país membro. Para Portugal foi atribuído, em2011, uma quota de 2.02 milhões de
toneladas (t) (IFAP, 2012) e para os Açores de 548 mil t. Este tipo de sistema é
necessário para a sobrevivência económica dos pequenos núcleos leiteiros como é o
caso dos Açores. Com a supressão das quotas leiteiras os Açores serão submetidos ao
nível concorrencial das grandes potências leiteiras da Europa.
Apesar destas dificuldades, o sector leiteiro açoriano tem pontos fortes, nomeadamente:
uma indústria modernizada capaz de inovar e/ou criar novos produtos mais saudáveis e
de uso fácil; ter uma fileira leiteira estruturada; os produtos lácteos produzidos na região
têm excelente qualidade e com propriedades químicas únicas; possuir dois produtos
DOP; uma imagem de um produto “Marca Açores” que está associado à região e à sua
qualidade ambiental (Almeida, 2012).
4
3896 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
Porém, as ameaças à fileira do leite açoriano nomeadamente o fim das quotas em 2015
irá acrescer o nível concorrencial dos produtos lácteos provocando, possivelmente um
abaixamento do preço do leite e, consequentemente uma diminuição da rentabilidade
económica das explorações leiteiras com os custos de produção a aumentar anualmente.
Acrescendo o fato de serem uma região ultra periférica, os custos de transporte e de
logística são maiores e o mercado regional ter menor dimensão (Almeida, 2012). 

O produto bruto das explorações agropecuárias dos Açores é constituído na sua maioria
na produção de leite e de carne. A venda de leite e de carne representam 61% do total de
receitas, sendo que a venda de leite contribui com 84,1% e a venda de carne com os
restantes 15,9%. Aprodução de carne é representada como uma atividade complementar
e não como uma atividade alternativa (Silva, 2001). Os subsídios recebidos representam
18% do total da estrutura do produto agrícola, baixando para 16,9% na ilha de São
Miguel. Nesta mesma ilha e segundo a mesma autora, o valor das receitas do leite e da
carne totalizam 65,9% das receitas (91,3% para o leite e 8,7% para a carne).
Silva (2001) constata que a compra de alimentação representa 27% do total dos gastos
reconhecendo, que o sistema de produção de leite é muito exigente na alimentação. As
amortizações dos equipamentos também representam 13,6% dos gastos, justificando
que isto se deve à aquisição de muitos equipamentos promovida pelos apoios
governamentais e da União Europeia. Com uma menor percentagem nos custos totais
estão as rendas de terrenos agrícolas e a compra de fertilizantes, com 10,6% e 9,8%
respetivamente. Os custos salariais representam 5,6%, considerando Silva (2001), que o
valor da mãodeobra é baixo devido à maioria das explorações serem do familiar. Os
gastos com a conservação, reparação e fertilizantes representam em conjunto 12%.
Os gastos totais para ilha de São Miguel seguem a mesma tendência que a nível
regional, isto é, as amortizações contribuem com 8,9%, as rendas de terras com 8,0%, a
alimentação com 37,3%, os fertilizantes com 8,6% e os custos com os salários com
7,1% (Silva,2001).

A análise não paramétrica de eficiência é uma metodologia que permite avaliar a
eficiência com que determinada unidade empresarial utiliza um conjunto de recursos
() na produção de um conjunto de resultados (). Esta avaliação é sempre
5
Atas Proceedings | 3897
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
relativa, porque as unidades empresariais são analisadas comparativamente a outras
num conjunto de variáveis efetivamente observadas e não em relação a padrões ou
 prédefinidos.
O cálculo da eficiência económica das unidades de produção permite determinar
estratégias, planeamentos e tomadas de decisões, sobretudo para as atividades com
importância no desenvolvimento económico e social, como é o caso da agropecuária
nos Açores. A eficiência de uma exploração é medida pela comparação entre valores
observados e os valores ótimos dos seus produtos (saídas) e recursos (entradas).
Segundo Mello   (2005), a eficiência é um conceito relativo. Compara o que foi
produzido  os recursos disponíveis com o que poderia ter sido produzido com os
mesmos recursos. Contudo, a eficiência diferenciase da eficácia, porque a eficácia está
ligada apenas ao que é produzido sem ter em conta os recursos usados para a produção,
ou seja, é a capacidade da unidade produtiva atingir a produção que tinha como
objetivo. Este objetivo tanto pode ter sido estabelecido pela própria unidade como
externamente, dependente das expectativas de cada um.
A análise não paramétrica contabiliza claramente a mistura de entradas () e saídas
(). Este método pode ser utilizado para comparar um grupo de unidades de
serviços, possibilitando identificar as unidades que são ineficientes podendo, inclusive
medir a magnitude das ineficiências e comparar as unidades ineficientes com as
eficientes permitindo, reduzir as ineficiências (Macedo  , 2003). Esta comparação
pode ser feita em linhas gerais pela razão entre produção observada e produção
potencial máxima alcançável, dados os recursos disponíveis, ou pela razão entre a
quantidade mínima necessária de recursos e a quantidade efetivamente empregada, dada
a quantidade de produtos gerados.
De acordo com Pereira (1995,  Macedo , 2003), a análise não paramétrica é
uma técnica de pesquisa operacional que tem como base a programação linear e cujo
objetivo
é
analisar
comparativamente
unidades
independentes
(empresas,
departamentos, etc.) no que se refere ao seu desempenho operacional. Ela fornece uma
medida para avaliar a eficiência relativa das unidades de tomada de decisão, os DMU’s
( ). A ideia principal é a comparação dos  com os .
Charnes   (1978), referenciado Silva (2001), propôs em termos analíticos um
6
3898 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
modelo de programação fracional, cujas variáveis representam os pesos mais favoráveis
para a unidade organizativa.

∑  

 = 

 =1

∑  


 =1

∑  



 =1

∑  

≤ 1 = 12,  , ,  , 

 =1
 ≥  0∀
 ≥  0∀ 
Onde: Ek, é razão de eficiência da unidade k, definida como a relação dos  sobre
os  com k = 1,...,n variáveis; o n é o número total de unidades (DMU) que estão
sendo avaliadas; uj, com j = 1,..., s  de cada variável, é o coeficiente de saída
para j, onde s é o número total de tipos de saídas sendo considerados. A variável uj é a
medida da diminuição relativa na eficiência com cada unidade de redução do valor de
saída; vi, com i = 1, ..., m  de cada DMU, é o coeficiente de entrada para i, onde m
é o número total de tipos de entrada. A variável vi mede o aumento relativo na eficiência
com cada redução unitária do valor de entrada; yjk é o número observado de unidades de
saída j, geradas pela unidade de serviço k durante um período de tempo; xik é o número
real de unidades de entrada i, utilizadas pelas unidades de serviços k durante um período
de tempo.
A mensuração dos valores para u e v, que são os pesos é determinado informaticamente
pelo programa     (DEAP), atendendo à
maximização da soma ponderada dos  dividida pela soma ponderada dos 
da DMU em estudo, sujeita à restrição de que esse quociente seja menor ou igual a 1.
Este modelo assume que todos os DMU se encontram numa escala de rendimentos
constantes (CRS).
Banker   (1984) propuseram uma extensão do modelo anterior, atendendo às
situações de rendimentos variáveis à escala, modificando o programa linear de formar a
poder incorporar as restrições de convexidade (N1’ƛ=1, sendo N um vetor unitário).
7
Atas Proceedings | 3899
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Este novo modelo passouse a chamar de modelo de rendimentos variáveis à escala
(VRS), obedecendo à seguinte expressão.
Min θƛ θ
s.a:
- yi + Yƛ ≥ 0
Θxi – Xƛ ≥ 0
N1’ƛ=1
ƛ≥0
De onde: X = matriz de ; Y = matriz de Θ = Escalar. Vetor multiplicador
aos ; ƛ = Vetor de constantes (Nx1) Multiplicador da matriz dos  e .
Esta importante alteração permite dividir a eficiência técnica global em duas
componentes, a eficiência técnica pura e a eficiência de escala. Para isso, devese
calcular os dois modelos, CRS e VRS com os mesmos dados. Se existir uma diferença
entre as duas medições para o mesmo DMU em particular, significa que é ineficiente
em escala, sendo o valor da ineficiência calculado pela diferença entre a medição de
CRS e a medição VRS.
Silva (2001) calculou a eficiência técnica para três modelos de explorações leiteiras nos
Açores atendendo para o Modelo 1:  (produção de leite total);  (SAU,
número de vacas e custos associados à atividade leiteira); para o Modelo 2:  (PL
total e os subsídios/ha (subsídios/ha));  (SAU, número de vacas e custos variáveis e
fixos associados à atividade leiteira); e para o Modelo 3:  (PL total);  (SAU,
número de vacas e custos variáveis e fixos associados à atividade leiteira). Silva (2001)
concluiu que das 122 explorações estudadas, somente 7 foram eficientes, com uma
média de eficiência técnica de 66,4%. Os modelos 1 e 3 obtiveram iguais resultados,
ambos tiveram 5 explorações eficientes e uma média de 65,2% de eficiência técnica. O
modelo 2, com a introdução dos Subsídios/ha nos  melhorou para 66,4% a
eficiência técnica e aumentou para 9 as explorações eficientes.
Arzubi   (2002) concluíram que em 21 explorações leiteiras de Buenos Aires
(Argentina), a eficiência técnica de 83% no exercício de 1997/1998 aumentou para 87%
no exercício de 1999/2000.
8
3900 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
De acordo com Santos (2009), a eficiência técnica com os retornos constantes nas
explorações da região do Rio Grande do Sul, no Brasil foi em média de 65,6% com um
desvio padrão de 21,2%, utilizando o método de análise não paramétrica de eficiência.

Para a realização do presente trabalho, recorreuse aos dados de 91 explorações
agropecuárias da ilha de São Miguel inscritas no Contraste Leiteiro e que realizaram
contabilidade organizada em 2010.
As 91 explorações leiteiras da ilha de São Miguel, estão distribuídas pelos seis
concelhos, correspondendo a cerca de 37% das explorações que tiveram resultados
apurados em contraste leiteiro em 2010 (SDASMa), e b),2011). O concelho mais
representado é o da Ribeira Grande com 39 explorações, seguindose o de Ponta
Delgada com 35 explorações. O concelho menos representado é o da Vila Franca do
Campo com apenas 2 explorações.
Cerca de 53,8% das 91 explorações têm mais de 75 CN e 39,6% têm entre 3075 CN.
Somente 6 explorações (6,6%) têm menos de 30 cabeças normais. O maior número de
explorações com mais de 90 CN neste estudo devese essencialmente, à obrigação das
explorações agrícolas com faturação superior a 150.000€, de elaborarem contabilidade
organizada, enquanto as explorações com faturação inferior a 150.000€ poderem optar
pela contabilidade simplificada.
A maioria das explorações (51) deste estudo tem uma quota leiteira atribuída entre
251.000 e as 500.000 kg. Observase, igualmente, no mesmo gráfico que 18 explorações
agropecuárias têm uma quota leiteira entre 501 e 750 mil kg e 13 explorações uma
quota inferior a 250 mil de quota leiteira.

Os dados foram organizados numa folha em Excel, listados em colunas dos ,
seguidos pelas colunas dos  Para a obtenção dos resultados da eficiência das
explorações agropecuárias utilizouse o programa DEAP (Data Envelopment Analysis
Program) (Coelli, 1996 ).
Para conhecer a eficiência das explorações leiteiras da ilha de São Miguel foi
equacionado dois modelos:

9
Atas Proceedings | 3901
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
: foram incluídas as variáveis da Venda de Leite por hectare (VL), Vendas
Diversas por hectare (VDv) e Subsídios por hectare (Subs/ha).
: foram incluídos todos os custos totais ligados à atividade da exploração
agropecuária, a Superfície Agrícola Útil (sal) e o número de cabeças normais (CN).
Neste modelo, os valores considerados nos  são os que representam a entrada
monetária, ou seja, a venda de leite anual que as explorações produziram no ano de
2010, juntamente com as vendas diversas, como é o caso de venda de vitelos, vacas para
refugo, . Foi considerado os subsídios por hectare atribuídos à exploração como fator de
rendimento. Aos  foram considerados todos os custos associados às despesas por
hectare: custos de alimentação (Calim); Custos de fertilizantes (CFert); Custos de
Amortização (CAmort); custos de conservação e reparação de equipamentos (CCRE);
Custos de eletricidade (CElec); Imposto sobre rendimentos (IR); Custos das Rendas
(CRendas); CAME; custos dos salários (CSalár); custos de veterinário (CVet) e custos
diversos (CDv), mais a SAU e o número de CN..

: foram incluídas as variáveis da VL, VDv.
: foram incluídos todos os custos totais ligados à atividade da exploração
agropecuária, o SAU e o número de CN.
O modelo I diferenciase do modelo II somente na incorporação dos Subsídios por
hectare no , uma vez que esta variável não deve ser considerada como fonte de
rendimento e as explorações agropecuárias devem ser eficientes sem este apoio.

No Quadro n.º 3 encontrase sumariada as estatísticas descritivas das variáveis
analisadas para as 91 explorações (Almeida, 2012).



SAU
CN
CN/ha
CNv
IR
CAlim
CFert
CAmort

40,41
89,55
2,49
66,67
126,38
663,47
332,89
250,39

29,49
52,54
0,80
40,01
142,98
230,57
185,95
264,30

72,98%
58,72%
32,18%
60,01%
113,13%
34,75%
55,86%
105,55%

6,89
22
0,92
16
76,70
192,00
22,17
0,00

183,60
350
5,52
263
835,43
1336,04
1250,69
1142,16
10
3902 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
CCRE
CElec
CComb
CAgua
CRendas
CAME
CSeguros
CLimp
CVet
CIA
CQuotas
CSalár
VL
VDv
Subs/ha
PLL
RL
PL305
PG305
PP305
ST
CAP
CarL
PP
SM
PF
269,57
33,20
282,92
18,40
115,47
143,15
23,22
44,71
65,24
19,80
35,63
196,34
3794,02
212,88
1090,06
0,265
1002,93
8061,40
288,73
262,85
80,53
81,55
81,50
82,19
80,19
80,89
229,48
55,10
170,59
34,40
106,52
141,64
22,40
36,00
37,91
11,30
17,84
229,87
1952,22
232,21
423,58
0,251
839,76
1188,29
40,97
38,99
2,61
2,09
1,40
1,46
1,84
1,52
85,13%
165,96%
60,30%
186,95%
92,25%
98,95%
96,46%
80,51%
58,10%
57,07%
50,07%
117,07%
51,46%
109,08%
38,86%
9,46%
83,73%
14,74%
14,19%
14,84%
3,17%
2,50%
1,73%
1,67%
2,28%
1,79%
39,30
1657,03
0,00
293,80
33,40
978,00
0,00
238,50
0,00
414,77
0,00
685,50
0,00
98,20
0,00
207,89
8,67
209,97
0,11
53,90
9,31
116,65
0,00
1161,05
986,30
13733,72
0,00
1342,02
90,95
3037,00
0,211
0,352
810,70
4460,60
5391,00
11256,00
206,00
400,00
173,00
382,00
73,00
89,00
77,00
88,00
77,00
85,00
77,00
85,00
76,00
84,00
78,00
85,00
Fonte: Almeida (2012)
Verificase através do Quadro n.º 3, que a média do RL das explorações analisadas no
ano de 2010 foi de 1.002,93/ha, um valor mais alto em relação a Silva (2001) que era de
606,56 €/ha.
Em média estas explorações deste estudo têm 2,49 CN/ha e 40,41 ha de área útil, sendo
largamente superior à média das explorações da ilha de São Miguel que se situa nos 8,9
ha de SAU (SREA, 2011). Constatase também que a média de PL305 das explorações
foi de 8.061 kg, mais 263 kg de leite em relação à média das explorações micaelenses
em Contraste Leiteiro no mesmo ano (SDASM  a) e b), 2011). Observase também que
o coeficiente de variação para as variáveis produtivas e morfológicas têm uma baixa
dispersão deduzindo, dessa forma, alguma homogeneidade dos valores destas variáveis
nas explorações do estudo.
No Quadro n.º 3, optouse por agrupar seis variáveis independentes nomeadamente,
CElec, Custos em água (CAgua), Custos em seguros (CSeguros), custos de produtos de
limpeza (CLimp), Custos de Inseminação Artificial (CIA) e CQuotas, numa única
11
Atas Proceedings | 3903
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
variável a que se atribui o nome de Custos Diversos (CDv). A razão para reunir estas
variáveis prendese
se com o facto de cada uma apresentar um valor inferior a 2% do total
da percentagem dos custos associados às despesas de uma exploração.
No Gráfico n.º 5 observase que os custos em alimentação representam 25,32% dos
custos gerais de uma exploração agropecuária, valor mais baixo ao apresentado por
Silva (2001) para a ilha de São Miguel, que indicava 37,3% deste custo e de 27% para
os Açores. Esta
ta variável é, sem dúvida a que tem maior expressividade nos custos
associados de uma exploração. A alimentação representa em média 19,6% da
d venda de
leite por hectare,, havendo um máximo de 53,59% e um mínimo de 6,99% da venda de
leite por hectare.
Os custos
os de fertilizantes representam a segunda maior percentagem na estrutura de
custos, com 12,70%, um valor 4,1% superior ao apresentado por Silva (2001). Também
com um aumento do peso nos custos, está os custos em carburantes representando
10,79% do total da despesa das explorações leiteiras açorianas, mais 6,59% que Silva
(2001), justificado pelo aumento compulsivo do preço do combustível. A conservação e
reparação de equipamento, as amortizações e os salários representam respetivamente,
10,29%; 9,55% e 7,49%
% da estrutura total dos ,, sendo ligeiramente diferentes em
relação a Silva (2001) que apresentou percentagens de 5,2%; 8,9% e 7,1%,
respetivamente.



Em relação aos  criados pelas explorações agropecuárias micaelenses, a venda de
leite é, sem dúvida, a variável que mais favorece a rentabilidade líquida por hectare,
hectare
12
3904 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
representando 73,20% do total (Gráfico n.º 2).
). Com pouca expressividade, mas não
menos importante está a venda de diversos que totaliza 4,37% dos proveitos.



Os subsídiospor hectare atribuídos às explorações dos Açores atingem uma média de
1.090,06€,, representando 22,43% do total dos  que contribuem para a RL. Esta
percentagem chega a representar um máximo de 37,39% e um mínimo de 0,82 %. Esta
variável protagoniza uma importância vital na rentabilidade das explorações em que por
exemplo, a diferença entre a RL e os subsídiosha por hectare obtémse
se uma média de 
87,13€,
€, o que significa que algumas exploraç
explorações
ões micaelenses não são rentáveis sem a
atribuição dos subsídios.. Do total das 91 explorações desta amostra, 60,44% das
explorações têm resultados negativos sem os subsídios e somente 39,56% tem
resultados positivos.
Cerca de 46,2% dos subsídios a que auferem as explorações micaelenses são os apoios
aos Produtos Lácteos, ou por outras palavras o subsídio da quota. A segunda
seg
maior
comparticipação provém
m das ajudas ao prémio da vaca leiteira, representando 27,5% do
total. As Indeminizações Compensatórias, o apoio às Culturas Arvenses, o subsídio ao
Abate, a Extensificação e outros subsídios,, representam em conjunto cerca de 26,3%
(Almeida, 2012).
Com o fim anunciado das quotas leiteiras, os produtores micaelenses perdem em média
46,2% dos subsídios/ha que lhes são atribuídos. Com este cenário perderseá
perder
em média
10,36% do total de receitas, com evidente quebra na rentabilidade das explorações
(Almeida, 2012).
13
Atas Proceedings | 3905
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Constatase que as explorações deste estudo têm uma taxa média de rendimento líquido
por hectare sobre o total dos proveitos, ou seja, um lucro real incluindo os subsídios/ha
na ordem dos 19,80%, o que significa que 80,20% são despesas. Esta percentagem
desce drasticamente para níveis negativos de 4,20% quando se retira os subsídios às
explorações, atingindo níveis mínimos de 70,60% (Almeida, 2012). Num eventual
panorama de não atribuição de subsídios às explorações agropecuárias deste estudo,
apenas 36 explorações micaelenses conseguiriam sobreviver financeiramente, ou seja,
apresentando resultados positivos, sendo que 19 destas explorações têm percentagens de
rentabilidade líquida por hectare abaixo dos 10%. Verificase que a maioria das
explorações micaelenses são altamente dependentes dos subsídios que usufruem.

O Quadro n.º 4 apesenta para os modelos ( I e II), os valores para a eficiência técnica
com rendimentos constantes (CRSTE), para a eficiência técnica com rendimentos
variáveis (VRSTE) e para a eficiência em escala (SCAL).

Média
Desvio Padrão
Máximo
Mínimo
Expl. Eficientes
CRSTE
0,688
0,132
1
0,448
7

VRSTE
0,815
0,120
1
0,548
14
SCAL
0,846
0,102
1
0,626
7
CRSTE
0,637
0,126
1
0,432
5

VRSTE
0,785
0,128
1
0,459
12
SCAL
0,813
0,101
1
0,602
5
Para os rendimentos constantes à escala para o Modelo I verificase, que das 91
explorações leiteiras, apenas 7 delas obtiveram máxima eficiência técnica (Ej=1), o que
equivale a 7,69% da amostra. O nível médio de ineficiência técnica neste modelo é de
0,312 (10,688), o que significa que se pode reduzir em média até 31,2% dos gastos nos
consumos, sem penalizar a produção. Verificase também que a eficiência técnica baixa
de 68,8% no Modelo I para 63,7% no Modelo II, com uma diminuição para 5
explorações eficientes tecnicamente, equivalente a 5,49% da amostra, sendo que estas 5
incorporam na lista das explorações eficientes do Modelo I.
Estes valores da eficiência média são ligeiramente mais altos do que os resultados
obtidos por Silva (2001) que auferiu para o Modelo II uma eficiência técnica de 65,2%,
14
3906 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
com 5 explorações eficientes, equivalente a 4,13% da amostra e uma eficiência técnica
de 66,4%, também ligeiramente inferior para o Modelo I.
Santos   (2009) obtiveram, nas mesmas circunstâncias do Modelo II, resultados
ligeiramente superiores para as explorações agropecuárias do Rio Grande do Sul
(Brasil), atingindo uma eficiência técnica de 65,6%. Em comparação também com o
Modelo II, Arzubi   (2002) obtiveram resultados de 87,0% de eficiência técnica,
muito superior aos 63,7% deste modelo.
Considerando os rendimentos variáveis à escala, o panorama melhora um pouco, no
Modelo I existe um aumento da média de eficiência técnica para 81,5% e um aumento
para 14 explorações eficientes, representando 15,38% da amostra. Observase ainda que
as explorações no Modelo II diminuíram a eficiência média para 78,5%, verificando
uma redução de 2 explorações eficientes em relação ao modelo com a inclusão dos
subsídios/ha.
No Quadro n.º 5 está representado os dados estatísticos das explorações eficientes
tecnicamente para ambos os modelos. Registase que a Pontuação Final (PF) têm os
mesmos valores e que a PL305 apresenta uma diferença de 7.884,9 kg para 8.242,8 kg
de leite nos Modelos I e II. Com menos 2 explorações eficientes, o Modelo II tem uma
média de RL superior ao Modelo I, não obstante de não utilizar os subsídios/ha nos




Média
DP
Min
Max
Média
DP
Min
Max
SAU
55,1
64,7
6,9
183,6
30,7
37,3
6,9
95,8
CN
95,0
115,1
22,0
350,0
52,1
30,2
22,0
100,2
RL
1.534,9 1.224,8
462,8 3.317,8 1.839,8 1.340,1
462,8 3.317,8
PL305
7.884,9 1.224,8 5.790,0 9.149,0 8.242,8 1.006,0 6.914,0 9.149,0
PF
80,7
1,3
79,3
82,4
80,7
1,4
79,3
82,4
Verificase ainda que as explorações com CRSTE igual a 1 no Modelo I têm uma média
de SAU 55,1 ha, face às explorações do Modelo II com uma média de 30,7 ha. De igual
modo, as CN por exploração são de 95,0 e 52,1 para os Modelos I e II, respetivamente.
No gráfico n.º 3 observase que as explorações estão maioritariamente distribuídas entre
os 79 pontos e os 82 pontos de PF. As explorações com as melhores CM, isto é, com PF
superior a 84 pontos têm uma eficiência técnica entre os 0,64 e os 0,73. As explorações
com eficiência (Ej=1) variam entre os 79 pontos e os 82 pontos de PF, significando que
15
Atas Proceedings | 3907
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
as explorações com melhores PF não são as que têm melhor eficiência técnica. Observa
Observa
se, igualmente, uma predominância das explorações do Modelo I (pontos azuis), com
eficiência técnica maior que o Modelo II (pontos vermelhos).




As explorações da amostra encontram
encontramse
se distribuídas maioritariamente entre as
produções de 6.500 kg e os 9.500 kg (Gráfico n.º 4). Observase
se que as explorações
com maiores produções de leite não são as mais eficientes tecnicamente, o que significa
que estão
ão a usar demasiados  para a produção conseguida. As 7 explorações com
Ej=1 estão distribuídas entre os 5.790 kg e os 9.149 kg de leite aos 305 dias.




16
3908 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15

Conforme se verifica no gráfico n.º 5 a Rentabilidade Líquida por hectare (RL)
(
das
explorações da amostra estão maioritariamente entre os 0 e 2.000
2.000€/ha.
€/ha. Observase
Observa que
as duas explorações com maior RL têm uma eficiência técnica um pouco acima dos
60%, e que as explorações com Ej=1 (ou seja, as eficientes) variam entre 462,8€
462,8 e os
3.317,8€. Constatase
se que as explorações com RL maior não são obrigatoriamente as
explorações mais eficientes e vice
viceversa. Porém, as explorações do Modelo I (pontos
azuis) têm tendencialmente uma eficiência técnica maior que as explorações do Modelo
II.





