1 A TUTELA DO MEIO AMBIENTE ARTIFICIAL: AS CIDADE SUSTENTÁVEIS Eliane Alves da Silva1 RESUMO O presente estudo centra seu objetivo em pesquisa do meio ambiente, particularmente no que concerne ao meio ambiente artificial, ou seja, o meio ambiente urbano, espaço em que o homem se concentra, no intuito de se garantir um meio ambiente “ecologicamente equilibrado”; aborda-se, neste trabalho, a importância da prevenção, a fim de se acautelar contra agressões antes que a degradação se instale, uma vez que, em certas situações, irremediáveis conseqüências poderão advir; desta forma, indispensáveis medidas se fazem necessárias em perseguição de um desenvolvimento sustentável mediante execução de políticas públicas, em âmbito geral também ancoradas na Constituição Federal para que possam contribuir não apenas para a recuperação, mas, sobretudo, para a preservação sustentável do meio ambiente urbano, sem o qual o homem não sobreviverá. PALAVRAS-CHAVE: meio ambiente artificial; sustentabilidade; cidade; urbano; urbanístico; qualidade de vida; degradação; diretrizes; INTRODUÇÃO O presente artigo tem como objetivo demonstrar as modificações estruturais do meio urbano, decorrentes do crescimento das cidades mas, particularmente, os reflexos que tais mudanças desencadeiam no meio ambiente em sua amplitude, em razão, quer do crescimento desenfreado, por vezes motivado pelo desenvolvimento econômico, quer do comprometimento do bem-estar dos indivíduos que tais espaços habitam. Na mesma medida, neste trabalho importa destacarem-se as agressões a que se expõem os recursos naturais, o que exige medidas para a preservação ambiental em âmbito tanto geral quanto particular, uma vez que os efeitos danosos de tal violação transpõem limites espaciais e comprometem o meio ambiente, incidindo mais gravemente, porém, na estrita esfera em que a violação se consuma. A questão Meio Ambiente urbano é objeto deste trabalho, pois, é justamente na esfera particular se cometem as mais danosas violações contra o meio ambiente 1 Acadêmica do curso de Direito da Escola de Direito e Relações Internacionais, Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil, orientada pelo Professor Ms. Luis Miguel Justo da Silva. 2 pelo uso irresponsável da propriedade. Ainda que o particular possa exercer poder inerente à propriedade, tal poder encontrará limitações caso acarrete prejuízo aos seus vizinhos ou afete interesses sociais e coletivos. Também em destaque o estudo abordará o fator urbanístico na tentativa de adequar esse crescimento desenfreado que compromete a preservação dos recursos naturais implicados na relação do homem com o meio ambiente urbano. A degradação é um fenômeno que atinge não apenas as pessoas que moram na cidade, mas alcançam também aquelas que se instalam no meio rural. Ao longo da história, o meio ambiente artificial tornou-se um grande potencial degradante dos recursos naturais, implicados na relação cidade versus meio ambiente. Adaptações legislativas se impuseram no intuito de se equilibrar a coexistência entre o desenvolvimento econômico e o meio ambiente que, de certa maneira, serve de fonte para a evolução humana. A questão que se levanta é que os recursos naturais não são inesgotáveis e que necessariamente deverão continuar sendo utilizados pelas presentes gerações. Mas há que se ter em mente que, assim como são indispensáveis para esta geração pela evolução tecnológica, econômica, deverão também o ser para as próximas gerações. Neste sentido, faz-se mister a compreensão de um desenvolvimento sustentável, princípio que, embora discutido há algumas décadas, apenas atualmente ganha contornos mais relevantes. Uma preocupação que hoje é extremamente relevante é o desenvolvimento das cidades sustentáveis, pois é uma forma de garantir às gerações futuras a convivência em um ambiente urbano que forneça condições para se ter moradia, trabalho, educação, saúde. Estes fatores, uma vez obtidos, contribuem para melhor qualidade de vida, bem este constante na Constituição Federal de 1988 e que passa a ser buscado a partir das políticas públicas realizadas desde as esferas menores, no âmbito do particular, no município e extensível aos demais entes da federação que deverão unir forças em torno de um objetivo comum, ou seja, a qualidade de vida. 3 1 MEIO AMBIENTE ARTIFICIAL: A CIDADE A cidade é também um aspecto do meio ambiente, classificada como meio ambiente artificial, e o principal objeto deste estudo. A origem da cidade, segundo Julio César de Sá da ROCHA: Foi em torno do ano de 5.000 a.C. que surgem, nas planícies aluviais do Oriente Próximo, as primeiras povoações às quais pode-se denominar de cidades; os produtores de alimentos são persuadidos e obrigados a produzir sem excedente a fim de manter uma população uma população de especialistas: artesãos, mercadores, guerreiros, sacerdotes, que residem na urbe, e controlam o campo. Desde sua origem a cidade significa, concomitantemente, maneira de organizar o território e uma relação política.2 E pode ser conceituada segundo o mesmo autor como: ... centro populacional permanente, altamente organizado, com funções urbanas e políticas próprias; espaço geográfico transformado pelo homem pela realização de um conjunto de construções com caráter de continuidade e contiguidade. Espaço ocupado por uma população relativamente grande, permanente e socialmente heterogênea, no qual existem atividades residencial, de governo, industrial e comercial, com um grande grau de equipamento e de serviços que assegure as condições de vida humana.3 A cidade