Prefácio Já se passaram quase quatro anos, desde que tive o privilégio de conhecer pessoalmente o Pr. David Hansen. Ele é uma pessoa simples, amável, sábia e muito temente a Deus. Longe de alguém que se propõe ter todas as respostas prontas para o ministério, o Pr. David foi, de fato, uma “parábola de Jesus” para a nossa turma de seminário. Ele foi convidado para um “bate-papo” com a nossa classe de Ministério Supervisionado. Todos ficamos admirados com sua sabedoria e humildade, um verdadeiro homem de Deus. O Pr. David teve como mentor Eugene Peterson, um autor, já há alguns anos muito bem conceituado nos Estados Unidos, o qual só agora tem se destacado no Brasil, com alguns de seus livros sendo publicados. Por isso, posso dizer que, em certo sentido, há algumas semelhanças de seu estilo pessoal com o de seu mentor. Aqueles que já foram expostos à leitura de Eugene Peterson e têm vontade de saber como suas idéias podem ser aplicadas no dia-a-dia do ministério, não podem deixar de ler essa obra. Mas como um grande aprendiz, é claro que ele se superou na criatividade e simplicidade, resumidas nessa inspiradora obra, conseguindo unir teologia bíblica à prática ministerial e à espiritualidade. Pastorear é um dom espiritual evidente no exemplo do Pr. David. As histórias que ele conta, demonstram a sua paixão pelas ovelhas de Deus. Além disso, ele nos dá várias idéias 8 práticas de como cultivar o amor necessário para ver as ovelhas transformadas. Dizer que esse livro é simplesmente um livro para pastores seria uma grande injustiça, pois este é, inclusive, um livro para as esposas de pastores lerem, por ser rico em conselhos. As esposas precisam estar incentivando seus maridos a serem tudo aquilo para o qual Deus os chamou. Elas têm um papel muito importante em ajudar a discernir quando pessoas disfuncionais estão querendo envolver seus maridos em relacionamentos doentios. Elas precisam entender a dinâmica poderosa de projeção que é exercida sobre seus maridos. A própria esposa do Pr. David, Debbie, me disse que achava importante as mulheres da igreja conhecerem os “podres” do seu marido, para que houvesse menos problemas de mulheres carentes do rebanho se apaixonarem por ele. Isso pode acontecer facilmente, pois ele, como pastor, é uma figura masculina protetora e um guia espiritual. Recomendo que toda esposa de pastor leia este livro, pois abrirá os seus olhos para a tarefa muito especial e preciosa que Deus lhe tem concedido. Além disso, as esposas dos pastores podem tornar-se muito importantes para um ministério frutífero e abençoado, principalmente se estão juntas nessa grande missão, com todas as suas forças e preparo. Pr. Edmilson Frazão Bizerra & Helen Shedd Bizerra 9 Agradecimentos Este livro surge de minhas experiências como pastor do Distrito Eclesiástico Florence-Victor do Vale Bitterroot no Estado de Montana, no período de janeiro de 1983 a abril de 1992. Minhas histórias se passam em pequenas cidades, fazendas extensas e montanhas desérticas. Mas este livro não é sobre o ministério rural. Meu alvo, desde o início, é escrever um livro que retrate o ministério pastoral em toda parte, em seus cenários múltiplos e diversificados. Creio, simplesmente, que a melhor maneira de fazer uma declaração abrangente sobre o pastorado é descrever sua manifestação, num contexto bem específico. Generalidades sobre o ministério pastoral que visem a aplicar-se a todos os lugares poderão, afinal, não ser aplicáveis a nenhum lugar. Mas se uma descrição do ministério do pastor, na área rural de Montana, encaixar-se na de um pastor de ministério urbano, a uma distância de milhares de quilômetros, então, quem sabe, descobrimos uma mina que pode valer a pena! Logo percebi que eu precisaria que pastores, em outros lugares, lessem meu manuscrito, para eu saber se minhas histórias e idéias