Assunto Especial - Doutrina Exigência de Certidão Negativa Trabalhista em Licitação Debates sobre a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas ELÓI MARTINS SENHORAS Professor da Universidade Federal de Roraima - UFRR, Especialista, Mestre e Doutor pela Universidade Esta-dual de Campinas - Unicamp, Visiting Scholar na University of Texas at Austin - UT, na Universidad de Bue-nos Aires - UBA, na Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (Flacso/México), na Escola Nacional de Administração Pública - Enap e na National Defense University - NDU, Visiting Researcher na University of British Columbia - UBC e na University of California, Los Angeles - Ucla. ARIANE RAQUEL ALMEIDA DE SOUZA CRUZ Auxiliar de Pesquisa, Assessora Jurídica e Bacharel em Direito. A Lei nº 12.440, de 7 de julho de 2011, com vacatio legis de 180 dias, instituiu a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT), o que trouxe consigo novas exigências nas licitações públicas a partir de 5 de janeiro de 2012, a fim de criar um novo tipo de prova documental para exprimir a inexistência de débitos decorrentes da relação de trabalho, repercutindo efeitos tanto na seara administrativa quanto trabalhista. As empresas e pessoas físicas interessadas na habilitação para os processos de licitação pública deverão apresentar a CNDT como pré-requisito adicional, a qual é expedida gratuita e eletronicamente pelo site <http://www.tst.jus.br/certidao> do Tribunal Superior do Trabalho, com a finalidade de comprovarem a inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho; caso contrário, passam a ser consideradas, automaticamente, inaptas para participarem destes procedimentos licitatórios. Algumas das características mais destacadas da Certidão de Débitos Trabalhista são apreendidas pela sua emissão nacional, validade de 180 dias, bem como autenticidade validada eletronicamente pelo próprio site, sobre o referido documento, o qual apresenta a situação da pessoa física ou da pessoa jurídica em relação a todos os seus estabelecimentos, agências ou filiais. A Certidão será negativa se a pessoa sobre quem deva versar não estiver inscrita como devedora no BNDT, após decorrido o prazo de regularização. [...] A Certidão será positiva se a pessoa sobre quem aquela deva versar tiver execução definitiva em andamento, já com ordem de pagamento não cumprida, após decorrido o prazo de regularização. A Certidão será positiva com efeito de negativa se o devedor, intimado para o cumprimento da obrigação em execução definitiva, houver garantido o juízo com depósito, por meio de bens suficientes à satisfação do débito ou tiver em seu favor decisão judicial que suspenda a exigibilidade do crédito. [...] A Certidão positiva com efeito de negativa possibilita o titular de participar de licitações. (TST, 2012) 40 RSDA Nº 77 - Maio /2012 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA Para a implementação do sistema de emissão da Certidão de Débitos Trabalhistas (positivos ou negativos), houve a formação de um Banco Nacional de Devedores Trabalhistas (BNDT), centralizado no Tribunal Superior do Trabalho (TST), o qual compartilha informações constantes nos bancos de dados de três órgãos distintos: Poder Judiciário Trabalhista, Ministério Público do Trabalho e Comissão de Conciliação Prévia. Toda empresa ou pessoa física que possuir débitos na Justiça do Trabalho e que negociar ou oferecer bem para garantir o devido pagamento obterá uma Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT), em contraposição àquela empresa ou pessoa física que não fizer acordo, as quais receberão Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas (CPDT). Com o surgimento da CNDT, a Lei nº 12.440/2011 traz em seu bojo uma série de impactos positivos e negativos que são oriundos pelo confronto da busca da celeridade da Justiça do Trabalho e da melhoria da gestão de contratos pela Administração Pública vis-à-vis aos constrangimentos normativos ao setor empresarial em incentivos fiscais e licitações públicas, repercutindo, assim, na polarização dos interesses de diferentes stakeholders. Quadro 1 - Impactos da instituição da CNDT Aspectos positivos No caso das empresas interessadas em participar de processos licitatórios ou em programa isenção fiscal, a nova exigência implica enforcement adicional para o efetivo cumprimento decisões judiciais trabalhistas. Portanto, a exigência da regularidade trabalhista do emprega tem um caráter complementar à certidão negativa de débitos previdenciários, ao privilegia lógica do crédito trabalhista, com o propósito resguardar o trabalhador. Aspectos negativos Algumas das empresas poderão sofrer prejuízos em função da exclusão da participação n licitações públicas ou programas de incentivo fiscal, com a não obtenção da CNDT, seja p falta de isonomia, com impacto assimétrico em micro e pequenas empresas, em contraposi às de grande porte, seja pela insegurança jurídica, ao terem o seu direito de ampla defes restringido, ao terem que pagar antecipadamente pelo que não deviam. (Fonte: Elaboração própria. Baseada em Hasse et al. (2011)) RSDA Nº 77 - Maio /2012 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA 41 De um lado, a Lei nº 12.440/2011, ao instituir a CNDT, trouxe consigo inovações incrementais no direito do trabalho, as quais reforçam a atenção ao trabalhador lesado, por pressionar a empresa devedora, interessada em participar de licitação pública ou de programa de incentivo fiscal do Governo Federal, a adimplir os créditos trabalhistas transitados em julgado, bem como no direito administrativo, ao discriminar um novo pré-requisito deontológico para a contratação de empresas sérias, idôneas. Aquele que possuir débitos inadimplidos decorrentes de sentença judicial transitada em julgado na Justiça do Trabalho, ainda que por acordo, não tem o direito de expedir a seu favor a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas. Importante firmar que se trata de qualquer tipo de débito, incluindo recolhimentos