Shakespeare: lírico dramático, dramaturgo lírico Solange Ribeiro de Oliveira Universidade Federal de Minas Gerais Universidade Federal de Ouro Preto If music be the food of love, play on. Shakespeare, Twelfth Night. RESUMO: estudo da criação lírica shakespeariana, examinada sob a perspectiva de seu entrelaçamento com a obra dramática. Como representações do lírico, analisam-se algumas canções e textos encontrados nas peças e nos Sonetos, sendo estes últimos vistos também como veículos do entrelaçamento entre o lírico e o dramático. Para a investigação dos traços assim associados, o ensaio discute a função de canções encontradas em Hamlet. Por outro lado, aponta-se a existência de uma narrativa e de personagens implícitos nos 154 sonetos, bem como sua relação com os temas do racismo e do homoerotismo explorados em algumas peças, especialmente Antony and Cleopatra, Twelfth Night e The Merchant of Venice. Essa relação temática é considerada um dado adicional que ilustra a impossibilidade de uma separação radical entre os gêneros lírico e o dramático na obra de Shakespeare. ABSTRACT: the paper discusses Shakespeare´s lyricism, examined from the perspective of its connection with his drama. As representatives of Shakespearean lyricism, the essay examines some songs and fragments found in the plays and also in the 154 Sonnets, the latter being seen as a meeting point for the lyrical and dramatic elements involved. For the investigation of the features thus interconnected, the text discusses the function of some songs found in Hamlet. On the other hand, the paper underlines the existence of characters and of a narrative implicit in the Sonnets, as well as their relationship with the themes of racism and homoeroticism also explored in some plays, especially Antony and Cleopatra, Twelfth Night and The Merchant of Venice. This thematic relationship is taken as additional evidence of the impossibility of a radical separation between the lyric and the dramatic in Shakespeare´s works. Reconhecendo o caráter protéico da lírica, a crítica literária contemporânea tem proclamado a virtual impossibilidade de estabelecer uma distinção precisa entre esse e outros gêneros literários1. A constatação é amplamente confirmada pela obra shakespeariana. Considerando-a em seu conjunto, forçosamente concluiremos pela inexistência de uma separação radical entre criação lírica e produção dramática. A propósito dessa imbricação, começo por lembrar que as canções shakespearianas, sua mais clara manifestação lírica, não são composições autônomas. Existem no contexto das peças, como partes 1 A propósito da dificuldade de definição da poesia lírica, e de sua interação com outros gêneros, ver LINDLEY, 1985, p. 13 e 23. No caso de Shakespeare, o autor considera a presença do lírico em Romeu e Julieta, III, v, sob a forma da aubade. 1 integrantes delas, contribuindo para a construção da atmosfera ou para a caracterização das personagens. Também em seus Sonetos (Sonnets, 1609), ao lado da linguagem rebuscada e do cerebralismo barroco, irrompe um extravasamento emotivo com inegáveis elementos líricos. Embora de forma diversa da encontrada nas canções, a sequência shakespeariana imbrica-se igualmente com a produção dramática. Pela criação de personagens e de uma conflituosa narrativa implícita_ a história de amor e traição, triangulada pelo eu lírico, sua amada e seu amigo_ bem como pelo entrelaçamento com dados associados ao homoerotismo e ao racismo, a série de 154 sonetos pode ser vista como uma recapitulação condensada de elementos encontrados em peças anteriores. Na celebrada dark lady _ a silenciosa ouvinte do eu lírico _ reverberam ecos da protagonista de Antônio e Cleópatra (Antony and Cleopatra, 1607), criada dois anos antes. Como a rainha egípcia, a dama simultaneamente adorada e execrada pelo sonetista implícito deve parte de seu fascínio a uma personalidade enigmática e imprevisível. Do mesmo modo, o tema da homossexualidade, pertinente para a leitura dos sonetos, evoca personagens criados anteriormente, como os dois Antônios, o de Noite de Reis (Twelfth Night, 1602) e o de Mercador de Veneza (The Merchant of Venice, 1596-1598). Na última peça, tal qual o autor implícito dos sonetos, o melancólico amigo de Bassânio perde para uma mulher o amor de um homem, pelo qual mostra-se pronto a sacrificar a própria vida. Resumindo: se, descontadas as especificidades de cada gênero, canções e sonetos apontam para algumas peças, a recíproca é verdadeira: em certos momentos a dramaturgia shakespeariana reveste-se de lirismo. Nas tragédias e comédias saltam à vista textos que, excetuada sua forma estrita e sua articulação com a trama dramática, poderiam ser lidos como fragmentos líricos, por sua musicalidade e pela expressão de sentimentos, percepções e reflexões de subjetividades dominadas por intensa emoção 2. Essa interação 2 A propósito, traduzo e resumo a definição de poema lírico encontrada no dicionário de termos literários de M. H. Abrams: poema que expressa os sentimentos, percepções e pensamentos de uma persona poética, de modo intensamente pessoal, emocional ou subjetivo (ABRAMS, 1993, p. 123). 2 entre o lírico e o dramático, presente em toda a criação shakespeariana, contribui crucialmente para a articulação de seu esplêndido conjunto. Para uma reflexão menos genérica, tomemos inicialmente as canções incrustadas na produção dramática. A elas, no sentido estrito, o lirismo shakespeariano remete em primeiro lugar. Conforme lembra a etimologia, a poesia lírica vem do grego lyra, designação de poemas musicados, recitados nos tempos clássicos ao som da lira. A associação de palavras e acompanhamento musical caracterizou a poesia lírica de inúmeras literaturas, dos tempos mais remotos até os inícios da cultura impressa na Renascença. No ocidente, atingiu o apogeu em formas como a chanson e a pastorela, cantadas por trovadores provençais. Na esteira dessa tradição, o equivalente à poesia lírica original é a canção, sua herdeira natural, encontrada em todas as culturas até os tempos modernos. Inseridas nessa tradição, mas acompanhadas por instrumentos elisabetanos e integradas com a trama dramática, as canções shakespearianas são poemas cantados, que fundem elementos verbais e acompanhamento musical. Nas peças, Shakespeare embutiu mais de cinquenta dessas composições, além de centenas de rubricas solicitando a presença da música. O recurso pode ser explicado de várias formas. Dada sua popularidade na época, a arte musical constituía um atrativo adicional para os vários grupos sociais presentes na heterogênea platéia elisabetana. Para os menos cultos, as canções também facilitavam a compreensão de aspectos do enredo ou da