17
Atas Proceedings | 3909
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
O presente trabalho teve por objetivo conhecer a realidade das explorações
agropecuárias da ilha de São Miguel, e ao mesmo tempo criar um modelo para os
produtores melhorarem a rentabilidade líquida por hectare das suas empresas.
Nos resultados da análise não paramétrica de eficiência verificouse, que as explorações
leiteiras necessitam de melhorar a sua eficiência técnica, uma vez que estão a utilizar os
seus recursos muito abaixo das reais possibilidades, ou seja, para se tornarem mais
eficientes terão que reduzir os recursos, mantendo constantes os produtos, isto é,
orientando os  ou o inverso, aumentando os produtos em função dos mesmos
recursos utilizados. Apenas 7,69% da amostra obteve eficiência técnica, baixando para
5,49% da amostra quando se retira os subsídios como fonte de rendimento. Estes
resultados não divergem dos resultados obtidos na década de 90 por Silva (2001), e só
confirmam, mais uma vez, a elevada dificuldade das explorações leiteiras micaelenses
em tornaremse eficientes ao longo destes anos. Constatouse também que não é
possível caraterizar uma exploração eficiente, porque encontramse com médias de
pontuação final, a produção de leite aos 305 dias e a rentabilidade líquida por hectare
muito diversificadas.

Almeida, B. (2012). Modelo De Rentabilidade das Explorações Leiteiras em S. Miguel:
Influência dos Fatores de Produção, da Classificação Morfológica e da Produção
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Arzubi, A. e J. Berbel (2002). Determinación de índices de eficiência mediante DEA en
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 (17), 12, 103124.
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18
3910 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
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VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
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Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
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e Desenvolvimento Rural
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VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
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Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
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e Desenvolvimento Rural
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3922 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
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Atas Proceedings | 3923
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural

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3924 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
             
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Atas Proceedings | 3925
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural

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Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
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Atas Proceedings | 3927
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
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Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
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VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
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Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
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VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
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3932 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA E CONFLITOS NO ESPAÇO
AGRÁRIO BRASILEIRO1
Indira Rocha Marques – SEED-AP, Brasil, [email protected]
Gilberto Marques – UFPA, Brasil, [email protected]
RESUMO:
Desde a segunda metade do século XX ocorreu a modernização da agricultura brasileira
(elevando a produtividade) e o montante de capital investido. Mas a propriedade da terra
manteve-se concentrada, gerando conflitos diversos. No início do século XXI a agricultura
brasileira apresenta inúmeras tendências, entre as quais a intensificação da incorporação
tecnológica e de capital. Infelizmente, permanecem velhas e surgem novas contradições.
Palavras-chaves: Modernização da agricultura, conflitos, tendências.
1.
Introdução
O Objetivo deste trabalho é analisar o processo de modernização da agricultura
brasileira e as contradições que o acompanharam, assim como apontar as principais
tendências que identificamos permanecerem nestas primeiras décadas do século XXI. O ponto
de partida é a discussão da industrialização nacional e sua relação com o espaço agrário. A
seção seguinte aborda a estrutura agrária brasileira e modernização do campo. Finalmente,
levantamos as tendências em curso que estamos observando. Não temos a pretensão de
apresentar esta discussão como acabada, ao contrário.
2.
Espaço agrário e industrialização brasileira
O Brasil manteve-se, essencialmente, como um país agrário-exportador até os anos 1930,
pelo menos – o que se refletia inclusive na distribuição do poder, concentrado nas oligarquias.
Mas mudanças importantes já estavam em processo. Desde o final do século XIX o Brasil
iniciava um processo de industrialização, que se intensificou na década de 1930 e que foi
definido por Mello (1998) como industrialização restringida, porque se concentrava na
produção de bens de consumo imediato, não atingindo a indústria pesada, produtora de meios
de produção (bens de capital). Apesar disso, este movimento foi muito intenso e apoiado pelo
Estado brasileiro sob os dois governos Vargas, conformando o processo de industrialização
por substituição de importações e o próprio Estado desenvolvimentista.2
A industrialização nacional, fortemente intensificada a partir dos anos 1930, foi
acompanhada do intenso processo de urbanização nacional, com significativo crescimento
1
Este trabalho tem uma versão preliminar com o título Espaço agrário e tendências do campo no Brasil.
Segundo Draibe (1985), o Estado brasileiro conformou um projeto para o futuro, extrapolando o estreito
horizonte imediato das classes sociais de então. Além da economia, regulou relações sociais e se manifestou
como executivo forte e aparelho burocrático-administrativo complexo e moderno - regulando relações
econômicas de classe e materializando em sua estrutura burocrático-institucional este conflito.
2
1
Atas Proceedings | 3933
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
populacional urbano, fosse por conta de um crescimento vegetativo, fosse pelo expressivo
êxodo rural.
Gráfico: evolução proporcional da população rural e urbana no Brasil, 1940-2000
Fonte: IBGE – Censos Demográficos. Elaboração dos autores.
Já em processo de urbanização, em 1940 quase 70% dos brasileiros ainda estavam no
campo. A transição demográfica rural-urbana brasileira ocorre durante os anos 1960, de modo
que em 1970 a população urbana totalizava 52.904.744 pessoas (56% do total), contra
41.603.839 (44% restantes) habitantes da zona rural. Mas chama atenção que nas regiões e
estados onde a industrialização era mais acelerada a urbanização também ocorria mais
rapidamente. Em 1960 a região Sudeste já contava com 57,4% residindo nas áreas urbanas,
contra 35,5% do Norte do país. São Paulo concentrava este percentual em 62,8% e o Rio de
Janeiro 79%.
Na segunda metade da década de 1950, durante o governo Juscelino Kubitschek, inicia-se
um novo momento da industrialização nacional, com a tentativa de implantação do
departamento produtor de meios de produção, particularmente a indústria pesada, produtora
de matérias-primas elaboradas (aço, por exemplo), energia, petróleo, máquinas e química,
entre outros (MELLO, 1998; LAFER, 2002). A intenção não se efetivou na integridade, mas
representou um avanço importante no desenvolvimento da economia nacional, entre os quais
a formação do setor produtor de bens de consumo duráveis, cujos exemplos destacados são os
eletrodomésticos e os automóveis.
A industrialização brasileira significou não apenas o estabelecimento da hegemonia da
burguesia industrial, mas, especificamente, da burguesia industrial do Sudeste. Quando um
setor do capital se desenvolveu, estabelecendo sua hegemonia sobre outras regiões, impôs-se
a necessidade de integrar territorialmente o país, o que Oliveira (1978) chamou de divisão
regional do trabalho nacional, constituindo uma economia nacional regionalmente localizada
(OLIVEIRA E REICHSTUL, 1980). Desta forma, a integração nacional foi um momento da
nacionalização do capital.3
3
Com a industrialização novas exigências se impõem ao Estado brasileiro. Para além de políticas setoriais, tinhase agora que garantir a própria reprodução ampliada de capital. Até então a máquina burocrático-institucional
vivia entre tradicionalismo-clientelismo e modernização. Agora as exigências da modernização ficavam mais
acentuadas: a urbanização levava a população a exigir serviços e mais participação política; a ampliação da
2
3934 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
Junto à industrialização ocorre a centralização de poder no Executivo federal e na
burguesia industrial. Apesar disso, não se processou uma ruptura completa com os “pólos
oligárquicos”. O Estado Novo (1937) representou a consolidação da burguesia no poder, mas
em associação aos latifundiários e velhos grupos comerciais. Igualmente pensa Francisco de
Oliveira (1988) que afirma que na revolução burguesa brasileira a substituição dos
proprietários rurais no poder pela burguesia industrial (a qual buscava sustentação nos
trabalhadores) não exigiu uma ruptura total do sistema, se conformando um pacto estrutural
entre as classes que sequer excluiu totalmente os proprietários rurais da estrutura de poder ou
dos ganhos do desenvolvimento capitalista, possibilitando inclusive a reprodução de relações
não-capitalistas na agricultura.
A economia agroexportadora deixou de impor sua dinâmica e forma de reprodução ao
conjunto da economia, mas esta subordinação foi suficientemente elástica para garantir a
reprodução da burguesia agroexportadora – entre outras coisas porque se necessitava das
divisas deste setor para a importação de bens necessários à produção industrial (OLIVEIRA,
1978).
Há uma complementaridade entre a burguesia industrial e a burguesia agroexportadora
expressa de diversas formas:4 geração de excedentes e divisas cambiais pelo setor
agroexportador e drenados para a indústria (via setor bancário, por exemplo). Outra forma era
quando a renda do setor agroexportador caía e a indústria o abastecia com os bens de
consumo de que não estava conseguindo importar. Porém, esta complementaridade não está
isenta de contradições. Em alguns momentos esteve fortemente abalada, pois com a
industrialização a burguesia industrial tendeu à autonomia e a choques com a oligarquia. Para
Marini (2000) e Oliveira (1988) estas contradições podem ser encontradas nos governos, e nas
suas crises, de Vargas (1951-1954), Quadros (1961) e no período presidencialista de Goulart
(1963-1964).
O acelerado processo de industrialização ocorria em meio a contradições. A Comissão
Econômica Para a América Latina (CEPAL), cujo um dos expoentes foi Celso Furtado,
defendia a industrialização como forma de superar o subdesenvolvimento dos países
latinoamericanos. Em termos práticos, a industrialização era tomada como sinônimo de
progresso, de desenvolvimento. Os indicadores econômicos cresceram bastante, mas as
contradições sociais também, entre as quais a concentração de renda. Esta constatação levou a
Cepal a defender reformas, entre as quais a reforma agrária.5
A modernização da economia nacional não atingia por igual todas as regiões e setores
econômicos. A agricultura ficava para trás e mantinha uma estrutura da propriedade muito
concentradora, o que gerava conflitos crescentes, produzindo movimentos sociais que
produção exigia investimentos significativamente maiores e o mercado de trabalho se tornava mais complexo,
etc.
4
Complementaridade que ajuda a entender as dificuldades de realização da reforma agrária no país.
5
A defesa da reforma agrária se sustentava, entre outros, no diagnóstico de que o setor era atrasado, impondo
dificuldades à industrialização e ao crescimento econômico do país. Esta análise esteve inclusive no governo
João Goulart e em setores componentes do primeiro governo militar inaugurado em 1964.
3
Atas Proceedings | 3935
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
defendiam a luta dos pequenos produtores/trabalhadores rurais. A estrutura concentrada da
propriedade, o grau de exploração da força de trabalho e os conflitos instigam o debate sobre
a reforma agrária e o surgimento das ligas camponesas e de sindicatos de trabalhadores rurais.
Em 1954 foi criada a primeira das ligas camponesas, em Pernambuco (legalizada em 1955).
Elas logo se estenderam até Minas Gerais. Em 1961 mais de mil dirigentes de trabalhadores
participaram do Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais em Belo Horizonte.
As contradições tanto da estrutura de poder quanto da necessidade de prosseguir com a
industrialização pesada e a própria acumulação ampliada do capital, frente às novas limitações
que surgiam, redundaram na crise da chamada “república populista” e no golpe militar de
1964, prontamente legitimado pelo governo estadunidense. Para Cardoso (1993), o processo
de acumulação precisava desarticular os instrumentos de pressão e defesa das classes
populares, coisa que foi cumprida de imediato pelo golpe através dos instrumentos de
repressão.
Cardoso (1975) afirma que o golpe de 1964 baseou-se em setores tradicionais da classe
média e em agrolatifundistas, mas estes foram paulatinamente sendo afastados do centro do
poder, ganhando espaço os setores modernos.6 Dreifuss (1981), um tanto quanto diferente,
nomeia os diversos setores e pessoas articuladoras do golpe, deixando clara a presença de
representantes de setores industriais e bancários. Já Marini (2000) lembra que apesar da
intenção do governo em estimular a indústria de bens intermediários, de consumo duráveis e
de equipamentos, com o golpe se ratificou (ou se recompôs) o compromisso de 1937 (aliança)
entre burguesia e oligarquia latifundiário-mercantil.
3.
Estrutura agrária e modernização da agricultura
Com a ditadura militar, o Governo Castelo Branco lança o Programa de Ação Econômica
do Governo (1964-1966) que mantém o diagnóstico sobre agricultura como um setor
retardatário e de baixa produtividade, responsável por contínuas crises de abastecimento. Tal
qual no diagnóstico anterior, a incapacidade de modernização da agricultura comprometia as
possibilidades de crescimento da economia como um todo. A possibilidade de alguma
reforma agrária, presente em alguns setores governamentais, foi paulatina e rapidamente
descartada a favor da incorporação tecnológica como forma de superação do atraso.
Os governos da ditadura militar, a partir de créditos subsidiados e outros mecanismos,
impulsionaram a modernização da agricultura brasileira, mas ela se processou de modo
conservador: modernizaram as bases técnicas, mas mantiveram a estrutura conservadora da
propriedade, tendo como resultado, entre outros, concentração de renda, êxodo e pobreza.
6
Com o novo regime (1964), ainda segundo Cardoso (1993), o eixo hegemônico do sistema de poder e a base
dinâmica da economia foram modificados, ganhando destaque particularmente os setores ligados ou diretamente
representantes do capitalismo internacional. Também se destacaram os militares e a tecnocracia. Perderam poder
os representantes das classes que sustentavam o antigo regime, a burocracia tradicional e os setores agrários
tradicionais que não conseguiram se adequar às mudanças em curso. Além disso, o dinamismo econômico que se
abriria criaria perspectivas de incorporação dos estratos da classe média mais modernos e próximos da
burguesia.
4
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Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
A alteração da base técnica da agricultura, associada e articulada à indústria produtora de
insumos e bens de capital para a agricultura, e por outro, à indústria processadora de produtos
naturais, levou à conformação do que alguns definiram como complexo agroindustrial (CAI)
e outros como industrialização da agricultura. Foi um processo de integração e dependência
da agricultura em relação à indústria. Por isso ela se tornou dependente, num dos lados, da
indústria fornecedora de máquinas e insumos e, do outro lado, da indústria processadora dos
produtos agrícolas. A partir de então, não se pode mais analisar a agricultura por ela somente
(autônoma em si), desvinculada da indústria. Para Fabrini (2008), a transformação da base
técnica da produção agropecuária marca a passagem de uma agricultura dependente das
condições naturais para a agricultura industrializada, cada vez mais dependente da indústria
(FABRINI, 2008) - acrescentamos nós: mais vinculada e dependente do capital financeiroindustrial monopolista nacional e estrangeiro.
Na segunda metade da década de 1970 a agricultura consolidou um padrão de
modernização e inserção internacional apoiado na expansão do crédito subsidiado à obtenção
de insumos modernos que tinham sua oferta ampliada e internalizada no bojo do II Plano
Nacional de Desenvolvimento (II PND).
Apesar da permanência de muitas contradições, a modernização da agricultura brasileira
demonstrou que ela poderia ser inovada tecnicamente, aumentando sua produtividade, se
incorporando aos circuitos do capital financeiro-produtivo, sem que necessariamente tivesse
que antecipadamente ocorrer uma reforma agrária de fato. Ainda que com alguns pontos de
tensão, isso acabou reforçando os laços entre setores dominantes urbanos e agrários, muitas
vezes constituídos como um mesmo proprietário.
A modernização de que falamos pode ser analisada também a partir do processo que
Milton Santos (2005) denomina de meio técnico-científico-informacional, onde ciência e
tecnologia ganham maior presença na organização do espaço – neste caso, mesmo na
agricultura/campo brasileiro.7
Mas os anos 1970 foram marcados pelo fim do milagre econômico brasileiro, crise
internacional e crise da economia nacional, com crescente endividamento externo (trazendo
consigo enormes dificuldades ao país para acumular divisas internacionais para saldar seus
compromissos externos – chamado de estrangulamento cambial). O II PND é um reflexo
destes elementos e da opção do governo militar de enfrentar a crise com a tentativa de
completar a industrialização pesada do país – uma das razões explicativas da decisão de
implantar os grandes projetos energético-minerais na Amazônia.
7
Os últimos séculos marcam, para a atividade agrícola, com a humanização e mecanização do espaço agrícola,
uma considerável mudança de qualidade, chegando-se, recentemente, à constituição de um meio geográfico a
que podemos chamar de meio técnico-científico-informacional, característico não apenas da vida urbana mas
também do mundo rural, tanto nos países avançados como nas regiões mais desenvolvidas dos países pobres. É
desse modo que se instala uma agricultura propriamente científica, responsável por mudanças profundas quanto
à produção agrícola e quanto à vida de relações. Podemos agora falar de uma agricultura científica globalizada
[...] Nas áreas onde essa agricultura científica globalizada se instala, verifica-se uma importante demanda de
bens científicos (sementes, inseticidas, fertilizantes, corretivos) e, também, de assistência técnica (SANTOS,
2001, p. 88).
5
Atas Proceedings | 3937
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
O governo federal passou a apoiar os setores exportadores, entre os quais a agricultura –
ainda que esta não fosse prioritária ela soube aproveitar as brechas da política estatal de
incentivos para acessar o mercado internacional, o que era um elemento a mais de estimulo à
industrialização e modernização do setor. Para isso, contribuiu a subida dos preços agrícolas
no mercado internacional.
Na efetivação da modernização o Estado desempenhou papel de destaque. Fez isso
através dos créditos subsidiados, incentivos fiscais, obras infraestuturais, pesquisa e
desenvolvimento de novas espécies, entre outros. Analisando o complexo agroindustrial,
Bernardo Sorj (In GONÇALVES NETO, 1995, p. 107-108) afirma que o Estado torna-se o
“agente incentivador da produção e da produtividade, já que com suas políticas promove a
modernização da agricultura, incrementando consequentemente a produção industrial do setor
de insumos e de transformação de produtos agrícolas, encaminhando a acumulação,
preponderantemente para o pólo industrial”. Diante da disputa de capitais urbano-industriais e
agrícolas, o Estado desenvolve políticas que aprofundam o processo de acumulação (crédito
subsidiado, por exemplo), “acessando o lucro médio à agricultura sem afetar a fatia dos
interesses industriais. No nível da predominância econômica e das decisões, a agricultura
permanece em posição subordinada em relação ao setor não-agrário, mas garante a realização
do capital. A acumulação, ainda que subordinada, ocorrerá” (GONÇALVES NETO, 1995, p.
112).
Palmeira e Leite (1998) afirmam que o lugar estratégico destinado à especulação
financeira e à exportação agropecuária/agroindustrial como fonte de divisas estrangeiras no
modelo de desenvolvimento da ditadura militar foi fundamental à escolha de se processar a
modernização conservadora. A intervenção estatal neste processo passa, então, por três
instrumentos básicos: 1) principalmente pelos créditos subsidiados, que são concentrados em
um pequeno número de “grandes tomadores”; 2) incentivos fiscais às atividades
agropecuárias e correlatas, principalmente na Amazônia e Nordeste; 3) A política de terras
públicas com enorme transferência destas a particulares, principalmente na Amazônia Legal.
Além destes elementos, outras políticas também atingiram o setor agrícola/agrário como a
construção de grandes obras públicas (hidrelétricas, açudes, estradas...) que acabaram por
estimular a especulação fundiária. Desta forma, a “modernização” beneficiou não apenas os
latifundiários tradicionais, mas atraiu outros setores e capitais (de origens diversas) para
investimentos e, principalmente, especulação, formando-se uma coalizão de interesses em
torno da terra (como negócio) incrustada na própria máquina estatal. Assim, a modernização
elevou o peso político tanto dos proprietários modernos como dos tradicionais.
Na medida em que a modernização da agricultura reforçava o caráter conservador e
concentrador da propriedade, tensões e conflitos sociais no campo se reproduziam
crescentemente, ainda que os governos militares buscassem evitá-los por meio da repressão à
organização social dos trabalhadores rurais. Apesar da intenção de eliminá-los diversos
movimentos sociais permaneceram no campo e outros mais surgiram. Destacamos o
6
3938 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
sindicalismo rural e, posteriormente, as reivindicações de assalariados rurais (destacadamente
os bóias-frias), indígenas, seringueiros, sem-terras, entre outros.
Dada a tensão fundiária no Sul/Sudeste e no Nordeste o governo militar passou a
transferir grandes levas de imigrantes (principalmente nordestinos, mas também sulistas) para
a Amazônia - que seria uma “terra sem homens”, um “espaço vazio”, reestruturando
profundamente o espaço regional. Esse era um dos sentidos da construção da rodovia
Transamazônica nos anos 1970. Essa política logo se mostrou bastante limitada porque o
projeto verdadeiro era apoiar a grande propriedade agropecuária.8 Isso pode ser comprovado
no levantamento de Martins sobre a ocupação das terras novas das zonas pioneiras do país, da
qual se destaca a Amazônia:
Entre 1950 e 1960, 80,6% dessas terras foram ocupadas por estabelecimentos
agrícolas que tinham no máximo 100 ha e apenas 15,4% o foram por
estabelecimentos com mais de 100 ha. Entre 1960 e 1970, quando já tinha vigência
o Estatuto da Terra e já estava em prática a política de incentivos fiscais para o
desenvolvimento da Amazônia, 35,3% dessa terra foram incorporados por
estabelecimentos com menos de 100 ha e 64,7% por estabelecimentos com mais de
100 ha. Finalmente, em 1975, apenas 0,2% das terras novas foram para
estabelecimentos com menos de 100 ha, enquanto que 99,8% foram para
estabelecimentos com mais de ha (sendo que 75% dessa terra foi ocupada por
estabelecimentos com mais de 1.000 ha) (MARTINS, 1995, p. 97).
Além de não eliminar os conflitos em suas regiões de origem, essa ação ainda reproduziu
estes tensionamentos na Amazônia, pois antigos pequenos proprietários locais e posseiros
imigrantes passavam a enfrentar o grande proprietário local ou oriundo de outras regiões
(MARQUES, 2007; MARTINS, 1995).
O suposto “espaço vazio” mostrou-se ser um espaço do conflito – justamente porque,
concordando com Milton Santos (1980), ele é uma construção social e neste caso as políticas
adotadas levaram ao agravamento do tensionamento entre os diversos segmentos sociais que
se assentavam no espaço amazônico.
A figura do posseiro se destaca no caso brasileiro e, particularmente, amazônico, porque,
ao mesmo tempo em que foi funcional à expansão do capital sobre novos territórios (pois era
quem primeiro chegava e abria novas áreas de terra sobre florestas e outros ecossistemas),
também era um elemento de tensionamento contra este próprio capital, que o buscava
expulsar justamente para garantir sua expansão.
O posseiro, entretanto, é produto das próprias contradições do capital. A
funcionalidade de sua existência se desenvolve porque está inserida por relações
dominadas pelo capital e não porque esteja nos cálculos do capitalista. A mesma
sociedade que dele se beneficia o quer destruir. A expansão do capital se faz
preferencialmente sobre terras ocupadas por posseiros, através da expropriação e
da expulsão. A presença do posseiro nesta sociedade compromete um de seus
requisitos fundamentais, que é o da propriedade capitalista (MARTINS, 1995, p.
116).
8
Neste sentido, Oliveira (2005a, p. 73) afirma “que o território capitalista na Amazônia foi estabelecido sob a
lógica dos monopólios, produzindo frações territoriais, regiões distintas na Amazônia brasileira. O norte matogrossense é exemplo dessa diferença histórica. Cada parte daquela imensa região teve ou ainda tem „dono‟:
Sinop é de Ênio Pipino; alta Floresta, de Ariosto da Riva; Matupá, dos Ometto; Juará, de Zé Paraná, etc.”.
7
Atas Proceedings | 3939
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
As transformações que se processavam na sociedade e na agropecuária brasileira
provocavam outras consequências. Ocorreu uma violenta migração rural para as cidades
(provocada por vários fatores) e uma reformulação da mão-de-obra restante no interior das
propriedades com eliminação de algumas formas até então presentes e expansão do trabalho
assalariado. Diante deste quadro, Gonçalves Neto (1996, p. 109) conclui que “restou às
pequenas propriedades a possibilidade da subordinação ao capital industrial, a
marginalização, o esfacelamento ou a venda e migração para os centros urbanos”. Estas
rápidas transformações redundaram em fortes e diversos conflitos, sejam no campo, sejam nas
cidades.
Refletindo sobre o êxodo rural em meio à modernização da agricultura, Palmeira e Leite
(1998) afirmam que o que há de novo neste êxodo é menos o despojamento dos trabalhadores
rurais de seus meios de produção (pois em certo sentido já o haviam sido expropriados), mas
sim de sua expropriação de relações sociais por eles vividas. Diferente do passado, o
trabalhador expulso de uma propriedade, grosso modo, não consegue em outra propriedade
reproduzir as relações que mantinha na anterior. Este processo, não significa,
necessariamente, a proletarização deste trabalhador.
Ariovaldo de Oliveira não nega a existência desse processo que expulsa o trabalhador do
campo, mas problematiza esta análise de modo a compreender que o processo de
desenvolvimento capitalista brasileiro também cria elementos que permitem reprodução de
formas de trabalho camponês no país. Segundo este autor, o campo brasileiro, sob a lógica
capitalista de produção, industrializou-se, mas contraditoriamente houve a expansão da
agricultura camponesa. Assim, o
capital monopolista desenvolveu liames para subordinar/apropriar-se da renda da
terra camponesa, transformando-a em capital. Aqui o capital não se territorializa,
mas monopoliza o território marcado pela agriculta camponesa [...]. Portanto, o
capital não expande de forma absoluta o trabalho assalariado, sua relação de
trabalho típica, por todo canto e lugar, destruindo de forma total e absoluta o
trabalho familiar camponês. Ao contrário, ele (o capital) cria, recria o trabalho
familiar camponês para que a produção do capital seja possível e, com ela, a
acumulação possa aumentar. Assim, esse processo contraditório de
desenvolvimento do capitalismo no campo gera ao mesmo tempo a expansão do
trabalho assalariado nas grandes e medias propriedades e o trabalho familiar
camponês nas pequenas propriedades ou estabelecimentos (OLIVEIRA, 2005b, p.
76, 80-81).9
9
Ainda segundo Oliveira, uma forte característica da estrutura agrária brasileira no século XX foi a expansão de
relações não-capitalistas de produção, como é o caso do aumento do número de posseiros entre 1970 e 1985
(mais de 30%), de modo que se presencia no campo brasileiro o aumento do trabalho assalariado (em
propriedades com mais de 1.000 ha) e do trabalho familiar camponês (em propriedades com menos de 100 ha).
Ocorre, então, um processo de crescimento, ao mesmo tempo, da área ocupada pelo latifúndio e da ocupada
pelos camponeses. Por outro lado, Martins (1995, p. 98) constata que “em 1950, 80,8% dos estabelecimentos
rurais do país eram de proprietários de terras e 19,2% eram de não-proprietários (arrendatários, parceiros e
posseiros); em 1975, os estabelecimentos de proprietários haviam sido reduzidos a 61,9% do total e os de nãoproprietários haviam subido para 38,1%. [...] Essas alterações estão profundamente influenciadas pelo
crescimento do número de posseiros, agricultores sem título de propriedade que ocupam terras devolutas ou
aparentemente sem donos e que, sobretudo na década de 70, deslocaram-se para a região amazônica e do CentroOeste”.
8
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Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
A crise econômica nacional iniciada nos anos 1970 foi fortemente intensificada nos anos
1980 e se transformou em crise do próprio Estado desenvolvimentista. A capacidade de
investimento foi afetada. Ocorreu redução dos investimentos e subsídios governamentais, mas
o setor agrícola conseguiu desenvolver mecanismos de acesso ao crédito razoavelmente
facilitado. Ademais, as desvalorizações cambiais estimulavam o setor exportador, incluindo o
agrícola.
Mesmo com os problemas, na década de 1980, com exceção das safras agrícolas de
1982/83 e 1985/86, que enfrentaram fortes adversidades climáticas, o PIB agropecuário ainda
apresentou desempenho melhor que na década anterior. E isto ocorreu em meio à brutal
restrição dos volumes de crédito, como também do crescimento de seus encargos financeiros.
Como o índice relativo à área colhida nos mostra que a expansão territorial foi pequena, a
explicação para o bom desempenho da produção agropecuária deve ser buscada na evolução
dos rendimentos físicos (produtividade da terra10) (SILVA, 1996).
Apesar do desempenho altamente favorável do setor agropecuário, Graziano da Silva
(1996, p. 129-130) constatou que a participação agropecuária no PIB total decresceu
significativamente durante a década de 198011. Assim, “não se trata, portanto, de uma
reedição de um „modelo de crescimento assentado no setor agrícola‟, como poderiam pensar
alguns saudosistas, mas da abertura para o exterior de uma agricultura que se industrializa, ou
melhor, dos complexos agroindustriais brasileiros”. Os produtos (primários e industrializados)
do setor agropecuário representavam, no início dos anos 1970, cerca de 75% do valor das
exportações brasileiras. Este valor foi reduzido à cerca de 45% no início da década de 1980.
Ao final desta, esta participação era de próxima a 30%. As próprias exportações caíram de
pouco mais de 20% na primeira metade dos anos 1980 para algo entre 15% e 18% na segunda
parte desta década. Esta situação teria sido produto da desvalorização das commodities
tradicionais no mercado internacional.
O crescimento da produção agrícola nacional presente nos anos 1970-1980 foi bastante
diferente entre as regiões. Mesmo a modernização tendo atingido as regiões mais “atrasadas”,
como Norte e Nordeste, a “produção agrícola relevante” concentrou-se ainda mais no SulSudeste do país, consolidando os desequilíbrios presentes no setor agrário brasileiro.12 Assim,
a modernização da agricultura-agropecuária brasileira ficou concentrada principalmente em
poucas regiões, mas isso não significa que outras regiões estivessem inertes. A Amazônia e,
10
Não entender isso como simples qualidades do solo, mas principalmente como e com que se explora a terra.
A relação entre PIB agropecuário e PIB total mantida em torno de 10% até 1986, caí para menos de 7% ao
final desta década.
12
O desenvolvimento capitalista ocorre de forma desigual e contraditória. “é fundamental explicar que o capital
não transforma de uma só vez todas as formas de produção em produção ditadas pelo lucro capitalista”. Os dados
sobre o uso desigual de máquinas e fertilizantes pelas diversas propriedades mostram que a modernização da
agricultura brasileira não se generalizou por todo o campo do país. “Esses dados não revelam a generalização
sumária do progresso técnico por todo o campo, mas, sim, sua concentração, quer espacial, quer setorial. Como
podemos observar, então, a concentração da propriedade da terra no fundo se reflete na estrutura do consumo
produtivo, e os dados médios do país estão longe de indicar disseminação generalizada desse consumo
produtivo” (OLIVERIA, 2005b, p. 77 e 79).
11
9
Atas Proceedings | 3941
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
em destaque, o Centro-Oeste já recebiam grandes novos proprietários, onde parte desses não
estava interessada simplesmente em especular em torno da terra, mas de encontrar a terra para
expandir seus negócios agrícolas-agropecuários. Era o caso, por exemplo, dos produtores de
soja que migravam do Sul em busca de maiores extensões de terra para aumentar a produção.
Do ponto de vista social, constatamos que o processo de modernização da agricultura,
incluindo a década de 1980, concentrou a renda no espaço rural, aumentando a proporção de
pobres - tornando estes relativamente mais pobres ainda. Isso produziu maiores tensões no
campo e pressão pela realização da reforma agrária. Funda-se o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outros movimentos de trabalhadores no campo. Os
proprietários também se organizaram mais ainda, criando a União Democrática Ruralista
(UDR), reprimindo trabalhadores no campo, pressionando governos, fazendo ações nas
cidades e elegendo parlamentares. A possibilidade de “democratização” da propriedade,
alimentada em torno do Programa Nacional de Reforma Agrária, fracassou, levando o
Governo Sarney a inflar os dados para esconder seu desempenho negativo. Estas disputas
estiveram presentes também nos debates da Constituinte de 1988, tendo como resultado a
aprovação de uma legislação muito aquém da necessidade de realização da reforma agrária.
Desta forma, a modernização (e as políticas adotadas) reforçou seu caráter excludente e
conservador.
A crise econômica nacional e a hegemonia do neoliberalismo no cenário latinoamericano
levaram o governo brasileiro a adotar políticas de reforma do Estado (procurando conformar o
que chamavam de Estado mínimo) e maior abertura da economia ao capital internacional – o
que em alguns casos significou desnacionalização de indústrias locais. Para combater a
inflação o governo abandonou as políticas desenvolvimentistas (planejamento de médio e
longo prazos) em função da busca da estabilidade da moeda (curto prazo).
Leite (2001, p. 89-90) pontua algumas observações deste período. (1) A ação
governamental se deslocou da oferta de crédito ao financiamento para a comercialização e
aquisição de produtos. Em determinado momento houve recuo governamental na formação de
estoques e comprometimento da eficiência da política de preços. Observa-se ainda a
submissão da política de financiamento agrícola às políticas macroeconômicas (cambial e
monetária principalmente); 2) emergem e se intensificam relações intersetoriais entre
agricultura e indústria, consolidando um novo padrão agrícola/agrário, de modo que a perda
de importância da política de crédito rural “pode ter sido compensada pelo financiamento
agroindustrial, impactando diretamente a organização política dos produtores deste novo
„macro-setor‟”; 3) surgimento de novos instrumentos de financiamento agropecuário,
principalmente relacionados a lançamentos de títulos e obtenção de recursos por meio de
bolsa. Estes elementos contribuem para o estreitamento da atividade rural à crônica
instabilidade financeira.
A maior abertura da economia nacional e os mecanismos de estímulo à produção
agropecuária, contando, inclusive, com crédito estatal, possibilitaram o aumento da presença
do capital estrangeiro na agricultura brasileira: Bunge, Cargill, ADM, entre outras
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Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
multinacionais expandiram suas participações no setor. Junto a isso, houve, e
permanentemente continua ocorrendo, forte incorporação de capital e tecnologia em culturas
destinadas ao mercado internacional e à produção agrícola destinada não à produção de
alimentos, mas de matérias-primas. Desenvolve-se, então, uma agricultura altamente
mecanizada, usuária de pacotes tecnológicos modernos, produção em larga escala, maior
concentração de capital (além da incorporação do capital financeiro), parcela significativa
destina-se à exportação, etc. Como resultado imediato tem-se o aumento de produtividade.
Isso conformou o que se chama de agronegócio, que paulatinamente ganha mais importância
do cenário nacional.
Com o agronegócio aprofunda-se a integração entre agricultura, indústria, bancos e
complexos de comercialização. A financeirização, fenômeno muito forte na economia
contemporânea, também se estende ao capital presente na agropecuária. Assim, a relação
entre agricultura e capital industrial/agrícola e financeiro é intensificada tendo como um dos
resultados mais visíveis a internacionalização dos destinos da produção, ou seja, produz-se de
olho no mercado externo - ou no mercado interno quando este se mostrar mais rentável.
Há também maior subordinação de outros setores (como é o caso de parte da agricultura
familiar) ao capital. Mas isso não significa que a agricultura familiar tenha se tornado
agronegócio, como o querem fazer crer determinados discursos. Ainda que alguns pequenos
agricultores consigam colocar parte de sua produção no mercado internacional, isso não é a
regran nem tampouco há uma integração de capital como se vê na grande produção. Grosso
modo, estes produtores ou estão produzindo para mercados locais (incluindo a
autosubsistência) ou estão subordinados aos esquemas de reprodução de grandes capitais, que
se alimentam desta relação garantindo sua reprodução em escala ampliada. Assim,
Na agricultura, o capital ora controla a circulação subordinando a produção, ora se
instala na produção subordinando a circulação. Aliás, uma engendra a outra. Como
conseqüência desse movimento contraditório, temos o monopólio do capital ora na
produção, ora na circulação. Esse processo contraditório de desenvolvimento da
agricultura ocorre nas formas articuladas pelos próprios capitalistas, que se
utilizam de relações de trabalho familiares para não terem que investir na
contratação de mão-de-obra assalariada, uma parte de seu capital. Ao mesmo
tempo, utilizando-se dessa relação sem remunerá-la, recebem uma parte do fruto do
trabalho dos camponeses proprietários, parceiros, rendeiros ou posseiros,
convertendo-o em mercadoria e, ao vendê-la, convertem-na em dinheiro. Assim,
transformam, realizam a metamorfose da renda da terra em capital. Esse processo
nada mais é do que o processo de produção do capital, que se faz por meio de
relações não capitalistas (OLIVEIRA, 2005b, p. 80).
A política recessiva do governo Fernando Henrique Cardoso impunha dificuldades à
economia brasileira. A busca de mercados estrangeiros para realizar mercadorias produzidas
no país e obter saldos na balança comercial encontrou na agricultura/agropecuária um dos
setores que melhor poderiam dar respostas de imediato. Com isso, esses produtores receberam
incentivos para acessar mais intensamente o mercado internacional, ainda que grande parte
desta produção seja feita justamente por capitais multinacionais – ou a eles associados. Gado,
aves, soja e biocombustíveis são exemplos do que estamos afirmando.
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VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
A política adotada nos anos 1990 não apenas se manteve como vem sendo aprofundada
nos governos do início do novo século. Citamos como exemplo o apoio do BNDES aos
grandes frigoríficos nacionais para que se expandam internacionalmente, comprando plantas
em outros países, cujo objetivo é colocar e manter o Brasil na liderança mundial do comércio
de carnes. Em 2009 de toda a linha de crédito industrial do banco, metade foi destinada aos
grandes frigoríficos. Isso de destina também a estimular a aquisição e fusão de empresas que
já atuam no mercado brasileiro, promovendo a acumulação/concentração de capital no geral e
a sua centralização em particular. Sadia e Perdigão se fundiram apoiados pelo governo
brasileiro para conformar uma das maiores processadoras e comerciantes de aves (e outros
produtos) do mundo. Em junho de 2013 o grupo JBS comprou a Seara e Zenda do grupo