é o espaço onde se concentram relações sociais e econômicas, além de outras. Um local com grande concentração de pessoas, denso e permanente, que se desenvolve com aspectos tecnológicos e modos de produção. Seu conceito exige um esforço dada a diversidade de abordagens, como bem coloca Roberto de Sá da ROCHA, uma vez que a cidade pode ser compreendida pelo conceito sociológico, sendo uma organização geral da sociedade, “situação humana; pode também ser conceituada pelo seu aspecto demográfico e quantitativo; também pelo seu conceito econômico, sendo um sistema constituído por subsistemas administrativos, industriais, sócio-culturais; pode ainda ser caracterizada como um conceito jurídico político consistente em um núcleo urbano, pertencente a um governo municipal.”4 2 ROCHA, Julio Cesar de Sá da. Função ambiental da cidade: direito ao meio ambiente urbano ecologicamente equilibrado. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999. p. 2. 3 Ibidem, p. 4. 4 Ibidem, p. 4-5. 4 O centro urbano, segundo esse mesmo autor, só passa a ser cidade na concepção jurídica quando é reconhecido como município, sendo, portanto pessoa jurídica de direito público interno.5 Elida SÉGUIN refere-se à cidade como meio ambiente construído e este como sendo o “espaço ocupado e transformado pelo ser humano, de forma continuada, onde ele desenvolve suas relações sociais. É o produto da interação do homem com o Meio Ambiente natural.”6 Carla CANEPA cita em seu livro as autoras Helena RIBEIRO e Heliana Comin VARGAS, que falam do ecossistema urbano como sendo um sistema complexo em que seus elementos e suas funções estão intimamente ligados. Há sempre uma relação entre o meio natural e o construído, aquele sofre fortes transformações devido à interferência das atividades humanas.7 Quando se pensa em cidade, independente de como ela tenha se formado, necessariamente se reporta ao convívio coletivo. O indivíduo vive coletivamente ainda que se encontre isoladamente em sua esfera particular, ou em guetos, ou, mesmo, em grandes concentrações populacionais.8 A regulação de fluxos é algo permanente, seja por semáforos, seja por entradas de serviço, seja por filas de ônibus, seja por impostos urbanos. Movem tais instrumentos o intuito da organização urbana.9 Mesmo em cidades menores instala-se a aglomeração de indivíduos, razão por que se faz indispensável a gestão da vida coletiva. Mesmo na cidade mais simples e rudimentar há pelo menos algumas moradias esparsas, uma calçada, uma praça, e, decorrente dessa necessidade urbana, institui-se um poder urbano da autoridade administrativa que fica encarregado dessa gestão.10 5 6 Ibidem, p. 5. SÉGUIN, Elida. Direito ambiental : Nossa casa planetária. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 18. 7 CANEPA, Carla. Cidades sustentáveis. In: GARCIA, Maria (Coord.). A cidade e seu estatuto. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005. p. 138. 8 ROLNIK, Raquel. O que é cidade. 3.ed. São Paulo: Brasiliense, 1995. p. 19-20. 9 Idem. 10 Idem. 5 É certo dizer que a cidade é, ao mesmo tempo, uma maneira de organização de território e uma relação política. É habitante aquele que participa da vida urbana ainda que sua participação seja meramente de submissão aos regulamentos impostos para a gestão urbana.11 À medida que a sociedade cresce e evolui, crescem também as formas de organização e, por ser a evolução uma questão social, vincula-se ao direito.12 A produção cultural provinda da evolução da sociedade reflete no desenvolvimento científico e tecnológico que, por conseguinte, amplia o processo produtivo e seu resultado.13 Antigamente se priorizava mão de obra, atualmente se prioriza a automação. Essa mudança, que acontece de forma muito veloz, gera um grande impacto na organização social. Tal impacto é imediato e produz consequência direta sobre o meio ambiente, pois é esse meio que dispõe de insumos e de matéria–prima que alimentam a demanda de uma sociedade a qual, por sua dinamicidade, passa a consumir mais, seja em âmbito individual, seja em âmbito planetário.14 Juliana de Souza Reis VIEIRA afirma que, a partir da segunda metade do século XIX, os impactos já se davam de escala planetária, sendo, então, necessária a realização estudos para obtenção de medidas de contenção da degradação ambiental. Um dos estudos, liderado por Dennis L. MEADOWS, resultou em um livro Limites do crescimento que concluiu que a degradação se deve principalmente ao crescimento desenfreado da população, que, ao consumir os recursos da terra, pode com eles desaparecer.15 11 Ibidem, p. 21. Idem. 13 ALVES, Alaôr Caffé. O meio ambiente urbano e a proteção ambiental: A questão metropolitana o grande desafio do século XXI. Fórum de direito urbano e ambiental, Belo Horizonte, v.6, n.32, p. 103-108, mar./abr. 2002. p. 103. 14 Ibidem, p. 104. 15 VIEIRA, Juliana de Souza. Cidades sustentáveis. In: MOTA, Maurício (Coord.) Fundamentos teóricos do direito ambiental. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 313. 12 6 Antes do século XX não se atribuía a devida importância à preservação dos recursos naturais, não se alimentava a preocupação com o esgotamento de recursos naturais, até porque, naquela época, a degradação ocorria esparsamente.16 A partir do século XX percebeu-se que os recursos naturais possuem limitações que devem ser consideradas. O momento passa a ser de atenção ao equilíbrio da natureza.17 No Brasil, segundo Solange Teles da SILVA, houve uma evolução considerável. Cita em seu artigo, Luiz César de Queiroz RIBEIRO, que afirma que a questão urbana só é integrada à questão social na década de 80 época em que se dá início a ideais de justiça social e de democracia. Ainda em trecho transcrito de Luiz César de Queiroz RIBEIRO, o mesmo autor afirma que o momento foi de transição histórica, em que o problema urbano não mais se concentrava puramente na questão social e, sim, em um problema estrutural da ordem econômica global que alterava o contexto das cidades. 