linguagem poética. Contribuíam ainda para sugerir a atmosfera adequada à ação, além de complementar a caracterização das personagens. Nem sempre a autoria das canções pode ser atribuída a Shakespeare. Sabe-se que ele frequentemente adaptou e citou (não raro, com alterações) a letra de baladas conhecidas e de poemas compostos por outros (como nas canções de Ofélia em Hamlet). O poeta apropriou-se também de títulos e fragmentos de numerosas baladas populares, todas conhecidas de seu público, por tradição oral ou por partituras de baladas, impressas em livretos (chapbooks), cantadas e comercializadas nas ruas, ou, no campo, por vendedores como o Autolycus 3 de The Winter´s Tale. São desse tipo duas baladas cantadas em Hamlet bem como, mencionada na mesma peça, “Bonny Sweet Robin”, cuja letra não sobreviveu. Também não se pode com certeza atribuir ao dramaturgo a letra de “O mistress mine”, hoje uma das canções shakespearianas mais conhecidas, nem afirmar que a melodia seja a que foi originalmente cantada.Entre as canções mais conhecidas, “Full fathom Five” e Where the bee sucks”, de Robert Johnson, foram provavelmente compostas para a encenação original de The Tempest 3. Não é fácil saber como soariam as canções. As primeiras edições das peças incluem suas letras, mas não as partituras das melodias. Algumas canções acompanhadas da letra e da música sobrevivem em textos contemporâneos de Shakespeare ou publicados pouco depois, mas as palavras raramente coincidem perfeitamente com as encontradas nas peças. Em geral os manuscritos originais só aludem vagamente a composições não documentadas. Em certos casos, canções publicadas muito mais tarde, nos anos 1650 e 1660, podem ser atribuídas a compositores atuantes meio século antes (como as duas canções de Ariel em The Tempest) . Texto e melodia de baladas e canções populares raramente sobrevivem juntos e têm de ser acoplados com base em outras fontes. As melodias são muitas vezes encontradas em partituras para instrumentos de corda ou teclado de fins do século XVI ou início do século XVII. Estudiosos nossos contemporâneos tentam recuperar o conjunto para proporcionar a audição mais próxima possível da execução original. Esse esforço é ilustrado, entre outros, pelo 3 A propósito, ver Songs and Dances from Shakespeare. The Broadside Band. Saydisc Records, England, 1995. 4 trabalho do pesquisador e músico Ross W. Duffin, Shakespeare's Songbook 4. Este cancioneiro contém 160 canções das peças, muitas delas com textos musicados para encenações originais. Para recuperar melodias e letras menos conhecidas, Duffin consultou manuscritos e fólios, procurando, dentro do possível, as interpretações mais autênticas. 5 Além de diversão e ornamento, as canções desempenham um papel importante nas peças. Em The Tempest, por exemplo, as entoadas por Ariel atuam como agentes catalisadores da ação, impulsionando e direcionando os acontecimentos. Podem também substituir solilóquios, como pistas para o acesso à consciência das personagens. Em Hamlet essa função evidencia-se nos fragmentos cantados por Ofélia, a jovem inicialmente cortejada e depois abandonada pelo príncipe. Desconhecemos as melodias, que indubitavelmente integrariam o lirismo do conjunto. Isso não impede que, tendo sobrevivido as letras, elas penetrem a subjetividade da personagem. As palavras refletem sua angústia em face da dupla perda, a do pai e a do homem amado. Ao mesmo tempo, oferecem elementos para esclarecer um dos pontos obscuros da trama, o relacionamento de Ofélia com Hamlet. As canções situam-se no ato IV, cena v, quando, exibindo sinais de loucura, a jovem surge cantando perante o rei Cláudio e a rainha Gertrudes. As letras envolvem temas de morte e de amor não correspondido, condizentes com o enredo. Mais especificamente, uma das canções menciona um amante que, após seduzir a amada, recusa-se a desposá-la. Teria sido essa a experiência de Ofélia, submetida à intensa 4 DUFFIN, Ross D. Shakespeare's Songbook. New York: D. D. Norton & Company, 2004. A edição, anotada e complementada por CD , inclui gravações muito variadas, com baladas, canções de amor, cânones, canções báquicas (“drinking songs”), entre os quais “Hold Thy Peace'” “It Was a Lover and His Lass”, “Jog On”, '”There Dwelt a Man in Babylon” “You Spotted Snakes”. Outro estudo interessante é Songs from Shakespeare´s Plays and Popular Songs of Shakespeare time, organizado por Tom Kines em 2007. Cf também o CD Songs and Dances from Shakespeare. The Broadside Band. Director Jeremy Barlow, Deborah Roberts (soprano) e John Potter (tenor). 5 A propósito, ver http://www.npr.org/templates/story/story.php?storyId=1847184, acessado em 07/03/2009. 5 opressão da sociedade patriarcal? Teria ela desconsiderado os conselhos do pai e do irmão, e tido com o príncipe uma intimidade não permitida pela ideologia da época? Há quem responda afirmativamente, ou mesmo acredite que, abandonada, Ofélia estivesse grávida. No repressivo contexto da época, agregado à dor pela perda do pai e ao sentimento de culpa por lhe ter desobedecido, tanto bastaria para explicar o colapso nervoso da personagem 6. Nesse sentido, a letra das canções é mais do que sugestiva. Uma delas menciona a dificuldade feminina de penetrar nos sentimentos de um homem. Através da canção, Ofélia parece expressar sua dúvida a respeito do amor de Hamlet. Teria algum dia sido realmente amada por ele? A personagem canta: How should I your true love know Como distinguir de todos From another one? O meu amante fiel? By his cockle hat and staff, Pelo bordão e a sandália; And his sandle shoon. Pela concha do chapéu. (Act IV Sc. V, 23-26) A letra de outra canção menciona um encontro matinal de namorados no dia de São Valentim, protetor dos amantes fiéis. Parece assim sugerir a fé inicial de uma donzela no amor do namorado: To-morrow is Saint Valentine’s Day, All in the morning betime, And I a maid at your window, To be your Valentine. Amanhã é São Valentino E bem cedo, eu, donzela Para ser tua Valentina Estarei em tua janela. Entretanto, o tema da jovem abandonada após a perda da virgindade logo emerge da voz que canta: Then up he rose, and donn’ed his clothes, E ele acorda e se veste and dupp’d the chamber-door; E abre o quarto para ela. let in the maid, that out a maid Se vê a donzela entrando never departed more. Não se vê sair donzela. (Act IV Sc. V, Lines 48-54) 6 A propósito, ver DUNN, Leslie C e Nancy A. Jones, 1994, p. 50-64. 