prefácio
Prefácio
É um privilégio poder escrever um pequeno prefácio a
este livro. O autor francês, Dr. Émile Léonard (†1961), não
é muito valorizado entre nós, mas foi um erudito de renome
no mundo acadêmico da França e, apesar das suas viagens
cansativas de Paris para o sul, um eminente preceptor da pequena Faculdade de Teologia Reformada em Aix-en-Provence. Ali também um dos meus primos o teve como professor
de história da igreja.1 E a minha alma mater, a Universidade
Livre de Amsterdã, fundada por Abraham Kuyper, concedeu
a esse ilustre mestre um doutorado Honoris Causa.
Émile Léonard não passou nem três anos no Brasil
como professor da Universidade de São Paulo (1948-50).
Ele quis vir ao Brasil por ser, naquela época, o país de maior
crescimento do protestantismo.2 Sempre se mantendo informado sobre o movimento protestante brasileiro depois que
regressou à sua pátria, abordava o assunto em suas aulas na
1
2
Depois de trabalhar durante anos na construção naval, “le pasteur”
Hans Schalkwijk (1921-2008), que era como um irmão mais velho
para nós, estudou teologia em Aix, casou-se com Violette Hourcade
(com quem teve 4 filhos) e serviu fielmente no pastorado da Église
Evangélique Libre na região da chamada “igreja do deserto” no sul da
França.
Veja a excelente biobibliografia de Marcone Bezerra Carvalho:
CARVALHO, Marcone B. Émile-G. Léonard: Introdução à sua vida
e obra: In: Fides Reformata. São Paulo: Centro Presbiteriano de PósGraduação Andrew Jumper, vol. XVII, n. 2, julho-dezembro, p. 31.
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o pr esbi t eri ani smo br a sil eir o e sua s e xper iênci a s eclesi á st ica s
École Pratique des Hautes Études e publicou alguns textos a
esse respeito na França. Ficou muito alegre pelo projeto de
publicação, em livro, dos artigos que havia escrito na Revista
de História da USP (1951-52), considerando-o como sinal de
gratidão pelos anos felizes que passara no Brasil. Esses artigos, escritos com grande simpatia e introspecção espiritual
e sociológica, vieram a ser o livro clássico intitulado O Protestantismo Brasileiro, no qual ele enfoca especialmente a ala
reformada.3 Foi um estímulo para valiosas pesquisas futuras
pelos próprios brasileiros e eu aprendi muito dessa obra fascinante.
Antes disso (1949), Léonard já tinha publicado na
França “A Igreja Presbiteriana do Brasil e suas experiências
eclesiásticas”, tratando do presbiterianismo brasileiro até cerca de 1940. A tradução desse volume é o livro que o leitor
tem agora em mãos. Pessoalmente saboreei o primeiro capítulo sobre como Deus abençoou o trabalho missionário que
levou à organização da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB).
Para Léonard, este período era quase um filme histórico do
que tinha acontecido na França no século XVI. No Brasil,
ele ficou fascinado especialmente pela evangelização e pela
Escola Dominical, esta como instrumento na edificação da
igreja e na evangelização dos que deviam ser alcançados.
No segundo capítulo o autor aponta para o erro da missão americana de não ter entendido a tempo que deviam
reconhecer a época da maturidade da igreja (denominada
por Léonard de “nativismo”), erro este que acabou levando
à origem da Igreja Presbiteriana Independente (1903). Os
3
Foi uma publicação póstuma em 1963, pela ASTE, pois Léonard
faleceu em 1961. O livro está na 3ª edição, lançada em 2002.
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problemas discutidos, a maçonaria e o Colégio Mackenzie,
serviram de bolas chutadas no campo eclesiástico. A cisão foi
lamentada pela maioria e prejudicial para a obra de evangelização. Reconhecemos que cada missão acabará por cometer
erros no seu tempo e no lugar onde trabalha. Dos erros se
deve aprender, como, neste caso, que uma missão “não tem o
direito de, com os votos dos missionários no sínodo, impor à
igreja (nacional) a prática de seus métodos” (p. 74). Mas, se
alguém abstiver-se da obra por ter medo de cometer erros,
nunca semeará e nem ceifará. Que nunca se ouça o grito:
Abaixo o americanismo (p. 78), aliás o brasileirismo. Mas que,
no Livro da Vida, muitos se encontrem com a anotação: ganho para Jesus Cristo por brasileiros! Para isto dediquemos
mais verbas à obra da evangelização nacional e transcultural!
No terceiro capítulo, Leónard escreve sobre a Igreja
Presbiteriana Independente (IPI), cujos sucessos imediatos
provaram a legitimidade e a importância das verdadeiras razões de sua separação. Mas, poucos anos depois, a IPB se
tornou mais clara na sua abstenção da maçonaria e, por outro lado, celebrou o Modus Operandi com as missões americanas, dividindo o campo de trabalho e evitando a inclusão
de missionários americanos nos seus concílios (1916). Em
seguida, o autor descreve as raízes que levaram a IPI a sofrer
duas separações. A primeira foi a ortodoxa (1940), da qual o
próprio Léonard se fez membro durante seus anos no Brasil.
