da agricultura para P15 Dinâmica o futuro: metodologias de investigação e prospetivas Atas Proceedings ISBN 978-989-8550-19-4 P15 · Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivas Coordenadores Ana Alexandra Vilela Marta Rio Costa (UTAD) [email protected] Emiliana Silva (UAC) [email protected] A agricultura e o setor alimentar deparam-se com um futuro incerto, encontrando-se sob influência de múltiplos fatores, que têm revelado a vulnerabilidade dos sistemas agro-alimentares atuais e originando consenso sobre a necessidade de sistemas mais resilientes. Neste contexto, a investigação está cada vez mais envolvida com a antecipação de desenvolvimentos futuros, através da avaliação e previsão de cenários. O objetivo deste painel é discutir metodologias, procedimentos e resultados de investigação sobre a dinâmica da agricultura e do setor agro-alimentar para o futuro, para a identificação das suas implicações e de mecanismos de alerta a nível local, regional e global. 3892 | ESADR 2013 Bruno Aires da Silva Almeida [email protected] AASM Associação Agrícola de S. Miguel, Emiliana Leonilde Dinis Gil Soares da Silva [email protected] Universidade dos Açores – DCA CEEAplA A discussão do próximo quadro de apoio comunitário à Região Autónoma dos Açores, no âmbito da Política Agrícola Comum marca a atualidade açoriana. Um cenário possível é o decréscimo de apoios aos produtores açorianos, nomeadamente o subsídio que depende exclusivamente da quota leiteira. Para compensar esta quebra da “receita” urge que os produtores leiteiros dos Açores melhorem a eficiências das suas empresas agrícolas. Sendo assim, este trabalho tem como objetivo principal conhecer os valores de eficiência e estimar o número de explorações eficientes em S. Miguel, dado que esta ilha contribui com cerca de 75% da produção regional e a produção dos Açores representa cerca de 30% da produção de leite de Portugal. Neste trabalho utilizaramse os dados de 91 explorações pertencentes à ilha de São Miguel.. Fezse uma caracterização das explorações leiteiras e utilizouse para estimar a eficiência o programa DEAP (“Data Envelopment Analysis”). Estimouse a eficiência das explorações em dois modelos de eficiência não paramétrica alternativos: considerando ou não os subsídios como output. No Modelo I verificouse que apenas 7 delas obtiveram máxima eficiência técnica (7,69% da amostra). O nível médio de ineficiência técnica foi de 0,312, o que significa que se pode reduzir em média até 31,2% dos gastos nos consumos, sem penalizar a produção. A eficiência técnica baixa de 68,8% no Modelo I para 63,7% no Modelo II, em que apenas 5 explorações são eficientes tecnicamente (5,49% da amostra). Este trabalho fará uma caracterização da estrutura das empresas pecuárias dos Açores, apresentará a metodologia utlizada (DEA), uma descrição dos trabalhos com aplicações do Atas Proceedings | 3893 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural DEA mais relevantes, seguindose a apresentação e discussão dos resultados. Ao finalizar apresentaremos as considerações finais e as fontes bibliográficas utilizadas. Açores, “Data Envelopment Analysis”, eficiência, leite, modelos. S. Miguel é a maior das ilhas da Região Autónoma dos Açores, quer em população, quer em dimensão. A produção agrícola é uma componente importante no produto interno bruto. A fileira do leite tem o maior impacto na economia dos Açores, embora a fileira da carne, as pescas e o turismo também se apresentem como alternativas de produção. A produção leiteira de vaca e do queijo representam, respetivamente, 28,4% e 35,0% da produção do total a nível nacional (INE, 2009). O objetivo deste trabalho é conhecer a eficiência económica de 91 das explorações micaelenses. Para tal, utilizase a análise não paramétrica de eficiência ( ) e o DEAP para calcular a eficiência técnica a rendimentos variáveis e a rendimentos constantes. Neste trabalho apresentase uma caracterização sumária da Região Autónoma dos Açores, uma descrição da metodologia e algumas investigações que recorreram a esta metodologia. Finalmente, apresentamse os resultados e conclusões. Em 2009, o efetivo bovino nacional era de 1.391.000 animais, dos quais (20,0%) eram vacas leiteiras com idade igual ou superior a dois anos, que tinham parido pelo menos uma vez e cujo leite produzido era principalmente vendido ou autoconsumido pela família do produtor (INE, 2011). O Quadro n.º 1 mostranos que o número de bovinos diminui 2.1 % entre o ano de 1999 e 2009. Neste período de tempo, o número de vacas leiteiras diminuiu 22% registando a maior descida na região Centro (Beira Litoral e Beira Interior). O Alentejo é a região que tem maior expressão na produção bovina (39% do efetivo nacional, quase exclusivamente para a produção de carne) Seguemse as regiões predominantemente leiteiras, do Norte (Entre Douro e Minho) com 18% e os Açores com 17%, que em conjunto concentram mais de 2/3 do efetivo leiteiro de Portugal. 3894 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 400 210 161 393 12 240 4 133 74 29 21 1 99 1 Unidade: 1000 cabeças 323 103 201 39 46 21 562 21 9 1 245 92 5 1 Fonte: INE (2000,2011) Em Portugal, em 2009, o efetivo bovino médio por exploração era de 26,7 cabeças. Em anos mais recentes observase, que as explorações de bovinos leiteiros convergem para um sistema de estabulação, sendo no Norte mais expressiva. Em Lisboa e no Centro a estabulação é significativa e concentram os sistemas mais intensivos de produção de bovinos de carne e de leite. Pelo contrário, a sua expressão é mínima no Alentejo e nos Açores, pela utilização quase exclusiva de sistemas extensivos nestas duas regiões. No Quadro n.º 2 observase que a produção de leite de vaca entre 1999 e 2009 temse mantido constante, não obstante da diminuição gradual nos últimos 10 anos no número do efetivo leiteiro. Isto é, a média de produção por vaca tem aumentado significativamente (em 1999 era de 5.541 kg, e em 2009 era 6.973 kg aumentando de 21%). Verificase também um aumento no Teor Butiroso (TB) e no Teor Proteico (TP). Unidade: litros (milhares) 2.116.967 1.978.471 3.78 3.16 2.136.285 1.998.216 3.80 3.22 2.054.270 1.923.577 3.83 3.27 2.166.501 2.039.727 3.84 3.25 2.019.952 1.893.243 3.81 3.28 2.076.958 1.949.670 3.85 3.28 2.128.412 1.999.234 3.85 3.28 3 Atas Proceedings | 3895 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 2.048.724 1.924.111 3.84 3.25 2.028.789 1.909.440 3.85 3.28 2.076.769 1.960.899 3.86 3.27 2.047.593 1.938.641 3.83 3.28 Fonte: INE (2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008,2009) Em 2009 foram recenseadas 13.541 explorações agrícolas, em que S. Miguel tem cerca de metade (42,2%) do total (SREA, 2011). A fileira do leite regista um enorme impacto na economia dos Açores. Segundo o INE (2009), do total da produção de vaca em Portugal em 2007, os Açores contribuíram com 28,4%, sendo que a produção da ilha de São Miguel contribuiu com 63,7% do total açoriano. Em São Miguel, nos últimos anos, temse observado um aumento dos produtos de valor acrescentado, como o queijo e iogurtes em detrimento dos produtos com menor valorização (leite em pó e da manteiga). Em 2005, a produção de manteiga e do leite em pó atingiu os 24,4% e os 97,1% do total nacional (INE, 2009). Esta nova mudança de política das empresas de transformação devese à valorização dos produtos pela diferenciação e criação da “Marca Açores” permitindo, por exemplo, que em 2005 o queijo produzido na RAA já atingisse os 35% da produção nacional. Existem em Portugal doze queijos com Denominação de Origem Protegida (DOP), sendo que dois são açorianos: o queijo de São Jorge e o queijo do Pico. No caso do queijo de São Jorge a sua produção representa mais de 50% da produção nacional de queijos DOP, porém, é o produto com menor valor médio de venda por unidade (INE, 2009). Na União Europeia a produção leiteira é controlada por um sistema de quotasatribuída a cada país membro. Para Portugal foi atribuído, em2011, uma quota de 2.02 milhões de toneladas (t) (IFAP, 2012) e para os Açores de 548 mil t. Este tipo de sistema é necessário para a sobrevivência económica dos pequenos núcleos leiteiros como é o caso dos Açores. Com a supressão das quotas leiteiras os Açores serão submetidos ao nível concorrencial das grandes potências leiteiras da Europa. Apesar destas dificuldades, o sector leiteiro açoriano tem pontos fortes, nomeadamente: uma indústria modernizada capaz de inovar e/ou criar novos produtos mais saudáveis e de uso fácil; ter uma fileira leiteira estruturada; os produtos lácteos produzidos na região têm excelente qualidade e com propriedades químicas únicas; possuir dois produtos DOP; uma imagem de um produto “Marca Açores” que está associado à região e à sua qualidade ambiental (Almeida, 2012). 4 3896 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 Porém, as ameaças à fileira do leite açoriano nomeadamente o fim das quotas em 2015 irá acrescer o nível concorrencial dos produtos lácteos provocando, possivelmente um abaixamento do preço do leite e, consequentemente uma diminuição da rentabilidade económica das explorações leiteiras com os custos de produção a aumentar anualmente. Acrescendo o fato de serem uma região ultra periférica, os custos de transporte e de logística são maiores e o mercado regional ter menor dimensão (Almeida, 2012). O produto bruto das explorações agropecuárias dos Açores é constituído na sua maioria na produção de leite e de carne. A venda de leite e de carne representam 61% do total de receitas, sendo que a venda de leite contribui com 84,1% e a venda de carne com os restantes 15,9%. Aprodução de carne é representada como uma atividade complementar e não como uma atividade alternativa (Silva, 2001). Os subsídios recebidos representam 18% do total da estrutura do produto agrícola, baixando para 16,9% na ilha de São Miguel. Nesta mesma ilha e segundo a mesma autora, o valor das receitas do leite e da carne totalizam 65,9% das receitas (91,3% para o leite e 8,7% para a carne). Silva (2001) constata que a compra de alimentação representa 27% do total dos gastos reconhecendo, que o sistema de produção de leite é muito exigente na alimentação. As amortizações dos equipamentos também representam 13,6% dos gastos, justificando que isto se deve à aquisição de muitos equipamentos promovida pelos apoios governamentais e da União Europeia. Com uma menor percentagem nos custos totais estão as rendas de terrenos agrícolas e a compra de fertilizantes, com 10,6% e 9,8% respetivamente. Os custos salariais representam 5,6%, considerando Silva (2001), que o valor da mãodeobra é baixo devido à maioria das explorações serem do familiar. Os gastos com a conservação, reparação e fertilizantes representam em conjunto 12%. Os gastos totais para ilha de São Miguel seguem a mesma tendência que a nível regional, isto é, as amortizações contribuem com 8,9%, as rendas de terras com 8,0%, a alimentação com 37,3%, os fertilizantes com 8,6% e os custos com os salários com 7,1% (Silva,2001). A análise não paramétrica de eficiência é uma metodologia que permite avaliar a eficiência com que determinada unidade empresarial utiliza um conjunto de recursos () na produção de um conjunto de resultados (). Esta avaliação é sempre 5 Atas Proceedings | 3897 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural relativa, porque as unidades empresariais são analisadas comparativamente a outras num conjunto de variáveis efetivamente observadas e não em relação a padrões ou prédefinidos. O cálculo da eficiência económica das unidades de produção permite determinar estratégias, planeamentos e tomadas de decisões, sobretudo para as atividades com importância no desenvolvimento económico e social, como é o caso da agropecuária nos Açores. A eficiência de uma exploração é medida pela comparação entre valores observados e os valores ótimos dos seus produtos (saídas) e recursos (entradas). Segundo Mello (2005), a eficiência é um conceito relativo. Compara o que foi produzido os recursos disponíveis com o que poderia ter sido produzido com os mesmos recursos. Contudo, a eficiência diferenciase da eficácia, porque a eficácia está ligada apenas ao que é produzido sem ter em conta os recursos usados para a produção, ou seja, é a capacidade da unidade produtiva atingir a produção que tinha como objetivo. Este objetivo tanto pode ter sido estabelecido pela própria unidade como externamente, dependente das expectativas de cada um. A análise não paramétrica contabiliza claramente a mistura de entradas () e saídas (). Este método pode ser utilizado para comparar um grupo de unidades de serviços, possibilitando identificar as unidades que são ineficientes podendo, inclusive medir a magnitude das ineficiências e comparar as unidades ineficientes com as eficientes permitindo, reduzir as ineficiências (Macedo , 2003). Esta comparação pode ser feita em linhas gerais pela razão entre produção observada e produção potencial máxima alcançável, dados os recursos disponíveis, ou pela razão entre a quantidade mínima necessária de recursos e a quantidade efetivamente empregada, dada a quantidade de produtos gerados. De acordo com Pereira (1995, Macedo , 2003), a análise não paramétrica é uma técnica de pesquisa operacional que tem como base a programação linear e cujo objetivo é analisar comparativamente unidades independentes (empresas, departamentos, etc.) no que se refere ao seu desempenho operacional. Ela fornece uma medida para avaliar a eficiência relativa das unidades de tomada de decisão, os DMU’s ( ). A ideia principal é a comparação dos com os . Charnes (1978), referenciado Silva (2001), propôs em termos analíticos um 6 3898 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 modelo de programação fracional, cujas variáveis representam os pesos mais favoráveis para a unidade organizativa. ∑ = =1 ∑ =1 ∑ =1 ∑ ≤ 1 = 12, , , , =1 ≥ 0∀ ≥ 0∀ Onde: Ek, é razão de eficiência da unidade k, definida como a relação dos sobre os com k = 1,...,n variáveis; o n é o número total de unidades (DMU) que estão sendo avaliadas; uj, com j = 1,..., s de cada variável, é o coeficiente de saída para j, onde s é o número total de tipos de saídas sendo considerados. A variável uj é a medida da diminuição relativa na eficiência com cada unidade de redução do valor de saída; vi, com i = 1, ..., m de cada DMU, é o coeficiente de entrada para i, onde m é o número total de tipos de entrada. A variável vi mede o aumento relativo na eficiência com cada redução unitária do valor de entrada; yjk é o número observado de unidades de saída j, geradas pela unidade de serviço k durante um período de tempo; xik é o número real de unidades de entrada i, utilizadas pelas unidades de serviços k durante um período de tempo. A mensuração dos valores para u e v, que são os pesos é determinado informaticamente pelo programa (DEAP), atendendo à maximização da soma ponderada dos dividida pela soma ponderada dos da DMU em estudo, sujeita à restrição de que esse quociente seja menor ou igual a 1. Este modelo assume que todos os DMU se encontram numa escala de rendimentos constantes (CRS). Banker (1984) propuseram uma extensão do modelo anterior, atendendo às situações de rendimentos variáveis à escala, modificando o programa linear de formar a poder incorporar as restrições de convexidade (N1’ƛ=1, sendo N um vetor unitário). 7 Atas Proceedings | 3899 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Este novo modelo passouse a chamar de modelo de rendimentos variáveis à escala (VRS), obedecendo à seguinte expressão. Min θƛ θ s.a: - yi + Yƛ ≥ 0 Θxi – Xƛ ≥ 0 N1’ƛ=1 ƛ≥0 De onde: X = matriz de ; Y = matriz de Θ = Escalar. Vetor multiplicador aos ; ƛ = Vetor de constantes (Nx1) Multiplicador da matriz dos e . Esta importante alteração permite dividir a eficiência técnica global em duas componentes, a eficiência técnica pura e a eficiência de escala. Para isso, devese calcular os dois modelos, CRS e VRS com os mesmos dados. Se existir uma diferença entre as duas medições para o mesmo DMU em particular, significa que é ineficiente em escala, sendo o valor da ineficiência calculado pela diferença entre a medição de CRS e a medição VRS. Silva (2001) calculou a eficiência técnica para três modelos de explorações leiteiras nos Açores atendendo para o Modelo 1: (produção de leite total); (SAU, número de vacas e custos associados à atividade leiteira); para o Modelo 2: (PL total e os subsídios/ha (subsídios/ha)); (SAU, número de vacas e custos variáveis e fixos associados à atividade leiteira); e para o Modelo 3: (PL total); (SAU, número de vacas e custos variáveis e fixos associados à atividade leiteira). Silva (2001) concluiu que das 122 explorações estudadas, somente 7 foram eficientes, com uma média de eficiência técnica de 66,4%. Os modelos 1 e 3 obtiveram iguais resultados, ambos tiveram 5 explorações eficientes e uma média de 65,2% de eficiência técnica. O modelo 2, com a introdução dos Subsídios/ha nos melhorou para 66,4% a eficiência técnica e aumentou para 9 as explorações eficientes. Arzubi (2002) concluíram que em 21 explorações leiteiras de Buenos Aires (Argentina), a eficiência técnica de 83% no exercício de 1997/1998 aumentou para 87% no exercício de 1999/2000. 8 3900 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 De acordo com Santos (2009), a eficiência técnica com os retornos constantes nas explorações da região do Rio Grande do Sul, no Brasil foi em média de 65,6% com um desvio padrão de 21,2%, utilizando o método de análise não paramétrica de eficiência. Para a realização do presente trabalho, recorreuse aos dados de 91 explorações agropecuárias da ilha de São Miguel inscritas no Contraste Leiteiro e que realizaram contabilidade organizada em 2010. As 91 explorações leiteiras da ilha de São Miguel, estão distribuídas pelos seis concelhos, correspondendo a cerca de 37% das explorações que tiveram resultados apurados em contraste leiteiro em 2010 (SDASMa), e b),2011). O concelho mais representado é o da Ribeira Grande com 39 explorações, seguindose o de Ponta Delgada com 35 explorações. O concelho menos representado é o da Vila Franca do Campo com apenas 2 explorações. Cerca de 53,8% das 91 explorações têm mais de 75 CN e 39,6% têm entre 3075 CN. Somente 6 explorações (6,6%) têm menos de 30 cabeças normais. O maior número de explorações com mais de 90 CN neste estudo devese essencialmente, à obrigação das explorações agrícolas com faturação superior a 150.000€, de elaborarem contabilidade organizada, enquanto as explorações com faturação inferior a 150.000€ poderem optar pela contabilidade simplificada. A maioria das explorações (51) deste estudo tem uma quota leiteira atribuída entre 251.000 e as 500.000 kg. Observase, igualmente, no mesmo gráfico que 18 explorações agropecuárias têm uma quota leiteira entre 501 e 750 mil kg e 13 explorações uma quota inferior a 250 mil de quota leiteira. Os dados foram organizados numa folha em Excel, listados em colunas dos , seguidos pelas colunas dos Para a obtenção dos resultados da eficiência das explorações agropecuárias utilizouse o programa DEAP (Data Envelopment Analysis Program) (Coelli, 1996 ). Para conhecer a eficiência das explorações leiteiras da ilha de São Miguel foi equacionado dois modelos: 9 Atas Proceedings | 3901 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural : foram incluídas as variáveis da Venda de Leite por hectare (VL), Vendas Diversas por hectare (VDv) e Subsídios por hectare (Subs/ha). : foram incluídos todos os custos totais ligados à atividade da exploração agropecuária, a Superfície Agrícola Útil (sal) e o número de cabeças normais (CN). Neste modelo, os valores considerados nos são os que representam a entrada monetária, ou seja, a venda de leite anual que as explorações produziram no ano de 2010, juntamente com as vendas diversas, como é o caso de venda de vitelos, vacas para refugo, . Foi considerado os subsídios por hectare atribuídos à exploração como fator de rendimento. Aos foram considerados todos os custos associados às despesas por hectare: custos de alimentação (Calim); Custos de fertilizantes (CFert); Custos de Amortização (CAmort); custos de conservação e reparação de equipamentos (CCRE); Custos de eletricidade (CElec); Imposto sobre rendimentos (IR); Custos das Rendas (CRendas); CAME; custos dos salários (CSalár); custos de veterinário (CVet) e custos diversos (CDv), mais a SAU e o número de CN.. : foram incluídas as variáveis da VL, VDv. : foram incluídos todos os custos totais ligados à atividade da exploração agropecuária, o SAU e o número de CN. O modelo I diferenciase do modelo II somente na incorporação dos Subsídios por hectare no , uma vez que esta variável não deve ser considerada como fonte de rendimento e as explorações agropecuárias devem ser eficientes sem este apoio. No Quadro n.º 3 encontrase sumariada as estatísticas descritivas das variáveis analisadas para as 91 explorações (Almeida, 2012). SAU CN CN/ha CNv IR CAlim CFert CAmort 40,41 89,55 2,49 66,67 126,38 663,47 332,89 250,39 29,49 52,54 0,80 40,01 142,98 230,57 185,95 264,30 72,98% 58,72% 32,18% 60,01% 113,13% 34,75% 55,86% 105,55% 6,89 22 0,92 16 76,70 192,00 22,17 0,00 183,60 350 5,52 263 835,43 1336,04 1250,69 1142,16 10 3902 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 CCRE CElec CComb CAgua CRendas CAME CSeguros CLimp CVet CIA CQuotas CSalár VL VDv Subs/ha PLL RL PL305 PG305 PP305 ST CAP CarL PP SM PF 269,57 33,20 282,92 18,40 115,47 143,15 23,22 44,71 65,24 19,80 35,63 196,34 3794,02 212,88 1090,06 0,265 1002,93 8061,40 288,73 262,85 80,53 81,55 81,50 82,19 80,19 80,89 229,48 55,10 170,59 34,40 106,52 141,64 22,40 36,00 37,91 11,30 17,84 229,87 1952,22 232,21 423,58 0,251 839,76 1188,29 40,97 38,99 2,61 2,09 1,40 1,46 1,84 1,52 85,13% 165,96% 60,30% 186,95% 92,25% 98,95% 96,46% 80,51% 58,10% 57,07% 50,07% 117,07% 51,46% 109,08% 38,86% 9,46% 83,73% 14,74% 14,19% 14,84% 3,17% 2,50% 1,73% 1,67% 2,28% 1,79% 39,30 1657,03 0,00 293,80 33,40 978,00 0,00 238,50 0,00 414,77 0,00 685,50 0,00 98,20 0,00 207,89 8,67 209,97 0,11 53,90 9,31 116,65 0,00 1161,05 986,30 13733,72 0,00 1342,02 90,95 3037,00 0,211 0,352 810,70 4460,60 5391,00 11256,00 206,00 400,00 173,00 382,00 73,00 89,00 77,00 88,00 77,00 85,00 77,00 85,00 76,00 84,00 78,00 85,00 Fonte: Almeida (2012) Verificase através do Quadro n.º 3, que a média do RL das explorações analisadas no ano de 2010 foi de 1.002,93/ha, um valor mais alto em relação a Silva (2001) que era de 606,56 €/ha. Em média estas explorações deste estudo têm 2,49 CN/ha e 40,41 ha de área útil, sendo largamente superior à média das explorações da ilha de São Miguel que se situa nos 8,9 ha de SAU (SREA, 2011). Constatase também que a média de PL305 das explorações foi de 8.061 kg, mais 263 kg de leite em relação à média das explorações micaelenses em Contraste Leiteiro no mesmo ano (SDASM a) e b), 2011). Observase também que o coeficiente de variação para as variáveis produtivas e morfológicas têm uma baixa dispersão deduzindo, dessa forma, alguma homogeneidade dos valores destas variáveis nas explorações do estudo. No Quadro n.º 3, optouse por agrupar seis variáveis independentes nomeadamente, CElec, Custos em água (CAgua), Custos em seguros (CSeguros), custos de produtos de limpeza (CLimp), Custos de Inseminação Artificial (CIA) e CQuotas, numa única 11 Atas Proceedings | 3903 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural variável a que se atribui o nome de Custos Diversos (CDv). A razão para reunir estas variáveis prendese se com o facto de cada uma apresentar um valor inferior a 2% do total da percentagem dos custos associados às despesas de uma exploração. No Gráfico n.º 5 observase que os custos em alimentação representam 25,32% dos custos gerais de uma exploração agropecuária, valor mais baixo ao apresentado por Silva (2001) para a ilha de São Miguel, que indicava 37,3% deste custo e de 27% para os Açores. Esta ta variável é, sem dúvida a que tem maior expressividade nos custos associados de uma exploração. A alimentação representa em média 19,6% da d venda de leite por hectare,, havendo um máximo de 53,59% e um mínimo de 6,99% da venda de leite por hectare. Os custos os de fertilizantes representam a segunda maior percentagem na estrutura de custos, com 12,70%, um valor 4,1% superior ao apresentado por Silva (2001). Também com um aumento do peso nos custos, está os custos em carburantes representando 10,79% do total da despesa das explorações leiteiras açorianas, mais 6,59% que Silva (2001), justificado pelo aumento compulsivo do preço do combustível. A conservação e reparação de equipamento, as amortizações e os salários representam respetivamente, 10,29%; 9,55% e 7,49% % da estrutura total dos ,, sendo ligeiramente diferentes em relação a Silva (2001) que apresentou percentagens de 5,2%; 8,9% e 7,1%, respetivamente. Em relação aos criados pelas explorações agropecuárias micaelenses, a venda de leite é, sem dúvida, a variável que mais favorece a rentabilidade líquida por hectare, hectare 12 3904 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 representando 73,20% do total (Gráfico n.º 2). ). Com pouca expressividade, mas não menos importante está a venda de diversos que totaliza 4,37% dos proveitos. Os subsídiospor hectare atribuídos às explorações dos Açores atingem uma média de 1.090,06€,, representando 22,43% do total dos que contribuem para a RL. Esta percentagem chega a representar um máximo de 37,39% e um mínimo de 0,82 %. Esta variável protagoniza uma importância vital na rentabilidade das explorações em que por exemplo, a diferença entre a RL e os subsídiosha por hectare obtémse se uma média de 87,13€, €, o que significa que algumas exploraç explorações ões micaelenses não são rentáveis sem a atribuição dos subsídios.. Do total das 91 explorações desta amostra, 60,44% das explorações têm resultados negativos sem os subsídios e somente 39,56% tem resultados positivos. Cerca de 46,2% dos subsídios a que auferem as explorações micaelenses são os apoios aos Produtos Lácteos, ou por outras palavras o subsídio da quota. A segunda seg maior comparticipação provém m das ajudas ao prémio da vaca leiteira, representando 27,5% do total. As Indeminizações Compensatórias, o apoio às Culturas Arvenses, o subsídio ao Abate, a Extensificação e outros subsídios,, representam em conjunto cerca de 26,3% (Almeida, 2012). Com o fim anunciado das quotas leiteiras, os produtores micaelenses perdem em média 46,2% dos subsídios/ha que lhes são atribuídos. Com este cenário perderseá perder em média 10,36% do total de receitas, com evidente quebra na rentabilidade das explorações (Almeida, 2012). 13 Atas Proceedings | 3905 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Constatase que as explorações deste estudo têm uma taxa média de rendimento líquido por hectare sobre o total dos proveitos, ou seja, um lucro real incluindo os subsídios/ha na ordem dos 19,80%, o que significa que 80,20% são despesas. Esta percentagem desce drasticamente para níveis negativos de 4,20% quando se retira os subsídios às explorações, atingindo níveis mínimos de 70,60% (Almeida, 2012). Num eventual panorama de não atribuição de subsídios às explorações agropecuárias deste estudo, apenas 36 explorações micaelenses conseguiriam sobreviver financeiramente, ou seja, apresentando resultados positivos, sendo que 19 destas explorações têm percentagens de rentabilidade líquida por hectare abaixo dos 10%. Verificase que a maioria das explorações micaelenses são altamente dependentes dos subsídios que usufruem. O Quadro n.