6 O tema retorna nos versos seguintes: By Gis and by Saint Charity, Por Jesus e Santa Caridade Alack, and fie for shame! Vão pro diabo os pecados Young men will do't, if they come to't; Os rapazes fazem o que podem By cock, they are to blame. Mas como eles são malhados! Quoth she, before you tumbled me, Disse ela:”Antes de me atracar, You promised me to wed. Você prometer casar”. So would I ha' done, by yonder sun, “Pelo sol, eu o tinha feito An thou hadst not come to my bed. Se não fosses ao meu leito”. Teria sido essa a história de Ofélia e Hamlet? Teria ele descumprido uma promessa de casamento? A canção sugere que sim, indicando uma razão plausível para a loucura da personagem. Outra razão seria a morte do pai, também mencionada na canção de Ofélia: They bore him barefaced on the bier; o puseram no caixão com o rosto descoberto. Hey non nonny, nonny, hey nonny; olelê, olelê, olelê. And in his grave rain'd many a tear:-- Caíram chuvas de lágrimas na campa, Fare you well, my dove! Vai em paz, meu pombinho! (…) And will he not come again? E ele não voltará mais? And will he not come again? E ele não voltará mais? No, no, he is dead: Não, não, ele está morto Go to thy death-bed: Em leito de paz e conforto He never will come again. Não voltará nunca mais. His beard was as white as snow, Tinha a barba branca como a neve All flaxen was his poll: Tinha a cabeça tão leve He is gone, he is gone, Foi embora, foi embora, And we cast away moan: É inútil nosso pranto. God ha' mercy on his soul! Que Deus o proteja, agora 7 And of all Christian souls, I pray God. E para todas as almas cristãs, eu peço a DeusGod be wi' ye. Deus esteja convosco . Nas palavras de Laertes, aqui temos “ thoughts and remembrance fitted”, “pensamentos e recordações se harmonizam”: reunidos, os fragmentos cantados por Ofélia sugerem a causa de sua loucura, dando aos outros personagens e ao próprio público acesso a sua subjetividade. A propósito, a revelação da subjetividade sempre foi associada à poesia lírica. Segundo a persistente concepção romântica, o poema lírico dá voz a um eu solitário, 7 As traduções das letras de canções cantadas por Ofélia são de Millor Fernandes, 1999, p. 101-103, 106-107. 7 entregue à meditação ou à comunicação com um ouvinte não identificado. A associação entre letra e melodia persiste mesmo quando, a partir de 1400, poesia e música passam a distanciar-se cada vez mais. Na Inglaterra, surgem formas predominantemente melódicas como o madrigal, e diferentes tipos de cânone, entre as quais o glee, o catch e o round, que submetiam à música o elemento verbal. Após a Renascença, malgrado os esforços de autores relativamente recentes como Hopkins (1844- 1889), Swinburne (1837-1909) e Yeats (1865- 1939), a lírica preservou apenas o elemento verbal, tornando mero vestígio sua origem melódica. O rompimento do vínculo entre palavra e música resultou numa nova forma dupla, a poesia lírica nossa conhecida: ela combina as palavras de modo a tornar inseparáveis sua forma oral e escrita. O que então chamamos de musicalidade reduz-se à combinação eufônica do estrato sonoro, que, de qualquer forma, é inseparável da linguagem verbal8. Na obra de Shakespeare, a expressão da subjetividade lírica conduz inevitavelmente a seu ciclo de 154 Sonnets, a respeito dos quais não custa lembrar alguns dados históricos. A série, publicada em 1609 pelo editor Thomas Thorpe — talvez sem permissão do autor— congrega, em miniatura, um traço muito típico de toda a obra de Shakespeare: responde a uma moda contemporânea, mas, ao fazê-lo, remete a temas caros ao poeta, também desenvolvidos nas peças, embora, como um todo, o estilo dos poemas aproxime-se mais dos primeiros textos dramáticos do que dos de sua maturidade. Como algumas peças, vários 8 Para a dupla caracterização da poesia lírica_ a representação da subjetividade e a ênfase no elemento sonoro_ ver dois textos assinados por Marjorie Perloff e Craig Dworkin, publicados na revista PMLA de maio de 2008. Perloff contempla o aspecto fônico da semântica poética, Dworkin, as reverberações semânticas do estrato sonoro. Ao destacar a estruturação sonora inerente à poesia, Perloff lembra que, nessa arte, o nexo interno entre som e sentido, presente em toda linguagem verbal, manifesta-se mais clara e insistentemente. Deixa de ser apenas latente para tornar-se manifesto (p.749). Segundo a autora, o aspecto sonoro da criação poética é relegado a segundo plano pela crítica atual, mais centrada no sentido do que na organização fonêmico-morfêmica dos poemas analisados (p.750). Perloff acrescenta que essa postura tem sido estimulada pela persistente concepção romântica da poesia lírica. A propósito, a pesquisadora observa que a coleção de ensaios denominada “The New Lyric Studies, incluída na revista PMLA de janeiro de 2008, continua aceitando a premissa de que o domínio da lírica é a subjetividade, por mais irônica ou descentrada que possa apresentar-se na poesia de nossos dias. 8 sonetos abordam, além de questões étnicas, a problemática de gênero, envolvida na subjetividade gay. A respeito, o pré- rafaelita Dante Gabriel Rossetti sugeriu em 1882 uma alteração na forma de publicação dos sonetos: o de número CXXVI deveria ser seguido das palavras “Fim da Primeira Parte”. O CXXVII iniciaria a “Segunda Parte”, que terminaria no CLII, restando para os dois últimos o subtítulo “Epílogo à Segunda Parte”. A divisão proposta pareceme perfeita, justificada, do meu ponto de vista, também por coincidir com o tratamento das questões racial e de gênero. Os sonetos I a CXXVI ( a “Primeira Parte” de Rossetti) envolvem a temática homoerótica: a paixão idealizada do autor implícito por um belo cavalheiro. Os da “Segunda Parte” implicam a questão racial, pois detêm-se numa obsessão lasciva por uma jovem morena, apresentada como “negra” em razão de características físicas e morais. Nos dias atuais, a sonoridade melódica dos sonetos é atestada pelas gravações de muitos deles, musicados9. Neste texto, contudo, pretendo apenas focalizar aspectos temáticos que os relacionam com as peças. Em 1609, quando surgiu em letra de forma o ciclo shakespeariano, já declinara a moda de soneteering, representada pelas grandes sequências anteriores, como Astrophel and Stella de Sir Philip Sidney (1580) e os Amoretti de Edmund Spenser (1595). Ao embarcar, um tanto tardiamente, na onda sonetista, Shakespeare talvez cortejasse a respeitabilidade literária, já que, para seus contemporâneos, tal como acontece com as atuais novelas de televisão, criações dramáticas (mesmo a sua, no auge do gênio e da popularidade), não eram consideradas literatura. Isso explica o fato de o dramaturgo, ao contrário do que ocorreu com a produção dramática, ter-se empenhado na publicação de seus poemas narrativos, Vênus e Adonis (Venus and Adonis, 1593) e O Estupro de Lucrécia ( The Rape of Lucrece, 1594). Da perspectiva formal, pode-se dizer que Shakespeare também não inovou, pois adotou o já