A FISCALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE E SEGURANÇA NO MEIO AMBIENTE LABORAL NO ÂMBITO DO TELETRABALHO1 MARCELLA VERGARA MARQUES PEREIRA2 RESUMO: O teletrabalho, resultado das grandes transformações tecnológicas vivenciadas no mundo atual, possibilita ao teletrabalhador a prestação laboral em sede diversa à do empregador, e como tal a disposição de equipamentos de telecomunicação para a perfeita conexão entre os sujeitos da relação tornase extremamente essencial para a configuração do instituto em análise. Sendo as normas relativas à saúde, segurança e higiene no meio ambiente do trabalho preceitos de grande relevância no ordenamento jurídico brasileiro e inexistindo ao mesmo tempo uma normatização específica no Brasil destinada a regulamentar estes temas nas relações de teletrabalho, a presente monografia busca analisar a fiscalização do direito à saúde e segurança no meio ambiente laboral nesta nova modalidade de trabalho, enfrentando principalmente a questão do teletrabalho prestado em domicílio que apresenta uma série de dificuldades frente às limitações preconizadas pelo texto constitucional em vigor. Palavras-chave: Teletrabalho. Meio Ambiente Laboral. Fiscalização. ABSTRACT: Teleworking, consequence of great technological transformation lived nowadays, enables the teleworker to render his service in a distinct seat of his employer and, for that to happen, the provision of teleworking equipment is fundamental, so that, both – teleworker and employer – can communicate with one another and constitute the institution in analysis. Whereas the standards related to health, security and hygiene in the working environment are issues of great relevance in the brazilian legal system, and while there is not a specific 1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e aprovado, em grau máximo, pela banca examinadora composta pela Orientadora Profª. Drª. Denise Pires Fincato, Profª. Ms. Mariângela Guerreiro Milhoranza e Profª. Drª. Márcia Andrea Bühring, em 22 de junho de 2011. 2 Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. E-mail: [email protected]. 2 normalization for regulating these subjects within the teleworking relations in Brazil, this academic work aims at analyzing the inspection of the right to health and security within this new way of working, specially facing teleworking provided at home, which presents a number of difficulties based on the limitations presented in the Current Constitution. Keywords: Teleworking. Working Environment. Control. INTRODUÇÃO Com a evolução das tecnologias informacionais e com as modernas ferramentas de comunicação, verifica-se o surgimento do teletrabalho no mundo como fenômeno cada vez mais recorrente nas relações laborais. Nesse contexto de profundas modificações que trazem à temática do Direito do Trabalho novos desafios, a escolha do presente tema justifica-se pela repercussão do teletrabalho na saúde e segurança dos teletrabalhadores, bem como pela sua atualidade e relevância para a ciência jurídica e social. Nesse sentido, sendo o instituto do teletrabalho uma inovação notadamente visível no Direito Laboral Brasileiro, o primeiro capítulo da presente monografia visa apresentar, além dos aspectos introdutórios, a sua classificação, modalidades, vantagens e desvantagens, bem como a necessidade de uma regulamentação eficaz acerca do assunto que busque definir com maior precisão preceitos até então inexistentes no ordenamento jurídico pátrio. Sequencialmente, busca-se na segunda parte da exposição, a análise de conceitos teóricos referentes ao meio ambiente laboral, levando sempre em consideração a visão constitucional, que assegura a todo o ser humano a existência em um ambiente equilibrado e saudável, direito extensível ao ambiente de labor, tendo-o como decorrência para a realização do trabalho digno. Para isso, observando-se que o meio ambiente do trabalho se apresenta como derivação e elemento constitutivo do conceito geral de meio ambiente, antes de adentrar propriamente no seu conceito, necessário se faz, em um primeiro momento, conceituar de forma breve o meio ambiente enquanto gênero, a fim de dominar o assunto com maior profundidade. 3 Destarte, estudados os conceitos de teletrabalho e meio ambiente do trabalho, dois campos vastos e de aproximação importantíssima nos dias atuais, verifica-se que um novo desafio se apresenta na seara trabalhista, na medida em que diversas indagações a respeito das matérias supracitadas são debatidas calorosamente entre os operadores de direito. Sabe-se que devido à falta de uma normatização específica no ordenamento jurídico brasileiro, a efetiva proteção e segurança dos teletrabalhadores vem enfrentando uma série de questionamentos ainda não superados de forma satisfatória pela comunidade jurídica. Com isso, sendo a vivência em um meio ambiente do trabalho equilibrado, seguro e salubre, direito de todo cidadão trabalhador e sendo o teletrabalho caracterizado singelamente como um trabalho executado à distância, constata-se que o maior ponto de controvérsia repousa, prioritariamente, na necessidade e na dificuldade em realizar uma fiscalização direta no ambiente de trabalho. Assim, ante as dificuldades expostas de conciliar a realidade prática do teletrabalho com o efetivo dever jurídico de proteção ao meio ambiente laboral, o terceiro capítulo visa analisar e apresentar alguns esclarecimentos no que tange aos seguintes dilemas: Como conferir a proteção ao teletrabalhador? Seria admissível protegê-lo com base nas legislações existentes? Tratando-se do teletrabalho prestado em domicílio, como proceder a inspeção do ambiente de trabalho, sem que tal ato importe em violação à intimidade pessoal do teletrabalhador? O direito à desconexão do trabalho deve ser observado e respeitado? A análise do tema proposto se desenvolveu, predominantemente, com base em pesquisas bibliográficas tradicionais, utilizando-se, paralelamente, das fontes formais de direito, tais como as principais legislações atinentes à matéria. Como técnica secundária, buscou-se apoio no direito comparado, notadamente no texto normativo português, para a resposta de eventuais lacunas presentes no direito interno. 4 1 TELETRABALHO: UMA REALIDADE CONTEMPORÂNEA 1.1 CONCEITO DE TELETRABALHO Partindo do pressuposto de que o teletrabalho é um tema abrangente e uma realidade cada vez mais presente na sociedade contemporânea, cumpre esclarecer que foi na década de 50 que Norbert Wiener, considerado o pai da cibernética, introduziu o conceito de trabalho à distância, um dos requisitos essenciais para a configuração do teletrabalho3. Posteriormente, o denominado trabalho em casa, extinto desde os finais do século XIX, reaparece em 1960 especialmente no que se refere à produção de vestuário, têxteis e calçados, estendendo-se a outros setores na década de 19704. Ao analisar o instituto em destaque, Estrada5 salienta que: Na convergência das noções de “trabalho à distância” e de “trabalho em casa” surge o primeiro conceito de “teletrabalho” nos anos 70, reforçado pelo surgimento da crise petrolífera de 73, que focalizou a atenção de alguns pensadores para os aspectos da poupança de energia, nomeadamente, para a redução das deslocações casatrabalho-casa dos trabalhadores (commuting), e para o qual o americano Jack Nilles, advogou o conceito de telecommuting, que pressupunha a substituição do trabalho físico dos trabalhadores pela telecomunicação da informação. Nesse mesmo viés, é importante destacar que, diante da inexistência do computador pessoal e da massificação da internet, o surgimento do teletrabalho nas décadas referidas anteriormente deu-se com a utilização de fac-símile, correio, telefone convencional e telégrafo6. É nessa linha de pensamento, que Winter7, ao se referir às primeiras experiências com o teletrabalho nos anos 50, destaca a seguinte colocação: “Wiener exemplifica com um caso hipotético: um arquiteto, vivendo na Europa, poderia 3 4 5 6 7 WINTER, Vera Regina Loureiro. Teletrabalho: uma forma alternativa de emprego. São Paulo: LTr, 2005. p. 63. WINTER, Vera Regina Loureiro. Teletrabalho: uma forma alternativa de emprego. São Paulo: LTr, 2005. p. 63. ESTRADA, Manuel Martín Pino. Do teletrabalho ao trabalho em rede. Disponível em: <http://www.cit2007.citvirtual.org/ponencias/pdf/Manuel_Pino_Estrada_%20DO_TELETRAB AL HO.