C L E V ERSON ANTUNES D E O L I V EIRA
f r o n t e i r a s : u m A J ORNA D A P E L AS AM É RI C AS
C URITI B A
I D EORAMA
2 0 11
“DA MINHA JANELA, 11 DE SETEMBRO DE 2001”
Cleverson Antunes de Oliveira
TEXTO
Antônio Fatorelli
TRADUÇÃO PARA O INGLÊS
Marcio Ricceli
ENTREVISTA
Fernando Burjato e Cleverson Antunes de Oliveira
PROJETO GRÁFICO
Ideorama
FOTOGRAFIAS, VÍDEOS E DESENHOS
Cleverson Antunes de Oliveira
FOTOGRAFIAS
Artur Ratton Kummer, Liudi Hara e Rafael Dabul (capa)
ILUSTRAÇÃO DA FOLHA DE GUARDA
Extratos de Bilz Almanac, 1898 (Friedrich Eduard Bilz - Alemanha, 1842-1922)
contato
www.fronteirasamericanas.com
[email protected]
Dados internacionais de catalogação na publicação
Bibliotecária responsável: Mara Rejane Vicente Teixeira
Oliveira, Cleverson Antunes de.
Fronteiras: Uma Jornada Pelas Américas / Cleverson Antunes de Oliveira. Curitiba, PR : Ideorama, 2011.
58 p. : il. ; 34,5 x 27 cm.
ISBN 978-85-62233-03-6
fronteiras: umA JORNADA PELAS AMÉRICAS
Uma outra imagem
Na atualidade, em que aspectos cada vez mais
relevantes da experiência se realizam em ambientes
modelizados
ou
simulados,
modificam-se
substancialmente a definição e o papel relativo das
formas visuais. A fotografia, que pressupõe, na sua
acepção clássica, a pureza do meio, cede lugar a um
regime da imagem impuro e miscigenado. Também
a imagem movimento passa por modificações
substanciais, incorporando as singularidades do
vídeo, uma forma, como assinalaram Raymond
Bellour (BELLOUR, 1997) e Philippe Dubois (DUBOIS,
2004), que se apresentou como lugar de passagem
Convertidos em algoritmos, os diversos elementos
expressivos – sons, imagens e textos –, que
tradicionalmente condicionaram as linguagens
e as estéticas associadas aos meios, têm as suas
especificidades questionadas. A passagem do sinal
de luz para o sinal eletrônico e, posteriormente,
para o bit, marca a transição da modernidade para
a contemporaneidade, colocando em perspectiva
os valores materiais e simbólicos, associados à
representação foto-cinematográfica baseada no
modo analógico de inscrição, projeção, difusão e
apreensão da imagem.
apenas no tempo, na duração da varredura do sinal
eletrônico, possibilitando diferentes modalidades
de atravessamento entre as imagens, como a
sobreimpressão de camadas e o chroma-key, enquanto
no contexto informacional a formação da imagem
encontra-se associada a operações algorítmicas, ainda
mais moduláveis e susceptíveis às alterações técnicas.
Tais singularidades relativas à infraestrutura técnica
das imagens eletrônicas e digitais são indicativas de
que essas imagens encontram-se associadas a novos
regimes temporais.
É a relação ontológica fundada na gênese automática
sobre a qual se instituiu historicamente um modo
de ver e de avaliar as imagens de base fotoquímica
que experimenta alterações substanciais no
contexto das imagens eletrônicas e, logo a seguir,
das imagens digitais. As imagens-vídeo existem
Temporalidades
complexas
entre as imagens, fazendo vacilar de modo ainda
mais evidente as reivindicações de purismo e de
autossuficiência dos meios.
Com as tecnologias informáticas, as mídias de base
fotoquímica, como a fotografia e o cinema, têm as
suas singularidades redefinidas e problematizadas.
“HOVER”, 2006. Grafite sobre papel, 40 x 50 cm (20 x 16 IN.)
A história recente dos meios visuais e audiovisuais é
a de uma trama de assimilações, de contágios e de
refutações recíprocas entre as diferentes formas de
expressão, em flagrante desacordo com as pretensões
modernistas de purismo e de autonomia. Essas
tramas mais ou menos complexas sinalizam, no caso
particular das relações entre as diferentes formas de
produção visual, a existência de negociações e de
empréstimos entre, por exemplo, a fotografia e as
artes plásticas, o cinema e a literatura, a fotografia e o
cinema. Distribuídos em rede, os meios singularizamse em função das diferenças advindas da confrontação
com os outros meios, por vezes de modo ainda mais
marcante do que em referência às suas características
técnicas e processuais singulares.
O status paradigmático da fotografia como meio
processador das outras formas visuais confirma a
sua radical modernidade, ao mesmo tempo que
anuncia as inconsistências e mesmo o esgotamento
das premissas hegemônicas do projeto moderno. Os
procedimentos híbridos da fotografia pós-moderna,
suas estratégias de serialidade, de repetição, de
cenarização, de apropriação e de pastiche, anunciaram
essas inconsistências, fazendo vacilar as suposições
centrais do mito modernista de purismo dos meios,
exatamente ali, no coração daquela que foi a sua
metáfora mais emblemática. É notável que o potencial
crítico desse movimento tenha se direcionado,
de modo incisivo, às propriedades reprodutivas
da fotografia, ao seu status de imagem múltipla,
potencialmente capaz de mimetizar e de mercantilizar
objetos e imagens de diferentes origens.
As questões críticas suscitadas pela fotografia pósmoderna, a partir do final dos anos 1970, em especial
as indagações sobre a originalidade da obra e sobre
o papel do autor, presentes nas séries de Cindy
Sherman, de Sherrie Levine, de Barbara Kruger, entre
outros, confirmam as inconsistências implícitas na
demanda modernista de autonomia dos meios e de
originalidade da obra.
A reciclagem de imagens preexistentes no âmbito da
mídia de massa ou dos arquivos públicos, a produção
serial de imagens a partir de clichês do cinema, a
referência explícita a outros modelos e convenções
da história da arte ou a reprodução literal de obras
clássicas, foram procedimentos que colocaram em
suspeita as suposições acerca do lugar do autor como
produtor e sobre o ineditismo da obra. Ao deslocar o
foco das propriedades formais da imagem, priorizada
pela fotografia direta e pura, para o do seu modo
de funcionamento no circuito cultural, a fotografia
pós-moderna refez os elos das cadeias dos híbridos,
evidenciando a natureza composta e múltipla da
imagem. Ao violar os valores estéticos associados
ao aqui e ao agora da representação, as fotografias
produzidas sob esse signo exibiram as multiplicidades
de tempos, de espaços e de referências atualizados
na imagem instantânea, deixando entrever que
nesse tempo suspenso do fragmento coexistem
várias temporalidades sobrepostas. É uma operação
fundamental sobre o tempo, de desdobramento e de
multiplicação de vetores, efetuada de modo sistemático
pelas produções fotográficas pós-modernas e
estruturalmente presentes na morfogênese da imagem
de síntese, que estabelece um curto-circuito no cerne
da suposição ontológica que avaliza as premissas
associadas ao ideal de autonomia dos meios.