previdenciários, honorários advocatícios, custas, emolumentos e recolhimentos determinados em lei. Também não obterá a referida certidão aquele que não adimplir obrigações decorrentes de execução de acordos perante o Ministério Público do Trabalho e Comissão de Conciliação Prévia. (Pinto, 2011) Segundo Hasse et al. (2011), a justificativa material para exigência da CNDT é oriunda da necessidade de se atestar a idoneidade, no cumprimento de suas obrigações trabalhistas, das futuras empresas contratadas em processos licitatórios, com a finalidade maior de se quebrar a possibilidade da responsabilização subsidiária da Administração Pública pelo pagamento indevido de encargos pretéritos, como previsto na Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Com um total de cerca de 2,5 milhões de processos em fase de execução na Justiça do Trabalho brasileira, o objetivo da exigência da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas em licitações é trazer celeridade institucional e efetividade material das sentenças no direito trabalhista, por meio de enforcement indireto à regularização dos empresários e pessoas físicas com débitos inadimplidos, decorrentes de sentença judicial transitada em julgado (TRT 13, 2012). De outro lado, alguns especialistas e entidades da classe empresarial contestam a instituição da CNDT, uma vez que a lei poderia implicar resultados práticos contrários a sua finalidade original, já que impactaria decisivamente em um círculo vicioso, no caso das micro e pequenas empresas, com efeitos na potencialização do risco de ficarem, automaticamente, fora de processos licitatórios e, por conseguinte, com repercussão no aumento de demissões de empregados e de elevação de débitos trabalhistas. Destarte, o discurso normativo da CNDT, ao justificar que a Administração Pública deva contratar apenas que cumpram com seus deveres trabalhistas, dando maior celeridade à Justiça, por meio do cumprimento das decisões judiciais relacionadas ao pagamento de crédito trabalhista, traz consigo dois efeitos colaterais que impactam tanto nas empresas quanto na Administração Pública (Rodrigues, 2011). 42 RSDA Nº 77 - Maio /2012 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA Em primeiro lugar, a imposição legal da apresentação da CNDT em licitações públicas impacta em uma assimetria material entre grandes e pequenas empresas, já que as primeiras têm maiores condições econômicas para regularizar suas condições de inadimplemento, sem, necessariamente, repassar a integralidade desse custo para seus preços por meio de mark-up. Em segundo lugar, a comprovação da inexistência de débitos inadimplidos, perante a Justiça do Trabalho, cria uma situação de insegurança jurídica na qual a empresa, interessada em participar de licitação pública ou em programa de incentivo fiscal do Governo Federal, tem que antecipar débito trabalhista, antes mesmo de terminar o processo de execução, queimando, assim, etapas como a penhora de bens e a discussão de índices de correção dos débitos. É neste contexto crítico que a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) ingressaram no Supremo Tribunal Federal com ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei nº 12.440/2011, uma vez que este marco normativo produziria uma condição de insegurança jurídica frente aos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa, da isonomia e da livre iniciativa, ao impedir aos empresários o acesso à garantia do devido processo legal. Na prática, observa-se que, embora a Administração Pública brasileira possa incorrer em um contexto licitatório que apresente um menor número de empresas concorrentes, repercutindo na eventual possibilidade de preços mais altos no curto prazo, com a instituição da CNDT, surge um esforço de quebrar a possibilidade de risco moral empresarial, o qual, antes de representar um ônus, traz ganhos de transparência no longo prazo. Conclui-se que, a despeito da Lei nº 12.440/2011 ser alvo de medidas judiciais que visam à sua inaplicabilidade, ela contém um marco normativo duplo-ganhador (win-win), o qual busca trazer tanto maior efetividade no cumprimento das decisões judiciais trabalhistas, por meio da garantia de pagamento de crédito trabalhista transitado em julgado, quanto maior segurança à Administração Pública, por meio da contratação de apenas empresas idôneas e que cumpram seus deveres trabalhistas. RSDA Nº 77 - Maio /2012 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA 43 Por mais que existam contestações no STF sobre a constitucionalidade da Lei nº 12.440/2011, no curto prazo, cabe ao empresário ou pessoa física se adaptar ao novo marco normativo, por meio da solução da liquidação de suas pendências na Justiça do Trabalho, haja vista que são fáticos no País tanto a lentidão processual quanto a possibilidade da CNDT passar a ser exigida, não somente para apresentação em licitações públicas e em programas de incentivos fiscais, mas também na concessão de empréstimos bancários ou na transferência de imóveis. REFERÊNCIAS Hasse, F.; Scaglia, G. S.; Castro, J.; Wengerkiewicz, J. N. C. Certidão negativa de débito trabalhista - Seu(s) impacto(s) sobre a empresa. Revista Conteúdo Jurídico, jul. 2011. Disponível em www.conteudojuridico.com.br. Acesso em: 19 abr. 2012. PINTO, A. L. S. A certidão negativa de débitos trabalhistas (Lei nº 12.440/2011) e seus efeitos. Revista Jus Navigandi, a. 16, n. 3037, 2011. Disponível em: www.jus.com.br. Acesso em: 17 abr. 2012. RODRIGUES, T. G. Certidão negativa de débitos trabalhistas. Algumas considerações. Revista Jus Navigandi, a. 16, n. 2948, 2011. Disponível em: www.jus.com.br. Acesso em: 16 abr. 2012. TRIBUNAL Regional do Trabalho da 13ª Região. Exigência da certidão negativa de débitos trabalhistas começa amanhã. Notícias, 3 de janeiro, 2012. Disponível em: www.trt13.jus.br. Acesso em: 20 abr. 2012. TRIBUNAL Superior do Trabalho. O que é CNDT. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/o-que-e-cndt>. Acesso em: 16 abr. 2012.