Bem vindos à 'Era do Espírito' que traz conhecimento sobre temas na
fronteira entre Ciência e Espiritismo.
Livro III - O Que Acontece Quando Morremos (Dr. Sam Parnia)
"Of course it is happening inside your head, Harry, but why on earth should that
mean that it is not real?" J. K. Rowling, em "Harry Potter and the Deathly Hallows"
O Dr. Sam Parnia é conhecido pesquisador da área médica, especialista em
cardiologia, com uma grande virtude: tem interesse declarado pelas ocorrências de
'experiências de quase morte' (EQM ou NDE - ver vocabulário abaixo para os
termos comumente usados em inglês). Em seu livro 'O que acontece quando
morremos - Um estudo sobre a vida após a morte', ele nos fornece um relato
interessante de suas primeiras pesquisas no fascinante mundo das experiências de
quem esteve a um passo de se encontrar com a 'morte', mas voltou para nos contar
como
é.
Embora o subtítulo sugestivo da edição em português 'um estudo sobre a vida após
a morte', o livro é, em essência, uma introdução ao tema discorrendo de forma
paralela como um relato em primeira pessoa do interesse do autor pelo assunto. A
'vida após a morte' aqui é uma referência ao curto estado em que passam
determinados pacientes em coma profundo que descreveram posteriormente
NDEs. Do ponto de vista espírita, uma EQM é um evento de desdobramento
espontâneo causado pela parada cardíaca que revela de forma independente a
natureza dual do ser humano.
Divisão de capítulos
O livro está dividido nos seguintes capítulos: 1 - Experiências de quase morte: da
antiguidade aos dias atuais; 2 - Organizando o estudo de Southampton; 3 - Como é
morrer?; 4 - Paradoxo científico; 5 - Compreendendo a mente, o cérebro e a
consciência; 6 - Os ingredientes da vida; 7 - Isso é real; 8 - A Horizon; 9 Implicações para o futuro.
Faremos alguns comentários breves sobre alguns capítulos, enfatizando o que
acreditamos ser mais relevante no que é apresentado pelo Dr. Parnia. O Capítulo 1
é, na verdade, uma introdução ao assunto, revelando que, desde cedo
(adolescência), o autor teve grande interesse pelas questões relacionadas a
"tanatologia". Há poucos relatos de NDE em 'casos da antiguidade' conforme
relatado no Capítulo, exceto por uma citação de Platão (*). Os exemplos históricos
de eventos de NDE fornecidos são muito mais recentes. Mas o Capítulo 1 não deixa
de ser interessante, pois o autor faz um resumo das teorias existentes para explicar
as NDEs. Antes disso, convém apresentamos grosso modo uma visão cética sobre o
assunto:
Todas as sensações de espiritualidade que sentimos ocorrem na mente. Os
cientistas já provaram esse fato, e afirmam que isso tudo não passa de reações
químicas, falta de oxigênio ou qualquer outro distúrbio mental que provoca
alucinações, sensações de expansão da consciência, e outras variedades dos
chamados " fenômenos espirituais; sendo assim, a viagem para fora do corpo
poderia ser explicada como um fenômeno mental....também! (ver Blog 'Crônicas
do Frank')
Para essa crítica, 'todas as sensações de espiritualidade que sentimos ocorrem na
mente'. As sensações "reais", ocorrem onde? Para muitos que não conseguem se
aprofundar na questão, elas ocorrem no mundo externo... Para sabermos se os
cientistas "estão realmente provando isso" convém consultarmos Parnia. Ele
relaciona nos seguintes grupos as explicações chamadas 'ortodoxas' para o
fenômeno:

Teoria das alucinações;

Teoria do cérebro moribundo (depleção de oxigênio);

Teoria do dióxido de carbono;

Teoria das drogas (e seus efeitos);

Teoria dos receptores químicos do cérebro;

Teoria das NDEs como epilepsia do lobo temporal;