“MUNDO COWBOY”, 2002.
Fotografia digital (impressão em Lambdaflex) 51 x 61 cm (20 x 24 IN.)
A operação através da qual a imagem fotográfica deixa
entrever uma temporalidade irredutível ao instantâneo
já estava presente nas primeiras tentativas de fixação
da imagem, na fotografia pictorialista do século XIX,
na iconografia panorâmica, na cronofotografia de
Jules Etienne-Marey e Eadweard Muybridge, nas
experimentações das vanguardas futurista, concretista
e surrealista, nos ready-mades de Marcel Duchamp,
nas estratégias de serialização utilizadas por Andy
Warhol e em diversos trabalhos conceituais realizados
ao longo da década de 1960.
De modo emblemático, a pop art – as séries
fotográficas, os filmes e as transferências de suporte de
Andy Warhol –, do mesmo modo que as assemblages
de Robert Rauschenberg, indicavam um estado da
imagem que só viria a intensificar-se com as imagens
eletrônicas e digitais. Um lugar de passagens, de
atravessamentos, de sobreposições entre os meios
e no interior da própria imagem, um estado em que
prevalecem as multiplicidades e os deslocamentos,
especialmente resistente às tentativas de identificação
de um centro ou à atribuição de relações hierárquicas.
Por sua vez, a produção do cinema estrutural, do
cinema matéria e do cinema expandido estava, nesse
mesmo período – e os filmes realizados por Warhol são
exemplares dessa direção –, tencionando os princípios
estéticos, arquitetônicos e técnicos consagrados pelos
dispositivos modelo da fotografia e do cinema.
O vídeo, no curso das décadas de 1970 e 1980,
intensificou ainda mais esses estados híbridos
da imagem, apresentando-se como um potente
agenciador, como um meta-meio, suficientemente
“WEST”, 2003. Vídeo 4:30 min, filme Super 8 transferido para DVD
flexível para associar, além das imagens estáticas da
arte e da fotografia, as imagens movimento do cinema
e da TV. O vídeo como lugar de passagens e de
confluências que viria a ser radicalizado, principalmente
a partir dos anos 1990, pela imagem digital, ainda
mais suscetível às operações de quantificação e de
modulação dos seus elementos constitutivos.
A questão do tempo, das temporalidades múltiplas,
é também a questão chave introduzida pela imagem
digital, a saber, a da inevitabilidade de uma intervenção
pós-produção que vem se somar ao tempo do
registro, de modo a pressupor ao menos duas ações
consecutivas, temporal e espacialmente dissociadas.
Por sua vez, as instalações multimídia e os cada vez
mais complexos dispositivos contemporâneos de
exibição, comportam uma temporalidade estratificada,
resultante da sobreposição de diferentes convenções
visuais e, frequentemente, desta outra temporalidade,
de natureza subjetiva, proporcionada pela integração
dinâmica do observador à obra.
Por sua vez, a instalação contemporânea, esse
dispositivo da arte complexo e aberto a diferentes
arranjos e formas, exibe esses estados múltiplos da
imagem, intimamente associados às variações temporais
e espaciais processadas no âmbito da experiência
contemporânea. Prevalece, nesses ambientes, a lógica
associativa da sobreposição de diferentes formas
imagéticas, dispostas de modo a deflagrar um jogo
de confrontação entre as convenções visuais e as
expectativas historicamente referidas à fotografia,
ao cinema, ao vídeo ou às artes plásticas. Nessas
cenografias, as questões relativas às singularidades
e à identidade dos meios encontram-se deslocadas,
substituídas pelas sobreposições e atravessamentos,
pelos modos múltiplos e sempre renovados de
agenciamento das imagens e dos sistemas de mídias.
A variabilidade da instalação, desses arranjos
especialmente moduláveis, apresenta essa condição
da imagem configurar-se de diferentes modos, a
depender das relações estabelecidas no conjunto da
obra, ao mesmo tempo que expõe sua irredutibilidade
ao determinismo mecânico de base.
No interior dessas disposições modulares, muitas
vezes a imagem fotográfica produz movimentos,
tremores, frêmitos, deslocamentos internos e tensões
temporais irredutíveis às noções habitualmente
associadas ao instantâneo. Por sua vez, a imagem
movimento do vídeo e do cinema comporta paradas,
suspensões e, por vezes, congelamentos. Esses
estados transitórios encerram, nas suas variações, as
tensões historicamente presentes nas imagens entre
uma força narrativa, que se desdobra no tempo, e uma
força interna, que aponta para a sua singularidade
enquanto ocorrência pontual.
“PROGRESSO HUMANO”, 2003. Vídeo 2:00 min (ciclo), filme Super 8 transferido para DVD
“WEST”, 2003. Fotografia digital
(impressão em Lambdaflex)
40 x 50 cm (16 x 20 IN.)
“ATLANTIS”, 2002. Vídeo 4:00 min (ciclo), filme Super 8 transferido para DVD
“Peyote - las Alimas, México”, 2005. Vídeo 12:00 min, filme Super 8 transferido para DVD
“ANATOMIAS E SUPERFÍCIES - (Extratos de Bilz Almanac, Alemanha, 1898. Friedrich Eduard Bilz, 1842-1922)”, 2006.
Vídeo 10:00 min, DVD
Corpo e experiência
Uma das consequências decisivas proporcionada pela
convergência da fotografia, do cinema, do desenho,
da pintura e da imprensa em uma mesma interface,
é o surgimento de um efeito de camadas, de vários
níveis e de estratos sobrepostos, indicativo do modo
singular de temporalização associado às novas
tecnologias imagéticas.
Duas tendências associadas a essa condição da
imagem são determinantes na identificação da
maneira em como as tecnologias eletrônicas e digitais
assimilam e reformulam as mídias analógicas: de
um lado, uma submissão hierárquica das formas
análogicas, como o cinema e a fotografia, ao modelo
híbrido digital, que passa a redimensionar os modos
de atuação presencial do cinema e o modelo clássico
de representação fotográfica, como observou
Thomas Levin (LEVIN, 2006, p. 206); por outro
lado, a tendência ao hibridismo, à configuração de
modelos miscigenados, que comportam diferentes
modalidades de passagens e de atravessamentos
entre as imagens, instituindo, no caso da relação
fundamental entre a fotografia e o cinema, toda uma
nova disposição de consequências técnicas e estéticas
irredutíveis, localizadas nesse lugar intermediário
entre a dilatação do instantâneo e os procedimentos
de retardo ou de suspensão do movimento da
imagem cinematográfica. Ou seja, por um lado, as
formas cinematográficas e fotográficas analógicas
encontram-se irreversivelmente relegadas ao status
de um subconjunto da mídia digital. Simultaneamente,
e de modo singular, a imagem movimento e, em
especial a imagem digital em movimento, encontrase progressivamente associada à representação
estática fotográfica, inaugurando novas modalidades
de passagens entre as imagens, frequentemente
associadas a outras inflexões temporais.