Mafrig por 5,85 bilhões de reais. A Seara, por sua vez, já havia sido adquirida anteriormente
pelo Mafrig da Cargill no processo de aquisição de várias plantas para sua expansão. Muito
grande e agressivo no mercado bovino, o JBS, com esta aquisição, espera se tornar o líder
mundial no comércio de aves, tendo uma capacidade diária de abate de 12 milhões de aves. O
BNDES, acionista do JBS e de outros frigoríficos, detém 19,6% do capital da Mafrig (2013).
Na medida em que se torna proprietário, consolida-se uma permanente linha de crédito
especial para estes empreendimentos.
Ocorrem, então, mudanças espaciais (uma reordenação territorial) na
agricultura/agropecuária brasileira. O aumento da produção e da área cultivada para o
mercado internacional e para a conformação de matérias-primas levou à migração de algumas
culturas do Sul/Sudeste para outras regiões. Isso aconteceu, por exemplo, com o aumento da
área cultivada de cana-de-açúcar em São Paulo, avançando sobre áreas até então destinadas a
outros produtos. Centro-Oeste e Amazônia têm abrigado novos produtores de grãos (soja, por
exemplo) e gado, que se somam aos já presentes – além da forte expansão do cultivo de dendê
no Pará para produzir biodiesel.
Segundo Oliveira (2005a, p. 140), foram criados cinquenta novos municípios no Mato
Grosso na última década do século XX. Toda a estrutura territorial do Estado está sofrendo
ações de processos diferenciados. A expansão da soja no cerrado é o elemento mais
econômico dinâmico na atualidade” – ao qual acrescentamos o gado e outros grãos.
Para Júlia Adão Bernardes (2008), as mudanças em curso relacionam-se com a
acumulação de capital, impactando o espaço (com novas hierarquias entre capitais e lugares) e
abrindo a possibilidade de uma nova divisão territorial do trabalho no Brasil.
A nova concentração do capital nas novas cadeias produtivas resulta no processo
de concentração e centralização do capital, o que implica em substanciais níveis de
investimentos, centralizando-se a economia em menor número de empresas,
levando ao aumento do monopólio. Além da alteração do desenho espacial da
produção, antes distribuída grosso modo em linha, ao longo dos grandes eixos de
escoamento, há também agora as ilhas de produção, levando as novas proporções
do capital à instauração de novas de relações entre empresas e de interações entre
lugares, estabelecendo-se novas hierarquias entre os distintos capitais e lugares.
As alterações nos espaços produtivos acarretam alterações na esfera de circulação,
o que faz emergir um espaço organizado totalmente em rede, diluindo-se a rigidez
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Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
das fronteiras entre os municípios, possibilitando a fluidez e maior mobilidade do
capital” (BERNADES, 2008, p. 259).13
A reordenação territorial provoca alterações na relação campo-cidade.
O processo contraditório e desigual do desenvolvimento da agricultura, sobretudo
pela via da industrialização, tem eliminado gradativamente a separação entre a
cidade e o campo, entre o rural e o urbano, unificando-os numa unidade dialética.
Isto quer dizer que campo e cidade, cidade e campo, formam uma unidade
contraditória. Uma unidade em que a diferença entre os setores da atividade
econômica (a agricultura, a pecuária, e outros de um lado, a indústria, o comércio,
etc. do outro) vai sendo soldada pela presença na cidade, do trabalhador assalariado
(bóia-fria) do campo (OLIVEIRA, 2005b, p. 103-104).
A oposição campo-cidade fica mais complexa de ser identificada em fronteiras claras
como anteriormente. Santos (2009, p. 74-75), apesar de destacar o termo agrícola sobre o
rural, também ressalta este processo. As regiões agrícolas contém cidades e as regiões urbanas
contém atividades rurais. “Teríamos, desse modo, no primeiro caso, áreas agrícolas contendo
cidades adaptadas às suas demandas e, no segundo caso, áreas rurais adaptadas a demandas
urbanas. [...] Não mais se trata de um Brasil das cidades oposto a um Brasil rural”.
O avanço do grande capital na produção agropecuária brasileira gera mais pressões sobre
o meio ambiente e sobre a legislação ambiental nacional, buscando formas de flexibilizá-la de
modo a garantir maior acumulação no campo. Todo o debate sobre a reforma do Código
Florestal Brasileiro, muito tensionada no Congresso Nacional em 2011 a 2013 é um exemplo
disso.
Indústria e agricultura estão mais integradas, entre outros motivos porque o capitalista
também se tornou proprietário de terra14 e desenvolve mecanismo de sujeição da agricultura
familiar, que, em certos casos, produzem exclusivamente para indústria. Na produção de
álcool, por exemplo, capitalista industrial, proprietário de terra e capitalista agrícola são a
mesma pessoa, explorando o bóia-fria assalariado da cidade. Já no caso da indústria de fumo,
o capitalista industrial subjuga o produtor direto (trabalhador e proprietário de terra) que lhe
produz a matéria-prima.
O que esses processos contraditórios de desenvolvimento do capitalismo no campo
revelam é que, no primeiro caso, o capital territorializa-se. Trata-se, portando do
processo de territorialização do capital monopolista na agricultura. No segundo
caso, esse processo contraditório revela que o capital monopoliza o território sem
territorializar-se. Trata-se, pois, do processo de monopolização do território pelo
capital monopolista (OLIVEIRA, 2005b, p. 105-106).
13
Simultaneamente à produção dos modernos espaços das cadeias produtivas reformulam-se os espaços urbanos,
que passam por novas funções, associadas à gestão das novas necessidades da produção, da comercialização e da
circulação, assim como dos sistemas de comunicação e fluxos de informações que possibilitam a redução do
tempo e redefinem a espacialidade dos circuitos de produção. Esses espaços urbanos já nasceram sob o signo do
controle e da apropriação privada dos espaços públicos, no contexto dos processos de colonização privada. Isso
significa a produção estratégica da escassez do solo urbano, uma vez que as referidas colonizadoras continuam
retendo e controlando o estoque de terras rurais e urbanas” (BERNARDES, 2008, p. 263).
14
No caso brasileiro essa relação já vem de longa data.
13
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VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
No primeiro caso, o camponês é expulso para a cidade, ainda que para ser bóia-fria.
Instala-se o processo especificamente capitalista, com reprodução ampliada e com o
capitalista-latifundiário se apropriando do lucro industrial, agrícola e da renda da terra.
Instala-se a grande monocultura.
No segundo caso, o capital, monopolizando o território, cria e redefine as relações de
produção familiar, possibilitando com que ela se desenvolva, assim como o “campesinato”
como classe social. O capital cria, então, condições para que a produção familiar produza
matérias-primas para a indústria ou consuma os produtos industriais no campo (ração, por
exemplo). Esse processo demonstra “que o capital sujeitou a renda da terra produzida pelos
camponeses à sua lógica”, transformando a renda da terra em capital. Assim, se apresenta o
processo de produção de capital, que “nunca é produzido por relações tipicamente capitalista”
(OLIVEIRA, 2005b, p. 106).15
Assim, como ocorrera anteriormente, as mudanças em curso não acontecem sem
contradições: manutenção da estrutura concentradora da propriedade, dos conflitos fundiários
e trabalhistas, formas de trabalho degradante (próximos à escravidão), poluição de solo e água
e avanço da grande produção/propriedade sobre o cerrado e a Amazônia. Alentejano (2008)
afirma que as transformações com a modernização da agricultura produziram mudanças no
padrão e localização da violência no campo brasileiro. De 1985 a meados da década de 1990
predomina a violência privada e localizada na Amazônia (com o Pará liderando). O pico dos
conflitos foi registrado em 1987, ano do Plano Nacional de Reforma Agrária. A partir de
meados dos anos 1990 ocorre o crescimento dos movimentos sociais no campo e das
ocupações de terra. Como resultado, há um maior número de despejos judiciais conduzidos
pelo Estado. A violência é predominantemente estatal. A ação organizada dos movimentos
sociais rurais freia a ação violenta dos proprietários, mas o Estado passa a desempenhar a
ação repressiva contra a luta pela terra. O Estado consolida a função de proteger a grande
propriedade para o agronegócio.
O crescimento das ocupações de terra, que atinge seu recorde em 1998, bem como
o de despejos, cujo patamar mais elevado ocorre em 2004, revelam esse novo
padrão dos conflitos no campo brasileiro, onde a ação organizada dos movimentos
sociais rurais freia a ação violenta dos proprietários de terra, ao passo que o Estado
passa a desempenhar papel cada vez mais ativo na repressão às lutas pela terra [...]
O cruzamento de dados sobre ocupações e despejos evidencia a intrínseca
associação entre Estado e agronegócio na defesa do monopólio da propriedade da
terra no Brasil, uma vez que é nos estados onde o agronegócio está mais fortemente
presente que se concentram os maiores índices de despejos (ALENTEJANO, 2008,
p. 245 e 249).
Do ponto de vista das ocupações (de terra), estas concentraram-se no Centro-Sul (49%),
seguido pelo Nordeste e Amazônia, mas a política de assentamento nos governo FHC e Lula
seguiram outra distribuição espacial, pois se priorizou as áreas de fronteira: Norte e Centro15
A conclusão de Ariovaldo Oliveira é que a territorialização do monopólio e a monopolização do território
podem se constituir em instrumento de explicação geográfica para as transformações territoriais do campo”
(OLIVEIRA, 2005b, p. 107).
14
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Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
Oeste. Guardadas as devidas diferenças, concluímos que isso se assemelha à lógica dos
governos militares: diminuir a tensão nas regiões mais conflituosas abrindo novas áreas na
Amazônia e Centro-Oeste.
Assim, diante das ocupações de terra no Brasil, o Estado apresenta uma dupla resposta:
(1) repressão às ocupações e (2) multiplicação de assentamentos na Amazônia, “na fronteira
agrícola, contribuindo para abrir ainda mais a fronteira para a expansão do agronegócio, uma
vez que garante mão-de-obra e novas terras „limpas‟” (ALENTEJANO, 2008, p. 250). Deste
modo, a concentração de assentamentos na Amazônia pelo governo possibilita: (1)
atendimento aos interesses do agronegócio, por não desapropriar terras onde este está
plenamente estabelecido, além de lhe expandir a fronteira; (2) cria mais facilidade de acesso a
terra, pois nesta região as terras são mais baratas.
Afora o que até aqui foi exposto, os dados revelam que tem aumentado a importância das
commodities agropecuárias e minerais na economia e na pauta da balança comercial
brasileira, o que leva às críticas de que estamos diante de uma reprimarização da economia
nacional, ou seja, retornando ao padrão presente até os anos 1930, pelo menos, guardadas as
devidas e necessárias diferenças entre os dois períodos. Segundo dados do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, em 2011 do valor total exportado apenas
36,1% foram na forma de produtos manufaturados (industrializados), 14,1% como
semimanufaturados e 47,8% como produtos básicos (minérios brutos e produtos
agrícolas/agropecuários não industrializados.
4. Tendências do campo brasileiro
Sem a pretensão de esgotar o tema, apontamos a seguir tendências do campo brasileiro
para os próximos anos. Algumas delas já estão presentes há muito tempo. Outras apresentam
elementos novos. Em geral, estão profundamente imbricadas, de modo que uma é parte de
outra, ou uma estimula ao mesmo tempo em que é estimulada por uma terceira.
I) Maior tecnificação da agricultura/agropecuária em determinadas produções,
aumentando a produtividade, mas também as dificuldades a entrada competitiva no
setor/mercado, na medida em que a maior incorporação tecnológica também exige maior
volume de recursos para iniciar a produção em condições de concorrência. Isso, levará a
maior concentração e centralização do capital, fazendo com que ocorra fusão de capitais,
antes concorrentes – é o caso da fusão entre Sadia e Perdigão, já citada anteriormente.
II) Ampliação da presença do agronegócio, se estendendo para novas regiões e
territórios, assim como para setores até então não atingidos. Isso não significa a eliminação da
agricultura familiar (ou das desigualdades regionais), mas sua subordinação sempre que se
fizer necessária.
III) Diretamente vinculada às duas primeiras tendências e decorrente seja da
modernização presente desde os anos 1970, seja em função especificamente do agronegócio,
cresce a importância e participação de multinacionais (e do capital financeiro) no campo
brasileiro. ADM, JBS, Monsanto, etc. devem não apenas buscar ampliar sua presença como
15
Atas Proceedings | 3947
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
enfrentar a concorrência de outras mais. O esmagamento da soja do Mato Grosso (maior
produtor nacional) é controlado por algumas poucas empresas, com destaque para Bunge,
Cargill, ADM e Luis Dreyfuss.
IV) Aprofundamento da relação entre agricultura e o capital industrial-financeiro, assim
como da financeirização na agricultura, ou seja, da presença do capital originário ou
reproduzido na agricultura em circuitos financeiros nacionais ou internacionais (e vice-versa),
alguns dos quais com forte presença especulativa. Diante da explosão da crise internacional
em 2008 a Sadia perdeu de imediato algumas centenas de milhões de reais nos títulos que
havia adquirido.
V) Política governamental de conformação de multinacionais de origem brasileira,
estimuladas com recursos do BNDES, mas também outras de fontes e de pesquisas públicas e
obras infraestruturais. Exemplo é o setor de frigoríficos (com destaque ao JBS). Isso inclui a
concentração e centralização de capital, possível, entre outros, pela fusão de capitais – já
citada.
VI)
Integração de interesses diversos conduzidos pelo Estado. Na medida em que o
capital presente na agropecuária deixou de ser um capital típica e limitadamente agrário
tradicional, tendo sido integrado a outras formas de capital, percebe-se a interseção de
interesses em diferentes escalas. Em grande medida, eles são assimilados e regulados pelo
Estado – o que não quer dizer que não ocorra tensões.
A proposta governamental de construção do complexo hidrelétrico do Tapajós, na prática
já iniciado, envolve interesses de vários setores: energia, indústria nacional, mineradoras e
agronegócio. A construção do conjunto de hidrelétricas (que interessa à indústria instalada em
outros pontos do território nacional e, especificamente, das mineradoras instaladas na
Amazônia) está sendo planejado para ao mesmo tempo transformar o rio numa imensa
hidrovia. Com isso a produção de grãos do Centro-Oeste poderá ser escoada para os mercados
externos pelos rios Tapajós-Amazonas, reduzindo significativamente os custos. Num plano
mais geral, podemos constar está coincidência de interesses na Iniciativa para a Integração da
Região Sulamericana (IRSA), o que incluí inúmeras obras de logística e produção energética
nos países da América do Sul.
VII)
Aumento da produção de produtos agrícolas como commodities e matériasprimas, e não como alimentos para o mercado consumidor interno. Exemplo é a ampliação da
produção de agrocombustíveis decorrente da cana de açúcar (álcool) ou de mamona, soja e
dendê (biodiesel). Atualmente o biodiesel (cuja participação composição do diesel vem sendo
legal e obrigatoriamente crescente) tem na soja sua principal matéria-prima. Não por acaso o
Mato Grosso abriga diversas usinas. Apesar das dificuldades a mamona também tem
importante participação no Nordeste e cresce acentuadamente a área plantada com dendê (que
deve se tornar futuramente a principal matéria-prima do biodiesel) no Pará para a produção
deste biocombustível. Afora a agroenergia, também encontramos muitas culturas voltadas ao
mercado internacional: gado em geral, aves, suco de laranja, café, soja, etc.
16
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Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
VIII)
Está ocorrendo no Brasil uma reorganização geográfica dos espaços rurais.
Nos setores dominados pelo agronegócio há uma intensa incorporação tecnológica
(maquinário, melhoramento genético, transgênicos, etc.) e assalariamento da força de
trabalho. Este fenômeno é estimulado pelo Estado brasileiro através de pesquisas
agropecuárias, obras infraestruturais, isenção e crédito subsidiado. Mas isso ocorre ainda com
a permanência do trabalho precarizado, da subordinação do pequeno produtor, de formas de
trabalho degradantes (escravo), da expulsão do pequeno produtor e indígenas, e da
permanência do conflito e dos problemas ambientais - mesmo nos territórios hegemonizados
pelo agronegócio. A Cargill se instalou em Santarém-PA, montando um terminal graneleiro
na frente da cidade sem a análise ambiental devida. Atraiu produtores que passaram a adquirir
(por meio de métodos diversos) terras em que a mata foi derrubada para o plantio da soja.
Dada a repercussão negativa e a ação dos movimentos sociais, ela teve que se comprometer a
somente comprar soja de áreas não decorrentes da derrubada da floresta nativa.
A reorganização espacial de que falamos inclui, ao mesmo em que é impulsionada, o
deslocamento de determinadas produções para outras áreas e regiões. A pecuária desloca a
área de maior concentração do rebanho para o Centro-Oeste e Amazônia – A Amazônia Legal
(que inclui Mato Grosso e parte do Maranhão) já conta com o maior rebanho do país –
79.768.134, equivalente a 37,48% do total nacional em 2011. A Cadeia de carnes-grãos
estende-se do Centro-Sul para o Centro-Oeste (BR 163). Bernardes (2008) afirma que está
ocorrendo e se intensificando a transferência da produção de aves e suínos do Sul do país para
o Mato Grosso, concentrada na área da BR-163 matogrossense. Isso decorre do deslocamento
da cadeia carne/grãos, impulsionada pela soja, que vem reorganizando o território deste
estado. Esta deve se tornar a maior cadeia de carne/grãos da América Latina. Sadia está
localizada em Lucas do Rio Verde (BR-163 matogrossense). Perdigão e outras empresas
também já estão no Mato Grosso. Isso cria condições para uma nova divisão territorial do
trabalho no Brasil.
IX)
Também relacionada à tendência anterior outros elementos, há maior
dificuldade em definir as fronteiras entre o campo e a cidade, entre outros motivos pelo
avanço do urbano sobre primeiro. O rural não é mais somente agrícola, assim como não pode
ser confundido tão somente com o tradicional. Constata-se, então, a ocorrência de novas
ruralidades. Uma maior complementaridade entre o urbano e o rural. A assimilação de traços
do urbano pelo rural, como, por exemplo, a incorporação de tecnologia, serviços e, em alguns
casos, de padrões de consumo.
X) Permanência e mesmo agravamento de velhos problemas: concentração fundiária,
conflitos agrários, trabalho em condições degradantes, degradação ambiental, etc. A expansão
do modo de produção capitalista expresso na modernização e unificação da agriculturaindústria fez aumentar a concentração de terra e o caráter excludente da estrutura agrária
brasileira, aumentando os conflitos no campo. Essa tendência, ainda que com alterações, se
mantém. A violência assume a forma privada e/ou estatal. Em relação as tensões, a Amazônia
Legal é o palco de maiores conflitos, com o maior número de assassinatos, assim como de
17
Atas Proceedings | 3949
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
trabalho degradante e derrubada florestal. Em 1996 ocorreu o caso de maior repercussão, que
foi o massacre de Eldorado dos Carajás, com 19 trabalhadores sem-terra assassinados pela
PM do Pará, sob a tutela do governador de então. Entre 1985 e 2005 este estado registrou 420
assassinatos no campo.
XI)
Agravamento da questão ambiental. O aumento da tecnificação e da
intensificação do capital na agricultura, ou seja, da expansão do agronegócio, ocorre
acompanhadas da produção crescente de dejetos, tendo como resultado grandes problemas
ambientais. O passivo ambiental e a degradação dos solos são alguns dos motivos
estimuladores da transferência de indústrias do Sul/Sudeste (onde os danos acumulados são
maiores) para novas áreas.
XII)
Subordinação de parcelas importantes da agricultura familiar ao agronegócio –
tema que já discorremos longamente. Ex: produção de aves, suínos, fumo e biodiesel.
XIII)
Ampliação dos movimentos sociais no campo. Fernandes (2008) os diferencia
em movimentos sócio-territoriais e movimentos socioespaciais. Há inúmeros movimentos de
trabalhadores rurais no Brasil, mas somente dois que conseguiram se nacionalizar: o MST e a
Contag. Chamamos a atenção para o fato de que essa expansão também ocorre permeada por
contradições, é o caso de alguns movimentos que mantêm relações mais próximas com os
governos de “esquerda”. Eles são pressionados por uma realidade que os leva a ação, mas o
enfrentamento com o governo de agora não se apresenta na mesma medida que aquele que
ocorria anteriormente, entre outros motivos porque para parte da direção política destes
movimentos estes governos são aliados ou estão em disputa.
XIV)
Permanência das reivindicações por reforma agrária e reafirmação do
campesinato, ainda que sob a nomenclatura de agricultura familiar (até porque não é
necessariamente a reprodução literal de um campesinato clássico).
XV)
Ampliação da pauta de reivindicações dos movimentos sociais no campo.16
Além das reivindicações tradicionais por terra, crédito, assistência técnica, etc., somam-se as
demandas envolvendo a questão ambiental; acesso aos recursos (água, por exemplo);
soberania (segurança alimentar); questão étnico-cultural, índios, quilombolas, etc.; grandes
obras infraestruturais; entre outras. Destacamos a ampliação das ações e visibilidade dos
indígenas brasileiros nos primeiros anos da década atual (2010) diretamente impactados pelos
megaprojetos infraestruturais e avanço do agronegócio/latifúndio, aproximando-os em alguma
medida de alguns problemas sofridos pelos trabalhadores rurais – talvez isso seja uma das
16
Sobre isso, Montenegro (2010, p. 29) afirma que novos temas e demandas estão sendo incorporados por
estes movimentos: “a incorporação dos problemas ambientais, a estratégia de luta e resistência que representa a
Soberania Alimentar, a análise dos termos e dos sujeitos através do que se expressa a conflituosidade no campo
ou o sentido da política pública cristalizada em um paradigma de desenvolvimento reducionista mostram um
leque possível de aspectos com os quais atualizar o debate da questão agrária, porém poderíamos prosseguir por
outros caminhos: as violação dos direitos humanos (e de uma legislação que se bem a cada dia aumenta, também
a cada dia se desrespeita mais) que se acirra com a militarização dos conflitos pela terra; a multiescalaridade dos
problemas agrários em função dos arranjos comerciais internacionais (OMC, ALCA, tratado de livro comércio,
etc.)”.
18
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Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
explicações da utilização de métodos até então fortemente identificado com os sem-terra: é o
caso das ocupações de terra.
XVI)
Desafio para as ciências sociais no geral e para a geografia e economia em
particular: incorporar em suas análises a complexidade presente no campo brasileiro.
XVII)
Há um processo em curso em que alguns pesquisadores definem como
reprimarização da economia brasileira. É um tema que merece mais antenção para captar sua
dinâmica de longo prazo. O fato que podemos afirmar é que há um crescimento da
participação de produtos básicos e semi-industrializados na pauta de exportação do país.
5. Considerações finais
O campo brasileiro passou por profundas mudanças desde meados da segunda metade
do século XX, entre as quais a modernização da agricultura brasileira (elevando a
produtividade), mas que se processou sem alterar a estrutura concentradora da propriedade –
fato que produz e reproduz conflitos de ordens diversas.
A modernização da agricultura brasileira processou-se intensamente e permanece em
andamento. Constata-se a expansão da agropecuária brasileira como fronteira agrícola nos
anos 1970 para fronteira de commodities na atualidade.
Esse processo se aprofundou na virada do século passado para o atual, dando origem,
entre outros, ao agronegócio. As mudanças em curso não apontam para a supressão da velha,
mas ainda forte e permanente, dicotomia entre pequena propriedade (incluídos aqui os semterra) e a grande propriedade (que inclui o agronegócio). De fato, o que se observa é a
reprodução, e em alguns momentos o agravamento, desta contradição.
Analisando historicamente, percebe-se que atualmente se intensifica a modernização
da agropecuária brasileira, mas mantendo as mesmas fissuras de anteriormente. Ainda que aja
uma integração subordinada da agricultura familiar ao grande capital, a dicotomia grande
propriedade versus pequeno agricultor (em muitos casos sem terra) permanece gritante e
excludente. Mantém, então, seu perfil de modernização conservadora. Não apenas isso:
mesmo que recorrendo a modernas forças produtivas, a produção agropecuária dominada pelo
grande capital continua a produzir matérias-primas e alimentos, em grande medida, voltada ao
exterior e com baixa agregação de valor por unidade do produto, ou seja, não consegue (e não
o faz também porque é lucrativo) fugir ao seu padrão histórico, reproduzindo modernamente
seu passado arcaico.
Assim, inúmeras são as tendências presentes no campo brasileiro, entre as quais a
intensificação da incorporação tecnológica e de capital. Infelizmente, permanecem velhas e
surgem novas contradições. Entendê-las e atuar no sentido de superá-las é o desafio colocado
às ciências sociais em particular.
Referências bibliográficas
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Maria C.; CORRÊA, Aurenice (orgs.). Brasil, a América Latina e o mundo: espacialidades
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19
Atas Proceedings | 3951
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BAER, Mônica. O rumo perdido: a crise fiscal e financeira do Estado brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e
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Atas Proceedings | 3953
3954 | ESADR 2013
FOGO E MANEJO DA TERRA NA AMAZÔNIA BRASILEIRA:
UMA PROPOSTA METODOLÓGICA DE ANÁLISE INTERDISCIPLINAR
Larissa Steiner Chermont
Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA)
Universidade Federal do Pará (UFPA)
Belém, Pará, Brasil
[email protected]
Resumo
O presente artigo tem por objetivo principal identificar um arcabouço teóricometodológico que possibilite a análise do comportamento do agricultor familiar na
Amazônia brasileira quanto ao uso do fogo como técnica de manejo da terra e seus
esforços de prevenção de incêndios. Para tal análise e comunicação, pretende-se: (i)
demonstrar a inadequação das formulações de modelos de previsão do comportamento
do agricultor familiar provindas da vertente Neoclássica da teoria econômica,
fundamentadas nas noções racionalidade e maximização de utilidade; (ii) identificar e
analisar as contradições internas e externas ao fenômeno em foco – a necessidade de
sobrevivência do agricultor familiar no sistema capitalista; (iii) estabelecer „diálogos
transversais‟ que perpassem as diversas disciplinas nas quais o fenômeno estudado se
manifesta. Em suma, este trabalho pretende qualificar o problema do uso do fogo e suas
consequências na vida do homem rural amazônico, de forma a contemplar os diversos
aspectos da „realidade complexa‟ em que o mesmo se insere.
Palavras-chave: Uso do fogo. Incêndios. Amazônia. Agricultura familiar.
Abstract
This paper aims at identifying a theoretical and methodological framework that enables
the analysis of the behavior of rural households in the Brazilian Amazon regarding the
use of fire as an agriculture tool as well as their fire prevention efforts. Our main goals:
(i) to demonstrate the inadequacy of the formulations of prediction models of the
behavior of rural household based on the Neoclassical economic theory, which is
grounded in notions of rationality and utility maximization; (ii) to identify and analyze
internal and external contradictions to the phenomenon in focus - the need for
reproduction; (iii) to establish interdisciplinary dialogues in which the phenomenon
under scrutiny occurs. In short, this work aims to qualify the issue of the use of fire and
its consequences in rural Amazon, in order to address the different aspects of 'complex
reality' in which it operates.
Keywords: Use of fire. Fires. Amazon. Peasant Household.
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VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Introdução
O fogo é um fenômeno natural e detém importante papel ecológico. Durante
séculos, os seres humanos o têm usado como um meio de sobrevivência. O fogo é
também um importante regulador da sustentabilidade do ecossistema, da manutenção da
vida vegetal, da disponibilidade de nutrientes do solo e diversidade biológica. Além
disso, o fogo tornou-se um importante aliado do homem como ferramenta agrícola
(Cochrane & Schulze, 1999; Cochrane, 2003; Goldamer, 1990; D. Nepstad et al., 1999).
Por outro lado, as queimadas descontroladas e o chamado fogo acidental, causados por
uma combinação de condições climáticas e atividade humana, podem resultar em graves
e até mesmo irreversíveis danos aos ecossistemas e ao bem estar humano.
Em toda a Amazônia brasileira, o fogo permanece como ferramenta agrícola
muito utilizada para preparar a terra para a agricultura e reforma de pastagem, uma vez
que a agricultura de corte-e-queima e a pecuária extensiva são atividades comuns
dentre os proprietários de pequeno, médio e grande porte. Vale ressaltar que o uso do
fogo como ferramenta agrícola é prática generalizada em toda a região, devido
principalmente ao fato de apresentar reduzidos custos de produção, e técnicas de
simples procedimento (Arima, Simmons, Walker, & Cochrane, 2007; Hall, 2000; Uhl &
Buschbacher, 1985; Uhl & Kauffman, 1990).
Paradoxalmente a propagação de incêndios, decorrente do somatório dos fatores
acima mencionados, é também uma das maiores ameaças ao ecossistema amazônico,
pois, estes podem levar à destruição descontrolada de florestas, fauna e bens materiais.
É válido ressaltar que a distinção feita pela literatura científica na área das
ciências naturais (ecologia, geografia física, agronomia, e outras) entre queimadas
intencionais e fogo acidental é de fundamental importância para a análise aqui
pretendida. De acordo com aplicações da Teoria Econômica Neoclássica, as queimadas
intencionais são consideradas „ferramenta de manejo da terra‟, resultado de um processo
de tomada de decisão racional pelas unidades produtivas, cuja intensidade e frequência
são passíveis de descrição e previsão por meio de procedimentos de modelagem
estatística e probabilística (Arima et al., 2007; Walker, Perz, Caldas, & Teixeira Silva,
2002). Já os incêndios (contágio de fogo) são tidos como eventos danosos que resultam
de fatores exógenos às unidades de análise, tais como fragmentação da paisagem, corte
seletivo e condições climáticas e, portanto localizados fora de seus universos de estudo.
2
3956 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
Três tipos distintos de eventos de fogo são verificados na Amazônia brasileira:
(i) aqueles decorrentes de desmatamento realizado em função da atividade produtiva
que atingem áreas de floresta primária; (ii) o fogo que invade a superfície das áreas de
vegetação primária ou secundária, cuja causa não é intencional; (iii) incêndios em terras
anteriormente desmatadas, e resultantes da queima intencional de pastagens ou
vegetação secundária. Os eventos de fogo pertencentes a esta última categoria podem
ser divididos em: a) fogo intencional: incêndios deliberadamente iniciados para formar
pastagens ou manejo da terra, e, b) fogo acidental: os incêndios provenientes da
atividade agrícola de áreas vizinhas (D. C. Nepstad, Moreira, & Alencar, 1999).
Sorrensen (2000) adota as mesmas categorias que Nepstad (1999), e acrescenta
uma distinção (à segunda categoria) entre incêndios em áreas de pastagem e incêndios
que irrompem áreas agrícolas. Essa distinção foi feita porque a autora acredita que há
uma diferença no grau de eficácia de cada um dos incêndios intencionais estudados
(Sorrensen, 2000).
O objetivo do presente artigo consiste em adequar a análise do comportamento
do agricultor familiar estabelecido na mesorregião do Corredor da BR-163, levando em
consideração seus ambientes de tomada de decisão para a produção, através da
identificação de um arcabouço teórico-metodológico que viabilize tal procedimento.
Mais especificamente, pretendemos adequar o estudo da adoção tecnológica do
uso do fogo como técnica de manejo da terra e esforços de prevenção de incêndios,
baseado na Teoria Neoclássica de modelagem da decisão da unidade produtiva
(household decision model), à análise baseada em trajetórias tecnológicas e sistemas
agrários (Costa, 2012, 2013).
Pretendemos proceder a uma „reconstrução metodológica‟, inicialmente
demonstrando a inadequação da teoria econômica da vertente Neoclássica como
instrumental de investigação da problemática em foco, bem como apontando as
dificuldades encontradas quando da aplicação desse referencial teórico na análise do
comportamento humano.
Adicionalmente, serão levantadas de forma preliminar alternativas de
procedimento metodológico para a delimitação do universo de análise do problema em
foco, identificando as necessárias contextualizações fornecidas por outras áreas
disciplinares além da economia, bem como seus fundamentos ontológicos.
Em suma, pretendemos qualificar o problema do uso do fogo como técnica
agrícola e suas consequências na vida rural do homem amazônico, de maneira a refletir
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Atas Proceedings | 3957
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
o contexto da „realidade complexa‟ em que o mesmo se insere. Vale ressaltar que a
análise aqui proposta demandará um tratamento holístico e interdisciplinar dos diversos
aspectos considerados, o que se coloca como condição para o alcance da validade
científica do presente estudo, bem como uma adequação dos instrumentos de políticas
públicas integradas para a Amazônia brasileira.
Por um novo arcabouço teórico-metodológico
O estudo aqui proposto visa apresentar um adequado arcabouço teóricometodológico para a investigação do comportamento adotado pelo agricultor familiar,
durante seu processo de tomada de decisão para sua reprodução material, no contexto da
Amazônia rural brasileira. Para que tal objetivo seja satisfatoriamente alcançado, o
processo de tomada de decisão de produção deverá ser considerado em dois níveis
analíticos concomitantes: (i) o contexto interno à unidade produtiva familiar,
descrevendo e analisando o processo de tomada de decisão individual das famílias,
principalmente no que diz respeito à adoção de tecnologia de manejo da terra; (ii) o
contexto socioeconômico, político e cultural em que tais unidades familiares estão
inseridas, com foco na análise das relações de cooperação (ajuda mútua) ali
estabelecidas, para que assim seja possível tratar da pressuposta existência de relação
teórica entre capital social e desenvolvimento local (Barquero, 2002; Conti & Giaccaria,
2001; Costa, 2012a).
Como já mencionado, deve-se salientar que a abordagem tradicional, baseada na
Teoria Econômica Neoclássica e na Lógica Formal, assume algumas pressuposições que
comprometem a solidez da argumentação pretendida, a saber:
a) Que a identificação e subsequente descrição minuciosa das rotinas
comportamentais (ações) e características mais frequentes nas unidades
produtivas permitirão a dedução de relações causais e previsão do
comportamento futuro das mesmas – „modelagem probabilística do
comportamento humano‟;
b) Que a mencionada descrição e modelagem do comportamento das unidades
produtivas, tomadas individualmente, conduzirão ao entendimento da
realidade em sua totalidade – „soma das partes igual ao todo‟;
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3958 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
c) A possibilidade de isolar a opinião sobre o objeto de seu observador –
„neutralidade científica‟;
d) A pressuposição de um „comportamento racional‟ por parte da unidade
produtiva em foco - „maximização de utilidade‟, segundo a qual o agricultor
familiar agirá de forma similar a qualquer outra unidade produtiva do
sistema (Teoria da Firma);
e) A condição de certeza que determina o comportamento do agente produtivo
– „tendência ao equilíbrio‟;
f) Que influências exógenas decorrentes dos diferentes contextos (social,
histórico, político e cultural) a que pertence o objeto de análise, bem como
suas especificidades, poderão ser „controladas‟ e neutralizadas – „validade
universal‟.
Faz-se imperativo salientar, que a razão principal para o rompimento com
mencionado arcabouço teórico, diz respeito ao fato de que o mesmo não satisfaz à
necessidade de conhecimento científico da realidade complexa em que o fenômeno em
análise está inserido. Ao fracassar em fornecer um „argumento de autoridade‟ (Demo,
2011, 2012) a respeito do comportamento do agricultor familiar para o manejo da terra
na Amazônia brasileira, a Teoria Econômica Neoclássica e seus correspondentes em
outras disciplinas, incorrem em pelo menos dois problemas de fundo epistemológico: os
determinantes do comportamento dos indivíduos permanecem desconhecidos (a
essência do fenômeno não é revelada); ao desconsiderar características essenciais
relativas a outras áreas do conhecimento científico sobre o mencionado fenômeno, tal
abordagem oferece uma visão parcial (disciplinar) e fragmentada do mesmo.
Considerando o acima exposto, cabe apresentar os objetivos específicos que
deverão servir de elementos norteadores do desafio acadêmico aqui proposto:
1. Demonstrar as contradições internas e externas ao fenômeno em foco – a
necessidade de reprodução do agricultor familiar (camponês) no sistema
capitalista;
2. Estabelecer „diálogos transversais‟ que perpassem as diversas áreas do
conhecimento nas quais o fenômeno estudado se manifesta: economia
(produção agrícola familiar); ecologia (aspectos físicos e climáticos);
social e política (relações de cooperação e formação de redes); geografia
(relações espaciais e características demográficas); tecnológica e cultural
(adaptabilidade humana);
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Atas Proceedings | 3959
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
3. Desenvolver arcabouço teórico-metodológico que propicie a adequação
das políticas públicas às necessidades da agricultura familiar na
Amazônia brasileira.
A etapa que se coloca à frente constitui-se no desafio de construção de um
trabalho interdisciplinar capaz de não somente cumprir com a tarefa de analisar o tema a
que se propõe, mas principalmente manter a consistência e capacidade de se questionar