º 4 apesenta para os modelos ( I e II), os valores para a eficiência técnica com rendimentos constantes (CRSTE), para a eficiência técnica com rendimentos variáveis (VRSTE) e para a eficiência em escala (SCAL). Média Desvio Padrão Máximo Mínimo Expl. Eficientes CRSTE 0,688 0,132 1 0,448 7 VRSTE 0,815 0,120 1 0,548 14 SCAL 0,846 0,102 1 0,626 7 CRSTE 0,637 0,126 1 0,432 5 VRSTE 0,785 0,128 1 0,459 12 SCAL 0,813 0,101 1 0,602 5 Para os rendimentos constantes à escala para o Modelo I verificase, que das 91 explorações leiteiras, apenas 7 delas obtiveram máxima eficiência técnica (Ej=1), o que equivale a 7,69% da amostra. O nível médio de ineficiência técnica neste modelo é de 0,312 (10,688), o que significa que se pode reduzir em média até 31,2% dos gastos nos consumos, sem penalizar a produção. Verificase também que a eficiência técnica baixa de 68,8% no Modelo I para 63,7% no Modelo II, com uma diminuição para 5 explorações eficientes tecnicamente, equivalente a 5,49% da amostra, sendo que estas 5 incorporam na lista das explorações eficientes do Modelo I. Estes valores da eficiência média são ligeiramente mais altos do que os resultados obtidos por Silva (2001) que auferiu para o Modelo II uma eficiência técnica de 65,2%, 14 3906 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 com 5 explorações eficientes, equivalente a 4,13% da amostra e uma eficiência técnica de 66,4%, também ligeiramente inferior para o Modelo I. Santos (2009) obtiveram, nas mesmas circunstâncias do Modelo II, resultados ligeiramente superiores para as explorações agropecuárias do Rio Grande do Sul (Brasil), atingindo uma eficiência técnica de 65,6%. Em comparação também com o Modelo II, Arzubi (2002) obtiveram resultados de 87,0% de eficiência técnica, muito superior aos 63,7% deste modelo. Considerando os rendimentos variáveis à escala, o panorama melhora um pouco, no Modelo I existe um aumento da média de eficiência técnica para 81,5% e um aumento para 14 explorações eficientes, representando 15,38% da amostra. Observase ainda que as explorações no Modelo II diminuíram a eficiência média para 78,5%, verificando uma redução de 2 explorações eficientes em relação ao modelo com a inclusão dos subsídios/ha. No Quadro n.º 5 está representado os dados estatísticos das explorações eficientes tecnicamente para ambos os modelos. Registase que a Pontuação Final (PF) têm os mesmos valores e que a PL305 apresenta uma diferença de 7.884,9 kg para 8.242,8 kg de leite nos Modelos I e II. Com menos 2 explorações eficientes, o Modelo II tem uma média de RL superior ao Modelo I, não obstante de não utilizar os subsídios/ha nos Média DP Min Max Média DP Min Max SAU 55,1 64,7 6,9 183,6 30,7 37,3 6,9 95,8 CN 95,0 115,1 22,0 350,0 52,1 30,2 22,0 100,2 RL 1.534,9 1.224,8 462,8 3.317,8 1.839,8 1.340,1 462,8 3.317,8 PL305 7.884,9 1.224,8 5.790,0 9.149,0 8.242,8 1.006,0 6.914,0 9.149,0 PF 80,7 1,3 79,3 82,4 80,7 1,4 79,3 82,4 Verificase ainda que as explorações com CRSTE igual a 1 no Modelo I têm uma média de SAU 55,1 ha, face às explorações do Modelo II com uma média de 30,7 ha. De igual modo, as CN por exploração são de 95,0 e 52,1 para os Modelos I e II, respetivamente. No gráfico n.º 3 observase que as explorações estão maioritariamente distribuídas entre os 79 pontos e os 82 pontos de PF. As explorações com as melhores CM, isto é, com PF superior a 84 pontos têm uma eficiência técnica entre os 0,64 e os 0,73. As explorações com eficiência (Ej=1) variam entre os 79 pontos e os 82 pontos de PF, significando que 15 Atas Proceedings | 3907 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural as explorações com melhores PF não são as que têm melhor eficiência técnica. Observa Observa se, igualmente, uma predominância das explorações do Modelo I (pontos azuis), com eficiência técnica maior que o Modelo II (pontos vermelhos). As explorações da amostra encontram encontramse se distribuídas maioritariamente entre as produções de 6.500 kg e os 9.500 kg (Gráfico n.º 4). Observase se que as explorações com maiores produções de leite não são as mais eficientes tecnicamente, o que significa que estão ão a usar demasiados para a produção conseguida. As 7 explorações com Ej=1 estão distribuídas entre os 5.790 kg e os 9.149 kg de leite aos 305 dias. 16 3908 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 Conforme se verifica no gráfico n.º 5 a Rentabilidade Líquida por hectare (RL) ( das explorações da amostra estão maioritariamente entre os 0 e 2.000 2.000€/ha. €/ha. Observase Observa que as duas explorações com maior RL têm uma eficiência técnica um pouco acima dos 60%, e que as explorações com Ej=1 (ou seja, as eficientes) variam entre 462,8€ 462,8 e os 3.317,8€. Constatase se que as explorações com RL maior não são obrigatoriamente as explorações mais eficientes e vice viceversa. Porém, as explorações do Modelo I (pontos azuis) têm tendencialmente uma eficiência técnica maior que as explorações do Modelo II. 17 Atas Proceedings | 3909 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural O presente trabalho teve por objetivo conhecer a realidade das explorações agropecuárias da ilha de São Miguel, e ao mesmo tempo criar um modelo para os produtores melhorarem a rentabilidade líquida por hectare das suas empresas. Nos resultados da análise não paramétrica de eficiência verificouse, que as explorações leiteiras necessitam de melhorar a sua eficiência técnica, uma vez que estão a utilizar os seus recursos muito abaixo das reais possibilidades, ou seja, para se tornarem mais eficientes terão que reduzir os recursos, mantendo constantes os produtos, isto é, orientando os ou o inverso, aumentando os produtos em função dos mesmos recursos utilizados. Apenas 7,69% da amostra obteve eficiência técnica, baixando para 5,49% da amostra quando se retira os subsídios como fonte de rendimento. Estes resultados não divergem dos resultados obtidos na década de 90 por Silva (2001), e só confirmam, mais uma vez, a elevada dificuldade das explorações leiteiras micaelenses em tornaremse eficientes ao longo destes anos. Constatouse também que não é possível caraterizar uma exploração eficiente, porque encontramse com médias de pontuação final, a produção de leite aos 305 dias e a rentabilidade líquida por hectare muito diversificadas. Almeida, B. (2012). Modelo De Rentabilidade das Explorações Leiteiras em S. Miguel: Influência dos Fatores de Produção, da Classificação Morfológica e da Produção Leiteira dos Bovinos Leiteiros. Dissertação de mestrado em Zootecnia, departamento de Ciências Agrárias, Universidade dos Açores. Arzubi, A. e J. Berbel (2002). Determinación de índices de eficiência mediante DEA en explotaciones lecheras de Buenos Aires. 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Estatísticas Agrícolas 2003. Disponível em: http://www.ine.pt/ (acesso em: 17/09/2011). 18 3910 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 INE (2005). Instituto Nacional de Estatística. Estatísticas Agrícolas 2004. Disponível em: http://www.ine.pt/ (acesso em: 17/09/2011). INE (2006). Instituto Nacional de Estatística. Estatísticas Agrícolas 2005. Disponível em: http://www.ine.pt/ (acesso em: 17/09/2011). INE (2007). Instituto Nacional de Estatística. Estatísticas Agrícolas 2006. Disponível em: http://www.ine.pt/ (acesso em: 17/09/2011). INE (2008). Instituto Nacional de Estatística. Estatísticas Agrícolas 2007. Disponível em: http://www.ine.pt/ (acesso em: 17/09/2011). INE (2009). Instituto Nacional de Estatística. Estatísticas Agrícolas 2008. Disponível em: http://www.ine.pt/ (acesso em: 17/09/2011 e 05/03/2012). INE (2010). Instituto Nacional de Estatística. Estatísticas Agrícolas 2009. 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Livro Abstrato, 115. SDASM (2011a). Contraste Leiteiro 2010. Eds. Serviço de Desenvolvimento Agrário de São Miguel.. SDASM (2011b). Contraste Leiteiro 2010. Eds. Serviço de Desenvolvimento Agrário de São Miguel. Silva, E. (2001). Análisis multicritério de la eficiência económica de las explotaciones agroganaderas de las Azores (Portugal), Tesis Doctoral, Escuela Técnica Superior de Ingenieros Agrónomos y de Montes, Universidad de Córdoba. SREA (2011). Serviço Regional de Estatística dos Açores. Recenseamento Agrícola 2009. Disponível em: http://www.estatistica.azores.gov.pt (acesso em: 27/07/2012). 19 Atas Proceedings | 3911 3912 | ESADR 2013 Atas Proceedings | 3913 1 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 2 3914 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 3 Atas Proceedings | 3915 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 4 3916 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 5 Atas Proceedings | 3917 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 6 3918 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 7 Atas Proceedings | 3919 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 8 3920 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 9 Atas Proceedings | 3921 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 10 3922 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 11 Atas Proceedings | 3923 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 12 3924 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 13 Atas Proceedings | 3925 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 14 3926 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 15 Atas Proceedings | 3927 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 16 3928 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 17 Atas Proceedings | 3929 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 18 3930 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 19 Atas Proceedings | 3931 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 20 3932 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA E CONFLITOS NO ESPAÇO AGRÁRIO BRASILEIRO1 Indira Rocha Marques – SEED-AP, Brasil, [email protected] Gilberto Marques – UFPA, Brasil, [email protected] RESUMO: Desde a segunda metade do século XX ocorreu a modernização da agricultura brasileira (elevando a produtividade) e o montante de capital investido. Mas a propriedade da terra manteve-se concentrada, gerando conflitos diversos. No início do século XXI a agricultura brasileira apresenta inúmeras tendências, entre as quais a intensificação da incorporação tecnológica e de capital. Infelizmente, permanecem velhas e surgem novas contradições. Palavras-chaves: Modernização da agricultura, conflitos, tendências. 1. Introdução O Objetivo deste trabalho é analisar o processo de modernização da agricultura brasileira e as contradições que o acompanharam, assim como apontar as principais tendências que identificamos permanecerem nestas primeiras décadas do século XXI. O ponto de partida é a discussão da industrialização nacional e sua relação com o espaço agrário. A seção seguinte aborda a estrutura agrária brasileira e modernização do campo. Finalmente, levantamos as tendências em curso que estamos observando. Não temos a pretensão de apresentar esta discussão como acabada, ao contrário. 2. Espaço agrário e industrialização brasileira O Brasil manteve-se, essencialmente, como um país agrário-exportador até os anos 1930, pelo menos – o que se refletia inclusive na distribuição do poder, concentrado nas oligarquias. Mas mudanças importantes já estavam em processo. Desde o final do século XIX o Brasil iniciava um processo de industrialização, que se intensificou na década de 1930 e que foi definido por Mello (1998) como industrialização restringida, porque se concentrava na produção de bens de consumo imediato, não atingindo a indústria pesada, produtora de meios de produção (bens de capital). Apesar disso, este movimento foi muito intenso e apoiado pelo Estado brasileiro sob os dois governos Vargas, conformando o processo de industrialização por substituição de importações e o próprio Estado desenvolvimentista.2 A industrialização nacional, fortemente intensificada a partir dos anos 1930, foi acompanhada do intenso processo de urbanização nacional, com significativo crescimento 1 Este trabalho tem uma versão preliminar com o título Espaço agrário e tendências do campo no Brasil. Segundo Draibe (1985), o Estado brasileiro conformou um projeto para o futuro, extrapolando o estreito horizonte imediato das classes sociais de então. Além da economia, regulou relações sociais e se manifestou como executivo forte e aparelho burocrático-administrativo complexo e moderno - regulando relações econômicas de classe e materializando em sua estrutura burocrático-institucional este conflito. 2 1 Atas Proceedings | 3933 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural populacional urbano, fosse por conta de um crescimento vegetativo, fosse pelo expressivo êxodo rural. Gráfico: evolução proporcional da população rural e urbana no Brasil, 1940-2000 Fonte: IBGE – Censos Demográficos. Elaboração dos autores. Já em processo de urbanização, em 1940 quase 70% dos brasileiros ainda estavam no campo. A transição demográfica rural-urbana brasileira ocorre durante os anos 1960, de modo que em 1970 a população urbana totalizava 52.904.744 pessoas (56% do total), contra 41.603.839 (44% restantes) habitantes da zona rural. Mas chama atenção que nas regiões e estados onde a industrialização era mais acelerada a urbanização também ocorria mais rapidamente. Em 1960 a região Sudeste já contava com 57,4% residindo nas áreas urbanas, contra 35,5% do Norte do país. São Paulo concentrava este percentual em 62,8% e o Rio de Janeiro 79%. Na segunda metade da década de 1950, durante o governo Juscelino Kubitschek, inicia-se um novo momento da industrialização nacional, com a tentativa de implantação do departamento produtor de meios de produção, particularmente a indústria pesada, produtora de matérias-primas elaboradas (aço, por exemplo), energia, petróleo, máquinas e química, entre outros (MELLO, 1998; LAFER, 2002). A intenção não se efetivou na integridade, mas representou um avanço importante no desenvolvimento da economia nacional, entre os quais a formação do setor produtor de bens de consumo duráveis, cujos exemplos destacados são os eletrodomésticos e os automóveis. A industrialização brasileira significou não apenas o estabelecimento da hegemonia da burguesia industrial, mas, especificamente, da burguesia industrial do Sudeste. Quando um setor do capital se desenvolveu, estabelecendo sua hegemonia sobre outras regiões, impôs-se a necessidade de integrar territorialmente o país, o que Oliveira (1978) chamou de divisão regional do trabalho nacional, constituindo uma economia nacional regionalmente localizada (OLIVEIRA E REICHSTUL, 1980). Desta forma, a integração nacional foi um momento da nacionalização do capital.3 3 Com a industrialização novas exigências se impõem ao Estado brasileiro. Para além de políticas setoriais, tinhase agora que garantir a própria reprodução ampliada de capital. Até então a máquina burocrático-institucional vivia entre tradicionalismo-clientelismo e modernização. Agora as exigências da modernização ficavam mais acentuadas: a urbanização levava a população a exigir serviços e mais participação política; a ampliação da 2 3934 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 Junto à industrialização ocorre a centralização de poder no Executivo federal e na burguesia industrial. Apesar disso, não se processou uma ruptura completa com os “pólos oligárquicos”. O Estado Novo (1937) representou a consolidação da burguesia no poder, mas em associação aos latifundiários e velhos grupos comerciais. Igualmente pensa Francisco de Oliveira (1988) que afirma que na revolução burguesa brasileira a substituição dos proprietários rurais no poder pela burguesia industrial (a qual buscava sustentação nos trabalhadores) não exigiu uma ruptura total do sistema, se conformando um pacto estrutural entre as classes que sequer excluiu totalmente os proprietários rurais da estrutura de poder ou dos ganhos do desenvolvimento capitalista, possibilitando inclusive a reprodução de relações não-capitalistas na agricultura. A economia agroexportadora deixou de impor sua dinâmica e forma de reprodução ao conjunto da economia, mas esta subordinação foi suficientemente elástica para garantir a reprodução da burguesia agroexportadora – entre outras coisas porque se necessitava das divisas deste setor para a importação de bens necessários à produção industrial (OLIVEIRA, 1978). Há uma complementaridade entre a burguesia industrial e a burguesia agroexportadora expressa de diversas formas:4 geração de excedentes e divisas cambiais pelo setor agroexportador e drenados para a indústria (via setor bancário, por exemplo). Outra forma era quando a renda do setor agroexportador caía e a indústria o abastecia com os bens de consumo de que não estava conseguindo importar. Porém, esta complementaridade não está isenta de contradições. Em alguns momentos esteve fortemente abalada, pois com a industrialização a burguesia industrial tendeu à autonomia e a choques com a oligarquia. Para Marini (2000) e Oliveira (1988) estas contradições podem ser encontradas nos governos, e nas suas crises, de Vargas (1951-1954), Quadros (1961) e no período presidencialista de Goulart (1963-1964). O acelerado processo de industrialização ocorria em meio a contradições. A Comissão Econômica Para a América Latina (CEPAL), cujo um dos expoentes foi Celso Furtado, defendia a industrialização como forma de superar o subdesenvolvimento dos países latinoamericanos. Em termos práticos, a industrialização era tomada como sinônimo de progresso, de desenvolvimento. Os indicadores econômicos cresceram bastante, mas as contradições sociais também, entre as quais a concentração de renda. Esta constatação levou a Cepal a defender reformas, entre as quais a reforma agrária.5 A modernização da economia nacional não atingia por igual todas as regiões e setores econômicos. A agricultura ficava para trás e mantinha uma estrutura da propriedade muito concentradora, o que gerava conflitos crescentes, produzindo movimentos sociais que produção exigia investimentos significativamente maiores e o mercado de trabalho se tornava mais complexo, etc. 4 Complementaridade que ajuda a entender as dificuldades de realização da reforma agrária no país. 5 A defesa da reforma agrária se sustentava, entre outros, no diagnóstico de que o setor era atrasado, impondo dificuldades à industrialização e ao crescimento econômico do país. Esta análise esteve inclusive no governo João Goulart e em setores componentes do primeiro governo militar inaugurado em 1964. 3 Atas Proceedings | 3935 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural defendiam a luta dos pequenos produtores/trabalhadores rurais. A estrutura concentrada da propriedade, o grau de exploração da força de trabalho e os conflitos instigam o debate sobre a reforma agrária e o surgimento das ligas camponesas e de sindicatos de trabalhadores rurais. Em 1954 foi criada a primeira das ligas camponesas, em Pernambuco (legalizada em 1955). Elas logo se estenderam até Minas Gerais. Em 1961 mais de mil dirigentes de trabalhadores participaram do Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais em Belo Horizonte. As contradições tanto da estrutura de poder quanto da necessidade de prosseguir com a industrialização pesada e a própria acumulação ampliada do capital, frente às novas limitações que surgiam, redundaram na crise da chamada “república populista” e no golpe militar de 1964, prontamente legitimado pelo governo estadunidense. Para Cardoso (1993), o processo de acumulação precisava desarticular os instrumentos de pressão e defesa das classes populares, coisa que foi cumprida de imediato pelo golpe através dos instrumentos de repressão. Cardoso (1975) afirma que o golpe de 1964 baseou-se em setores tradicionais da classe média e em agrolatifundistas, mas estes foram paulatinamente sendo afastados do centro do poder, ganhando espaço os setores modernos.6 Dreifuss (1981), um tanto quanto diferente, nomeia os diversos setores e pessoas articuladoras do golpe, deixando clara a presença de representantes de setores industriais e bancários. Já Marini (2000) lembra que apesar da intenção do governo em estimular a indústria de bens intermediários, de consumo duráveis e de equipamentos, com o golpe se ratificou (ou se recompôs) o compromisso de 1937 (aliança) entre burguesia e oligarquia latifundiário-mercantil. 3. Estrutura agrária e modernização da agricultura Com a ditadura militar, o Governo Castelo Branco lança o Programa de Ação Econômica do Governo (1964-1966) que mantém o diagnóstico sobre agricultura como um setor retardatário e de baixa produtividade, responsável por contínuas crises de abastecimento. Tal qual no diagnóstico anterior, a incapacidade de modernização da agricultura comprometia as possibilidades de crescimento da economia como um todo. A possibilidade de alguma reforma agrária, presente em alguns setores governamentais, foi paulatina e rapidamente descartada a favor da incorporação tecnológica como forma de superação do atraso. Os governos da ditadura militar, a partir de créditos subsidiados e outros mecanismos, impulsionaram a modernização da agricultura brasileira, mas ela se processou de modo conservador: modernizaram as bases técnicas, mas mantiveram a estrutura conservadora da propriedade, tendo como resultado, entre outros, concentração de renda, êxodo e pobreza. 6 Com o novo regime (1964), ainda segundo Cardoso (1993), o eixo hegemônico do sistema de poder e a base dinâmica da economia foram modificados, ganhando destaque particularmente os setores ligados ou diretamente representantes do capitalismo internacional. Também se destacaram os militares e a tecnocracia. Perderam poder os representantes das classes que sustentavam o antigo regime, a burocracia tradicional e os setores agrários tradicionais que não conseguiram se adequar às mudanças em curso. Além disso, o dinamismo econômico que se abriria criaria perspectivas de incorporação dos estratos da classe média mais modernos e próximos da burguesia. 4 3936 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 A alteração da base técnica da agricultura, associada e articulada à indústria produtora de insumos e bens de capital para a agricultura, e por outro, à indústria processadora de produtos naturais, levou à conformação do que alguns definiram como complexo agroindustrial (CAI) e outros como industrialização da agricultura. Foi um processo de integração e dependência da agricultura em relação à indústria. Por isso ela se tornou dependente, num dos lados, da indústria fornecedora de máquinas e insumos e, do outro lado, da indústria processadora dos produtos agrícolas. A partir de então, não se pode mais analisar a agricultura por ela somente (autônoma em si), desvinculada da indústria. Para Fabrini (2008), a transformação da base técnica da produção agropecuária marca a passagem de uma agricultura dependente das condições naturais para a agricultura industrializada, cada vez mais dependente da indústria (FABRINI, 2008) - acrescentamos nós: mais vinculada e dependente do capital financeiroindustrial monopolista nacional e estrangeiro. Na segunda metade da década de 1970 a agricultura consolidou um padrão de modernização e inserção internacional apoiado na expansão do crédito subsidiado à obtenção de insumos modernos que tinham sua oferta ampliada e internalizada no bojo do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND). Apesar da permanência de muitas contradições, a modernização da agricultura brasileira demonstrou que ela poderia ser inovada tecnicamente, aumentando sua produtividade, se incorporando aos circuitos do capital financeiro-produtivo, sem que necessariamente tivesse que antecipadamente ocorrer uma reforma agrária de fato. Ainda que com alguns pontos de tensão, isso acabou reforçando os laços entre setores dominantes urbanos e agrários, muitas vezes constituídos como um mesmo proprietário. A modernização de que falamos pode ser analisada também a partir do processo que Milton Santos (2005) denomina de meio técnico-científico-informacional, onde ciência e tecnologia ganham maior presença na organização do espaço – neste caso, mesmo na agricultura/campo brasileiro.7 Mas os anos 1970 foram marcados pelo fim do milagre econômico brasileiro, crise internacional e crise da economia nacional, com crescente endividamento externo (trazendo consigo enormes dificuldades ao país para acumular divisas internacionais para saldar seus compromissos externos – chamado de estrangulamento cambial). O II PND é um reflexo destes elementos e da opção do governo militar de enfrentar a crise com a tentativa de completar a industrialização pesada do país – uma das razões explicativas da decisão de implantar os grandes projetos energético-minerais na Amazônia. 7 Os últimos séculos marcam, para a atividade agrícola, com a humanização e mecanização do espaço agrícola, uma considerável mudança de qualidade, chegando-se, recentemente, à constituição de um meio geográfico a que podemos chamar de meio técnico-científico-informacional, característico não apenas da vida urbana mas também do mundo rural, tanto nos países avançados como nas regiões mais desenvolvidas dos países pobres. É desse modo que se instala uma agricultura propriamente científica, responsável por mudanças profundas quanto à produção agrícola e quanto à vida de relações. Podemos agora falar de uma agricultura científica globalizada [...] Nas áreas onde essa agricultura científica globalizada se instala, verifica-se uma importante demanda de bens científicos (sementes, inseticidas, fertilizantes, corretivos) e, também, de assistência técnica (SANTOS, 2001, p. 88). 