O híbrido digital relaciona uma imagem suporte
precário e um observador que é chamado a
desempenhar papéis crescentemente produtivos,
desencadeando simultaneamente a crise do objeto e
a emergência de um novo papel, mais produtivo, do
observador. ‘Sabe-se que na terminologia moderna,
a noção de limiar define a intensidade mínima para
que um estímulo possa suscitar uma resposta ou uma
sensação. Ainda que esta noção permaneça válida
do ponto de vista fisiológico, ela remete a um tipo de
investigação que supõe limites claros entre diferentes
tipos de estímulo e de resposta, entre sujeito e
objeto, percepção e ação’ (FATORELLI e BRUNO,
2006, p. 13). O novo status da imagem técnica
contemporânea se delineia nesse momento no qual
não é mais possível distinguir claramente esses dois
polos segregados no espaço e constitutivamente
diferentes que tradicionalmente demarcaram limiares
perceptivos estáveis.
Ao tempo que confere centralidade ao corpo, a
flexibilização do suporte implementa uma convergência
sem precedente de mídias, posicionando-as lado a
lado, umas sobre as outras, muitas vezes promovendo
o atravessamento de diferentes estratos de mídia.
Decorre desses efeitos de sobreposição uma condição
de modularidade, fundada não mais sobre o modo
constitutivo das imagens digitais individuais, mas
entre os sistemas de mídia. Verificamos no contexto da
informação – de sobredeterminação das tecnologias
digitais sobre as imagens de base fotoquímica e
de sobreposição complexa dos meios uma vez
convertidos em sinais codificados –, a emergência de
uma nova lógica de temporalização das imagens.
As imagens fotográficas, os vídeos e os procedimentos
digitais frequentemente associados nos trabalhos
de Cleverson, como New York, de 2003, Real de
Catorze de 2005 e Mexico City, de 2007, exibem
essa singularidade da imagem na atualidade. Nessas
obras as passagens, inscritas de diversos modos
nas inúmeras viagens empreendidas pelo artista,
encontram-se potencializadas pelo tratamento híbrido
da imagem, que transita entre o vídeo, a fotografia e
a pós-produção digital. Nesses deslocamentos no
território o artista empresta seu corpo a uma deriva
no espaço e no tempo, contraindo experiências
processadas em domínios longínquos e em épocas
primordiais, fazendo do percurso empreendido ao
longo da experiência artística o índice ao mesmo
tempo histórico, afectivo e existencial das mudanças
processadas entre os eventos pregressos e a condição
atual. É o caso das longas viagens realizadas pelos
colonizadores europeus e os decorrentes impactos
culturais e sociais sobre os povos locais, ficcionalizada
em Mexico City (Mexico City, 2007), das rotas
Hibridizações
Presenciamos, nesse momento de transições, o
surgimento de um conjunto significativo de trabalhos
que passam a depender de arquiteturas complexas,
de projeções em várias telas e de combinações
entre diferentes formas visuais, como a fotografia, o
desenho, o vídeo e a imagem digital. Nossa suposição
é a de que esses trabalhos, no modo em que
estão dispostos e pelas experiências estéticas que
proporcionam, expressam as potências do híbrido
contemporâneo e se apresentam como expressões
culturais singulares, especialmente referidas às
modalidades atuais de experiência.
“TEARS”, 2003. Fotografia digital (impressão em Lambdaflex)
23 x 25 cm (9 x 10 IN.)
perversas do narcoturismo em territórios esquecidos
do terceiro mundo (Real de Catorze, 2005), ou das
marcas indeléveis da violência urbana na vida real e
imaginária de alunos em idade pré-adolescente de
uma escola do Brooklyn/NY (Golden Years, 2005).
A corrida célere do artista, recorrente em
incontáveis deslocamentos de uma margem a
outra do quadro, corrida frenética contra o tempo
e contra o esquecimento, se realiza de modo
anônimo, sob a figura de uma silhueta negra e
impessoal, simplesmente recortada sobre o fundo
de uma paisagem imutável. O contraste evidente
entre a mobilidade da figura em primeiro plano, em
permanente trânsito, e a estabilidade da paisagem,
encena a ansiedade predominante da experiência
contemporânea, simultaneamente crítica e impotente
frente às iniquidades dos fatos. Como nos trabalhos
de Jeff Koons, Matthew Barney e Cindy Sherman,
o artista se insere na obra, se faz imagem, no caso
de Cleverson, para atualizar o inconsciente coletivo
de uma geração, suas angústias e seus desejos. Seu
corpo funciona aqui como um ecrã, uma tela opaca
sobre a qual se inscrevem os fragmentos de um
imaginário coletivo, a um tempo singularizado pela
ação pontual do artista e simultaneamente tomado
como índice das expectativas de uma época.
Há nos trabalhos de Cleverson um contraste evidente
e incontornável entre violência e sedução, reforçado
por uma reincidência da imagem em loop. Esse é
o enredo do jogo lúdico entre os três banhistas
(Progresso Humano, 2004/2005), um homem e duas
mulheres, a beira-mar, quase sensual e já agressivo.
Um mesmo gesto sucessivamente retomado, e um
movimento de câmera circular que reenquadra os
personagens sempre de modo parcial, sinalizam
esse limiar entre o prazer e o sofrimento, entre a
expectativa imaginária e a evidência do contato.
De outro modo, mas igualmente marcado por
essa atitude do artista que se apresenta como
perscrutador do imaginário de uma época,
somos confrontados às modalidades renovadas
de negociação entre a vontade de futuro e a
sensação de frustração associada ao momento
atual. Irremediavelmente, não permaneceremos
os mesmos após o 11 de Setembro. A sombra
negra, recortada agora na forma de um tubarão,
se confronta, de modo precário, entre avanços
e recuos, à silhueta da cidade de Nova York, já
subtraída das torres gêmeas (Atlantis, 2002). As
armaduras excessivamente alvas desses dois seres,
meio escafandristas, meio astronautas, embarcados
na travessia entre a mitológica Nova York e o expresídio de Staten Island (New York, 2003), marcam
toda a distância com a experiência prosaica que,
em uma época já distante, parecia autorizar as
pretensões de um futuro promissor. Predomina
nesse trabalho o sentimento indelével de que algo se
passou e alterou definitivamente o curso da história.
A partir desse momento, o drama entre a vontade de
realizar e o medo de ser vai ganhar novos contornos
e comprometer de vez o jogo da ambivalência, lúdica
e potencializadora, entre os opostos.
É essa mesma dinâmica que se faz presente na figura
utópica do Super-Homem (Clevelandia 99, 1999,
Solar do Barão, Curitiba), o ícone da aventura norteamericana, agora submetido à imobilidade do seu
protagonista, limitado aos restritos movimentos de
uma cadeira de rodas.
“NEW YORK”, 2003. Vídeo 5:00 min (ciclo), filme Super 8 transferido para DVD
O recurso da sombra funciona nesses trabalhos como
uma poderosa metáfora do modo de inscrição do
artista na obra e, no âmbito semântico, como índice
do deslizamento em direção a essa região turva,
ameaçadora e essencialmente castradora que se
sucedeu à época das experimentações. De modo
certeiro, Cleverson enfrenta essa condição regressiva
do ponto de vista da possibilidade de se fazer arte
hoje, mobilizando o senso de humor e a ironia, sempre
de modo a potencializar os recursos das linguagens
com que trabalha.