(Monteiro, Filho, & H-usp, 2013; Oliveira Filho, n.d.; Santos, 1988). “O primeiro gesto
do conhecimento é desconstrutivo (questionador), para depois ser reconstrutivo
(propositivo) e permanecer sempre aberto, discutível” (Demo, 2011, p. 31).
Levando em conta o objetivo principal de oferecer arcabouço metodológico que
permita a análise adequada do comportamento do agricultor familiar no que diz respeito
ao uso e prevenção do fogo na Amazônia brasileira, cabe apontar em direções
necessárias para o cumprimento de tal objetivo.
A transferência do foco principal para o problema a ser tratado, e não mais na
unidade de análise, elimina a necessidade de separação artificial das perspectivas macro
e micro da questão em foco. A utilização da Lógica Dialética (em substituição à
Formal) proporcionará uma análise do todo, mostrando suas contradições e
representações nas partes.
Os „diálogos‟ com outras disciplinas aqui propostos permitirão que diferentes
referenciais teóricos da economia (Marx, Harvey e Costa) dialoguem com outros, tais
como a Adaptabilidade Humana (Moran, 1990, 1994) e a Teoria do Ator em Rede e
Capital Social (Latour, 1993; Morin, 2012), buscando assim a construção de uma nova
abordagem para a questão da agricultura familiar na Amazônia.
Finalmente, sem ser por último um dos maiores desafios aqui postos consiste em
que um verdadeiro diálogo com a ecologia e demais disciplinas mencionadas seja
buscado, para que as condições físicas e materiais do ambiente sejam verdadeiramente
consideradas quando da análise do sistema complexo com o qual se está trabalhando.
Fogo e Desenvolvimento Local na Amazônia
Visando proceder a uma análise apropriada da dinâmica da produção rural na
Amazônia brasileira, em geral, e no Corredor da BR-163, em particular, faz-se
imperativa a investigação das características específicas das unidades produtivas em
6
3960 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
foco, bem como seus aspectos demográficos e relativos ao processo de tomada de
decisão, principalmente no que diz respeito à adoção de sistemas agrícolas, os quais se
têm revelado como valiosos indicadores na construção de um perfil adequado do
camponês da região.
O presente estudo, portanto, apresenta essencialmente uma análise das formas de
produção nas áreas rurais da Amazônia brasileira, buscando obter fundamentos para a
qualificação dos diferentes processos de adoção de tecnologia vivenciados por tais
produtores.
A literatura científica recente apresenta a análise de que as famílias de colonos
que se instalaram na Amazônia nas últimas décadas são capazes de organizar sua
produção de tal forma a alcançar seus objetivos primários de produção agrícola,
garantindo simultaneamente sua segurança alimentar (Brondizio & Moran, 1994;
Walker et al., 2004, 2002).
A família pode ser considerada uma unidade camponesa, quando seu é objetivo
principal está constituído tanto da produção agrícola para consumo interno, como da
produção para mercado. Esta classificação tenta distinguir
camponeses de
arrendatários, proprietários, meeiros e outras categorias analíticas utilizadas pela
literatura científica sobre a questão (Arima et al., 2007). Tais unidades podem ser
distinguidas entre aquelas fortemente dependentes de mão de obra familiar, daquelas
unidades em que a mão de obra assalariada predomina. Importantes pesquisas têm sido
realizadas sobre este tema, particularmente com análises sobre a acumulação de capital
e de seu status quo (Costa, 2008; Walker et al., 2002).
Na maioria dos casos, os pecuaristas da Amazônia brasileira têm origens
agrárias, embora obtenham a maior parte de sua renda a partir de atividades urbanas
diversas. Tais atividades urbanas permitem-lhes reinvestir seu capital na atividade rural.
Fazendeiros são geralmente „self-made men‟, capazes de acumular capital com
atividades outras e não-agrícolas, tais como comércio e o exercício de atividades
liberais. Embora tais pecuaristas exerçam papel importante na economia local, os
mesmos são exceções quando comparados à maioria das unidades entrevistadas, as
quais se enquadram na categoria de famílias de colonos.
Tal análise é consistente com a linha teórica fundada pelo „modelo de unidade
familiar‟ de Chayanov (1925), elaborado com o intuito de caracterizar a produção rural
em nível familiar, predominante na Rússia pós-revolução de 1917 (Thorner, Kerblay, &
Smith, 1986; Walker et al., 2002).
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Atas Proceedings | 3961
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
A unidade familiar de subsistência pura, elaborada com base empírica por
Chayanov, pressupõe a inexistência de um mercado de trabalho, e a existência de um
salário subjetivo, que reflete a opinião da família a respeito da decisão de aumento
proporcional de sua produção agrícola, com o aumento do tamanho da família elevação do número de „bocas para alimentar‟.
Mais recentemente, alguns teóricos economistas ampliaram o „modelo de
maximização‟ de Chayanov, relaxando a hipótese restritiva de isolamento da unidade
familiar, e adotando uma tipologia contemporânea de unidade produtiva rural, que
assume que as mesmas interagem com mercados imperfeitos de capital, trabalho e
produto (Walker et al., 2004).
Vários pesquisadores no Brasil adotaram a categoria de camponês como uma
tradução aproximada para o termo em inglês peasant, que inclui tanto aquelas unidades
familiares que detêm o controle das áreas da terra que usam para produzir, como
aquelas famílias rurais pobres, que obtêm seu sustento da agricultura, extrativismo, e até
mesmo o trabalho assalariado (Walker et al., 2002). Uma distinção útil entre sitiante,
posseiro e colono é fornecida por este grupo de pesquisadores, a qual se revela
adequada ao caso da Amazônia brasileira. De acordo com a mesma, sitiantes e
posseiros de terra são aqueles em condições precárias quanto à segurança de posse da
terra em que vivem devido à falta de documentação oficial para regularização de sua
condição. Em sua grande maioria, tais unidades praticam predominantemente
agricultura de subsistência, e se localizam em áreas remotas, longe dos centros urbanos,
desprovidas inclusive da escassa infraestrutura de colonização da região. Em contraste,
os chamados colonos são aqueles que migraram para a região, com apoio oficial, seja na
esperança de adquirir terras ou ocupar áreas oficialmente designadas, onde o governo
federal havia investido em serviços básicos e prometido conceder títulos definitivos
para as áreas ocupadas, sendo que tal promessa nunca foi cumprida.
Convém salientar que a já mencionada unidade de subsistência pura somente
poderá ser considerada uma tipologia válida durante as etapas iniciais de expansão da
fronteira agrícola amazônica, quando o leque de alternativas de atividades produtivas
disponíveis aos membros das unidades revela-se bastante limitado. Em outras palavras,
o colono recém-assentado poderá contar exclusivamente com sua produção doméstica.
Isso ocorre devido tanto à localização de sua propriedade, como ao fato de a maioria das
famílias residentes em áreas vizinhas encontrar-se em condições semelhantes.
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3962 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
Dentre outros fatores, a abundância de terras, a falta de serviços básicos, e
dificuldades de acesso ao mercado, fizeram com que, apesar de durante as fases iniciais
da abertura da fronteira amazônica, ser possível que as famílias de colonos assentados
enquadrem-se na tipologia de Chayanov, esta se mostrou como uma condição apenas
temporária.
Atualmente, a produção de subsistência pura é limitada a algumas áreas remotas,
e mesmo assim, não tão pura quanto o previsto pela teoria de Chayanov. Na verdade, as
cidades amazônicas são bem integradas através de redes que representam uma parte da
economia global.
Tal abordagem teórica, baseada nos „ciclos de vida‟ (age cohorts), consolidou-se
como análise crítica da literatura dominante até então, para a qual os pequenos
agricultores amazônicos seriam predominantemente de subsistência e itinerantes. Esta
teoria emergente tem sua base na observação empírica, e abrange tanto o „ciclo pioneiro
camponês‟ como os processos evolutivos da vida na fazenda que estão ligados aos
ciclos internos das famílias (Brondizio & Moran, 1994; Serrão, Nepstad, & Walker,
1996).
Importante salientar que o tamanho da propriedade é uma referência importante
para a caracterização da unidade produtiva rural da Amazônia brasileira. O lote de 100
hectares é o padrão encontrado em projetos de assentamento oficiais e também será
tomado como tal para analisar as propriedades neste estudo. Por exemplo, uma família
de colonos que se estabeleceu na área do Corredor BR-163 é considerada como sendo o
padrão da área, podendo ocupar até dois lotes de colonização do INCRA (variando de
50 a 100 hectares) configurando uma única unidade de produção. Grandes propriedades
também são frequentes nas duas áreas de estudo, como resultado das políticas federais
que foram elaboradas para atrair capital produtivo. Tais propriedades ocupam grandes
áreas, especialmente fazendas de gado.
O presente estudo adota a classificação de Walker de unidades produtivas rurais
da Amazônia, que descreve o tamanho da propriedade e da natureza de sua atividade
econômica (Serrão et al., 1996). Esta classificação baseia-se na noção de que, embora o
tamanho de propriedade seja um atributo importante e comumente utilizado, para que se
proceda a uma tipologia mais completa das mesmas, é mais adequado proceder-se a
uma combinação das classificações por tamanho da propriedade, tipo de atividade
econômica, bem como outras características socioeconômicas e antropológicas.
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Atas Proceedings | 3963
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Na maioria dos casos, o agricultor familiar, detém um ou dois lotes padrão do
INCRA (100 hectares), e estão assentados principalmente em projetos de colonização
oficial, e praticam em larga medida, a agricultura de subsistência combinada com
pequena produção para mercado. Os chamados produtores comerciais (ou fazendeiros
quando suas atividades envolvem gado) ocupam grandes propriedades (maiores de
1.000 hectares), e seu sistema de produção é baseado principalmente em uma única
atividade - criação de gado ou produção de grãos - orientada para o mercado. Produtores
considerados médios são reconhecidos como aqueles que se enquadram entre os dois
tipos acima descritos (propriedades que variam em tamanho de 100 a 1.000 hectares), e
normalmente diversificam suas atividades produtivas, consumindo parcela importante
da mesma.
Finalmente, conforme verificado, grande parte da literatura que trata de unidades
produtivas rurais na Amazônia brasileira está fundamentada na premissa de que
características econômicas e antropológicas da região são importantes determinantes
para a construção de tipologias adequadas das unidades produtivas nela estabelecidas.
Partindo-se de tal pressuposto, é válido considerar que análises do uso do fogo e
possíveis medidas preventivas devam adequar-se a tais procedimentos metodológicos
para proporcionar o conhecimento do comportamento das unidades produtivas a esse
respeito. Neste sentido, o presente trabalho adota tal procedimento como premissa
básica para o estudo do comportamento do produtor rural com relação aos sistemas e
tecnologias adotadas para a realização da produção.
Considerações Finais
Políticas públicas ambientais são determinantes para a eficácia do crescimento
de setores da economia e regiões específicas. Uma vez bem coordenadas com políticas
macroeconômicas, as mesmas podem se tornar importantes indutores para o
desenvolvimento local e regional.
Nas últimas décadas, a Amazônia brasileira vem gradativamente integrando as
economias nacional e mundial, o que tem sido anunciado como alternativa para a
superação dos problemas regionais e locais (Hecht & Cockburn, 1989; Homma, Filho,
& Magalhães, 1991). Tal opção na condução da economia regional levou a uma
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3964 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
situação de „ganho-perda‟, na qual um desempenho focado no crescimento econômico
impõe altos custos sociais e ambientais.
A abundância de terras, especialmente durante os estágios iniciais de
desenvolvimento da fronteira agrícola na região, influenciou fortemente a abertura de
novas áreas para produção, em um processo que se caracteriza pela escassez de mão de
obra e capital. Nessas „áreas de fronteira jovens‟, a forma como a terra é ofertada pelos
governos estadual e federal torna-se determinante do comportamento de tomada de
decisão da unidade agrícola familiar. Em contraste, as chamadas „áreas de fronteira
maduras‟ experimentam maior escassez de terras, e as famílias de camponeses ali
estabelecidas, normalmente se envolvem em atividades produtivas de mercado, bem
como outras não-agrícolas (off farm activities) (Alencar et al., 2004; Walker et al.,
2004, 2002).
Desde o início do processo de ocupação ao longo da Rodovia Federal BR-163
(Cuiabá-Santarém), tem-se verificado um intenso processo de ocupação territorial desta
mesorregião denominada Corredor da BR-163. Com vistas a uma análise adequada da
dinâmica produtiva local (Corredor da BR-163) deve-se considerar o que a literatura
chama de dois „projetos de desenvolvimento‟ para o sistema agrário na região (Costa,
2000; Ribeiro & Castro, 2008). O primeiro, denominado „latifundiário-monocultural‟,
envolve um padrão de produtividade onde coexistem o proprietário de terras, o trabalho
assalariado, a criação de gado e a produção de grãos (Costa, 2005). Este projeto de
desenvolvimento rural é responsável pela maior parte do dano ambiental da região
(desmatamento e degradação ambiental), uma vez que adota sistemas agrícolas
intensivos e, muitas vezes deixam de tomar medidas preventivas ou mitigadoras dos
impactos gerados por sua produção.
O segundo projeto de desenvolvimento rural é chamado de „familiarpolicultural‟, o qual considera a atividade da unidade de produção familiar, com
atividades econômicas diversificadas. Tal estrutura desenvolve atividade com menor
impacto ambiental, uma vez que seu objetivo principal consiste em garantir a segurança
alimentar dos seus membros e o de melhorar seu padrão de vida.
O presente artigo consiste em proposta de trabalho a ser construído, daqui em
diante, levando em conta seu objetivo principal de oferecer arcabouço metodológico que
permita a análise adequada do comportamento do agricultor familiar no que diz respeito
ao uso e prevenção do fogo na Amazônia brasileira, cabe apontar em direções
necessárias para o cumprimento de tal objetivo.
11
Atas Proceedings | 3965
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
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14
3968 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
INVESTIGAÇÃO E AÇÃO EM AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO
RURAL: EXPERIÊNCIAS DE UM CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM
RESIDÊNCIA AGRÁRIA NO BRASIL
Prof. Dr. Adriano Rodrigues de Oliveira – [email protected]
Profa. Dra. Dinalva Donizete Ribeiro – [email protected]
Profa. Dra. Laura Marina Jaime Ramos - [email protected]
Prof. Dr. Marcelo Rodrigues Mendonça – [email protected]
Graduanda Stefany Neves Peixoto - [email protected]
Universidade Federal de Goiás – Brasil
LABOTER - Laboratório de Estudos e Pesquisas das Dinâmicas Territoriais / IESA Instituto de Estudos Socioambientais – Sala 18, Bloco B. Campus Samambaia (Campus
II) Telefone: (+55) 62 3521-1184 Ramal 228 / Fax: (+55) 62 3521-1070
RESUMO
O Curso de Especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Rural é desenvolvido
pelo Instituto de Estudos Socioambientais (IESA) da Universidade Federal de Goiás,
Brasil, com apoio e recursos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
– PRONERA, por meio do edital CNPq/MDA-INCRA N º 26/2012. O Curso, com
vigência de março de 2013 a janeiro de 2015, se propõe a oferecer formação teórica e
prática aos 50 estudantes de origem camponesa e profissionais que prestam serviço à
comunidades e assentamentos rurais, como professores e extensionistas. Prevê-se que
com a capacitação desses atores, os mesmos possam implantar cultivos de sementes
crioulas, instalar Bancos de Sementes nas comunidades, implementar a substituição de
insumos químicos por orgânicos, e adequar o manejo e o aproveitamento dos saberesfazeres das populações tradicionais para a conservação ambiental, agregando valores à
produção, fortalecimento de ações sociais e educativas que promovam o resgate e a
valorização da cultura local/regional. Tendo como base metodológica a Pedagogia da
Alternância, parte das atividades é realizada na Universidade (Tempo Escola - com
módulos de aulas teóricas) e parte nas Comunidades de origem dos estudantes (Tempo
Comunidade - com experimentos a partir da soma dos saberes dos atores e de suas
comunidades e dos conhecimentos adquiridos no Tempo Escola). O Curso tem uma
abordagem multidisciplinar em que as diversas formas de se obter o conhecimento
dialoguem e os sujeitos qualifiquem sua práxis e multipliquem os saberes, o que
denominamos como Encontro de Saberes. A meta é capacitar os estudantes sobre os
processos produtivos existentes, compará-los e caracterizá- los no que tange aos usos do
solo, da água e a sociobiodiversidade, de forma a orientar formas adequadas para os
camponeses manterem a terra de trabalho em condições dignas a partir do conhecimento
e do manejo das sementes crioulas e demais práticas agroecológicas, rumo à autonomia,
sobretudo em relação ao mercado.
PALAVRAS-CHAVE
Atas Proceedings | 3969
1
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Agroecologia. Educação do campo. Práticas Sustentáveis. Pedagogia da Alternância.
Autonomia camponesa.
INTRODUÇÃO
O Estado de Goiás, localizado na região do Centro-Oeste brasileiro, se
caracteriza por uma intensa produção econômica rural centralizada, inicialmente no
modelo latifundiário, e mais recentemente, no agronegócio. Ambos os modelos
imprimiram ao Estado uma territorialização do espaço rural, tendo como moldes a
agricultura moderna e mecanizada, monoculturas intensivas (especialmente a soja e a
cana-de-açúcar) e forte pressão sobre os pequenos produtores. O agronegócio traz
consequências negativas importantes às famílias camponesas que vivem nesses territórios,
pois coloca em risco a produção de alimentos seguros, favorece a degradação os recursos
naturais e a biodiversidade do Cerrado e os impulsiona às margens do sistema econômico
de produção, dificultando a permanência dessas famílias junto a terra. Nesse modelo, os
pequenos agricultores precisam lidar com um processo produtivo hegemônico e
concorrer com a forte pressão do capital sobre a terra, com um mercado competitivo
cuja relação entre a produção e a comercialização passa pelas interferências do capital.
Assim, o Programa Nacional de Reforma Agrária – PNRA, como uma política
pública brasileira, tem por objetivo proporcionar a redistribuição das propriedades
rurais, efetuando uma distribuição da terra para que se cumpra sua função social,
processo esse realizado pelo Estado, que avalia, compra, desapropria e redistribui lotes
de terras para famílias camponesas (projetos de assentamentos rurais).
Somada à política brasileira de reforma agrária, a Agroecologia, em
consonância, representa alternativa por meio da qual as famílias camponesas, sobretudo
aquelas dos assentamentos de reforma agrária, buscam suprir as peculiaridades das
dinâmicas ambientais no processo produtivo, atendendo a uma demanda de mercado
cada vez mais crescente que é a produção de alimentos saudáveis, ao mesmo tempo em
que agrega valor, econômico, produtivo e ecológico, à sua produção. Nesse sentido, dáse a necessidade e a importância da capacitação dos camponeses frente à demanda do
mercado por produtos oriundos de práticas agroecológicas.
2
3970 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
Nesse sentido o presente trabalho tem como intuito apresentar a proposta e ações
na experiência do curso de Especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Rural
que vem sendo desenvolvido pela Universidade Federal de Goiás/Brasil, com apoio e
recursos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA. O
artigo apresenta as perspectivas teóricas que sustentam o curso a partir dos princípios
que originaram e norteiam metodologia da Pedagogia da Alternância, dos pressupostos
da Agroecologia e dos fundamentos sócio-históricos e políticos do PRONERA. Além
disso, discorre-se sobre as perspectivas e os resultados preliminares dessa experiência.
O Curso de Especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Rural têm
como centralidade a capacitação e orientação de formas adequadas, para os
agricultores/camponeses manterem em condições dignas a terra de trabalho a partir do
conhecimento e manejo das sementes crioulas e demais práticas agroecológicas. Assim,
busca-se assegurar a qualificação e a formação de camponeses, professores na educação
do campo, técnicos extensionistas e demais profissionais que atuam nos assentamentos
e comunidades de remanescentes quilombolas do Estado de Goiás, permitindo a
produção e a troca de conhecimentos e a orientação técnico-profissional.
PRINCÍPIOS TEÓRICOS DA ESPECIALIZAÇÃO EM AGROECOLOGIA E
DESENVOLVIMENTO
RURAL
–
O
PROGRAMA
NACIONAL
DE
EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA/PRONERA E A PEDAGOGIA DA
ALTERNÂNCIA
A efetivação da Educação do Campo representa possibilidades de potenciar a
intervenção pedagógica e coletiva dos trabalhadores e camponeses que vivem no
campo. O conceito de Educação do Campo foi afirmado pelos Movimentos Sociais em
1998, com objetivo de refletir sobre o sentido atual do trabalho camponês e das lutas
políticas que também se afirmam nos aspectos socioculturais dos grupos que hoje
tentam garantir a sobrevivência nos territórios onde vivem e trabalham (KOLLING;
NERY; MOLINA, 1999).
Os movimentos sociais propuseram uma ação em âmbito federal capaz de
garantir educação de qualidade àqueles que lutavam e lutam pela permanência e
sobrevivência na terra e pela Reforma Agrária, por meio do Programa Nacional de
3
Atas Proceedings | 3971
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Educação na Reforma Agrária - PRONERA. O PRONERA é uma política pública de
Educação do Campo, instituída pelo Decreto n.º 7.352, de 04 de novembro de 2010. O
objetivo do programa é desenvolver projetos educacionais de caráter formal, a serem
executados por instituições de ensino, para beneficiários do Programa Nacional de
Reforma Agrária (PNRA), do Crédito Fundiário, e dos projetos de assentamentos feitos
pelos órgãos estaduais brasileiros.
O Programa teve origem a partir da luta e representações dos movimentos
sociais pela terra e movimento sindicais do campo. Tornou-se a principal Política
Pública brasileira dedicada à Educação do Campo. Tem como foco as áreas de reforma
agrária reconhecidas pelo governo brasileiro e seu objetivo é fortalecer o meio rural
enquanto território de vida em todas as dimensões: econômica, social, política, cultural
e ética (PRONERA, 2012). O programa visa o fortalecimento da educação nas áreas de
Assentamentos de Reforma Agrária estimulando, propondo, criando, desenvolvendo e
coordenando projetos educacionais, lançando mão de metodologias voltadas para a
especificidade do campo (INCRA, Portaria Nº 282, 2004).
A partir do I Encontro Nacional dos Educadores da Reforma Agrária ( ENERA)
na Universidade de Brasília (UnB), organizado pelo Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), realizado no ano 1997, e que contou com o apoio do Fundo
das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Fundo das Nações Unidas para a Ciência
e Cultura (UNESCO) e Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),
representantes das universidades: Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade do Vale do Rio dos Sinos ( UNISINOS),
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI),
Universidade Federal de Sergipe (UFS) e Universidade Estadual Júlio de Mesquita
Filho (UNESP), reuniram-se para discutir a participação das instituições de ensino
superior no processo educacional nos projetos de assentamentos rurais existentes no
território nacional. Como consequência desse encontro, os representantes das
instituições aprovaram a proposta que visava tornar a educação no meio rural como
ponto prioritário para o desenvolvimento rural do território brasileiro. Em 16 de abril de
1998, por meio da Portaria nº.10/98, o Ministério Extraordinário de Política Fundiária
criou o PRONERA, e aprovou as diretrizes para Educação do Campo no Brasil a partir
4
3972 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
da promulgação do Manual de Operações do PRONERA. A partir do ano de 2001 o
PRONERA foi, então incorporado às diretrizes de responsabilidade do INCRA –
Instituto Nacional para Reforma Agrária.
O planejamento e a operacionalização dos cursos vinculados ao PRONERA
seguem a perspectiva estratégica com foco no desenvolvimento territorial, na elevação
das condições de vida e de cidadania dos camponeses. Nesse sentido, traz a
compreensão de que essas populações têm especificidades quanto à maneira de se
relacionar com o tempo, o espaço, o meio ambiente, a organização familiar, a
comunidade, o trabalho, a educação e o lazer, relações essas que lhes determinam uma
identidade cultural e social própria.
Dada essas especificidades que fundamentam os cursos desenvolvidos pelo
PRONERA, a Especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Rural realizado pela
Universidade Federal de Goiás foi constituído tendo como base os pressupostos teóricometodológicos da Pedagogia da Alternância (OLIVEIRA, 2012). A Pedagogia da
Alternância é uma metodologia de organização do conteúdo programático de ensino que
conjuga as diferentes realidades vividas pelos educandos, oriundos de tempos e espaços
distintos.
Teixeira et al (2008) nos traz que a metodologia teve origem em 1935 a partir
das insatisfações de um pequeno grupo de agricultores franceses com o sistema
educacional que não considerava as especificidades da educação para o meio rural. No
Brasil, a experiência com Pedagogia da Alternância começou data de 1969 no estado do
Espírito Santo, onde foram construídas as três primeiras Escolas Famílias Agrícolas
(TEIXEIRA et al, 2008). O objetivo primordial da metodologia é atuar favorecendo os
interesses do homem do campo. Para isso, tem como pressuposto um ensino organizado
para agricultores e seus familiares, alternando-se atividades nos tempos em que os
mesmos possam estar na escola – o tempo escola, e nos tempos em que estes necessitem
permanecer na área rural – tempo comunidade. O tempo comunidade, como tempo da
práxis, cumpre o papel fundamental de promover e desenvolver a autonomia intelectual
dos educandos, de modo que, eles possam participar ativamente da produção de
conhecimento sobre as suas realidades, estabelecendo formas de diálogo entre
conhecimentos técnico-científicos e saberes populares.
5
Atas Proceedings | 3973
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
A partir dessas prerrogativas, a estrutura curricular do Curso de Especialização
em Agroecologia e Desenvolvimento Rural considera essa distribuição, e tem como
proposta uma metodologia que permita cumprir com a premissa da imbricação entre as
experiências do aluno, a formação no Curso e a interação com a Comunidade, naquilo
que é considerado a troca de saberes.
EDUCAÇÃO DO CAMPO E A RESIDÊNCIA AGRÁRIA NO CURSO DE
ESPECIALIZAÇÃO EM AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL
– AVALIAÇÃO E DISCUSSÃO SOBRE A PRÁXIS.
O Curso de Especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Rural da
Universidade Federal de Goiás foi implementado a partir da aprovação da proposta
submetida ao Edital do CNPq/MDA-INCRA nº 26/2012. Tem como objetivo central
promover
a
capacitação
e
orientação
de
formas
adequadas
para
os
agricultores/camponeses se manterem em condições dignas de trabalho na terra, a partir
do conhecimento e manejo das sementes crioulas e práticas agroecológicas e
minimizando a dependência em relação ao mercado. Além disso, espera-se que, a partir
do fortalecimento da perspectiva Agroecologia e do desenvolvimento rural de base
camponesa e familiar possa, no futuro, reverberar em políticas públicas e/ou ações que
resignifique o uso da terra, da geração de renda e trabalho para os camponeses em
Goiás.
Para isso, oferece subsídios teóricos e práticos na capacitação para implementar
de cultivos de sementes crioulas nos assentamentos, na orientação para a instalação dos
Bancos de Sementes, na contribuição para a gradativa substituição de insumos químicos
por orgânicos, na capacitação para o manejo e o aproveitamento dos saberes- fazeres das
populações tradicionais para a conservação ambiental e agregação de valores à
produção e no fortalecimento ao desenvolvimento de ações sociais e educativas que
promovam o resgate e a valorização da cultura local/regional.
A base metodológica do Curso está fundamentada na Pedagogia da Alternância,
em todos os tempos e espaços, a partir de uma abordagem multidisciplinar em que as
diversas formas de obter o conhecimento dialoguem e os sujeitos qualifiquem sua
práxis, na forma de encontro de saberes.
6
3974 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
A concepção do Curso segue os seguintes princípios: a) a docência como
instrumento articulador das atividades pedagógicas; b) sólida formação teórica; c)
compromisso profissional com a realidade e a experiência prática como elemento
articulador; d) a pesquisa como princípio formativo, e; e) a ed ucação como estratégia
para o desenvolvimento de práticas sustentáveis. Nesse sentido, as disciplinas foram
pensadas e vêm sendo desenvolvidas tendo como premissa a noção da práxis
agroecológica, isto é, os pressupostos teóricos adequados à realidade cotid iana da
vivência de cada educando, fomentando a melhoria na qualidade da relação camponesa
com a produção de base sustentável.
O PRONERA considera central a parceria entre as instituições de ensino
superior e as instituições públicas que operacionalizam os programas de Reforma
Agrária e reconhecem as ações dos movimentos sociais. Assim, o Curso está sendo
desenvolvido na Universidade Federal de Goiás, a partir de uma parceria estabelecida
entre o Instituto de Estudos Socioambientais (IESA) / Laboratório de Estudos e
Pesquisas Territoriais (LABOTER) e a Escola de Agronomia (EA) / Setor de
Desenvolvimento Rural, em parceria com a Universidade Estadual de Goiás/ Unidades
de Ipameri, Porangatu, Minaçu e Campos Belos; Instituto Federal de Goiás/ Unidade de
Uruaçu; Instituto Federal de Brasília; Embrapa – Arroz e Feijão; EMATER-GO;
AGRODEFESA; Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); Federação
dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Goiás (FETAEG); Movimento
Camponês Popular (MCP); Associação da Comunidade Quilombola do Engenho II;
Associação da Comunidade Quilombola Ema; Secretaria Municipal de Promoção e
Igualdade Racial de Cavalcante - GO; Secretaria Municipal de Educação de Cavalcante
– GO.
A demanda social realizada pelos movimentos sociais, a colaboração proposta
pelas instituições de ensino superior e a definição de uma política pública encaminhada
para responder a essa demanda, definiram a proposta pedagógica e metodológica do
Curso, caracterizando o seu caráter interinstitucional na forma e no conteúdo.
No que concerne ao recorte temático, selecionado para articular as ações,
consideramos que o debate em torno da Agroecologia e Desenvolvimento Rural se
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Atas Proceedings | 3975
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
constitui num elemento central, tendo como destaque o caráter multidisciplinar
suscitado pela interlocução dos dois temas.
A proposição da Agroecologia, além de se constituir na aproximação da
agricultura camponesa com um processo de transição para uma agricultura sustentável,
conforme salientado por Altieri (2001) também coloca a necessidade de repensar o
paradigma produtivo vigente no país. A superação do modelo consolidado pela
Revolução Verde pressupõe uma mudança programática dos rumos do desenvolvimento
rural brasileiro. Neste sentido, a questão da conflitualidade inerente ao campo brasileiro
não pode ser relegado a um segundo plano. Ao eleger os agricultores camponeses,
oriundos dos Assentamentos de Reforma Agrária e Comunidades de Remanescentes
Quilombolas como protagonistas, está evidente a postura político- ideológica atrelada a
uma abordagem acadêmica que elege estes sujeitos como elementos centrais do debate
do desenvolvimento rural, que em última instância, perpassa o equacionamento da
Questão Agrária brasileira.
Diante das investidas do agronegócio e da necessidade de produção de alimentos
saudáveis e, considerando, a ausência de cursos que possibilitam uma formação
integrada a partir dos referenciais da agroecologia voltada para a produção de alimentos,
principalmente nos assentamentos numa das regiões tidas como a “mais pobre de
Goiás”, a Especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Rural tem como público,
educandos oriundos dos Territórios da Cidadania do Estado de Goiás. Estes territórios
se constituem a proposta do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para
redução da desigualdade social no meio rural brasileiro, constituindo áreas prioritárias
para o planejamento e desenvolvimento de políticas públicas que garantam a melhoria
da qualidade de vida da população que ali residem (MDA, 2010). Especialmente
destinado aos educandos oriundos da região Norte de Goiás, dos Territórios da
Chapada dos Veadeiros e Território do Vão do Paranã (Figuras 1 e 2 respectivamente),
esta escolha justifica-se dado que ambos territórios se constituem regiões com as
menores médias do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) Goiano e assentamentos
com índices de subnutrição significativos.
O Território Chapada dos Veadeiros (Figura 01) abrange uma área de 21.475,60
Km² e é composto por 8 municípios: São João d’Aliança, Alto Paraíso de Goiás,
8
3976 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
Campos Belos, Cavalcante, Colinas do Sul, Monte Alegre de Goiás, Nova Roma e
Teresina de Goiás, com 18 Assentamentos. A população total do territór io é de 62.656
habitantes, dos quais 20.546 vivem na área rural, o que corresponde a 32,79% do total.
Possui 3.347 agricultores familiares, 1.472 famílias assentadas, 6 comunidades
quilombolas e 1 terras indígena. Seu IDH médio é 0,68.
Figura 01- Mapa de Localização dos municípios que compõem o Território
Chapada dos Veadeiros.
Já o Território Vale do Paranã (Figura 02) abrange uma área de 17.452,90 Km²
e é composto por 12 municípios: Sítio d’Abadia, Alvorada do Norte, Buritinópolis,
Damianópolis, Divinópolis de Goiás, Flores de Goiás, Guarani de Goiás, Iaciara,
Mambaí, Posse, São Domingos e Simolândia, com 36 Assentamentos. A população
total do território é de 107.305 habitantes, dos quais 38.088 vivem na área rural, o que
corresponde a 35,50% do total. Possui 5.787 agricultores familiares, 4.036 famílias
assentadas e 1 comunidade quilombola. Seu IDH médio é 0,67.
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Atas Proceedings | 3977
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Figura 02 - Mapa de Localização dos municípios que compõem o Território
Vale do Paranã.
O curso de Especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Rural está
estruturado da seguinte forma:
1) Possui entrada única com 50 vagas (todas foram preenchidas), 420 horas,
duração prevista de março de 2013 a fevereiro de 2015. Das 50 vagas
disponíveis, 47 foram preenchidas com regularidade;
2) Atividades no Tempo - Escola - parte teórica obtida no decorrer das
disciplinas na UFG;
3) Atividades no Tempo - Comunidade – parte prática nos Assentamentos e
Comunidades de origem dos educandos.
Quanto ao perfil dos Educandos do Curso, o grupo está estruturado da seguinte
forma:
1) 17 (dezessete) Educadores que são professores e professoras de Escolas
Rurais;
10
3978 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
2) 18 (dezoito) Profissionais que atuam como Técnicos Extensionistas em
Assentamentos;
3) 12 (doze) Educandos que são agricultores, trabalhando diretamente com a
terra nos Assentamentos de Reforma Agrária nas regiões de origem;
4) Demais profissionais e atores sociais atuantes na AGRODEFESA e
EMATER, que são instituições públicas do Estado de Goiás, integrantes dos
Movimentos Sociais parceiros (MST e MCP) e Servidores e Servidoras do
INCRA; e,
5) 48 (quarenta e oito) Educandos regularmente matriculados na atualidade,
considerando as duas desistências. Deste efetivo de matriculados, 29 são
mulheres e 19 homens.
Com base na Pedagogia da Alternância, as ações pedagógicas decorrem
combinando atividades na UFG - Tempo- Escola (onde os professores e educandos
desenvolvem a parte teórica das disciplinas) e atividades nos Assentamentos e nas
Comunidades onde os educandos vivem e trabalham – Tempo-Comunidade. Desse
modo, em todos os tempos e espaços do Curso são realizados esforços de uma
abordagem multidisciplinar em que as diversas formas de se obter o conhecimento
dialoguem e os sujeitos qualifiquem sua práxis, culminando no que denominamos de
encontro de saberes.
As disciplinas do Curso levam em conta esta metodologia e propõem estratégias
que permitam cumprir com a premissa da imbricação entre as experiências dos
educandos, a formação no curso e a interação com a comunidade.
11
Atas Proceedings | 3979
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
As figuras 03 e 04 apresentam, respectivamente, o quadro total de disciplinas e
àquelas que já foram integralizadas.
Formação Territorial Brasileira
Disciplinas do
Políticas Públicas de Desenvolvimento Rural
Curso em
Agroecologia I
Agroecologia e
Agroecologia II
Desenvolvimento
Organização Social e Política no Campo Brasileiro
Rural
Movimentos Sociais no Campo
Políticas de Assistência Técnica e Extensão Rural no Brasil
Metodologia de Pesquisa I – Normas Técnicas e Elaboração de
Projetos
Metodologia de Pesquisa II – Elaboração do Trabalho de
Conclusão de Curso
Figura 03- Quadro das Disciplinas do Curso de Agroecologia e Desenvolvime nto
Rural
Formação Territorial
Brasileira
Disciplinas Ministradas
Políticas Públicas de
Desenvolviimento Rural
Agroecologia I
Figura 04 - Organograma das Disciplinas Integralizadas
Um dos elementos articuladores das ações entre o Tempo-Escola e o TempoComunidade é a estruturação dos Núcleos de Pesquisa, para o encaminhamento das
atividades que devem ser desenvolvidas no interstício entre os módulos de aulas
12
3980 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
teóricas, bem como na condução das pesquisas que deverão constituir os Trabalhos de
Conclusão do Curso. Neste sentido, foram criados 03 (três) Núcleos de Pesquisas
integrados ao Laboratório de Estudos e Pesquisas Territoriais (LABOTER) no Instituto
de Estudos Socioambientais (IESA). Os núcleos criados possuem as seguintes linhas
temáticas:

Agroecologia;

Desenvolvimento Rural; e,

Educação do Campo e Gênero.
O Núcleo de Pesquisa em Agroecologia possui como ementa básica os seguintes
temas: práticas agroecológicas; estratégias de reprodução camponesa; sistemas
produtivos agroecológicos; meio ambiente e saúde; e, impactos socioambientais. Este
núcleo está atualmente composto por vinte e seis educandos.
O Núcleo de Pesquisa em Desenvolvimento Rural possui como ementa básica os
seguintes temas: políticas públicas (PRONAF, PAA/ PNAE); formas de organização
sociopolítica (cooperativismo/associativismo); e, estratégias de reprodução camponesa
(sistemas produtivos). Este núcleo está atualmente composto por treze educandos.
O Núcleo de Pesquisa em Educação do Campo e Gênero possui como ementa
básica os seguintes temas: relações de gênero; relações de poder; gênero e produção
camponesa; produção de material didático pedagógico; e, PRONACAMPO (Programa
Nacional de Reestruturação da Rede Escolar Pública de Educação no Campo). Este
núcleo está atualmente composto por nove educandos.
É importante destacar que a proposição dos temas que nortearam a criação dos
Núcleos de Pesquisa foi pautada inicialmente pela coordenação pedagógica, e
posteriormente
junto
ao
corpo
discente,
o
que
resultou
na
configuração
supramencionada.
A questão da avaliação é parte integrante do processo de ensino aprendizagem,
no qual se pretende considerar os diversos saberes envolvidos nos processos
pedagógicos. É entendida como instrumento de análise e (re)ajuste do processo
educativo, abrangendo aspectos formativos e informativos, com prevalência dos
aspectos qualitativos sobre os quantitativos.
13
Atas Proceedings | 3981
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Neste sentido, além da avaliação interna realizada pelo corpo docente que
integralizou parte das disciplinas, a coordenação pedagógica tem construído juntamente
com os educandos, diversos canais de comunicação para aprimorar a interlocução entre
as partes envolvidas no processo. Destaca-se dentre estes canais, a elaboração de uma
ficha de avaliação na qual os educandos destacam os aspectos positivos no que concerna
a dimensão pedagógica e a dimensão organizacional do Curso. Nesta ficha, os
educandos puderam apontar os aspectos positivos e negativos do encaminhamento do
curso.
Outro aspecto a ser mencionado é a eleição de representantes discentes para a
participação e encaminhamento da coordenação pedagógica do curso. Além disso, o
Curso também dispõe de um sítio eletrônico 1 , onde são disponibilizados informações e
materiais didáticos bem como um fórum de discussão aberto aos educandos e corpo
docente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Curso de Especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Rural –
Residência Agrária se constitui numa experiência impar que está sendo desenvolvida na
Universidade Federal de Goiás numa parceria entre o Instituto de Estudos
Socioambientais (IESA) e a Escola de Agronomia - Setor de Desenvolvimento Rural.
Os resultados aqui apresentados contemplam sua fase inicial, tendo em vista que o
projeto foi aprovado em dezembro de 2012, implementado em fevereiro de 2013 e o
início efetivo do Curso ocorrido no mês de abril, quando foi realizado o primeiro
módulo e o segundo módulo que foi desenvolvido no mês de junho. É importante frisar
que estes dois módulos integralizados se configuram como atividades do Tempo-Escola,
embora a constituição dos Núcleos de Pesquisa já está contribuído para a
operacionalização de atividades no Tempo-Comunidade.
O Curso de Especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Rural envolve
um público composto por famílias assentadas e oriundas de comunidades de
remanescentes Quilombolas, além de técnicos, extensionistas e professores que atua m
1
http://agroecologiaufg.net
14
3982 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
diretamente no campo, oferecendo- lhes formação, orientação e instrumentalização para
atuarem enquanto multiplicadores e agentes de desenvolvimento nos seus Lugares, ao
mesmo tempo em que vem fortalecendo a comunicação e o relacionamento entre a
Universidade Federal Goiás, os Territórios da Cidadania, as comunidades de
remanescentes quilombolas e os movimentos sociais de luta pela terra e reforma agrária
em Goiás;
Pode se, desta forma, traduzir a intenção principal do Projeto e do Curso como
sendo estimular a produção do conhecimento e de experiências a partir da extensão
rural, com enfoque participativo e foco no fortalecimento das práticas já existentes,
fomentando a Agroecologia, o aproveitamento do Cerrado e o resgate das sementes,
mudas e raças crioulas, instrumentalizando os estudantes para pensar cadeias
produtivas, economia solidária, articulando a produção já existente, sua gestão e a
comercialização (considerando, inclusive, as políticas de comercialização como o
Programa de Aquisição de Alimentos - PAA e o Programa Nacional de Alimentação
Escolar - PNAE). Destaca-se também o aprimoramento do debate em torno do
empoderamento destes sujeitos sociais que pode ser vislumbrado na contemplação dos
seus saberes-fazeres bem como no desafio de superar as diversas assimetrias entre o
campo e a cidade, entre mulheres e homens, que podem ser equacionadas pela via da
Educação do Campo, pensada pelo e para o campo.
REFERÊNCIAS
ALTIERI, Miguel. (2001) Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura
sustentável. Terceira Edição - Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS.
BRASIL. Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico. Chamada
CNPq/MDA/-INCRA nº 26/2012.
KOLLING, Edgar Jorge; NÉRY, Israel José; MOLINA, Mônica Castagna.(Orgs.)
(1999) Por uma educação básica do campo. V.1. 3. Ed. Brasília: Fundação
Universidade de Brasília.
BRASIL (2010). Ministério do Desenvolvimento
Desenvolvimento Territorial. Brasília: MDA/SDT.
Agrário
/Secretaria
de
OLIVEIRA, Adriano Rodrigues. (2012) Curso de Especialização em Agroecologia e
Desenvolvimento Rural. Projeto submetido à Chamada CNPq/MDA/-INCRA nº
26/2012. Universidade Federal de Goiás.
15
Atas Proceedings | 3983
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
PROGRAMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO PARA A REFORMA AGRÁRIA –
PRONERA.(2012) Manual de Operações. Brasília: MDA.
TEIXEIRA, Edival; BERNARTT, Maria de Lourdes & TRINDADE, Glademir.(2008).
Estudos sobre Pedagogia da Alternância no Brasil: revisão de literatura e perspectiva
para o Brasil. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.34, n.2, p. 227-242.
16
3984 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
PERSPECTIVAS TEÓRICAS DE ANÁLISE DOS NOVOS
AGRICULTORES FAMILIARES NO BRASIL
ANTONIO LÁZARO SANT´ANA
Univ Estadual Paulista – UNESP, Campus de Ilha Solteira (SP-Brasil)
[email protected]
GABRIELA DOS SANTOS SOUZA
Univ Estadual Paulista – UNESP, Campus de Ilha Solteira (SP-Brasil)
[email protected]
DIVANIR ZAFFANI SANT ANA
[email protected]
RESUMO
Quase todos os trabalhos sobre reprodução social da agricultura familiar identificam
uma crise de sucessão e delineiam uma perspectiva sombria para o setor. Alguns autores
apontam que a sucessão ocorre cada vez mais tarde, mas não se têm investigado quem
são esses sucessores recentes. Já pesquisas sobre a formação de novas unidades
familiares, seja via constituição de assentamentos rurais, seja a partir trabalhadores
antes ligados a atividades não-agrícolas que se estabelecem no campo (“neorurais”),
ocorre de forma paralela e não integrada ao debate sobre os processos sucessórios da
agricultura familiar tradicional. Dados do Censo Agropecuário de 2006 no Brasil
apontam pequeno aumento do número de estabelecimentos familiares em relação a
1995/96, indicando que de alguma forma esse processo de sucessão ou criação de novas
unidades familiares vem ocorrendo. De acordo com o Censo Agropecuário de 2006,
37,75% dos agricultores familiares brasileiros estavam no máximo há 10 anos na
direção dos trabalhos e no estado de São Paulo representavam 43,37%, o que indica um
quadro muito dinâmico, mas pouco conhecido. Este trabalho visa discutir, do ponto de
vista teórico, em que medida uma análise baseada nos conceitos de estratégias
(BOURDIEU, 1990; BOURDIEU, 1994) e de modo de vida (LOBO, 1992; TELLES,
1992) contribui para compreender os processos de sucessão da agricultura familiar que
estão efetivamente ocorrendo e/ou as outras formas de entrada desses produtores na
agricultura no Brasil. Os conceitos de estratégias e a noção modo de vida são categorias
de análise que permitem entender como os produtores organizam a produção, suas
relações sociais e os processos sucessórios a partir de critérios complexos e que não são
apreendidos apenas por um enfoque tecnoeconômico ou legal. Esta discussão teórica
objetiva dar suporte a uma investigação de campo em andamento na microrregião de
Jales, no noroeste do estado de São Paulo.
Palavras-chave: sucessão, estratégias de reprodução social, modo de vida, agricultura
familiar
1. INTRODUÇÃO
O processo de industrialização, especialmente a partir a segunda metade do
século XX, provocou um forte êxodo rural e instalou o debate sobre a questão da
sucessão na agricultura familiar, inicialmente em alguns países desenvolvidos e,
1 | 3985
Atas Proceedings
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
posteriormente, com a mundialização da revolução verde, na quase totalidade dos
demais países. Bourdieu (2002) e Champagne (2002) tratam desse tema, a partir das
mudanças ocorridas no padrão sucessório dos camponeses franceses ainda na década
1950 e 1960. No Brasil destacam-se os trabalhos coordenados por Ricardo Abramovay
(ABRAMOVAY et al., 1998; SILVESTRO et al., 2001; CAMARANO e
ABRAMOVAY, 1999), na década de 1990, que discutem as dificuldades dos
agricultores familiares para formar os sucessores, tendo como conseqüência o
envelhecimento e a masculinização do campo.
Sem menosprezar a importância da abordagem da sucessão na agricultura
familiar a partir da perspectiva dos jovens, ou seja, da permanência ou da migração
destes, avaliamos que esta perspectiva não é suficiente para entender os processos de
sucessão atuais e de outras dinâmicas ligadas à reprodução da agricultura familiar. Os
dados divulgados pelo Censo Agropecuário de 2006 mostram que houve ligeiro
aumento do número de estabelecimentos familiares (em relação ao Censo Agropecuário
de 1995/6), o que indica que de alguma forma o processo de sucessão tem ocorrido
(embora possa haver diferenças regionais), complementado pela criação de novas
unidades familiares por meio dos assentamentos rurais e/ou pela via do mercado de
terras. A investigação a partir dos agricultores que assumiram a gestão das unidades
familiares no período recente, buscando conhecer quem são estes novos1 agricultores
familiares, a via que utilizaram para ter acesso à terra, suas características, o que estão
produzindo, como organizam o trabalho e a vida familiar, parece-nos capaz de revelar
uma realidade mais objetiva e concreta.
Nesta perspectiva, cabe analisar também qual abordagem teórico-metodológica é
mais adequada para entender a complexidade de relações que estabelecem tanto no
plano intrafamiliar e do estabelecimento rural, quanto com os demais produtores e com
o contexto mais amplo no qual estão inseridos estes novos agricultores familiares. A
pesquisa específica que levou a essa reflexão está sendo empreendida na microrregião
de Jales (SP, Brasil).
1
O sentido de novos é de que estão há poucos anos à frente da gestão da propriedade, embora o tempo de
trabalho na atividade agrícola possa ser de longa data, como o caso dos filhos de agricultores familiares
que assumem tardiamente o comando da unidade familiar.
2
3986 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
2.
AGRICULTURA FAMILIAR, SUCESSÃO E NEORURALISMO
A agricultura familiar é entendida nesse texto como uma forma de produção e
modo de vida em que o trabalho e a gestão do estabelecimento são realizados
majoritariamente pelos membros da família, incluindo produtores com distintas lógicas
produtivas e de reprodução social, assim como diferentes graus de tecnificação, de
inserção no mercado e de geração de renda (LAMARCHE, 1993; WANDERLEY,
1999). Portanto, a condição essencial para ser considerada uma unidade familiar é que o
produtor e ao menos parte da família trabalhe diretamente na produção, ao mesmo
tempo em que exercem a administração da propriedade. Podem incluir pessoas que se
aposentaram, compraram uma terra e ao trabalhar e viver cotidianamente na área se
tornaram agricultores familiares, embora possam ter uma capacidade de investimento
diferenciada dos agricultores tradicionais, devido à renda não agrícola (aposentadoria)2.
De acordo com os dados do último Censo Agropecuário do IBGE de 2006, no
Brasil, mais 1,5 milhões (35% do total) dos agricultores familiares tinha entre um e dez
anos de gestão do estabelecimento, sendo que metade deles iniciara a gestão entre um e
cinco anos apenas. No Estado de São Paulo eram mais de 60 mil (40% do total do
Estado) e na microrregião de Jales totalizavam 6.449 agricultores (39,6% do total da
microrregião). Os dados do Censo Agropecuário de 2006 mostram que o padrão de
sucessão com viés de gênero permanece, pois as mulheres representavam uma minoria
dentre aqueles que assumiram a gestão na década passada (na microrregião de Jales
menos de 10%) (IBGE, 2006).
Como já mencionado, em relação ao Censo Agropecuário de 1995/6, em 2006
houve um aumento do número de estabelecimentos familiares, portanto, seja por meio
da sucessão hereditária ou pela via dos assentamentos rurais ou ainda pelo mercado de
terras, algum tipo de sucessão e/ou criação de novas unidades familiares está ocorrendo.
O fato da transferência da terra estar se dando bem mais tarde, provavelmente torna
insuficiente e, em alguns casos, inadequado, analisar somente as idéias e perspectivas
dos jovens, pois, muitas vezes, é o avô/avó quem dirige o estabelecimento familiar e os
pais desses jovens ainda estão aguardando o desfecho da sucessão familiar.
2
Limites estritos de renda agropecuária e de tamanho do estabelecimento em princípio não são adequados
para delimitar o universo da agricultura familiar, mas parece-nos que não estabelecer nenhum limite
para estes fatores causa distorções, ao incluir produtores que possuem grandes áreas e altas rendas não
agrícolas, embora utilizem pouca ou nenhuma mão-de-obra contratada. Este pode ser o problema da
proposta realizada por Kageyama, Bergamasco e Oliveira (2013).
3
Atas Proceedings | 3987
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Os produtores familiares enfrentam várias dificuldades que resultam da interação
assimétrica e, muitas vezes, contraditória de fatores gerais, como a estrutura fundiária, o
tipo de acesso à terra, às políticas macroeconômicas e setoriais; e de fatores internos ou
específicos da unidade familiar, como os recursos financeiros disponíveis, a quantidade
e a qualificação da mão-de-obra, a tecnologia empregada, a forma de gestão, a distância
dos mercados e a possibilidade ou não de combinação de rendas agrícolas e nãoagrícolas. Diante desse quadro, estes agricultores adotam várias estratégias que,
frequentemente, aparecem combinadas em uma mesma unidade familiar, como a
diversificação da produção; a agregação de valor aos produtos por meio do
processamento e/ou comercialização diferenciada; o aumento da escala de produção ou
da produtividade de atividades específicas; a produção para autoconsumo; as estratégias
educacionais; as estratégias fundiárias; a pluriatividade, entre outras (BOURDIEU,
1990; 1994; WOORTMANN, 1995; TEDESCO, 1999; SANT´ANA, 2003). No
entanto, este conjunto de estratégias muitas vezes esbarra na falta de sucessores ou, em
alguns casos, contraditoriamente contribui para esse processo.
Se um dos principais fatores que contribuem para a reprodução social das
unidades de produção familiar é a manutenção dos jovens no campo, já que os filhos
seriam os responsáveis em dar continuidade às atividades agropecuárias da família
(CAMPOLIN, 2005), é necessário entender o processo sucessório neste segmento
social.
Anjos et al. (2006) destaca que a sucessão na agricultura familiar não envolve
apenas a transferência de um imóvel em si ou patrimônio ao longo de gerações, mas
também a transferência de uma cultura que orienta escolhas e de técnicas que garantam
ao sucessor a reprodução de uma situação semelhante à original.
Woortmann (1995) mostra que as regras de casamento entre parentes e de
sucessão, embora possam sofrer modificações diante de contingências, já buscam traçar
o destino dos filhos desde quando são ainda crianças, pois há um processo de formação
do herdeiro. Em uma pesquisa realizada em assentamentos no brejo paraibano, Menezes
et al. (2008) constatou que adolescentes com 14 anos já incorporam hábitos de
agricultor, sabendo realizar todas as atividades agrícolas, além de dominar aspectos da
gestão do estabelecimento, como também constatou em Santa Catarina por Silvestro et
al. (2001).
4
3988 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
Porém na maioria das vezes essa inserção precoce do jovem nesse meio ocorre
entre os filhos do sexo masculino, normalmente meninas são poupadas de atividades
agrícolas, se voltando mais ao estudo e a serviços domésticos (MENEZES et al., 2008).
Panzutti (2006), no entanto, constatou que não participar do trabalho agrícola, não
significa vantagem para as mulheres, pois a baixa escolaridade e o caráter patriarcal da
família limitam as opções de trabalho fora da agricultura ou mesmo o inviabiliza. Além
disso, o desligamento do trabalho agrícola serve de justificativa para a exclusão das
mulheres da sucessão na terra, como também é citado por Anjos et al. (2006), para os
quais um traço marcante da agricultura familiar é o predomínio masculino na
transferência do patrimônio fundiário.
Apesar de a sucessão começar desde o início da adolescência ou até na infância,
segundo Ahlert (2009), a escolha definitiva do possível sucessor ocorre tardiamente.
Este fato aliado a outros fatores como a ampliação do horizonte profissional dos jovens
e o atraso da discussão de questões fundamentais para a unidade de produção, faz com
que o atual processo sucessório na agricultura familiar não ocorra mais da forma como
ocorria anteriormente3, em que o destino da unidade de produção também definia o
destino dos membros da família.
Silvestro et al. (2001) apontam um duplo problema para a continuidade das
unidades familiares: o desinteresse dos filhos pelo trabalho agrícola, o que, em muitos
casos, leva a ausência de sucessores; e a transferência da gestão da propriedade para o
filho com menor aptidão para o estudo e/ou negócio, o que pode gerar impasses em um
mundo cada vez mais exigente em conhecimento tecnológico e de mercado.
Mesmo após a escolha do sucessor e proprietário formal da terra, podem ocorrer
discordâncias entre os membros da unidade familiar e a adoção de formas provisórias
para enfrentar a “crise de sucessão”, como a cessão temporária, o regime de usufruto e a
troca de bens (ANJOS et al., 2006).
Spavanello (2005) associa a falta de interesse dos jovens ao fato de que, ao
buscar o reconhecimento social da sua identidade, estes se defrontam com uma
sociedade que não respeita as diversidades do local de origem desses jovens, tomando
3
Até a década de 1960 e 1970 a sucessão das propriedades na agricultura familiar se dava de forma
endógena, ou seja, era o pai quem escolhia o sucessor e era uma questão moral assumir esse
compromisso (MENDES, CONTE e REIS, 2010). Isso era facilitado, considerando que na época, as
oportunidades fora da propriedade eram escassas.
5
Atas Proceedings | 3989
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
muitas vezes como constrangedoras ou até vergonhosas as condições de existência dos
agricultores e sua identidade rural. Esse desajuste da identidade social implica na crise
da reprodução da nova geração de agricultores, porque enquanto a família permanece ou
busca resguardar sua identidade, a dos filhos se diferencia. Porém, ainda segundo a
autora, para que um agricultor tradicional possa reproduzir-se é necessário que acredite
que seu estilo de vida mereça ser reproduzido e que possa fazer com que seus filhos
creiam nisso, o que não ocorre muitas vezes.
Wedig et al. (2007) constataram, por meio de depoimentos dos pais, que estes
têm vontade que os filhos permaneçam trabalhando na propriedade, porém, não
acreditam em um bom futuro dos filhos ali. Os autores constataram diferenças na
“vontade” dos pais, pois alguns que tiveram vivências nas cidades e passaram muitas
dificuldades, estimulam os filhos a permanecerem na agricultura. As razões de não
incentivarem os filhos a irem para a cidade é a grande exploração que estes vivenciaram
no meio urbano. De modo geral também o rural é visto como um espaço melhor para a
criação dos filhos, podendo-lhes oferecer melhor qualidade de vida.
Outros aspectos que levam os pais a buscar a permanência dos filhos na área
rural são retratados por Menezes et al. (2008), ao afirmarem que apesar de não ser
muitas vezes uma opinião manifesta, a família deseja que os filhos continuem na
propriedade, por serem parte integrante da sua força de trabalho no sistema de produção
agrícola e por almejarem uma segurança na velhice.
Carneiro (1998) e Castro (2005) também constataram esse tipo de ambigüidade
do discurso dos produtores e dos filhos, pois, se por um lado que os pais se queixam da
saída dos jovens em geral ou que, mesmo residindo com a família, não se interessam
pelas atividades agropecuárias; por outro lado ao serem questionados sobre o que
desejam para os seus filhos, mencionam o estudo para que consigam um emprego (ou
abrir um negócio) fora da agricultura. De forma semelhante os filhos pretendem ter
acesso às facilidades e às carreiras urbanas, mantendo os laços com a família e com os
valores locais. De certa forma há uma negação do trabalho na agricultura como algo que
vá garantir uma vida digna para os filhos, mas permanece o apego à terra e a
valorização do modo de vida rural, enquanto espaço de sossego, liberdade e não
violência (em oposição às grandes cidades).
6
3990 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
Para Ahlert (2009) parte dos atuais agricultores vê a sua propriedade como uma
reserva de valor que pretende negociar como moeda de troca com os filhos no futuro,
como segurança financeira para uma vida digna até o fim de sua existência,
independente de a propriedade ser utilizada como unidade produtiva ou não. Este
comportamento é mais um aspecto que retarda a transferência da propriedade aos filhos.
Abramovay (1999), no entanto, salienta que os migrantes rurais são cada vez
mais jovens, enquanto, na década de 1960, as migrações ocorriam entre pessoas de 40 a
49 anos, na década de 1990 predominava a faixa etária de 15 e 19 anos. A melhoria dos
níveis de escolaridade, embora desejável do ponto de vista de formação do jovem nessa
faixa etária, é apontada por alguns estudiosos como um dos principais fatores dessa
freqüente saída para o meio urbano, e é um fator também para a mudança da atividade
agrícola para a não agrícola.
No entanto, deve-se destacar que o significado da pluriatividade e da migração
dos jovens não é único. Pereira (2006), ao analisar o caso dos jovens rurais da região de
Araraquara (SP), que trabalham na cidade ou são pluriativos, conclui que:
(...) a migração para a cidade não significa – necessariamente – uma ruptura fatal
com os valores morais e solidariedade entre os jovens e seus familiares que
permaneceram no campo, ou ainda o completo abandono - por parte dos jovens das atividades agropecuárias em seus locais de origem (PEREIRA, 2006, p.11).
Anjos et al. (2006) em trabalho sobre o Rio Grande do Sul concluem que mais
do que a maior ou menor incidência da pluriatividade, são o grau de dinamismo das
atividades econômicas de uma região e o tamanho do negócio familiar que afetam o
processo sucessório.
Em estudos realizados por Ahlert (2009) com jovens, ao avaliar o interesse dos
mesmos em assumir a propriedade dos pais e o futuro profissional que desejavam,
observou-se que a grande maioria (77,4%) quer efetivamente permanecer ativa em uma
propriedade rural, de forma integral ou parcial, no entanto, mesmo querendo ser
agricultor, 22,6% destes não desejam assumir a propriedade dos seus pais. Este fato
deve-se em grande parte à estrutura patriarcal e centralizada da maioria das unidades
familiares que não dá ou limita muito a autonomia dos jovens e até dos adultos, pois as
principais decisões são exclusivas do chefe (na grande maioria dos casos, o pai).
7
Atas Proceedings | 3991
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Situação semelhante também foi constatada por Souza et al. (2010) junto a alunos de
uma escola técnica de ensino médio em Jales (SP).
Mendonça, Ribeiro e Galizoni (2008) analisando o destino de jovens do Alto de
Jequitinhonha, MG, mostraram duas maneiras de sucessão. Na pesquisa, 52,5% dos
agricultores(as) tornaram-se sucessores(as) de seus pais, ou seja, herdaram a casa e o
terreno dos pais e continuavam exercendo as mesmas atividades dos mesmos. Já os
47,5% restantes buscaram outra forma de reproduzir as condições que tinham na
propriedade dos pais, tornaram-se agricultores familiares em outros municípios
Verificou-se ainda que 26% dos que reproduziram a condição de agricultores(as)
familiares em outros locais casaram-se com herdeiros(as) e todo o restante (74%)
adquiriu terra por meio da compra.
No caso de estabelecimentos familiares sem sucessores, estes são absorvidos por
grandes propriedades, adquiridos por outros agricultores familiares que estão em uma
trajetória ascendente do ponto de vista econômico ou por pessoas que antes não vinham
exercendo atividades agropecuárias.
Alguns autores denominam estas pessoas/famílias, que deixam (ao menos em
parte) atividades que realizavam nas cidades e se instalam no meio rural para
desenvolver atividades agrícolas (muitas vezes diferenciadas daquelas existentes no
local) ou não agrícolas, como “neorurais” (GIULIANI, 1990; CAZELLA, 2011) ou
novos atores rurais (BRANDENBURG, 2011).
O neoruralismo se diferencia de outros processos migratórios (seja para a cidade
ou para o campo), pois estes foram motivados pela necessidade, pela busca da
sobrevivência, enquanto o que levou os “neorurais” a buscar os valores próprios do
meio rural foi a livre escolha individual/familiar (GIULIANI, 1990).
O neo-ruralismo estende a esfera da individualidade a uma vasta gama de
atividades que não têm necessariamente objetivos econômicos prioritários e
cuja finalidade pode ser simplesmente uma prática prazerosa. Esta dimensão
do "prazer em fazer" as coisas é que orienta a escolha de novas atividades, de
novas relações sociais, de novas formas de sociabilidade e de lazer e de novas
formas de identificação (GIULIANI, 1990).
Cazella (2011) ao tratar dos neorurais na França (região de Aude) avalia que
estes têm dado uma contribuição direta e indireta (por meio do efeito reação ou
imitação) importante para a dinâmica de desenvolvimento rural, em termos de
8
3992 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
organização dos produtores, na difusão de novos sistemas de produção (orgânico, por
exemplo) e na revalorização da venda direta dos produtos agrícolas nos mercados
locais.
No Brasil parte significativa dos projetos destes “novos atores” está vinculada à
questão ambiental, sendo que:
(...) esses personagens questionam o paradigma convencional de produção
agrícola e constroem relações sociais a partir de um projeto de vida em que
natureza e cultura não se opõem. Esses novos atores não apenas contestam e
implementam práticas agrícolas ecológicas, mas se afirmam como sujeitos de
um projeto relacionado a um estilo de vida crítico à sociedade de consumo
massificado (BRANDENBURG, 2011, p.128-129)
Giuliani (1990) adverte, no entanto, que ao contrário dos “neorurais” europeus
que vão ao campo reproduzindo o modelo da produção familiar, no Brasil, os “novos
rurais” adotam, mais frequentemente, o modelo capitalista (patronal), não diferindo dos
grandes produtores tradicionais em relação ao tratamento e remuneração dos
trabalhadores, com um agravante, segundo o autor:
(...) os "novos-rurais" exigem de seus trabalhadores uma "racionalidade
urbana" na organização do trabalho e no processo produtivo, porém lhes
impõem condições rurais "tradicionais" quando se trata de salário, moradia
ou jornada de trabalho (GIULIANI, 1990)
A pesquisa que deu origem a este texto inclui apenas parte “neorurais”, como
definido por estes autores, aqueles que ao dirigirem-se ao campo assumiram,
diretamente ou em conjunto com a família, a maior parte do trabalho desenvolvido no
estabelecimento, ou seja, os “neorurais familiares”. Os agricultores “neorurais”
empresariais, que organizam o trabalho basicamente com mão de obra assalariada ou
outras modalidades terceirizadas (parceria, arrendamento) não fazem parte do escopo
desta investigação.
9
Atas Proceedings | 3993
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
3.
MODO DE VIDA E ESTRATÉGIAS COMO EIXOS METODOLÓGICOS DE
ANÁLISE
A discussão empreendida, sobre a agricultura familiar em relação aos processos
de sucessão e sobre as características das famílias provenientes da cidade que
assumiram o trabalho e a vida no campo, mostra a grande diversidade e complexidade
da ruralidade nos tempos atuais. Para entender como os novos produtores familiares,
imersos nessa realidade, organizam a produção, suas relações sociais e os processos
sucessórios, é necessário ir além da análise tecnoeconômica ou legal.
A análise desses processos exige uma perspectiva teórico-metodológica que
esteja fundamentada em categorias analíticas que concebem a realidade e as ações
humanas como processos complexos em que não há determinações irreversíveis e
unívocas, embora reconhecendo que o capital busca constantemente submeter todas as
relações sociais à sua lógica.
Esta linha teórica tem como pressuposto que as transformações ocorridas no
campo, a partir da segunda metade do século XX, não produziram uma ruptura total e
definitiva da agricultura familiar em relação às formas particulares que eram
predominantes anteriormente, como o campesinato (WANDERLEY, 1999). Em relação
à exploração familiar Lamarche (1993, p.19) afirma que “cada decisão importante é
resultante de duas forças, uma representando o peso do passado e da tradição e a outra, a
atração por um futuro materializado pelos projetos que ocorrerão no porvir”.
O reconhecimento do papel da tradição não é aspecto retrógrado e irracional que
deve ser combatido, como algo a ser superado por uma suposta modernidade. Carneiro
(1997), ao estudar a agricultura familiar nos países desenvolvidos, comenta que
pesquisadores europeus constataram que tem partido da cultura camponesa tradicional
a formulação de saídas à crise da economia e do ecossistema provocadas pelas medidas
modernizadoras. No caso dos assentamentos, Antuniassi (1993) destaca o importante
papel do resgate de práticas e estratégias tradicionais de ajuda mútua ligadas ao
parentesco para a manutenção das famílias na área, mesmo em condições adversas.
Também a agroecologia, uma das correntes teóricas mais promissoras de
questionamento radical desta idéia de progresso contínuo de certos padrões técnicos na
agricultura como um ideal a ser perseguido, busca, por meio do diálogo com o
10
3994 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
conhecimento tradicional, construir novas bases ecológicas para se fazer agricultura,
aliadas ao estabelecimento de relações mais solidárias e justas entre os agricultores e
entre estes e a sociedade (ALTIERI, 2012; MOREIRA; CARMO, 2004).
Essa relação entre mudança/permanência e condicionamento/autonomia do
sujeito (agente) é expressa por Bourdieu (1974; 1983; 1990) no conceito habitus. O
habitus enquanto um “sistema de disposições inconscientes que constitui o produto da
interiorização das estruturas objetivas (...) tende a produzir práticas e, por esta via,
carreiras objetivamente ajustadas às estruturas objetivas” (BOURDIEU, 1974, p.201-2).
Segundo Bourdieu (1983) o ajustamento das práticas às estruturas não é uma
determinação absoluta, portanto não impede que o habitus tenha um caráter histórico. O
conceito de habitus é adequado para se pensar as estratégias dos produtores familiares,
pois estas frequentemente são edificadas com base em uma tradição bastante forte e se
constituem em reações, busca de alternativas ou adaptações frente a alguma restrição
imposta pelas condições objetivas de trabalho e de vida, dadas pelos condicionantes
mais gerais de uma determinada sociedade.
As estratégias nem sempre são sistemas conscientes “mas uma relação
inconsciente entre um habitus e um campo. As estratégias [...] são ações objetivamente
orientadas em relação a fins que podem não ser os fins subjetivamente almejados”
(BOURDIEU, 1983, p.94).
Há uma dupla (in)determinação: as condições sociais, econômicas e políticas de