Depois, a mais “liberal” (1942), adjetivo colocado por ele entre aspas, pois à vista de um pesquisador europeu ela não era
tão liberal, desde que as brigas no Brasil “quase sempre acontecem entre ortodoxos”. Léonard nos alerta, muitas vezes
indiretamente, sobre coisas que se podem transformar em
causas, levando a separações e consequências piores: as riva15
o presbi t er i ani smo br a sil eir o e sua s e xper iênci a s eclesi á st ica s
lidades pessoais; a ameaça que a saída dos “conservadores”
pode representar, deixando o campo livre para os liberais —
estes podendo se tornarem mais liberais por causa de “golpes
de contradições exteriores”; e ainda como o indiferentismo
denominacionalista dificilmente se apresenta sem que haja
alguma tendência ao “liberalismo” teológico, etc.
A “conclusão” do livro foi também interessante para
mim, que sou estrangeiro numa igreja brasileira. Nos cultos,
Léonard sentiu falta do uso do Credo, da confissão de pecados, do Pai Nosso e de certos hinos. Uns vinte anos depois,
na liturgia, eu senti a mesma falta da leitura do Decálogo
(ou do seu resumo), de uma confissão e perdão, e também
da festa esquecida de Pentecoste. Mas, por outro lado, eu me
alegrei muito com o cântico de hinos evangélicos queridos,
pois, na Holanda, nas igrejas, usavam quase unicamente os
Salmos (rimados), mas nos lares cantávamos também aqueles do hinário evangélico.4
De vez em quando, durante a minha leitura, surgiram
na minha mente uma ou outra indagação sobre alguma interpretação leonardiana dos acontecimentos, mas, com o autor, eu confesso que “a matéria aqui é extremamente delicada
para nos sentirmos autorizados a julgar” (p. 104). Em geral, Léonard usa uma historiografia-de-exemplo, querendo
aprender com ela. Termina, então, dizendo: “A história se debruça essencialmente sobre os problemas de hoje, e o estudo
do passado nos leva a formulá-los para melhor resolvê-los.
Gostaríamos que este histórico de uma das principais igrejas
brasileiras ajudasse as nossas (igrejas na França) a expressar
melhor seus próprios problemas, facilitando sua solução”.
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Do evangelista Johannes de Heer, que incluiu, além de muitos Salmos
conhecidos, especialmente traduções de hinos ingleses.
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A tradução do livro é excelente e a leitura fácil e fascinante. É um espelho para aprender com a história da igreja
como se pode ganhar discípulos para Jesus Cristo e evitar
rupturas no corpo das igrejas reformadas, mais propensas a
isto por causa da sua estrutura democrática. Émile Léonard
faleceu há muitos anos, mas as suas observações ainda são
de grande valor, pois amava as nossas igrejas como se fossem
netinhas da Igreja Reformada da França, o que de fato são,
pois não era João Calvino um francês? Felicito a iniciativa do
pastor-historiador que levou à publicação desta obra valiosa.
O grande esforço do eminente professor de Paris para
servir também na pequena faculdade no Sul da França, a
qual procurava ser fiel à Palavra de Deus, nos ensina a orar
para que, como reformados brasileiros, o Senhor Jesus nos
preserve fielmente na verdade da mensagem do Evangelho
da graça — muitas vezes desprezada neste mundo relativista — e para ganhar muitos seguidores do Cordeiro de Deus.
Aprendamos também com nossa própria história. Que as
nossas escolas dominicais possam continuar a servir como
locais nutritivos para as diferentes gerações, dando respostas
inclusive neste tempo de tsunamis de infidelidade e relativismo. E sirvamos como verdadeiros reformados no lugar e
no tempo onde Deus nos colocou, trabalhando como servos
fiéis com humildade em todos os níveis da sociedade, inclusive na área política da “administração” pública do nosso
Brasil, que carece tanto de uma Reforma holística.
Para isto, igrejas locais não precisam multiplicar o número dos seus pastores locais, mas engajar-se mais em projetos de evangelização, plantando mais congregações em
regiões ou bairros menos evangelizados do nosso Brasil de
dimensões continentais. Lembremos que nossos pais disse17
o presbi t er i ani smo br a sil eir o e sua s e xper iênci a s eclesi á st ica s
ram às missões que o dinheiro gasto pelas igrejas em grandes
instituições seria mais bem empregado sustentando a evangelização do país. E que “fundadores” de igrejas possam ter a
visão de compartilhar a liderança com outros, pois os velhos
não são proprietários das suas igrejas, mas instrumentos que
o Senhor da Seara, no seu tempo, usou para um alvo muito
sublime, o qual pode ser ofuscado pelo sentimento que os
pais geralmente experimentam no momento que têm de deixar seus filhos seguirem sozinhos. O não perceber os sinais
dos tempos pode frear a obra do Senhor, como as missões
estrangeiras fizeram quando o presbiterianismo “atingiu esta
sua maturidade na época de exaltação patriótica que foi a
Proclamação da República”.
Rev. Francisco Leonardo Schalkwijk, V.D.M.
Apeldoorn, Dia de Pentecoste, 2014 Anno Domini
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