Esse é, também, o lugar da personagem feminina em
King Kong (West, 2003 ), instada a perfazer, ao revês –
o alvo da sedução transfigurado em sujeito da ação –,
a trama narrativa da trilha original do King Kong. Mas
será mesmo possível subverter a lógica desse clichê
que recobre as relações clássicas de dominação?
A obra tenciona esse aparente contra-senso e faz
reverberar, de modo inquietante, a indagação acerca
da sua possibilidade.
Os trabalhos híbridos que integram a série ”Debris” e
“Andes: algum lugar entre Chile e Argentina” investem
em uma outra estratégia. São imagens inicialmente
produzidas em vídeo, registradas no curso de longas
e recorrentes caminhadas entre os territórios do
Chile e da Argentina, posteriormente editadas
quadro a quadro para, a seguir, ganharem contornos
em nanquim, fita adesiva, entre outros materiais.
Na montagem final essas imagens são associadas,
em um novo circuito de passagem, à reproduções
de animais empalhados, em ”Natureza Morta da
America do Norte”. Tais operações de sobreposição
de procedimentos técnicos emprestam a essas
imagens uma atmosfera surrealista, simultaneamente
associadas aos catálogos de registro etnográfico
e ao inventário simbólico da contemporaneidade.
Essa estranha forma de associação combina fotos
hiperrealistas de natureza morta e uma paisagem
de fundo criada no Photoshop, além de imagens
de paisagens fotografadas, como as imagens
“Pedra da Gávea” e “Cerro Torre, PatagôniaArgentina”, às imagens em movimento do vídeo, de
modo a naturalizar o artifício e, ao mesmo tempo,
produzir o efeito de estranhamento da natureza. Os
cruzamentos entre a imagens fixas do desenho e
da fotografia e a imagem fluxo do vídeo, reforçam
esse estado de indiscernibilidade entre aparência e
essência, produzindo uma nova entidade, híbrida e
essencialmente impura.
Por caminhos diferentes, as imagens dessa última série
retomam as inquietações presentes nos trabalhos
anteriores de Cleverson, como se uma linha de
tensão as atravessasse indistintamente. O trabalho de
arte situado no limiar entre o gesto autoral, único e
presencial, e o imaginário de uma época marcada pela
imagem, pelas passagens entre as imagens e pelas
passagens nas imagens, com a força de incitar uma
potência de pensamento e uma intensidade afetiva.
Referências
BELLOUR, Raymond. Entre-imagens. Campinas: Editora Papirus, 1997.
DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
FATORELLI, Antonio e Fernanda Bruno (orgs.). Limiares da imagem – Tecnologia e estética na cultura contemporânea. Rio de Janeiro: Mauad, 2006.
________. Movimentos improváveis – o efeito cinema na arte contemporânea.
LEVIN, Thomas. “O terremoto de representação: composição digital e a estética tensa de imagem heterocrônica” in Antonio Fatorelli e Fernanda Bruno (orgs.), Limiares da imagem: tecnologia e estética na cultura contemporânea. Rio de Janeiro: Mauad, 2006.
Another Image
At this moment in time, in which increasingly relevant
aspects of our experience take place in modeled or
simulated environments, the definition and role of
visual media change considerably. Photography,
classically seen as a pure medium, gives way to a
system of images that is impure and mixed. Moving
images are also undergoing substantial changes,
incorporating video’s singularities.
As noted by
Raymond Bellour (Bellour, 1997) and Philippe Dubois
(Dubois, 2004), video presented itself as a place of
Video-images exist only in time, when the electronic
signal is scanned, enabling different types of layering
between images, such as superimposition and
chroma-key, whilst in an informational context, image
formation is based on algorithms, which makes it
even more open to modulation and susceptible
to technical changes. Such singularities related
to the technical infrastructure of electronic and
digital images are indicative that these images find
themselves associated to new temporal regimes.
modernity at the same time as it reveals inconsistencies
and even the exhaustion of hegemonic assumptions
of modern design. These inconsistencies are found in
the hybrid procedures of postmodern photography,
its strategies of serialism, repetition, scenarization,
appropriation and pastiche, wavering the core
assumptions of purism of the modernist myth. It is
remarkable that the critical potential of this movement
has been incisively directed towards the reproductive
properties of photography, to its status as multiple
images, with the potential to mimic and to commercialize
objects and images from different sources.
Complex
Temporalities
The critical issues raised by postmodern photography
passage between images, further upsetting ideas of
purism and self-sufficiency of media.
With
information
technologies,
photochemistry-
based media such as photography and cinema have
their singularities redefined and problematized.
Converted into algorithms, the various expressive
elements which traditionally determine the language
and aesthetics associated with the media, such as
sounds, images and texts, are called into question.
The conversion of light signal into electronic signal
and then to bit, marks the transition from modern to
contemporary, putting into perspective the material
and symbolic values associated with the analog
based photo-cinematographic mode of inscription,
projection, dissemination and capturing of image.
It is the ontological relation formed by automatic
genesis, over which historically a way to see and
Recent history of visual and audiovisual media is one
of a web of assimilations, contagion and reciprocal
refutations between the different forms of expression,
in glaring disagreement with modernist pretensions
of purism and autonomy. These more or less complex
webs indicate, particularly in regards to the relation
between different forms of visual production, the
existence of negotiations and exchanges between,
for example, photography and visual arts, cinema and
literature, and photography and film. Spread out in a
web, these media, already unique due to their technical
and procedural characteristics, become even more
distinguished in comparison to other media.
in the context of electronic and digital images.
regarding the originality of the work and the role of
the artist, as in the work of people like Cindy Sherman,
Sherrie Levine and Barbara Kruger, confirm the
inconsistencies implicit in the modernist demand for
autonomy and originality.
The recycling of images found in mass media or public
archives, the serial production of images based on
cinema clichés, the explicit reference to other models
and conventions of art history or the reproduction
of classic works, were all procedures that called into
question assumptions about the role of the artist and
the originality of the work. By shifting the focus from the
formal properties of the image, as prioritized by direct
and pure photography, to the role it has in the cultural
evaluate photochemical-based images has been
established, that is experiencing substantial changes
from the late 1970s onwards, especially questions
The paradigmatic status of photography as the means
of processing for other visual forms, confirms its radical
sphere, postmodern photography relinked the chain
of hybrids, showing both the composite and multiple
nature of the image. By violating aesthetic values
associated with the here and now of the representation,
postmodern photography emphasizes the multiplicity
of time, space and references found in the snapshot,
illustrating the coexistence and overlap of various
temporalities in the image. Postmodern photography
attempts to deliberately and systematically analyze the
unfolding and multiplication of time. This is also seen
in the morphogenesis of synthesized image, which
causes a short circuit in the heart of the ontological
assumptions that endorse the premises associated to
the ideal of autonomy of media.