18 Cabe aqui transferir um trecho de Erik SWYNGEDOUW que representa a sociedade atual nos centros urbanos, a saber: A cidade e o processo urbano são uma rede de processos entrelaçados a um só tempo humanos e naturais, reais e ficcionais, mecânicos e orgânicos. Não há nada “puramente” social ou natural na cidade, e ainda menos anti-social ou antinatural; a cidade é, ao mesmo tempo natural e social, real e fictícia. Na cidade, sociedade e natureza, representação e ser são inseparáveis, mutuamente integradas, infinitamente ligadas e simultâneas; essa “coisa” híbrida socionatural chamada cidade é cheia de contradições, tensões e conflitos. [grifos do autor]19 Paulo Afonso Leme MACHADO divide os objetos de tutela de âmbito municipal em aspectos setoriais, alguns são trazidos a este trabalho, a saber: 16 ALVES, Alaôr Caffé. Op. cit., p. 103. Idem. 18 SILVA, Solange Teles da. Políticas públicas e estratégias de sustentabilidade. Disponível em: <http://www3.esmpu.gov.br/linha-editorial/outras-publicacoes/serie-grandes-eventosmeio-ambiente/Solange_Teles_Politicas_publicas_e_sustentabilidade.pdf> Acesso em 15 mar. 2009. 19 SWYNGEDOUW, Erik. A cidade como um híbrido: natureza, sociedade e “urbanizaçãocyborg”. In: ACSELRAD, Henri (Org.). A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p. 84. 17 7 a) A água: embora seja competência privativa da União, as águas de rios, lagos, represas, riachos dependem das políticas públicas existentes no município para sua preservação e sua manutenção.20 As normas federais e estaduais podem ser complementadas para que se regulamente, por exemplo, os efluentes domésticos e industriais no âmbito de um município por ser assunto de interesse local.21 Municípios distintos banhados por uma mesma bacia hidrográfica devem atuar de maneira conjunta, embora essa decisão de parceria fique sob responsabilidade de cada qual; contudo, torna-se interessante porque o município recebe verbas para implementação de despoluição e contra secas.22 Os municípios devem ter o devido cuidado com as águas que existem em seu território, a fim de equacionar a utilização da água e diluição de efluentes nos corpos de água.23 Erik SWYNGEDOUW assevera que: Mais de um bilhão de pessoas não tem acesso a qualquer tipo de água razoavelmente potável. Necessidades no mundo menos desenvolvido sofrem muito com a falta d’agua enquanto o metabolismo da água nas cidades desenvolvidas começa a ameaçar o próprio metabolismo da vida urbana à medida que toda sorte de poluentes (notadamente nitratos) desafia a própria sustentabilidade da cidade capitalista e o metabolismo da vida social e biológica.24 b) Áreas verdes e praças: é dever do município manter e preservar espaços de uso comum do povo, sendo defeso ao município alienar, doar, emprestar a particulares as praças ou parques. 25 Tais espaços devem existir para cumprir sua finalidade primeira que é propiciar um espaço para lazer e saúde da população.26 20 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 9.ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 370. 21 Idem. 22 Idem. 23 Ibidem, p. 371. 24 SWYNGEDOUW, Erik. Op. cit., p. 97. 25 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Op. cit., p.372. 26 Idem. 8 A poda, o corte ou a retirada de árvores deve ser um ato motivado, e, em certas situações, dependerá de estudo prévio de impacto ambiental e, caso uma determinada árvore, que se encontra em local específico, seja por ser rara, seja por sua condição de porta-sementes, deve atender ao Código Florestal que diz que a “declaração de imune de corte” deve ser feita mediante ato do poder público.27 c) Atmosfera: o município poderá suplementar de forma mais restritiva as normas federais ou estaduais, sobre poluição do ar, para melhor aplicabilidade ao interesse local. O zoneamento deverá atender às questões de prevenção de poluentes do ar, a fim de preservar a saúde da população. Também por meio de políticas de saúde ambiental, bem como pela exigência da própria sociedade, do Ministério Público ou do Poder Judiciário.28 d) Proteção dos bens culturais por meio do tombamento: prevista no artigo 30, IX, cabe também ao município a proteção do patrimônio históricocultural, ainda que este não disponha de recursos, persiste o dever de proteção.29 Ao município cabe dispor de normas de proteção cultural, dentre elas o tombamento. Em havendo divergência entre normas federais e municipais, deverá o município estabelecer sua própria legislação de proteção.30 e) Fauna e zoológicos municipais: a fauna silvestre, com proteção de incumbência do estado pela lei 5197, de 1967, destaca-se como uma forma de se tutelar um bem que, segundo a Constituição Federal, apresenta-se como um bem de uso comum do povo e imprescindível à sadia qualidade de vida. O município poderá suplementar as normas para que tais determinações alcancem a finalidade para a qual foram propostas, não podendo, contudo, abrandá-las.31 A criação de jardim zoológico deve ser amparada pela Lei nº 7.143, de 1983, com registro em órgão federal, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA.32 27 Ibidem, p. 372-373. Ibidem, p. 373. 29 Idem. 30 Ibidem, p. 374. 