um determinado contexto e o habitus influenciam decisivamente as estratégias
utilizadas em termos de objetivos e em relação às finalidades efetivamente alcançadas;
mas nem tudo é mecanicamente determinado externamente ao sujeito, este também têm
possibilidade de respostas ativas; ao mesmo tempo que nem todas as ações/práticas
desenvolvidas pelo sujeito têm uma finalidade consciente (SANT´ANA, 2003).
A análise da agricultura familiar a partir das estratégias dos produtores se
contrapõe às vertentes que atribuem um caráter transitório à produção familiar na
agricultura, pois esta tenderia a desaparecer com o desenvolvimento das forças
produtivas capitalistas. Sem desprezar os determinantes estruturais, este enfoque
considera necessário examinar o papel desempenhado pelas ações dos sujeitos na
construção de suas estratégias de vida, ainda que parcialmente subordinados e limitados
pela sociedade envolvente e pelo processo histórico mais geral.
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Atas Proceedings | 3995
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
As estratégias estão fundamentadas em um habitus, mas também envolvem
projetos, e estes estão em permanente construção, em constante adaptação às condições
e possibilidades do campo e ao próprio habitus e experiências dos sujeitos. As
estratégias são processos, construções que nunca atingem uma forma definitiva, são
fluídas e não estruturas rígidas, pré-concebidas (SANT´ANA, 2003).
A forma como são construídos esses projetos se torna mais inteligível, quando
analisados como parte de determinados modos de vida. Para Lobo (1992), as análises
realizadas a partir da noção modos de vida enfatizam as práticas cotidianas, as tradições,
a diferenciação interna, suas representações dos sujeitos, assim como a internalização
subjetiva de suas condições materiais de existência.
O conceito de modo de vida é abrangente, não se limita aos indicadores
objetivos das condições materiais de vida e trabalho e nem mesmo ao habitus, às
dimensões que estão incorporadas ao modo ser, pensar e agir do indivíduo (ou grupo),
resultantes dos condicionamentos objetivos. Este conceito abrange também um projeto.
É o modo de vida que dá sentido às interrelações entre as estratégias, embora nem
sempre seja produto de escolhas racionais e lógicas e, como elemento histórico, esteja
em permanente (re)construção (SANT´ANA, 2003).
Deve-se ressaltar que a existência de um projeto não é um a priori, um dado,
mas uma possibilidade. As estratégias, portanto, expressam e são expressão de um
modo de vida; buscam configurar e, ao mesmo tempo, sofrem a mediação desse mesmo
modo de vida.
As estratégias tanto podem buscar conservar um modo de vida, reagindo às
pressões restritivas advindas de mudanças em um campo, como podem orientar esforços
práticos e simbólicos para mudar a composição de forças internas ao jogo ou ainda para
subverter suas regras, visando a (re)construção de um outro modo de vida projetado
(embora, este também seja produto da memória e do vivido) (SANT´ANA, 2003).
Na construção de um modo de vida também não cabe tentar separar as dinâmicas
internas e externas desse processo, pois estas estão imbricadas e se retroalimentam
(FERRANTE e BARONE, 2008), seja no caso de agricultores familiares tradicionais ou
dos “neorurais familiares”.
Bourdieu (1994), embora identifique diferentes classes de estratégias, ressalta
que estas formam um sistema cronologicamente articulado, de modo que uma estratégia
12
3996 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
pode substituir a função de outra ou ser mais importante do que outras em determinado
contexto ou de acordo com o ciclo de vida da família. Pode-se acrescentar que há
também uma complexa rede de interrelações e combinações entre as diversas classes de
estratégias.
As estratégias de grupos sociais, como os produtores familiares, podem
abranger, portanto, os aspectos produtivos, de comercialização, de crédito, de
organização, de formação técnico-profissional e de administração, como também outros
aspectos ligados à vida social e à cultura dos produtores, como os valores, as tradições e
as normas que informam as relações familiares, a educação dos filhos, as relações
comunitárias tradicionais, as alianças, as relações de parentesco e descendência, os
casamentos, o tipo de partilha, a migração, o desenvolvimento de atividades não
agrícolas, entre outras (SANT´ANA, 2003).
Observa-se que os conceitos de estratégias e modo de vida permitem analisar a
complexidade do mundo rural contemporâneo, buscando apreender as particularidades
expressas nas distintas formas de reagir frente a um contexto específico, vivenciado
pelos diferentes segmentos de agricultores familiares, sem deixar de considerar as
limitações (também diferenciadas) que processos mais amplos, ligados à economia e à
política impõem a estes produtores.
Para Brandenburg (2011) o rural e os agricultores familiares, quando
apreendidos também em suas dimensões particulares, podem contribuir para soluções
mais amplas, fora do paradigma moderno convencional.
Inserido globalmente na era do capital financeiro, no mundo da informação,
da vivência multicultural e da troca mercantil, o rural se (re)constrói a partir
da singularidade de suas diversas situações. (...) Essa recorrente construção
de práticas remete para uma experiência inscrita num saber e numa visão de
mundo que se refaz à luz de informações e de conhecimentos do mundo
contemporâneo globalizado. (...) Há uma diversidade de grupo de
agricultores com experiências diferenciadas que buscam se realizar mediante
projetos e expectativas que nem sempre são as previstas na sociedade. Esses
projetos surgem como inovações, mas se apresentam como alternativas às
soluções convencionais e ultrapassam o padrão tido como moderno
(BRANDENBURG, 2011, p.131).
As transformações no processo sucessório, as diferentes combinações e
rearranjos das formas tradicionais e também legais de transmissão da herança, ocorrem
um contexto de mudanças técnicas, econômicas, ambientais e das características das
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Atas Proceedings | 3997
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
famílias; ao mesmo tempo o retorno ao rural ou a constituição de novas unidades
familiares por “neorurais” também podem envolver motivações e famílias com perfis
diferenciados. Avaliamos que todas estas mudanças ganham maior inteligibilidade
quando apreendidas e interpretadas a partir da análise de como são reconfigurados os
modos de vida das famílias e redimensionadas suas estratégias de reprodução social.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os vários trabalhos sobre esses temas permitiram identificar os mecanismos
quem têm causado o êxodo de jovens e alguns impasses vividos pelas famílias, como a
dificuldade de diversificação da geração de renda, as exigências do trabalho na
agricultura combinada com a sua desvalorização social, a dificuldade de conciliar o
trabalho não-agrícola e o modo de vida rural, a estrutura patriarcal da maioria das
unidades familiares e a falta de infra-estrutura geral no campo, especialmente aquelas
ligadas ao lazer. Quase todos os trabalhos confirmam a crise de sucessão e delineiam
uma perspectiva sombria para a agricultura familiar. As pesquisas também apontam que
a sucessão tem ocorrido cada vez mais tarde, mas não há trabalhos sobre quem são esses
sucessores recentes, aqueles agricultores que assumiram nos últimos anos, efetivamente,
a gestão da unidade familiar. Já os trabalhos que tratam dos “neorurais” apontam para as
potencialidades de mudanças que estes agricultores trazem, ao introduzir novas
racionalidades, mas também indicam que velhas formas de dominação e exploração dos
trabalhadores rurais e agricultores familiares podem estar associados a este fenômeno.
Diante desse quadro, os conceitos de estratégias e modo de vida são categorias
de análise que, potencialmente, propiciam a compreensão da diversidade e
complexidade
do
mundo
rural
contemporâneo,
pois
buscam
apreender
as
particularidades expressas nas distintas formas de viver e de reagir dos diversos
segmentos de agricultores familiares que assumiram o trabalho e a gestão de um
estabelecimento rural familiar nos últimos anos, diante dos constrangimentos também
diferenciados impostos pelo mundo capitalista globalizado.
14
3998 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
5.
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4002 | ESADR 2013
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
ANÁLISE DA GESTÃO DAS ATIVIDADES AGRÁRIAS ATRAVÉS
DA CONTABILIDADE
SUSANA MOFREITA
AGRIREAL – Consultoria, Produção e Comercialização, Lda. Rua Visconde de
Carnaxide, n.º 65, Bl. A, r/c, Fração C.D., n.º 43; 5000-563 Vila Real; Portugal. Email:
[email protected]
ALEXANDRA MARTA-COSTA
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD); Departamento de Economia,
Sociologia e Gestão (DESG) e Centro de Estudos Transdisciplinares para o
Desenvolvimento (CETRAD); Complexo Pedagógico, Quinta de Prados, Apartado
1013; 5001-801 Vila Real; Portugal. Email: [email protected]
RESUMO
As atuais empresas agrícolas resultam de um conjunto de ajustamentos realizados com o
objetivo de tornar os negócios mais organizados e adaptados às necessidades do
Homem. A componente económica tem-se revelado essencial para a sustentabilidade
destas empresas, no sentido da gestão mais eficiente dos seus recursos, sendo a
contabilidade uma ferramenta primordial na tomada de decisões.
Pretende-se com este trabalho analisar criticamente a evolução do procedimento
contabilístico para o setor agrícola, bem como analisar a evolução dos resultados
económicos e de indicadores técnico-económicos das explorações agrícolas.
A principal metodologia seguida incide na consulta e análise crítica da legislação
contabilística para o setor e da literatura da especialidade. Procede-se, ainda, ao cálculo
e análise da evolução de importantes indicadores técnico-económicos de um conjunto
de explorações localizadas na região Norte interior do país, tendo por base os seus
documentos contabilísticos.
Os resultados encontrados confirmam a necessidade de refletir sobre os motivos que
levam ainda grande parte das explorações agrícolas nacionais a não apresentarem dados
patrimoniais. Verifica-se também que a opção dos empresários agrícolas por um
determinado sistema de contabilidade - organizada ou simplificada – prende-se muitas
vezes com o custo e benefício obtidos, nomeadamente em termos fiscais.
Relativamente aos casos de estudo realizados, que assentam numa diversidade de
situações, destaca-se que o empresário agrícola nem sempre disponibiliza ou arquiva
todos os comprovativos obtidos com os gastos efetivos da exploração, impedindo o
apuramento rigoroso dos seus resultados, com consequências ao nível da tomada de
decisões inerentes à sua atividade. Constata-se ainda, na maioria das explorações sob
estudo, o contributo económico indispensável das ajudas monetárias que recebem, sem
as quais seria inviabilizado o exercício das atividades agro-pecuárias.
Palavras-chave:
parâmetros.
Contabilidade;
indicadores
técnico-económicos;
evolução
de
Atas Proceedings | 4003
1
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
1. INTRODUÇÃO
A contabilidade das empresas agrícolas, apesar de constituir uma ferramenta
primordial de apoio à tomada de decisões, é um tema pouco explorado na comunidade
científica. Os poucos documentos e manuais que existem sobre o assunto, ainda que
retraiam aspetos atuais e aplicáveis aos nossos dias, remontam às décadas de 70 e 80.
Estudos recentes sobre a aplicação das normas contabilísticas na agricultura comprovam
também a escassez de informação no âmbito desta temática, como podemos verificar no
trabalho de André (2012), sobre “O tratamento dos activos biológicos nas
microentidades”.
Neste estudo, que se encontra ainda em curso, pretende-se analisar criticamente
a evolução da contabilidade a nível nacional, direcionada para o setor de atividade
agrícola, bem como identificar os sistemas de contabilidade atuais, realçando as suas
possíveis lacunas e limitações. É ainda objetivo deste trabalho analisar a evolução dos
resultados económicos e de indicadores técnico-económicos das explorações agrícolas
em estudo, tendo por base os seus registos contabilísticos.
2. EVOLUÇÃO CONTABILÍSTICA PARA O SETOR AGRÍCOLA
A contabilidade portuguesa tem raízes no século XVIII com a criação da Junta
do Comércio, por Marquês de Pombal, através do Real Decreto de 30 de Setembro de
1755.
Segundo Costa (1989), até 1987 não existia nenhuma imposição legal que
obrigasse as empresas agrícolas a possuírem contabilidade. Só a partir desse ano, com a
introdução do Imposto sobre a Indústria Agrícola, posteriormente integrado no código
do Imposto das Pessoas Singulares (IRS) e do Imposto sobre as Pessoas Coletivas
(IRC), é que as empresas agrícolas passaram a ter obrigações contabilísticas e fiscais.
A aplicação do código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), embora
apenas optativo para a atividade agrícola, veio obrigar os sujeitos passivos de imposto a
disporem de um sistema de contabilidade que lhes permitisse efetuar o seu apuramento.
Por outro lado, a Portaria n.º 715/86 transpôs o Regulamento (CEE) n.º 797/85 relativo
4004 | ESADR 2013
2
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
à melhoria da eficácia das estruturas agrícolas, e com o Decreto-Lei n.º 172-G/86 viu-se
definido que as explorações agrícolas só poderiam beneficiar de comparticipações de
fundos comunitários de apoio aos investimentos desde que tivessem contabilidade
simplificada, da qual constasse um balanço anual que permitisse avaliar o ativo e o
passivo da exploração e um registo de receitas e despesas. Este regulamento obrigou
diversas explorações a apresentarem os factos patrimoniais da exploração e declararem
os seus rendimentos agrícolas às Finanças.
Constata-se, portanto, que a atividade agrícola necessitou nesta fase de possuir
um sistema de contabilidade para, por um lado, respeitar as regras do apuramento do
IVA, quando enquadrada nesse regime, e, por outro, registar os factos patrimoniais para
cumprir as obrigações inerentes ao recebimento de apoios comunitários e declarar os
proveitos.
Na verdade, a contabilidade das empresas agrícolas deve permitir responder quer
às exigências declarativas fiscais quer ao cálculo do custo por produto e apresentar
ainda um conjunto de informações necessárias a uma tomada de decisão mais
consciente e racional, como defendem Pereira e Franco (1994).
Rodrigues (1994) identifica três grupos de sistemas de contabilidade aplicados
às empresas agrícolas: os Sistemas de contabilidade geral, externa ou financeira; o
Sistema de contabilidade analítica ou de gestão; e o Sistema de contabilidade misto.
O primeiro disponibiliza informação externa e tem como função registar os
factos patrimoniais ocorridos na exploração com o objetivo de construir um histórico
das relações estabelecidas entre a exploração e os agentes económicos. Este sistema
caracteriza-se por possuir um código de contas e um balanço onde estão refletidos todos
os elementos patrimoniais do ativo, passivo e situação líquida. Anualmente é apurado o
resultado líquido do exercício, onde são traduzidos os custos e proveitos do exercício.
Dentro deste grupo reconhece-se: (i) o sistema de contabilidade simplificada - mais
simples e, por isso, sem necessidade de um Técnico Oficial de Contas responsável,
sendo, no entanto, obrigatório possuir os livros de registos de acordo com o artigo 50 n.º
1 do CIVA e a forma de tributação é feita de acordo com a aplicação de coeficientes em
função da natureza dos proveitos; (ii) o sistema de contabilidade organizada - sistema de
contabilidade estruturado, regido pelo Sistema de Normalização Contabilística (SNC)
ou outra legislação equiparada, que carece de um Técnico Oficial de Contas responsável
3
Atas Proceedings | 4005
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
pela execução da contabilidade, que obriga à existência de uma conta bancária afeta
apenas à atividade e a tributação do imposto é feita em função do Resultado Líquido do
Período, que resulta da diferença entre o total dos proveitos e o total dos custos.
O sistema de contabilidade analítica ou de gestão disponibiliza informação
interna, isto é, para a empresa, e está direcionado para a tomada de decisões de gestão.
Permite o cálculo de resultados gerais e por atividade, para posterior análise. Este
sistema de contabilidade pode ser utilizado em articulação com o sistema de
contabilidade geral.
Os sistemas de contabilidade
mistos são sistemas que contemplam
simultaneamente características da contabilidade geral e da contabilidade analítica. No
setor agrícola temos o Sistema Único de Contabilidade Agrícola criado pelo então
Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação (MAPA) e adotado pela Rede de
Informação de Contabilidades Agrícolas (RICA). Este sistema surgiu para dar resposta
às necessidades de registo e tributação no âmbito dos apoios comunitários recebidos e
para obter informação interna para efetuar a gestão da empresa agrícola.
No quadro seguinte, podemos visualizar os principais sistemas de contabilidade
aplicados ao setor agrícola, bem como as principais obrigações e necessidades da
empresa que os mesmos permitem dar resposta.
Quadro 1 – Sistemas de Contabilidade para o setor agrícola
SISTEMAS DE CONTABILIDADE
SISTEMA DE CONTABILIDADE GERAL
Contabilidade Simplificada
Contabilidade Organizada
SISTEMA DE CONTABILIDADE
ANALÍTICA
Contabilidade Analítica ou de Gestão MB
SISTEMA DE CONTABILIDADE MISTO
SUCA (Contabilidade Simplificada)
Fonte: Adaptado de Costa (1989).
Obrigações
Fiscalidade
Investimentos
Comunitários IRS IRC IVA
Necessidades de
Gestão da
Empresa Agrícola
X
X
X
X
X
X
X
-
X
-
-
-
X
X
X
-
X
X
Em termos de normativos contabilísticos aplicados ao setor agrícola, em
particular, e à generalidade das outras atividades, antes da aprovação do Plano Oficial
de Contabilidade (P.O.C.), em 1977, publicado pelo Decreto-Lei 47/77, não existia
qualquer legislação que definisse a forma de apresentar factos patrimoniais. Apenas o
setor dos seguros e da banca tinham normativos próprios. Sendo o P.O.C. um normativo
4006 | ESADR 2013
4
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
transversal à generalidade dos setores empresariais, não previa o tratamento de alguns
aspetos específicos relacionados com o setor agrícola, o que gerava por vezes diversas
dúvidas e incertezas. Neste sentido, surgiu, em Dezembro do ano 2000, a primeira
norma contabilística destinada especificamente à atividade agrícola - Norma
Internacional de Contabilidade IAS 41 - aprovada pelo Conselho do International
Accounting Standards Board (IASB), com o objetivo de estabelecer o tratamento
contabilístico, a apresentação das Demonstrações Financeiras e divulgações referentes
ao setor agrícola.
Com a evolução da economia e a era dos mercados globais, tornou-se necessário
aplicar normativos contabilísticos que permitissem que as demonstrações financeiras
dos vários países da União Europeia se tornassem comparáveis entre si. Como resultado
surgiu o SNC, em vigor em Portugal com a publicação do Decreto-Lei n.º 158/2009.
Este normativo introduziu alterações profundas na forma de executar a contabilidade,
originando, posteriormente, a publicação de uma série de normas ajustadas à dimensão
das entidades.
O SNC é composto pelos seguintes elementos: Bases para a apresentação das
demonstrações Financeiras; Modelos de Demonstrações Financeiras; Código de Contas;
Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro; Normas Contabilísticas e de Relato
Financeiro para Pequenas Entidades; e Normas Interpretativas. Este sistema contempla
ainda a Norma Contabilística de Relato Financeiro n.º 17, especificamente aplicada ao
setor agrícola, cujo principal objetivo “é o de prescrever o tratamento contabilístico, a
apresentação de demonstrações financeiras e as divulgações relativas à actividade
agrícola” (Comissão de Normalização Contabilística, 2007: 1).
Entre os vários princípios e regras contabilísticas que esta norma contempla,
destaca-se a aplicação do justo valor na valorização dos ativos biológicos, a qual tem
originado dúvidas quanto à sua aplicação prática ao setor agrário, nomeadamente ao
nível da valorização dos ativos biológicos de produção, consumíveis e os produtos
resultantes de processamento após colheita. A sua mensuração errada, como indica
Cardoso (sd), “conduz à subjectividade e por conseguinte à manipulação dos registos,
impossibilitando um retrato da realidade económica da empresa”. Esta situação deriva
também do facto do Sistema de Informação de Mercados Agrícolas (SIMA), criado com
o objetivo de acompanhar o mercado dos produtos agrícolas, apresentar como limitação
5
Atas Proceedings | 4007
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
a não disponibilização de informação sobre todos os produtos, nem sobre ativos
biológicos que não sejam transacionados, como é o caso das plantações.
O SNC tem-se verificado um sistema complexo e burocrático para a maioria das
pequenas empresas, tendo sido recentemente instituídos, através da publicação da Lei
n.º 20/2010, de 23 de Agosto e do Decreto-Lei 36-A/2011, de 9 de Março, a Norma
Contabilística de Relato Financeiro para Pequenas Entidades e o regime de
normalização contabilística para as microentidades respectivamente, também eles
aplicados ao setor agrícola, e que prevêem estabelecer um regime especial simplificado
das normas para empresas de reduzidas dimensões.
3. ABORDAGEM METODOLÓGICA
Como metodologia principal deste trabalho foi utilizada a pesquisa exploratória
(estudo de caso) que, segundo Barañano (2008: 102), “… é um método de investigação
utilizado no âmbito das Ciências Sociais que pressupõe uma apresentação rigorosa de
dados empíricos, baseada numa combinação de evidências quantitativas e
qualitativas”.
Como objeto de estudo foram selecionadas vinte explorações agrícolas, cujas
principais características se apresentam de seguida. A amostra foi recolhida através do
recurso à base de dados de clientes da empresa AGRIREAL – Consultoria, Produção e
Comercialização, Lda. Trata-se de uma empresa que atua no setor agrário há mais de
uma década e, através das parcerias desenvolvidas com o Centro de Gestão Agrária do
Cima Corgo, associação sem fins lucrativos que apoia o agricultor, dispõe de um leque
abrangente e representativo de explorações agrícolas ao nível da região da Direção
Regional de Agricultura e Pescas (DRAPN).
A investigação foi efetuada com base nos dados recolhidos junto dos
empresários agrícolas, garantindo-lhes o seu anonimato, tendo em vista a identificação,
cálculo e análise de resultados e indicadores técnico-económicos para cada uma das
explorações agrícolas em estudo, identificados e calculados de acordo com Avillez et al.
(1987). Foram observados os elementos presentes nos diversos documentos
contabilísticos e fiscais dos empresários referentes aos três exercícios económicos
4008 | ESADR 2013
6
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
(2009, 2010 e 2011); informações dos Pedidos Únicos de Ajudas e listagens do Sistema
Nacional de Registo de Bovinos (SNIRB) com a movimentação do efetivo pecuário,
entre outras informações facultadas pelos empresários.
Os anos de análise escolhidos foram 2009, 2010, e 2011, por serem os mais
recentes no momento da constituição da amostra.
A informação obtida foi analisada e posteriormente foram calculados os
resultados e indicadores técnico-económicos das diversas explorações em estudo,
procedendo-se à sua análise comparativa. Segundo Costa (1989), para efectuarmos a
análise de uma empresa, necessitamos de comparar os seus indicadores com os de
outras empresas de referência, comparáveis entre si, que nos possibilitem avaliar os
resultados obtidos. Ainda de acordo com o autor, as referências utilizadas poderão ter
três origens diferentes: valores médios de empresas situadas na mesma zona, com o
mesmo tipo de produção e orientação produtiva; valores inicialmente definidos pela
empresa no plano previsional anteriormente elaborado e nos valores médios divulgados
pelos serviços técnicos.
Neste trabalho, os parâmetros obtidos foram comparados com os dados não
publicados, mas facultados pelo Gabinete de Planeamento e Políticas (GPP), recolhidos
das contabilidades de explorações agrícolas situadas na região da DRAPN, em Portugal,
no âmbito da Rede de Informação de Contabilidades Agrícolas (RICA), para os anos
sob análise, e atendendo quer à Dimensão Económica (DE) quer à Orientação TécnicoProdutiva verificada (OTE).
3.1. Objeto de estudo
As vinte explorações estudadas encontram-se distribuídas por nove concelhos
localizados na zona da DRAPN de Portugal Continental e todas elas apresentam a forma
jurídica de empresário em nome individual.
O Quadro 2 detalha as principais características destas explorações. O ano de
início da atividade agrícola situa-se entre 2004 e 2010, o que nos permite constatar que
se tratam de empresas relativamente jovens. Este facto irá traduzir-se, como se
visualizará posteriormente, em elevados custos com amortizações, o que reduzirá
significativamente o lucro obtido.
7
Atas Proceedings | 4009
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Oito explorações apresentam tipologia patronal e doze são de âmbito familiar.
No que se refere ao sistema de contabilidade adotado, seis das explorações em
estudo possuem sistema de contabilidade organizada e catorze utilizam o sistema
simplificado. Segundo Pereira (2011), e de acordo com os censos agrários realizados em
2009, das 305.266 explorações agrárias inquiridas, apenas 16% (49.652) dispunham de
um registo dos factos patrimoniais ocorridos na exploração e só 8% (25.184)
apresentavam contabilidade organizada. Estes resultados levantaram a necessidade de se
refletir sobre os motivos que levam 84% das explorações agrícolas a não apresentarem
dados patrimoniais. Na amostra dos casos de estudo, verifica-se que as explorações
agrícolas com contabilidade organizada apresentam por regra uma descrição mais
detalhada das receitas e principalmente das despesas. Este aspeto justifica-se pelo facto
do sistema de contabilidade organizada ser mais complexo e minucioso no tratamento
contabilístico do que o sistema de contabilidade simplificada e por os custos entrarem
em consideração no cálculo do imposto a pagar ao Estado.
Quadro 2 - Caraterização das explorações agrícolas em estudo
N.º
Exploração
1
2
3
4
5
6
Localização
Geográfica
(Concelho)
Sabrosa
Sabrosa
Sabrosa
Moimenta da Beira
S. João da Pesqueira
S. João da Pesqueira
Ano de
início de
atividade
2006
2006
2006
2006
2009
2010
Tipo de
Empresa
Agrícola
Patronal
Patronal
Patronal
Familiar
Patronal
Familiar
Sistema de
contabilidade
Principal
Simplificada
Organizada
Simplificada
Simplificada
Simplificada
Simplificada
Viticultura
Viticultura
Viticultura
Fruticultura
Viticultura
Viticultura
7
8
2009
2009
Familiar
Patronal
Simplificada
Organizada
Viticultura
Viticultura
9
10
Sabrosa
S. Marta de
Penaguião
S. João da Pesqueira
Moimenta da Beira
2008
2010
Familiar
Familiar
Simplificada
Simplificada
Viticultura
Viticultura
11
Alijó
2008
Patronal
Simplificada
Viticultura
12
Sabrosa
2009
Familiar
Simplificada
Bovinicultura
13
Lousada
2006
Familiar
Simplificada
Bovinicultura
14
15
16
17
18
19
20
Alijó
Alijó
Sernancelhe
V. Pouca de Aguiar
V. Pouca de Aguiar
Vila Real
Sabrosa
2004
2006
2009
2006
2006
2006
2007
Patronal
Familiar
Familiar
Familiar
Familiar
Familiar
Patronal
Organizada
Simplificada
Organizada
Simplificada
Organizada
Organizada
Simplificada
Bovinicultura
Bovinicultura
Caprinicultura
Bovinicultura
Bovinicultura
Bovinicultura
Bovinicultura
Fonte: Elaboração própria
4010 | ESADR 2013
Atividade
Secundária
Olivicultura e
Fruticultura
Horticultura e
Fruticultura
Horticultura e
Fruticultura
Fruticultura,
Horticultura e
Olivicultura
Culturas Forrageiras
e viticultura
Leite e derivados
8
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
Constata-se, ainda, no Quadro 2, que das vinte explorações apresentadas, 14
desenvolvem apenas um tipo de atividade, que é o caso da viticultura, bovinicultura ou
fruticultura. Nos restantes 6 casos, existe a produção de múltiplas atividades, muito
embora exista sempre a cultura principal, da qual se obtêm os rendimentos mais
significativos da exploração. O facto de existirem por vezes sistemas produtivos mistos,
deve-se não só à maximização do aproveitamento de área da exploração para diversas
culturas, como também dos incentivos promovidos pela aplicação da Política Agrícola
Comum (PAC), através dos subsídios agrícolas à atividade corrente e das ajudas ao
investimento, bem como da promoção da instalação na atividade.
As raças de bovinos exploradas são a Maronesa (explorações n.º 12, 13, 14, 15,
17, 18 e 20), Barrosã (exploração n.º 19) e Cruzado de Carne (exploração n.º 13). A
exploração n.º 16 dedica-se à raça de caprinos Sannan.
No quadro seguinte, podemos observar a Superfície Agrícola Utilizada (SAU),
as Cabeças Normais (CN) e as Unidades de Trabalho Anual (UTA) presentes nas
explorações em estudo ao longo de cada exercício.
Quadro 3 – SAU, CN e UTA das explorações agrícolas em estudo, entre 2009 e
2011
N.º da
Exploração
SAU da Exploração (Ha)
2009
2010
16,78
19,35
1
17,8
18,24
2
20,83
20,83
3
19,56
19,56
4
5,09
8,2
5
0
0
6
0
0
7
0
17,61
8
5,08
5,29
9
0
9,37
10
6,7
8,07
11
35
33,41
12
33,4
33,4
13
188,06
216,92
14
20,83
25,76
15
110,46
110,46
16
44,45
88,93
17
55,74
51,17
18
41,86
43,67
19
27,04
35
20
Fonte: Elaboração própria
2011
19,09
18,04
20,83
21,01
5,09
7,79
5,21
13,63
5,29
8,98
10,37
36,93
33,4
216,92
20,83
110,46
89,26
48,08
43,68
0
CN da Exploração
2009
9,48
23,12
144,45
18,27
15,45
58,07
42,35
48,37
36,62
2010
17,23
11,93
115,35
3,57
15,45
61,16
47,49
53,68
43,79
2011
17,9
0,23
20,38
15,45
71,98
40,62
35,93
-
UTA da Exploração
2009
4,67
5,58
3,74
2,39
2,37
0
0
0
1,18
0
1,18
2,35
2,35
2,93
2,35
2,74
2,74
2,74
2,74
2,35
2010
4,67
5,58
3,74
2,39
2,37
0
0
2,93
1,18
1,18
1,18
2,35
2,35
2,93
2,35
2,74
2,74
2,74
2,74
2,35
2011
4,67
5,58
3,74
2,39
2,37
1,18
1,18
2,93
1,18
1,18
1,18
2,35
2,35
2,93
2,35
2,74
2,74
2,74
2,74
0
9
Atas Proceedings | 4011
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Verificamos uma diversidade de dimensões de áreas das explorações em estudo,
desde os 5,08 até aos 216,92 ha, sendo as explorações que possuem efetivo pecuário
aquelas que apresentam uma área maior, relativamente às explorações exclusivamente
vegetais. Também o número de CN exploradas apresenta uma amplitude bastante
dispar, compreendida entre as 0,23 (ano de 2011) e as 144,45 CN (ano 2009), verificada
surpreendentemente na mesma exploração (n.º 14), devido à venda de grande parte do
efetivo, decorrente da pretensão do abandono da atividade pelo empresário.
Constata-se ainda que enquanto as áreas subiram levemente entre os dois
primeiros anos sob análise (40,54 para 42,51 Ha, em média), recuaram no ano seguinte
(para 38,68 Ha), tem-se vindo a verificar um decréscimo no número médio anual de CN
exploradas (44,02; 41,07; e 28,93, para 2009, 2010 e 2011, respetivamente).
Quanto às UTA verifica-se também uma multiplicidade de valores, variando
entre as 1,18 e as 5,58 UTA.
4. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Apresentam-se nos pontos seguintes as principais fontes de receita e custos
recolhidos das explorações em estudo, com base nos quais foram calculados os seus
resultados e indicadores técnico-económicos. Os valores apresentados encontram-se
arredondados à unidade.
Por forma a uma correta comparação entre estes parâmetros com os dados
facultados pelo GPP (não publicados - np) provenientes de amostras de contabilidades
agrícolas, agrupadas por classe de Dimensão Económica (DE) e classes de Orientação
Técnico-Económica (OTE), apresentam-se os quadros 4 e 5 com a classificação
atribuída às explorações em estudo.
Quadro 4 – Classes de Dimensão Económica apresentadas nos estudos de caso.
Classe DE
1
2
Valores em euros
0 até 25000 euros
25000 a 50000 euros
Fonte: Elaboração própria
4012 | ESADR 2013
N.º Exploração
1,4,5,6,7,8,9,10,11,12,13,14,15,16,17,18,19,20
2e3
10
Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15
Quadro 5 – Classes de Orientação Técnico-económica apresentadas nos estudos de
caso
Classe OTE
3
7
11
12
17
Descritivo OTE
Horticultura e outras culturas Extensivas
Frutos Frescos (Inc. Citrinos e Uva de mesa)
Bovinos Carne
Ovinos / Caprinos
Mistas Culturas e Pecuária
Fonte: Elaboração própria
N.º da Exploração
10, 11
1,2,3,4,5,6,7,8,9
14, 15, 17, 18, 19, 20
16
12, 13
Grupo de análise
1
2
3
Sem dados
4
DE
1
1e2
1
1
1
Com base nas classificações efetuadas nos quadros 4 e 5, procedemos à
constituição dos seguintes grupos, similares aos facultados pelo GPP (np), e necessários
para as posteriores análises comparativas, tendo sido atribuídas colorações diferentes no
sentido de facilitar as respetivas correspondências:





Grupo 1 (rosa): constituído pelas explorações 10 e 11 e enquadradas na DE 1;
Grupo 2: possui explorações enquadradas na OTE 7, cultura de frutos frescos,
o DE 1 (verde claro): explorações 1, 4, 5, 6, 7, 8, 9;
o DE 2 (verde escuro): explorações 2 e 3;
Grupo 3 (roxo): constituído por explorações enquadradas na OTE 11, bovinos de
carne e contemplam as explorações 14, 15, 17, 18, 19 e 20. Tratam-se de
explorações enquadradas na DE 1;
Grupo 4 (azul): representa explorações com atividades vegetais e de pecuária,
OTE 17, e enquadradas na DE 1. Correspondem as explorações n.º 12 e 13.
Para a exploração 16, cuja atividade principal é caprinicultura, não foram
disponibilizados dados correspondentes pelo GPP (np).
4.1. Proveitos da Exploração
Os proveitos apresentados resultam do apuramento do Produto Bruto (PB)
vegetal e animal, calculados de acordo com Avillez et al. (1987), acrescidos dos
subsídios correntes à exploração obtidos através do Regime de Pagamento Único, cujo
montante varia em função da área explorada, direitos detidos pelo agricultor e respetivo
valor, tipo de culturas desenvolvidas, entre outros.
Nas explorações em estudo exclusivamente vegetais, o seu PB apresenta um
valor mínimo de 1.302,27 €, em 2009, e um valor máximo de 58.720,10 €, em 2010.
Em termos evolutivos, verifica-se que, entre 2009 e 2010, algumas destas explorações
aumentaram o seu PB (explorações 1, 3, 5, 11 e 13), enquanto outras viram o seu valor
ser reduzido (explorações 2, 4 e 12). Entre 2010 e 2011, verificou-se um aumento no PB
vegetal nas explorações 2, 6, 8, 9, 10, 12 e 13.
11 | 4013
Atas Proceedings
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Quanto às explorações com vocação animal, o seu PB oscila entre -12.871,24 € e
180.692,46 €, ambos verificados em 2010. Em termos evolutivos, é a exploração com o
número 17 que apresenta um PB animal mais constante, apesar desta ter sofrido
alterações acentuadas na SAU explorada (Quadro 6).
Quadro 6 – Proveitos anuais das explorações em estudo, entre 2009 e 2011, em
Euros
N.º da
Exploração
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
PB Vegetal
2009
22.653
46.554
58.602
14.950
8.043
0
0
0
0
0
1.302
10.980
3.450
0
0
0
0
0
0
0
2010
29.853
44.516
58.720
14.106
23.464
3.367
0
38.572
12.345
2.200
1.901
9.220
8.035
0
0
0
0
0
0
0
Fonte: Elaboração própria
PB Animal
Subsídios à Exploração
2011
2009
2010
2011
2009
17.505
0
0
0 1.136
49.970
0
0
0 3.791
39.930
0
0
0 2.862
5.660
0
0
0 3.914
22.423
0
0
0 1.166
5.076
0
0
0
0
7.300
0
0
0
0
48.970
0
0
0
0
27.950
0
0
0
0
5.665
0
0
0
0
1.476
0
0
0
226
10.464
0
3.010 1.442 1.211
15.068 4.596 3.691
0 16.622
0 15.727 180.693 4.137 34.699
0 5.791 -2.429 8.383 17.987
0
0
5.196 8.284 1.828
0 5.903 6.389 6.893 12.165
0 5.398 -12.871 8.866 25.092
0 -2.681 11.202 18.078 16.047
0 2.395 19.142
0 21.774
2010
9.906
8.387
9.750
7.496
2.558
1.083
0
0
2.928
829
3.125
6.795
35.283
72.417
29.943
5.189
24.924
30.878
17.711
16.013
2011
6.636
5.412
3.195
4.512
6.896
3.526
1.917
0
2.735
4.443
8.005
19.339
19.819
24.462
17.826
24.629
28.650
24.044
27.482
0
Total dos Proveitos
2009
23.789
50.344
61.464
18.864
9.209
0
0
0
0
0
1.529
12.191
24.668
50.425
23.778
1.828
18.069
30.490
13.366
24.169
2010
39.759
52.903
68.470
21.602
26.023
4.450
0
38.572
15.273
3.029
5.026
19.025
47.008
253.110
27.514
10.385
31.313
18.007
28.913
35.155
2011
24.141
55.382
43.125
10.172
29.319
8.603
9.217
48.970
30.686
10.108
9.481
31.245
34.887
28.599
26.209
32.913
35.543
32.910
45.560
0
Os subsídios à exploração são mais elevados nas explorações que apresentam
efetivo pecuário. Em termos globais, de 2009 para 2010, o valor das ajudas monetárias
atribuídas à exploração sofreu um acréscimo, que se reduziu logo no ano seguinte.
Na Figura 1 podemos verificar o peso do PB e dos subsídios à exploração no
total dos proveitos de cada uma das explorações em estudo, considerando o valor médio
dos três anos em análise.
200000
Subsídios à E
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Atas do ESADR 2013