The way in which photographic images reveal a
temporality which can not be reduced to an instant
moment, was already present in the first attempts
at picture capturing, such as in the pictorialist
photography of the nineteenth century, also in
panoramic iconography, the chronophotography of
Jules Etienne-Marey and Eadweard Muybridge, in the
avant-garde experiments of the Futurists, Concretists
and Surrealists, in Marcel Duchamp’s ready-mades, in
Andy Warhol’s serial art strategies and in various other
conceptual works done throughout the 1960s.
In a symbolic way, Pop Art - the photographic
series, the movies and the mass-produced work
of Andy Warhol – as well as Robert Rauschenberg’s
assemblages, showed image in a state that would only
intensify itself with the arrival of electronic and digital
images. A place of passages, crossings and overlaps
between different media and within the image itself.
A state where multiplicities and displacement prevails,
especially resistant to attempts at identifying a center
or the attribution of hierarchical relations. In turn,
the production of structural, material and expanded
cinema in this same period created tensions with - and
the films made by Warhol are a good example of this
– the aesthetic, technical and architectural principles
established in photography and cinema.
Video, throughout the 1970s and 1980s, further
intensified these hybrid states of the image, serving
as a powerful intermediary, or a means-end,
sufficiently flexible to connect not only the static
images of art and photography, but also the moving
images of cinema and TV. Mainly from the 1990s
onwards, video became a place of confluence and
passages radicalized, mostly, by digital images, and
became even more susceptible to quantification and
modulation of its constituent elements.
The question of time and multiple temporalities
is also a key issue with digital images. With the
inevitability of post-production manipulation, we
can determine that there at least two consecutive
actions which are temporally and spatially
disassociated. In turn, multimedia installations and
the increasingly complex contemporary display
devices, allow for a stratified temporality, which
arises from the overlap of different visual media, and
frequently, with this other temporality, of a subjective
nature, created by the dynamic interaction of the
observer with the work.
In turn, the contemporary installation, this complex
art device that is open to different arrangements and
shapes, displays these multiple states of the image,
which is closely associated with the temporal and
spatial variations processed within the contemporary
experience. What prevails in these environments is
the associative logic of overlapping imagery, arranged
in a way as to provoke a confrontation between the
visual conventions and the historical expectations one
has towards photography, film, video or the visual arts.
In these scenographies, issues relating to the identity
and singularity of the media are displaced, replaced
by superimpositions and crossings, by the multiple
and always renewed ways of looking for images and
media systems. The variability of an installation, of
these especially shifting arrangements, allows for the
image to be set up in different ways, depending on the
relations established by the overall work, at the same
time as it exposes its adamancy to being determined
by the mechanical aspect.
Within these shifting arrangements, very often the
photographic image produces movements, tremors,
thrills, internal displacements and temporal tensions
that are adamant to the notions commonly associated
with the snapshot. In turn, the moving image of
video and cinema includes stops, interruptions and
occasional freezes. These transient states put an end
to, through their variations, the tensions historically
present between a narrative strength that unfolds
over time, and an inner strength, which points to a
singularity as a punctual occurrence.
Sem título (Patagônia), 2009. Vídeo 2:00 min (ciclo)
Body and Experience
One of the consequences of the convergence of
photography, cinema, drawing, painting and printing
into a single interface, is the emergence of a layering
effect, with various levels and overlapping strata,
indicative of a unique temporal mode associated to
new imaging technologies.
and aesthetic consequences, located in this middle
place between the dilation of the snapshot and the
procedures of delay or suspension of the movement
of the cinematographic image. That is, on the one
hand analog cinema and photography are irreversibly
relegated to the status of a sub-set of digital media
whilst at the same time, the moving image, in particular
Two trends associated with this condition of the image
are crucial in identifying the way in how electronic and
digital technologies assimilate and reformulate analog
media: on the one hand, analog media such as cinema
and photography follow the hierarchy of the digital
hybrid model, which, as noted by Thomas Levin (Levin,
2006, p. 206), alters the way in which cinema and the
classical model of photographic representation act,
on the other hand, the tendency towards hybrids
and the configuration of mixed models, which involve
different modalities of passages and crossings
between the images, establish, in the case of the
fundamental relationship between photography and
cinema, a whole new array of adamant technical
digital moving image, is increasingly associated with
static photography, bringing forth new modalities
of passages between images that are frequently
remains valid from a physiological point of view, it
refers to a type of research that has clear boundaries
between different types of stimuli and responses,
between subject and object, and perception and
action’ (FATORELLI & BRUNO, 2006, pg. 13). The
new status of the technical contemporary image is
defined when it is no longer possible to distinguish
between these two poles that, traditionally,
outlined stable thresholds, but are here separated
in space and constitutively different.
associated to other temporal dimensions.
The digital hybrid relates a precarious support
image to an observer, who has to play ever
increasingly
more
productive
roles,
which
simultaneously triggers the crisis of the object
and the emergence of the new more productive
role of the observer. ‘It is known that in modern
terminology, the notion of threshold sets the
minimum intensity that is needed for stimulus to
elicit a response or feeling. Even if this concept
As it centers the body, the flexibility of the support
gives rise to a convergence with no media precedence,
often promoting the crossing of different strata of
media. What follows from these overlapping effects
is a condition of modularity, now based between
media systems, rather than on the constitutive mode
of individual digital images. The emergence of a
new logic of temporality of the images arises from
the overdetermination of digital technologies over
photochemical-based images.
“debris”, 2010. Vídeo instalação, 12:00 min (ciclo), vídeo (3 canais) e áudio
Hybridizations
In this period of transitions, we see the emergence
of a significant number of works that are reliant on
complex architectures, projections on multiple screens
and the combination of different visual forms such as
photography, drawing, video and digital images. Our
assumption is that these works, from the way they
are displayed and the aesthetic experiences that they
provide, express the potential of the contemporary
hybrid. They are unique cultural expressions that
communicate current experiences.
The photographic images, the videos and the digital
processing frequently seen in the work of Cleverson,
such as New York from 2003, Real de Catorze from 2005,
and Mexico City from 2007, showcase this singularity
of the current image. In these works, passages, shown
in various ways in the many trips taken by the artist,
are emphasized by the hybrid treatment of the image,
which moves between video, photography and digital
post-production. With these shifts in territory, the artist
allows his body to drift in space and time, contracting
experiences gained in distant areas and from primeval
times. The artist’s historic, emotional and existential
experience throughout his artists experience is
communicated taking into account both past and
current experiences. In Mexico City (Mexico City, 2007)
for example, we see the long trips made by European
colonists and the resulting cultural and social impacts on
locals, whilst in Void-Real de Catorze (Real de Catorze,
2005) we see the perverse routes of narcotourism in
forgotten territories of the third world, and in Golden
Years (Golden Years, 2004) we see the indelible marks
of urban violence in the real and imaginary life of preteen students of a school in Brooklyn, NY.
The artist’s frantic race against time and forgetting,
recurrent in countless shifts from one edge of the frame
to the other, is done anonymously through the use of
an impersonal black cut out silhouette put against a
background of an immutable landscape. The sharp
contrast between the mobility of the figure in the
foreground seen in permanent movement with the static
landscape in the background, communicates the anxiety
prevalent in present-day experiences, simultaneously
critical and impotent when faced with the bare facts.