5 Atas Proceedings | 3937 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural O governo federal passou a apoiar os setores exportadores, entre os quais a agricultura – ainda que esta não fosse prioritária ela soube aproveitar as brechas da política estatal de incentivos para acessar o mercado internacional, o que era um elemento a mais de estimulo à industrialização e modernização do setor. Para isso, contribuiu a subida dos preços agrícolas no mercado internacional. Na efetivação da modernização o Estado desempenhou papel de destaque. Fez isso através dos créditos subsidiados, incentivos fiscais, obras infraestuturais, pesquisa e desenvolvimento de novas espécies, entre outros. Analisando o complexo agroindustrial, Bernardo Sorj (In GONÇALVES NETO, 1995, p. 107-108) afirma que o Estado torna-se o “agente incentivador da produção e da produtividade, já que com suas políticas promove a modernização da agricultura, incrementando consequentemente a produção industrial do setor de insumos e de transformação de produtos agrícolas, encaminhando a acumulação, preponderantemente para o pólo industrial”. Diante da disputa de capitais urbano-industriais e agrícolas, o Estado desenvolve políticas que aprofundam o processo de acumulação (crédito subsidiado, por exemplo), “acessando o lucro médio à agricultura sem afetar a fatia dos interesses industriais. No nível da predominância econômica e das decisões, a agricultura permanece em posição subordinada em relação ao setor não-agrário, mas garante a realização do capital. A acumulação, ainda que subordinada, ocorrerá” (GONÇALVES NETO, 1995, p. 112). Palmeira e Leite (1998) afirmam que o lugar estratégico destinado à especulação financeira e à exportação agropecuária/agroindustrial como fonte de divisas estrangeiras no modelo de desenvolvimento da ditadura militar foi fundamental à escolha de se processar a modernização conservadora. A intervenção estatal neste processo passa, então, por três instrumentos básicos: 1) principalmente pelos créditos subsidiados, que são concentrados em um pequeno número de “grandes tomadores”; 2) incentivos fiscais às atividades agropecuárias e correlatas, principalmente na Amazônia e Nordeste; 3) A política de terras públicas com enorme transferência destas a particulares, principalmente na Amazônia Legal. Além destes elementos, outras políticas também atingiram o setor agrícola/agrário como a construção de grandes obras públicas (hidrelétricas, açudes, estradas...) que acabaram por estimular a especulação fundiária. Desta forma, a “modernização” beneficiou não apenas os latifundiários tradicionais, mas atraiu outros setores e capitais (de origens diversas) para investimentos e, principalmente, especulação, formando-se uma coalizão de interesses em torno da terra (como negócio) incrustada na própria máquina estatal. Assim, a modernização elevou o peso político tanto dos proprietários modernos como dos tradicionais. Na medida em que a modernização da agricultura reforçava o caráter conservador e concentrador da propriedade, tensões e conflitos sociais no campo se reproduziam crescentemente, ainda que os governos militares buscassem evitá-los por meio da repressão à organização social dos trabalhadores rurais. Apesar da intenção de eliminá-los diversos movimentos sociais permaneceram no campo e outros mais surgiram. Destacamos o 6 3938 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 sindicalismo rural e, posteriormente, as reivindicações de assalariados rurais (destacadamente os bóias-frias), indígenas, seringueiros, sem-terras, entre outros. Dada a tensão fundiária no Sul/Sudeste e no Nordeste o governo militar passou a transferir grandes levas de imigrantes (principalmente nordestinos, mas também sulistas) para a Amazônia - que seria uma “terra sem homens”, um “espaço vazio”, reestruturando profundamente o espaço regional. Esse era um dos sentidos da construção da rodovia Transamazônica nos anos 1970. Essa política logo se mostrou bastante limitada porque o projeto verdadeiro era apoiar a grande propriedade agropecuária.8 Isso pode ser comprovado no levantamento de Martins sobre a ocupação das terras novas das zonas pioneiras do país, da qual se destaca a Amazônia: Entre 1950 e 1960, 80,6% dessas terras foram ocupadas por estabelecimentos agrícolas que tinham no máximo 100 ha e apenas 15,4% o foram por estabelecimentos com mais de 100 ha. Entre 1960 e 1970, quando já tinha vigência o Estatuto da Terra e já estava em prática a política de incentivos fiscais para o desenvolvimento da Amazônia, 35,3% dessa terra foram incorporados por estabelecimentos com menos de 100 ha e 64,7% por estabelecimentos com mais de 100 ha. Finalmente, em 1975, apenas 0,2% das terras novas foram para estabelecimentos com menos de 100 ha, enquanto que 99,8% foram para estabelecimentos com mais de ha (sendo que 75% dessa terra foi ocupada por estabelecimentos com mais de 1.000 ha) (MARTINS, 1995, p. 97). Além de não eliminar os conflitos em suas regiões de origem, essa ação ainda reproduziu estes tensionamentos na Amazônia, pois antigos pequenos proprietários locais e posseiros imigrantes passavam a enfrentar o grande proprietário local ou oriundo de outras regiões (MARQUES, 2007; MARTINS, 1995). O suposto “espaço vazio” mostrou-se ser um espaço do conflito – justamente porque, concordando com Milton Santos (1980), ele é uma construção social e neste caso as políticas adotadas levaram ao agravamento do tensionamento entre os diversos segmentos sociais que se assentavam no espaço amazônico. A figura do posseiro se destaca no caso brasileiro e, particularmente, amazônico, porque, ao mesmo tempo em que foi funcional à expansão do capital sobre novos territórios (pois era quem primeiro chegava e abria novas áreas de terra sobre florestas e outros ecossistemas), também era um elemento de tensionamento contra este próprio capital, que o buscava expulsar justamente para garantir sua expansão. O posseiro, entretanto, é produto das próprias contradições do capital. A funcionalidade de sua existência se desenvolve porque está inserida por relações dominadas pelo capital e não porque esteja nos cálculos do capitalista. A mesma sociedade que dele se beneficia o quer destruir. A expansão do capital se faz preferencialmente sobre terras ocupadas por posseiros, através da expropriação e da expulsão. A presença do posseiro nesta sociedade compromete um de seus requisitos fundamentais, que é o da propriedade capitalista (MARTINS, 1995, p. 116). 8 Neste sentido, Oliveira (2005a, p. 73) afirma “que o território capitalista na Amazônia foi estabelecido sob a lógica dos monopólios, produzindo frações territoriais, regiões distintas na Amazônia brasileira. O norte matogrossense é exemplo dessa diferença histórica. Cada parte daquela imensa região teve ou ainda tem „dono‟: Sinop é de Ênio Pipino; alta Floresta, de Ariosto da Riva; Matupá, dos Ometto; Juará, de Zé Paraná, etc.”. 7 Atas Proceedings | 3939 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural As transformações que se processavam na sociedade e na agropecuária brasileira provocavam outras consequências. Ocorreu uma violenta migração rural para as cidades (provocada por vários fatores) e uma reformulação da mão-de-obra restante no interior das propriedades com eliminação de algumas formas até então presentes e expansão do trabalho assalariado. Diante deste quadro, Gonçalves Neto (1996, p. 109) conclui que “restou às pequenas propriedades a possibilidade da subordinação ao capital industrial, a marginalização, o esfacelamento ou a venda e migração para os centros urbanos”. Estas rápidas transformações redundaram em fortes e diversos conflitos, sejam no campo, sejam nas cidades. Refletindo sobre o êxodo rural em meio à modernização da agricultura, Palmeira e Leite (1998) afirmam que o que há de novo neste êxodo é menos o despojamento dos trabalhadores rurais de seus meios de produção (pois em certo sentido já o haviam sido expropriados), mas sim de sua expropriação de relações sociais por eles vividas. Diferente do passado, o trabalhador expulso de uma propriedade, grosso modo, não consegue em outra propriedade reproduzir as relações que mantinha na anterior. Este processo, não significa, necessariamente, a proletarização deste trabalhador. Ariovaldo de Oliveira não nega a existência desse processo que expulsa o trabalhador do campo, mas problematiza esta análise de modo a compreender que o processo de desenvolvimento capitalista brasileiro também cria elementos que permitem reprodução de formas de trabalho camponês no país. Segundo este autor, o campo brasileiro, sob a lógica capitalista de produção, industrializou-se, mas contraditoriamente houve a expansão da agricultura camponesa. Assim, o capital monopolista desenvolveu liames para subordinar/apropriar-se da renda da terra camponesa, transformando-a em capital. Aqui o capital não se territorializa, mas monopoliza o território marcado pela agriculta camponesa [...]. Portanto, o capital não expande de forma absoluta o trabalho assalariado, sua relação de trabalho típica, por todo canto e lugar, destruindo de forma total e absoluta o trabalho familiar camponês. Ao contrário, ele (o capital) cria, recria o trabalho familiar camponês para que a produção do capital seja possível e, com ela, a acumulação possa aumentar. Assim, esse processo contraditório de desenvolvimento do capitalismo no campo gera ao mesmo tempo a expansão do trabalho assalariado nas grandes e medias propriedades e o trabalho familiar camponês nas pequenas propriedades ou estabelecimentos (OLIVEIRA, 2005b, p. 76, 80-81).9 9 Ainda segundo Oliveira, uma forte característica da estrutura agrária brasileira no século XX foi a expansão de relações não-capitalistas de produção, como é o caso do aumento do número de posseiros entre 1970 e 1985 (mais de 30%), de modo que se presencia no campo brasileiro o aumento do trabalho assalariado (em propriedades com mais de 1.000 ha) e do trabalho familiar camponês (em propriedades com menos de 100 ha). Ocorre, então, um processo de crescimento, ao mesmo tempo, da área ocupada pelo latifúndio e da ocupada pelos camponeses. Por outro lado, Martins (1995, p. 98) constata que “em 1950, 80,8% dos estabelecimentos rurais do país eram de proprietários de terras e 19,2% eram de não-proprietários (arrendatários, parceiros e posseiros); em 1975, os estabelecimentos de proprietários haviam sido reduzidos a 61,9% do total e os de nãoproprietários haviam subido para 38,1%. [...] Essas alterações estão profundamente influenciadas pelo crescimento do número de posseiros, agricultores sem título de propriedade que ocupam terras devolutas ou aparentemente sem donos e que, sobretudo na década de 70, deslocaram-se para a região amazônica e do CentroOeste”. 8 3940 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 A crise econômica nacional iniciada nos anos 1970 foi fortemente intensificada nos anos 1980 e se transformou em crise do próprio Estado desenvolvimentista. A capacidade de investimento foi afetada. Ocorreu redução dos investimentos e subsídios governamentais, mas o setor agrícola conseguiu desenvolver mecanismos de acesso ao crédito razoavelmente facilitado. Ademais, as desvalorizações cambiais estimulavam o setor exportador, incluindo o agrícola. Mesmo com os problemas, na década de 1980, com exceção das safras agrícolas de 1982/83 e 1985/86, que enfrentaram fortes adversidades climáticas, o PIB agropecuário ainda apresentou desempenho melhor que na década anterior. E isto ocorreu em meio à brutal restrição dos volumes de crédito, como também do crescimento de seus encargos financeiros. Como o índice relativo à área colhida nos mostra que a expansão territorial foi pequena, a explicação para o bom desempenho da produção agropecuária deve ser buscada na evolução dos rendimentos físicos (produtividade da terra10) (SILVA, 1996). Apesar do desempenho altamente favorável do setor agropecuário, Graziano da Silva (1996, p. 129-130) constatou que a participação agropecuária no PIB total decresceu significativamente durante a década de 198011. Assim, “não se trata, portanto, de uma reedição de um „modelo de crescimento assentado no setor agrícola‟, como poderiam pensar alguns saudosistas, mas da abertura para o exterior de uma agricultura que se industrializa, ou melhor, dos complexos agroindustriais brasileiros”. Os produtos (primários e industrializados) do setor agropecuário representavam, no início dos anos 1970, cerca de 75% do valor das exportações brasileiras. Este valor foi reduzido à cerca de 45% no início da década de 1980. Ao final desta, esta participação era de próxima a 30%. As próprias exportações caíram de pouco mais de 20% na primeira metade dos anos 1980 para algo entre 15% e 18% na segunda parte desta década. Esta situação teria sido produto da desvalorização das commodities tradicionais no mercado internacional. O crescimento da produção agrícola nacional presente nos anos 1970-1980 foi bastante diferente entre as regiões. Mesmo a modernização tendo atingido as regiões mais “atrasadas”, como Norte e Nordeste, a “produção agrícola relevante” concentrou-se ainda mais no SulSudeste do país, consolidando os desequilíbrios presentes no setor agrário brasileiro.12 Assim, a modernização da agricultura-agropecuária brasileira ficou concentrada principalmente em poucas regiões, mas isso não significa que outras regiões estivessem inertes. A Amazônia e, 10 Não entender isso como simples qualidades do solo, mas principalmente como e com que se explora a terra. A relação entre PIB agropecuário e PIB total mantida em torno de 10% até 1986, caí para menos de 7% ao final desta década. 12 O desenvolvimento capitalista ocorre de forma desigual e contraditória. “é fundamental explicar que o capital não transforma de uma só vez todas as formas de produção em produção ditadas pelo lucro capitalista”. Os dados sobre o uso desigual de máquinas e fertilizantes pelas diversas propriedades mostram que a modernização da agricultura brasileira não se generalizou por todo o campo do país. “Esses dados não revelam a generalização sumária do progresso técnico por todo o campo, mas, sim, sua concentração, quer espacial, quer setorial. Como podemos observar, então, a concentração da propriedade da terra no fundo se reflete na estrutura do consumo produtivo, e os dados médios do país estão longe de indicar disseminação generalizada desse consumo produtivo” (OLIVERIA, 2005b, p. 77 e 79). 11 9 Atas Proceedings | 3941 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural em destaque, o Centro-Oeste já recebiam grandes novos proprietários, onde parte desses não estava interessada simplesmente em especular em torno da terra, mas de encontrar a terra para expandir seus negócios agrícolas-agropecuários. Era o caso, por exemplo, dos produtores de soja que migravam do Sul em busca de maiores extensões de terra para aumentar a produção. Do ponto de vista social, constatamos que o processo de modernização da agricultura, incluindo a década de 1980, concentrou a renda no espaço rural, aumentando a proporção de pobres - tornando estes relativamente mais pobres ainda. Isso produziu maiores tensões no campo e pressão pela realização da reforma agrária. Funda-se o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outros movimentos de trabalhadores no campo. Os proprietários também se organizaram mais ainda, criando a União Democrática Ruralista (UDR), reprimindo trabalhadores no campo, pressionando governos, fazendo ações nas cidades e elegendo parlamentares. A possibilidade de “democratização” da propriedade, alimentada em torno do Programa Nacional de Reforma Agrária, fracassou, levando o Governo Sarney a inflar os dados para esconder seu desempenho negativo. Estas disputas estiveram presentes também nos debates da Constituinte de 1988, tendo como resultado a aprovação de uma legislação muito aquém da necessidade de realização da reforma agrária. Desta forma, a modernização (e as políticas adotadas) reforçou seu caráter excludente e conservador. A crise econômica nacional e a hegemonia do neoliberalismo no cenário latinoamericano levaram o governo brasileiro a adotar políticas de reforma do Estado (procurando conformar o que chamavam de Estado mínimo) e maior abertura da economia ao capital internacional – o que em alguns casos significou desnacionalização de indústrias locais. Para combater a inflação o governo abandonou as políticas desenvolvimentistas (planejamento de médio e longo prazos) em função da busca da estabilidade da moeda (curto prazo). Leite (2001, p. 89-90) pontua algumas observações deste período. (1) A ação governamental se deslocou da oferta de crédito ao financiamento para a comercialização e aquisição de produtos. Em determinado momento houve recuo governamental na formação de estoques e comprometimento da eficiência da política de preços. Observa-se ainda a submissão da política de financiamento agrícola às políticas macroeconômicas (cambial e monetária principalmente); 2) emergem e se intensificam relações intersetoriais entre agricultura e indústria, consolidando um novo padrão agrícola/agrário, de modo que a perda de importância da política de crédito rural “pode ter sido compensada pelo financiamento agroindustrial, impactando diretamente a organização política dos produtores deste novo „macro-setor‟”; 3) surgimento de novos instrumentos de financiamento agropecuário, principalmente relacionados a lançamentos de títulos e obtenção de recursos por meio de bolsa. Estes elementos contribuem para o estreitamento da atividade rural à crônica instabilidade financeira. A maior abertura da economia nacional e os mecanismos de estímulo à produção agropecuária, contando, inclusive, com crédito estatal, possibilitaram o aumento da presença do capital estrangeiro na agricultura brasileira: Bunge, Cargill, ADM, entre outras 10 3942 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 multinacionais expandiram suas participações no setor. Junto a isso, houve, e permanentemente continua ocorrendo, forte incorporação de capital e tecnologia em culturas destinadas ao mercado internacional e à produção agrícola destinada não à produção de alimentos, mas de matérias-primas. Desenvolve-se, então, uma agricultura altamente mecanizada, usuária de pacotes tecnológicos modernos, produção em larga escala, maior concentração de capital (além da incorporação do capital financeiro), parcela significativa destina-se à exportação, etc. Como resultado imediato tem-se o aumento de produtividade. Isso conformou o que se chama de agronegócio, que paulatinamente ganha mais importância do cenário nacional. Com o agronegócio aprofunda-se a integração entre agricultura, indústria, bancos e complexos de comercialização. A financeirização, fenômeno muito forte na economia contemporânea, também se estende ao capital presente na agropecuária. Assim, a relação entre agricultura e capital industrial/agrícola e financeiro é intensificada tendo como um dos resultados mais visíveis a internacionalização dos destinos da produção, ou seja, produz-se de olho no mercado externo - ou no mercado interno quando este se mostrar mais rentável. Há também maior subordinação de outros setores (como é o caso de parte da agricultura familiar) ao capital. Mas isso não significa que a agricultura familiar tenha se tornado agronegócio, como o querem fazer crer determinados discursos. Ainda que alguns pequenos agricultores consigam colocar parte de sua produção no mercado internacional, isso não é a regran nem tampouco há uma integração de capital como se vê na grande produção. Grosso modo, estes produtores ou estão produzindo para mercados locais (incluindo a autosubsistência) ou estão subordinados aos esquemas de reprodução de grandes capitais, que se alimentam desta relação garantindo sua reprodução em escala ampliada. Assim, Na agricultura, o capital ora controla a circulação subordinando a produção, ora se instala na produção subordinando a circulação. Aliás, uma engendra a outra. Como conseqüência desse movimento contraditório, temos o monopólio do capital ora na produção, ora na circulação. Esse processo contraditório de desenvolvimento da agricultura ocorre nas formas articuladas pelos próprios capitalistas, que se utilizam de relações de trabalho familiares para não terem que investir na contratação de mão-de-obra assalariada, uma parte de seu capital. Ao mesmo tempo, utilizando-se dessa relação sem remunerá-la, recebem uma parte do fruto do trabalho dos camponeses proprietários, parceiros, rendeiros ou posseiros, convertendo-o em mercadoria e, ao vendê-la, convertem-na em dinheiro. Assim, transformam, realizam a metamorfose da renda da terra em capital. Esse processo nada mais é do que o processo de produção do capital, que se faz por meio de relações não capitalistas (OLIVEIRA, 2005b, p. 80). A política recessiva do governo Fernando Henrique Cardoso impunha dificuldades à economia brasileira. A busca de mercados estrangeiros para realizar mercadorias produzidas no país e obter saldos na balança comercial encontrou na agricultura/agropecuária um dos setores que melhor poderiam dar respostas de imediato. Com isso, esses produtores receberam incentivos para acessar mais intensamente o mercado internacional, ainda que grande parte desta produção seja feita justamente por capitais multinacionais – ou a eles associados. Gado, aves, soja e biocombustíveis são exemplos do que estamos afirmando. 11 Atas Proceedings | 3943 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural A política adotada nos anos 1990 não apenas se manteve como vem sendo aprofundada nos governos do início do novo século. Citamos como exemplo o apoio do BNDES aos grandes frigoríficos nacionais para que se expandam internacionalmente, comprando plantas em outros países, cujo objetivo é colocar e manter o Brasil na liderança mundial do comércio de carnes. Em 2009 de toda a linha de crédito industrial do banco, metade foi destinada aos grandes frigoríficos. Isso de destina também a estimular a aquisição e fusão de empresas que já atuam no mercado brasileiro, promovendo a acumulação/concentração de capital no geral e a sua centralização em particular. Sadia e Perdigão se fundiram apoiados pelo governo brasileiro para conformar uma das maiores processadoras e comerciantes de aves (e outros produtos) do mundo. Em junho de 2013 o grupo JBS comprou a Seara e Zenda do grupo Mafrig por 5,85 bilhões de reais. A Seara, por sua vez, já havia sido adquirida anteriormente pelo Mafrig da Cargill no processo de aquisição de várias plantas para sua expansão. Muito grande e agressivo no mercado bovino, o JBS, com esta aquisição, espera se tornar o líder mundial no comércio de aves, tendo uma capacidade diária de abate de 12 milhões de aves. O BNDES, acionista do JBS e de outros frigoríficos, detém 19,6% do capital da Mafrig (2013). Na medida em que se torna proprietário, consolida-se uma permanente linha de crédito especial para estes empreendimentos. Ocorrem, então, mudanças espaciais (uma reordenação territorial) na agricultura/agropecuária brasileira. O aumento da produção e da área cultivada para o mercado internacional e para a conformação de matérias-primas levou à migração de algumas culturas do Sul/Sudeste para outras regiões. Isso aconteceu, por exemplo, com o aumento da área cultivada de cana-de-açúcar em São Paulo, avançando sobre áreas até então destinadas a outros produtos. Centro-Oeste e Amazônia têm abrigado novos produtores de grãos (soja, por exemplo) e gado, que se somam aos já presentes – além da forte expansão do cultivo de dendê no Pará para produzir biodiesel. Segundo Oliveira (2005a, p. 140), foram criados cinquenta novos municípios no Mato Grosso na última década do século XX. Toda a estrutura territorial do Estado está sofrendo ações de processos diferenciados. A expansão da soja no cerrado é o elemento mais econômico dinâmico na atualidade” – ao qual acrescentamos o gado e outros grãos. Para Júlia Adão Bernardes (2008), as mudanças em curso relacionam-se com a acumulação de capital, impactando o espaço (com novas hierarquias entre capitais e lugares) e abrindo a possibilidade de uma nova divisão territorial do trabalho no Brasil. A nova concentração do capital nas novas cadeias produtivas resulta no processo de concentração e centralização do capital, o que implica em substanciais níveis de investimentos, centralizando-se a economia em menor número de empresas, levando ao aumento do monopólio. Além da alteração do desenho espacial da produção, antes distribuída grosso modo em linha, ao longo dos grandes eixos de escoamento, há também agora as ilhas de produção, levando as novas proporções do capital à instauração de novas de relações entre empresas e de interações entre lugares, estabelecendo-se novas hierarquias entre os distintos capitais e lugares. As alterações nos espaços produtivos acarretam alterações na esfera de circulação, o que faz emergir um espaço organizado totalmente em rede, diluindo-se a rigidez 12 3944 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 das fronteiras entre os municípios, possibilitando a fluidez e maior mobilidade do capital” (BERNADES, 2008, p. 259).13 A reordenação territorial provoca alterações na relação campo-cidade. O processo contraditório e desigual do desenvolvimento da agricultura, sobretudo pela via da industrialização, tem eliminado gradativamente a separação entre a cidade e o campo, entre o rural e o urbano, unificando-os numa unidade dialética. Isto quer dizer que campo e cidade, cidade e campo, formam uma unidade contraditória. Uma unidade em que a diferença entre os setores da atividade econômica (a agricultura, a pecuária, e outros de um lado, a indústria, o comércio, etc. do outro) vai sendo soldada pela presença na cidade, do trabalhador assalariado (bóia-fria) do campo (OLIVEIRA, 2005b, p. 103-104). A oposição campo-cidade fica mais complexa de ser identificada em fronteiras claras como anteriormente. Santos (2009, p. 74-75), apesar de destacar o termo agrícola sobre o rural, também ressalta este processo. As regiões agrícolas contém cidades e as regiões urbanas contém atividades rurais. “Teríamos, desse modo, no primeiro caso, áreas agrícolas contendo cidades adaptadas às suas demandas e, no segundo caso, áreas rurais adaptadas a demandas urbanas. [...] Não mais se trata de um Brasil das cidades oposto a um Brasil rural”. O avanço do grande capital na produção agropecuária brasileira gera mais pressões sobre o meio ambiente e sobre a legislação ambiental nacional, buscando formas de flexibilizá-la de modo a garantir maior acumulação no campo. Todo o debate sobre a reforma do Código Florestal Brasileiro, muito tensionada no Congresso Nacional em 2011 a 2013 é um exemplo disso. Indústria e agricultura estão mais integradas, entre outros motivos porque o capitalista também se tornou proprietário de terra14 e desenvolve mecanismo de sujeição da agricultura familiar, que, em certos casos, produzem exclusivamente para indústria. Na produção de álcool, por exemplo, capitalista industrial, proprietário de terra e capitalista agrícola são a mesma pessoa, explorando o bóia-fria assalariado da cidade. Já no caso da indústria de fumo, o capitalista industrial subjuga o produtor direto (trabalhador e proprietário de terra) que lhe produz a matéria-prima. O que esses processos contraditórios de desenvolvimento do capitalismo no campo revelam é que, no primeiro caso, o capital territorializa-se. Trata-se, portando do processo de territorialização do capital monopolista na agricultura. No segundo caso, esse processo contraditório revela que o capital monopoliza o território sem territorializar-se. Trata-se, pois, do processo de monopolização do território pelo capital monopolista (OLIVEIRA, 2005b, p. 105-106). 13 Simultaneamente à produção dos modernos espaços das cadeias produtivas reformulam-se os espaços urbanos, que passam por novas funções, associadas à gestão das novas necessidades da produção, da comercialização e da circulação, assim como dos sistemas de comunicação e fluxos de informações que possibilitam a redução do tempo e redefinem a espacialidade dos circuitos de produção. Esses espaços urbanos já nasceram sob o signo do controle e da apropriação privada dos espaços públicos, no contexto dos processos de colonização privada. Isso significa a produção estratégica da escassez do solo urbano, uma vez que as referidas colonizadoras continuam retendo e controlando o estoque de terras rurais e urbanas” (BERNARDES, 2008, p. 263). 