tradicional soneto inglês, também intitulado shakespeariano. Este diverge do modelo petrarquiano. Em vez de formar dois quartetos e dois tercetos, os quatorze versos do soneto shakespeariano (decassílabos 9 A propósito, cf a gravação do soneto XVIII, musicado, acessadas no endereço http://www.youtube.com/watch?v=m2j3x5hWOrY&NR=1 em fevereiro de 2009: 9 iâmbicos) distribuem-se por três quartetos de rimas cruzadas, arrematados por um dístico, sem intervalo entre as linhas. Do ponto de vista temático, a voz lírica exprime sua subjetividade abordando conflitos amorosos e reflexões sobre a brevidade da vida e da beleza, em oposição à perenidade da arte. Esgotada a edição de 1609, os sonetos voltaram a circular em 1640, republicados por Ben Jonson. Esse outro poeta- dramaturgo, admirador e rival do Bardo, sabia o que fazia. Os Sonetos, quase tanto quanto as peças, desafiam o tempo. Apesar do maneirismo datado, propiciam ainda uma leitura instigante. À sua óbvia beleza e musicalidade, acrescentam a atração de múltiplos enigmas. A quem se dirigem os de número I a CXXVI? A um jovem nobre, patrono de Shakespeare, Henry Wriothesley, terceiro conde de Southampton ? A William Herbert, terceiro conde de Pembroke, último protetor do poeta? E os poetas rivais, mencionados nos sonetos LXXVIII a LXXXVI ? Referem-se a contemporâneos? Nesse caso, quem seriam? Outras interrogações continuam sem resposta. Os dezessete poemas iniciais_ que estimulam o jovem a casar-se, para que sua beleza se perpetue nos descendentes_ representariam uma reação protestante contra o celibato imposto aos padres católicos? Por outro lado, quem se esconderia sob a face da mulher celebrada nos sonetos CXXVII a CXLII? Uma amante de carne e osso, traiçoeira e imprevisível? Uma figura histórica, Lady Penelope Rich ou Anne Hathaway, esposa do poeta? Mary Fitton, dama de honra de Elizabeth I, ou Penelope Devereux, outra dama da rainha? Ou ainda, pelo contrário, não passaria a amada misteriosa, apelidada pela crítica de dark lady, de mera criação literária? Por essa misteriosa dama, a subjetividade lírica manifesta uma paixão com todos os vezos de verdadeira, em seu desencanto cruel. Pois, como explicitam vários dos poemas, a decantada mulher morena, irresistível sem ser bela, está longe de ser fiel, ou mesmo moralmente aceitável. Falsa e promíscua, inclui entre os amantes o rapaz amado pelo eu lírico, objeto dos protestos e louvores contidos nos cento e vinte e seis sonetos iniciais. Arma-se assim uma dupla traição, pela amada e pelo amigo. No soneto XLII, à guisa de consolo, o eu 10 lírico elabora um sofisma delicado, muito próprio da sofisticada filigrana barroca: a traição dupla resultaria do próprio amor que amada e amigo dedicariam a seu cantor: unindo-se, eles amariam um no outro a imagem ali deixada pelo adorador de ambos. Essa triangulação amorosa associa-se à hipótese da homossexualidade, ou bi-sexualidade, da persona poética, e, através dela, do próprio autor empírico, o homem Shakespeare. Será dele a voz que murmura sob o soneto CXLII ? Arrisco uma tradução: That thou hast her it is not all my grief, Não dói só que tu tenhas minha amada And yet it may be said I loved her dearly; Mesmo amando eu a ela com ternura; That she hath thee is of my wailing chief, Dói mais ter ela a ti. A ti ligada, A loss in love that touches me more nearly. Inflige ela a mim perda mais dura. Loving offenders thus I will excuse ye: A dupla traição, entanto, aceito, Thou dost love her, because thou know'st I love her; Pois sei que a amas por amá-la eu, And for my sake even so doth she abuse me, Suffering my friend for my sake to approve her. E ela a ti, por ter-te eu no peito; Foi só por mim que a ti ela se deu. If I lose thee, my loss is my love's gain, Se te perco, ela te ganha a ti. And losing her, my friend hath found that loss; Se a perco, o ganho é todo teu. Both find each other, and I lose both twain, And both for my sake lay on me this cross: But here's the joy; my friend and I are one; Sweet flattery! then she loves but me alone. Um tem ao outro, e eu os dois perdi. Dupla cruz, que o duplo amor me deu. Mas sendo o amado e eu uma só chama, Doce consolo! É a mim que ela ama. Seleciono esse soneto como uma amostra do elemento dramático latente na seqüência. Além das habituais efusões amorosas, dos avanços, recuos, súplicas, queixumes, louvores e censuras típicos do lirismo petrarquiano, os sonetos, ao mesmo tempo que vão se tornando sintaticamente mais complexos, deixam entrever, protagonizado pelos três personagens_ o autor implícito, seu amigo e sua amada_ um enredo, uma história de amor e ódio, atração e repulsa, pontuada de contradições. O eu lírico dilacera-se entre dois amores problemáticos: a paixão homossexual pelo amigo, representado como súmula de dotes incomparáveis, e o desejo mórbido, não menos poderoso, por uma mulher nada admirável. Nem ao menos sendo bela, a dark lady arrasta o 11 amante para um rodamoinho de duvidosos prazeres. No conjunto, mesmo descartada a hipótese da possível referência autobiográfica, os conflitos inscritos na seqüência traem o exercício de uma sensibilidade exacerbada, que confere profundidade aos personagens do triângulo amoroso. Nesse processo, coloca-se um conflito entre orientações sexuais divergentes, debatidas em nossos dias como parte da problemática de gênero. Não cessa aí a relevância dos sonetos para as temáticas atuais. O culto à dama negra, a black mistress do eu lírico, também desencadeia uma discussão sobre o problema racial, já presente na Inglaterra renascentista. Com essa dupla temática, a da homoerotismo e a do racismo, os sonetos podem ser lidos como um eixo irradiador, que remete a outras peças, compostas quase nos mesmos anos e perpassadas pelas mesmas questões. Refiro-me especificamente à já mencionada Antônio e Cleópatra (Antony and Cleopatra, 1607), além de O Mercador de Veneza (The Merchant of Venice, 1596-1598), Noite de Reis ( Twelfth Night, 1602 ) e Otelo (Othello,1603). Nos sonetos, surpreende também algo que só se torna freqüente na arte pop do século XX: a celebração do prosaico, do cotidiano, da imagem que não é privilégio dos bafejados pela fortuna ou pela fama. Nesse sentido, é típico o Soneto CXXX, que traduzo livremente: My mistress´eyes are nothing like the sun; Coral is far more red than her lips´red; Não briha como o sol o olhar da amada; Mais que seus lábios, é rubro o coral; If snow be white why then her breasts are dun; Tem seios que não lembram neve em nada If hairs be wires, black wires grow on her head. Negros cabelos, de arame, em espiral. I have seen roses damasked, red and white, Branca ou rubra, a rosa adamascada But no such roses see I in her cheeks. Não vejo florescer em sua face. And in some perfumes there is more delight E quisera que a brisa almiscarada Than in the breath that from my mistress reeks. Seu hálito de fato perfumasse ! . I love to hear her speak, yet well I know Amo ouvi-la falar. Contudo, sei That music hath a far more pleasing sound; Os sons de sua voz canto não são. I grant I never saw a goddess go; O andar das deusas não presenciei; My mistress, when she walks, treads on the ground. Mas a amada, bem vi, pisa no chão. And yet, by heaven, I think my love as rare Todavia, por Deus, ela supera As any she belied with false compare. Muita musa que bela se quisera. 