Like with the work of Jeff Koons, Matthew Barney and
Cindy Sherman, the artist puts himself in the work, and
in Cleverson’s case, this is done to update the collective
unconscious, the anxieties and desires of a generation.
The artist’s body serves as an opaque screen, over which
fragments of a collective imagination are inscribed. This
imaginary collective is at once singled out by the artist’s
prompt action and at the same time taken as an index
of the expectations of an era.
In Cleverson’s work there is a clear and inescapable
contrast between violence and seduction, reinforced
by the recurrent use of the image repeated in a loop.
This is the plot of the game between the three bathers
(Progresso Humano 2004), a man and two women by the
sea, almost sensual and already aggressive. The same
gesture is successively resumed, and a circular camera
movement that always partially reframes the characters,
indicates this threshold between pleasure and pain,
between expectation and the evidence of contact.
In an another way, but equally marked by the artist’s
scrutinizing look at the imaginary of an era, we are
confronted with renewed modalities of negotiation
between the desire for the future and the feeling of
frustration associated with the present. Hopelessly, we
will not remain the same after September 11. The dark
shadow, now cut in the shape of a shark, confronts itself
precariously, in between buildings, with the New York
skyline, now devoid of the twin towers (Atlantis, 2002).
The excessively white armor of these two beings, half
diver, half astronaut, traveling on the ferry between
mythological New York and the former Staten Island
prison (New York, 2003), show throughout the whole
trip a prosaic experience that seemed to allow, a
long time ago, the aspirations to a promising future.
What prevails in this work is the indelible feeling that
something happened and changed the course of
history for good. From this moment on, the drama
between the desire to achieve and the fear of being
will redefine and compromise for good the game
of ambivalence, playful and empowering, between
opposites. It is this same dynamic that is present in the
utopian figure of Superman (Clevelandia 99, 1999),
the icon of American adventure, now motionless and
wheelchair bound.
In these works shadow is used as a powerful metaphor
of how the artist inserts himself in his own work
and, semantically speaking, as the rate at which it
slides towards this murky region, threatening and
essentially castrating that occurred in the period of
experimentations. Matter of factly, Cleverson faces this
regression from the standpoint of being able to make
art today, playing with ideas of humor and irony, always
maximizing the tools with which he works.
The same can be said of the female character in King
Kong (West, 2003), who serves as the subject of seduction
then transfigured as the subject of the action, instead of
following the narrative plot of the original King Kong.
But is it really possible to subvert the logic of this cliché,
which envelops the classic relations of submission? The
work intends on showing this apparent contradiction
and questions, in an unsettling way, its possibility.
The hybrid works that make up the Debris
-Andes:somewhere between Chile and Argentina –
Naturezas Falsas series use another strategy. They consist
of images initially produced on video, recorded in the
course of long, recurring walks along regions between
Chile and Argentina. These are later edited frame-byframe and then contoured with Nankin and masking
tape, among other materials. In the final assembly, these
images are put together, in a new circuit of passages, to
reproductions of stuffed animals Americas dead nature.
These mixed technical procedures, referring both to
ethnographic material and today’s symbolic inventory,
lend a manifestly surreal atmosphere to these images.
These peculiar forms of association combine hyperrealistic
pictures of dead nature, landscape photographs (such
as the images “Pedra da Gávea” and “PatagoniaArgentina”) and images created in photoshop, also
images captured by the artist, with the moving images
of the video, so as to naturalize the artifice and at the
same time, produce an effect of estrangement from
nature. The intersections between the fixed images of
the drawings and photography to the moving image of
the video, reinforce this state of indiscernibility between
appearance and essence, producing a new, impure,
hybrid entity.
Through different paths, the images in this last series
return to the concerns present in Cleverson’s early
work, as if a line of tension crosses them indistinctly.
The work of art located on the threshold between the
authorial, unique gesture, and the imaginary of a time
marked by image, by the passages between images
and by the passages in the images, with the power to
incite powerful thinking and emotional intensity.
References
BELLOUR, Raymond. Entre-imagens. Campinas: Editora Papirus, 1997.
DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
FATORELLI, Antonio e Fernanda Bruno (orgs.). Limiares da imagem – Tecnologia e estética na cultura contemporânea. Rio de Janeiro: Mauad, 2006.
________. Movimentos improváveis – o efeito cinema na arte contemporânea.
LEVIN, Thomas. “O terremoto de representação: composição digital e a estética tensa de imagem heterocrônica” in Antonio Fatorelli e Fernanda Bruno (orgs.), Limiares da imagem: tecnologia e estética na cultura contemporânea. Rio de Janeiro: Mauad, 2006.
“ROCKAWAY”, 2003. Vídeo 4:30 min (ciclo), filme Super 8 transferido para DVD
“FROM BROOKLYN”, 2005. Fotografia digital (impressão em Lambdaflex), 40 x 50 cm (16 x 20 IN.)
“ANDES: algum lugar entre chile e argentina
“ANDES: algum lugar entre chile e argentina”, 2006. Vídeo 5:00 min, áudio (2 canais), DVD
“ANDES: algum lugar entre
chile e argentina”, 2006.
Grafite sobre parede, Museu de
Arte Contemporânea do Paraná,
Curitiba, Brasil
(Foto: Rafael Dabul)
Estudo para “ANDES: algum lugar entre chile e argentina”, 2006.
Grafite sobre papel, 100 x 72 cm (391/2 x 281/2 IN.). (Foto: Liudi Hara)
Detalhes da instalação “FRONTIERS: A JOURNEY THROUGH THE AMERICAS”, 2006.
M.Y. Art Prospects Gallery, Nova York, EUA. (Fotos: Artur Ratton Kummer)
Estudo para “ANDES: ALGUM
LUGAR ENTRE CHILE E
ARGENTINA”, 2006.
Estúdio do Artista, Nova York, EUA
Estudo para “ANDES: algum lugar entre chile e argentina”, 2006.
Grafite sobre papel, 100 x 72 cm (391/2 x 281/2 IN.). (Foto: Liudi Hara)
DEBRIS
“DEBRIS”, 2010. Fita adesiva e MDF sobre parede.
Instalação (Casa Cor), Curitiba, Brasil.
Estudo para “DEBRIS” #1, 2010/2011. Grafite sobre papel, 48 x 60 cm (19 x 231/2 IN.)
Estudo para “DEBRIS” #2, 2010/2011. Grafite sobre papel, 48 x 60 cm (19 x 231/2 IN.)
Estudo para
“DEBRIS” #5, 2010/2011.
Grafite sobre papel, 48 x 60 cm
(19 x 231/2 IN.)
Estudos para “DEBRIS” #3 e #4, 2010/2011. Fita adesiva e grafite sobre papel, 100 x 72 cm (391/2 x 281/2 IN.)
Estudo para “DEBRIS” #6, 2010/2011. Grafite sobre papel, 48 x 60 cm (19 x 231/2 IN.)
Detalhe de estudo para “DEBRIS” #7, 2010/2011. Grafite sobre papel, 48 x 60 cm (19 x 231/2 IN.)
Detalhe da instalação
“DEBRIS”, 2010.
Fita adesiva sobre parede.