14 No caso brasileiro essa relação já vem de longa data. 13 Atas Proceedings | 3945 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural No primeiro caso, o camponês é expulso para a cidade, ainda que para ser bóia-fria. Instala-se o processo especificamente capitalista, com reprodução ampliada e com o capitalista-latifundiário se apropriando do lucro industrial, agrícola e da renda da terra. Instala-se a grande monocultura. No segundo caso, o capital, monopolizando o território, cria e redefine as relações de produção familiar, possibilitando com que ela se desenvolva, assim como o “campesinato” como classe social. O capital cria, então, condições para que a produção familiar produza matérias-primas para a indústria ou consuma os produtos industriais no campo (ração, por exemplo). Esse processo demonstra “que o capital sujeitou a renda da terra produzida pelos camponeses à sua lógica”, transformando a renda da terra em capital. Assim, se apresenta o processo de produção de capital, que “nunca é produzido por relações tipicamente capitalista” (OLIVEIRA, 2005b, p. 106).15 Assim, como ocorrera anteriormente, as mudanças em curso não acontecem sem contradições: manutenção da estrutura concentradora da propriedade, dos conflitos fundiários e trabalhistas, formas de trabalho degradante (próximos à escravidão), poluição de solo e água e avanço da grande produção/propriedade sobre o cerrado e a Amazônia. Alentejano (2008) afirma que as transformações com a modernização da agricultura produziram mudanças no padrão e localização da violência no campo brasileiro. De 1985 a meados da década de 1990 predomina a violência privada e localizada na Amazônia (com o Pará liderando). O pico dos conflitos foi registrado em 1987, ano do Plano Nacional de Reforma Agrária. A partir de meados dos anos 1990 ocorre o crescimento dos movimentos sociais no campo e das ocupações de terra. Como resultado, há um maior número de despejos judiciais conduzidos pelo Estado. A violência é predominantemente estatal. A ação organizada dos movimentos sociais rurais freia a ação violenta dos proprietários, mas o Estado passa a desempenhar a ação repressiva contra a luta pela terra. O Estado consolida a função de proteger a grande propriedade para o agronegócio. O crescimento das ocupações de terra, que atinge seu recorde em 1998, bem como o de despejos, cujo patamar mais elevado ocorre em 2004, revelam esse novo padrão dos conflitos no campo brasileiro, onde a ação organizada dos movimentos sociais rurais freia a ação violenta dos proprietários de terra, ao passo que o Estado passa a desempenhar papel cada vez mais ativo na repressão às lutas pela terra [...] O cruzamento de dados sobre ocupações e despejos evidencia a intrínseca associação entre Estado e agronegócio na defesa do monopólio da propriedade da terra no Brasil, uma vez que é nos estados onde o agronegócio está mais fortemente presente que se concentram os maiores índices de despejos (ALENTEJANO, 2008, p. 245 e 249). Do ponto de vista das ocupações (de terra), estas concentraram-se no Centro-Sul (49%), seguido pelo Nordeste e Amazônia, mas a política de assentamento nos governo FHC e Lula seguiram outra distribuição espacial, pois se priorizou as áreas de fronteira: Norte e Centro15 A conclusão de Ariovaldo Oliveira é que a territorialização do monopólio e a monopolização do território podem se constituir em instrumento de explicação geográfica para as transformações territoriais do campo” (OLIVEIRA, 2005b, p. 107). 14 3946 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 Oeste. Guardadas as devidas diferenças, concluímos que isso se assemelha à lógica dos governos militares: diminuir a tensão nas regiões mais conflituosas abrindo novas áreas na Amazônia e Centro-Oeste. Assim, diante das ocupações de terra no Brasil, o Estado apresenta uma dupla resposta: (1) repressão às ocupações e (2) multiplicação de assentamentos na Amazônia, “na fronteira agrícola, contribuindo para abrir ainda mais a fronteira para a expansão do agronegócio, uma vez que garante mão-de-obra e novas terras „limpas‟” (ALENTEJANO, 2008, p. 250). Deste modo, a concentração de assentamentos na Amazônia pelo governo possibilita: (1) atendimento aos interesses do agronegócio, por não desapropriar terras onde este está plenamente estabelecido, além de lhe expandir a fronteira; (2) cria mais facilidade de acesso a terra, pois nesta região as terras são mais baratas. Afora o que até aqui foi exposto, os dados revelam que tem aumentado a importância das commodities agropecuárias e minerais na economia e na pauta da balança comercial brasileira, o que leva às críticas de que estamos diante de uma reprimarização da economia nacional, ou seja, retornando ao padrão presente até os anos 1930, pelo menos, guardadas as devidas e necessárias diferenças entre os dois períodos. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, em 2011 do valor total exportado apenas 36,1% foram na forma de produtos manufaturados (industrializados), 14,1% como semimanufaturados e 47,8% como produtos básicos (minérios brutos e produtos agrícolas/agropecuários não industrializados. 4. Tendências do campo brasileiro Sem a pretensão de esgotar o tema, apontamos a seguir tendências do campo brasileiro para os próximos anos. Algumas delas já estão presentes há muito tempo. Outras apresentam elementos novos. Em geral, estão profundamente imbricadas, de modo que uma é parte de outra, ou uma estimula ao mesmo tempo em que é estimulada por uma terceira. I) Maior tecnificação da agricultura/agropecuária em determinadas produções, aumentando a produtividade, mas também as dificuldades a entrada competitiva no setor/mercado, na medida em que a maior incorporação tecnológica também exige maior volume de recursos para iniciar a produção em condições de concorrência. Isso, levará a maior concentração e centralização do capital, fazendo com que ocorra fusão de capitais, antes concorrentes – é o caso da fusão entre Sadia e Perdigão, já citada anteriormente. II) Ampliação da presença do agronegócio, se estendendo para novas regiões e territórios, assim como para setores até então não atingidos. Isso não significa a eliminação da agricultura familiar (ou das desigualdades regionais), mas sua subordinação sempre que se fizer necessária. III) Diretamente vinculada às duas primeiras tendências e decorrente seja da modernização presente desde os anos 1970, seja em função especificamente do agronegócio, cresce a importância e participação de multinacionais (e do capital financeiro) no campo brasileiro. ADM, JBS, Monsanto, etc. devem não apenas buscar ampliar sua presença como 15 Atas Proceedings | 3947 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural enfrentar a concorrência de outras mais. O esmagamento da soja do Mato Grosso (maior produtor nacional) é controlado por algumas poucas empresas, com destaque para Bunge, Cargill, ADM e Luis Dreyfuss. IV) Aprofundamento da relação entre agricultura e o capital industrial-financeiro, assim como da financeirização na agricultura, ou seja, da presença do capital originário ou reproduzido na agricultura em circuitos financeiros nacionais ou internacionais (e vice-versa), alguns dos quais com forte presença especulativa. Diante da explosão da crise internacional em 2008 a Sadia perdeu de imediato algumas centenas de milhões de reais nos títulos que havia adquirido. V) Política governamental de conformação de multinacionais de origem brasileira, estimuladas com recursos do BNDES, mas também outras de fontes e de pesquisas públicas e obras infraestruturais. Exemplo é o setor de frigoríficos (com destaque ao JBS). Isso inclui a concentração e centralização de capital, possível, entre outros, pela fusão de capitais – já citada. VI) Integração de interesses diversos conduzidos pelo Estado. Na medida em que o capital presente na agropecuária deixou de ser um capital típica e limitadamente agrário tradicional, tendo sido integrado a outras formas de capital, percebe-se a interseção de interesses em diferentes escalas. Em grande medida, eles são assimilados e regulados pelo Estado – o que não quer dizer que não ocorra tensões. A proposta governamental de construção do complexo hidrelétrico do Tapajós, na prática já iniciado, envolve interesses de vários setores: energia, indústria nacional, mineradoras e agronegócio. A construção do conjunto de hidrelétricas (que interessa à indústria instalada em outros pontos do território nacional e, especificamente, das mineradoras instaladas na Amazônia) está sendo planejado para ao mesmo tempo transformar o rio numa imensa hidrovia. Com isso a produção de grãos do Centro-Oeste poderá ser escoada para os mercados externos pelos rios Tapajós-Amazonas, reduzindo significativamente os custos. Num plano mais geral, podemos constar está coincidência de interesses na Iniciativa para a Integração da Região Sulamericana (IRSA), o que incluí inúmeras obras de logística e produção energética nos países da América do Sul. VII) Aumento da produção de produtos agrícolas como commodities e matériasprimas, e não como alimentos para o mercado consumidor interno. Exemplo é a ampliação da produção de agrocombustíveis decorrente da cana de açúcar (álcool) ou de mamona, soja e dendê (biodiesel). Atualmente o biodiesel (cuja participação composição do diesel vem sendo legal e obrigatoriamente crescente) tem na soja sua principal matéria-prima. Não por acaso o Mato Grosso abriga diversas usinas. Apesar das dificuldades a mamona também tem importante participação no Nordeste e cresce acentuadamente a área plantada com dendê (que deve se tornar futuramente a principal matéria-prima do biodiesel) no Pará para a produção deste biocombustível. Afora a agroenergia, também encontramos muitas culturas voltadas ao mercado internacional: gado em geral, aves, suco de laranja, café, soja, etc. 16 3948 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 VIII) Está ocorrendo no Brasil uma reorganização geográfica dos espaços rurais. Nos setores dominados pelo agronegócio há uma intensa incorporação tecnológica (maquinário, melhoramento genético, transgênicos, etc.) e assalariamento da força de trabalho. Este fenômeno é estimulado pelo Estado brasileiro através de pesquisas agropecuárias, obras infraestruturais, isenção e crédito subsidiado. Mas isso ocorre ainda com a permanência do trabalho precarizado, da subordinação do pequeno produtor, de formas de trabalho degradantes (escravo), da expulsão do pequeno produtor e indígenas, e da permanência do conflito e dos problemas ambientais - mesmo nos territórios hegemonizados pelo agronegócio. A Cargill se instalou em Santarém-PA, montando um terminal graneleiro na frente da cidade sem a análise ambiental devida. Atraiu produtores que passaram a adquirir (por meio de métodos diversos) terras em que a mata foi derrubada para o plantio da soja. Dada a repercussão negativa e a ação dos movimentos sociais, ela teve que se comprometer a somente comprar soja de áreas não decorrentes da derrubada da floresta nativa. A reorganização espacial de que falamos inclui, ao mesmo em que é impulsionada, o deslocamento de determinadas produções para outras áreas e regiões. A pecuária desloca a área de maior concentração do rebanho para o Centro-Oeste e Amazônia – A Amazônia Legal (que inclui Mato Grosso e parte do Maranhão) já conta com o maior rebanho do país – 79.768.134, equivalente a 37,48% do total nacional em 2011. A Cadeia de carnes-grãos estende-se do Centro-Sul para o Centro-Oeste (BR 163). Bernardes (2008) afirma que está ocorrendo e se intensificando a transferência da produção de aves e suínos do Sul do país para o Mato Grosso, concentrada na área da BR-163 matogrossense. Isso decorre do deslocamento da cadeia carne/grãos, impulsionada pela soja, que vem reorganizando o território deste estado. Esta deve se tornar a maior cadeia de carne/grãos da América Latina. Sadia está localizada em Lucas do Rio Verde (BR-163 matogrossense). Perdigão e outras empresas também já estão no Mato Grosso. Isso cria condições para uma nova divisão territorial do trabalho no Brasil. IX) Também relacionada à tendência anterior outros elementos, há maior dificuldade em definir as fronteiras entre o campo e a cidade, entre outros motivos pelo avanço do urbano sobre primeiro. O rural não é mais somente agrícola, assim como não pode ser confundido tão somente com o tradicional. Constata-se, então, a ocorrência de novas ruralidades. Uma maior complementaridade entre o urbano e o rural. A assimilação de traços do urbano pelo rural, como, por exemplo, a incorporação de tecnologia, serviços e, em alguns casos, de padrões de consumo. X) Permanência e mesmo agravamento de velhos problemas: concentração fundiária, conflitos agrários, trabalho em condições degradantes, degradação ambiental, etc. A expansão do modo de produção capitalista expresso na modernização e unificação da agriculturaindústria fez aumentar a concentração de terra e o caráter excludente da estrutura agrária brasileira, aumentando os conflitos no campo. Essa tendência, ainda que com alterações, se mantém. A violência assume a forma privada e/ou estatal. Em relação as tensões, a Amazônia Legal é o palco de maiores conflitos, com o maior número de assassinatos, assim como de 17 Atas Proceedings | 3949 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural trabalho degradante e derrubada florestal. Em 1996 ocorreu o caso de maior repercussão, que foi o massacre de Eldorado dos Carajás, com 19 trabalhadores sem-terra assassinados pela PM do Pará, sob a tutela do governador de então. Entre 1985 e 2005 este estado registrou 420 assassinatos no campo. XI) Agravamento da questão ambiental. O aumento da tecnificação e da intensificação do capital na agricultura, ou seja, da expansão do agronegócio, ocorre acompanhadas da produção crescente de dejetos, tendo como resultado grandes problemas ambientais. O passivo ambiental e a degradação dos solos são alguns dos motivos estimuladores da transferência de indústrias do Sul/Sudeste (onde os danos acumulados são maiores) para novas áreas. XII) Subordinação de parcelas importantes da agricultura familiar ao agronegócio – tema que já discorremos longamente. Ex: produção de aves, suínos, fumo e biodiesel. XIII) Ampliação dos movimentos sociais no campo. Fernandes (2008) os diferencia em movimentos sócio-territoriais e movimentos socioespaciais. Há inúmeros movimentos de trabalhadores rurais no Brasil, mas somente dois que conseguiram se nacionalizar: o MST e a Contag. Chamamos a atenção para o fato de que essa expansão também ocorre permeada por contradições, é o caso de alguns movimentos que mantêm relações mais próximas com os governos de “esquerda”. Eles são pressionados por uma realidade que os leva a ação, mas o enfrentamento com o governo de agora não se apresenta na mesma medida que aquele que ocorria anteriormente, entre outros motivos porque para parte da direção política destes movimentos estes governos são aliados ou estão em disputa. XIV) Permanência das reivindicações por reforma agrária e reafirmação do campesinato, ainda que sob a nomenclatura de agricultura familiar (até porque não é necessariamente a reprodução literal de um campesinato clássico). XV) Ampliação da pauta de reivindicações dos movimentos sociais no campo.16 Além das reivindicações tradicionais por terra, crédito, assistência técnica, etc., somam-se as demandas envolvendo a questão ambiental; acesso aos recursos (água, por exemplo); soberania (segurança alimentar); questão étnico-cultural, índios, quilombolas, etc.; grandes obras infraestruturais; entre outras. Destacamos a ampliação das ações e visibilidade dos indígenas brasileiros nos primeiros anos da década atual (2010) diretamente impactados pelos megaprojetos infraestruturais e avanço do agronegócio/latifúndio, aproximando-os em alguma medida de alguns problemas sofridos pelos trabalhadores rurais – talvez isso seja uma das 16 Sobre isso, Montenegro (2010, p. 29) afirma que novos temas e demandas estão sendo incorporados por estes movimentos: “a incorporação dos problemas ambientais, a estratégia de luta e resistência que representa a Soberania Alimentar, a análise dos termos e dos sujeitos através do que se expressa a conflituosidade no campo ou o sentido da política pública cristalizada em um paradigma de desenvolvimento reducionista mostram um leque possível de aspectos com os quais atualizar o debate da questão agrária, porém poderíamos prosseguir por outros caminhos: as violação dos direitos humanos (e de uma legislação que se bem a cada dia aumenta, também a cada dia se desrespeita mais) que se acirra com a militarização dos conflitos pela terra; a multiescalaridade dos problemas agrários em função dos arranjos comerciais internacionais (OMC, ALCA, tratado de livro comércio, etc.)”. 18 3950 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 explicações da utilização de métodos até então fortemente identificado com os sem-terra: é o caso das ocupações de terra. XVI) Desafio para as ciências sociais no geral e para a geografia e economia em particular: incorporar em suas análises a complexidade presente no campo brasileiro. XVII) Há um processo em curso em que alguns pesquisadores definem como reprimarização da economia brasileira. É um tema que merece mais antenção para captar sua dinâmica de longo prazo. O fato que podemos afirmar é que há um crescimento da participação de produtos básicos e semi-industrializados na pauta de exportação do país. 5. Considerações finais O campo brasileiro passou por profundas mudanças desde meados da segunda metade do século XX, entre as quais a modernização da agricultura brasileira (elevando a produtividade), mas que se processou sem alterar a estrutura concentradora da propriedade – fato que produz e reproduz conflitos de ordens diversas. A modernização da agricultura brasileira processou-se intensamente e permanece em andamento. Constata-se a expansão da agropecuária brasileira como fronteira agrícola nos anos 1970 para fronteira de commodities na atualidade. Esse processo se aprofundou na virada do século passado para o atual, dando origem, entre outros, ao agronegócio. As mudanças em curso não apontam para a supressão da velha, mas ainda forte e permanente, dicotomia entre pequena propriedade (incluídos aqui os semterra) e a grande propriedade (que inclui o agronegócio). De fato, o que se observa é a reprodução, e em alguns momentos o agravamento, desta contradição. Analisando historicamente, percebe-se que atualmente se intensifica a modernização da agropecuária brasileira, mas mantendo as mesmas fissuras de anteriormente. Ainda que aja uma integração subordinada da agricultura familiar ao grande capital, a dicotomia grande propriedade versus pequeno agricultor (em muitos casos sem terra) permanece gritante e excludente. Mantém, então, seu perfil de modernização conservadora. Não apenas isso: mesmo que recorrendo a modernas forças produtivas, a produção agropecuária dominada pelo grande capital continua a produzir matérias-primas e alimentos, em grande medida, voltada ao exterior e com baixa agregação de valor por unidade do produto, ou seja, não consegue (e não o faz também porque é lucrativo) fugir ao seu padrão histórico, reproduzindo modernamente seu passado arcaico. Assim, inúmeras são as tendências presentes no campo brasileiro, entre as quais a intensificação da incorporação tecnológica e de capital. Infelizmente, permanecem velhas e surgem novas contradições. Entendê-las e atuar no sentido de superá-las é o desafio colocado às ciências sociais em particular. Referências bibliográficas ALENTEJANO, Paulo. Uma geografia dos conflitos no campo. In: OLIVEIRA, Márcio; COELHO, Maria C.; CORRÊA, Aurenice (orgs.). Brasil, a América Latina e o mundo: espacialidades contemporâneas. 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Para tal análise e comunicação, pretende-se: (i) demonstrar a inadequação das formulações de modelos de previsão do comportamento do agricultor familiar provindas da vertente Neoclássica da teoria econômica, fundamentadas nas noções racionalidade e maximização de utilidade; (ii) identificar e analisar as contradições internas e externas ao fenômeno em foco – a necessidade de sobrevivência do agricultor familiar no sistema capitalista; (iii) estabelecer „diálogos transversais‟ que perpassem as diversas disciplinas nas quais o fenômeno estudado se manifesta. Em suma, este trabalho pretende qualificar o problema do uso do fogo e suas consequências na vida do homem rural amazônico, de forma a contemplar os diversos aspectos da „realidade complexa‟ em que o mesmo se insere. Palavras-chave: Uso do fogo. Incêndios. Amazônia. Agricultura familiar. Abstract This paper aims at identifying a theoretical and methodological framework that enables the analysis of the behavior of rural households in the Brazilian Amazon regarding the use of fire as an agriculture tool as well as their fire prevention efforts. Our main goals: (i) to demonstrate the inadequacy of the formulations of prediction models of the behavior of rural household based on the Neoclassical economic theory, which is grounded in notions of rationality and utility maximization; (ii) to identify and analyze internal and external contradictions to the phenomenon in focus - the need for reproduction; (iii) to establish interdisciplinary dialogues in which the phenomenon under scrutiny occurs. In short, this work aims to qualify the issue of the use of fire and its consequences in rural Amazon, in order to address the different aspects of 'complex reality' in which it operates. Keywords: Use of fire. Fires. Amazon. Peasant Household. Atas Proceedings | 3955 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Introdução O fogo é um fenômeno natural e detém importante papel ecológico. Durante séculos, os seres humanos o têm usado como um meio de sobrevivência. O fogo é também um importante regulador da sustentabilidade do ecossistema, da manutenção da vida vegetal, da disponibilidade de nutrientes do solo e diversidade biológica. Além disso, o fogo tornou-se um importante aliado do homem como ferramenta agrícola (Cochrane & Schulze, 1999; Cochrane, 2003; Goldamer, 1990; D. Nepstad et al., 1999). Por outro lado, as queimadas descontroladas e o chamado fogo acidental, causados por uma combinação de condições climáticas e atividade humana, podem resultar em graves e até mesmo irreversíveis danos aos ecossistemas e ao bem estar humano. Em toda a Amazônia brasileira, o fogo permanece como ferramenta agrícola muito utilizada para preparar a terra para a agricultura e reforma de pastagem, uma vez que a agricultura de corte-e-queima e a pecuária extensiva são atividades comuns dentre os proprietários de pequeno, médio e grande porte. Vale ressaltar que o uso do fogo como ferramenta agrícola é prática generalizada em toda a região, devido principalmente ao fato de apresentar reduzidos custos de produção, e técnicas de simples procedimento (Arima, Simmons, Walker, & Cochrane, 2007; Hall, 2000; Uhl & Buschbacher, 1985; Uhl & Kauffman, 1990). Paradoxalmente a propagação de incêndios, decorrente do somatório dos fatores acima mencionados, é também uma das maiores ameaças ao ecossistema amazônico, pois, estes podem levar à destruição descontrolada de florestas, fauna e bens materiais. É válido ressaltar que a distinção feita pela literatura científica na área das ciências naturais (ecologia, geografia física, agronomia, e outras) entre queimadas intencionais e fogo acidental é de fundamental importância para a análise aqui pretendida. De acordo com aplicações da Teoria Econômica Neoclássica, as queimadas intencionais são consideradas „ferramenta de manejo da terra‟, resultado de um processo de tomada de decisão racional pelas unidades produtivas, cuja intensidade e frequência são passíveis de descrição e previsão por meio de procedimentos de modelagem estatística e probabilística (Arima et al., 2007; Walker, Perz, Caldas, & Teixeira Silva, 2002). Já os incêndios (contágio de fogo) são tidos como eventos danosos que resultam de fatores exógenos às unidades de análise, tais como fragmentação da paisagem, corte seletivo e condições climáticas e, portanto localizados fora de seus universos de estudo. 2 3956 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 Três tipos distintos de eventos de fogo são verificados na Amazônia brasileira: (i) aqueles decorrentes de desmatamento realizado em função da atividade produtiva que atingem áreas de floresta primária; (ii) o fogo que invade a superfície das áreas de vegetação primária ou secundária, cuja causa não é intencional; (iii) incêndios em terras anteriormente desmatadas, e resultantes da queima intencional de pastagens ou vegetação secundária. Os eventos de fogo pertencentes a esta última categoria podem ser divididos em: a) fogo intencional: incêndios deliberadamente iniciados para formar pastagens ou manejo da terra, e, b) fogo acidental: os incêndios provenientes da atividade agrícola de áreas vizinhas (D. C. Nepstad, Moreira, & Alencar, 1999). Sorrensen (2000) adota as mesmas categorias que Nepstad (1999), e acrescenta uma distinção (à segunda categoria) entre incêndios em áreas de pastagem e incêndios que irrompem áreas agrícolas. Essa distinção foi feita porque a autora acredita que há uma diferença no grau de eficácia de cada um dos incêndios intencionais estudados (Sorrensen, 2000). O objetivo do presente artigo consiste em adequar a análise do comportamento do agricultor familiar estabelecido na mesorregião do Corredor da BR-163, levando em consideração seus ambientes de tomada de decisão para a produção, através da identificação de um arcabouço teórico-metodológico que viabilize tal procedimento. Mais especificamente, pretendemos adequar o estudo da adoção tecnológica do uso do fogo como técnica de manejo da terra e esforços de prevenção de incêndios, baseado na Teoria Neoclássica de modelagem da decisão da unidade produtiva (household decision model), à análise baseada em trajetórias tecnológicas e sistemas agrários (Costa, 2012, 2013). Pretendemos proceder a uma „reconstrução metodológica‟, inicialmente demonstrando a inadequação da teoria econômica da vertente Neoclássica como instrumental de investigação da problemática em foco, bem como apontando as dificuldades encontradas quando da aplicação desse referencial teórico na análise do comportamento humano. Adicionalmente, serão levantadas de forma preliminar alternativas de procedimento metodológico para a delimitação do universo de análise do problema em foco, identificando as necessárias contextualizações fornecidas por outras áreas disciplinares além da economia, bem como seus fundamentos ontológicos. Em suma, pretendemos qualificar o problema do uso do fogo como técnica agrícola e suas consequências na vida rural do homem amazônico, de maneira a refletir 3 Atas Proceedings | 3957 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural o contexto da „realidade complexa‟ em que o mesmo se insere. Vale ressaltar que a análise aqui proposta demandará um tratamento holístico e interdisciplinar dos diversos aspectos considerados, o que se coloca como condição para o alcance da validade científica do presente estudo, bem como uma adequação dos instrumentos de políticas públicas integradas para a Amazônia brasileira. Por um novo arcabouço teórico-metodológico O estudo aqui proposto visa apresentar um adequado arcabouço teóricometodológico para a investigação do comportamento adotado pelo agricultor familiar, durante seu processo de tomada de decisão para sua reprodução material, no contexto da Amazônia rural brasileira. Para que tal objetivo seja satisfatoriamente alcançado, o processo de tomada de decisão de produção deverá ser considerado em dois níveis analíticos concomitantes: (i) o contexto interno à unidade produtiva familiar, descrevendo e analisando o processo de tomada de decisão individual das famílias, principalmente no que diz respeito à adoção de tecnologia de manejo da terra; (ii) o contexto socioeconômico, político e cultural em que tais unidades familiares estão inseridas, com foco na análise das relações de cooperação (ajuda mútua) ali estabelecidas, para que assim seja possível tratar da pressuposta existência de relação teórica entre capital social e desenvolvimento local (Barquero, 2002; Conti & Giaccaria, 2001; Costa, 2012a). Como já mencionado, deve-se salientar que a abordagem tradicional, baseada na Teoria Econômica Neoclássica e na Lógica Formal, assume algumas pressuposições que comprometem a solidez da argumentação pretendida, a saber: a) Que a identificação e subsequente descrição minuciosa das rotinas comportamentais (ações) e características mais frequentes nas unidades produtivas permitirão a dedução de relações causais e previsão do comportamento futuro das mesmas – „modelagem probabilística do comportamento humano‟; b) Que a mencionada descrição e modelagem do comportamento das unidades produtivas, tomadas individualmente, conduzirão ao entendimento da realidade em sua totalidade – „soma das partes igual ao todo‟; 4 3958 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 c) A possibilidade de isolar a opinião sobre o objeto de seu