31 Idem. 32 Ibidem, p. 375. 28 9 O não atendimento às regras estabelecidas pelo registro sujeita o servidor público federal ou municipal a responder por crime previsto no art. 15, §2º, da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente por dano irreversível à fauna.33 Deve-se manter uma estrutura mínima de um médico-veterinário e um biólogo para que os animais possam ter um tratamento adequado, sob pena de abertura de ação civil pública.34 f) Flora: antes da vigência da Constituição Federal de 1988, a competência para legislar a respeito de flora cingia-se ao âmbito da União. Atualmente, pode o município legislar sobre o assunto desde que obedecidas as normas gerais estabelecidas pela União.35 O parágrafo único do art. 2º do Código Florestal estabelece que, em território considerado urbano devem-se respeitar os planos e as leis do uso do solo, a fim de atuarem em consonância com as normas federais.36 g) Nuclear: caberá ao município adaptar-se à legislação acerca da política nuclear, já que esta matéria é de competência da União.37 Na visão do autor, a proibição pelos municípios de disposição de material nuclear em seu território parece inconstitucional. Poderá, no entanto, o município estabelecer ponderações, baseadas em estudos, na tentativa de defender seu território de um possível dano. Dada a possibilidade de ocorrência de dano grave e irreversível, caberá à União a proteção ao município.38 h) Rejeitos: essencial o planejamento de depósito de rejeitos para o município; indispensável se faz a política ambiental para averiguação de possíveis áreas para depósito de rejeitos a fim de que se evite sejam tais áreas urbanizadas por residências ou por indústrias.39 33 Idem. Idem. 35 Idem. 36 Ibidem, p. 376. 37 Idem. 38 Ibidem, p. 377. 39 Idem. 34 10 Segundo princípio recepcionado pela Convenção de Basiléia, de 1989, o tratamento e a destinação dos resíduos devem ficar a cargo daqueles que os produziram.40 A União ou os estados não podem impor a um município o recebimento de rejeitos produzidos em outro território, bem como em outras regiões satélites e, em leis que as constituem deve ficar bem claro o interesse comum para que não se transforme uma região em depósito de rejeitos de outro grande município produtor de lixo.41 Mediante previsão constitucional, poderá o município defender seu território, poderá ainda utilizar-se de estudo prévio de impacto ambiental para a aceitação de rejeitos em seu território.42 i) Ruído: na existência de leis federais e estaduais sobre poluição sonora, poderá o município exigir seu cumprimento. Pode o município também suplementar restritivamente tais normas para atender às demandas específicas locais.43 j) Tráfego: caberá ao poder público municipal a incumbência de restringir o tráfego de veículos, a fim de suplementar para atendimento às demandas específicas locais, como o de transporte de determinadas cargas, além de outros.44 Poderá o município expedir leis, decretos, regulando estacionamentos e demais regras para atendimento de interesse local.45 2 DO DIREITO URBANO E URBANÍSTICO O Direito Ubano reporta a qualquer atividade de circulação, de execução ou de expansão urbana que ocorra no âmbito de uma cidade. Não se apresenta necessariamente como uma ação consciente, pode ocorrer independentemente da 40 Idem. Ibidem, p. 378. 42 Idem. 43 Ibidem, p. 379. 44 Ibidem, p. 380. 45 Idem. 41 11 provocação do homem. Já o urbanístico refere-se às ações programadas, atitudes proativas, no intuito de preservação e/ou de organização das atividades urbanas que, por sua vez, refletem-se na qualidade do meio ambiente ali inserido.46 Embora sua atuação seja intencionalmente positiva, pode ocorrer que atitudes urbanísticas provoquem sérios e imprevisíveis problemas urbanos.47 As regras urbanas, em épocas remotas, restringiam-se à organização das cidades, limitações administrativas e limites ao uso da propriedade; não se observava preocupação ou cuidado com os recursos ambientais. O surgimento das cidades se deu em torno de áreas fluviais, em decorrência da necessidade de circulação de mercadorias.48 Solange Teles da SILVA assevera que o meio ambiente urbano abrange o natural e o transformado, fruto da ação do homem. O meio ambiente urbano é o meio ambiente encontrado na cidade e também o meio ambiente próprio da cidade.49 Afirma a autora ainda que, a partir do Decreto-Lei nº 311, de 2 de março de 1938, definiu-se o que é cidade. O decreto estabelece divisão territorial e transforma as cidades em sedes municipais.50 Em relação ao Direito Urbanístico Toshio MUKAI refere-se a Karla BROTEL que assevera que a disciplina urbanística se desenvolve com as cidades e com os cidadãos.51 Em relação ao vocábulo cidadão, é importante ressaltar a opinião de Paulo de Bessa ANTUNES que apresenta a expressão cidadão sob a tutela do Estatuto da Cidade para referir-se a todos que habitam as cidades, sejam nacionais, sejam estrangeiros, e não somente aqueles que praticam o exercício de voto, ou seja, os 46 PINTO, Victor Carvalho. A ordem urbanística. Fórum de direito urbano e ambiental, Belo Horizonte, a. 1, n.3, p. 235-243, mai./jun. 2002. p. 235. 47 Idem. 48 PRESTES, Vanêsca Buzelato. Agenda urbano ambiental e concertação privada. In: ___. Temas de direito urbano-ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p. 258-259. 49 SILVA, Solange Teles da. Op. cit., p. 1. 50 Idem. 51 MUKAI, Toshio. Temas atuais de direito urbanístico e ambiental. Belo Horizonte: Fórum: 2007. p. 12-13. 