se encaixavam nas deles. Meus leitores me ajudaram imensamente. Além de dar um incentivo que me era necessário no decorrer do trabalho, corrigiram-me em muitos pontos. A crítica deles ajudou-me a escrever um livro melhor. É claro que eu assumo toda a responsabilidade por deficiências que haja. 10 Estas pessoas leram o manuscrito inteiro ou em parte: Steve Trotter, pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Ellensburg, Washington; Evelyn Breese, pastora da Igreja Protestante Unida Southside, de Richland, Washington; Rob Cahill, seminarista em Fuller Theological Seminary; Camille Richardson, seminarista em Bethel Theological Seminary; Jim Steiner, pastor da Segunda Igreja Batista em Boise, Idaho; Steve Yamaguchi, pastor da Igreja Presbiteriana da Graça em Paramount, California; Gaylord Hasselblad, pastor executivo das Igrejas Batistas Americanas do Noroeste; Alan Poole, pastor associado da Igreja Presbiteriana Blacknall, de Durham, North Carolina; Lois Halls, missionária à Guatemala; Bruce Becker, pastor da Igreja Presbiteriana Olney, em Filadélfia; Steve Mathewson, pastor da Igreja Bíblica Dry Creek, em Dry Creek, Montana; Dick McNeely, pastor do câmpus da Universidade Estadual de Montana e pastor da Igreja Presbiteriana Springhill; Bill Stevenson, escritor, em Cambridge, Massachussetts; Tim Fearer, pastor da Igreja Presbiteriana Westminster, em Port Hueneme, California; Mike Burr, pastor da Igreja Unida de Moscow, em Moscow, Idaho; Thomas Elson, pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Lindsay, California; Bill Welch, pastor da Igreja Presbiteriana Sierra Vista, em Oakhurst, California; e Dave Dooley, professor de química da Universidade Estadual de Montana, em Belgrade. Desejo agradecer às pessoas deste distrito eclesiástico de Florence-Victor. Tiveram que arcar com o peso de conviver com um jovem, em sua primeira tentativa de atender ao chamado de Deus, para ser pastor. Desempenharam a tarefa que lhes coube, com sensitividade e compreensão. Finalmente, quero agradecer a Debbie. Ela é uma mulher muito sensata, de profunda coragem e graça para saber aceitar a vida, sem traumas. Em nossos vinte anos como marido e mulher, ela vem sendo uma fonte constante de sabedoria e liberdade. Este livro lhe é dedicado em sinal de minha gratidão, respeito e carinho. 11 Uma História Ebenézer: Introdução Há um rio cujos canais alegram a cidade de Deus. SALMO 46.4 Este livro é uma descrição do ministério pastoral. Nele procuro responder a perguntas que surgem no decorrer do ministério do pastor: - que aparência tem esse ministério? - como o pastor o sente? - o que é? Minhas respostas vêm de dentro para fora. Não estudei o ministério do pastor de um ponto de vista desapaixonado, objetivo. Escrevi como sendo a parte envolvida. Escrevi do ponto de vista subjetivo de ser um pastor. Quando comecei meu ministério pastoral, tinha muitos livros de receitas específicas – os chamados livros de como fazer. Tinha livros sobre como pregar, como administrar uma igreja, como fazer aconselhamento pastoral e como liderar pequenos grupos. Não me ajudaram. Os autores presumiam muita coisa. Presumiam que eu já sabia qual era meu alvo. Que eu sabia o que eu era e quem eu era. Presumiam que eu sabia por que eu deveria fazer as coisas sobre as quais me ensinavam. Mas eu não sabia o que eu era, ou quem eu era, ou por que eu deveria fazer as coisas que era meu dever fazer. E eu não sabia como 12 qualquer dessas coisas que se esperava que eu fizesse, se juntava uma à outra, numa compreensão coerente de meu chamado de Deus para ser pastor. Então parei de ler livros de como fazer. Em vez disso, li teologia, estudos bíblicos e história da igreja. Alternava entre essas disciplinas. Esses livros das disciplinas clássicas de teologia não me ensinaram como realizar um ministério pastoral, mas