Teorias psicológicas;
Se existisse qualquer consenso aceito para o fenômeno, então não haveriam tantas
explicações propostas. O conjunto de 'explicações não ortodoxas' (na verdade só
existe uma) é chamada por Parnia de 'teorias transcendentais'. Trata-se daquela
que postula a continuidade da vida após a morte e que explica as NDEs como
relatos de experiências reais passadas pelo indivíduo (NDEr). Das explicações
acima, a mais aceita nos meios acadêmicos (e que constantemente se vê colocada
como uma 'explicação' para os fenômenos pela grande mídia) é a 'teoria do cérebro
moribundo' que supostamente explica a NDE como efeito de falta de oxigênio.
Entretanto, Parnia vai a fundo na questão e pondera:
Do ponto de vista médico, a falta de oxigênio é um problema corriqueiro num
hospital. Muitos médicos operando em emergência deparam com o problema
frequentemente, particularmente com pacientes cujos pulmões ou corações não
estão funcionando muito bem, por exemplo, em casos de asma ou falência
cardíaca. Cuidei de mais de 100 pacientes com falta de oxigênio. Quando os níveis
caem, os pacientes ficam confusos e bastante agitados. Esse 'estado agudo de
confusão', como é conhecido na medicina, é muito diferente da experiência de
quase morte. (Parnia, 2008, p. 44)
Parnia argumenta que as 'teorias químicas do cérebro' (todas baseadas em alguma
modificação severa nos níveis de substâncias presentes no tecido cerebral, seja
oxigênio, drogas, receptores químicos etc) não são boas explicações porque elas não
preveêm as condições em que os NDE ocorrem. Em outras palavras, eventos de
NDE não são observados costumeiramente quando essas condições estão
presentes. Experiências de quase morte são eventos singulares, únicos,
imprevisíveis, mas com estatística de ocorrência alarmante para serem
desprezados. De nossa parte nos perguntamos: será que isso demonstra que os
NDE não são produzidos apenas a partir de condições endógenas (e. g. parada
cardíaca etc) mas também exigem fatores externos (independentes do indivíduo)
para acontecer? Isso certamente explicaria a aleatoriedade dos eventos.
Quanto as 'teorias psicológicas', elas se aglomeram em torno da tese de que as
experiências seriam supostamente produzidas pela mente como resposta a uma
situação potencialmente traumática. Para lidar com a situação, o cérebro
supostamente inventa toda cadeia de eventos relatados pelos paciente que passa
por uma NDE. Parnia chama a atenção que muitas teorias simplesmente partem do
pressuposto de que os relatos são invenções e alucinações, descartando anomalias
observadas durante as ocorrências.
O Capítulo 2 (Organizando o estudo de Southampton) é uma descrição algo irônica
das dificuldades de se estudar esse tipo de fenômeno na prática. Nesse capítulo,
Parnia descreve com humor sua tentativa frustada de iniciar um estudo das EQM
por meio de cartazes fixados em salas de UTI no hospital de Southampton. A ideia é
que, se as visões de NDErs forem reais (no sentido de se referirem a eventos
externos), eles seriam capazes de ver e descrever posteriormente o que está escrito
nesses cartazes, fixados de forma que os dizeres estavam voltados para o teto. A
narrativa de Parnia mostra que um estudo considerado minimamente 'científico'
exige tratar fatores que vão muito além daqueles que se tem quando se manipula
coisas simples de laboratório. Esse é mais um exemplo que mostra que a chamada
'metodologia científica', se exportada sem modificações e cuidados a partir de
fenômenos simples, nunca irá funcionar de forma satisfatória. A cada fenômeno,
um método.
Relatos infantis de EQMs
No Capítulo 4 (paradoxo científico), Parnia descreve vários relatos de crianças (com
idade que pode chegar a 6 meses de vida) que passaram por experiências de quase
morte. Esses são, para mim, os relatos mais impressionantes. Em muitos desenhos
feitos posteriormente, é possível ver que a criança reproduz a situação de se ver a si
própria fora do corpo, em outro corpo e de se encontrar com outros seres ou
pessoas, gente 'morta' como elas mesmo relatam posteriormente.
Desenho infantil como um relato de uma EQM. É possível ver como a criança se vê,
estendida sobre a mesa e flutuando acima dela. Fonte: HubPages.
No que consiste esse 'paradoxo científico' ? O Dr. Richard Mansfield, colega de
Parnia, nos conta um caso de um paciente que sofreu parada cardíaca por mais de
20 minutos e permaneceu por 15 minutos totalmente sem assistência de
ressuscitação. Segundo Mansfield:
Quando o vi, ele me contou que tinha visto tudo de cima e descreveu em detalhes
absolutamente tudo o que aconteceu. Disse tudo o que eu tinha dito e feito, como
checar seu pulso, decidir parar com a ressuscitação, sair do quarto, voltar depois,
olhar para ele, checar novamente seu pulso e não recomeçar o processo de
ressuscitação. Ele contou todos os detalhes de forma correta e precisa, o que era
impossível, uma vez que não apenas ele estava sob parada cardíaca, e não
possuía pulso durante a parada, mas sequer estava sendo ressuscitado por cerca
de 15 minutos depois. O que ele me contou realmente me arrepiou, e até hoje eu
nunca havia contado a ninguém porque sabia que não conseguiria
explicar... (Parnia, 2008, p. 103)
De outra forma, se a consciência é produto da atividade cerebral, como pode
alguém ficar privado de oxigênio por quase meia hora e se lembrar de detalhes
durante o ocorrido? Se a consciência é simples produto de atividade de circuitos
neuronais, como alguém pode ter consciência perfeita de acontecimento quando
seus circuitos neuronais sequer tem energia para cumprir os processos primitivos
de controle metabólico? O paradoxo está na consciência anômala adquirida pelo
paciente quando da parada cardíaca, consciência que se manifesta inclusive como
total ciência, visão e audição dos eventos ao redor, produzindo informação
verificável. Portanto, na medida que se consideram muitos detalhes nos eventos de
EQM (ou seja, que se estude a fundo esses fenômenos), descobre-se que elas não
são meras alucinações ou invenções do cérebro.
O Capítulo 5 (Compreendendo a mente, o cérebro e a consciência) é uma
introdução ao conhecimento presente sobre as teorias de funcionamento do cérebro
e da mente. O estilo de Parnia é bastante livre e ele consegue passar de uma
descrição autobiográfica para técnica em poucas linhas. Nesse capítulo, o autor
discorre sobre limitações das teorias convencionais do cérebro e adentra no campo
da filosofia e de física quântica, esta última entendida como explicação não
convencional. O Capítulo 6 (Os ingredientes da Vida) é uma extensão do capítulo
anterior e o autor descreve alguns fundamentos de física quântica que ele entende
serem importantes para tentar responder às questões fundamentais. Na verdade,
esse capítulo descreve que o que entendemos como 'matéria' não é algo tão material
ou 'duro' como se pode pensar e que é possível, portanto, que no nível mais
elementar, a mente seja formada por outro tipo de coisa.
A realidade
No Capítulo 7 (Isso é real?), Parnia se propõe a discutir métodos ou meios pelos
quais seria possível separar uma experiência real de algo imaginário. A maior
novidade na discussão são as propostas de metodologias baseadas em imagens
de tomografia que permitem observar em tempo real as áreas que são ativadas no
cérebro quando um indivíduo está realizando uma atividade ou simplesmente
pensando em algo. Como vimos, a maior parte das teorias ortodoxas para as NDEs
parte da hipótese de que as experiências não são reais, mas alucinações. Segundo
Parnia:
Isso é uma maneira bem simplista de se olhar um assunto complexo que precisa
de mais esclarecimentos e explicações. O que muitos que apoiam este argumento
não mencionam é que exatamente as áreas do cérebro envolvidas com alucinações
estão igualmente envolvidas com muitas das experiências 'reais' e 'normais' e
emoções como o amor, ódio etc. Por conseguinte, simplesmente identificar essas
áreas do cérebro como aquelas envolvidas em EQM não pode nos dizer se são
experiências reais ou alucinações. (Parnia, 2008, p. 166)
De outra forma: exames de tomografia do cérebro não permitem que se diferencie
experiências 'privadas' das experiências 'públicas'. Os circuitos neuronais envolvido
na atividade de se contemplar uma lâmpada acesa são os mesmos de simplesmente
imaginar ver uma cena com essa lâmpada acesa. Não parecem existir bases em
mapeamento neuronal suficientemente seguras para se caracterizar determinadas
experiências como alucinações ou experiências reais. Isso complica bastante
métodos laboratoriais de pesquisa no assunto, já que não é possível diferenciar um
caso de outro e todo o assunto, por essa via, parece muito complexo. Mais uma vez
estamos diante de um objeto de estudo que escapa aos métodos presentes de
pesquisa considerados científicos.
A Horizon (Capítulo 8) é uma fundação criada por Parnia que tem como objetivo
apoiar estudos na área de EQM. De certa forma, essa foi a solução encontrada pelo
autor para dar vazão à pesquisa na área, ainda incipiente ou pouco tolerada pelo
meio acadêmico convencional. Há vários projetos em andamento e é bom sempre
verificarmos esse link para sabermos das novidades na fascinante área da pesquisa
das experiências de quase morte.
Finalmente, no último capítulo (9 -Implicações para o futuro), Parnia faz um
resumo do que apresentou anteriormente, traça planos para o futuro e discute as
consequências para a humanidade de uma aceitação global do pós-vida a partir de
evidências fornecidas pelas EQMs. Não seria apenas uma nova ciência, mas uma
revolução como nunca antes vista:
Isto levaria a um estudo objetivo do que comumente é considerado assunto
religioso e filosófico e, portanto, terminando muitos desacordos e levando, por
conseguinte, a uma sociedade muito mais tolerante. Da mesma forma que a
ciência revolucionou nossa compreensão do mundo externo, ela também poderia
revolucionar nosso entendimento do mundo subjetivo dentro de nós.
De certa forma, isso já está acontecendo. Em síntese, o livro de Parnia é bastante
elucidativo, trazendo discussões e contra argumentos ao ponto de vista cético
padrão de considerar as EQM como meras alucinações. Certamente, as experiências
de quase morte são uma via alternativa através da qual podemos acessar parte da
realidade maior em que estamos envolvidos. Para a imensa maioria dos que
passaram por essa experiência, hoje não há mais dúvidas: elas existem e são reais.
(*) A citação está no livro 'A República', Livro X, última parte onde Platão narra a
fábula de Er. Parnia não fornece a referência completa. Ver o blog Rotas Filosóficas.
Dados sobre o livro
O que acontece quando morremos - Um estudo sobre a Vida após a Morte.
Autor: Sam Parnia (2008).
Ed. nacional com tradução de Emanuel Mendes Rodrigues.
ISBN: 978-85-7635-360-7
Número de páginas: 246.
Editora Larrouse, São Paulo, SP.
Vocabulário
NDE (inglês) - 'Near Death Experiences' ou experiências de quase morte (EQM em
português) são relatos de vítimas de coma ou 'instâncias de quase morte' (em geral
sobreviventes de paradas cardíacas) que mantem entre si determinadas
características comuns. Dentre as mais marcantes está a de separação do
corpo, sensação de grande paz, presença de pessoas já falecidas, visualização de
uma luz ou tunel de onde retornam para continuar a presente existência. A
experiência é descrita como não traumática e de grande impacto na vida do
paciente.
NDEr (inglês): É o indivíduo que passa por uma EQM.
Alguns
artigos
de
(ver www.horizonresearch.org)
Parnia
e
colaboradores
Parnia S, Fenwick P, Near Death Experiences in Cardiac Arrest: Visions of a
dying brain or visions of a new science of consiousness. Resuscitation 2002 Jan 52,
5-11;

Parnia S, Fenwick P: Do reports of consciousness during cardiac arrest hold
the key to discovering the nature of consciousness? Medical Hypothesis 2007;

Parnia S, Waller D, Yeates R, Fenwick P, A qualitative and quantitative study
of the incidence, features and aetiology of near death experiences in cardiac arrest
survivors. Resuscitation, Feb 2001 48, 149-156.
Outros links

Outra página de referência (em inglês) é a da Near Death Experience Research
Foundation.
Uma abordagem estatística para a determinação do tempo de
vida entre encarnações sucessivas.
Durante o 7 ENLIHPE (20/8/2011), tivemos a oportunidade de apresentar o
trabalho: "Uma abordagem estatística para a determinação do tempo de vida
entre encarnações sucessivas."
Como se sabe, o Espiritismo introduzido por A. Kardec foi o primeiro movimento
espiritualista no ocidente a compreender a importância da reencarnação. Este é o
único mecanismo que pode explicar tanto anomalias observadas na personalidade
humana com também fornecer uma visão do mundo mais de acordo com os
princípios de justiça natural e equidade. Portanto, é importante compreender as
consequências da reencarnação não somente para cada um de nós como indivíduos,
mas também como um fenômeno social e, principalmente, demográfico.
Assumindo a reencarnação como uma das leis da Natureza que é válida para todos
os seres humanos, ela certamente tem consequências coletivas que apenas
começamos a vislumbrar.
O objetivo do trabalho foi construir um modelo numérico para calcular o intervalo
de tempo entre reencarnações sucessivas de uma individualidade humana O
trabalho baseou-se nos seguintes princípios:
1.
Existe uma base de tempo única que pode ser usada para determinar
o intervalo de tempo entre duas existências (o que chamamos de 'tempo de
erraticidade');
2.
Existe conservação da 'individualidade', isto é, a personalidade
humana sobrevive à morte física e conserva sua consciência (que é, de fato, a
fonte dessa personalidade). A consciência é conservada em uma unidade não
material (ou incorpórea) chamada 'Espírito' (note a letra maiúscula 'E');
3.
O Espírito não pode ser 'destruído' (não existe uma 'segunda morte');
4.
Para cada Espírito está associado um único corpo durante uma
encarnação;
5.
A reencarnação implica na existência de competição entre populações
desencarnadas distintas no mundo espiritual (que distinguimos entre uma
vizinhança no 'plano físico' e de 'outros planos' ou zonas espirituais distantes
da Terra);
6.
No plano físico (mundo terreno), cada indivíduo nasce de outros dois.
Entretanto, no que concerne à origem dos Espíritos, não se conhece o
mecanismo de seu nascimento. De fato, a origem dos Espíritos é um
mistério. Para todos os efeitos, podemos assumir que existe um reservatório
infinito de individualidades desencarnadas no mundo espiritual (desde que
o Universo é infinito);
7.
A existência humana no plano físico é limitada à vida do corpo físico.
Não existe um limite para a existência do Espírito (conforme o princípio
#3);
Os princípios estabelecidos acima são baseados em questões dadas pelos próprios
Espíritos conforme o 'Livro dos Espíritos' (LE). Por exemplo: o princípio #1 está
baseado na questão LE#224; o princípio #2 em LE-Q#92 e 150; o princípio #3 em
LE-Q#83; o princípio #4 em LE-Q#137; princípio #5 em LE-Q#172 e 173;
o princípio #6 em LE-Q#81 e, finalmente, o princípio #7 em LE-Q#68.
No trabalho, fizemos várias predições concernentes à maneira como as populações
em ambos os planos físico e espiritual interagem, utilizando um conjunto de
assunções adicionais sobre o estado atual da população total. Nós finalmente
fizemos alguns cálculos numéricos mostrando que o 'tempo de erraticidade' está
oculto
na
taxa
de
natalidade
da
população
do
plano
físico.
O gráfico abaixo mostra a evolução temporal da expectativa de vida no plano físico
(esquerda) e o tempo de erraticiadde (direita) em anos para a população brasileira
segundo nosso modelo. Ambos intervalos são dados como função do tempo desde
1970 a 2000.
Como tais predições poderiam ser validadas? Se for possível rastrear uma vida
anterior para um grupo de indivíduos (uma população, digamos de 100 pessoas),
encontrando-se a data de falecimento anterior - o que, de certa forma, pode ser
feito conforme demonstrou I. Stevenson (1966) - o tempo de erraticidade poderia
ser estatisticamente calculado uma vez que a data de nascimento da vida presente é
conhecida. Isso abriria a possibilidade de se testar nossas assunções, o que
caracterizaria uma extensão das teorias de dinâmica populacional (só que agora
englobando componentes desencarnadas).
Tais resultados mostram a fertilidade heurística dos princípios espíritas, que não
somente admitem a sobrevivência da personalidade à morte física, mas também
que ela evolui ao longo de muitas vidas no plano físico.
Referências