12 eleitores; portanto, a acepção mais apropriada seria referir-se aos habitantes como indivíduos.52 Ainda em relação à disciplina urbanística, Toshio MUKAI referencia, em sua obra, Leopoldo MAZZAROLI, para afirmar que esse autor define urbanismo como a ciência que sistematiza o desenvolvimento da cidade de maneira a melhor dispor ruas, edifícios, habitação privada para que a população tenha uma situação mais confortável.53 Todavia, segundo Toshio MUKAI, tal conceito, atualmente, deve ir além dos aspectos físicos, deve considerar também as relações ocorridas em âmbito até os limites de um território.54 O urbanismo deve evoluir com o desenvolvimento das cidades, e ser tratado de maneira atual, atendendo à demanda desse desenvolvimento, para que possa suprir tanto as expectativas do homem no meio urbano, quanto seus valores e sua melhor condição de vida.55 Bernard DROBENKO afirma que se estabelece uma dicotomia crescente da ocupação dos espaços, uma vez que cada cidade se desenvolve de forma autônoma; a urbanização deve ser considerada em relação aos espaços urbanos, mas também deve guardar relação com os espaços rurais em razão de sua interdependência. Tal dicotomia, assim chamada pelo autor, tem por aspectos o territorial e o social.56 Na dicotomia territorial têm-se territórios cada vez mais urbanizados e, consequentemente, em processo de desertificação. Tem–se a dicotomia da especialização urbana resultante das opções urbanas desenvolvidas pelas ocupações diferenciadas que conduzem a um aumento urbano.57 52 ANTUNES, Paulo Bessa. Direito Ambiental. 9.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p. 309. 53 MUKAI, Toshio. Temas..., p. 12-13. Idem. 55 Idem. 56 DROBENKO, Bernard. As cidades sustentáveis. Disponível <http://www3.esmpu.gov.br/linha-editorial/outras-publicacoes/serie-grandes-eventos-meioambiente/Bernard_Drobenko_As_cidades_sustentaveis%20.pdf> Acesso em: 19 mar. 2009. p. 7. 57 Ibidem, p. 8. 54 em 13 Em relação ao aspecto social, a urbanização pode se processar de acordo com categorias sociais, como o crescimento desenfreado de favelas sem qualquer estrutura de saneamento básico, saúde, segurança, meio ambiente, ou como a criação de espaços fechados, em forma de condomínios, que se isolam como medida de proteção. Segundo o autor “essa segregação urbana progressiva destrói, inclusive, os fundamentos da sociedade”. E, nesse sentido, espera-se uma superação pela concretização de cidades sustentáveis.58 3 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A FUNÇÃO SOCIAL A grande preocupação hoje no meio urbano centra-se na constante incidência de violações ao meio ambiente, que, como conseqüência, expõem a vida humana a um ambiente poluído, comprometendo a existência de vida presente e futura.59 A sociedade, nos últimos anos, desperta para uma conscientização ao desenvolvimento econômico mais sustentável que deve considerar o equilíbrio entre a preservação ambiental, desenvolvimento e qualidade de vida.60 Édis MILARÉ traz em sua obra um trecho muito importante de Ignacy SACHS que cita Maurice STRONG e este diz que cada região deve procurar soluções para seus problemas e ainda deve considerar dados culturais para satisfazer as necessidades locais específicas e imediatas.61 Refere-se ainda o autor que na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – CNUMAD, ocorrida em 1992, no Brasil, também chamada Eco 92 ou Rio 92, o tema desenvolvimento sustentável mereceu acalorada discussão e foi contemplado como meta prioritária por todos os países. O princípio 4º da Declaração do Rio reza que o desenvolvimento deverá ser tratado juntamente com a 58 Idem. MILARÉ, Edis. Direito do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 52-53. 60 Ibidem, p. 53. 61 Idem. 59 14 proteção ambiental e deste será integrante para que se possa alcançar um desenvolvimento sustentável.62 “Para que haja um desenvolvimento sustentável, é preciso que todos tenham atendidas as suas necessidades básicas e lhes sejam proporcionadas oportunidades de concretizar suas aspirações a uma vida melhor.”63 Em trecho transcrito, Édis MILARÉ ressalta que: Compatibilizar meio ambiente e desenvolvimento significa considerar os problemas ambientais dentro de um processo continuo de planejamento, atendendo-se adequadamente às exigências de ambos e observando-se suas inter-relações particulares a cada contexto sociocultural, político econômico e ecológico, dentro de uma dimensão tempo/espaço. Em outras palavras, isto implica dizer que a política ambiental não deve se erigir em obstáculo ao desenvolvimento, mas sim em um de seus instrumentos, ao propiciar a gestão racional dos recursos naturais, os quais constituem a sua base material.64 Diz Henri ACSELRAD que, para que se tenha a compreensão do que é sustentável, é necessário considerar dois elementos, a saber: a relação passadopresente que, com o atual modelo de desenvolvimento, deixa em foco aquilo que se pretende insustentável e, a relação presente-futuro em que o sustentável aponta para práticas condizentes com qualidade futura tida como desejável.65 A relação entre o presente conhecido e um futuro desejável remete à noção de sustentabilidade como sendo uma “causalidade teleológica”, assim chamada por alguns de um comportamento com expectativas para a ocorrência de um fim esperado, ou seja, segundo o autor, a causa é definida pelo fim. Atualmente são sustentáveis as práticas que portam a sustentabilidade futura.66 Vanêsca Buzelato PRESTES faz referência ao termo sustentabilidade, atualmente muito explorado por diversos meios, contudo, trata-se de um conceito aberto que depende de complementação. A autora arrola algumas diretrizes que permitem aprimorar o conceito de sustentabilidade urbano-ambiental, a saber: “a) 62 Idem. COMISSÃO Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso Futuro Comum. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991. p. 47. 64 MILARÉ, Édis. Op. cit., p.53. 65 ACSELRAD, Henri. Sentidos da sustentabilidade urbana. In: ___. A duração da cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p. 29-30. 66 Ibidem, p. 29-30. 63 15 artigo 2º, inciso I, do Estatuto da Cidade; b) o direito à ordem urbanística; c) o conceito de meio ambiente no espaço urbano; d) legislação sobre todo o território das cidades, contemplando o urbano e o rural; e) reforço da gestão e dos instrumentos de atuação municipal; e f) gestão democrática;”67 Cristiane DERANI salienta que, para que se possa compreender o conceito de sustentabilidade, há que se considerar o conceito de necessidade, uma vez que não é um termo genérico, impregna-se de um conteúdo histórico e cultural que se modifica de acordo com a sociedade em que se inserir. Condicionar o desenvolvimento sustentável a uma generalidade é ignorar as transformações sociais pelas quais passam uma comunidade.68 Atualmente, embora ainda muito esparsa a discussão sobre as mudanças necessárias às condutas sociais e ambientais, inúmeros autores escrevem a respeito de estratégias de educação na esfera urbana. A Comissão Mundial sobre Meio Ambiente definiu estratégias de desenvolvimento sustentável para promover harmonia entre a humanidade e a natureza. Tal estratégia requer alguns fatores para se desenvolver de forma sustentável, a saber: um sistema político que assegure a efetiva participação dos cidadãos no processo decisório; um sistema econômico capaz de gerar excedentes e know-how técnico em bases confiáveis e constantes; um sistema social que possa resolver as tensões causadas por um desenvolvimento não equilibrado; um sistema de produção que respeite a obrigação de preservar a base ecológica do desenvolvimento; um sistema tecnológico que use constantemente novas soluções; um sistema internacional que estimule padrões sustentáveis de comércio e financiamento; um sistema administrativo flexível e capaz de autocorrigir-se. [grifos do autor]69 67 PRESTES, Vanêsca Buzelato. Municípios e meio ambiente: a necessidade de uma gestão urbano-ambiental. In: ___. Temas de direito urbano-ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p. 2829. 68 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 2.ed. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 138. 69 COMISSÃO. Op. cit., p. 70. 16 O estatuto da cidade refere-se ao direito a cidades sustentáveis como aquele que contempla o direito à moradia, saneamento básico, transporte, infraestrutura urbana, trabalho, lazer, à terra, ou seja, para necessidades humanas, no âmbito urbano, para as presentes e para as futuras gerações. Contudo, tal direito não se traduz somente como um direito individual. O art. 53 da Lei de Ação Civil Pública concebe a ordem urbanística como um direito difuso que, por sua vez, está intrínseco no direito à cidade. A gestão democrática também se insere no direito à cidade no que toca aos direitos difusos. A atuação, a coordenação e a decisão do poder público deve contar com a participação dos cidadãos e também com a colaboração de agentes privados que privilegiem a sustentabilidade na construção de cidades.70 A gestão democrática pode ser identificada na gestão orçamentária participativa que é obrigatória à aprovação do orçamento pelo legislativo municipal, bem como a criação de órgãos colegiados de política urbana. O art. 4º, II do Estatuto da Cidade estabelece esta previsão legal.71 Outro aspecto que não se pode olvidar no tocante à sustentabilidade é a função social da propriedade. Vanêsca Buzelato PRESTES diz que há uma mudança de paradigma quando se visualiza a cidade de acordo com o direito urbano-ambiental em que o direito de propriedade não se confunde com o direito de construir. A propriedade deve atender à sua função social.72 Segundo a mesma autora, A cidade, a partir da Constituição de 1988, passa a ter uma dimensão constitucional, e o direito a ela, a partir dessa ordem urbanística, visualiza toda a pluralidade que existe nas cidades. A compreensão deste fenômeno, dos instrumentos que estão à disposição do gestor e a capacidade de gerar a ruptura de modelos que já demonstraram na prática ter eficácia são fundamentais para a construção do conceito e da prática da cidade sustentável.73 A Constituição Federal, em seu art. 182, § 2º, estabelece que, quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, a propriedade cumpre sua função social. É no plano diretor que as normas, as diretrizes 70 PRESTES, Vanêsca Buzelato. Municípios..., p. 28-29. Ibidem, p. 29. 72 Ibidem, p. 49. 