observador – „neutralidade científica‟; d) A pressuposição de um „comportamento racional‟ por parte da unidade produtiva em foco - „maximização de utilidade‟, segundo a qual o agricultor familiar agirá de forma similar a qualquer outra unidade produtiva do sistema (Teoria da Firma); e) A condição de certeza que determina o comportamento do agente produtivo – „tendência ao equilíbrio‟; f) Que influências exógenas decorrentes dos diferentes contextos (social, histórico, político e cultural) a que pertence o objeto de análise, bem como suas especificidades, poderão ser „controladas‟ e neutralizadas – „validade universal‟. Faz-se imperativo salientar, que a razão principal para o rompimento com mencionado arcabouço teórico, diz respeito ao fato de que o mesmo não satisfaz à necessidade de conhecimento científico da realidade complexa em que o fenômeno em análise está inserido. Ao fracassar em fornecer um „argumento de autoridade‟ (Demo, 2011, 2012) a respeito do comportamento do agricultor familiar para o manejo da terra na Amazônia brasileira, a Teoria Econômica Neoclássica e seus correspondentes em outras disciplinas, incorrem em pelo menos dois problemas de fundo epistemológico: os determinantes do comportamento dos indivíduos permanecem desconhecidos (a essência do fenômeno não é revelada); ao desconsiderar características essenciais relativas a outras áreas do conhecimento científico sobre o mencionado fenômeno, tal abordagem oferece uma visão parcial (disciplinar) e fragmentada do mesmo. Considerando o acima exposto, cabe apresentar os objetivos específicos que deverão servir de elementos norteadores do desafio acadêmico aqui proposto: 1. Demonstrar as contradições internas e externas ao fenômeno em foco – a necessidade de reprodução do agricultor familiar (camponês) no sistema capitalista; 2. Estabelecer „diálogos transversais‟ que perpassem as diversas áreas do conhecimento nas quais o fenômeno estudado se manifesta: economia (produção agrícola familiar); ecologia (aspectos físicos e climáticos); social e política (relações de cooperação e formação de redes); geografia (relações espaciais e características demográficas); tecnológica e cultural (adaptabilidade humana); 5 Atas Proceedings | 3959 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 3. Desenvolver arcabouço teórico-metodológico que propicie a adequação das políticas públicas às necessidades da agricultura familiar na Amazônia brasileira. A etapa que se coloca à frente constitui-se no desafio de construção de um trabalho interdisciplinar capaz de não somente cumprir com a tarefa de analisar o tema a que se propõe, mas principalmente manter a consistência e capacidade de se questionar (Monteiro, Filho, & H-usp, 2013; Oliveira Filho, n.d.; Santos, 1988). “O primeiro gesto do conhecimento é desconstrutivo (questionador), para depois ser reconstrutivo (propositivo) e permanecer sempre aberto, discutível” (Demo, 2011, p. 31). Levando em conta o objetivo principal de oferecer arcabouço metodológico que permita a análise adequada do comportamento do agricultor familiar no que diz respeito ao uso e prevenção do fogo na Amazônia brasileira, cabe apontar em direções necessárias para o cumprimento de tal objetivo. A transferência do foco principal para o problema a ser tratado, e não mais na unidade de análise, elimina a necessidade de separação artificial das perspectivas macro e micro da questão em foco. A utilização da Lógica Dialética (em substituição à Formal) proporcionará uma análise do todo, mostrando suas contradições e representações nas partes. Os „diálogos‟ com outras disciplinas aqui propostos permitirão que diferentes referenciais teóricos da economia (Marx, Harvey e Costa) dialoguem com outros, tais como a Adaptabilidade Humana (Moran, 1990, 1994) e a Teoria do Ator em Rede e Capital Social (Latour, 1993; Morin, 2012), buscando assim a construção de uma nova abordagem para a questão da agricultura familiar na Amazônia. Finalmente, sem ser por último um dos maiores desafios aqui postos consiste em que um verdadeiro diálogo com a ecologia e demais disciplinas mencionadas seja buscado, para que as condições físicas e materiais do ambiente sejam verdadeiramente consideradas quando da análise do sistema complexo com o qual se está trabalhando. Fogo e Desenvolvimento Local na Amazônia Visando proceder a uma análise apropriada da dinâmica da produção rural na Amazônia brasileira, em geral, e no Corredor da BR-163, em particular, faz-se imperativa a investigação das características específicas das unidades produtivas em 6 3960 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 foco, bem como seus aspectos demográficos e relativos ao processo de tomada de decisão, principalmente no que diz respeito à adoção de sistemas agrícolas, os quais se têm revelado como valiosos indicadores na construção de um perfil adequado do camponês da região. O presente estudo, portanto, apresenta essencialmente uma análise das formas de produção nas áreas rurais da Amazônia brasileira, buscando obter fundamentos para a qualificação dos diferentes processos de adoção de tecnologia vivenciados por tais produtores. A literatura científica recente apresenta a análise de que as famílias de colonos que se instalaram na Amazônia nas últimas décadas são capazes de organizar sua produção de tal forma a alcançar seus objetivos primários de produção agrícola, garantindo simultaneamente sua segurança alimentar (Brondizio & Moran, 1994; Walker et al., 2004, 2002). A família pode ser considerada uma unidade camponesa, quando seu é objetivo principal está constituído tanto da produção agrícola para consumo interno, como da produção para mercado. Esta classificação tenta distinguir camponeses de arrendatários, proprietários, meeiros e outras categorias analíticas utilizadas pela literatura científica sobre a questão (Arima et al., 2007). Tais unidades podem ser distinguidas entre aquelas fortemente dependentes de mão de obra familiar, daquelas unidades em que a mão de obra assalariada predomina. Importantes pesquisas têm sido realizadas sobre este tema, particularmente com análises sobre a acumulação de capital e de seu status quo (Costa, 2008; Walker et al., 2002). Na maioria dos casos, os pecuaristas da Amazônia brasileira têm origens agrárias, embora obtenham a maior parte de sua renda a partir de atividades urbanas diversas. Tais atividades urbanas permitem-lhes reinvestir seu capital na atividade rural. Fazendeiros são geralmente „self-made men‟, capazes de acumular capital com atividades outras e não-agrícolas, tais como comércio e o exercício de atividades liberais. Embora tais pecuaristas exerçam papel importante na economia local, os mesmos são exceções quando comparados à maioria das unidades entrevistadas, as quais se enquadram na categoria de famílias de colonos. Tal análise é consistente com a linha teórica fundada pelo „modelo de unidade familiar‟ de Chayanov (1925), elaborado com o intuito de caracterizar a produção rural em nível familiar, predominante na Rússia pós-revolução de 1917 (Thorner, Kerblay, & Smith, 1986; Walker et al., 2002). 7 Atas Proceedings | 3961 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural A unidade familiar de subsistência pura, elaborada com base empírica por Chayanov, pressupõe a inexistência de um mercado de trabalho, e a existência de um salário subjetivo, que reflete a opinião da família a respeito da decisão de aumento proporcional de sua produção agrícola, com o aumento do tamanho da família elevação do número de „bocas para alimentar‟. Mais recentemente, alguns teóricos economistas ampliaram o „modelo de maximização‟ de Chayanov, relaxando a hipótese restritiva de isolamento da unidade familiar, e adotando uma tipologia contemporânea de unidade produtiva rural, que assume que as mesmas interagem com mercados imperfeitos de capital, trabalho e produto (Walker et al., 2004). Vários pesquisadores no Brasil adotaram a categoria de camponês como uma tradução aproximada para o termo em inglês peasant, que inclui tanto aquelas unidades familiares que detêm o controle das áreas da terra que usam para produzir, como aquelas famílias rurais pobres, que obtêm seu sustento da agricultura, extrativismo, e até mesmo o trabalho assalariado (Walker et al., 2002). Uma distinção útil entre sitiante, posseiro e colono é fornecida por este grupo de pesquisadores, a qual se revela adequada ao caso da Amazônia brasileira. De acordo com a mesma, sitiantes e posseiros de terra são aqueles em condições precárias quanto à segurança de posse da terra em que vivem devido à falta de documentação oficial para regularização de sua condição. Em sua grande maioria, tais unidades praticam predominantemente agricultura de subsistência, e se localizam em áreas remotas, longe dos centros urbanos, desprovidas inclusive da escassa infraestrutura de colonização da região. Em contraste, os chamados colonos são aqueles que migraram para a região, com apoio oficial, seja na esperança de adquirir terras ou ocupar áreas oficialmente designadas, onde o governo federal havia investido em serviços básicos e prometido conceder títulos definitivos para as áreas ocupadas, sendo que tal promessa nunca foi cumprida. Convém salientar que a já mencionada unidade de subsistência pura somente poderá ser considerada uma tipologia válida durante as etapas iniciais de expansão da fronteira agrícola amazônica, quando o leque de alternativas de atividades produtivas disponíveis aos membros das unidades revela-se bastante limitado. Em outras palavras, o colono recém-assentado poderá contar exclusivamente com sua produção doméstica. Isso ocorre devido tanto à localização de sua propriedade, como ao fato de a maioria das famílias residentes em áreas vizinhas encontrar-se em condições semelhantes. 8 3962 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 Dentre outros fatores, a abundância de terras, a falta de serviços básicos, e dificuldades de acesso ao mercado, fizeram com que, apesar de durante as fases iniciais da abertura da fronteira amazônica, ser possível que as famílias de colonos assentados enquadrem-se na tipologia de Chayanov, esta se mostrou como uma condição apenas temporária. Atualmente, a produção de subsistência pura é limitada a algumas áreas remotas, e mesmo assim, não tão pura quanto o previsto pela teoria de Chayanov. Na verdade, as cidades amazônicas são bem integradas através de redes que representam uma parte da economia global. Tal abordagem teórica, baseada nos „ciclos de vida‟ (age cohorts), consolidou-se como análise crítica da literatura dominante até então, para a qual os pequenos agricultores amazônicos seriam predominantemente de subsistência e itinerantes. Esta teoria emergente tem sua base na observação empírica, e abrange tanto o „ciclo pioneiro camponês‟ como os processos evolutivos da vida na fazenda que estão ligados aos ciclos internos das famílias (Brondizio & Moran, 1994; Serrão, Nepstad, & Walker, 1996). Importante salientar que o tamanho da propriedade é uma referência importante para a caracterização da unidade produtiva rural da Amazônia brasileira. O lote de 100 hectares é o padrão encontrado em projetos de assentamento oficiais e também será tomado como tal para analisar as propriedades neste estudo. Por exemplo, uma família de colonos que se estabeleceu na área do Corredor BR-163 é considerada como sendo o padrão da área, podendo ocupar até dois lotes de colonização do INCRA (variando de 50 a 100 hectares) configurando uma única unidade de produção. Grandes propriedades também são frequentes nas duas áreas de estudo, como resultado das políticas federais que foram elaboradas para atrair capital produtivo. Tais propriedades ocupam grandes áreas, especialmente fazendas de gado. O presente estudo adota a classificação de Walker de unidades produtivas rurais da Amazônia, que descreve o tamanho da propriedade e da natureza de sua atividade econômica (Serrão et al., 1996). Esta classificação baseia-se na noção de que, embora o tamanho de propriedade seja um atributo importante e comumente utilizado, para que se proceda a uma tipologia mais completa das mesmas, é mais adequado proceder-se a uma combinação das classificações por tamanho da propriedade, tipo de atividade econômica, bem como outras características socioeconômicas e antropológicas. 9 Atas Proceedings | 3963 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Na maioria dos casos, o agricultor familiar, detém um ou dois lotes padrão do INCRA (100 hectares), e estão assentados principalmente em projetos de colonização oficial, e praticam em larga medida, a agricultura de subsistência combinada com pequena produção para mercado. Os chamados produtores comerciais (ou fazendeiros quando suas atividades envolvem gado) ocupam grandes propriedades (maiores de 1.000 hectares), e seu sistema de produção é baseado principalmente em uma única atividade - criação de gado ou produção de grãos - orientada para o mercado. Produtores considerados médios são reconhecidos como aqueles que se enquadram entre os dois tipos acima descritos (propriedades que variam em tamanho de 100 a 1.000 hectares), e normalmente diversificam suas atividades produtivas, consumindo parcela importante da mesma. Finalmente, conforme verificado, grande parte da literatura que trata de unidades produtivas rurais na Amazônia brasileira está fundamentada na premissa de que características econômicas e antropológicas da região são importantes determinantes para a construção de tipologias adequadas das unidades produtivas nela estabelecidas. Partindo-se de tal pressuposto, é válido considerar que análises do uso do fogo e possíveis medidas preventivas devam adequar-se a tais procedimentos metodológicos para proporcionar o conhecimento do comportamento das unidades produtivas a esse respeito. Neste sentido, o presente trabalho adota tal procedimento como premissa básica para o estudo do comportamento do produtor rural com relação aos sistemas e tecnologias adotadas para a realização da produção. Considerações Finais Políticas públicas ambientais são determinantes para a eficácia do crescimento de setores da economia e regiões específicas. Uma vez bem coordenadas com políticas macroeconômicas, as mesmas podem se tornar importantes indutores para o desenvolvimento local e regional. Nas últimas décadas, a Amazônia brasileira vem gradativamente integrando as economias nacional e mundial, o que tem sido anunciado como alternativa para a superação dos problemas regionais e locais (Hecht & Cockburn, 1989; Homma, Filho, & Magalhães, 1991). Tal opção na condução da economia regional levou a uma 10 3964 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 situação de „ganho-perda‟, na qual um desempenho focado no crescimento econômico impõe altos custos sociais e ambientais. A abundância de terras, especialmente durante os estágios iniciais de desenvolvimento da fronteira agrícola na região, influenciou fortemente a abertura de novas áreas para produção, em um processo que se caracteriza pela escassez de mão de obra e capital. Nessas „áreas de fronteira jovens‟, a forma como a terra é ofertada pelos governos estadual e federal torna-se determinante do comportamento de tomada de decisão da unidade agrícola familiar. Em contraste, as chamadas „áreas de fronteira maduras‟ experimentam maior escassez de terras, e as famílias de camponeses ali estabelecidas, normalmente se envolvem em atividades produtivas de mercado, bem como outras não-agrícolas (off farm activities) (Alencar et al., 2004; Walker et al., 2004, 2002). Desde o início do processo de ocupação ao longo da Rodovia Federal BR-163 (Cuiabá-Santarém), tem-se verificado um intenso processo de ocupação territorial desta mesorregião denominada Corredor da BR-163. Com vistas a uma análise adequada da dinâmica produtiva local (Corredor da BR-163) deve-se considerar o que a literatura chama de dois „projetos de desenvolvimento‟ para o sistema agrário na região (Costa, 2000; Ribeiro & Castro, 2008). O primeiro, denominado „latifundiário-monocultural‟, envolve um padrão de produtividade onde coexistem o proprietário de terras, o trabalho assalariado, a criação de gado e a produção de grãos (Costa, 2005). Este projeto de desenvolvimento rural é responsável pela maior parte do dano ambiental da região (desmatamento e degradação ambiental), uma vez que adota sistemas agrícolas intensivos e, muitas vezes deixam de tomar medidas preventivas ou mitigadoras dos impactos gerados por sua produção. O segundo projeto de desenvolvimento rural é chamado de „familiarpolicultural‟, o qual considera a atividade da unidade de produção familiar, com atividades econômicas diversificadas. Tal estrutura desenvolve atividade com menor impacto ambiental, uma vez que seu objetivo principal consiste em garantir a segurança alimentar dos seus membros e o de melhorar seu padrão de vida. O presente artigo consiste em proposta de trabalho a ser construído, daqui em diante, levando em conta seu objetivo principal de oferecer arcabouço metodológico que permita a análise adequada do comportamento do agricultor familiar no que diz respeito ao uso e prevenção do fogo na Amazônia brasileira, cabe apontar em direções necessárias para o cumprimento de tal objetivo. 11 Atas Proceedings | 3965 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Bibliografia Alencar, A., Nepstad, D., McGrath, D., Moutinho, P., Pacheco, P., Vera Diaz, M. C., & Soares Filho, B. (2004). Desmatamento na Amazônia: indo além da “Emergência Crônica.” Belém: Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). Arima, E. Y., Simmons, C. S., Walker, R., & Cochrane, M. A. (2007). Fire in the Brazilian Amazon: a spatially explicit model for policy impact analysis. Journal of Regional Sciences. Barquero, A. V. (2002). 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Laura Marina Jaime Ramos - [email protected] Prof. Dr. Marcelo Rodrigues Mendonça – [email protected] Graduanda Stefany Neves Peixoto - [email protected] Universidade Federal de Goiás – Brasil LABOTER - Laboratório de Estudos e Pesquisas das Dinâmicas Territoriais / IESA Instituto de Estudos Socioambientais – Sala 18, Bloco B. Campus Samambaia (Campus II) Telefone: (+55) 62 3521-1184 Ramal 228 / Fax: (+55) 62 3521-1070 RESUMO O Curso de Especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Rural é desenvolvido pelo Instituto de Estudos Socioambientais (IESA) da Universidade Federal de Goiás, Brasil, com apoio e recursos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA, por meio do edital CNPq/MDA-INCRA N º 26/2012. O Curso, com vigência de março de 2013 a janeiro de 2015, se propõe a oferecer formação teórica e prática aos 50 estudantes de origem camponesa e profissionais que prestam serviço à comunidades e assentamentos rurais, como professores e extensionistas. Prevê-se que com a capacitação desses atores, os mesmos possam implantar cultivos de sementes crioulas, instalar Bancos de Sementes nas comunidades, implementar a substituição de insumos químicos por orgânicos, e adequar o manejo e o aproveitamento dos saberesfazeres das populações tradicionais para a conservação ambiental, agregando valores à produção, fortalecimento de ações sociais e educativas que promovam o resgate e a valorização da cultura local/regional. Tendo como base metodológica a Pedagogia da Alternância, parte das atividades é realizada na Universidade (Tempo Escola - com módulos de aulas teóricas) e parte nas Comunidades de origem dos estudantes (Tempo Comunidade - com experimentos a partir da soma dos saberes dos atores e de suas comunidades e dos conhecimentos adquiridos no Tempo Escola). O Curso tem uma abordagem multidisciplinar em que as diversas formas de se obter o conhecimento dialoguem e os sujeitos qualifiquem sua práxis e multipliquem os saberes, o que denominamos como Encontro de Saberes. A meta é capacitar os estudantes sobre os processos produtivos existentes, compará-los e caracterizá- los no que tange aos usos do solo, da água e a sociobiodiversidade, de forma a orientar formas adequadas para os camponeses manterem a terra de trabalho em condições dignas a partir do conhecimento e do manejo das sementes crioulas e demais práticas agroecológicas, rumo à autonomia, sobretudo em relação ao mercado. PALAVRAS-CHAVE Atas Proceedings | 3969 1 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Agroecologia. Educação do campo. Práticas Sustentáveis. Pedagogia da Alternância. Autonomia camponesa. INTRODUÇÃO O Estado de Goiás, localizado na região do Centro-Oeste brasileiro, se caracteriza por uma intensa produção econômica rural centralizada, inicialmente no modelo latifundiário, e mais recentemente, no agronegócio. Ambos os modelos imprimiram ao Estado uma territorialização do espaço rural, tendo como moldes a agricultura moderna e mecanizada, monoculturas intensivas (especialmente a soja e a cana-de-açúcar) e forte pressão sobre os pequenos produtores. O agronegócio traz consequências negativas importantes às famílias camponesas que vivem nesses territórios, pois coloca em risco a produção de alimentos seguros, favorece a degradação os recursos naturais e a biodiversidade do Cerrado e os impulsiona às margens do sistema econômico de produção, dificultando a permanência dessas famílias junto a terra. Nesse modelo, os pequenos agricultores precisam lidar com um processo produtivo hegemônico e concorrer com a forte pressão do capital sobre a terra, com um mercado competitivo cuja relação entre a produção e a comercialização passa pelas interferências do capital. Assim, o Programa Nacional de Reforma Agrária – PNRA, como uma política pública brasileira, tem por objetivo proporcionar a redistribuição das propriedades rurais, efetuando uma distribuição da terra para que se cumpra sua função social, processo esse realizado pelo Estado, que avalia, compra, desapropria e redistribui lotes de terras para famílias camponesas (projetos de assentamentos rurais). Somada à política brasileira de reforma agrária, a Agroecologia, em consonância, representa alternativa por meio da qual as famílias camponesas, sobretudo aquelas dos assentamentos de reforma agrária, buscam suprir as peculiaridades das dinâmicas ambientais no processo produtivo, atendendo a uma demanda de mercado cada vez mais crescente que é a produção de alimentos saudáveis, ao mesmo tempo em que agrega valor, econômico, produtivo e ecológico, à sua produção. Nesse sentido, dáse a necessidade e a importância da capacitação dos camponeses frente à demanda do mercado por produtos oriundos de práticas agroecológicas. 2 3970 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 Nesse sentido o presente trabalho tem como intuito apresentar a proposta e ações na experiência do curso de Especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Rural que vem sendo desenvolvido pela Universidade Federal de Goiás/Brasil, com apoio e recursos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA. O artigo apresenta as perspectivas teóricas que sustentam o curso a partir dos princípios que originaram e norteiam metodologia da Pedagogia da Alternância, dos pressupostos da Agroecologia e dos fundamentos sócio-históricos e políticos do PRONERA. Além disso, discorre-se sobre as perspectivas e os resultados preliminares dessa experiência. O Curso de Especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Rural têm como centralidade a capacitação e orientação de formas adequadas, para os agricultores/camponeses manterem em condições dignas a terra de trabalho a partir do conhecimento e manejo das sementes crioulas e demais práticas agroecológicas. Assim, busca-se assegurar a qualificação e a formação de camponeses, professores na educação do campo, técnicos extensionistas e demais profissionais que atuam nos assentamentos e comunidades de remanescentes quilombolas do Estado de Goiás, permitindo a produção e a troca de conhecimentos e a orientação técnico-profissional. PRINCÍPIOS TEÓRICOS DA ESPECIALIZAÇÃO EM AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL – O PROGRAMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA/PRONERA E A PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA A efetivação da Educação do Campo representa possibilidades de potenciar a intervenção pedagógica e coletiva dos trabalhadores e camponeses que vivem no campo. O conceito de Educação do Campo foi afirmado pelos Movimentos Sociais em 1998, com objetivo de refletir sobre o sentido atual do trabalho camponês e das lutas políticas que também se afirmam nos aspectos socioculturais dos grupos que hoje tentam garantir a sobrevivência nos territórios onde vivem e trabalham (KOLLING; NERY; MOLINA, 1999). Os movimentos sociais propuseram uma ação em âmbito federal capaz de garantir educação de qualidade àqueles que lutavam e lutam pela permanência e sobrevivência na terra e pela Reforma Agrária, por meio do Programa Nacional de 3 Atas Proceedings | 3971 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Educação na Reforma Agrária - PRONERA. O PRONERA é uma política pública de Educação do Campo, instituída pelo Decreto n.º 7.352, de 04 de novembro de 2010. O objetivo do programa é desenvolver projetos educacionais de caráter formal, a serem executados por instituições de ensino, para beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), do Crédito Fundiário, e dos projetos de assentamentos feitos pelos órgãos estaduais brasileiros. O Programa teve origem a partir da luta e representações dos movimentos sociais pela terra e movimento sindicais do campo. Tornou-se a principal Política Pública brasileira dedicada à Educação do Campo. Tem como foco as áreas de reforma agrária reconhecidas pelo governo brasileiro e seu objetivo é fortalecer o meio rural enquanto território de vida em todas as dimensões: econômica, social, política, cultural e ética (PRONERA, 2012). O programa visa o fortalecimento da educação nas áreas de Assentamentos de Reforma Agrária estimulando, propondo, criando, desenvolvendo e coordenando projetos educacionais, lançando mão de metodologias voltadas para a especificidade do campo (INCRA, Portaria Nº 282, 2004). A partir do I Encontro Nacional dos Educadores da Reforma Agrária ( ENERA) na Universidade de Brasília (UnB), organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), realizado no ano 1997, e que contou com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Fundo das Nações Unidas para a Ciência e Cultura (UNESCO) e Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), representantes das universidades: Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade do Vale do Rio dos Sinos ( UNISINOS), Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI), Universidade Federal de Sergipe (UFS) e Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (UNESP), reuniram-se para discutir a participação das instituições de ensino superior no processo educacional nos projetos de assentamentos rurais existentes no território nacional. Como consequência desse encontro, os representantes das instituições aprovaram a proposta que visava tornar a educação no meio rural como ponto prioritário para o desenvolvimento rural do território brasileiro. Em 16 de abril de 1998, por meio da Portaria nº.10/98, o Ministério Extraordinário de Política Fundiária criou o PRONERA, e aprovou as diretrizes para Educação do Campo no Brasil a partir 4 3972 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 da promulgação do Manual de Operações do PRONERA. A partir do ano de 2001 o PRONERA foi, então incorporado às diretrizes de responsabilidade do INCRA – Instituto Nacional para Reforma Agrária. O planejamento e a operacionalização dos cursos vinculados ao PRONERA seguem a perspectiva estratégica com foco no desenvolvimento territorial, na elevação das condições de vida e de cidadania dos camponeses. Nesse sentido, traz a compreensão de que essas populações têm especificidades quanto à maneira de se relacionar com o tempo, o espaço, o meio ambiente, a organização familiar, a comunidade, o trabalho, a educação e o lazer, relações essas que lhes determinam uma identidade cultural e social própria. Dada essas especificidades que fundamentam os cursos desenvolvidos pelo PRONERA, a Especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Rural realizado pela Universidade Federal de Goiás foi constituído tendo como base os pressupostos teóricometodológicos da Pedagogia da Alternância (OLIVEIRA, 2012). A Pedagogia da Alternância é uma metodologia de organização do conteúdo programático de ensino que conjuga as diferentes realidades vividas pelos educandos, oriundos de tempos e espaços distintos. Teixeira et al (2008) nos traz que a metodologia teve origem em 1935 a partir das insatisfações de um pequeno grupo de agricultores franceses com o sistema educacional que não considerava as especificidades da educação para o meio rural. No Brasil, a experiência com Pedagogia da Alternância começou data de 1969 no estado do Espírito Santo, onde foram construídas as três primeiras Escolas Famílias Agrícolas (TEIXEIRA et al, 2008). O objetivo primordial da metodologia é atuar favorecendo os interesses do homem do campo. Para isso, tem como pressuposto um ensino organizado para agricultores e seus familiares, alternando-se atividades nos tempos em que os mesmos possam estar na escola – o tempo escola, e nos tempos em que estes necessitem permanecer na área rural – tempo comunidade. O tempo comunidade, como tempo da práxis, cumpre o papel fundamental de promover e desenvolver a autonomia intelectual dos educandos, de modo que, eles possam participar ativamente da produção de conhecimento sobre as suas realidades, estabelecendo formas de diálogo entre conhecimentos técnico-científicos e saberes populares. 