PAIES 2004-2007 3ª ETAPA
Era um sábado. Eu tinha saído para almoçar
com uma amiga, também professora da PUC, e
passamos na casa dela para mais um café. Sua
faxineira abriu a porta e foi logo dizendo que o
professor fulano havia telefonado e deixara um
recado. Qual era? Que à noite haveria “batuque
no tubinho”. Quebramos a cabeça para decifrar
o recado, que, por inúmeras razões, jamais poderia ser aquele. Esgotadas as alternativas, ligamos para nosso colega. Do que se tratava?
Não, não era “batuque no tubinho”, era
“debate no Tuquinha”!
Nunca as coisas são o que são por si mesmas. Tudo o que vemos, ouvimos ou pensamos
vem embrulhado pelo repertório cultural do grupo ou da sociedade a que pertencemos. Independentemente do nosso Q.I. ou da nossa instrução, somos incapazes de compreender, reconhecer e até mesmo perceber coisas que
estejam muito fora de nosso universo de experiências. No mais das vezes, não se trata de
coisas tão inusitadas, mas da linguagem que
usamos para falar delas.
Li num estudo realizado por lingüistas sobre
um grupo de nativos de uma ilha filipina que
não conseguia distinguir visualmente entre a
cor vermelha e a cor laranja.
Constataram que aquela dificuldade coincidia com o fato de tais pessoas também terem,
no seu vocabulário, só uma palavra para nomear ambas as cores.
Quando foram associadas duas palavras diferentes, uma para cada cor, elas começaram
a ver e a distinguir o vermelho e o laranja. As
palavras são nossos olhos e nossos ouvidos e
nos dão afeição da realidade. Aristóteles definia o homem como um “animal falante”. Vivemos falando, e nossa linguagem funciona como
uma bússola, que guia as nossas compreensões
e, por paradoxo, determina nossas
incompreensões e todos os nossos mal-entendidos.
Não é a finalidade básica das nossas conversas expressar nossas diferenças, tanto
quanto superá-las? Não passamos quase todos
os nossos dias tentando nos fazer entender ou
tentando convencer os outros da verdade e do
valor das nossas interpretações da vida e do
mundo? Não é conversando que arranjamos
companhia para nossas idéias e para a realização de nossos sonhos e projetos? E não é, também, conversando que acabamos por fazer inimigos e adversários?
Mesmo que falemos a mesma língua, raramente falamos a mesma linguagem. E é ela que
nos une e nos separa, nos organiza em tribos,
grupos, épocas históricas, crenças e profissões.
Entre batuques e debates, entramos e nos
situamos no mundo pelas mãos das palavras.
Somos palavras.
DULCE CRITELLI, FOLHA
DE
S. PAULO, 17
DE AGOSTO DE
2006
De acordo com o texto, marque para as alternativas abaixo (V) verdadeira, (F) falsa ou (S0)
sem opção.
1- (
)
2- (
)
3- (
)
4- (
)
Segundo o texto, as professoras rejeitam o recado transmitido pela faxineira assim que ele é proferido.
Essa recusa inicial é compreensível,
principalmente se considerarmos
que "batuque", ao contrário de "debate", não é um evento que combina
com a realidade cultural dessas profissionais.
Em
"Vivemos falando, e nossa linguagem
funciona como uma bússola [...]." O
termo destacado é usado com o objetivo de reforçar o termo que encerra o enunciado em questão.
No texto predominam verbos que traduzem ações realizadas em tempos
passado e presente. A alternância
dessas formas verbais marca aqueles acontecimentos que revelam e
aqueles que não revelam, respectivamente, a opinião da autora.
Em
"Não passamos quase todos os nossos dias tentando nos fazer entender ou tentando convencer os outros
da verdade e do valor das nossas interpretações da vida e do mundo?"
O gerúndio é empregado para indicar circunstância de modo.
L
Í
N
G
U
A
P
O
R
T
U
G
U
E
S
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