73 Idem. 71 17 do planejamento urbano, industrial, comercial se destacam para atender à função social.74 Léon DUGUIT, citado na obra de Toshio MUKAI, afirma que a propriedade não é um direito subjetivo do proprietário, mas função social daquele que detém a riqueza.75 Reiterando tal entendimento, Aluísio Pires de OLIVEIRA e Paulo Cesar Pires CARVALHO asseveram que a função social acarreta a antinomia da autonomia da vontade e atendimento ao interesse coletivo, acarreta também ao direito de propriedade nova visão da liberdade e função social do detentor de riqueza.76 Apesar de hoje estar em discussão a propriedade e sua função social, o pensamento em referência não é atual. Há muito se discute tal função. Na Constituição Federal de 1934, em seu art. 113, nº 17, já se mencionava o dever de respeito ao interesse social ou coletivo. Na Constituição de 1946, o art. 146 dispunha do direito de propriedade condicionado ao bem estar social. A Constituição Federal de 1967, art. 157, estabelecia a ordem econômica ponderada pelo princípio da função social da propriedade. Este princípio, por sua vez, chancela-se no art.170 e no art. 5º, XXIII, quando trata da propriedade para atendimento da função social.77 E por fim, o art. 182, §2º, traz textualmente o atendimento à função social quando a propriedade cumpre as diretrizes fundamentais traçadas no plano diretor.78 Maria Etelvina B. GUIMARAENS cita Edésio FERNANDES que diz que toda lei urbanística ou ambiental deve ser sustentada pelo princípio da função social da propriedade, sendo este fundamental para o meio urbano ou ambiental. Desde a Constituição de 1934, o princípio vem sendo citado, embora por ausência conceitual ou operacional não tenha havido antes sua concretização.79 74 Constituição Federal, de 1988, art. 182 § 2º. MUKAI, Toshio. Temas..., p. 19. 76 OLIVEIRA, Aluísio Pires de; CARVALHO, Paulo Cesar Pires. Estatuto da cidade: anotações à lei 10.257, de 10.07.2001. Curitiba: Juruá. p. 41. 77 MUKAI, Toshio. Temas..., p. 20. 78 Idem. 79 GUIMARAENS, Maria Etelvina B. Função social da cidade e a propriedade urbana. In: PRESTES, Vanêsca Buzelato (Org.). Temas de direito urbano-ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p. 64-65. 75 18 José Afonso da SILVA salienta que “os planos urbanos, antes preocupados basicamente com o controle do uso do solo, voltam sua atenção, hoje, com ênfase para os recursos naturais urbanos. Água, ar, solo e áreas verdes são componentes da realidade urbana e por ela intensamente consumidos. É especialmente no meio urbano que por primeiro se repercute a degradação ambiental (...)”80 Régis Fernandes de OLIVEIRA reitera que: ...o plano diretor consubstancia a vida futura da cidade. Busca ordenar seu crescimento, evitar conflitos sociais, planejar seu desenvolvimento habitacional, comercial e industrial, recuperar áreas deterioradas, estabelecer vias de tráfego que facilitem a circulação de veículos. Enfim, objetiva criar condições para uma cidade sustentável, para que haja democratização dos aparelhos urbanos, que se socializemos benefícios públicos etc.81 Eroulths CORTIANO JUNIOR afirma que a função social da propriedade renova e repersonaliza o direito e se vincula ao ordenamento urbano por estar contida no plano diretor. A função social da propriedade deve compatibilizar-se com a propriedade urbana respeitando as peculiaridades de cada cidade.82 Ainda em relação à função social, o mesmo autor menciona que: Com a função social, a idéia de condicionamento de um direito a uma finalidade, geralmente adstrita ao direito público, ingressa no direito privado e confirma o direito de propriedade. O que mais revela enfatizar, entretanto, é o fato de que o princípio da função social da propriedade impõe ao proprietário – ou a quem detém o poder de controle, na empresa – o dever de exercê-lo em benefício de outrem e não apenas de não o exercer em prejuízo de outrem. Isso significa dizer que a função social da propriedade atua como fonte da imposição de comportamentos positivos – prestação de fazer, portanto, e não, meramente de não fazer – ao detentor do poder que deflui da propriedade. [grifos do autor]83 O mesmo autor levanta questionamentos quanto à propriedade ter função social ou ser efetivamente uma função social. Indaga dois questionamentos: se, com a funcionalização, a propriedade deixa de ser um direito subjetivo, e se o direito de 80 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 219. 81 OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Comentários ao estatuto da cidade. 2.ed. São Paulo: 2005. p. 130-131. 82 CORTIANO JUNIOR, Eroulths. O discurso jurídico da propriedade e suas rupturas: uma análise do ensino do direito de propriedade. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.p.181. 83 Ibidem, p. 141-142. 19 propriedade é compatível com o vínculo da responsabilidade social. Tal discussão se estabelece na doutrina de forma muito firme e varia conforme entendimentos interpretativos. Conclui o autor que “a funcionalização do direito de propriedade causa uma ruptura no discurso proprietário da modernidade.”84 Arnaldo RIZZARDO, segundo um pensamento transcrito em obra de Aroldo MOREIRA, ressalta que, quando há um interesse de ordem social ou direitos do Estado, a propriedade privada poderá receber limitações no seu poder exclusivo e absoluto, ou seja, o direito à propriedade, quando atender a um interesse maior ou igual a ele, não será infinito.85 Implica dizer que o indivíduo não se encontra, em nenhum momento, excluído de responsabilidades, ainda que seu direito de propriedade seja pleno. José Afonso da SILVA, na visão de Pedro Escribano COLLADO, salienta que a função social da propriedade trouxe para o direito de propriedade um interesse que, algumas vezes, não coincide com o direito pleno de propriedade e que pode ser adverso a esse mesmo direito.86 Ainda segundo José Afonso da SILVA, a função social “constitui um princípio ordenador da propriedade privada e fundamento da atribuição deste direito, de seu reconhecimento e da sua garantia mesma, incidindo sobre o seu próprio conteúdo.”87 Após a Conferência das Nações Unidas em Estocolmo, o que se pode observar foi uma grande produção de normas no âmbito internacional, e, conquanto essa mudança dependa de vontade política, a perspectiva de implementação de cidades sustentáveis, segundo Bernard DROBENKO, subordina-se a dois fatores: tomada de consciência de objetivos e identificação das responsabilidades na implementação de tais medidas.88 84 Ibidem, p. 145-147. RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 171. 