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2011. p. 2. JARDIM, Carla Carrara da Silva. O teletrabalho e suas atuais modalidades. São Paulo: LTr, 2003. p. 38. WINTER, Vera Regina Loureiro. Teletrabalho: uma forma alternativa de emprego. São Paulo: LTr, 2005. p. 63. 5 supervisionar, à distância, a construção de um prédio nos EUA utilizando a comunicação por fac-símile”. Segundo Lemesle e Marot8, o interesse por esta nova modalidade de trabalho deu origem ao chamado “paradigma da deslocalização”, verificado a partir da década de 80, cujo modelo apresentava como alguns dos pressupostos a desconcentração da atividade assalariada, assim como ações que tinham por objetivo a redução do impacto ambiental, a redução de custos com o deslocamento/mão-de-obra e, por fim, a motivação social. Ademais, desde a década de 90, o ressurgimento do interesse pelo teletrabalho passou a ser inserido no contexto de outro paradigma. Diante desta circunstância, Estrada9 explica que: Desde os anos 90, o paradigma do teletrabalho tem sido enquadrado num contexto de interesse econômico, como fonte de valor acrescentado, modificando-se, deste modo, o conceito de teletrabalho, procurando-se uma maior flexibilidade na organização do trabalho e, consequentemente no aumento da produtividade das pessoas, das organizações e das economias. Nesse contexto, o teletrabalho, tema relativamente novo presente no âmbito trabalhista em decorrência do progresso das novas tecnologias de informação e comunicação, não apresenta com exatidão uma posição clara e definitiva quanto ao seu conceito, uma vez que tal instituto ainda carece de regulamentação específica no ordenamento jurídico brasileiro. Tremblay10 atenta para o fato de que a ausência de uma única definição acerca do assunto dificulta a quantificação do fenômeno, afirmando que “quanto mais amplamente compartilhada a definição, mais fácil será estimar o número de teletrabalhadores em um país ou região específicos”. Embora não haja um conceito único e fechado do instituto em exame, é importante destacar que alguns requisitos vem sendo apontados comumente pela doutrina atual. Do ponto de vista conceitual, observa-se, 8 9 10 LEMESLE, Raymond-Marin & MAROT, Jean-Claude apud WINTER, Vera Regina Loureiro. Teletrabalho: uma forma alternativa de emprego. São Paulo: LTr, 2005. p. 64. ESTRADA, Manuel Martín Pino. Do teletrabalho ao trabalho em rede. Disponível em <http://www.cit2007.citvirtual.org/ponencias/pdf/Manuel_Pino_Estrada_%20DO_TELETRAB ALHO.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2011. p. 2. TREMBLAY, Diane-Gabrielle. Organização e satisfação no contexto do teletrabalho. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 42, n. 3, p. 54-65, jul./set. 2002. p. 56. 6 segundo a posição de Chaparro11, que “teletrabajo es trabajo a distancia, utilizando las telecomunicaciones y por cuenta ajena”. Desse modo, conclui-se que para a sua caracterização faz-se imprescindível a presença de alguns elementos, tais como o trabalho realizado à distância, isto é, longe do estabelecimento físico do empregador, e a utilização de meios de telecomunicação para a perfeita conexão entre os sujeitos da relação. 1.2 CLASSIFICAÇÃO E MODALIDADES DO TELETRABALHO Alves cita em seu artigo o jurista Pitas12, que, segundo a posição deste, “o trabalho à distância é gênero que compreende, no leque das novas formas de trabalhar, o teletrabalho”. Fundamental ressaltar, também, a diferença existente entre teletrabalho realizado em domicílio e trabalho em domicílio, um equívoco diariamente cometido por muitos. Para Alves13: O teletrabalho abrange outros elementos, que não somente o domicílio do prestador do labor. Com os recursos proporcionados pelos modernos sistemas de comunicação à distância, o teletrabalho pode ser exercido em qualquer local acordado pelos contratantes, ou seja, até locais virtuais, onde, logicamente, não seja residência ou mesmo domicílio deles. Desse modo, as cinco principais classificações de teletrabalho, apontadas, maciçamente, por grande parte da doutrina atual14, podem ser divididas em: domicílio; centros satélites; telecentros; telecottages; nômade ou móvel. Inicialmente, no que tange ao domicílio do teletrabalhador, tal modalidade parece ser a mais utilizada, uma vez que a prestação laboral é 11 12 13 14 CHAPARRO, Francisco Ortiz. El teletrabajo: una nueva sociedad laboral en la era de la tecnología. Madrid: McGraw-Hill, 1997. p. 38. PITAS, José apud ALVES, Rubens Valtecides. Teletrabalho: um conceito complexo no direito brasileiro. Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, v. 35, p. 385-394, jan./dez. 2007. p. 390. ALVES, Rubens Valtecides. Teletrabalho: um conceito complexo no direito brasileiro. Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, v. 35, p. 385-394, jan./dez. 2007. p. 388. FINCATO, Denise Pires. Teletrabalho: uma análise juslaboral. In: STÜRMER, Gilberto (Org.). Questões controvertidas de Direito do Trabalho e outros estudos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 48-51. 7 realizada na própria residência do empregado. Esclarece Dupas15 que, “mediante os terminais de computadores, inclusive os domiciliares, integrados por redes, pode-se constituir um espaço de trabalho adequado e articulado com qualquer outro lugar”. Partindo para a segunda classificação exposta, o teletrabalho realizado em centros satélites é, segundo a posição de Sellas i Benvingut16, “[...] un lugar distinto al lugar o centro de trabajo donde la empresa desarrolla la actividad económica principal, en el que se sitúa una fase diferenciada de dicha actividad”. Já a terceira classificação, que compreende os telecentros, também denominados de centros de recursos compartilhados, estão situados em pontos geograficamente estratégicos e podem pertencer a uma ou mais empresas. Como bem leciona Sellas i Benvingut17, os telecentros são espaços físicos dotados de grandes instalações e de uma infraestrutura completa em equipamentos de informática e de comunicação do mais alto nível. Por seu turno, os telecottages estão geralmente situados nas zonais rurais e apresentam como objetivo atrair a população mais preparada dos grandes centros urbanos. Para Arruzzo18 “tem como principal fator benéfico o fato de contribuir com a criação de postos de trabalho e o desenvolvimento de determinada região”. Complementarmente, vale dizer, nas palavras de Fincato19, que, “juntamente com a possibilidade de teletrabalhar, portanto, aos empregados é oferecida a possibilidade de teleestudar (educação à distância) seu próprio ofício ou temas complementares/conexos”. Já o denominado teletrabalho nômade, móvel ou até mesmo itinerante20 não apresenta um local específico e determinado para a prestação 15 16 17 18 19 20 DUPAS, Gilberto. Ética e poder na sociedade da informação. São Paulo: UNESP, 2001. p. 38. SELLAS I BENVINGUT, Ramon. El régimen jurídico del teletrabajo en España. Navarra: Aranzadi, 2001. p. 29. SELLAS I BENVINGUT, Ramon. El régimen jurídico del teletrabajo en España. Navarra: Aranzadi, 2001. p. 28. ARRUZZO, André Vicente Carvalho. Aspectos relevantes do teletrabalho no ordenamento trabalhista. Revista Justiça do Trabalho, Porto Alegre, n. 256, p. 23-32, abr. 2005. p. 25. FINCATO, Denise Pires. Teletrabalho: uma análise juslaboral. In: STÜRMER, Gilberto (Org.). Questões controvertidas de Direito do Trabalho e outros estudos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 50. ANDRADE, Pollyanna Vasconcelos Correia Lima de. Teletrabalho no ordenamento jurídico brasileiro. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, v. 15, n. 1, p. 284303, 2007. p. 288. 8 laboral, visto que os seus empregados necessitam deslocarem-se inúmeras vezes durante o dia para satisfazer as demandas da empresa. Por todo o exposto, cabe registrar que os sistemas de tecnologia da informação e da comunicação são requisitos indispensáveis para a caracterização de qualquer uma das classificações de teletrabalho acima elencadas, visto que a sua ausência permite a confusão do teletrabalho com o trabalho em domicílio, figuras jurídicas totalmente distintas21. Ademais, independentemente da espécie de teletrabalho a ser contratada entre os sujeitos da relação, pode-se verificar, ainda, a presença das seguintes modalidades de transmissão, que dependerão sempre do nível de interação havida entre eles: o teletrabalho off line, one way line e on line. Sinale-se, todavia, que as modalidades de conexão apresentadas poderão existir isoladamente ou conjugadamente, e que, conforme suplementa Fincato22: [...] níveis de interatividade maiores permitem contratos de trabalho mais complexos, inclusive com fixação/controle de jornada de trabalho e suas consequências (pagamento por horas, com adicionais extraordinários ou noturnos, quando o caso). Em primeiro lugar, o teletrabalho off line caracteriza-se pela inexistência de uma conexão interativa, onde o teletrabalhador desempenha as suas atividades laborais sem manter uma ligação e um vínculo direto com o computador central da empresa. Em sua exposição, Jardim23 explica que, por não existir uma conexão eletrônica e permanente com a empresa, as instruções para a realização de um determinado trabalho são previamente estabelecidas pelo supervisor. 21 22 23 Sobre o tema, esclarece Chaparro que “el trabajo a distancia sin que medie la utilización de telecomunicaciones es el trabajo a domicilio tradicional que ha existido siempre” (CHAPARRO, Francisco Ortiz. El teletrabajo: una nueva sociedad laboral en la era de la tecnología. Madrid: McGraw-Hill, 1997. p. 38-39). FINCATO, Denise Pires. Teletrabalho: uma análise juslaboral. In: STÜRMER, Gilberto (Org.). Questões controvertidas de Direito do Trabalho e outros estudos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 51. JARDIM, Carla Carrara da Silva. O teletrabalho e suas atuais modalidades. São Paulo: LTr, 2003. p. 58. 9 De outra banda, o teletrabalho one way line é a modalidade em que se constata a existência de uma comunicação unidirecional24, cujo modo de transmissão de um determinado trabalho não permite a interatividade simultânea entre a empresa e o teletrabalhador25. Por fim, no que concerne à terceira modalidade citada, verifica-se que tal tipologia se diferencia das demais apresentadas, uma vez que neste caso está presente a denominada conexão bidirecional26, que possibilita ao teletrabalhador e à empresa uma interação constante e contínua. Assim sendo, partindo do pressuposto de que o trabalho é transmitido à empresa matriz em tempo real e de forma interativa, pode-se concluir que o teletrabalho on line possibilita ao empregador uma efetiva fiscalização sobre a prestação do serviço adimplida pelo empregado. É diante deste controle que nota-se a presença do trabalho subordinado, elemento bastante questionado frente às novas relações de trabalho. 1.3 VANTAGENS E DESVANTAGENS DO TELETRABALHO Para muitos doutrinadores27 as principais vantagens profissionais e pessoais apontadas em favor do teletrabalhador podem ser resumidas em: possibilidade de elevadas margens de autonomia; auto-realização; maior independência; menos conflito no trabalho; redução nas despesas, seja com o vestuário, alimentação ou deslocamentos despendidos entre a empresa/residência; redução de interrupções, o que leva a um aumento significativo da produtividade; aumento da flexibilidade que permite ao teletrabalhador se organizar de acordo com as suas conveniências, podendo conciliar as suas atividades profissionais com as familiares; e possibilidade de emprego às donas de casa, estudantes, mulheres com crianças pequenas, 24 25 26 27 SELLAS I BENVINGUT, Ramon. El régimen jurídico del teletrabajo en España. Navarra: Aranzadi, 2001. p. 31. FINCATO, Denise Pires. Teletrabalho: uma análise juslaboral. In: STÜRMER, Gilberto (Org.). Questões controvertidas de Direito do Trabalho e outros estudos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 51. FINCATO, Denise Pires. Teletrabalho: uma análise juslaboral. In: STÜRMER, Gilberto (Org.). Questões controvertidas de Direito do Trabalho e outros estudos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 51. Por exemplo: ROSENFIELD, Cinara L.; ALVES, Daniela A. Teletrabalho. In: Dicionário de trabalho e tecnologia. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2006. p. 305-306. 10 bem como pessoas com idade avançada que geralmente encontram obstáculos/dificuldades de locomoção até a empresa. De outra parte, é importante advertir que a evolução do teletrabalho comporta ao mesmo tempo inegáveis desvantagens. É sob este panorama que a doutrina28 vem assinalando repetidamente os seguintes inconvenientes presentes no dia-a-dia de um teletrabalhador, tais como: o isolamento profissional e social devido à falta de contato com os colegas de trabalho; menos oportunidade de ascensão na carreira; dificuldades de distinguir a vida profissional com a particular; trabalho excessivo; ausência de auxílio na execução das tarefas; dificuldades de atenção em casa e aumento das despesas com energia, tratando-se do teletrabalho prestado em domicílio; insegurança e medo de não ser promovido; doenças relacionadas ao stress, circunstância esta que pode refletir na produtividade do empregado; carência de regulamentação no ordenamento jurídico brasileiro; e sensação de estar desvinculado da empresa. Em termos conclusivos, pode-se claramente perceber que a doutrina, ao estabelecer os prós e contras advindos do sistema teledescentralizado, esboça diferentes posições acerca do assunto. Para Winter29, “comparadas as vantagens e desvantagens, prevalecem as primeiras, em relação aos telempregados que retêm todos os direitos e ainda têm disponibilidade horária e ausência de deslocamento”. 1.4 A REGULAMENTAÇÃO DO TELETRABALHO Dadas as especificidades, vale ressaltar que o teletrabalho ainda não apresenta uma regulamentação específica no Brasil, capaz de solucionar ou minimizar os conflitos decorrentes de sua utilização. De outra esteira, imperioso mencionar que, embora não haja tal regulação, pode-se verificar a existência do Projeto de Lei n. 4.505/08, de autoria do Deputado Luiz Paulo Vellozo Lucas que, além de regulamentar o trabalho à distância, visa 28 29 Por exemplo: BELMONTE, Alexandre Agra. Problemas jurídicos do teletrabalho. Revista de Direito do Trabalho, v. 33, n. 127, p. 13-27, jul./set. 2007. p. 17. WINTER, Vera Regina Loureiro. Teletrabalho: uma forma alternativa de emprego. São Paulo: LTr, 2005. p. 133. 11 conceituar e disciplinar as relações de teletrabalho, bem como estabelecer prerrogativas e dar outras providências aos teletrabalhadores30. Entretanto, na espera de uma resposta, cumpre informar desde já que, por tratar-se de um instituto em constante expansão e desenvolvimento no país, entende-se necessária a busca de uma normatização acerca do tema, que procure definir com maior precisão conceitos e direitos mínimos atribuídos aos trabalhadores inseridos nesta categoria. No mais, diante da infeliz escassez legislativa presente no ordenamento trabalhista, Andrade31 alerta para o fato de que, provada a relação de emprego, deve o teletrabalhador ser amparado por toda a gama de direitos previstos aos trabalhadores comuns que laboram sob a égide do sistema clássico, cabendo ao empregador a responsabilidade pela saúde e segurança do trabalho e a garantia de condições mínimas indispensáveis para o exercício da função. 