Museu Oscar Niemeyer,
Curitiba, Brasil
(Foto: Rafael Dabul)
Detalhe da instalação “DEBRIS”, 2010. Fita adesiva sobre parede.
Museu Oscar Niemeyer, Curitiba, Brasil
“DEBRIS (Catastrofismo)”, 2008. Imagens do vídeo clipe da banda Cassim & Barbária
Natureza Morta da América do Norte
“natureza morta da américa
do norte #1”, 2010.
Impressão de jato de tinta sobre
papel Hahnemuhle Photorag 308 g,
50 x 60 cm (20 x 24 IN.)
“NATUREZA MORTA DA AMÉRICA DO NORTE #2”, 2010.
Impressão de jato de tinta sobre papel Hahnemuhle Photorag 308 g. 110 x 80 cm (431/2 x 311/2 IN.)
“NATUREZA MORTA DA AMÉRICA DO NORTE #3”, 2010.
Impressão de jato de tinta sobre papel Hahnemuhle Photorag 308 g. 110 x 80 cm (431/2 x 311/2 IN.)
“NATUREZA MORTA DA AMÉRICA DO NORTE #5”, 2010.
Impressão de jato de tinta sobre papel Hahnemuhle Photorag 308 g.
110 x 80 cm (431/2 x 311/2 IN.)
“NATUREZA MORTA DA AMÉRICA DO NORTE #9”, 2010.
Impressão de jato de tinta sobre papel Hahnemuhle Photorag 308 g. 110 x 80 cm (431/2 x 311/2 IN.)
“NATUREZA MORTA DA AMÉRICA DO NORTE #10”, 2010.
Impressão de jato de tinta sobre papel Hahnemuhle Photorag 308 g. 110 x 80 cm (431/2 x 311/2 IN.)
“NATUREZA MORTA DA AMÉRICA DO NORTE #11”, 2010.
Impressão de jato de tinta sobre papel Hahnemuhle Photorag 308 g. 80 x 60 cm (311/2 x 231/2 IN.)
TRECHOS DE UMA CONVERSA ENTRE
FERNANDO BURJATO E CLEVERSON ANTUNES DE OLIVEIRA
SÃO PAULO, NOVEMBRO DE 2010
“Cleverson, a exposição fala de viagem - e não é
a primeira mostra sua com esse assunto. Gostaria
que você falasse um pouco das viagens que deram
origem a esses trabalhos, quando isso ocorreu, e para
onde foram. Você resolveu viajar para esses lugares
pensando em criar trabalhos de arte, ou isso veio
depois?”
“Bem, olhando para trás, diria que o que deu início
a isso tudo, foi a primeira vez que fui aos Estados
Unidos, em 1996. Na primeira vez que essa ideia
brotou na minha cabeça, foi de fazer um retorno ao
Brasil, por terra, percorrendo o continente Americano,
de Norte a Sul. A ideia me pareceu bem atraente.
Dois meses depois, voei, retornando ao Brasil. Fiquei
cinco meses no Brasil, em 1996. Após o retorno ao
Brasil, fiquei só pensando na ideia de América, como
os americanos se referem aos Estados Unidos. O que
isso queria dizer, e em todas as possibilidades desta
primeira ideia, de cruzar grandes distâncias de uma
maneira lenta, andando, vagando, observando o
continente, a América…
Quando cheguei aos Estados Unidos pela segunda
vez, a ideia de voltar percorrendo esses caminhos
ficou adormecida… Nova York proporcionava um
cenário sedutor, terrenos bem interessantes a serem
observados… Isso foi começo do meu namoro com
essas ideias, conto este período como uma das
primeiras viagens. A condição de se estar em outro
lugar, de anular uma identidade comum, longe de
coisas que nos identificam, e que nos classificam,
a ideia do Forasteiro, é fascinante… Acho que tem
algo que se assemelha ao universo das estórias, dos
mitos, Cristo, Ulisses, Macunaíma… Ir até algum lugar
e voltar. Passaram-se 10 anos, lá do Brooklyn, na
margem leste do East River.
“Você considera essa uma exposição de fotografias?
Ao mesmo tempo, você mostra numa exposição
coletiva chamada “O estado da arte”, no MON, um
desenho e uma instalação, que na verdade é um
desenho no espaço. Como você relaciona esses dois
aspectos da sua produção?”
Houve o contato com americanos-latinos,
colombianos, equatorianos, porto-riquenhos,
judeus ortodoxos e não ortodoxos, irlandeses,
afro-descendentes, chineses, árabes, indianos.
Foi intenso… Em algum momento percebi que
estas passagens já eram parte de uma impressão
sobre aspectos das Américas, que diziam respeito
a muitas Américas…. e o trabalho que eu vinha
desenvolvendo, na época, já refletia um pouco os
pensamentos sobre este universo, sobre o homem
americano. A conclusão de que eu gostaria de que
a minha arte tratasse destes assuntos deu uma nova
direção ao trabalho. Então, pra começar, decidi que
iria andar pelos desertos do Norte do México, guiado
por todo o universo cinematográfico/publicitário/
literário – impressão e visão de mundo, dócil e
paciente, comportamento de consumidor de mídias.
Um lugar chamado pelos nativos de Huicholees,
Vericuta, evocando o mundo dos viajantes, que
documentaram o continente Americano, o México de
Norte a Sul… Adentrando pelo norte,Texas. O destino
final desta primeira viagem foi Uruguaiana, no Sul do
Brasil. Entrei pela Argentina depois de ter descido até
o Chile pela Costa Leste.”
“A exposição do Solar do Barão, no Museu da
Fotografia, mostra um fragmento destas minhas
ideias, um exercício dentro de um suporte que
determinamos como terreno da arte, suporte nesse
caso, é a imagem impressa em papel fotográfico. Ela
mostra um conjunto de documentos (captados por
uma câmera fotográfica digital, simples e automática e
também câmeras de filme convencional, uma câmera
de Super 8), imagens de alguns lugares, como de
um campo criador de ovelhas próximo à serra. Uma
sala que imita uma natureza selvagem, recriada pelo
homem, o objeto fotografado. É uma representação
de um animal silvestre, empalhado ou recriado, no
Museu de História Natural de Nova York… traços de
uma passagem, de um observador que carregava
consigo um objeto de captação de realidade… uma
câmera fotográfica, híbrida, que também faz vídeos,
como a de qualquer outro turista…
Em um outro momento, quando atravessava a
Cordilheira dos Andes, captei alguns minutos
de imagem e som, na passagem do Chile para a
Argentina. Essas imagens captadas pela câmera
de vídeo, que era a mesma que usei pra captar as
imagens em Nova York, foram depois cuidadosamente
analisadas, e alguns dos frames foram escolhidos
para serem os representantes desta passagem. Se
transformaram em imagens fixas, impressas em papel,
deslocando-se de um primeiro suporte, um arquivo
digital, armazenado em meu computador, para uma
cópia em papel, que transformou-se em objeto, a
partir de uma máquina copiadora digital e pigmento
preto sobre o papel branco. Esta cópia é o registro,
que será copiada novamente e levemente alterada.