Kardec A. (1857). 'O Livro dos Espíritos'. Há muitas edições (inclusive
eletrônicas) desta obra;

Stevenson I. (1966) Twenty Cases Suggestive of Reincarnation. (1966).
(Second revised and enlarged edition 1974), University of Virginia Press, ISBN
0813908728.
Considerações sobre as ideias de verdade e controvérsias em torno dos
ensinos dos Espíritos. I/2
A vaidade de certos homens, que julgam saber tudo e tudo querem explicar a seu
modo, dará nascimento a opiniões dissidentes. Mas, todos os que tiverem em vista
o grande princípio de Jesus se confundirão num só sentimento: o do amor do bem
e se unirão por um laço fraterno, que prenderá o mundo inteiro. Estes deixarão de
lado as miseráveis questões de palavras, para só se ocuparem com o que é
essencial. E a doutrina será sempre a mesma, quanto ao fundo, para todos os que
receberem comunicações de Espíritos superiores."O Livro dos Espíritos. [1],
Prolegômenos.
Versão modificada de um original publicado no Boletim do GEAE, Ano 08 - Número 367 1999.
1 - Introdução
Todos aqueles que já tiveram a oportunidade de entrar em contato com conceitos
espíritas dificilmente deixaram de se perguntar quanto à natureza e a validade de
muitas das informações trazidas pelos mensageiros espirituais. Nesse sentido, é
relevante se perguntar quanto aos critérios de aceitação dos ensinos espíritas, sobre
como deve ser nossa postura diante da propagação, divulgação e grau de validade
desses ensinos. Será que um determinado conceito deve ser aceito absolutamente,
sem exame algum, com exclusão daqueles que por ventura possam discordar dele?
Será que, por outro lado, devemos sempre manter uma postura reticenciosa, como
que eternamente aguardando uma última palavra ou, o que seria ainda mais
restrito, considerar tais ensinos como meras figuras passadas pelos Espíritos na
impossibilidade de nós, os encarnados, estarmos longe de mais do que seria a
verdade? Como se dá o consenso com relação a um determinado ensino? Tais
questionamentos podem parecer supérfluos a uma mente excessivamente prática,
mas estão provavelmente na raiz de grandes males que afetaram a humanidade.
Sem dúvida, diversos estudos foram feitos desde os primórdios do desenvolvimento
da doutrina com Allan Kardec em torno da validade e aceitação das teses do
Espiritismo. No momento histórico da codificação, diante da exuberância dos
fenômenos espíritas (a aparecerem espontaneamente em muitas instâncias
simultaneamente), Allan Kardec chegou a formulação do critério da concordância
universal dos ensinos dos Espíritos. Em termos resumidos tratava-se da aceitação
de uma determinada tese (em sua maioria relacionada aos princípios básicos)
quando apoiada maciçamente pelos Espíritos através de diferentes médiuns nos
mais variados lugares. Voltaremos a esse ponto na Parte 3 deste artigo. Essa idéia
lembra vagamente os critérios de aceitação de conceitos e teorias dentro das
universidades e institutos de pesquisa científica. Não seria o caso de uma certa idéia
ser aceita quando apoiada igualmente por uma variedade de departamentos
científicos após, muitas vezes, difíceis e laboriosas experimentações? O mesmo se
daria com os princípios espíritas, já que as fontes destes são os Espíritos por meio
dos médiuns. A comparação não pode ser estendida indiscriminadamente pois não
segue daí que toda ideia espírita deva sempre ser sancionada pelo critério da
concordância universal da mesma forma que a aceitação de uma certos pontos de
uma teoria científica não precisa ser sancionada por um grande número de
laboratórios. Isto, porém, é apenas um ponto de semelhança entre o Espiritismo e
as doutrinas da ciência comum. A aceitação dos princípios espíritas está baseado
também no selo de racionalidade e coerência que ele empresta à sua visão do
universo, algo muito em comum com as teorias das diversas ciências que estudam a
matéria e suas manifestações.
Pretendemos aqui enfatizar que tais desenvolvimentos colocam o Espiritismo em
uma posição ímpar no cenário das religiões atuais. Para esse fim, é muito
interessante recorrermos à história com o intuito de conhecer melhor como eram
aceitos e avaliadas as verdades pelos povos antigos. Analisando especificamente a
história das religiões (para o mais perto possível do que seria o objeto de estudo do
Espiritismo), constatamos o quão difícil e as vezes sanguinolenta pode ser a disputa
pela aceitação das idéias religiosas. No caso específico da religião católica - com a
qual nos encontramos mais próximos culturalmente - é nítida essa dificuldade.
Observando a história da Igreja, vemos como foi constante o interesse do Plano
Maior na libertação e engrandecimento da Igreja que, amiúde, se via a braços com
discussões muitas vezes estéreis e sem interesse para as sociedades onde
floresceram as organizações católicas. A grande conseqüência prática desses
debates culminava, muitas vezes, com a morte deliberada de tantos outros que
chegaram perto demais da "heresia". Ficou famosa, por exemplo, a chamada
controvérsia ariana no começo do Cristianismo. Do historiador católico Eamon
Duffy [2] colhemos o seguinte relato:
"A consternação de Constantino em face das divisões dos cristãos norte-africanos
haveria de redobrar quando, tendo deposto Licínio, o imperador pagão rival no
Oriente, ele se mudou para sua nova capital cristã a 'Nova Roma', Constantinopla.
Pois as divisões da África nada eram em comparação com a profunda fissura na
imaginação cristã que se abrira, no Leste, por iniciativa de Ário, um presbítero de
Alexandria famoso por sua austeridade pessoal e pela popularidade entre as freiras
da cidade. Ário fora afastado pelo bispo local por pregar que o 'Logos', a Palavra de
Deus que em Jesus se fizera carne, não era o próprio Deus, mas uma criatura
infinitamente superior aos anjos, embora como eles criada do nada antes do
começo do mundo. Ele via em tal ensinamento um meio de conciliar a doutrina
cristã da Encarnação com a fé igualmente fundamental na unidade divina. Na
verdade, essa idéia privava o cristianismo de sua afirmação central segundo a qual a
vida e morte de Jesus tinham o poder de redimir, pois eram ações do próprio Deus.
Contudo, as verdadeiras implicações do arianismo não foram compreendidas de
pronto, e Ário conseguiu amplo apoio. Mestre de propaganda, angariou a simpatia
popular compondo canções teológicas para serem cantadas por marinheiros e
estivadores nas docas de Alexandria. Escapando aos salões eruditos, o debate
teológico irrompeu nas tavernas e nos bares do Mediterrâneo oriental.''
Cabeça representando o Imperador Constantino.
Como foi resolveu o problema de Ário? Na verdade não houve uma solução
definitiva. Na época a solução se materializou no concílio de Nicéia (em 325),
convocado pelo imperador. Ainda segundo Duffy:
"Nicéia foi o começo, não o fim da controvérsia ariana. A derrota dos adeptos de
Ário havia sido imposta por um imperador decidido a resolver rapidamente as
coisas. Eles foram silenciados, não persuadidos, e, terminado o concílio,
reagruparam-se para contra atacar."
É fato conhecido de todos que Constantino considerava a emergente fé cristã uma
poderosa força de aglutinação do império romano que estava prestes a desmoronar.
Por isso ele via com angústia o debate teológico infindável e, por razões práticas,
resolveu impor uma solução. A tradição católica (isto é, a convergência da opinião
do clero e do laicato crente em torno da interpretação de certos pontos evangélicos
a se materializarem como dogmas) foi, portanto, uma lenta e encarniçada
construção que se desenvolve até hoje, onde muitas vezes o interesse político e
econômico ditou uma clara delimitação entre o que seria a verdade e a heresia. Não
foram poucos os movimentos de renovação católicos e de "reforma" (mesmo antes
dos protestantes no Século XVI) e, na Idade Média, foram considerados grandes os
papas que se dedicaram vivamente a eles [2]. Os que se admiram de semelhantes
movimentos na atualidade apenas desconhecem a milenar história da Igreja. Como
eram, entretanto, tomadas as decisões em matéria de fé? Onde deveria estar a
verdade quando dois partidos rivais se insuflavam defendendo cada um sua própria
opinião? Esta era decidida oficialmente e com esperanças para sempre seja a portas
fechadas, seja pela aclamação popular, pelo voto dos bispos (concilium) ou pela
vontade do papa. Na prática a Igreja se viu obrigada a revisar constantemente seus
pontos de vista sobre conceitos marginais ou centrais à fé católica. É importante ter
em mente que a construção de toda Doutrina Católica (e o aparecimento dos
movimentos de reforma) se guiou em muito pela necessária manutenção da "pureza
doutrinária" da crença em Cristo. Não foi senão em função da sustentação de tal
pureza que se ergueram os tribunais eclesiásticos [2] (Inquisição) por Gregório IX
em 1231. Nesse sentido, a Igreja de Roma adquiriu sua fama ao longo do tempo por
ter se propagandeado livre da heresia (principalmente diante do cisma com a Igreja
grega) e guardiã "da fé dos Apóstolos".
2 - Exemplo da Astronomia.
Compreende-se que na nossa vida comum estamos diante de situações que exigem
uma posição prática diante dos fatos. Quando alguém diz: "fulano é casado mas tem
uma amante mais velha", em geral, a primeira atitude não é a de formulação de
teorias que justifiquem ou não a aceitação dessa "verdade". Porque a verificação