5 Atas Proceedings | 3973 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural A partir dessas prerrogativas, a estrutura curricular do Curso de Especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Rural considera essa distribuição, e tem como proposta uma metodologia que permita cumprir com a premissa da imbricação entre as experiências do aluno, a formação no Curso e a interação com a Comunidade, naquilo que é considerado a troca de saberes. EDUCAÇÃO DO CAMPO E A RESIDÊNCIA AGRÁRIA NO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL – AVALIAÇÃO E DISCUSSÃO SOBRE A PRÁXIS. O Curso de Especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Rural da Universidade Federal de Goiás foi implementado a partir da aprovação da proposta submetida ao Edital do CNPq/MDA-INCRA nº 26/2012. Tem como objetivo central promover a capacitação e orientação de formas adequadas para os agricultores/camponeses se manterem em condições dignas de trabalho na terra, a partir do conhecimento e manejo das sementes crioulas e práticas agroecológicas e minimizando a dependência em relação ao mercado. Além disso, espera-se que, a partir do fortalecimento da perspectiva Agroecologia e do desenvolvimento rural de base camponesa e familiar possa, no futuro, reverberar em políticas públicas e/ou ações que resignifique o uso da terra, da geração de renda e trabalho para os camponeses em Goiás. Para isso, oferece subsídios teóricos e práticos na capacitação para implementar de cultivos de sementes crioulas nos assentamentos, na orientação para a instalação dos Bancos de Sementes, na contribuição para a gradativa substituição de insumos químicos por orgânicos, na capacitação para o manejo e o aproveitamento dos saberes- fazeres das populações tradicionais para a conservação ambiental e agregação de valores à produção e no fortalecimento ao desenvolvimento de ações sociais e educativas que promovam o resgate e a valorização da cultura local/regional. A base metodológica do Curso está fundamentada na Pedagogia da Alternância, em todos os tempos e espaços, a partir de uma abordagem multidisciplinar em que as diversas formas de obter o conhecimento dialoguem e os sujeitos qualifiquem sua práxis, na forma de encontro de saberes. 6 3974 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 A concepção do Curso segue os seguintes princípios: a) a docência como instrumento articulador das atividades pedagógicas; b) sólida formação teórica; c) compromisso profissional com a realidade e a experiência prática como elemento articulador; d) a pesquisa como princípio formativo, e; e) a ed ucação como estratégia para o desenvolvimento de práticas sustentáveis. Nesse sentido, as disciplinas foram pensadas e vêm sendo desenvolvidas tendo como premissa a noção da práxis agroecológica, isto é, os pressupostos teóricos adequados à realidade cotid iana da vivência de cada educando, fomentando a melhoria na qualidade da relação camponesa com a produção de base sustentável. O PRONERA considera central a parceria entre as instituições de ensino superior e as instituições públicas que operacionalizam os programas de Reforma Agrária e reconhecem as ações dos movimentos sociais. Assim, o Curso está sendo desenvolvido na Universidade Federal de Goiás, a partir de uma parceria estabelecida entre o Instituto de Estudos Socioambientais (IESA) / Laboratório de Estudos e Pesquisas Territoriais (LABOTER) e a Escola de Agronomia (EA) / Setor de Desenvolvimento Rural, em parceria com a Universidade Estadual de Goiás/ Unidades de Ipameri, Porangatu, Minaçu e Campos Belos; Instituto Federal de Goiás/ Unidade de Uruaçu; Instituto Federal de Brasília; Embrapa – Arroz e Feijão; EMATER-GO; AGRODEFESA; Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Goiás (FETAEG); Movimento Camponês Popular (MCP); Associação da Comunidade Quilombola do Engenho II; Associação da Comunidade Quilombola Ema; Secretaria Municipal de Promoção e Igualdade Racial de Cavalcante - GO; Secretaria Municipal de Educação de Cavalcante – GO. A demanda social realizada pelos movimentos sociais, a colaboração proposta pelas instituições de ensino superior e a definição de uma política pública encaminhada para responder a essa demanda, definiram a proposta pedagógica e metodológica do Curso, caracterizando o seu caráter interinstitucional na forma e no conteúdo. No que concerne ao recorte temático, selecionado para articular as ações, consideramos que o debate em torno da Agroecologia e Desenvolvimento Rural se 7 Atas Proceedings | 3975 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural constitui num elemento central, tendo como destaque o caráter multidisciplinar suscitado pela interlocução dos dois temas. A proposição da Agroecologia, além de se constituir na aproximação da agricultura camponesa com um processo de transição para uma agricultura sustentável, conforme salientado por Altieri (2001) também coloca a necessidade de repensar o paradigma produtivo vigente no país. A superação do modelo consolidado pela Revolução Verde pressupõe uma mudança programática dos rumos do desenvolvimento rural brasileiro. Neste sentido, a questão da conflitualidade inerente ao campo brasileiro não pode ser relegado a um segundo plano. Ao eleger os agricultores camponeses, oriundos dos Assentamentos de Reforma Agrária e Comunidades de Remanescentes Quilombolas como protagonistas, está evidente a postura político- ideológica atrelada a uma abordagem acadêmica que elege estes sujeitos como elementos centrais do debate do desenvolvimento rural, que em última instância, perpassa o equacionamento da Questão Agrária brasileira. Diante das investidas do agronegócio e da necessidade de produção de alimentos saudáveis e, considerando, a ausência de cursos que possibilitam uma formação integrada a partir dos referenciais da agroecologia voltada para a produção de alimentos, principalmente nos assentamentos numa das regiões tidas como a “mais pobre de Goiás”, a Especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Rural tem como público, educandos oriundos dos Territórios da Cidadania do Estado de Goiás. Estes territórios se constituem a proposta do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para redução da desigualdade social no meio rural brasileiro, constituindo áreas prioritárias para o planejamento e desenvolvimento de políticas públicas que garantam a melhoria da qualidade de vida da população que ali residem (MDA, 2010). Especialmente destinado aos educandos oriundos da região Norte de Goiás, dos Territórios da Chapada dos Veadeiros e Território do Vão do Paranã (Figuras 1 e 2 respectivamente), esta escolha justifica-se dado que ambos territórios se constituem regiões com as menores médias do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) Goiano e assentamentos com índices de subnutrição significativos. O Território Chapada dos Veadeiros (Figura 01) abrange uma área de 21.475,60 Km² e é composto por 8 municípios: São João d’Aliança, Alto Paraíso de Goiás, 8 3976 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 Campos Belos, Cavalcante, Colinas do Sul, Monte Alegre de Goiás, Nova Roma e Teresina de Goiás, com 18 Assentamentos. A população total do territór io é de 62.656 habitantes, dos quais 20.546 vivem na área rural, o que corresponde a 32,79% do total. Possui 3.347 agricultores familiares, 1.472 famílias assentadas, 6 comunidades quilombolas e 1 terras indígena. Seu IDH médio é 0,68. Figura 01- Mapa de Localização dos municípios que compõem o Território Chapada dos Veadeiros. Já o Território Vale do Paranã (Figura 02) abrange uma área de 17.452,90 Km² e é composto por 12 municípios: Sítio d’Abadia, Alvorada do Norte, Buritinópolis, Damianópolis, Divinópolis de Goiás, Flores de Goiás, Guarani de Goiás, Iaciara, Mambaí, Posse, São Domingos e Simolândia, com 36 Assentamentos. A população total do território é de 107.305 habitantes, dos quais 38.088 vivem na área rural, o que corresponde a 35,50% do total. Possui 5.787 agricultores familiares, 4.036 famílias assentadas e 1 comunidade quilombola. Seu IDH médio é 0,67. 9 Atas Proceedings | 3977 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Figura 02 - Mapa de Localização dos municípios que compõem o Território Vale do Paranã. O curso de Especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Rural está estruturado da seguinte forma: 1) Possui entrada única com 50 vagas (todas foram preenchidas), 420 horas, duração prevista de março de 2013 a fevereiro de 2015. Das 50 vagas disponíveis, 47 foram preenchidas com regularidade; 2) Atividades no Tempo - Escola - parte teórica obtida no decorrer das disciplinas na UFG; 3) Atividades no Tempo - Comunidade – parte prática nos Assentamentos e Comunidades de origem dos educandos. Quanto ao perfil dos Educandos do Curso, o grupo está estruturado da seguinte forma: 1) 17 (dezessete) Educadores que são professores e professoras de Escolas Rurais; 10 3978 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 2) 18 (dezoito) Profissionais que atuam como Técnicos Extensionistas em Assentamentos; 3) 12 (doze) Educandos que são agricultores, trabalhando diretamente com a terra nos Assentamentos de Reforma Agrária nas regiões de origem; 4) Demais profissionais e atores sociais atuantes na AGRODEFESA e EMATER, que são instituições públicas do Estado de Goiás, integrantes dos Movimentos Sociais parceiros (MST e MCP) e Servidores e Servidoras do INCRA; e, 5) 48 (quarenta e oito) Educandos regularmente matriculados na atualidade, considerando as duas desistências. Deste efetivo de matriculados, 29 são mulheres e 19 homens. Com base na Pedagogia da Alternância, as ações pedagógicas decorrem combinando atividades na UFG - Tempo- Escola (onde os professores e educandos desenvolvem a parte teórica das disciplinas) e atividades nos Assentamentos e nas Comunidades onde os educandos vivem e trabalham – Tempo-Comunidade. Desse modo, em todos os tempos e espaços do Curso são realizados esforços de uma abordagem multidisciplinar em que as diversas formas de se obter o conhecimento dialoguem e os sujeitos qualifiquem sua práxis, culminando no que denominamos de encontro de saberes. As disciplinas do Curso levam em conta esta metodologia e propõem estratégias que permitam cumprir com a premissa da imbricação entre as experiências dos educandos, a formação no curso e a interação com a comunidade. 11 Atas Proceedings | 3979 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural As figuras 03 e 04 apresentam, respectivamente, o quadro total de disciplinas e àquelas que já foram integralizadas. Formação Territorial Brasileira Disciplinas do Políticas Públicas de Desenvolvimento Rural Curso em Agroecologia I Agroecologia e Agroecologia II Desenvolvimento Organização Social e Política no Campo Brasileiro Rural Movimentos Sociais no Campo Políticas de Assistência Técnica e Extensão Rural no Brasil Metodologia de Pesquisa I – Normas Técnicas e Elaboração de Projetos Metodologia de Pesquisa II – Elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso Figura 03- Quadro das Disciplinas do Curso de Agroecologia e Desenvolvime nto Rural Formação Territorial Brasileira Disciplinas Ministradas Políticas Públicas de Desenvolviimento Rural Agroecologia I Figura 04 - Organograma das Disciplinas Integralizadas Um dos elementos articuladores das ações entre o Tempo-Escola e o TempoComunidade é a estruturação dos Núcleos de Pesquisa, para o encaminhamento das atividades que devem ser desenvolvidas no interstício entre os módulos de aulas 12 3980 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 teóricas, bem como na condução das pesquisas que deverão constituir os Trabalhos de Conclusão do Curso. Neste sentido, foram criados 03 (três) Núcleos de Pesquisas integrados ao Laboratório de Estudos e Pesquisas Territoriais (LABOTER) no Instituto de Estudos Socioambientais (IESA). Os núcleos criados possuem as seguintes linhas temáticas: Agroecologia; Desenvolvimento Rural; e, Educação do Campo e Gênero. O Núcleo de Pesquisa em Agroecologia possui como ementa básica os seguintes temas: práticas agroecológicas; estratégias de reprodução camponesa; sistemas produtivos agroecológicos; meio ambiente e saúde; e, impactos socioambientais. Este núcleo está atualmente composto por vinte e seis educandos. O Núcleo de Pesquisa em Desenvolvimento Rural possui como ementa básica os seguintes temas: políticas públicas (PRONAF, PAA/ PNAE); formas de organização sociopolítica (cooperativismo/associativismo); e, estratégias de reprodução camponesa (sistemas produtivos). Este núcleo está atualmente composto por treze educandos. O Núcleo de Pesquisa em Educação do Campo e Gênero possui como ementa básica os seguintes temas: relações de gênero; relações de poder; gênero e produção camponesa; produção de material didático pedagógico; e, PRONACAMPO (Programa Nacional de Reestruturação da Rede Escolar Pública de Educação no Campo). Este núcleo está atualmente composto por nove educandos. É importante destacar que a proposição dos temas que nortearam a criação dos Núcleos de Pesquisa foi pautada inicialmente pela coordenação pedagógica, e posteriormente junto ao corpo discente, o que resultou na configuração supramencionada. A questão da avaliação é parte integrante do processo de ensino aprendizagem, no qual se pretende considerar os diversos saberes envolvidos nos processos pedagógicos. É entendida como instrumento de análise e (re)ajuste do processo educativo, abrangendo aspectos formativos e informativos, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos. 13 Atas Proceedings | 3981 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Neste sentido, além da avaliação interna realizada pelo corpo docente que integralizou parte das disciplinas, a coordenação pedagógica tem construído juntamente com os educandos, diversos canais de comunicação para aprimorar a interlocução entre as partes envolvidas no processo. Destaca-se dentre estes canais, a elaboração de uma ficha de avaliação na qual os educandos destacam os aspectos positivos no que concerna a dimensão pedagógica e a dimensão organizacional do Curso. Nesta ficha, os educandos puderam apontar os aspectos positivos e negativos do encaminhamento do curso. Outro aspecto a ser mencionado é a eleição de representantes discentes para a participação e encaminhamento da coordenação pedagógica do curso. Além disso, o Curso também dispõe de um sítio eletrônico 1 , onde são disponibilizados informações e materiais didáticos bem como um fórum de discussão aberto aos educandos e corpo docente. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Curso de Especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Rural – Residência Agrária se constitui numa experiência impar que está sendo desenvolvida na Universidade Federal de Goiás numa parceria entre o Instituto de Estudos Socioambientais (IESA) e a Escola de Agronomia - Setor de Desenvolvimento Rural. Os resultados aqui apresentados contemplam sua fase inicial, tendo em vista que o projeto foi aprovado em dezembro de 2012, implementado em fevereiro de 2013 e o início efetivo do Curso ocorrido no mês de abril, quando foi realizado o primeiro módulo e o segundo módulo que foi desenvolvido no mês de junho. É importante frisar que estes dois módulos integralizados se configuram como atividades do Tempo-Escola, embora a constituição dos Núcleos de Pesquisa já está contribuído para a operacionalização de atividades no Tempo-Comunidade. O Curso de Especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Rural envolve um público composto por famílias assentadas e oriundas de comunidades de remanescentes Quilombolas, além de técnicos, extensionistas e professores que atua m 1 http://agroecologiaufg.net 14 3982 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 diretamente no campo, oferecendo- lhes formação, orientação e instrumentalização para atuarem enquanto multiplicadores e agentes de desenvolvimento nos seus Lugares, ao mesmo tempo em que vem fortalecendo a comunicação e o relacionamento entre a Universidade Federal Goiás, os Territórios da Cidadania, as comunidades de remanescentes quilombolas e os movimentos sociais de luta pela terra e reforma agrária em Goiás; Pode se, desta forma, traduzir a intenção principal do Projeto e do Curso como sendo estimular a produção do conhecimento e de experiências a partir da extensão rural, com enfoque participativo e foco no fortalecimento das práticas já existentes, fomentando a Agroecologia, o aproveitamento do Cerrado e o resgate das sementes, mudas e raças crioulas, instrumentalizando os estudantes para pensar cadeias produtivas, economia solidária, articulando a produção já existente, sua gestão e a comercialização (considerando, inclusive, as políticas de comercialização como o Programa de Aquisição de Alimentos - PAA e o Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE). Destaca-se também o aprimoramento do debate em torno do empoderamento destes sujeitos sociais que pode ser vislumbrado na contemplação dos seus saberes-fazeres bem como no desafio de superar as diversas assimetrias entre o campo e a cidade, entre mulheres e homens, que podem ser equacionadas pela via da Educação do Campo, pensada pelo e para o campo. REFERÊNCIAS ALTIERI, Miguel. (2001) Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. Terceira Edição - Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS. BRASIL. Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico. Chamada CNPq/MDA/-INCRA nº 26/2012. KOLLING, Edgar Jorge; NÉRY, Israel José; MOLINA, Mônica Castagna.(Orgs.) (1999) Por uma educação básica do campo. V.1. 3. Ed. Brasília: Fundação Universidade de Brasília. BRASIL (2010). Ministério do Desenvolvimento Desenvolvimento Territorial. Brasília: MDA/SDT. Agrário /Secretaria de OLIVEIRA, Adriano Rodrigues. (2012) Curso de Especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Rural. Projeto submetido à Chamada CNPq/MDA/-INCRA nº 26/2012. Universidade Federal de Goiás. 15 Atas Proceedings | 3983 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural PROGRAMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO PARA A REFORMA AGRÁRIA – PRONERA.(2012) Manual de Operações. Brasília: MDA. TEIXEIRA, Edival; BERNARTT, Maria de Lourdes & TRINDADE, Glademir.(2008). Estudos sobre Pedagogia da Alternância no Brasil: revisão de literatura e perspectiva para o Brasil. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.34, n.2, p. 227-242. 16 3984 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 PERSPECTIVAS TEÓRICAS DE ANÁLISE DOS NOVOS AGRICULTORES FAMILIARES NO BRASIL ANTONIO LÁZARO SANT´ANA Univ Estadual Paulista – UNESP, Campus de Ilha Solteira (SP-Brasil) [email protected] GABRIELA DOS SANTOS SOUZA Univ Estadual Paulista – UNESP, Campus de Ilha Solteira (SP-Brasil) [email protected] DIVANIR ZAFFANI SANT ANA [email protected] RESUMO Quase todos os trabalhos sobre reprodução social da agricultura familiar identificam uma crise de sucessão e delineiam uma perspectiva sombria para o setor. Alguns autores apontam que a sucessão ocorre cada vez mais tarde, mas não se têm investigado quem são esses sucessores recentes. Já pesquisas sobre a formação de novas unidades familiares, seja via constituição de assentamentos rurais, seja a partir trabalhadores antes ligados a atividades não-agrícolas que se estabelecem no campo (“neorurais”), ocorre de forma paralela e não integrada ao debate sobre os processos sucessórios da agricultura familiar tradicional. Dados do Censo Agropecuário de 2006 no Brasil apontam pequeno aumento do número de estabelecimentos familiares em relação a 1995/96, indicando que de alguma forma esse processo de sucessão ou criação de novas unidades familiares vem ocorrendo. De acordo com o Censo Agropecuário de 2006, 37,75% dos agricultores familiares brasileiros estavam no máximo há 10 anos na direção dos trabalhos e no estado de São Paulo representavam 43,37%, o que indica um quadro muito dinâmico, mas pouco conhecido. Este trabalho visa discutir, do ponto de vista teórico, em que medida uma análise baseada nos conceitos de estratégias (BOURDIEU, 1990; BOURDIEU, 1994) e de modo de vida (LOBO, 1992; TELLES, 1992) contribui para compreender os processos de sucessão da agricultura familiar que estão efetivamente ocorrendo e/ou as outras formas de entrada desses produtores na agricultura no Brasil. Os conceitos de estratégias e a noção modo de vida são categorias de análise que permitem entender como os produtores organizam a produção, suas relações sociais e os processos sucessórios a partir de critérios complexos e que não são apreendidos apenas por um enfoque tecnoeconômico ou legal. Esta discussão teórica objetiva dar suporte a uma investigação de campo em andamento na microrregião de Jales, no noroeste do estado de São Paulo. Palavras-chave: sucessão, estratégias de reprodução social, modo de vida, agricultura familiar 1. INTRODUÇÃO O processo de industrialização, especialmente a partir a segunda metade do século XX, provocou um forte êxodo rural e instalou o debate sobre a questão da sucessão na agricultura familiar, inicialmente em alguns países desenvolvidos e, 1 | 3985 Atas Proceedings VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural posteriormente, com a mundialização da revolução verde, na quase totalidade dos demais países. Bourdieu (2002) e Champagne (2002) tratam desse tema, a partir das mudanças ocorridas no padrão sucessório dos camponeses franceses ainda na década 1950 e 1960. No Brasil destacam-se os trabalhos coordenados por Ricardo Abramovay (ABRAMOVAY et al., 1998; SILVESTRO et al., 2001; CAMARANO e ABRAMOVAY, 1999), na década de 1990, que discutem as dificuldades dos agricultores familiares para formar os sucessores, tendo como conseqüência o envelhecimento e a masculinização do campo. Sem menosprezar a importância da abordagem da sucessão na agricultura familiar a partir da perspectiva dos jovens, ou seja, da permanência ou da migração destes, avaliamos que esta perspectiva não é suficiente para entender os processos de sucessão atuais e de outras dinâmicas ligadas à reprodução da agricultura familiar. Os dados divulgados pelo Censo Agropecuário de 2006 mostram que houve ligeiro aumento do número de estabelecimentos familiares (em relação ao Censo Agropecuário de 1995/6), o que indica que de alguma forma o processo de sucessão tem ocorrido (embora possa haver diferenças regionais), complementado pela criação de novas unidades familiares por meio dos assentamentos rurais e/ou pela via do mercado de terras. A investigação a partir dos agricultores que assumiram a gestão das unidades familiares no período recente, buscando conhecer quem são estes novos1 agricultores familiares, a via que utilizaram para ter acesso à terra, suas características, o que estão produzindo, como organizam o trabalho e a vida familiar, parece-nos capaz de revelar uma realidade mais objetiva e concreta. Nesta perspectiva, cabe analisar também qual abordagem teórico-metodológica é mais adequada para entender a complexidade de relações que estabelecem tanto no plano intrafamiliar e do estabelecimento rural, quanto com os demais produtores e com o contexto mais amplo no qual estão inseridos estes novos agricultores familiares. A pesquisa específica que levou a essa reflexão está sendo empreendida na microrregião de Jales (SP, Brasil). 1 O sentido de novos é de que estão há poucos anos à frente da gestão da propriedade, embora o tempo de trabalho na atividade agrícola possa ser de longa data, como o caso dos filhos de agricultores familiares que assumem tardiamente o comando da unidade familiar. 2 3986 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 2. AGRICULTURA FAMILIAR, SUCESSÃO E NEORURALISMO A agricultura familiar é entendida nesse texto como uma forma de produção e modo de vida em que o trabalho e a gestão do estabelecimento são realizados majoritariamente pelos membros da família, incluindo produtores com distintas lógicas produtivas e de reprodução social, assim como diferentes graus de tecnificação, de inserção no mercado e de geração de renda (LAMARCHE, 1993; WANDERLEY, 1999). Portanto, a condição essencial para ser considerada uma unidade familiar é que o produtor e ao menos parte da família trabalhe diretamente na produção, ao mesmo tempo em que exercem a administração da propriedade. Podem incluir pessoas que se aposentaram, compraram uma terra e ao trabalhar e viver cotidianamente na área se tornaram agricultores familiares, embora possam ter uma capacidade de investimento diferenciada dos agricultores tradicionais, devido à renda não agrícola (aposentadoria)2. De acordo com os dados do último Censo Agropecuário do IBGE de 2006, no Brasil, mais 1,5 milhões (35% do total) dos agricultores familiares tinha entre um e dez anos de gestão do estabelecimento, sendo que metade deles iniciara a gestão entre um e cinco anos apenas. No Estado de São Paulo eram mais de 60 mil (40% do total do Estado) e na microrregião de Jales totalizavam 6.449 agricultores (39,6% do total da microrregião). Os dados do Censo Agropecuário de 2006 mostram que o padrão de sucessão com viés de gênero permanece, pois as mulheres representavam uma minoria dentre aqueles que assumiram a gestão na década passada (na microrregião de Jales menos de 10%) (IBGE, 2006). Como já mencionado, em relação ao Censo Agropecuário de 1995/6, em 2006 houve um aumento do número de estabelecimentos familiares, portanto, seja por meio da sucessão hereditária ou pela via dos assentamentos rurais ou ainda pelo mercado de terras, algum tipo de sucessão e/ou criação de novas unidades familiares está ocorrendo. O fato da transferência da terra estar se dando bem mais tarde, provavelmente torna insuficiente e, em alguns casos, inadequado, analisar somente as idéias e perspectivas dos jovens, pois, muitas vezes, é o avô/avó quem dirige o estabelecimento familiar e os pais desses jovens ainda estão aguardando o desfecho da sucessão familiar. 