me auxiliaram imensamente em minhas obrigações regulares. Descobri que gastar um dia com a leitura de trinta páginas da Dogmática de Karl Barth me ajudava mais em meu trabalho pastoral do que cem páginas da literatura de como fazer. Na leitura da história da igreja me deparei com uma biografia de um pastor, The Life of Alexander Whyte (A Vida de Alexander Whyte); com uma narração pessoal de um pastor; The Letters of Samuel Rutherford (As Cartas de Samuel Rutherford); e com o relato fictício de um pastor, o Pastor Zóssima em Os Irmãos Karamasov. Alexander Whyte, que terminou sua longa carreira em princípios do século vinte, era pastor de uma igreja grande na Escócia. Samuel Rutherford, pastor escocês do século dezessete, escreveu as cartas dele em tempos de perseguição. O Pastor Zóssima retrata um monge russo do século dezenove. Esses livros me foram muito úteis. Mas eu não sabia decifrar o motivo pelo qual histórias sobre pastores de séculos passados podiam me ajudar tanto. Eu julgava que me competia ser um pastor dos tempos modernos, relevante no mundo atual à minha volta; e esses livros eram de mundos diferentes. Só que, à medida que lia as histórias, eu me sentia envolvido nas lutas em que os protagonistas se empenharam, para seguir a Jesus Cristo em suas vidas cotidianas. As narrativas me apontaram para o fato de que o ministério pastoral é uma vida, não uma tecnologia. Os livros de como fazer tratam o ministério do pastor como sendo tecnologia. Isso é ótimo em certo nível – o ministério pastoral requer determinadas habilidades, é verdade, e eu preciso de todos os conselhos que possa obter. Mas minha vida como pastor é muito mais do que a soma das tarefas que desempenho. É um chamado 13 de Deus que envolve minha vida toda. As histórias que li, ajudaram-me a entender minha vida no total, de modo compreensivo. Minha vida é uma história também, e é a qualidade narrativa de minha vida que faz acontecer meu ministério. Os outros vêem e participam da história, à medida que é contada. Eu descobri que, ao seguir a Jesus no dia-a-dia de minha vida como pastor, as pessoas se encontram com Jesus, através de minha vida. Não é uma idéia nova. É uma observação simples e talvez seja o princípio mais básico do evangelismo – que é através de nossas vidas simples de amor que conduzimos as pessoas a Cristo. O que é novo sobre este meu livro é que tento descrever por que as pessoas encontram Jesus em nossas vidas, quando o seguimos. Mais ainda, tentei descrever como e por que seguir a Jesus é o princípio central do ministério pastoral, o princípio abrangente que integra todas as tarefas. A tese deste livro é que as pessoas encontram Jesus em nossas vidas, porque, quando o seguimos, somos parábolas de Jesus Cristo para as pessoas que encontramos. Este livro é uma descrição do pastor como parábola de Jesus Cristo. Visto que o livro foca o ministério pastoral como narrativa, o próprio livro é uma narração, a história de minha vida como pastor. Especificamente, é a história de minha vida como pastor no distrito de Florence-Victor, um pastorado duplo de duas igrejas no Vale Bitterroot de Montana, onde trabalhei de janeiro de 1983 a abril de 1992. Este livro contém mais do que, unicamente, a história de meu pastorado de nove anos. Ao procurar descrever e compreender minha vida como pastor, fui obrigado, vez após outra, a referir-me a outras experiências que tive em minha vida. Por exemplo, descobri que não tinha escolha senão descrever minha experiência de conversão. Isso faz surgir a questão de saber por que a história de minha conversão – ou qualquer uma das histórias que narro sobre a minha pessoa – deveria ter alguma relevância para você e seu ministério. Ao recordar minha experiência de conversão, não quero dar a entender que você precisa ter tido uma experiência 14 de conversão como