dela é coisa tão ordinária quanto o próprio fato, sua aceitação é muito simples. Não
se dá o mesmo, porém, com certas noções e concepções do mundo que nos cerca.
Muito menos com aquelas que dizem respeito à Doutrina Espírita. Mais uma vez
recorremos a exemplos simples da ciência. A afirmação "a Terra gira com
movimento circular em torno do Sol" parece, se aplicarmos o critério de aceitação
vulgar, uma afirmação livre de ambiguidades.
Sistema Ptolomaico, com a Terra no centro do Universo. (~200)
Nossas mentes formam instantaneamente uma ideia perfeitamente clara de seu
significado. Por mais incrível que pareça, no entanto, sua validade não pode ser
inferida da mesma forma como no exemplo de frase anterior. Ela não era nem um
pouco válida aos povos antigos, porque não era bem isso que eles constatavam
quando viam o Sol se levantar e se por todos os dias, em aparente movimento
circular ao redor da Terra. Ela foi a própria expressão da verdade para Nicolau
Copérnico (1540) na sua nova formulação do sistema do Mundo. Para ele, a Terra
sim girava circularmente em torno do Sol.
Sistema Copernicano (1540) com o Sol no centro do sistema solar.
Ela deixou de ter validade para astrônomos posteriores, em particular Johannes
Kepler (1630) que descobriu que o movimento, de fato, não era circular mas sim
elíptico "com o Sol ocupando um dos focos da elipse".
Imagem do Universo revelada por J. Kepler (1630). Os planetas descrevem elipses com o sol ocupando um
dos focos.
Essa última conclusão de Kepler deixou de ser válida com Isaac Newton (1670) e
sua teoria da gravitação universal. Para Newton (assim como para toda mecânica
clássica que ele fundou), o movimento só seria elíptico se no Universo somente o
Sol e a Terra existissem. Desde que há outros corpos (não podemos nos esquecer da
Lua) o movimento passa a ser "perturbado". Muito aproximadamente a Terra
giraria descrevendo uma "roseta" ao redor do Sol por causa do "movimento de
precessão dos ápsides" da órbita descrita por ela. Em termos exatos se, porém, no
Universo, existisse mais um corpo além da Terra e do Sol, o movimento daquela
jamais seria descrito de uma maneira simples.
Perturbação exercida por um terceiro corpo deforma a trajetória elíptica (1670).
Mais uma vez, porém, essa afirmação deixou de ser válida para Albert Einstein
(1905), que descobriu efeitos "relativísticos" não desprezíveis.
Precessão da órbita elíptica de acordo com a Relatitividade Geral (1905).
Para Einstein, ainda que não existisse nenhum outro corpo no Universo mas
somente a Terra e o Sol, ainda assim o movimento seria o de uma roseta com uma
precessão dos apsides extremamente lenta para a Terra. A existência de outros
corpos não alteraria muito a descrição de Newton, embora o movimento se tornasse
ainda mais complexo. Tal exemplo nos mostra o quão difícil é a descrição da
"verdade" relacionada ao objeto de pesquisa da ciência ordinária, a matéria. A lição
que se tira não é a de que certa concepção anterior tenha deixado de ser válida
(decretada como "herética" na visão por dogmas) . Ao contrário, as construções
científicas presentes fundamentam-se explicitamente naquelas do passado. Para
nós a memória dos antigos astrônomos deve ser tão venerável quanto a dos mais
recentes. Mesmo hoje em dia, se quisermos construir um relógio do Sol por
exemplo, podemos perfeitamente usar os conceitos antigos que consideravam o Sol
como girando em torno do Terra. Existe erro nisso? Diante de nossa presumível
ignorância com relação às questões ainda abertas nas ciências, estamos certamente
tão perto da verdade quanto eles. A verificação desse fato não pode ser motivo
porém para escândalos, nem para um descrédito para com as ciências. O que se faz
necessário é, pois, uma nova concepção de aceitação da verdade, bem como
critérios de compreensão das explicações científicas. A chave que permite essa nova
compreensão pode ser conseguida estudando-se um pouco a história das ciências
assim como os mecanismos pelos quais as concepções científicas surgiram e têm
operado [3].
As teorias científicas representam as construções de raciocínio onde essas
concepções científicas se estabelecem. Não é senão pelo fato de tais conceitos
estarem harmonicamente integrados às teorias que sua aceitação torna-se válida.
Além disso, as teorias devem fornecer uma visão consistente do universo onde tal
fenômeno ocorre. Isso implica não só em explicar aquele fenômeno particular, mas
também possíveis efeitos a ele correlacionados. Uma excelente teoria deve além
disso fornecer as bases para a previsão de fenômenos desconhecidos. Portanto, não
é a autoridade de um ou de outro cientista que fundamenta a ortodoxia nas ciências
(com sentido muito diferente daquele usado pelas religiões clássicas). Nunca a
verdade científica haverá de ser decidida em reuniões a portas fechadas, pela
deliberação de conselhos ou organizações ou baseando-se no palpite dos cientistas
mais notáveis. É verdade que a opinião de um grande cientista a favor de uma certa
teoria particular pode pesar muito na orientação das pesquisas futuras, mas tal
opinião nunca constituirá a teoria.
Vídeo I - 'Visitantes da outra margem' - Fenômenos de Materializações
descritos por Tom Harrison (Inglaterra)
A médium de efeitos físicos Minnie Harrison.
Apresentamos aqui uma sequência de vídeos do arquivo original: Visitors from the
'Other
Side' (Visitantes
da
'outra
margem') com
legendas
em
português inseridas por nós. Esses vídeos trazem entrevistas e palestras de Tom
Harrison (1918-2010, veterano da 2a Guerra Mundial) que testemunhou fenômenos
de efeitos físicos produzidos por sua mãe, Minnie Harrison, de 1946 a 1954 na
cidade de Middlesbrough, Inglaterra.
Os videos são rico em informações sobre o fenômeno de ectoplasmia, quase todos
semelhantes aos casos nacionais conhecidos (Ana Prado, Francisco Lins Peixoto,
Antônio Feitosa e Otília Diogo). A mediunidade de Minnie Harisson foi, entretanto,
desconhecida no Brasil e mesmo no exterior, posto que sua ocorrência foi pouco
divulgada em sua época.
Atenção:
Apresentaremos as traduções legendadas dos filmes não necessariamente em
sequência de posts. Os videos serão postados conforme nossa disponibilidade de
tempo para legendá-los. Aguardem!
Considerações sobre as ideias de verdade e controvérsias em torno dos
ensinos dos Espíritos. (II/2)
Segunda parte. Para acessar a primeira parte clique aqui.
3 - Analisando o critério da concordância universal.
Se na descrição de um simples fenômeno material somos obrigados a fazer grandes
concessões de tolerância para com aqueles que sustentam opiniões diferentes, imaginemos
por um momento a situação com os fenômenos e princípios espíritas. Isso é particularmente
forte se considerarmos que o objeto de estudo do Espiritismo não está sujeito à apreensão
direta pelos sentidos humanos ordinários nem por quaisquer "aparelhos de medida". Isso
não significa, porém, que esses fenômenos estão condenados eternamente a serem
inexplicáveis, muito menos que seremos sempre impotentes em explicá-los. O que se passa
com o Espiritismo (que resulta em sua independência das ciências comuns) é que ele trata
de fenômenos pelos quais as ciências não se interessam. As ciências estudam a matéria e o
Espiritismo o espírito. Para assegurar o progresso principalmente moral do ser humano,
aguardou-se o lento mas inexorável avanço da intelectualidade humana e o conhecimento
espírita foi e tem sido revelado, em função direta dessas mesmas necessidades morais.
Diante das dificuldades humanas de se conhecer a verdade (como exemplificadas
anteriormente), não é difícil concluirmos que existem claramente limites à revelação
espírita.
A fonte primordial da informação espírita são os Espíritos. Mas como se deu a
aceitação dessas informações por eles propostas? Vamos aqui analisar brevemente
o famoso critério da concordância universal (CCU) que muitas pessoas acreditam é
a base para a aceitação dos princípios espíritas. Argumentaremos depois que não é
o CCU que valida esses princípios. A referência principal sobre esse assunto é a
Introdução ao O Evangelho segundo o Espiritismo [4], Parte II, "Autoridade da
Doutrina Espírita". Todas as citações de Kardec feitas a seguir foram extraídas
dessa referência. Kardec aponta duas grandes razões para a existência de um
critério de aceitação das informações espíritas:
(a) "Garantia para a unidade futura do Espiritismo", com anulação das teorias
contraditórias (Parágrafo 14).
(b) "Garantia contra as alterações que poderia sujeitar o Espiritismo às seitas que se
propusessem apoderar-se dele em proveito próprio ou acomodá-lo à vontade."
(Parágrafo 16).
Tal critério protege assim os fundamentos do Espiritismo contra enxertias, sejam
da parte dos próprios Espíritos (menos esclarecidos) ou dos encarnados. Prevê-se
que tais enxertias ocorressem por falha na compreensão e, principalmente,
aplicação lógica dos princípios espíritas, fato que a história acabou por
demonstrar. A primeira coisa que notamos é que o CCU foi uma descoberta
inteligente de Kardec diante do dificílimo problema da autenticidade das
mensagens dos Espíritos. Assim sendo, ele não é resultado do ensino dos Espíritos
e, portanto, não pode ser tomado como um princípio da doutrina. Analisando a
referência citada acima, podemos dizer que o critério tem 3 principais
fundamentos.