2 Limites estritos de renda agropecuária e de tamanho do estabelecimento em princípio não são adequados para delimitar o universo da agricultura familiar, mas parece-nos que não estabelecer nenhum limite para estes fatores causa distorções, ao incluir produtores que possuem grandes áreas e altas rendas não agrícolas, embora utilizem pouca ou nenhuma mão-de-obra contratada. Este pode ser o problema da proposta realizada por Kageyama, Bergamasco e Oliveira (2013). 3 Atas Proceedings | 3987 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Os produtores familiares enfrentam várias dificuldades que resultam da interação assimétrica e, muitas vezes, contraditória de fatores gerais, como a estrutura fundiária, o tipo de acesso à terra, às políticas macroeconômicas e setoriais; e de fatores internos ou específicos da unidade familiar, como os recursos financeiros disponíveis, a quantidade e a qualificação da mão-de-obra, a tecnologia empregada, a forma de gestão, a distância dos mercados e a possibilidade ou não de combinação de rendas agrícolas e nãoagrícolas. Diante desse quadro, estes agricultores adotam várias estratégias que, frequentemente, aparecem combinadas em uma mesma unidade familiar, como a diversificação da produção; a agregação de valor aos produtos por meio do processamento e/ou comercialização diferenciada; o aumento da escala de produção ou da produtividade de atividades específicas; a produção para autoconsumo; as estratégias educacionais; as estratégias fundiárias; a pluriatividade, entre outras (BOURDIEU, 1990; 1994; WOORTMANN, 1995; TEDESCO, 1999; SANT´ANA, 2003). No entanto, este conjunto de estratégias muitas vezes esbarra na falta de sucessores ou, em alguns casos, contraditoriamente contribui para esse processo. Se um dos principais fatores que contribuem para a reprodução social das unidades de produção familiar é a manutenção dos jovens no campo, já que os filhos seriam os responsáveis em dar continuidade às atividades agropecuárias da família (CAMPOLIN, 2005), é necessário entender o processo sucessório neste segmento social. Anjos et al. (2006) destaca que a sucessão na agricultura familiar não envolve apenas a transferência de um imóvel em si ou patrimônio ao longo de gerações, mas também a transferência de uma cultura que orienta escolhas e de técnicas que garantam ao sucessor a reprodução de uma situação semelhante à original. Woortmann (1995) mostra que as regras de casamento entre parentes e de sucessão, embora possam sofrer modificações diante de contingências, já buscam traçar o destino dos filhos desde quando são ainda crianças, pois há um processo de formação do herdeiro. Em uma pesquisa realizada em assentamentos no brejo paraibano, Menezes et al. (2008) constatou que adolescentes com 14 anos já incorporam hábitos de agricultor, sabendo realizar todas as atividades agrícolas, além de dominar aspectos da gestão do estabelecimento, como também constatou em Santa Catarina por Silvestro et al. (2001). 4 3988 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 Porém na maioria das vezes essa inserção precoce do jovem nesse meio ocorre entre os filhos do sexo masculino, normalmente meninas são poupadas de atividades agrícolas, se voltando mais ao estudo e a serviços domésticos (MENEZES et al., 2008). Panzutti (2006), no entanto, constatou que não participar do trabalho agrícola, não significa vantagem para as mulheres, pois a baixa escolaridade e o caráter patriarcal da família limitam as opções de trabalho fora da agricultura ou mesmo o inviabiliza. Além disso, o desligamento do trabalho agrícola serve de justificativa para a exclusão das mulheres da sucessão na terra, como também é citado por Anjos et al. (2006), para os quais um traço marcante da agricultura familiar é o predomínio masculino na transferência do patrimônio fundiário. Apesar de a sucessão começar desde o início da adolescência ou até na infância, segundo Ahlert (2009), a escolha definitiva do possível sucessor ocorre tardiamente. Este fato aliado a outros fatores como a ampliação do horizonte profissional dos jovens e o atraso da discussão de questões fundamentais para a unidade de produção, faz com que o atual processo sucessório na agricultura familiar não ocorra mais da forma como ocorria anteriormente3, em que o destino da unidade de produção também definia o destino dos membros da família. Silvestro et al. (2001) apontam um duplo problema para a continuidade das unidades familiares: o desinteresse dos filhos pelo trabalho agrícola, o que, em muitos casos, leva a ausência de sucessores; e a transferência da gestão da propriedade para o filho com menor aptidão para o estudo e/ou negócio, o que pode gerar impasses em um mundo cada vez mais exigente em conhecimento tecnológico e de mercado. Mesmo após a escolha do sucessor e proprietário formal da terra, podem ocorrer discordâncias entre os membros da unidade familiar e a adoção de formas provisórias para enfrentar a “crise de sucessão”, como a cessão temporária, o regime de usufruto e a troca de bens (ANJOS et al., 2006). Spavanello (2005) associa a falta de interesse dos jovens ao fato de que, ao buscar o reconhecimento social da sua identidade, estes se defrontam com uma sociedade que não respeita as diversidades do local de origem desses jovens, tomando 3 Até a década de 1960 e 1970 a sucessão das propriedades na agricultura familiar se dava de forma endógena, ou seja, era o pai quem escolhia o sucessor e era uma questão moral assumir esse compromisso (MENDES, CONTE e REIS, 2010). Isso era facilitado, considerando que na época, as oportunidades fora da propriedade eram escassas. 5 Atas Proceedings | 3989 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural muitas vezes como constrangedoras ou até vergonhosas as condições de existência dos agricultores e sua identidade rural. Esse desajuste da identidade social implica na crise da reprodução da nova geração de agricultores, porque enquanto a família permanece ou busca resguardar sua identidade, a dos filhos se diferencia. Porém, ainda segundo a autora, para que um agricultor tradicional possa reproduzir-se é necessário que acredite que seu estilo de vida mereça ser reproduzido e que possa fazer com que seus filhos creiam nisso, o que não ocorre muitas vezes. Wedig et al. (2007) constataram, por meio de depoimentos dos pais, que estes têm vontade que os filhos permaneçam trabalhando na propriedade, porém, não acreditam em um bom futuro dos filhos ali. Os autores constataram diferenças na “vontade” dos pais, pois alguns que tiveram vivências nas cidades e passaram muitas dificuldades, estimulam os filhos a permanecerem na agricultura. As razões de não incentivarem os filhos a irem para a cidade é a grande exploração que estes vivenciaram no meio urbano. De modo geral também o rural é visto como um espaço melhor para a criação dos filhos, podendo-lhes oferecer melhor qualidade de vida. Outros aspectos que levam os pais a buscar a permanência dos filhos na área rural são retratados por Menezes et al. (2008), ao afirmarem que apesar de não ser muitas vezes uma opinião manifesta, a família deseja que os filhos continuem na propriedade, por serem parte integrante da sua força de trabalho no sistema de produção agrícola e por almejarem uma segurança na velhice. Carneiro (1998) e Castro (2005) também constataram esse tipo de ambigüidade do discurso dos produtores e dos filhos, pois, se por um lado que os pais se queixam da saída dos jovens em geral ou que, mesmo residindo com a família, não se interessam pelas atividades agropecuárias; por outro lado ao serem questionados sobre o que desejam para os seus filhos, mencionam o estudo para que consigam um emprego (ou abrir um negócio) fora da agricultura. De forma semelhante os filhos pretendem ter acesso às facilidades e às carreiras urbanas, mantendo os laços com a família e com os valores locais. De certa forma há uma negação do trabalho na agricultura como algo que vá garantir uma vida digna para os filhos, mas permanece o apego à terra e a valorização do modo de vida rural, enquanto espaço de sossego, liberdade e não violência (em oposição às grandes cidades). 6 3990 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 Para Ahlert (2009) parte dos atuais agricultores vê a sua propriedade como uma reserva de valor que pretende negociar como moeda de troca com os filhos no futuro, como segurança financeira para uma vida digna até o fim de sua existência, independente de a propriedade ser utilizada como unidade produtiva ou não. Este comportamento é mais um aspecto que retarda a transferência da propriedade aos filhos. Abramovay (1999), no entanto, salienta que os migrantes rurais são cada vez mais jovens, enquanto, na década de 1960, as migrações ocorriam entre pessoas de 40 a 49 anos, na década de 1990 predominava a faixa etária de 15 e 19 anos. A melhoria dos níveis de escolaridade, embora desejável do ponto de vista de formação do jovem nessa faixa etária, é apontada por alguns estudiosos como um dos principais fatores dessa freqüente saída para o meio urbano, e é um fator também para a mudança da atividade agrícola para a não agrícola. No entanto, deve-se destacar que o significado da pluriatividade e da migração dos jovens não é único. Pereira (2006), ao analisar o caso dos jovens rurais da região de Araraquara (SP), que trabalham na cidade ou são pluriativos, conclui que: (...) a migração para a cidade não significa – necessariamente – uma ruptura fatal com os valores morais e solidariedade entre os jovens e seus familiares que permaneceram no campo, ou ainda o completo abandono - por parte dos jovens das atividades agropecuárias em seus locais de origem (PEREIRA, 2006, p.11). Anjos et al. (2006) em trabalho sobre o Rio Grande do Sul concluem que mais do que a maior ou menor incidência da pluriatividade, são o grau de dinamismo das atividades econômicas de uma região e o tamanho do negócio familiar que afetam o processo sucessório. Em estudos realizados por Ahlert (2009) com jovens, ao avaliar o interesse dos mesmos em assumir a propriedade dos pais e o futuro profissional que desejavam, observou-se que a grande maioria (77,4%) quer efetivamente permanecer ativa em uma propriedade rural, de forma integral ou parcial, no entanto, mesmo querendo ser agricultor, 22,6% destes não desejam assumir a propriedade dos seus pais. Este fato deve-se em grande parte à estrutura patriarcal e centralizada da maioria das unidades familiares que não dá ou limita muito a autonomia dos jovens e até dos adultos, pois as principais decisões são exclusivas do chefe (na grande maioria dos casos, o pai). 7 Atas Proceedings | 3991 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Situação semelhante também foi constatada por Souza et al. (2010) junto a alunos de uma escola técnica de ensino médio em Jales (SP). Mendonça, Ribeiro e Galizoni (2008) analisando o destino de jovens do Alto de Jequitinhonha, MG, mostraram duas maneiras de sucessão. Na pesquisa, 52,5% dos agricultores(as) tornaram-se sucessores(as) de seus pais, ou seja, herdaram a casa e o terreno dos pais e continuavam exercendo as mesmas atividades dos mesmos. Já os 47,5% restantes buscaram outra forma de reproduzir as condições que tinham na propriedade dos pais, tornaram-se agricultores familiares em outros municípios Verificou-se ainda que 26% dos que reproduziram a condição de agricultores(as) familiares em outros locais casaram-se com herdeiros(as) e todo o restante (74%) adquiriu terra por meio da compra. No caso de estabelecimentos familiares sem sucessores, estes são absorvidos por grandes propriedades, adquiridos por outros agricultores familiares que estão em uma trajetória ascendente do ponto de vista econômico ou por pessoas que antes não vinham exercendo atividades agropecuárias. Alguns autores denominam estas pessoas/famílias, que deixam (ao menos em parte) atividades que realizavam nas cidades e se instalam no meio rural para desenvolver atividades agrícolas (muitas vezes diferenciadas daquelas existentes no local) ou não agrícolas, como “neorurais” (GIULIANI, 1990; CAZELLA, 2011) ou novos atores rurais (BRANDENBURG, 2011). O neoruralismo se diferencia de outros processos migratórios (seja para a cidade ou para o campo), pois estes foram motivados pela necessidade, pela busca da sobrevivência, enquanto o que levou os “neorurais” a buscar os valores próprios do meio rural foi a livre escolha individual/familiar (GIULIANI, 1990). O neo-ruralismo estende a esfera da individualidade a uma vasta gama de atividades que não têm necessariamente objetivos econômicos prioritários e cuja finalidade pode ser simplesmente uma prática prazerosa. Esta dimensão do "prazer em fazer" as coisas é que orienta a escolha de novas atividades, de novas relações sociais, de novas formas de sociabilidade e de lazer e de novas formas de identificação (GIULIANI, 1990). Cazella (2011) ao tratar dos neorurais na França (região de Aude) avalia que estes têm dado uma contribuição direta e indireta (por meio do efeito reação ou imitação) importante para a dinâmica de desenvolvimento rural, em termos de 8 3992 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 organização dos produtores, na difusão de novos sistemas de produção (orgânico, por exemplo) e na revalorização da venda direta dos produtos agrícolas nos mercados locais. No Brasil parte significativa dos projetos destes “novos atores” está vinculada à questão ambiental, sendo que: (...) esses personagens questionam o paradigma convencional de produção agrícola e constroem relações sociais a partir de um projeto de vida em que natureza e cultura não se opõem. Esses novos atores não apenas contestam e implementam práticas agrícolas ecológicas, mas se afirmam como sujeitos de um projeto relacionado a um estilo de vida crítico à sociedade de consumo massificado (BRANDENBURG, 2011, p.128-129) Giuliani (1990) adverte, no entanto, que ao contrário dos “neorurais” europeus que vão ao campo reproduzindo o modelo da produção familiar, no Brasil, os “novos rurais” adotam, mais frequentemente, o modelo capitalista (patronal), não diferindo dos grandes produtores tradicionais em relação ao tratamento e remuneração dos trabalhadores, com um agravante, segundo o autor: (...) os "novos-rurais" exigem de seus trabalhadores uma "racionalidade urbana" na organização do trabalho e no processo produtivo, porém lhes impõem condições rurais "tradicionais" quando se trata de salário, moradia ou jornada de trabalho (GIULIANI, 1990) A pesquisa que deu origem a este texto inclui apenas parte “neorurais”, como definido por estes autores, aqueles que ao dirigirem-se ao campo assumiram, diretamente ou em conjunto com a família, a maior parte do trabalho desenvolvido no estabelecimento, ou seja, os “neorurais familiares”. Os agricultores “neorurais” empresariais, que organizam o trabalho basicamente com mão de obra assalariada ou outras modalidades terceirizadas (parceria, arrendamento) não fazem parte do escopo desta investigação. 9 Atas Proceedings | 3993 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 3. MODO DE VIDA E ESTRATÉGIAS COMO EIXOS METODOLÓGICOS DE ANÁLISE A discussão empreendida, sobre a agricultura familiar em relação aos processos de sucessão e sobre as características das famílias provenientes da cidade que assumiram o trabalho e a vida no campo, mostra a grande diversidade e complexidade da ruralidade nos tempos atuais. Para entender como os novos produtores familiares, imersos nessa realidade, organizam a produção, suas relações sociais e os processos sucessórios, é necessário ir além da análise tecnoeconômica ou legal. A análise desses processos exige uma perspectiva teórico-metodológica que esteja fundamentada em categorias analíticas que concebem a realidade e as ações humanas como processos complexos em que não há determinações irreversíveis e unívocas, embora reconhecendo que o capital busca constantemente submeter todas as relações sociais à sua lógica. Esta linha teórica tem como pressuposto que as transformações ocorridas no campo, a partir da segunda metade do século XX, não produziram uma ruptura total e definitiva da agricultura familiar em relação às formas particulares que eram predominantes anteriormente, como o campesinato (WANDERLEY, 1999). Em relação à exploração familiar Lamarche (1993, p.19) afirma que “cada decisão importante é resultante de duas forças, uma representando o peso do passado e da tradição e a outra, a atração por um futuro materializado pelos projetos que ocorrerão no porvir”. O reconhecimento do papel da tradição não é aspecto retrógrado e irracional que deve ser combatido, como algo a ser superado por uma suposta modernidade. Carneiro (1997), ao estudar a agricultura familiar nos países desenvolvidos, comenta que pesquisadores europeus constataram que tem partido da cultura camponesa tradicional a formulação de saídas à crise da economia e do ecossistema provocadas pelas medidas modernizadoras. No caso dos assentamentos, Antuniassi (1993) destaca o importante papel do resgate de práticas e estratégias tradicionais de ajuda mútua ligadas ao parentesco para a manutenção das famílias na área, mesmo em condições adversas. Também a agroecologia, uma das correntes teóricas mais promissoras de questionamento radical desta idéia de progresso contínuo de certos padrões técnicos na agricultura como um ideal a ser perseguido, busca, por meio do diálogo com o 10 3994 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 conhecimento tradicional, construir novas bases ecológicas para se fazer agricultura, aliadas ao estabelecimento de relações mais solidárias e justas entre os agricultores e entre estes e a sociedade (ALTIERI, 2012; MOREIRA; CARMO, 2004). Essa relação entre mudança/permanência e condicionamento/autonomia do sujeito (agente) é expressa por Bourdieu (1974; 1983; 1990) no conceito habitus. O habitus enquanto um “sistema de disposições inconscientes que constitui o produto da interiorização das estruturas objetivas (...) tende a produzir práticas e, por esta via, carreiras objetivamente ajustadas às estruturas objetivas” (BOURDIEU, 1974, p.201-2). Segundo Bourdieu (1983) o ajustamento das práticas às estruturas não é uma determinação absoluta, portanto não impede que o habitus tenha um caráter histórico. O conceito de habitus é adequado para se pensar as estratégias dos produtores familiares, pois estas frequentemente são edificadas com base em uma tradição bastante forte e se constituem em reações, busca de alternativas ou adaptações frente a alguma restrição imposta pelas condições objetivas de trabalho e de vida, dadas pelos condicionantes mais gerais de uma determinada sociedade. As estratégias nem sempre são sistemas conscientes “mas uma relação inconsciente entre um habitus e um campo. As estratégias [...] são ações objetivamente orientadas em relação a fins que podem não ser os fins subjetivamente almejados” (BOURDIEU, 1983, p.94). Há uma dupla (in)determinação: as condições sociais, econômicas e políticas de um determinado contexto e o habitus influenciam decisivamente as estratégias utilizadas em termos de objetivos e em relação às finalidades efetivamente alcançadas; mas nem tudo é mecanicamente determinado externamente ao sujeito, este também têm possibilidade de respostas ativas; ao mesmo tempo que nem todas as ações/práticas desenvolvidas pelo sujeito têm uma finalidade consciente (SANT´ANA, 2003). A análise da agricultura familiar a partir das estratégias dos produtores se contrapõe às vertentes que atribuem um caráter transitório à produção familiar na agricultura, pois esta tenderia a desaparecer com o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas. Sem desprezar os determinantes estruturais, este enfoque considera necessário examinar o papel desempenhado pelas ações dos sujeitos na construção de suas estratégias de vida, ainda que parcialmente subordinados e limitados pela sociedade envolvente e pelo processo histórico mais geral. 11 Atas Proceedings | 3995 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural As estratégias estão fundamentadas em um habitus, mas também envolvem projetos, e estes estão em permanente construção, em constante adaptação às condições e possibilidades do campo e ao próprio habitus e experiências dos sujeitos. As estratégias são processos, construções que nunca atingem uma forma definitiva, são fluídas e não estruturas rígidas, pré-concebidas (SANT´ANA, 2003). A forma como são construídos esses projetos se torna mais inteligível, quando analisados como parte de determinados modos de vida. Para Lobo (1992), as análises realizadas a partir da noção modos de vida enfatizam as práticas cotidianas, as tradições, a diferenciação interna, suas representações dos sujeitos, assim como a internalização subjetiva de suas condições materiais de existência. O conceito de modo de vida é abrangente, não se limita aos indicadores objetivos das condições materiais de vida e trabalho e nem mesmo ao habitus, às dimensões que estão incorporadas ao modo ser, pensar e agir do indivíduo (ou grupo), resultantes dos condicionamentos objetivos. Este conceito abrange também um projeto. É o modo de vida que dá sentido às interrelações entre as estratégias, embora nem sempre seja produto de escolhas racionais e lógicas e, como elemento histórico, esteja em permanente (re)construção (SANT´ANA, 2003). Deve-se ressaltar que a existência de um projeto não é um a priori, um dado, mas uma possibilidade. As estratégias, portanto, expressam e são expressão de um modo de vida; buscam configurar e, ao mesmo tempo, sofrem a mediação desse mesmo modo de vida. As estratégias tanto podem buscar conservar um modo de vida, reagindo às pressões restritivas advindas de mudanças em um campo, como podem orientar esforços práticos e simbólicos para mudar a composição de forças internas ao jogo ou ainda para subverter suas regras, visando a (re)construção de um outro modo de vida projetado (embora, este também seja produto da memória e do vivido) (SANT´ANA, 2003). Na construção de um modo de vida também não cabe tentar separar as dinâmicas internas e externas desse processo, pois estas estão imbricadas e se retroalimentam (FERRANTE e BARONE, 2008), seja no caso de agricultores familiares tradicionais ou dos “neorurais familiares”. Bourdieu (1994), embora identifique diferentes classes de estratégias, ressalta que estas formam um sistema cronologicamente articulado, de modo que uma estratégia 12 3996 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 pode substituir a função de outra ou ser mais importante do que outras em determinado contexto ou de acordo com o ciclo de vida da família. Pode-se acrescentar que há também uma complexa rede de interrelações e combinações entre as diversas classes de estratégias. As estratégias de grupos sociais, como os produtores familiares, podem abranger, portanto, os aspectos produtivos, de comercialização, de crédito, de organização, de formação técnico-profissional e de administração, como também outros aspectos ligados à vida social e à cultura dos produtores, como os valores, as tradições e as normas que informam as relações familiares, a educação dos filhos, as relações comunitárias tradicionais, as alianças, as relações de parentesco e descendência, os casamentos, o tipo de partilha, a migração, o desenvolvimento de atividades não agrícolas, entre outras (SANT´ANA, 2003). Observa-se que os conceitos de estratégias e modo de vida permitem analisar a complexidade do mundo rural contemporâneo, buscando apreender as particularidades expressas nas distintas formas de reagir frente a um contexto específico, vivenciado pelos diferentes segmentos de agricultores familiares, sem deixar de considerar as limitações (também diferenciadas) que processos mais amplos, ligados à economia e à política impõem a estes produtores. Para Brandenburg (2011) o rural e os agricultores familiares, quando apreendidos também em suas dimensões particulares, podem contribuir para soluções mais amplas, fora do paradigma moderno convencional. Inserido globalmente na era do capital financeiro, no mundo da informação, da vivência multicultural e da troca mercantil, o rural se (re)constrói a partir da singularidade de suas diversas situações. (...) Essa recorrente construção de práticas remete para uma experiência inscrita num saber e numa visão de mundo que se refaz à luz de informações e de conhecimentos do mundo contemporâneo globalizado. (...) Há uma diversidade de grupo de agricultores com experiências diferenciadas que buscam se realizar mediante projetos e expectativas que nem sempre são as previstas na sociedade. Esses projetos surgem como inovações, mas se apresentam como alternativas às soluções convencionais e ultrapassam o padrão tido como moderno (BRANDENBURG, 2011, p.131). As transformações no processo sucessório, as diferentes combinações e rearranjos das formas tradicionais e também legais de transmissão da herança, ocorrem um contexto de mudanças técnicas, econômicas, ambientais e das características das 13 Atas Proceedings | 3997 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural famílias; ao mesmo tempo o retorno ao rural ou a constituição de novas unidades familiares por “neorurais” também podem envolver motivações e famílias com perfis diferenciados. Avaliamos que todas estas mudanças ganham maior inteligibilidade quando apreendidas e interpretadas a partir da análise de como são reconfigurados os modos de vida das famílias e redimensionadas suas estratégias de reprodução social. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os vários trabalhos sobre esses temas permitiram identificar os mecanismos quem têm causado o êxodo de jovens e alguns impasses vividos pelas famílias, como a dificuldade de diversificação da geração de renda, as exigências do trabalho na agricultura combinada com a sua desvalorização social, a dificuldade de conciliar o trabalho não-agrícola e o modo de vida rural, a estrutura patriarcal da maioria das unidades familiares e a falta de infra-estrutura geral no campo, especialmente aquelas ligadas ao lazer. Quase todos os trabalhos confirmam a crise de sucessão e delineiam uma perspectiva sombria para a agricultura familiar. As pesquisas também apontam que a sucessão tem ocorrido cada vez mais tarde, mas não há trabalhos sobre quem são esses sucessores recentes, aqueles agricultores que assumiram nos últimos anos, efetivamente, a gestão da unidade familiar. Já os trabalhos que tratam dos “neorurais” apontam para as potencialidades de mudanças que estes agricultores trazem, ao introduzir novas racionalidades, mas também indicam que velhas formas de dominação e exploração dos trabalhadores rurais e agricultores familiares podem estar associados a este fenômeno. Diante desse quadro, os conceitos de estratégias e modo de vida são categorias de análise que, potencialmente, propiciam a compreensão da diversidade e complexidade do mundo rural contemporâneo, pois buscam apreender as particularidades expressas nas distintas formas de viver e de reagir dos diversos segmentos de agricultores familiares que assumiram o trabalho e a gestão de um estabelecimento rural familiar nos últimos anos, diante dos constrangimentos também diferenciados impostos pelo mundo capitalista globalizado. 14 3998 | ESADR 2013 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 5. 