a minha para ser pastor. O que quero deixar subentendido é que sua conversão tem grandes implicações para seu ministério. Assim como eu examinei cuidadosamente minha experiência de conversão (e muitas de minhas histórias) para entender meu ministério, assim também você precisa olhar cuidadosamente sua própria experiência de conversão (e muitas de suas histórias), para entender seu ministério. É a beleza da narrativa. Quando você lê minha investigação de minha experiência de pastorado, não se pede que você apresente um xerox de minha experiência de ministério. Ao contrário, você é convidado a investigar sua experiência de ministério. Ao levá-lo a reboque ao longo de minha exploração, espero que você também esteja realizando uma exploração. No tecer deste livro estão entrelaçados histórias e trechos didáticos. Dê atenção aos dois igualmente. As seções didáticas ilustram as histórias, e não o inverso. Peço desculpar os trechos no livro onde você lerá mais lentamente, porque a redação deixa a desejar. Estou ciente de minhas deficiências como escritor, e desejaria ter facilitado a leitura para você. Por outro lado, não peço perdão pelo fato de que o ministério pastoral está cheio de problemas complexos, maljeitosos, que exigem uma redação complexa, maljeitosa. Descubro que não posso escrever um livro fácil sobre um assunto difícil. Só espero que o livro não seja mais difícil do que o assunto merece! Obviamente, este livro é para pastores. Mas não é só para pastores. Espero, sinceramente, que este livro satisfaça as necessidades de dois outros grupos na igreja. Se você está considerando ser ministro do evangelho, o livro lhe dará uma pequena visão de como é ser pastor. Eu não acho que os livros de como fazer podem ajudá-lo a ver e sentir a vida de pastor. Duvido que até o melhor livro sobre como pregar um sermão possa ajudá-lo a saber, de fato, como é pregar um sermão. Espero que este livro possa ajudá-lo a sentir como é pregar um sermão. Se você é um leigo, ativo na igreja, e quer saber o que seu pastor está enfrentando, este livro poderá ajudá-lo a entender. 15 Atualmente há um distanciamento entre leigos e pastores. Os leigos não entendem o que os pastores fazem. A maioria de nós, pastores, também não sabe o que é que fazemos. São tempos difíceis para nós. Admito, ainda, que com freqüência demais nós, pastores, só reclamamos. Talvez vocês tenham razão de se cansar de ouvir nossas lamúrias. Mas algumas vezes suas expectativas em relação a nossos ministérios estão meio enviesadas. Às vezes vocês cobram de nós coisas que realmente não podemos apresentar. Hoje o elemento que mais falta nos relacionamentos entre pastores e leigos é a confiança. A confiança vem do amor e compreensão. Eu lhe faço um convite caloroso para que você entre nesta narrativa como um de nós. Assuma calçar nossos sapatos por um pouquinho. É preciso que se diga que seu pastor talvez não acredite em tudo que eu escrevo aqui, e que você não deve julgar seu pastor por aquilo que eu digo. (Mas, por outro lado, talvez você se alegre de ver que as opiniões de seu pastor nem sempre conferem com as minhas). Finalmente, este livro é um Ebenézer. A Bíblia diz: “Então Samuel pegou uma pedra e a ergueu entre Mispá e Sem; e deu-lhe o nome de Ebenézer, dizendo: “Até aqui o Senhor nos ajudou” (1Sm 7.12). Esta não era uma prática rara nos primeiros tempos de Israel. Os patriarcas empilhavam pedras para marcar onde o Senhor se encontrara com eles. Faziam altares onde davam graças a Deus por aquilo que ele fizera em seu benefício. Depois, quando passavam pelas pilhas de pedras em suas peregrinações, as pedras serviam como lembrança da fidelidade de Deus. Este livro é uma pilha de pedras que declaram que Deus me ajudou ao longo de minha caminhada nos ermos, como pastor. Escrevendo este livro não reivindico ter sido um pastor bom. Só afirmo – o que já me parece suficientemente ousado – que tenho sido pastor. Falhei muitas vezes. Muitas vezes violei minhas próprias melhores normas de ministério pastoral. Revendo meu ministério, não enxergo minha fidelidade. O que vejo é a fidelidade de Deus. Meu desempenho foi desigual. 