O Espiritismo não é uma construção humana, ou seja, não é resultado de
uma simples teorização em torno de observações e análise de fatos;

Os Espíritos têm ampla liberdade de comunicação, o que anula a
possibilidade de privilégios na concessão da informação espírita (o que, do
contrário, tiraria o caráter "natural" da revelação espírita);

Os Espíritos têm diversos graus de evolução. Se a fonte de informação
espírita são os Espíritos, a validade das mesmas depende do grau de lucidez que
eles possuem em relação aquilo que pretendem informar. Disso vem que nem todos
os Espíritos estão igualmente aptos a servir de fonte de informação e daí
imediatamente, a necessidade de uma seleção das mesmas.
Por razões didáticas, podemos dizer que os três fundamentos acima possibilitam
enunciar o que chamariamos de "CCU fraco":
Uma garantia existe para o ensino dos Espíritos: a concordância que exista entre
as revelações que eles façam espontaneamente.
Existem entretanto condições operacionais (em relação ao caráter das mensagens)
para que o CCU seja válido. Essas, por sua vez, se dividem em dois tipos: condições
gerais e condições específicas. São condições gerais:
1.
"Tudo o que seja fora do âmbito exclusivamente moral" (Final do
Parágrafo 6);
2.
Comunicações que tratem dos fundamentos doutrinários: "Vê-se
bem que não se trata aqui das comunicações referentes a interesses
secundários" (Parágrafo 9).
Ao mesmo tempo, são condições específicas (ver Parágrafo 8):
Que um só médium receba comunicações de diversos Espíritos;

Que vários médiums diferentes (em um certo grupo ou em vários lugares)
recebam comunicações de diversos Espíritos.
Ocorre aqui porém que se tanto na situação (I) como em (II) houver a incidência de
obsessão (incluenciação negativa por parte da fonte original da informação), a