86 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 282. 87 Ibidem, p. 220. 88 DROBENKO, Bernard. Op. cit., p. 11. 85 20 Inafastável se impõe o respeito a condições precípuas para o alcance do desenvolvimento sustentável, são elas: a erradicação da pobreza e a realização das condições globais do desenvolvimento, e que se destacam como exigência fundamental de realização. 89 Ainda o mesmo autor coloca que a realização de cidades sustentáveis deve atender a condições mínimas, a saber: Um acesso facilitado ao patrimônio imobiliário: o solo e o espaço necessários à realização de toda edificação urbana devem ser acessíveis a todos e a cada um. A relação entre apropriação e urbanização é necessariamente conflitante; uma regulação se impõe, a fim de que se garanta a cada um a possibilidade de se inserir no processo de urbanização. Os mais desfavorecidos, como é o caso das populações autóctones, devem ter direito a um acesso privilegiado em matéria imobiliária. O reconhecimento de um direito à moradia como condição preliminar a toda ocupação constitui um segundo pilar da realização de uma cidade sustentável. A noção de moradia digna introduzida pelo Direito francês constitui uma ferramenta útil nessa empreitada. A qualificação contribui efetivamente para que se determinem as condições materiais desse direito fundamental. O direito de acesso aos serviços públicos fundamentais, especialmente à educação, à saúde, à água potável, ao saneamento básico, aos transportes etc. Não se pode efetivamente estabelecer uma cidade sustentável para todos, se todos os habitantes da cidade não se beneficiarem dos serviços essenciais à estruturação da malha urbana. Esse direito de acesso permite, igualmente, responder aos direitos humanos fundamentais, levando a uma verdadeira articulação sua com os direitos humanos.90 Na opinião de Rose COMPANS, as cidades sustentáveis seriam uma aplicação local do que se entende pelo conceito de sustentabilidade, ou seja, tudo aquilo que se deve considerar para o atendimento das necessidades básicas e sadia qualidade de vida de modo sustentável, aplicado a um núcleo menor, o da cidade. 91 Segundo Maurício Leal DIAS, o fundamento das cidades sustentáveis incide na relação entre o desenvolvimento urbano, art. 182, da Constituição Federal, e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, assegurado às presentes e 89 Idem. Ibidem, p. 12-13. 91 COMPANS. Rose. Cidades sustentáveis, cidades globais. Antagonismo ou complementaridade. In: ACSELRAD, Henri (Org.). A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p. 105. 90 21 futuras gerações, art. 225, Constituição Federal, que torna a sustentabilidade componente fundamental ao desenvolvimento urbano.92 O autor traz ainda os princípios que devem ser considerados para a garantia das cidades sustentáveis, entendimento que se coaduna com o de Nelson SAULE JUNIOR, e que cita em seu artigo. São estes: “a) assegurar o respeito e tornar efetivos os direitos humanos; b) promover medidas para proteger o meio ambiente natural e construído, de modo a garantir a função social ambiental da propriedade na cidade; c) incentivar atividades econômicas que resultem na melhoria da qualidade de vida, mediante um sistema produtivo gerador de trabalho e de distribuição justa da renda e riqueza; d) combater as causa da pobreza, priorizando os investimentos e recursos para as políticas sociais. (saúde, educação, habitação); e) democratizar o Estado, de modo a assegurar o direito à informação e à participação popular no processo de tomada de decisões.”93 CONCLUSÃO Buscou-se aqui demonstrar a preocupação com a sustentabilidade em ambiente urbano e urbanístico. Levando-se em consideração a celeridade das ações que evidenciam a ausência de prevenção e de recuperação do meio ambiente, destaque-se que os estudos a respeito do tema merecem constante atualização, alertando-se para os problemas de transgressão que tão danosas conseqüências desencadeiam no meio ambiente, exigindo não apenas estudos, mas urgentes medidas governamentais tanto para orientar a população quanto para legalmente punir transgressores a fim de permitir a preservação da vida. 92 DIAS, Maurício Leal. Fundamentos do direito urbanístico: o direito à cidade sustentável. Fórum de direito urbano e ambiental, Belo Horizonte, a. 4, n.22, p. 2615-2620, jul./ago, 2005. p. 2618-2619. 93 Idem. 22 REFERÊNCIAS ALVES, Alaôr Caffé. O meio ambiente urbano e a proteção ambiental: A questão metropolitana o grande desafio do século XXI. Fórum de direito urbano e ambiental, Belo Horizonte, a.1, n.2, p. 103-108, mar./abr. 2002. ACSELRAD, Henri. Sentidos da sustentabilidade urbana. In: __. A duração da cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p. 27-55. ANTUNES, Paulo Bessa. Direito Ambiental. 9.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. CANEPA, Carla. Cidades sustentáveis. In: GARCIA, Maria (Coord.). A cidade e seu estatuto. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005. p. 131-154. COMISSÃO Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso Futuro Comum. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991. COMPANS. Rose. Cidades sustentáveis, cidades globais. Antagonismo ou complementaridade. In: ACSELRAD, Henri (Org.). 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