12 Outro soneto, o CXLI, retoma a mesma temática: também nega à amada os atributos cantados pela lírica renascentista. A dama não se mostra agradável aos olhos do eu lírico, que notam nela “mil defeitos” ( a thousand errors ). Ela também repele a seus outros sentidos. Nem por isso deixa o amante de “amar o que os olhos desprezam” (loves what they despise)”, flagelo” (plague) para o “pecado” (sin) de um “coração desavisado” (foolish heart). Em minha tradução livre: In faith I do not love thee with mine eyes, Em teu rosto meus olhos não se enlevam For they in thee a thousand errors note; Por ver ali, patentes, faltas mil; But 'tis my heart that loves what they despise, O coração é que ama o que desprezam Who, in despite of view, is pleased to dote. Os olhos, e idolatra o que é vil. Nor are mine ears with thy tongue's tune delighted; Tua voz não me encanta quando ouvida; Nor tender feeling, to base touches prone, Teu sentimento só ao mal se inclina, Nor taste, nor smell, desire to be invited Teu cheiro e paladar, nada convida To any sensual feast with thee alone: À festa sensual. É minha sina But my five wits nor my five senses can Ver que, mesmo frustrados, meus sentidos Dissuade one foolish heart from serving thee, Não me fazem deixar de te servir Who leaves unswayed the likeness of a man, Teu escravo e vassalo, inamovidos, Thy proud heart's slave and vassal wretch to be: Prosseguem neste jugo sem porvir. Only my plague thus far I count my gain, Como prêmio, só tenho este contigo: That she that makes me sin awards me pain. Se me fazes pecar, dás o castigo. O soneto evoca um amor conflituoso, inexplicável, por uma mulher desprovida dos encantos celebrados pelos sonneteers. Ademais, como o CXXX, o CXLI assume um cunho metalingüístico. Refugando a fórmula habitual, de irrestrito louvor â beleza física e espiritual da amada, o texto satiriza a gasta lírica renascentista, com suas símiles convencionais, antíteses paralelas e paradoxos forçados. O soneto sugere, enfim, a necessidade de renovação poética, na verdade pouco surpreendente: já na peça Dois Cavalheiros de Verona (Two Gentlemen of Verona, datada de vários anos antes (1598) Shakespeare zomba dos sonetistas e de seus “sonetos lamentosos”. 13 Não é demais repetir: com sua referência a uma mulher comum, de pele escura e cabeleira emaranhada, o soneto CXXX contrasta em tudo com a dama cantada na poesia isabelina: a pudica “fair lady”, de cândidos olhos azuis, nívea pele e cabelos dourados. Encontra-se aí uma temática que os sonetos partilham com Othelo e The Merchant of Venice: a questão racial. Sem ser propriamente negra, a black mistress diverge da beleza nórdica, encarnada na fair lady. Diversamente desta, recebe um tratamento nada lisonjeiro por parte do eu lírico, embora este se confesse dominado por incontrolável paixão. Parcialmente debitada a seu tipo moreno, a falta de beleza da dama é constantemente repisada— a começar pelo soneto CXXVII, primeiro da série a ela dedicada. O poema deixa transparecer a ancestral repulsa européia à pele escura. O soneto CXXXI acrescenta que a dama nem sequer é bela, embora possa parecê-lo a olhos equivocados. Traduzo quatro versos: For well thou know'st to my dear doting heart Bem sabes, meu olhar apaixonado Thou art the fairest and most precious jewel. Te vê qual bela jóia preciosa Yet, in good faith, some say that thee behold, Mas para outros que te têm olhado Thy face hath not the power to make love groan; Tua face de tal poder não gosa. Não que o louvor à mulher morena fosse totalmente estranho à arte renascentista. Subsidiariamente ao culto da dama loura, despontava em poemas isolados certa fascinação pela beleza trigueira. Isso não impedia conotações racistas, que associavam insinuações negativas, de natureza moral, à descrição da pele, dos olhos e do cabelo escuros. Vale lembrar a afirmação de Derrida: ”o racismo é inseparável da linguagem. (...) atos de violência racial (...) têm de corresponder a palavras. [O racismo] institui, declara, escreve, inscreve, prescreve”. 10 Com o vocabulário dos sonetos, a língua inglesa ratifica exemplarmente essa afirmação. Os de número CXXVII a CLII, dedicados à amada morena, jogam todo o tempo com os pares de antônimos, fair e black, fair e dark, fair e foul, traduzíveis como branco, claro, 10 DERRIDA, 1985, p. 329-38, especialmente p. 331. Tradução da autora. . 14 louro, em contraste com preto, escuro, moreno, que descrevem o físico da amada. Os pares de opostos embutem conotações morais. Além de claro e louro, fair tinha o sentido de limpo, puro, imaculado. O antônimo, foul, significando sujo, impuro, imoral, detestável, harmonizava-se com a denotação pejorativa também latente em dark e black. A dubiedade de sentido desses pares de antônimos aflora em vários sonetos. Enxertados de inúmeros trocadilhos, os adjetivos contrastantes sugerem os conflitos do eu lírico, dividido entre seus dois amores. Ao belo jovem cantado nos sonetos I a CXXVI, atribuem-se todas as virtudes, além da beleza física. Justifica-se assim a adoração homoerótica. Pelo contrário, a atração pela black lady inspira sentimentos de culpa, atribuíveis à perversidade, que o eu lírico liga aos traços negróides da amada. O autor implícito acusa a dama de ser falsa, mentirosa, sádica, chantagista, imprevisível, e também de traí-lo sem cessar, e não apenas com o jovem louro. A black mistress chega a encorajar atenções de outros amantes na presença de seu adorador, que, em contrapartida, mistura a seus queixumes repetidas referências à pele escura da traidora. A brancura do jovem louro, pelo contrário, é enfaticamente ligada a uma suposta superioridade moral. Julgue o leitor as ressonâncias racistas do soneto CXLIV, que, na tradução de Ivo Barroso, compara os dois seres amados pela persona lírica: Two loves I have of comfort and despair, Dois amores _ de paz e desespero Which like two spirits do suggest me still: Eu tenho que me inspiram noite e dia: The better angel is a man right fair, Meu anjo bom é um homem puro e vero; The worser spirit a woman coloured ill. O mau, uma mulher de tez sombria. To win me soon to hell, my female evil, Para levar a tentação a cabo, Tempteth my better angel from my side, O feminino atrai meu anjo e vive And would corrupt my saint to be a devil, A querer transformá-lo em diabo, Wooing his purity with her foul pride. Tentando-lhe a pureza com a lascívia. And whether that my angel be turned fiend, Se há de meu anjo corromper-se em demo Suspect I may, yet not directly tell; Suspeito apenas, sem dizer que seja; But being both from me, both to each friend, Mas sendo ambos tão meus, e amigos, temo I I guess one angel in another's hell: Que o anjo no fogo já do outro esteja. Yet this shall I ne'er know, but live in doubt, Nunca sabê-lo, embora desconfie, Till my bad angel fire my good one out. Até que o meu anjo contagie. 