aceitação do CCU fraco não é possível. Disso resulta o que chamaríamos de CCU
forte:
"Uma só garantia séria existe para o ensino dos Espíritos: a concordância que haja
entre as revelações que eles façam espontaneamente, servindo-se de grande
número de médiuns estranhos uns aos outros e em vários lugares". (Parágrafo 9).
Ao CCU fraco é assim acrescentada a exigência de repetibilidade geográfica e
mediúnica de uma certa informação. Poderíamos ainda adicionar uma necessidade
de confirmação temporal da informação, isto é, de que uma dada tese referente a
um princípio se confirme ao longo do tempo. Isso ocorreu diversas vezes durante a
codificação. Do ponto de vista histórico, Kardec parece também ter sido o único a
aplicar o CCU forte:
"Na posição em que nos encontramos, a receber comunicações de perto de mil
centros espíritas sérios, disseminados pelos mais diversos pontos da Terra,
achamo-nos em condição de observar sobre que princípio se estabelece a
concordância".(Parágrafo 13).
A razão de ser do CCU fraco é que ele parece ser válido desde que os médiuns não
estejam sob efeito de Espíritos mistificadores (obsessão etc). A exigência do CCU
forte foi cumprida plenamente no momento da codificação por conta da enorme
abundância de fenômenos espontâneos ocorridos na época. As condições gerais
enunciadas por Kardec (condições 1 e 2) são de crucial importância para se
entender a aplicação do CCU. De fato, não tem muito sentido exigir um critério de
concordância (seja por vários médiuns ou através várias instâncias temporais) com
as comunicações pessoais de Espíritos familiares por exemplo. Seria mesmo
ridículo exigir que os Espíritos se comunicassem por médiuns diferentes após
fornecerem muitas vezes provas indubitáveis de que são eles mesmos que se
apresentam a determinado médium. As especificidade da mensagem dita assim o
grau de recorrência ao CCU. O grau de obviedade com que constatamos a
concordância dos Espíritos esclarecidos em relação às questões morais é o que
fundamenta a condição geral (A). Suprimir tal condição é equivalente a dizer que o
CCU (na forma forte) sempre foi operacional com relação às questões morais.
Parece assim ser importante compreender exatamente o que se entende por pontos
fundamentais e pontos secundários, coisa que fazemos brevemente a seguir.
4 - O que são pontos fundamentais e o que são pontos secundários.
Exemplos.
Por Doutrina Espírita entendemos o conjunto de princípios fundamentais que
sistematizam o Espiritismo, as regras de aplicação desses princípios às diversas
situações e fenômenos em que ele representa uma alternativa lógica e racional de
explicação. Também a essa doutrina estão associados os diversos conjuntos de
preceitos e regras éticas que caracterizam a conduta espírita na mais pura acepção
da palavra. Por promoverem o progresso da alma humana, tais regras fortalecem as
relações deste com a Divindade, de onde deriva imediatamente o aspecto religioso
do Espiritismo.
De modo resumido os princípios fundamentais do Espiritismo são:
1.
Existência de Deus. Deus aqui entendido como um ser existente de
toda eternidade, sem princípio nem fim, todo poderoso e bom. Sem tentar
descrever o impossível, tais atributos são, digamos, os mínimos necessários
para a noção da Divindade.
2.
Existência do Espírito. O Espírito aqui é o princípio inteligente
independente da matéria, a constituir um outro princípio. Por ser
independente da matéria, o Espírito não sucumbe nem desaparece frente às
transformações desta, de onde se tem a noção da imortalidade do ser.
3.
Evolução do Espírito. A medida que o tempo transcorre, o estado que
caracteriza o Espírito se transforma. Esse estado dá, por exemplo, as
características do Espírito. Da faculdade que o Espírito tem de interagir com
a matéria, ele passa por transformações que modificam sua personalidade e
características. Essa evolução leva ao aprimoramento moral do ser e de sua
inteligência. No homem, o período de tempo necessário para o
aprimoramento é muito maior que o tempo de vida médio de sua vida
material. Daí segue, como corolário desse princípio, a idéia de
reencarnação.
4.
Comunicabilidade dos Espíritos. É possível ao Espírito, desprovido
da parte material, entrar em comunicação com o mundo material por meio
de pessoas dotadas de uma faculdade especial chamada mediunidade.
5.
Pluralidade dos mundos habitados. No Universo são inúmeros os
mundos onde a vida é abundante, e os Espíritos, segundo semelhantes
princípios, evoluem e têm sua existência mais ou menos material de acordo
com o progresso atingido.
Os princípios fundamentais estão todos eles contidos nas obras básicas editadas por
Kardec. Essas obras também trazem idéias secundárias que auxiliam a explicação
espírita do mundo segundo os princípios fundamentais. Além disso, a vasta
literatura espírita contemporânea também contém inúmeras obras que
desenvolvem substancialmente a aplicação dos princípios fundamentais e, porque
não dizer, propõem princípios secundários novos. Esse fato é permitido pelo caráter
progressista da doutrina, e os que teimam em não aceitá-lo estão, de fato, atrasando
a marcha desse progresso. Vejamos um exemplo concreto que nos auxilie nesse
ponto. Suponhamos que um certo Espírito proponha uma modificação na lei III de
evolução afirmando que a marcha de desenvolvimento do Espírito não é incessante
mas que, em determinado ponto de sua vida maior, seja permitido por lei ao
Espírito estacionar. Não é difícil ver que semelhante idéia depõe contra vários
outros princípios e leva imediatamente a uma contradição com a noção de livrearbítrio pois, se ao Espírito é possível estacionar, ele não tem, por lei, nenhuma
responsabilidade sobre seus atos durante o período de falta de progresso. Essa idéia
deve ser rejeitada por estar em contradição com uma série de noções que protegem
os fundamentos da doutrina.
Tomemos agora um exemplo de uma controvérsia no movimento espírita que
ilustra bem as dificuldades de compreensão dos princípios espíritas e do ensino dos
Espíritos. Trata-se da famosa proposição do elevado Espírito Emmanuel sobre as
"almas gêmeas" no seu livro O Consolador [5]. Antes de tudo, conviria considerar
uma afirmação desse Espírito contida logo na introdução ("Definição") de seus
livro:
"Alem do mais, ainda nos encontramos num plano evolutivo, sem que possamos
trazer ao vosso círculo de aprendizado as últimas equações, nesse ou naquele setor
de investigação e de análise. É por essa razão que somente poderemos cooperar
convosco sem a presunção da palavra derradeira".
Na questão 298 de "O Livro dos Espíritos" [1], Kardec questiona os Espíritos sobre
a idéia das almas gêmeas, entendidas como dois seres unidos desde sua origem e
predestinados a se encontrarem fatalmente algum dia. Tratava-se, sem sombra de
dúvida, de um ponto secundário, já que os princípios fundamentais nada dizem
sobre a criação dos Espíritos (ver questão 78 de "O Livro dos Espíritos"). Além
disso, a idéia da almas gêmeas não contradiz nenhum outro ponto fundamental.
Em "O Consolador", Emmanuel por diversas questões (desde 323-328, "Terceira
Parte", "Amor") reafirma a idéia das almas gêmeas, entendidas como seres que se
buscam na Eternidade e cuja existência propicia o progresso aos Espíritos, já que
estes, quando separados e caídos no crime anseiam por se encontrar, constituindo
isso um incentivo ao seu progresso. Emmanuel, de fato, reconhece sua ignorância
não só em relação à criação dos Espíritos como também sobre como se estabelece o
vínculo afetivo entre eles:
"Para todos nós, o primeiro instante da criação do ser está mergulhado num suave
mistério, assim como também a atração profunda e inexplicável que arrasta uma
alma para outra, no intuito dos trabalhos, das experiências e das provas, no
caminho infinito do Tempo."
Entretanto, inquirido a examinar melhor seus pontos de vista, Emmanuel
humildemente pede seja mantido o texto original, chamando a atenção para a
complexidade do assunto. Esse Espírito sinalizou que ainda estamos longe de ter a
pretensão à verdade de um tem tão complexo. Por outro lado, se os Espíritos que
auxiliaram Kardec, em diversos pontos de "O Livro dos Espíritos", afirmaram que a
criação dos Espíritos está mergulhada em um profundo mistério, como poderiam
ter dado uma resposta definitiva à questão das almas gêmeas? Parece-nos que,
nesse caso, bem como em muitos outros, eles haveriam de estar igualmente longe
de dar uma "resposta derradeira". De qualquer forma, o CCU na forma forte não
pode ser invocado nesse caso por não se tratar de um ponto fundamental. Podemos
tomar a proposição de Emmanuel como uma opinião pessoal sua, aliás em
conformidade com o que vimos que esse Espírito diz na introdução de "O
Consolador". Entretanto, certos setores do movimento espírita extremamente
ligados à letra e desatentos às sutilezas das idéias de verdade e ensino dos Espíritos
(a se aplicarem igualmente para as explicações das coisas materiais), tomaram esse
caso como mais um exemplo a depor contra a "pureza doutrinária" do Espiritismo
que se imagina poder ser imposta a todo custo.
5 - Conclusões
Não foi senão por uma longa e difícil marcha que a Humanidade, pela colaboração
de inúmeros luminares da cultura, inteligência e moralidade, conseguiu
compreender que a noção de verdade só pode ser formulada dentro de bases
estritamente relativas. Acompanhando o progresso das religiões e das ciências
(mais notadamente dessas últimas) chegou-se a conclusão que as concepções a
respeito das coisas e dos fenômenos do Mundo tem uma grande dependência com
as épocas, recursos de pesquisa e tendências culturais dos indivíduos. No estágio
em que nos encontramos, jamais poderemos aspirar à verdade absoluta.
O CCU pode ser invocado como um princípio metodológico que foi aplicado no
início da codificação para estabelecer os fundamentos. Entretanto, não é ele quem
valida esses princípios, como muitos poderiam pensar. Seria o mesmo que
acreditar que os princípios que organizam as ciências materiais só valem porque os
cientistas neles acreditam, os que são apenas a origem desse conhecimento. As
doutrinas declaradas de muitas disciplinas científicas tem como fundamento o
próprio princípio, muitas vezes inverificável, que deve ser assumido como válido a
fim de que suas conclusões sejam determinadas. O mesmo pode ser dito sobre a
validade dos princípios espíritas: no fato de gerarem explicações plausíveis e
verificáveis da Natureza que nos cerca. É a capacidade que os fundamentos
espíritas tem em explicar determinadas anomalias que observamos com aspectos da
personalidade humana e com determinados fenômenos que representam a maior
fonte de validação de sua "comprovação".
Assim, dentro do escopo sobre o que trata a Doutrina Espírita, tais conclusões são
igualmente válidas. Elas servem ainda mais para reforçar definitivamente nossa
extrema pequenez diante do universo em que vivemos, a idéia de que nossas
pretensões são ínfimas. Aliás essa já é a opinião emitida por Espíritos elevados
quando inquiridos sobre nosso tamanho nesse universo. Imediatamente
transparece a importante conclusão da inutilidade de quaisquer querelas que
venham se formar ao redor das concepções espíritas, sejam elas fundamentais ou
secundárias. Se nos é possível fechar a correspondência com o passado, digamos
que a única "heresia" que se pode suspeitar hoje em dia é a da sustentação de tais
querelas contra nossos companheiros muitas vezes dentro do próprio movimento
espírita. Ela é antiética e depõe contra todos os princípios evangélicos que o
Espiritismo sustenta abertamente.
Por outro lado, o sentimento de impotência diante da verdade com relação a muitas
questões profundas, não invalida em nenhum ponto os efeitos inquestionavelmente
benéficos em nossas vidas que a aceitação e prática dos princípios espíritas revelados na medida que podemos compreender - podem gerar. De fato, estaremos
talvez muito distantes de compreender por bases racionalmente sólidas princípios
como o do amor, caridade e misericórdia. A própria evolução onde estagiamos hoje
dá-nos muito mais capacidade para sentir esses conceitos.
Há uma base sim muito sólida onde se estabelecem os princípios e
desenvolvimentos espíritas. Para conquistá-la, o espírita deve abraçar com zelo o
estudo da doutrina e desvencilhar-se um pouco de velhas concepções. Isso significa
avaliar coerentemente o conteúdo dos novos ensinos, compará-los aos antigos,
notar as sutilezas por detrás das novas noções aparentemente tão simples. E nunca
esquecer também que o mundo onde vivemos é de fato muito maior que nossas vãs
concepções podem imaginar.
6 - Referências
[1] Allan Kardec, "O Livro dos Espíritos", 71 edição, Federação Espírita Brasileira
(1991).
[2] Eamon Duffy, "Santos e Pecadores, a História dos Papas", Cosac & Naif Edições
Ltda, São Paulo (1998).
[3] Silvio Seno Chibeni, "A Excelência Metodológica do Espiritismo II",
Reformador, Dezembro de 1988, pp. 373-378 (FEB).
[4] Allan Kardec, "O Evangelho segundo o Espiritismo", 104 edição, Federação
Espírita Brasileira (1944)
[5] Emmanuel, "O Consolador", 4 edição, Federação Espírita Brasileira.
Vídeo III - 'Visitantes da outra margem' - Fenômenos de
Materializações descritos por Tom Harrison (Inglaterra)
Escrita direta obtida pela mediunidade de Minnie Harrison.
Os versos abaixo são de autoria de Jack Bessant, irmão de Minnie Harrison e foram
obtidos através dessa médium em 1954. (ver original em Inglês abaixo)
Não chorem por mim, meus amados, pois estou ao vosso lado.
Não fui arrebatado a reinos desconhecidos ou levado por ignotas marés.
Não vos deixei sem cuidados - nunca pensem que vos faria isso;
Secai vossas lágrimas, levantai e sorride, ainda estou convosco.
Meu olhos que se fecharam agora estão abertos, minha visão clara e brilhante;
Onde dantes podia ver por janelas esfumaçadas, agora vejo a perene luz.
O véu simplesmente se levantou e os meus amados que se foram
Agora esperam por mim como nos velhos tempos de então.
O amor deles ainda me cerca. Seus Espíritos não se perderam;
E, agora, sei como sou conhecido - NÓS VIVEMOS! Não há morte!
Então, confortai vossos corações, livrai-vos da dúvida e do pavor;
Vivemos e caminhamos ao vosso lado - os vossos amados estão aqui.
Não vos aflijais por mim, meus queridos, livrem-se dessas lágrimas;
Caminharei convosco pelas escuras noites terrenas até o amanhecer de um novo
dia.
Levantai vossos corações em agradecimento para vos unir a nós e cantar:
Ó, túmulo, onde está a tua vitória? Ó morte, onde está o teu aguilhão?
Fenômenos de escrita direta e aparições de luzes
Terceira parte do vídeo Visitantes da 'outra margem' com entrevista de Tom
Harrision.
Conteúdo (5' 18'')
00:00 Continuação da palestra de Tom Harrison sobre voz direta obtida por meio
de uma corneta;
01:33 Continuação da entrevista para Pat Hamblig;
02:22 Nova palestra onde Harrison descreve os primeiros fenômenos luminosos e
de escrita direta obtidos no grupo;
Outros Vídeos
1a parte de Visitantes da 'outra margem';