2 O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO EQUILIBRADO E SAUDÁVEL COMO DIREITO FUNDAMENTAL 2.1 MEIO AMBIENTE: CONCEITO E DESDOBRAMENTOS O direito de viver em um meio ambiente adequado e sadio e sua ligação com o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos principais fundamentos da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito insculpido no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988, é um tema de grande destaque e relevância na atualidade, haja vista que o próprio texto constitucional em vigor reconheceu ao Poder Público e ao cidadão o dever de defender e proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como requisito essencial para a manutenção da própria vida humana32. Assim, 30 31 32 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei n. 4.505, de 2008. Disponível em <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/626255.pdf>. Acesso em: 13 mar. 2011. ANDRADE, Pollyanna Vasconcelos Correia Lima de. Teletrabalho no ordenamento jurídico brasileiro. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, v. 15, n. 1, p. 284303, 2007. p. 295. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações [...]. 12 como bem leciona Medeiros33, resta claro que a manutenção equilibrada e hígida do ambiente é indispensável para o alcance da sadia qualidade de vida, de modo que um ambiente sem as condições mínimas de sobrevivência jamais proporcionará ao ser humano a existência em uma vida digna. No mesmo sentido, manifesta-se Soares34, para quem “[...] da fruição do direito ao meio ambiente decorrem outros direitos de festejada envergadura, como a própria vida”. Nessa senda, partindo do pressuposto de que a qualidade de vida está intrinsicamente relacionada às condições do meio ambiente, cumpre esclarecer que o direito ao meio ambiente (equilibrado e saudável) encontra-se inserido na categoria dos direitos fundamentais de terceira dimensão, também denominado de “geração”, conforme o entendimento de alguns doutrinadores, e que, segundo ensina Sarlet35: Os direitos fundamentais da terceira dimensão, também denominados de direitos de fraternidade ou de solidariedade, trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação), e caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa. Nesse mesmo viés, para melhor compreender a definição de meio ambiente, verifica-se de acordo com o posicionamento de Silva36, que meio ambiente é a “interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”. Assim, com base no exposto, conclui-se que o conceito jurídico de meio ambiente enquanto gênero é extremamente extenso, podendo ser classificado em quatro espécies distintas, pacificamente apontadas pela doutrina atual37, sendo elas divididas em: meio ambiente natural, meio 33 34 35 36 37 MEDEIROS, Flavia de Paiva. Defesa ambiental e prevenção de riscos laborais no direito brasileiro. Revista de Direito do Trabalho, v. 30, n. 114, p. 65-80, abr./jun. 2004. p. 72. SOARES, Evanna. Ação ambiental trabalhista: uma proposta de defesa judicial do direito humano ao meio ambiente do trabalho no Brasil. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2004. p. 57. SARLET, Ingo W. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010 p. 48. SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 20. FINCATO, Denise Pires. Meio ambiente laboral: ferramentas legais brasileiras para a concretização de um direito humano fundamental. In: GORCZEVSKI, Clovis (Org.). Direitos humanos e participação política. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2010. p. 194-195. 13 ambiente artificial, meio ambiente cultural e meio ambiente do trabalho. Observa-se, ainda, conforme preleciona Padilha38, que, embora o conceito de meio ambiente seja unitário, tal divisão apresenta por objetivo apenas facilitar didaticamente o estudo acerca da matéria. 2.2 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO Conforme salienta Silva39, sendo o meio ambiente do trabalho o local em que o trabalhador passa grande parte dos seus dias, a sua qualidade de vida estará intimamente ligada com a qualidade daquele ambiente. Da mesma forma, utilizando-se as palavras de Oliveira40, “[...] é impossível alcançar qualidade de vida sem ter qualidade de trabalho, nem se pode atingir meio ambiente equilibrado e sustentável ignorando o meio ambiente do trabalho”. Registra-se, contudo, que foi com o advento do industrialismo e com os avanços tecnológicos presentes no mundo moderno, que as constantes preocupações com a saúde e segurança do trabalhador ganharam força41. Ao analisar o processo histórico de radical transformação econômica e social desencadeada pela passagem da manufatura à indústria mecânica, Fernandes42 relata, minuciosamente, as principais dificuldades que marcaram a vida dos trabalhadores: Naquela época, os empresários impuseram condições desumanas e degradantes de trabalho aos operários, para aumentar a produção e garantir uma margem de lucro crescente. Não havia a fixação de uma contraprestação mínima; a falta de iluminação, má circulação de ar e jornadas diárias de trabalhos que ultrapassavam 15 horas, inclusive de mulheres e crianças, gerou inúmeros acidentes. Some-se a isso, as já deploráveis condições de vida nas cidades naquela época, com epidemias generalizadas, ausência de condições mínimas de higiene e segurança nas habitações. 38 39 40 41 42 PADILHA, Norma Sueli. Do meio ambiente do trabalho equilibrado. São Paulo: LTr, 2002. p. 32. SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 25. OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. São Paulo: LTr, 1996. p. 74. FINCATO, Denise Pires. Meio ambiente laboral: ferramentas legais brasileiras para a concretização de um direito humano fundamental. In: GORCZEVSKI, Clovis (Org.). Direitos humanos e participação política. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2010. p. 197. FERNANDES, Fábio de Assis F. O princípio da prevenção no meio ambiente do trabalho e o Ministério Público do Trabalho. Revista LTr: legislação do trabalho, v. 70, n. 12, p. 14601471, dez. 2006. p. 1465. 14 Em consequência do que se expõe, ressalta-se, mais uma vez, a importância de tal proteção jurídica positivada nos dias atuais, posto que é com base nela que serão conferidas a todos os trabalhadores medidas necessárias para a valorização do trabalho humano. Grifa-se a palavra “todos”, uma vez que Soares43 reconhece, em sua obra, que a concepção de trabalho não deve ser restrita, ou seja, tal proteção deve ser estendida não apenas aos trabalhadores subordinados, como também aos trabalhadores não subordinados, entre eles os autônomos, os trabalhadores do “setor informal” e até mesmo os aprendizes e os estagiários que se encontram na mesma situação de risco que os demais. Ademais, no que concerne à conceituação de meio ambiente do trabalho tem-se na concepção de Moraes44, de forma clara e precisa, que: Meio ambiente do trabalho é o local onde o homem realiza a prestação objeto da relação jurídico-trabalhista, desenvolvendo atividade profissional em favor de uma atividade econômica. O trabalhador participa da atividade econômica em interação com os meios de produção e toda a infra-estrutura necessária ao desenvolvimento da prestação laboral. Ao conjunto do espaço físico (local da prestação de trabalho ou onde quer que se encontre o empregado, em função da atividade e à disposição do empregador) e às condições existentes no local de trabalho (ferramentas de trabalho, máquinas, equipamentos de proteção individual, temperatura, elementos químicas etc. – meios de produção) nas quais se desenvolve a prestação laboral denominamos meio ambiente do trabalho. Oportuna, por sua vez, a observação feita por Rocha45 ao definir que tal ambiente “[...] não se restringe ao espaço interno da fábrica ou da empresa, mas se estende ao próprio local de moradia ou ao ambiente urbano”. Por fim, conforme ilustra Rossit46, o meio ambiente do trabalho pode ser visto como uma 43 44 45 46 SOARES, Evanna. Ação ambiental trabalhista: uma proposta de defesa judicial do direito humano ao meio ambiente do trabalho no Brasil. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2004. p. 83-84. MORAES, Monica Maria Lauzid de. O direito à saúde e segurança no meio ambiente do trabalho: proteção, fiscalização e efetividade e normativa. São Paulo: Editora LTr, 2002. p. 25. ROCHA, Julio Cesar de Sá da. Direito ambiental e meio ambiente do trabalho: dano, prevenção e proteção jurídica. São Paulo: LTr, 1997. p. 30. ROSSIT, Liliana Allodi. O meio ambiente de trabalho no direito ambiental brasileiro. São Paulo: LTr, 2001. p. 67. 15 [...] parte do direito ambiental que cuida das condições de saúde e vida no trabalho, local onde o ser humano desenvolve suas potencialidades, provendo o necessário ao seu desenvolvimento e sobrevivência. Não se limita ao empregado; todo trabalhador que cede a sua mão-de-obra exerce sua atividade em um ambiente de trabalho. Logo, diante das mais diversas e respeitadas conceituações doutrinárias acerca da matéria em foco, verifica-se a abrangência e a importância de sua proteção exposta no sistema jurídico brasileiro, uma vez que o objeto a ser tutelado e priorizado em todas as relações trabalhistas é a vida e a saúde do trabalhador, cujo direito material constitucional encontra-se intimamente ligado com o princípio da dignidade da pessoa humana. 2.3 O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA Embora o artigo 7º, inciso XXII da Constituição Federal de 1988 assegure a todos os trabalhadores – urbanos e rurais – o direito à “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”, verifica-se que, devido às recorrentes inovações das atividades produtivas e das diversas modalidades de trabalho presentes na realidade brasileira, tutelar a saúde e a segurança do trabalhador, proporcionando-lhe um ambiente de trabalho equilibrado e sadio, totalmente desprovido de agentes nocivos e insalubres, nem sempre se constitui em tarefa simples. Para Rossit47, “infelizmente, um ambiente totalmente isento de riscos é um desejo utópico”, o que não invalida a busca de medidas voltadas para a eliminação dos riscos na origem. Nesse diapasão, constata-se que o texto constitucional em vigor, refletindo as preocupações com a qualidade de vida da pessoa humana trabalhadora, alçou e positivou uma série de normas destinadas a regular e proteger a saúde e a segurança no meio ambiente laboral. Assim, ressalta-se, desde logo, de acordo com o disposto no artigo 1º, incisos III e IV48 da referida Carta, que a valorização social do trabalho, 47 48 ROSSIT, Liliana Allodi. O meio ambiente de trabalho no direito ambiental brasileiro. São Paulo: LTr, 2001. p. 148. Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como 16 juntamente com a dignidade da pessoa humana, são dois dos principais fundamentos da República Federativa do Brasil a serem enfatizados neste estudo, tendo em vista que, diante da inobservância dos preceitos destinados ao cumprimento do direito a um meio ambiente laboral saudável, dificilmente se alcançará a existência em uma vida digna. Por outro lado, além das garantias fundamentais constitucionais, importante ressaltar a existência de um vasto arcabouço infraconstitucional destinado a proteger o ambiente de trabalho. Com efeito, verifica-se que a Consolidação das Leis do Trabalho, Título II, Capítulo V, mais especificamente nos seus artigos 154 a 20149, apresenta uma série de disposições protetivas extremamente relevantes para a prevenção de possíveis infortúnios laborais, bem como estabelece as penalidades em caso de descumprimento das regras impostas pelo legislador. Nesse passo, nota-se que a proteção assim exposta pelo diploma consolidado visa assegurar e resguardar o exercício do trabalho em plenas condições de saúde e segurança, de forma a garantir o bom rendimento diário da prestação laboral, bem como a qualidade de vida do trabalhador. Por fim, sem a pretensão de esgotar o tema proposto, haja vista a infinidade de dispositivos protetivos presentes no ordenamento jurídico brasileiro, conclui-se que, diante das diversas ferramentas legais aduzidas no decorrer da exposição, cabe a todos (empregados, empregadores, estagiários, sociedade, entre outros) o dever de promover e zelar pela boa ambiência laboral. 2.4 O DIREITO À SAÚDE E SEGURANÇA NO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO NA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT) Superados e analisados os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que vigoram no âmbito normativo brasileiro, observa-se que, na esfera internacional, a Organização Internacional do Trabalho, criada 49 fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa [...]. BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho: Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 12 abr. 2011. 17 pelo Tratado de Versalhes, em 1919, apresenta, atualmente, uma série de convenções acerca do assunto50. Esclarece Oliveira51 que a OIT apresenta como objetivo maior “[...] a uniformização internacional do Direito do Trabalho, de modo a propiciar uma evolução harmônica das normas de proteção ao trabalhador e alcançar a universalização da justiça social”. Nesse sentido, no que diz respeito à matéria de saúde e segurança dos trabalhadores no meio ambiente laboral, a doutrina52 tem apontado maciçamente a presença de três importantes convenções ratificadas pelo Brasil e, portanto, incorporadas no ordenamento jurídico pátrio, a saber: a Convenção n. 148; a Convenção n. 155; e por fim, a Convenção n. 161. Finalmente, importa ressaltar que, além das convenções apontadas brevemente ao longo deste capítulo, identifica-se, também, inúmeras outras convenções editadas pela OIT e ratificadas pelo Brasil destinadas a proteger e a regular o meio ambiente do trabalho em determinados setores de atividades, como é o caso, por exemplo, do Trabalho Portuário.53 3 O IMPACTO DO TELETRABALHO NO MEIO AMBIENTE LABORAL 3.1 PROTEÇÃO À SAÚDE E SEGURANÇA: LEGISLAÇÃO APLICÁVEL AO TELETRABALHO Diante da ausência de um regramento legal específico destinado a regular o teletrabalho no direito interno, fato notório este registrado no capítulo inicial deste trabalho, Fincato54 esclarece em seus escritos que se tratando da 50 51 52 53 54 MORAES, Monica Maria Lauzid de. O direito à saúde e segurança no meio ambiente do trabalho: proteção, fiscalização e efetividade e normativa. São Paulo: Editora LTr, 2002. p. 69. OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. São Paulo: LTr, 1996. p. 78. Por exemplo: MORAES, Monica Maria Lauzid de. O direito à saúde e segurança no meio ambiente do trabalho: proteção, fiscalização e efetividade e normativa. São Paulo: Editora LTr, 2002. p. 75. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco apud PADILHA, Norma Sueli. Do meio ambiente do trabalho equilibrado. São Paulo: LTr, 2002.p. 96. FINCATO, Denise Pires. Saúde, higiene e segurança no teletrabalho: reflexões e dilemas no contexto da dignidade da pessoa humana trabalhadora. Direitos Fundamentais & Justiça, v. 3, n. 9, p. 101-123, out./dez. 2009. p. 107-109. 