16 Deus é quem foi fiel em todos os pontos. Minha fidelidade, até onde fui fiel, teve suas raízes na fidelidade de Deus para com as pessoas que ele me chamou, para servir. É um grande mistério ser um pastor. À memória da obra fiel e misteriosa de Deus é que empilhei essas pedras. 17 1 Começando Quem recebe vocês, recebe a mim, e quem me recebe recebe aquele que me enviou. Mateus 10.40 Abaixo a cabeça, descansando nas mãos o rosto, mas a mesa está fria demais para meus cotovelos. O aquecedorzinho de fio encapado de tecido aqueceu um pouco o ambiente; não vejo meu hálito condensado no ar, mas a mesa de aço só se aquece muito lentamente. Estou ficando gelado. Está frio demais para se ler um livro. Meu escritório é uma extensão junto ao salão social de uma igreja rural em Montana. Não há calefação central, termostato, nem isolamento térmico; por isso o aquecimento do salão tem que partir do zero todos os dias. Já se passaram seis semanas, depois do dia de Ano Novo no meu primeiro pastorado; lá fora a temperatura é de uns dois graus, e cai uma chuva fina de granizo com neve. Está chovendo assim na minha alma. Não sei o que devo fazer. Fui chamado, instruído, licenciado, ordenado. Aprendi listas inteiras de tarefas a cumprir, mas não o que é para eu ser. Estou com frio e com medo. Há centenas de coisas que eu poderia fazer, se conseguisse pelo menos parar de tremer. Na primavera os gambás procuram tocas isoladas, onde fazem amor de gambá e criam gambazinhos. Nosso salão so- 18 cial, com seus alicerces de pedra em desintegração, lhes estende um convite quentinho. Os buracos abertos dizem melhor do que palavras: “Que sejam bem-vindos a esta igreja”. Somos uma igreja familiar. Procuramos fornecer o que os casais jovens buscam. E nunca satisfizemos melhor as necessidades da família do que no caso dos Gambás. Nosso espaço de rastejamento é escuro, seco, e as latas de lixo são sempre viradas pelos cachorros da vizinhança. Um gambá saudável de Montana tem o cheiro de um pneu, quando está queimando. O cheiro acre que flutua pelo meu escritório na primavera me faz apreciar o ar puro dos dois graus que eu inspiro no inverno. Enquanto conjugo um verbo grego, escuto um roer no espaço de rastejamento. Bato com os pés; o barulho pára. Volto ao grego, e o barulho recomeça. Será que eu deveria ter exigido condições de trabalho satisfatórias? Mas, pensando melhor, percebi algo: minhas condições físicas de trabalho me livraram da tentação de pedir da igreja uma descrição de trabalho. Eu já sabia o que queriam de mim: cuidado pastoral e liderança competente, horas regulares para atendimento e bons sermões. Esperava poder satisfazer estas justas expectativas. Mas sabia que eu não podia deixar a igreja dizer-me quem eu era nem como eu deveria desempenhar meu trabalho. Afinal de contas, eles nem podiam ver que eu precisava de mais aquecimento em meu escritório. Comecei a questionar minha situação. Mereço um aquecedor em meu escritório? Sim. Mereço. Essas pessoas são mesquinhas, sem coração? Não, eles me pagam razoavelmente bem. Eu gosto destas pessoas. Por que não fazem nada quanto a meu escritório? Não sei. Eles têm a menor idéia do que eu faço? Não, não têm. Quero que as pessoas que me dão um escritório, no qual eu enfrento hipotermia no inverno e asfixia na primavera, me contem quem eu sou e o que deveria fazer? 