15 Reverberam aqui ecos da tradição misógina e racista que atribui à mulher morena maior sensualidade, e, portanto, maior capacidade de sedução, paralela à superior potência sexual creditada ao homem negro por ideologia semelhante. Insinua-se também uma referência velada ao mito da insaciabilidade sexual da mulher. Comum nas sociedades patriarcais, o mito se atrela ao temor de que a sexualidade feminina constitua uma ameaça à ordem estabelecida: em função de um insaciável apetite , toda mulher seria uma devoradora do homem, ansiaria por mantê-lo sob seu jugo, qual Ulisses retido por Circe em sua ilha. O feixe de associações negativas explica os termos nada lisonjeiros dirigidos à dama no soneto CXXXV, pontilhado de trocadilhos obscenos em torno de vários sentidos do termo Will. A palavra pode ser o diminutivo de William (primeiro nome de Shakespeare), mas também, na gíria da época, significa “vagina”, “pênis” ou simplesmente “desejo sexual”. O soneto exorta a dama a não invejar outras mulheres. Ela deveria contentar-se com sua nefasta atração, que garantiria, mais que a qualquer outra, a satisfação de sua luxúria. Embutindo os trocadilhos centrados em “Will”, os versos iniciais, traduzidos por mim, bastam para indicar o tom do texto: Whoever hath her wish, thou has thy Will Se outras têm desejo, tu tens Will And will to boot, and Will in over-plus Will e mais Will, e Will em abundância ... Na mesma linha, o soneto CXXXVII praticamente equipara a dark lady a uma prostituta: refere-se a ela como enseada (bay) ou espaço público (common) accessível a todos os homens. Numa época impregnada pela associação entre sexualidade e pecado, a paixão por tal mulher certamente bastaria para inspirar no eu lírico o sentimento de culpa tantas vezes reiterado. Entretanto, a postura racista é salientada pelo fato de que, embora fruto de uma atração homoerótica, já estigmatizada na Renascença cristã, o amor do eu lírico pelo jovem não parece inspirar remorso _ provavelmente por ser ele claro, louro, ou fair, que também significava puro, virtuoso,. A luta entre os dois amores tornase uma guerra entre o céu e o inferno, o espírito e a carne— com o triunfo da última, nos sonetos CXXX e CLI. Em outras palavras, a adoração ao jovem louro equivale a “amor verdadeiro”. A atração pela mulher morena não passa 16 de “lascívia pecaminosa”. O tom de condenação moral é explicitado em CXLVII, com o trocadilho que nem tento traduzir, centrado na palavra fair: I have sworn thee fair, and thought thee bright Jurei que eras bela, achei-te até pura, Who art as black as hell, as dark as night. Tu, negra como inferno, e, como a noite, escura. 11 Apesar dos paradoxos e sofismas que algumas vezes matizam esse julgamento, o eu lírico, sob o efeito de uma paixão doentia (comparada a uma febre no soneto CXLVII) raramente deixa de condenar a amada. Uma exceção é o soneto XXXII, que inverte o julgamento negativo. O jogo de paradoxos, habitual na poesia eufuística, serve à atribuição do adjetivo fair ( pura, branca), à dama negra, tornando-se foul (vis) os que não têm a sua cor. Traduzo: Then will I swear beauty herself is black A própria beleza negra se fez And all they foul that thy complexion lack. São vis os que não têm a tua tez. No louvor à beleza negra, esse soneto destoa de todos os demais. Contudo, de certa forma, ele reitera a caracterização da protagonista de Antônio e Cleópatra. Como sucede com a dama dos sonetos, a rainha egípcia é na peça tão sedutora quanto traiçoeira e imprevisível_ sendo essa a fonte paradoxal de seu inexcedível encanto. Tais contradições não se aplicam ao jovem louro. Virtualmente todos os sonetos da primeira parte da sequência cantam-lhe as virtudes, além da beleza. Por outro lado, a emoção patente, as referências a incidentes amorosos, a dores por ausências e infidelidades mútuas, evidenciam o caráter homoerótico dos versos. Shakespeare não foge, pois, ao tratamento da questão gay, só abertamente debatida após as revoluções culturais do século XX. Ao leitor, fica a pergunta: como podem os sonetos expressar emoção tão eloqüente, sem uma base real? Tratar-se-ia de uma atração platônica, não consumada ? As barreiras (impediments) mencionados no 11 A propósito do racismo implícito nesses sonetos, cf também meu trabalho Shakespeare´s Sonnets: A Case of Non-Translation, 2002. 17 soneto CXVI referem-se apenas à interdição social contra a homossexualidade? Ou, como querem alguns, o autor simplesmente versaria um tema convencional na poesia da época? Volto a traduzir livremente: (Let me not to the marriage of true minds Que não haja barreiras à união Admit impediments. Love is not love De almas fiéis. Não é amor o amor Which alters when it alteration finds Que as mudanças e o tempo alterarão Or bends with the remover to remove: Ou, na luta, se curva ao opressor. O, no! it is an ever-fixed mark, Oh, não! É um alvo eterno, inamovível That looks on tempests and is never shaken; Que enfrenta tempestades sem tremer. Love's not Time's fool, though rosy lips and cheeks Foge à foice do tempo, muito embora Within his bending sickle's compass come; It is the star to every wandering bark, Este roube a beleza à face rubra; Estrela- guia na procela horrível Whose worth's unknown, although his height be taken. Lá no alto, conserva seu poder. Love alters not with his brief hours and weeks, Não se prende o amor à breve hora But bears it out even to the edge of doom. Até que chegue a morte e o descubra. If this be error and upon me proved, I never writ, nor no man ever loved. Se estou errado, e isso for provado, Nunca escrevi, nem ningúem foi amado. A leitura tradicional desse soneto_ como hino de louvor a um amor ideal e eterno_ pode ser ampliada, ou mesmo questionada. Na verdade, os sonetos próximos do CXVI insistem em deplorar as infidelidades de ambos os amantes, bem como as ciladas armadas para os olhos do corpo e da alma. Nesse