18 proteção à saúde do trabalhador, existe a possibilidade de aplicação direta de alguns dispositivos normativos presentes na legislação brasileira ao instituto do teletrabalho, tais como a Constituição Federal de 1988, a CLT, a Portaria do Ministério do Trabalho n. 3.214/78, as Convenções n. 155 e 161 da OIT e a NR 17 (Anexo II). Acrescenta-se, ainda, ao rol de possíveis legislações aplicáveis ao teletrabalho a conhecida Convenção n. 177 da OIT, acompanhada pela Recomendação n. 184 que versa sobre o trabalho em domicílio e que, de certa forma, oferece subsídios para a compreensão do teletrabalho. Feitas essas considerações, vale ressaltar que, mesmo diante das dificuldades a serem apresentadas nos subtítulos seguintes, cabe ao empregador promover a higiene, saúde e segurança no meio ambiente de trabalho, adotando e estabelecendo medidas preventivas, a fim de evitar ou minimizar a ocorrência de possíveis infortúnios laborais que possam vir a comprometer a integridade física e mental daquele que cede o seu trabalho, esteja ele ou não no ambiente patronal, sob pena de violação dos preceitos constitucionais e infraconstitucionais até então estudados ao longo desta exposição. 3.2 A FISCALIZAÇÃO DO MEIO AMBIENTE LABORAL NO ÂMBITO DO TELETRABALHO Sendo o teletrabalho um instituto caracterizado pela prestação laboral em estabelecimento diverso ao do empregador, e, portanto, longe do controle direto e físico da empresa, necessário enfatizar que a efetiva fiscalização no ambiente de trabalho nas condições apresentadas, principalmente tratando-se do teletrabalho prestado em domicílio, apresenta uma série de indagações preocupantes ainda não esclarecidas e sanadas, de forma absoluta e satisfatória, pela comunidade jurídica. Cumpre ressaltar que quando Valentim55 refere em seu artigo que deve ser estendido ao teletrabalhador toda a gama de direitos previstos para os trabalhadores comuns, entende-se neste caso que, em se tratando de uma 55 VALENTIM, João Hilário. Teletrabalho e relações de trabalho. Revista Genesis, Curitiba, n. 82, p. 524-530, out. 1999. p. 525. 19 relação de teletrabalho, independentemente de sua classificação, subsiste igualmente ao empregador o dever de cumprir com os regulamentos de higiene, saúde e segurança, procedendo com a fiscalização nas instalações de trabalho sempre que julgar e entender necessário. Embora o Projeto de Lei n. 4.505/08, de autoria do Deputado Luiz Paulo Vellozo Lucas, que visa regulamentar o trabalho à distância e apresentar outras providências, esteja ainda tramitando e nada fale a respeito da fiscalização no meio ambiente de trabalho, cabe destacar, conforme o artigo 6º, alínea “c” do diploma legal referido, que serão direitos do empregado teletrabalhador a “segurança, higiene e saúde no trabalho observadas as disposições do art.7º”. Ademais, ao tratar dos profissionais que teletrabalham em casa, Nilles56 ressalta a importância de um ambiente profissional hígido e livre de obstáculos perigosos como requisito essencial para a redução de possíveis acidentes laborais, afirmando posteriormente que os “móveis, cadeiras, isolamento acústico e iluminação devem estar de acordo com as exigências mínimas de um bom ambiente de trabalho”. Nessa linha de raciocínio, Fincato57 demonstra claramente a importância da fiscalização no local de trabalho, de modo que é com base em tal procedimento que serão detectados os riscos e projetadas as respectivas medidas de saneamento. É neste cenário que, ao estudar a proteção e a fiscalização do instituto do teletrabalho, Winter58 esboça a presença de dois órgãos estatais responsáveis por tal ato, sendo eles o Ministério do Trabalho, por meio de suas Delegacias Regionais do Trabalho, e o Ministério Público do Trabalho. Destaca Rossit59 que, para adequar o ambiente de trabalho, compete ao Ministério Público a instauração de três possíveis instrumentos, tais como o inquérito civil, a ação civil pública, e até mesmo o termo de ajustamento de conduta. 56 57 58 59 NILLES, Jack M. Fazendo do teletrabalho uma realidade: um guia para telegerentes e teletrabalhadores. São Paulo: Futura, 1997. p. 139. FINCATO, Denise Pires. Acidente do trabalho e teletrabalho: novos desafios à dignidade do trabalhador. Direitos Fundamentais & Justiça, v. 2, n. 4, p. 146-173, jul./set. 2008. p. 169. WINTER, Vera Regina Loureiro. Teletrabalho: uma forma alternativa de emprego. São Paulo: LTr, 2005. p. 149-151. ROSSIT, Liliana Allodi. O meio ambiente de trabalho no direito ambiental brasileiro. São Paulo: LTr, 2001. p. 180. 20 Todavia, ao mesmo tempo em que se discute a necessidade e o dever de fiscalização pelas autoridades competentes para o exame das condições de trabalho, verifica-se, por outro lado, que tal situação encontra obstáculos, uma vez que o artigo 5º, incisos X e XI60 da lei constitucional em vigor estabelece em seu texto, respectivamente, a proteção à intimidade e privacidade do indivíduo e a inviolabilidade do domicílio, no sentido de que ninguém pode penetrar na casa (tratando-se do teletrabalho em domicílio, entende-se o lar como o ambiente de trabalho) sem o consentimento do morador, salvo nas situações permitidas por lei. Assim, com o objetivo de evitar toda e qualquer agressão lesiva e inesperada à saúde e segurança do teletrabalhador, é de fundamental interesse que o empregador defina, em conjunto com o empregado, desde o início da contratualidade, quais os métodos de inspeção, bem como os encargos das responsabilidades a serem adotados e atribuídos durante toda a relação havida entre eles. A respeito do exposto, Fincato61 esclarece, mais uma vez, que a concordância expressa do teletrabalhador possibilita o cumprimento da fiscalização, devendo tal inspeção se ater tão-somente ao espaço de trabalho inserido no interior do domicílio. Desse modo, constatado que o poder diretivo do empregador (decorrente do direito de propriedade presente no artigo 5º, inciso XXII62 do texto constitucional atual) entra em choque com as limitações dos artigos supracitados, cumpre esclarecer que, em se tratando de teletrabalho prestado em domicílio, o acordo fixado desde já entre os sujeitos da relação, ainda parece ser a solução mais eficaz para a realização e consumação da fiscalização. 60 61 62 Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial [...]. FINCATO, Denise Pires. Acidente do trabalho e teletrabalho: novos desafios à dignidade do trabalhador. Direitos Fundamentais & Justiça, v. 2, n. 4, p. 146-173, jul./set. 2008. p. 119. [...] XXII – é garantido o direito de propriedade. 21 Ao tratar da denominada “colisão de direitos”, Muçouçah63 apregoa que, em caso de confronto entre o direito de propriedade e o direito à intimidade do empregado, ambas garantias constitucionais e, portanto, no mesmo patamar hierárquico, deve-se recorrer ao princípio da proporcionalidade para solucionar o atrito ora referido. Destarte, a partir das considerações mencionadas, a fim de evitar a ocorrência de tal situação, Winter64 sugere que uma das cláusulas presentes no contrato de teletrabalho deve atentar justamente para as normas de segurança, cujo teor se resumiria basicamente nas seguintes palavras: “compromete-se o telempregado a permitir fiscalização do MT nas instalações domiciliares em que se realiza o trabalho, sem que importe em alegação de violação da intimidade pessoal e de sua família”. De outra banda, ressalta-se, ainda, que a realização de exames médicos periódicos também se caracteriza em uma outra alternativa “indireta” de fiscalização do meio ambiente de trabalho, visto que, através de seus resultados, pode-se concluir a qualidade do espaço físico em que o teletrabalhador se encontra inserido65. Por fim, tendo em vista que a fiscalização do meio ambiente laboral no âmbito do teletrabalho é um assunto de extrema complexidade frente aos desafios hermenêuticos expostos, deve-se alertar aos empregadores que pretendam implantar tal modalidade de trabalho em suas empresas, que, ao lado dos grandes benefícios advindos de sua implantação, o teletrabalho comporta ao mesmo tempo intensas preocupações, mormente quando se fala da saúde e segurança do teletrabalhador, direito este fundamental e, portanto, inerente, irrenunciável e essencial à própria sobrevivência da raça humana. 