19 Não, não quero. Depois de uns dois anos, o aquecedorzinho portátil quebrou (chutei-o vezes demais, com certeza), e eu ganhei um aquecedor de parede. Mas o piso nunca ruiu, portanto o alicerce nunca foi consertado e os gambás ficaram. Agüentei a situação, porque me mostrou que, embora eu sirva à igreja, eu não trabalho para a igreja. Nunca quis tornar-me seu empregado e nunca me tornei. O que eu me tornei foi seu pastor. Meu empregador é Jesus Cristo. Servir a igreja é minha resposta obediente a Cristo. Jesus é meu patrão; ele ordena meu dia. Ficar arrepiado de frio, enquanto preparava meus sermões, me forçou a levar a sério para quem eu estava preparando meus sermões: para Jesus Cristo – que também não teve lugar para descansar seus cotovelos. A igreja ganhou melhores sermões por causa disso. Ministério Dirigido por Tendências da Época A biblioteca do pastor que esteve ali antes de mim, assombrava-me. Quando deixou esta igreja, ele deixou o ministério e abandonou sua biblioteca. Cada um de seus livros ficou ali nas prateleiras, incólume; não levou nem um. Meus livros foram colocados na estante, em meu outro escritório, em outra igreja; por isso os livros dele ficaram no lugar, como os soldadinhos de chumbo de um conto infantil que esperaram seu comandante, obedientemente. A biblioteca dele contava a história de seu ministério. Os livros estavam colocados por ordem de tópicos, mas, em lugar de “Aconselhamento Pastoral” e “Comentários”, os tópicos dele representavam a maioria das tendências do Cristianismo dos anos setenta, a década de seu ministério pastoral. Ele possuiu alguns comentários estritamente conservadores, introduções à Bíblia, uma teologia sistemática, alguns gráficos dos tempos do fim e livros de “aconselhamento cristão”. O movimento de crescimento da igreja estava bem representado. Ele foi assistir a algumas conferências sobre o assunto e comprou livros. As atas da igreja durante seu pastorado revelam que membros do conselho assistiram às conferências 20 com ele. Também mostram que ele experimentou os métodos, mas sem resultados. Armários, gavetas da mesa e arquivos estavam cheios de material da mesma linha, material didático, pesquisas e propostas sobre crescimento de igrejas. Ele teve um período como carismático. Livros sobre cura, falar em línguas e descobrir dons espirituais estavam lá, bem manuseados, provando terem sido lidos. Pelos livros, ele aprendera a organizar grupos de crescimento e retiros espirituais. Literatura de ação social de fontes evangélicas, menonitas e católicas, ocupava um lugar, incluindo vários anos de assinaturas de revistas dedicadas a causas sociais e ironia cristã. De tempos posteriores em seu ministério havia uma amostragem de livros de teologia reformada, psicologia, teologia liberal e estudos bíblicos. Alguns membros da igreja me contaram, com profunda tristeza, que até o fim de seu ministério ele havia perdido muito de sua fé cristã. Sua crise de fé acabou com seu ministério. Os livros não puderam salvá-lo. Ele fez um bom trabalho durante todos os anos em que tentou um movimento e depois outro. Pastoreou bem, quer acontecesse ser dispensacionalista, carismático, organizador de pequenos grupos, entusiasta de crescimento de igrejas ou ativista social. Os movimentos que seguiu, realmente tinham pouco, senão nenhum efeito sobre seu ministério, a não ser de um modo fatal: por fim, talvez ele tenha confundido seguir movimentos cristãos com seguir a Cristo. A maioria dos livros e dos artigos foram escritos por cristãos genuínos. O que deu errado? Eu não sei o que deu errado, se bem que sua biblioteca me apresentasse um testemunho frio. Ele e eu fomos cortados do mesmo pano. Eu acreditei que seguir movimentos cristãos correspondia a seguir a Cristo. Fui amamentado no cristianismo dirigido a tendências. Cresci no auge da religião do consumidor. Era tudo que eu conhecia. Conheci cada movimento representado na biblioteca dele. Eu mesmo tentara todos. Não sabia se eu poderia fazer o ministério pastoral sem eles. Mas