contexto, o amor se projeta como uma estrela-guia para a superação de todos os obstáculos, inclusive, suponho, os enfrentados por amantes do mesmo sexo. A esse respeito, o XX dissipa todas as dúvidas. Claramente misógino e homoerótico, não poderia ser mais explícito: proclama que a natureza, prodigalizando ao amado a beleza da mulher, poupou-lhe os defeitos do caráter feminino. Tão belo resultou o objeto criado, que despertou a paixão de sua criadora. Para consumar esse amor, a natureza, apresentada como mulher, dotou sua criatura de certo detalhe anatômico. Sendo assim, só mulheres podem usufruir plenamente do físico do amado. Ao eu lírico, que é 18 homem, resta valorizar o amor espiritual e contentar-se com ele. Não custa conferir o texto, confrontando minha tradução e o original: A woman's face with nature's own hand painted, Tens de mulher o rosto, obra prima Hast thou, the master mistress of my passion; Da natureza, meu senhor/senhora; A woman's gentle heart, but not acquainted Da mulher, deu-te a ternura fina With shifting change, as is false women's fashion: Sem o vício que nela se deplora. An eye more bright than theirs, less false in rolling Teus olhos brilham mais, e mentem menos Gilding the object whereupon it gazeth; A man in hue all hues in his controlling, Ao pousar, puro ouro, em outro olhar. Homem nos atos, mesmo os mais pequenos, Which steals men's eyes and women's souls amazeth. Sabes mulher e homem fascinar. And for a woman wert thou first created; Ao te criar mulher, a natureza Till Nature, as she wrought thee, fell a-doting, Por ti se apaixonou, e acrescentou And by addition me of thee defeated, A teu corpo um detalhe, com certeza By adding one thing to my purpose nothing. Útil a ela, mas que a mim frustrou. But since she prick'd thee out for women's pleasure, Às mulheres, portanto, dás prazer. Mine be thy love and thy love's use their treasure. Quanto a mim, basta o amor que me hás de ter. Clara declaração de paixão de um homem por outro, o poema reitera o louvor a um amor alegadamente altruísta, que, em sua renúncia, beira ao masoquismo. Pode-se questionar a natureza autobiográfica desses versos. Mas seria difícil negar que seu homoerotismo, como o racismo latente, repete-se na criação dramática, da qual seleciono e traduzo pequenos trechos abaixo. Nesse sentido, os Sonetos podem ser lidos como ponte entre o lirismo de Shakespeare e suas peças. A propósito, destaca-se O Mercador de Veneza, que simultaneamente evidencia a dramatização tanto do homoerotismo quanto do racismo. O primeiro verso do texto contém a famosa declaração de Antônio: In sooth I know not why I am so sad (Na verdade, não sei por que estou tão triste) . A misteriosa tristeza proclamada pela personagem pode ser atribuída à frustração de ver o idolatrado amigo Bassanio prestes a disputar a mão da bela e rica Pórcia. Entretanto, Bassânio parece retribuir o amor de 19 Antônio, pois, já casado, afirma amá-lo tanto quanto à esposa e à própria vida. Traduzo suas palavras em IV, I, 279-82: Antonio, I am married to a wife Antonio, desposei uma mulher Which is as dear to me as life itself; A quem amo como à própria vida; But life itself, my wife, and all the world, Mas vida, esposa, o mundo inteiro 12 Are not with me esteem'd above thy life: Não valem para mim mais que tu mesmo… Além de sua discreta representação do homoerotismo13_ a peça se destaca como uma contundente dramatização de racismo. Traduzo a queixa do usurário Shylock a respeito dos insultos gratuitos recebidos pela simples razão de sua condição de judeu: You call me misbeliever, cut-throat dog, Chamam-me de infiel, cão circuncidado, And spit upon my Jewish gaberdine, Escarram sobre os meus trajes judeus ( I,iii) O racismo aflora também na velada repulsa de Pórcia pelo príncipe de Marrocos. Em palavras dirigidas a sua dama de companhia, a herdeira se regozija ao ver que, não tendo acertado na escolha do cofre contendo seu retrato, o pretendente negro fica obrigado a renunciar à pretensão de desposála. Eis o comentário da jovem: Let all of his complexion choose me so. Que todos da sua cor façam a mesma escolha! (II vii ) Seria fácil ampliar esta discussão sobre o racismo, que lembra a caracterização da dama negra dos Sonetos. Poderíamos também passar à análise do mesmo 12 Tradução da autora.Sobre a questão da homosexualidade em The Merchant of Venice e outros textos, ver BAKER, Deborah and KAMPS, Ivo. 1995, History, p. 1-21. Também, na mesma obra, BELSEY, Catherine. Love in Venice, p. 196-213. Sobre o homoerotismo entre Antonio e Sebastian, ver PEQUIGNEY, Joseph, 1995, p. 178-195. 13 O laço homossexual parece ainda mais claro no relacionamento de Sebastian com outro Antonio, em Twelfth Night ( Noite de Reis). 20 tema em Otelo, o que, contudo, estenderia este ensaio além do razoável. Da copiosa bibliografia sobre o assunto, limito-me a destacar dois trabalhos, indicados na bibliografia abaixo . Para finalizar, gostaria de retomar observações feitas ao longo deste texto: no triângulo amoroso que articula os Sonetos é possível detectar elementos dramáticos. Em contrapartida, as peças não raro apresentam textos onde o lírico rivaliza com o dramático. É ainda em O Mercador de Veneza que encontro uma ilustração bastante clara. Em V, i.,vencidas as dificuldades para a realização de seu casamento interracial, a judia Jéssica mantém um terno diálogo com Lorenzo, seu marido cristão. O local não poderia ser mais propício ao lirismo: o jardim enluarado em frente à casa de Pórcia, no reino encantado de Belmont. Em suas falas, os recém-casados recapitulam as histórias de pares de amantes da literatura clássica: Troilus e Créssida, Príamo e Tisbe, Eneas e Dido, Jasão e Medéa. Encerrando o diálogo, entrecortado de ternos gracejos, o casal rememora o desfecho feliz de seu próprio trajeto amoroso. Traduzo: LORENZO. In such a night Numa noite assim Did Jessica steal from the wealthy Jew, Jéssica deixou furtivamente o rico judeu And with an unthrift love did run from Venice E com um amor perdulário fugiu de Veneza As far as Belmont. Para Belmont. JESSICA. In such a night Numa noite assim Did young Lorenzo swear he lov'd her well, O jovem Lorenzo jurou que a amava muito, Stealing her soul with many vows of faith, Seduzindo-a com juras de fiel amor, And ne'er a true one. Todas elas falsas. LORENZO. In such a night Numa noite assim Did pretty Jessica, like a little shrew, Tal qual uma bruxinha, a linda Jéssica, Slander her love, and he forgave it her. Caluniou seu amor, e ele a perdoou. Interrompido pela chegada do criado Stéfano, o breve duelo verbal basta para tingir de lirismo essa cena, já impregnada de infalíveis imagens poéticas, o jardim perfumado e o brilho