63 64 65 MUÇOUÇAH, Renato de A. Oliveira. Considerações acerca do poder diretivo do empregador no teletrabalho. Revista LTr: legislação do trabalho, v. 69, n. 04, p. 446 -456, abr. 2005. p. 452-453. WINTER, Vera Regina Loureiro. Teletrabalho: uma forma alternativa de emprego. São Paulo: LTr, 2005. p. 143. Sobre o tema: “no que diz respeito ao acompanhamento à distância da saúde do teletrabalhador sugerem-se medidas como a realização de exames médicos periódicos com maior frequência, a fim de serem detectados, com maior antecedência, problemas de saúde como perda de visão, desgastes ou lesões ortopédicas, redução da capacidade auditiva, etc.” (FINCATO, Denise Pires. Saúde, higiene e segurança no teletrabalho: reflexões e dilemas no contexto da dignidade da pessoa humana trabalhadora. Direitos Fundamentais & Justiça, v. 3, n. 9, p. 101-123, out./dez. 2009. p. 120). 22 3.3 O DIREITO À INTIMIDADE E PRIVACIDADE DO TELETRABALHADOR Traçados, pois, os principais pontos problemáticos advindos do paralelo existente entre o teletrabalho e meio ambiente laboral, entre eles o direito à intimidade e privacidade do teletrabalhador, tema este analisado sucintamente no subtítulo anterior, necessário se faz aprofundar a temática ora em análise, haja vista a relevância e a dimensão que tal proteção ocupa no ordenamento jurídico brasileiro. Assim sendo, insta salientar que o aludido direito à inviolabilidade da intimidade, consagrado no artigo 5º, inciso X da Carta Magna vigente, tem por base o princípio da dignidade da pessoa humana66. É neste contexto que Spencer67 enfatiza em sua exposição que, observado e respeitado o direito à intimidade, verificar-se-á a concretização da cidadania e da dignidade, ressaltando posteriormente que a figura do trabalhador é igualmente amparada por tal direito. Ademais, convém esclarecer, conforme aduz Silva68, que, embora o direito à intimidade e o direito à privacidade sejam considerados quase sempre sinônimos, verifica-se, nos termos da disposição legal acima referida, a plausível distinção existente entre tais direitos, uma vez que a intimidade se configuraria em apenas uma das manifestações da privacidade, ao lado de outras elencadas no artigo. De fato, utilizando-se novamente as palavras de Spencer69, visualiza-se que, “do ponto de vista técnico, o direito à vida privada é o gênero ao qual pertence o direito à intimidade”. Verifica-se que tal direito é perfeitamente contemplado pelo artigo 237 do Código do Trabalho Português, ao referenciar que “o empregador deve respeitar a privacidade do teletrabalhador e os tempos de descanso e de 66 67 68 69 BELTRÃO, Sílvio Romero apud SILVA, Leda Maria Messias da. Dano moral: direitos da personalidade e o poder diretivo do empregador. Revista LTr: legislação do trabalho, v. 69, n. 04, p. 420-423, abr. 2005. p. 975 SPENCER, Danielle. Proteção à intimidade no ambiente laboral: uma análise sob a ótica da nova sociedade de informação. Revista de Direito do Trabalho, v. 36, n. 138, p. 11-42, abr./jun. 2010. p. 19. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros Eds., 2000. p. 209. SPENCER, Danielle. Proteção à intimidade no ambiente laboral: uma análise sob a ótica da nova sociedade de informação. Revista de Direito do Trabalho, v. 36, n. 138, p. 11-42, abr./jun. 2010. p. 15. 23 repouso da família, bem como proporcionar-lhe boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral”. Desse modo, conclui-se, pela leitura extraída, que no âmbito do teletrabalho a proteção à intimidade e privacidade é, inquestionavelmente, um direito individual e permanente atribuído a todo teletrabalhador, cujo direito consiste em não revelar os aspectos mais íntimos de sua vida pessoal a terceiros, bem como de não ser perturbado por eventuais intromissões externas na esfera privada que possam lhe causar um efetivo constrangimento. Face ao exposto, cumpre assinalar que o direito à intimidade e privacidade, considerado direito fundamental e personalíssimo, apresenta, também, algumas limitações nos demais direitos assegurados pela própria Constituição Federal de 198870. Cabe pontuar exemplificadamente, que o empregador, fundamentado no direito de propriedade que lhe é conferido pelo texto constitucional, ao realizar uma fiscalização no domicílio do teletrabalhador para averiguar as inseridas condições do meio ambiente de trabalho, poderá estar afrontando a intimidade e privacidade do mesmo. Em tese, diante da tensão apresentada, a doutrina71 tem invocado, pacificamente, a utilização do princípio da proporcionalidade a fim de harmonizar e dirimir a ocorrência de tais atritos. Ao tratar do assunto em tela, Fincato72 esclarece que uma das utilidades do princípio da proporcionalidade recai justamente no método de interpretação jurídico, isto é, diante da referida colisão de direitos fundamentais, caberá ao magistrado analisar e apreciar, no caso concreto proposto, qual o direito a ser priorizado, levando sempre em conta aquele que visa realizar de maneira mais efetiva o princípio da dignidade da pessoa humana. 70 71 72 BACELLAR, Margareth de Freitas. O direito do trabalho na era virtual. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 61. Por exemplo: MUÇOUÇAH, Renato de A. Oliveira. Considerações acerca do poder diretivo do empregador no teletrabalho. Revista LTr: legislação do trabalho, v. 69, n. 04, p. 446 456, abr. 2005. p. 453. FINCATO, Denise Pires. Acidente do trabalho e teletrabalho: novos desafios à dignidade do trabalhador. Direitos Fundamentais & Justiça, v. 2, n. 4, p. 146-173, jul./set. 2008. p. 170. 24 3.4 O DIREITO À INVIOLABILIDADE DOMICILIAR DO TELETRABALHADOR Ademais, mencionadas as principais características que cercam e marcam o direito à intimidade e privacidade sob a égide constitucional, importante se faz a reflexão acerca de outro direito, também passível de ser violado na esfera do teletrabalho, tal como é o direito à inviolabilidade domiciliar, cujo teor legal encontra fundamento no artigo 5º, inciso XI73 da Carta Magna vigente. Nessa senda, conforme interpretação literal e sistemática da disposição legal acima referida, observa-se que a casa é asilo inviolável do indivíduo, só podendo alguém nela penetrar com autorização do morador, salvo as exceções permitidas por lei. Assim, tendo em vista que o direito à inviolabilidade domiciliar encontra-se amparado pelo sistema jurídico brasileiro, impende destacar que, se tratando do teletrabalho prestado em domicílio, o aceite expresso do teletrabalhador para o ingresso rotineiro de estranhos em sua residência nem sempre é possível e viável em todas as relações laborais. Para Silva74: [...] ao estatuir que a casa é o asilo inviolável do indivíduo (art.5º, XI), a Constituição está reconhecendo que o homem tem direito fundamental a um lugar em que, só ou com sua família, gozará de uma esfera jurídica privada e íntima, que terá que ser respeitada como sagrada manifestação da pessoa humana. É importante resgatar que, ao mesmo tempo em que se impõe o dever do empregador de cumprir com os preceitos dispostos na legislação brasileira, deve o teletrabalhador também contribuir, no sentido de permitir a fiscalização em seu ambiente de trabalho ou, quando não possível este, no sentido de preservar a qualidade do ambiente o qual se encontra inserido, para que a relação havida entre empregador e teletrabalhador possa ser harmônica e saudável, sem a ocorrência de maiores problemas futuros. 