Ela se transforma, então, em desenho, um desenho
a nanquim, que posteriormente é digitalizado, por
um escaner ou câmera fotográfica digital, quando
torna-se novamente um arquivo digital, que pode
ser projetado em várias superfícies, com o uso
de um projetor LCD. As projeções dos desenhos
materializam-se e preenchem o espaço… De uma
maneira analógica, mecânica, esta paisagem é
recriada tridimensionalmente, acomodando-se aos
planos arquitetônicos, a silhueta negra do autocontraste dos desenhos em nanquim. Projetada, serve
de registro para ser novamente fixada ou coberta por
adesivos sobre as paredes e o chão… Este processo
de passagem também caracteriza esta pesquisa, que
se transforma em ação materializada ou corporificada
dentro da minha obra.”
“Sua exposição chama-se “Fronteiras: uma jornada pelas
Américas”, e acho que a palavra “fronteiras” aí pode ter
vários sentidos, e não apenas os limites entre os países,
você concorda? De que fronteiras a exposição trata?”
“Sim, concordo, o tema Fronteiras é o mote para
uma subjetividade, a faísca que ativa o pensamento
e as impressões sobre este conjunto de obras.
Sabemos que a arte tem esta capacidade, de propor
subjetividades. Propor subjetividades como exercício
artístico, através de imagens registradas em vídeos,
fotos e desenhos. São ações constantes em minha
pesquisa… Agregar e cruzar algumas modalidades e
suportes, e alguns limites entre situações físicas, ou da
manufatura e processo de um trabalho de arte…
Nesta série de trabalhos, fazer este cruzamento,
emprestar do mundo da publicidade (como nos
comerciais de cigarro dos anos setenta, ou da história
das imagens do cinema americano), e adentrando
e evocando o mundo da arte dos viajantes, que
documentaram o continente americano. Usar
o grande título “Fronteiras: uma jornada pelas
Américas”, é uma estratégia de percepção, uma
releitura, um comentário sobre o mundo das relações
públicas, do mundo que constrói a cultura, assunto
pertinente a ser explorado neste conjunto de coletas.
Camuflar-se, e tornar-se um voyer. O observador do
passante, gravar o passo do passante, a também sua
respiração. Tarefa que se apresenta quase como a de
um arquivista, nestas operações, pertencem ao campo
das artes visuais, mimetizando cinema, televisão e
fotografia, um sentido psicológico de pensar o tema,
um passageiro, documentando a passagem. Estas
modalidades de mídia, constroem por si só, uma
cronologia imagética da história. E o grão do filme
Super 8 – o próprio filme Super 8 –, já tem uma relação
com temporalidade. Lembra filmes de família. Isso já
contém um aspecto simbólico.”
“A partir daí – ou quem sabe desde sempre –, seu
trabalho é sempre preto e branco, ou quase preto e
branco. Mesmo o vídeo Atlantis, que é colorido, tem
as cores pouco saturadas. Lembra um pouco um filme
envelhecido, um slide que desbotou.”
“Aquela foi minha primeira experiência com filme, com
movimento. Não lembro se impus algum limite, mas
aceitei como aconteceu. Vi o filme, coloquei a música
e pseudo-editei: não tem quase nada de edição ali.
Mas o grau de comprometimento com a realidade vai
se distanciando. A lente, a transferência para DVD,
o esmaecimento da cor, o movimento. O número de
frames por segundo é diferente do vídeo, e também tira
essa distância.
A música entra como mais uma camada. É quase como
você ver uma direção sugerida por uma pincelada de um
De Kooning: contém uma orquestração dentro daquele
universo. A música ajuda a selar. A música quase não é
sentida apenas pelos seus ouvidos: da ação, se vemos
num vídeo um braço puxando uma pessoa, por exemplo,
a música ajuda a acentuar esta ideia. As músicas limitam
espaços de tempo. Criam atmosfera, como a luz.”
Detalhes da vídeo-instalação “Fronteiras: Uma Jornada Pelas Américas (Brasil)”,
Museu da Fotografia da Cidade de Curitiba, Solar do Barão, 2010
Agradecimentos
PAGU LEAL, FELIPE MICHELENA, RAFAEL MILANI, CAROLINA FARION,
FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, ANA GONZALEZ, RODRIGO
FERREIRA MARQUES, RAFAEL DABUL, ALFREDO GOMES FILHO,
IGOR DANTAS, ANA CAROLINA ROCHA, WILLIAM SANTOS, SAMUEL
DICKOW, GERALDO LEÃO, FERNANDO BURJATO, ANTONIO FATORELLI,
ARTHUR FREITAS, LEANDRO SALGUEIRINHO, DRAUSIO RAFAEL
HADDAD, CASSIANO FAGUNDES, CRISTINA LOUREIRO, MAURÍCIO
ROSA, JACKSON MOLDURAS, ALBERTO DY, LETÍCIA DRANL ZUKWL,
WANDERLEY E JUSSARA ANTUNES DE OLIVEIRA, MIYAKO YOSHINAGA,
CINTIA RIBAS, DENNIS JULIAN CHYLA, ALZIRA FERREIRA, SONYA
COLLINS, CHARLIE GRIFFIN, SHAWN BUTLER, CRISTINA DIAS AMADEO,
PATRÍCIA SOLDATI, DANIEL CARVALHO, JORGE ELMOR, IVO MESQUITA,
ELIANE PROLIK, MARCO OLIVEIRA, GABRIELA GIGLIOLI, PAULO
HERKENHOFF, MAXI COHEN, NEIL KONIGSBERG, PAC LAB, THE SOUND
SCAPES, ROGER ROTHSTEIN, MOSSA BILDNER, SYLVIA MARTINS, ARTUR
RATTON KUMMER, LILKA NAKANISHI, KIKA VON KLUCK, VIK MUNIZ,
LIUDI HARA, RAUL ZAMUDIO, TOM ZUMMER, RUDA E DENISE, JÔ
BISCAIA E ANDRÉ BISCAIA, BEATRIZ BASTOS, MARCIO RICCELI, MARCO
MELLO, TUCA NISSEL, DEBORA SANTIAGO, ORPEC.
CLEVERSON
ANTUNES
DE OLIVEIRA
NASCEU EM CURITIBA, EM 1972. OBTEVE O
BACHARELADO EM ESCULTURA PELA ESCOLA DE
MÚSICA E BELAS ARTES DO PARANÁ EM 1994. DE
1996 A 2008, VIVEU EM NOVA YORK ONDE ESTUDOU
HISTÓRIA DA ARTE NA NEW YORK UNIVERSITY.
VIVE E TRABALHA EM PIRAQUARA, PRÓXIMO A
CURITIBA, BRASIL.
BORN IN CURITIBA IN 1972.STUDIED AT ESCOLA
DE MUSICA E BELAS ARTES DO PARANÁ (B.A. IN
SCULPTURE) IN 1994.LIVED IN NEW YORK FROM
1996 TO 2008. THERE, STUDIED ART HISTORY AT
nEW yORK UNIVERSITY.
LIVES IN PIRAQUARA, NEAR CURITIBA, BRAZIL.
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CLeVerson antunes De oLiVeira