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Email: [email protected] RESUMO As atuais empresas agrícolas resultam de um conjunto de ajustamentos realizados com o objetivo de tornar os negócios mais organizados e adaptados às necessidades do Homem. A componente económica tem-se revelado essencial para a sustentabilidade destas empresas, no sentido da gestão mais eficiente dos seus recursos, sendo a contabilidade uma ferramenta primordial na tomada de decisões. Pretende-se com este trabalho analisar criticamente a evolução do procedimento contabilístico para o setor agrícola, bem como analisar a evolução dos resultados económicos e de indicadores técnico-económicos das explorações agrícolas. A principal metodologia seguida incide na consulta e análise crítica da legislação contabilística para o setor e da literatura da especialidade. Procede-se, ainda, ao cálculo e análise da evolução de importantes indicadores técnico-económicos de um conjunto de explorações localizadas na região Norte interior do país, tendo por base os seus documentos contabilísticos. Os resultados encontrados confirmam a necessidade de refletir sobre os motivos que levam ainda grande parte das explorações agrícolas nacionais a não apresentarem dados patrimoniais. Verifica-se também que a opção dos empresários agrícolas por um determinado sistema de contabilidade - organizada ou simplificada – prende-se muitas vezes com o custo e benefício obtidos, nomeadamente em termos fiscais. Relativamente aos casos de estudo realizados, que assentam numa diversidade de situações, destaca-se que o empresário agrícola nem sempre disponibiliza ou arquiva todos os comprovativos obtidos com os gastos efetivos da exploração, impedindo o apuramento rigoroso dos seus resultados, com consequências ao nível da tomada de decisões inerentes à sua atividade. Constata-se ainda, na maioria das explorações sob estudo, o contributo económico indispensável das ajudas monetárias que recebem, sem as quais seria inviabilizado o exercício das atividades agro-pecuárias. Palavras-chave: parâmetros. Contabilidade; indicadores técnico-económicos; evolução de Atas Proceedings | 4003 1 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural 1. INTRODUÇÃO A contabilidade das empresas agrícolas, apesar de constituir uma ferramenta primordial de apoio à tomada de decisões, é um tema pouco explorado na comunidade científica. Os poucos documentos e manuais que existem sobre o assunto, ainda que retraiam aspetos atuais e aplicáveis aos nossos dias, remontam às décadas de 70 e 80. Estudos recentes sobre a aplicação das normas contabilísticas na agricultura comprovam também a escassez de informação no âmbito desta temática, como podemos verificar no trabalho de André (2012), sobre “O tratamento dos activos biológicos nas microentidades”. Neste estudo, que se encontra ainda em curso, pretende-se analisar criticamente a evolução da contabilidade a nível nacional, direcionada para o setor de atividade agrícola, bem como identificar os sistemas de contabilidade atuais, realçando as suas possíveis lacunas e limitações. É ainda objetivo deste trabalho analisar a evolução dos resultados económicos e de indicadores técnico-económicos das explorações agrícolas em estudo, tendo por base os seus registos contabilísticos. 2. EVOLUÇÃO CONTABILÍSTICA PARA O SETOR AGRÍCOLA A contabilidade portuguesa tem raízes no século XVIII com a criação da Junta do Comércio, por Marquês de Pombal, através do Real Decreto de 30 de Setembro de 1755. Segundo Costa (1989), até 1987 não existia nenhuma imposição legal que obrigasse as empresas agrícolas a possuírem contabilidade. Só a partir desse ano, com a introdução do Imposto sobre a Indústria Agrícola, posteriormente integrado no código do Imposto das Pessoas Singulares (IRS) e do Imposto sobre as Pessoas Coletivas (IRC), é que as empresas agrícolas passaram a ter obrigações contabilísticas e fiscais. A aplicação do código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), embora apenas optativo para a atividade agrícola, veio obrigar os sujeitos passivos de imposto a disporem de um sistema de contabilidade que lhes permitisse efetuar o seu apuramento. Por outro lado, a Portaria n.º 715/86 transpôs o Regulamento (CEE) n.º 797/85 relativo 4004 | ESADR 2013 2 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 à melhoria da eficácia das estruturas agrícolas, e com o Decreto-Lei n.º 172-G/86 viu-se definido que as explorações agrícolas só poderiam beneficiar de comparticipações de fundos comunitários de apoio aos investimentos desde que tivessem contabilidade simplificada, da qual constasse um balanço anual que permitisse avaliar o ativo e o passivo da exploração e um registo de receitas e despesas. Este regulamento obrigou diversas explorações a apresentarem os factos patrimoniais da exploração e declararem os seus rendimentos agrícolas às Finanças. Constata-se, portanto, que a atividade agrícola necessitou nesta fase de possuir um sistema de contabilidade para, por um lado, respeitar as regras do apuramento do IVA, quando enquadrada nesse regime, e, por outro, registar os factos patrimoniais para cumprir as obrigações inerentes ao recebimento de apoios comunitários e declarar os proveitos. Na verdade, a contabilidade das empresas agrícolas deve permitir responder quer às exigências declarativas fiscais quer ao cálculo do custo por produto e apresentar ainda um conjunto de informações necessárias a uma tomada de decisão mais consciente e racional, como defendem Pereira e Franco (1994). Rodrigues (1994) identifica três grupos de sistemas de contabilidade aplicados às empresas agrícolas: os Sistemas de contabilidade geral, externa ou financeira; o Sistema de contabilidade analítica ou de gestão; e o Sistema de contabilidade misto. O primeiro disponibiliza informação externa e tem como função registar os factos patrimoniais ocorridos na exploração com o objetivo de construir um histórico das relações estabelecidas entre a exploração e os agentes económicos. Este sistema caracteriza-se por possuir um código de contas e um balanço onde estão refletidos todos os elementos patrimoniais do ativo, passivo e situação líquida. Anualmente é apurado o resultado líquido do exercício, onde são traduzidos os custos e proveitos do exercício. Dentro deste grupo reconhece-se: (i) o sistema de contabilidade simplificada - mais simples e, por isso, sem necessidade de um Técnico Oficial de Contas responsável, sendo, no entanto, obrigatório possuir os livros de registos de acordo com o artigo 50 n.º 1 do CIVA e a forma de tributação é feita de acordo com a aplicação de coeficientes em função da natureza dos proveitos; (ii) o sistema de contabilidade organizada - sistema de contabilidade estruturado, regido pelo Sistema de Normalização Contabilística (SNC) ou outra legislação equiparada, que carece de um Técnico Oficial de Contas responsável 3 Atas Proceedings | 4005 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural pela execução da contabilidade, que obriga à existência de uma conta bancária afeta apenas à atividade e a tributação do imposto é feita em função do Resultado Líquido do Período, que resulta da diferença entre o total dos proveitos e o total dos custos. O sistema de contabilidade analítica ou de gestão disponibiliza informação interna, isto é, para a empresa, e está direcionado para a tomada de decisões de gestão. Permite o cálculo de resultados gerais e por atividade, para posterior análise. Este sistema de contabilidade pode ser utilizado em articulação com o sistema de contabilidade geral. Os sistemas de contabilidade mistos são sistemas que contemplam simultaneamente características da contabilidade geral e da contabilidade analítica. No setor agrícola temos o Sistema Único de Contabilidade Agrícola criado pelo então Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação (MAPA) e adotado pela Rede de Informação de Contabilidades Agrícolas (RICA). Este sistema surgiu para dar resposta às necessidades de registo e tributação no âmbito dos apoios comunitários recebidos e para obter informação interna para efetuar a gestão da empresa agrícola. No quadro seguinte, podemos visualizar os principais sistemas de contabilidade aplicados ao setor agrícola, bem como as principais obrigações e necessidades da empresa que os mesmos permitem dar resposta. Quadro 1 – Sistemas de Contabilidade para o setor agrícola SISTEMAS DE CONTABILIDADE SISTEMA DE CONTABILIDADE GERAL Contabilidade Simplificada Contabilidade Organizada SISTEMA DE CONTABILIDADE ANALÍTICA Contabilidade Analítica ou de Gestão MB SISTEMA DE CONTABILIDADE MISTO SUCA (Contabilidade Simplificada) Fonte: Adaptado de Costa (1989). Obrigações Fiscalidade Investimentos Comunitários IRS IRC IVA Necessidades de Gestão da Empresa Agrícola X X X X X X X - X - - - X X X - X X Em termos de normativos contabilísticos aplicados ao setor agrícola, em particular, e à generalidade das outras atividades, antes da aprovação do Plano Oficial de Contabilidade (P.O.C.), em 1977, publicado pelo Decreto-Lei 47/77, não existia qualquer legislação que definisse a forma de apresentar factos patrimoniais. Apenas o setor dos seguros e da banca tinham normativos próprios. Sendo o P.O.C. um normativo 4006 | ESADR 2013 4 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 transversal à generalidade dos setores empresariais, não previa o tratamento de alguns aspetos específicos relacionados com o setor agrícola, o que gerava por vezes diversas dúvidas e incertezas. Neste sentido, surgiu, em Dezembro do ano 2000, a primeira norma contabilística destinada especificamente à atividade agrícola - Norma Internacional de Contabilidade IAS 41 - aprovada pelo Conselho do International Accounting Standards Board (IASB), com o objetivo de estabelecer o tratamento contabilístico, a apresentação das Demonstrações Financeiras e divulgações referentes ao setor agrícola. Com a evolução da economia e a era dos mercados globais, tornou-se necessário aplicar normativos contabilísticos que permitissem que as demonstrações financeiras dos vários países da União Europeia se tornassem comparáveis entre si. Como resultado surgiu o SNC, em vigor em Portugal com a publicação do Decreto-Lei n.º 158/2009. Este normativo introduziu alterações profundas na forma de executar a contabilidade, originando, posteriormente, a publicação de uma série de normas ajustadas à dimensão das entidades. O SNC é composto pelos seguintes elementos: Bases para a apresentação das demonstrações Financeiras; Modelos de Demonstrações Financeiras; Código de Contas; Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro; Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro para Pequenas Entidades; e Normas Interpretativas. Este sistema contempla ainda a Norma Contabilística de Relato Financeiro n.º 17, especificamente aplicada ao setor agrícola, cujo principal objetivo “é o de prescrever o tratamento contabilístico, a apresentação de demonstrações financeiras e as divulgações relativas à actividade agrícola” (Comissão de Normalização Contabilística, 2007: 1). Entre os vários princípios e regras contabilísticas que esta norma contempla, destaca-se a aplicação do justo valor na valorização dos ativos biológicos, a qual tem originado dúvidas quanto à sua aplicação prática ao setor agrário, nomeadamente ao nível da valorização dos ativos biológicos de produção, consumíveis e os produtos resultantes de processamento após colheita. A sua mensuração errada, como indica Cardoso (sd), “conduz à subjectividade e por conseguinte à manipulação dos registos, impossibilitando um retrato da realidade económica da empresa”. Esta situação deriva também do facto do Sistema de Informação de Mercados Agrícolas (SIMA), criado com o objetivo de acompanhar o mercado dos produtos agrícolas, apresentar como limitação 5 Atas Proceedings | 4007 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural a não disponibilização de informação sobre todos os produtos, nem sobre ativos biológicos que não sejam transacionados, como é o caso das plantações. O SNC tem-se verificado um sistema complexo e burocrático para a maioria das pequenas empresas, tendo sido recentemente instituídos, através da publicação da Lei n.º 20/2010, de 23 de Agosto e do Decreto-Lei 36-A/2011, de 9 de Março, a Norma Contabilística de Relato Financeiro para Pequenas Entidades e o regime de normalização contabilística para as microentidades respectivamente, também eles aplicados ao setor agrícola, e que prevêem estabelecer um regime especial simplificado das normas para empresas de reduzidas dimensões. 3. ABORDAGEM METODOLÓGICA Como metodologia principal deste trabalho foi utilizada a pesquisa exploratória (estudo de caso) que, segundo Barañano (2008: 102), “… é um método de investigação utilizado no âmbito das Ciências Sociais que pressupõe uma apresentação rigorosa de dados empíricos, baseada numa combinação de evidências quantitativas e qualitativas”. Como objeto de estudo foram selecionadas vinte explorações agrícolas, cujas principais características se apresentam de seguida. A amostra foi recolhida através do recurso à base de dados de clientes da empresa AGRIREAL – Consultoria, Produção e Comercialização, Lda. Trata-se de uma empresa que atua no setor agrário há mais de uma década e, através das parcerias desenvolvidas com o Centro de Gestão Agrária do Cima Corgo, associação sem fins lucrativos que apoia o agricultor, dispõe de um leque abrangente e representativo de explorações agrícolas ao nível da região da Direção Regional de Agricultura e Pescas (DRAPN). A investigação foi efetuada com base nos dados recolhidos junto dos empresários agrícolas, garantindo-lhes o seu anonimato, tendo em vista a identificação, cálculo e análise de resultados e indicadores técnico-económicos para cada uma das explorações agrícolas em estudo, identificados e calculados de acordo com Avillez et al. (1987). Foram observados os elementos presentes nos diversos documentos contabilísticos e fiscais dos empresários referentes aos três exercícios económicos 4008 | ESADR 2013 6 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 (2009, 2010 e 2011); informações dos Pedidos Únicos de Ajudas e listagens do Sistema Nacional de Registo de Bovinos (SNIRB) com a movimentação do efetivo pecuário, entre outras informações facultadas pelos empresários. Os anos de análise escolhidos foram 2009, 2010, e 2011, por serem os mais recentes no momento da constituição da amostra. A informação obtida foi analisada e posteriormente foram calculados os resultados e indicadores técnico-económicos das diversas explorações em estudo, procedendo-se à sua análise comparativa. Segundo Costa (1989), para efectuarmos a análise de uma empresa, necessitamos de comparar os seus indicadores com os de outras empresas de referência, comparáveis entre si, que nos possibilitem avaliar os resultados obtidos. Ainda de acordo com o autor, as referências utilizadas poderão ter três origens diferentes: valores médios de empresas situadas na mesma zona, com o mesmo tipo de produção e orientação produtiva; valores inicialmente definidos pela empresa no plano previsional anteriormente elaborado e nos valores médios divulgados pelos serviços técnicos. Neste trabalho, os parâmetros obtidos foram comparados com os dados não publicados, mas facultados pelo Gabinete de Planeamento e Políticas (GPP), recolhidos das contabilidades de explorações agrícolas situadas na região da DRAPN, em Portugal, no âmbito da Rede de Informação de Contabilidades Agrícolas (RICA), para os anos sob análise, e atendendo quer à Dimensão Económica (DE) quer à Orientação TécnicoProdutiva verificada (OTE). 3.1. Objeto de estudo As vinte explorações estudadas encontram-se distribuídas por nove concelhos localizados na zona da DRAPN de Portugal Continental e todas elas apresentam a forma jurídica de empresário em nome individual. O Quadro 2 detalha as principais características destas explorações. O ano de início da atividade agrícola situa-se entre 2004 e 2010, o que nos permite constatar que se tratam de empresas relativamente jovens. Este facto irá traduzir-se, como se visualizará posteriormente, em elevados custos com amortizações, o que reduzirá significativamente o lucro obtido. 7 Atas Proceedings | 4009 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Oito explorações apresentam tipologia patronal e doze são de âmbito familiar. No que se refere ao sistema de contabilidade adotado, seis das explorações em estudo possuem sistema de contabilidade organizada e catorze utilizam o sistema simplificado. Segundo Pereira (2011), e de acordo com os censos agrários realizados em 2009, das 305.266 explorações agrárias inquiridas, apenas 16% (49.652) dispunham de um registo dos factos patrimoniais ocorridos na exploração e só 8% (25.184) apresentavam contabilidade organizada. Estes resultados levantaram a necessidade de se refletir sobre os motivos que levam 84% das explorações agrícolas a não apresentarem dados patrimoniais. Na amostra dos casos de estudo, verifica-se que as explorações agrícolas com contabilidade organizada apresentam por regra uma descrição mais detalhada das receitas e principalmente das despesas. Este aspeto justifica-se pelo facto do sistema de contabilidade organizada ser mais complexo e minucioso no tratamento contabilístico do que o sistema de contabilidade simplificada e por os custos entrarem em consideração no cálculo do imposto a pagar ao Estado. Quadro 2 - Caraterização das explorações agrícolas em estudo N.º Exploração 1 2 3 4 5 6 Localização Geográfica (Concelho) Sabrosa Sabrosa Sabrosa Moimenta da Beira S. João da Pesqueira S. João da Pesqueira Ano de início de atividade 2006 2006 2006 2006 2009 2010 Tipo de Empresa Agrícola Patronal Patronal Patronal Familiar Patronal Familiar Sistema de contabilidade Principal Simplificada Organizada Simplificada Simplificada Simplificada Simplificada Viticultura Viticultura Viticultura Fruticultura Viticultura Viticultura 7 8 2009 2009 Familiar Patronal Simplificada Organizada Viticultura Viticultura 9 10 Sabrosa S. Marta de Penaguião S. João da Pesqueira Moimenta da Beira 2008 2010 Familiar Familiar Simplificada Simplificada Viticultura Viticultura 11 Alijó 2008 Patronal Simplificada Viticultura 12 Sabrosa 2009 Familiar Simplificada Bovinicultura 13 Lousada 2006 Familiar Simplificada Bovinicultura 14 15 16 17 18 19 20 Alijó Alijó Sernancelhe V. Pouca de Aguiar V. Pouca de Aguiar Vila Real Sabrosa 2004 2006 2009 2006 2006 2006 2007 Patronal Familiar Familiar Familiar Familiar Familiar Patronal Organizada Simplificada Organizada Simplificada Organizada Organizada Simplificada Bovinicultura Bovinicultura Caprinicultura Bovinicultura Bovinicultura Bovinicultura Bovinicultura Fonte: Elaboração própria 4010 | ESADR 2013 Atividade Secundária Olivicultura e Fruticultura Horticultura e Fruticultura Horticultura e Fruticultura Fruticultura, Horticultura e Olivicultura Culturas Forrageiras e viticultura Leite e derivados 8 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 Constata-se, ainda, no Quadro 2, que das vinte explorações apresentadas, 14 desenvolvem apenas um tipo de atividade, que é o caso da viticultura, bovinicultura ou fruticultura. Nos restantes 6 casos, existe a produção de múltiplas atividades, muito embora exista sempre a cultura principal, da qual se obtêm os rendimentos mais significativos da exploração. O facto de existirem por vezes sistemas produtivos mistos, deve-se não só à maximização do aproveitamento de área da exploração para diversas culturas, como também dos incentivos promovidos pela aplicação da Política Agrícola Comum (PAC), através dos subsídios agrícolas à atividade corrente e das ajudas ao investimento, bem como da promoção da instalação na atividade. As raças de bovinos exploradas são a Maronesa (explorações n.º 12, 13, 14, 15, 17, 18 e 20), Barrosã (exploração n.º 19) e Cruzado de Carne (exploração n.º 13). A exploração n.º 16 dedica-se à raça de caprinos Sannan. No quadro seguinte, podemos observar a Superfície Agrícola Utilizada (SAU), as Cabeças Normais (CN) e as Unidades de Trabalho Anual (UTA) presentes nas explorações em estudo ao longo de cada exercício. Quadro 3 – SAU, CN e UTA das explorações agrícolas em estudo, entre 2009 e 2011 N.º da Exploração SAU da Exploração (Ha) 2009 2010 16,78 19,35 1 17,8 18,24 2 20,83 20,83 3 19,56 19,56 4 5,09 8,2 5 0 0 6 0 0 7 0 17,61 8 5,08 5,29 9 0 9,37 10 6,7 8,07 11 35 33,41 12 33,4 33,4 13 188,06 216,92 14 20,83 25,76 15 110,46 110,46 16 44,45 88,93 17 55,74 51,17 18 41,86 43,67 19 27,04 35 20 Fonte: Elaboração própria 2011 19,09 18,04 20,83 21,01 5,09 7,79 5,21 13,63 5,29 8,98 10,37 36,93 33,4 216,92 20,83 110,46 89,26 48,08 43,68 0 CN da Exploração 2009 9,48 23,12 144,45 18,27 15,45 58,07 42,35 48,37 36,62 2010 17,23 11,93 115,35 3,57 15,45 61,16 47,49 53,68 43,79 2011 17,9 0,23 20,38 15,45 71,98 40,62 35,93 - UTA da Exploração 2009 4,67 5,58 3,74 2,39 2,37 0 0 0 1,18 0 1,18 2,35 2,35 2,93 2,35 2,74 2,74 2,74 2,74 2,35 2010 4,67 5,58 3,74 2,39 2,37 0 0 2,93 1,18 1,18 1,18 2,35 2,35 2,93 2,35 2,74 2,74 2,74 2,74 2,35 2011 4,67 5,58 3,74 2,39 2,37 1,18 1,18 2,93 1,18 1,18 1,18 2,35 2,35 2,93 2,35 2,74 2,74 2,74 2,74 0 9 Atas Proceedings | 4011 VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Verificamos uma diversidade de dimensões de áreas das explorações em estudo, desde os 5,08 até aos 216,92 ha, sendo as explorações que possuem efetivo pecuário aquelas que apresentam uma área maior, relativamente às explorações exclusivamente vegetais. Também o número de CN exploradas apresenta uma amplitude bastante dispar, compreendida entre as 0,23 (ano de 2011) e as 144,45 CN (ano 2009), verificada surpreendentemente na mesma exploração (n.º 14), devido à venda de grande parte do efetivo, decorrente da pretensão do abandono da atividade pelo empresário. Constata-se ainda que enquanto as áreas subiram levemente entre os dois primeiros anos sob análise (40,54 para 42,51 Ha, em média), recuaram no ano seguinte (para 38,68 Ha), tem-se vindo a verificar um decréscimo no número médio anual de CN exploradas (44,02; 41,07; e 28,93, para 2009, 2010 e 2011, respetivamente). Quanto às UTA verifica-se também uma multiplicidade de valores, variando entre as 1,18 e as 5,58 UTA. 4. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Apresentam-se nos pontos seguintes as principais fontes de receita e custos recolhidos das explorações em estudo, com base nos quais foram calculados os seus resultados e indicadores técnico-económicos. Os valores apresentados encontram-se arredondados à unidade. Por forma a uma correta comparação entre estes parâmetros com os dados facultados pelo GPP (não publicados - np) provenientes de amostras de contabilidades agrícolas, agrupadas por classe de Dimensão Económica (DE) e classes de Orientação Técnico-Económica (OTE), apresentam-se os quadros 4 e 5 com a classificação atribuída às explorações em estudo. Quadro 4 – Classes de Dimensão Económica apresentadas nos estudos de caso. Classe DE 1 2 Valores em euros 0 até 25000 euros 25000 a 50000 euros Fonte: Elaboração própria 4012 | ESADR 2013 N.º Exploração 1,4,5,6,7,8,9,10,11,12,13,14,15,16,17,18,19,20 2e3 10 Dinâmica da agricultura para o futuro: metodologias de investigação e prospetivasP15 Quadro 5 – Classes de Orientação Técnico-económica apresentadas nos estudos de caso Classe OTE 3 7 11 12 17 Descritivo OTE Horticultura e outras culturas Extensivas Frutos Frescos (Inc. Citrinos e Uva de mesa) Bovinos Carne Ovinos / Caprinos Mistas Culturas e Pecuária Fonte: Elaboração própria N.º da Exploração 10, 11 1,2,3,4,5,6,7,8,9 14, 15, 17, 18, 19, 20 16 12, 13 Grupo de análise 1 2 3 Sem dados 4 DE 1 1e2 1 1 1 Com base nas classificações efetuadas nos quadros 4 e 5, procedemos à constituição dos seguintes grupos, similares aos facultados pelo GPP (np), e necessários para as posteriores análises comparativas, tendo sido atribuídas colorações diferentes no sentido de facilitar as respetivas correspondências: Grupo 1 (rosa): constituído pelas explorações 10 e 11 e enquadradas na DE 1; Grupo 2: possui explorações enquadradas na OTE 7, cultura de frutos frescos, o DE 1 (verde claro): explorações 1, 4, 5, 6, 7, 8, 9; o DE 2 (verde escuro): explorações 2 e 3; Grupo 3 (roxo): constituído por explorações enquadradas na OTE 11, bovinos de carne e contemplam as explorações 14, 15, 17, 18, 19 e 20. Tratam-se de explorações enquadradas na DE 1; Grupo 4 (azul): representa explorações com atividades vegetais e de pecuária, OTE 17, e enquadradas na DE 1. Correspondem as explorações n.º 12 e 13. Para a exploração 16, cuja atividade principal é caprinicultura, não foram disponibilizados dados correspondentes pelo GPP (np). 4.1. Proveitos da Exploração Os proveitos apresentados resultam do apuramento do Produto Bruto (PB) vegetal e animal, calculados de acordo com Avillez et al. (1987), acrescidos dos subsídios correntes à exploração obtidos através do Regime de Pagamento Único, cujo montante varia em função da área explorada, direitos detidos pelo agricultor e respetivo valor, tipo de culturas desenvolvidas, entre outros. Nas explorações em estudo exclusivamente vegetais, o seu PB apresenta um valor mínimo de 1.302,27 €, em 2009, e um valor máximo de 58.720,10 €, em 2010. Em termos evolutivos, verifica-se que, entre 2009 e 2010, algumas destas explorações aumentaram o seu PB (explorações 1, 3, 5, 11 e 13), enquanto outras viram o seu valor ser reduzido (explorações 2, 4 e 12). Entre 2010 e 2011, verificou-se um aumento no PB vegetal nas explorações 2, 6, 8, 9, 10, 12 e 13. 11 | 4013 Atas Proceedings VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente e Desenvolvimento Rural Quanto às explorações com vocação animal, o seu PB oscila entre -12.871,24 € e 180.692,46 €, ambos verificados em 2010. Em termos evolutivos, é a exploração com o número 17 que apresenta um PB animal mais constante, apesar desta ter sofrido alterações acentuadas na SAU explorada (Quadro 6). Quadro 6 – Proveitos anuais das explorações em estudo, entre 2009 e 2011, em Euros N.º da Exploração 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 PB Vegetal 2009 22.653 46.554 58.602 14.950 8.043 0 0 0 0 0 1.302 10.980 3.450 0 0 0 0 0 0 0 2010 29.853 44.516 58.720 14.106 23.464 3.367 0 38.572 12.345 2.200 1.901 9.220 8.035 0 0 0 0 0 0 0 Fonte: Elaboração própria PB Animal Subsídios à Exploração 2011 2009 2010 2011 2009 17.505 0 0 0 1.136 49.970 0 0 0 3.791 39.930 0 0 0 2.862 5.660 0 0 0 3.914 22.423 0 0 0 1.166 5.076 0 0 0 0 7.300 0 0 0 0 48.970 0 0 0 0 27.950 0 0 0 0 5.665 0 0 0 0 1.476 0 0 0 226 10.464 0 3.010 1.442 1.211 15.068 4.596 3.691 0 16.622 0 15.727 180.693 4.137 34.699 0 5.791 -2.429 8.383 17.987 0 0 5.196 8.284 1.828 0 5.903 6.389 6.893 12.165 0 5.398 -12.871 8.866 25.092 0 -2.681 11.202 18.078 16.047 0 2.395 19.142 0 21.774 2010 9.906 8.387 9.750 7.496 2.558 1.083 0 0 2.928 829 3.125 6.795 35.283 72.417 29.943 5.189 24.924 30.878 17.711 16.013 2011 6.636 5.412 3.195 4.512 6.896 3.526 1.917 0 2.735 4.443 8.005 19.339 19.819 24.462 17.826 24.629 28.650 24.044 27.482 0 Total dos Proveitos 2009 23.789 50.344 61.464 18.864 9.209 0 0 0 0 0 1.529 12.191 24.668 50.425 23.778 1.828 18.069 30.490 13.366 24.169 2010 39.759 52.903 68.470 21.602 26.023 4.450 0 38.572 15.273 3.029 5.026 19.025 47.008 253.110 27.514 10.385 31.313 18.007 28.913 35.155 2011 24.141 55.382 43.125 10.172 29.319 8.603 9.217 48.970 30.686 10.108 9.481 31.245 34.887 28.599 26.209 32.913 35.543 32.910 45.560 0 Os subsídios à exploração são mais elevados nas explorações que apresentam efetivo pecuário. Em termos globais, de 2009 para 2010, o valor das ajudas monetárias atribuídas à exploração sofreu um acréscimo, que se reduziu logo no ano seguinte. Na Figura 1 podemos verificar o peso do PB e dos subsídios à exploração no total dos proveitos de cada uma das explorações em estudo, considerando o valor médio dos três anos em análise. 200000 Subsídios à E