do luar. A platéia é conduzida à subjetividade dos amorosos, para reviver com eles sua história de amor. Por seu incomparável lirismo destaco também a fala do protagonista de Rei Lear (King Lear) em V, iii. Perdida a batalha que poderia devolver-lhe o trono, o rei é condenado à prisão juntamente com sua caçula, a piedosa Cordélia, antes injustiçada pelo pai. Ao lado da filha, Lear não lamenta a condição de 21 prisioneiro. Pelo contrário, sonha com o cárcere como espaço abençoado onde ele e Cordélia poderão gozar dos prazeres simples, esquecidos nos palácios. Da senilidade, o velho rei exibe apenas uma espécie de meninice, transfigurada em poesia. Em seu devaneio, vê-se outra vez menino, amante de contos antigos. Imagina-se criança, correndo “atrás das asas ligeiras” de borboletas coloridas, como a persona poética de nosso Casimiro de Abreu, cantor da infância14. Poucos textos, na poesia ou no drama, parecem-me rivalizar em lirismo com este extravasamento emotivo do velho rei, que traduzo: Come, let's away to prison: Vem, vamos embora para a prisão. We two alone will sing like birds i' the cage: A sós, cantaremos como pássaros na gaiola. When thou dost ask me blessing, I'll kneel down, Quando me pedires a benção, por-me-ei de joelhos And ask of thee forgiveness: so we'll live, E te pedirei perdão; assim vamos viver, And pray, and sing, and tell old tales, and laugh E orar, e cantar, e contar velhas histórias, sorrir At gilded butterflies, and hear poor rogues Ás borboletas douradas, e ouvir essa gente boba Talk of court news; and we'll talk with them too, Dar notícias da corte; conversaremos com eles Who loses and who wins; who's in, who's out; Sobre quem perde ou ganha; goza ou perde favores; And take upon's the mystery of things, Assumiremos o mistério das coisas, As if we were God's spies: and we'll wear out, Como espiões de Deus; e, lá dentro da prisão In a wall'd prison, packs and sects of great ones, Sobreviveremos às turbas e grupos de poderosos, That ebb and flow by the moon. Que vem e vão como a maré ao luar. Nesse momento, Lear parece encarnar toda a humanidade, que, a seus olhos, precisa re-aprender a rezar, e, como a criança, aconchegar-se na intimidade do amor. Longe dos jogos de poder, na abençoada prisão imaginada pelo rei, 14 Para o leitor brasileiro, a fala de Lear soa como um prenúncio dos versos de Casimiro de Abreu em “Meus oito anos”: Livre filho das montanhas, Eu ia bem satisfeito, Da camisa aberta o peito, — Pés descalços, braços nus — Correndo pelas campinas A roda das cachoeiras, Atrás das asas ligeiras Das borboletas azuis! 22 há espaço e tempo para o comércio com o divino e a reflexão sobre o “mistério das coisas”. Um lirismo igualmente tocante reveste a fala de Gertrude em Hamlet IV, vii, quando a rainha narra a Laerte a morte de sua irmã Ofélia. Na tradução de Millôr Fernandes: There is a willow grows aslant a brook, Há um salgueiro que cresce inclinado no riacho That shows his hoar leaves in the glassy stream; Refletindo suas folhas de prata no espelho das águas; There with fantastic garlands did she come Ela foi até lá com estranhas grinaldas Of crow-flowers, nettles, daisies, and long purples De botões-de-ouro, urtigas, margaridas, That liberal shepherds give a grosser name, E compridas orquídeas encarnadas, But our cold maids do dead men's fingers call them: Que nossas castas donzelas chamam dedos de , defuntos, There, on the pendent boughs her coronet weeds E a que pastores, vulgares, dão nome mais grosseiro. Clambering to hang, an envious sliver broke; Quando ela tentava subir nos galhos inclinados, When down her weedy trophies and herself Para ir pendurar as coroas de flores, Fell in the weeping brook. Her clothes spread wide; Um ramo invejoso se quebrou; And, mermaid-like, awhile they bore her up: Ela e seus troféus floridos, ambos, Which time she chanted snatches of old tunes; Despencaram juntos no arroio soluçante. As one incapable of her own distress, Suas roupas inflaram e, como sereia, Or like a creature native and indued A mantiveram boiando certo tempo; Unto that element: but long it could not be Enquanto isso ela cantava fragmentos de velhas canções, Till that her garments, heavy with their drink, Inconsciente da própria desgraça Pull'd the poor wretch from her melodious lay Como criatura nativa desse meio To muddy death. Criada pra viver nesse elemento. Mas não demoraria pra que suas roupas Pesadas pela água que a encharcava, Arrastassem a infortunada do seu canto suave À morte lamacenta (p. 115-116) A musicalidade do texto é testemunhada por sua utilização em letras de canções, como na gravação acessada por mim em 27/02/2009, no www.youtube15 15 Anne-Sofie von Otter sings Songs to Words by William Shakespeare, Op 31. 23 Incrustado num diálogo, o texto shakespeariano é simultaneamente descritivo e narrativo, lembrando a interação de gêneros mencionada por David Lindley, citada na nota 1, acima. A fala de Gertrude inclui elementos geralmente associados ao lirismo: sonoridade melodiosa, riqueza de expressividade sensória e de efusão emotiva16. Pontilhada de ricas imagens visuais, que inspiraram obras de arte como a Ophelia (1851-52) de John Everett Millais, a descrição revela uma terna empatia com a jovem morta, e, indiretamente, a subjetividade compassiva da rainha. Contribui, assim, para a caracterização da mãe de Hamlet e para redimi-la das faltas que, propositadamente ou não, cometeu contra o filho e o marido assassinado. Uma vez mais, a criação shakespeariana celebra um enlace feliz entre lirismo e criação dramática. Relembra, assim a imbricação de gêneros hoje apontada como típica da criação pós-moderna. Por isso, como pela fusão do erudito e do popular, testemunhada, entre outros traços, por certas canções em suas peças, não será demais concluir que a criação shakespeariana projeta-se como sempre já pós-moderna. 24 BIBLIOGRAFIA ABRAMS, M. H. A Glossary of Literary Terms. 6th edition. Fort Worth: Harcourt Brace College Pub., 1993. BAKER, Deobrah and KAMPS, Ivo. Shakespeare and Gender: An Introduction. BARKER, Debora E. and KAMPS, Ivo( eds). Shakespeare and Gender. A History. London and New York: Verso, 1995, p. 1-21. BARROSO, Ivo. William Shakespeare. 30 Sonetos. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1991, edição revisada. 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O, if in black my lady's brows be deckt, It mourns that painting and usurping hair Should ravish doters with a false aspect; And therefore is she born to make black fair. Her favour turns the fashion of the days; For native blood is counted painting now; And therefore red that would avoid dispraise Paints itself black, to imitate her brow. 26 27 28