2a parte de Visitantes da 'outra margem;

A compilação de todos os videos podem ser visto
aqui:http://www.youtube.com/user/xavnet2

Referência

Visits By Our Friends From the "Other Side". Tom Harrison. Saturday Night
Press Publications; Revised edition edition (February 23, 2011)
Original em Inglês
Mourn not for me my loved ones, For I am by your side,
I have not sped to realms unknown or crossed the rolling tide.
I do not leave you comfortless—think not I ever will;
So dry those tears, look up and smile, for I am with you still.
My eyes once closed are opened, my vision clear and bright;
Where once I looked through darkened glass, I see perpetual light.
The veil has just been lifted and my loved ones gone before
Are waiting now to welcome me, as in the days of yore.
Their love is still enfolding me, Their spirits have not fed;
And now I know as I am known—WE LIVE! There are no dead!
So let your hearts be comforted, cast out all doubt and fear;
We live and walk beside you—your loved ones still are near.
Grieve not for me my dear ones, just dry those tears away;
I'll walk with you through Earth's dark night until the break of day.
So lift your hearts in thankful praise and join with us to sing—
Oh, Grave where is thy victory? Oh, Death where is thy sting?
Pragmática e intenção nas cartas psicografadas de Chico Xavier.
Psicografia em Italiano, F. C. Xavier.
Este post contém um artigo submetido à revista 'Reformador' da Federação Espírita
Brasileira em 7/fev/2011 que teve publicação recusada em 8/set/2011.
De forma bastante simplificada, um processo de comunicação é um conjunto de
etapas que leva uma mensagem de um emissor a um receptor. Esse é a imagem
popular de um processo ou mecanismo de comunicação, e podemos denominá-la de
modelos de ‘transferência de informação’. Entretanto, ela é severamente limitada,
embora pareça dar conta do processo de comunicação na maioria dos casos,
principalmente com sistemas eletrônicos ou meios outros meios de comunicação
(exemplos vão desde sinais de fumaça, telégrafos até o telefone). Em tempos
recentes, boa parte da pesquisa sobre o processo de comunicação é desenvolvida
através de várias teorias linguísticas, embora outras áreas de pesquisa (como a
semiótica) tenham como objeto de estudo a comunicação não baseada na
linguagem dos seres humanos, inclusive desenvolvendo modelos para comunicação
entre seres vivos (plantas, animais etc). Modernas teorias linguísticas buscam
explicar aspectos do processo de comunicação que não podem ser explicados pelos
modelos simples de transferência de informação. Um processo eficiente de
comunicação não é aquele em que partes ou pedaços de informação são
transferidos para o recipiente e este, por sua vez, vai montando um quadro ou
interpretação que é proporcional à quantidade de mensagem transmitida. Há vários
níveis ‘hierárquicos’ de informação dentro de uma mensagem e, para se ter uma
ideia limitada desses níveis, é suficiente considerar a linguagem escrita.
Um texto escrito de próprio punho por alguém (emissor) a um seu conhecido
(receptor) é um exemplo rico para os vários níveis de sinais linguísticos que se
interrelacionam dinamicamente formando uma mensagem que só pode ser
convenientemente compreendida pelo receptor. O primeiro nível existente é o da
morfologia, afinal, se a mensagem é enviada pelo emissor, ela contém sinais
grafados que o identificam univocamente. Uma vez ‘transcrita’ a mensagem em um
meio que é independente da morfologia, aparecem então outors tipos de sinais que
revelam outros níveis hierárquicos: a sintaxe (ou, que diz respeito ao cumprimento
de regras próprias do idioma em que a mensagem é grafada) e a semântica (ou, que
diz respeito ao significado das palavras e frases contidas no texto). Se a relação
entre o emissor e o receptor sempre se deu, por exemplo, utilizando a língua
portuguesa, então é natural que a sintaxe obedecida será a do português. No que diz
respeito à semântica, o significado das palavras e grupos de palavras formando
frases inteiras pode ser feito tanto se respeitando a regra (o chamado léxico)
comum ou não. É muito comum que, entre grupos privados, regras semânticas
particulares sejam utilizadas. Nesse caso, qualquer análise externa que pretenda
inferir um significado ao texto escrito sem o conhecimento de um léxico particular é
severamente limitada. Se esse léxico não está disponível em parte alguma, não é
possível codificar corretamente o significado do texto, por mais que nos esforcemos.
Um exemplo comum de problemas desse tipo é a tentativa de grupos dogmáticos
cristãos em interpretar literalmente passagens ou textos inteiros do Velho e do
Novo Testamento.
Há, entretanto, um último nível na hierarquia de sinais de comunicação que está
muitas vezes oculto na mensagem: o da pragmática. Além do sentido aparente dado
pela semântica, a mensagem do emissor é gerada de forma tal que apenas o
receptor está completamente capacitado para compreendê-la. Por exemplo, se meu
amigo, morando na Austrália, escreve a mim (receptor) uma carta contando das
inúmeras belezas naturais daquele continente, seu objetivo pode ser apenas
remover meus receios presentes de o visitar. Afinal, apenas ele sabe que eu não
tenho o menor interesse em visitá-lo. Qualquer outra pessoa, ao ler a mesma carta,
vai pensar que meu amigo apenas está empolgado com as belezas naturais daquele
país. Embora morfologia, sintaxe e semântica sejam visíveis para todos (ou seja, são
níveis de conhecimento linguístico disponíveis publicamente), o nível pragmático
não é. Em todo o processo de comunicação, competência pragmática deve existir
por parte do emissor para que o processo seja realmente eficiente. Isso é possível
porque uma comunicação verdadeira só ocorre entre emissor e receptor porque eles
compartilham crenças anteriormente adquiridas conjuntamente.
Em paralelo com a questão da pragmática nas mensagens, há ainda questões
ligadas à finalidade ou objetivo do texto que denominamos de ‘intenção’. Afinal
pode ser que, dentre os inúmeros objetivos do emissor com o texto, o menor deles é
o de comunicar alguma coisa. Mensagens podem ter como objetivo provocar
determinadas impressões no receptor. Um exemplo interessante é o do indivíduo
que chega a um posto de gasolina com seu carro e um pneu furado. Ele então fala
para o primeiro funcionário do posto: ‘o pneu furou’ e aponta para o problema.
Essa mensagem não tem como objetivo dizer que o pneu foi avariado, mas fazer
com que o receptor faça alguma coisa diante da necessidade de se trocar o pneu.
Fala-se assim no problema da ‘subdeterminação da intenção comunicativa’, na
presença de expressões ‘semanticamente mal definidas’ e nos ‘atos não
comunicativos’ (Bach, 1979), todos eles representando aspectos privados do
processo.
É um exercício interessante analisar e encontrar cada um dos níveis de hirarquia de
sinais de comunicação nas cartas psicografadas por Chico Xavier. Cada um deles,
morfologia, sintaxe, semântica, pragmática e intenção aparecem vividamente em
diversas cartas, embora não extensivamente em todas ao mesmo tempo. Isso revela
aspectos ocultos do processo de comunicação mediúnico que está de pleno acordo
com a expectativa deinterferência, e que ainda não são bem compreendidos. Ao
contrário do que se pode pensar, a presença de interferência por parte do médium
nas psicografias é uma evidência forte de processo de comunicação, uma vez que
todo sistema de comunicação não está imune a interferências. Existe interferência
em cada um dos aspectos do processo, embora, para alguns deles, ela é menos
extensiva. Quanto maior o nível considerado, menor a interferência por parte do
médium. Reciprocamente, quanto maior esse nível tanto mais privada é a
manifestação do nível (ver Figura abaixo).
A pragmática e a intenção nas cartas estão diretamente ligadas a forte impressão
causada aos parentes dos comunicantes que foram chamados a ‘decodificar’ o
conteúdo, justamente pela presença de elementos que não estão publicamente
disponíveis. É necessário reconhecer que, para que a estratégia do emissor tenha
qualquer sucesso, um conjunto de crenças deve ser compartilhado entre o emissor e
o receptor e que essas crenças não estão disponíveis antes (ou depois) do ato
mediúnico. Se comunicar-se não é apenas ‘transportar’ informação, as cartas
psicografadas por Chico Xavier (nosso exemplo mais notório) só podem ser
explicadas se o médium teve ajuda explícita do emissor para escrever cada uma
delas. O emissor (Espírito) é o agente que detém completamente a competência
pragmática e a intenção, enquanto que o médium é o intermediário, interferindo
ainda como fonte de ruído irredutível no processo que se manifesta nos níveis
inferiores. Embora os aspectos mais superiores da pragmática e da intenção sejam
os menos imunes à ação de ruído (interferência) pela mente do médium, são
igualmente notáveis as comunicações ‘xenográficas’, ou escritas em uma sintaxe (e
semântica) diferente da conhecida pelo médium, que demonstram que o Espírito
tem o controle sobre níveis inferiores, além dos superiores. Esse é o melhor modelo
para se explicar os fenômenos e os dados oriundos das cartas psicografadas. De
acordo com esse modelo simplificado de comunicação, é compreensível também
que o caráter ‘automático’ ou ‘mecânico’ da comunicação é tanto maior quanto mais
completo deva ser o processo de comunicação nos vários níveis em que ele se
manifesta.
Nosso esforço aqui é parte de uma iniciativa que resultou em um pequeno texto
sobre a aplicação das modernas teorias da linguagem e comunicação aos dados que
se obtém das cartas psicografadas por Chico Xavier e que foi publicada na revista
‘Paranthropology’ (Xavier, 2010). Essa análise pode também ser aplicada a
produções psicográficas de outros médiuns. Mais importante do que isso, ela revela
que os aspectos justamente ‘não públicos’ são os mais importantes na
caracterização e identificação do emissor. Não é possível explicar o conteúdo
pragmático invocando-se aquisição de conhecimento por parte do médium ou
mesmo simples emulação. Os detalhes pragmáticos e intencionais dependem de
uma quantidade grande de conhecimento que é compartilhado historicamente
entre o emissor (Espírito) e seus familiares (receptores) e que não estão disponíveis
publicamente e que não se podem armazenar. Mesmo alguns aspectos públicos
(como a semântica) dependem de conteúdo privado, principalmente quando o
emissor intencionalmente faz uso de palavras com significado diferente do usual.
Esperamos que novas pesquisas sejam dirigidas ao estudo dos vários níveis que
caracterizam uma comunicação mediúnica efetiva além de outros aspectos. Parte
disso já tem acontecido, como um estudo recente sobre o papel das citações (Rocha,
2010) nos textos psicografados. Tais estudos descobriram textos desconhecidos de
Humberto de Campos citados por ele em Espírito. Esse estudo não é apenas
importante para caracterizar os vários níveis encontrados nas mensagens e, assim,
responder às dúvidas do ceticismo, mas também para formar uma imagem mais
precisa do processo psicográfico em si. Em particular eles podem revelar detalhes
sobre como se dá a interação entre a mente do médium e a do emissor a fim de que
o processo de comunicação seja o mais transparente possível.
Referências
Arantes H. M. C & Xavier F. C. O conteúdo das cartas foi publicado em
várias obras publicados pela Editora do Instituto de Difusão de Araras e GEEM
(ver, por exemplo, Ramacciotti C. & Xavier F. C. (1975), Jovens no Além).