73 74 [...] XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 2000. p. 210. 25 3.5 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO DIREITO À DESCONEXÃO Sendo a saúde e segurança do teletrabalhador tema que ostenta grande repercussão no cenário juslaboral face ao princípio da dignidade da pessoa humana, cumpre ressaltar, conforme ensina Winter75, que o fato de o empregado laborar em casa ou até mesmo em centros de teletrabalho, enseja a possibilidade de que a sua jornada de trabalho acabe sendo excedida, não se verificando as devidas pausas de descanso. Segundo aponta Kugelmass76, um dos desafios ao trabalho flexível, recai justamente no vício de trabalhar, afirmando posteriormente que o fato de o trabalho ser realizado longe dos centros tradicionais da empresa, faz com que, muitas vezes, o “telecomutador”, expressão utilizada pelo autor, trabalhe de forma mais intensa e por períodos mais longos, desencadeando a probabilidade de uma série de doenças ocasionadas devido ao stress. Verifica-se que tal situação desfavorável presente no ambiente de trabalho, pode nitidamente prejudicar e abalar a integridade física e psíquica daquele que labora no regime do teletrabalho. É nesse sentido que Resedá77 assinala a importância do direito à desconexão, isto é, “[...] o direito do assalariado de não permanecer ‘lincado’ com o empregador fora dos horários de trabalho, nos finais de semana, férias ou quaisquer outros períodos que sejam destinados ao seu descanso”. Ademais, convém salientar que o gozo efetivo de tal direito nas relações de teletrabalho torna-se extremamente essencial para a própria realização satisfatória da atividade laboral, uma vez que “descansado”, o teletrabalhador provavelmente apresentará maiores índices de produtividade. Finalmente, cabe informar que o denominado “direito à desconexão”, isto é, o direito de se desligar temporariamente do trabalho, assunto este escasso e pouco abordado pelos doutrinadores brasileiros, deve ser 75 76 77 WINTER, Vera Regina Loureiro. Teletrabalho: uma forma alternativa de emprego. São Paulo: LTr, 2005. p. 145. KUGELMASS, Joel. Teletrabalho: novas oportunidades para o trabalho flexível: seleção de funcionários, benefícios e desafios, novas tecnologias de comunicação. São Paulo: Atlas, 1996. p. 91-92. RESEDÁ, Salomão. O direito à desconexão: uma realidade no teletrabalho. Revista de Direito do Trabalho, n. 126, p. 157-175, abr./jun. 2007. p. 169. 26 assegurado a todos os teletrabalhadores78, independentemente de sua classificação, como forma de salvaguardar imediatamente a tão discutida e fundamental proteção à saúde do ser humano. CONCLUSÃO Após o desenvolvimento do presente estudo, percebeu-se que, embora não haja, ainda, uma regulamentação específica do teletrabalho no sistema trabalhista brasileiro destinado a estabelecer parâmetros mínimos necessários para a resolução de possíveis controvérsias futuras, tal instituto permanece sendo cada vez mais implantado e explorado pelas empresas brasileiras, que buscam no teletrabalho uma alternativa para a prestação laboral a partir de qualquer ponto geográfico do mundo, beneficiando, desta forma, não apenas os teletrabalhadores e as entidades empreendedoras, como também a sociedade, que experimenta, igualmente, as inúmeras consequências positivas advindas de sua adoção. Em não havendo um conceito único, claro e definitivo de teletrabalho, compreendeu-se, através das diversas posições doutrinárias até então expostas, que o trabalho à distância juntamente com os meios de informação e comunicação são fatores essenciais e, portanto, indispensáveis para a sua configuração. Ademais, sendo o teletrabalho um tema em constante expansão e ao mesmo tempo novato no cenário juslaboral brasileiro, constatou-se que o meio ambiente do trabalho nas relações de teletrabalho deve oferecer, assim como em todas as relações laborais, condições mínimas primordiais para o adequado desenvolvimento da atividade contratada. Desse modo, somente um ambiente profissional em consonância com as normas de saúde, higiene e segurança é capaz de proporcionar ao teletrabalhador, enquanto pessoa portadora de direitos e deveres, a existência em uma vida digna em todos os seus aspectos. Nesse sentido, estando o meio ambiente do trabalho abrangido pelo conceito geral de meio ambiente, viu-se que a sua proteção exposta no 78 RESEDÁ, Salomão. O direito à desconexão: uma realidade no teletrabalho. Revista de Direito do Trabalho, n. 126, p. 157-175, abr./jun. 2007. p. 173. 27 ordenamento jurídico pátrio também ostenta caráter de Direito Fundamental, e, portanto, irrenunciável e intransferível. Posteriormente, inexistindo legislação no país que vise regular e dar outras providências à qualidade, saúde e segurança no meio ambiente laboral nas relações de teletrabalho, entendeu-se doutrinariamente a possibilidade de se estender e aplicar ao teletrabalhador determinados diplomas legais que vigoram no âmbito normativo brasileiro, bem como as diferentes convenções relacionadas ao tema proposto. Sendo a inspeção no meio ambiente laboral no âmbito do teletrabalho assunto de extrema relevância, face aos preceitos constitucionais e infraconstitucionais que garantem ao ser humano a proteção do meio ambiente como pressuposto para a satisfatória qualidade de vida, verificou-se que o maior ponto de controvérsia para a efetiva atuação dos órgãos fiscalizadores no espaço laboral ocorre justamente quando o teletrabalho é prestado em domicílio. Assim, frente às limitações preconizadas pelo legislador constituinte, constatou-se que a solução mais viável para a legitimação da fiscalização no ambiente laboral, tratando-se do teletrabalho prestado em domicílio, é a existência de um contrato estabelecido desde já entre os sujeitos da relação. Em suma, concluiu-se que a adoção de medidas preventivas nas relações de teletrabalho, tal como é a fiscalização, se apresenta como a melhor saída para evitar ou reduzir a ocorrência de eventuais danos que possam vir a prejudicar a integridade física e psíquica do teletrabalhador. No mesmo sentido, resta evidente que a proteção à saúde e segurança do teletrabalhador não dependem exclusivamente do empregador, cabendo, também, ao primeiro, zelar e contribuir para a qualidade e manutenção do habitat laboral. Do exposto, observou-se que o tema proposto na presente monografia é, sem dúvida, muito discutido e pouco discorrido entre os doutrinadores brasileiros, haja vista a complexidade em apresentar uma solução definitiva que possa abarcar todos os questionamentos traçados ao longo do estudo. Assim, sem a pretensão de esgotar o tema, o trabalho procurou apenas esclarecer e contribuir, explicando e demonstrando, entre outros dilemas, a importância da proteção à saúde e segurança na vida dos 28 teletrabalhadores, bem como a necessidade de realizar uma efetiva fiscalização no meio ambiente laboral no âmbito do teletrabalho. REFERÊNCIAS ALVES, Rubens Valtecides. Teletrabalho: um conceito complexo no direito brasileiro. Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, v. 35, p. 385-394, jan./dez. 2007. ANDRADE, Pollyanna Vasconcelos Correia Lima de. Teletrabalho no ordenamento jurídico brasileiro. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, v. 15, n. 1, p. 284-303, 2007. ARRUZZO, André Vicente Carvalho. Aspectos relevantes do teletrabalho no ordenamento trabalhista. Revista Justiça do Trabalho, Porto Alegre, n. 256, p. 23-32, abr. 2005. BACELLAR, Margareth de Freitas. O direito do trabalho na era virtual. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. 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