Bach K. & Harnish R. M. (1979), Linguistic communication and speech acts,
Cambridge Mass: MIT Press.

Grumbach C., Gentile L. A. & Pelele P. P. (2010), As cartas psicografadas de
Chico Xavier, Crisis Produtivas and Ciclorama Filmes.

Rocha, A. C. (2010). Uma estratégia para a construção autoral na
psicografia: as citações. A Temática Espírita na Pesquisa Contemporânea, textos
selecionados. Editado por CCDPE-ECM.

Xavier A. (2010). ‘Pragmatic and intention in automatic writtings: the Chico
Xavier case’, Paranthropology, vol II, Numero 1, p 47-51. Disponível publicamente
em http://paranthropology.weebly.com/
Ver também: Cartas psicografadas neste blog em 3 partes.

Memória Genética e Reencarnação
Cada da revista 'Espiritismo & Ciência' (número 90),
com texto de nossa autoria . Editado pela Mythos.
Seções do artigo
1 - Introdução;
2 - Memória Genética e Eugenia;
3 - Consequências da tese da memória genética para a visão espiritualista do ser
humano;
4 - Qual é a situação atual?
5 - Considerações finais.
Agradecimentos
Referências
Descrição
A matéria de capa da revista Espiritismo & Ciência 90 fala sobre memória genética
e reencarnação. Esse conceito de memória genética refere-se à suposta capacidade
de herdarmos não apenas memórias dos antepassados, mas também suas
personalidades. Ele tem sido utilizado para tentar refutar o conceito de
reencarnação, mas sem sucesso. A matéria é assinada pelo físico Ademir Xavier. Os
passarinhos do bem de Marcio Baraldi, os Vapt&Vupt continuam firmes com suas
mensagens de paz e reflexão. A edição também traz comentários e sinopses de
livros espíritas, para você escolher sua leitura preferida. José Sola continua com a
série de textos a respeito dos livros de Chico Xavier, agora com a obra Há 2000
Anos, uma das mais populares escritas pelo Espírito Emmanuel. Na seção
"Desmistificando o Dogma da Reencarnação", o doutor Wladimyr Sanchez
responde perguntas dos leitores, aqui com uma longa explanação sobre o conceito
de reencarnação que surge no livro Missionários da Luz, de André Luiz. Paulo Neto
traz um interessante texto explicando qual a primeira obra espírita que deve ser
lida, baseando em informações fornecidas pelo próprio Alan Kardec. Carlos e
Carmen Imbassahy abordam as pesquisas científicas que permitem dizer-se que o
universo não é criação do Deus religioso que conhecemos. No texto de Rogério
Coelho, você poderá ler a respeito da relação entre ciência e religião, a partir do
ponto de vista de Allan Kardec e de Joanna de Ângelis.
Clique aqui para saber como adquirir a revista.
Editora Mythos
Vídeo II - 'Visitantes da outra margem' - Fenômenos de
Materializações descritos por Tom Harrison (Inglaterra)
Sra. Agnes Abbott.
Fenômenos de Aporte
Segunda parte do vídeo Visitantes da 'outra margem' com entrevista de Tom
Harrision.
Conteúdo
00:00 Segunda parte da entrevista;
01:38 Trecho de uma palestra com T. Harrison onde ele explica os primeiros
fenômenos de aporte;
05:20 Continuação da entrevista onde T. Harrison mostra objetos que foram
obtidos durante várias sessões de aporte;
Outros Vídeos

Primeira parte de Visitantes da 'outra margem';
A compilação de todos os videos podem ser visto
aqui:http://www.youtube.com/user/xavnet2


SAGB: Associação Espiritualista da Grã-Bretanha.
O colégio Arthur Findlay.
Kardec sobre o Ceticismo.
"Se eu estiver errado, basta apenas um crítico." - Albert Einstein (Seu comentário à
primeira edição do livro 'Hundert Autoren gegen Einstein', ou 100 autores contra
Einstein, em 1931)
Reunimos aqui algumas citações de Allan Kardec sobre o ceticismo. Outras
referências dele sobre o assunto podem ser encontradas nas diversas obras que
formam a codificação. Como pioneiro no desbravamento dos princípios
espiritualistas e sua verificação por meio de fenômenos considerados insólitos,
Kardec enfrentou problemas que legiões de cientistas (metapsiquistas e,
modernamente, parapsicólogos) iriam enfrentar quando a questão era defender e
explicar de forma satisfatória a fenomenologia psíquica. E a luta que ele teve que
enfrentar foi dupla: primeiro contra aqueles que negavam a realidade dos
fenômenos, depois contra os que, os aceitando, propunham explicações ilógicas, em
franca contradição com a multiplicidade de ocorrências e detalhes observados.
É importante que se diga que Kardec nunca teve a pretensão, como muitas críticas
procuraram mostrar ao longo dos anos, em ser árbitro da verdade:
Confessamos, sem constrangimento, nossa insuficiência quanto aos pontos para os
quais não temos resposta. Assim, longe de repelir as objeções e as perguntas, nós as
solicitamos (desde que não sejam ociosas e nem nos façam perder tempo com
futilidades), pois constituem um meio de nos esclarecermos. (RS, 1858, p. 294).
Há limitações ao conhecimento espírita, isso é um fato que, ao invés de diminuir a
importância da doutrina como se pode pensar inicialmente, a engrandece. De fato,
o valor de uma teoria está na capacidade que ela tem em fornecer explicações
elegantes para uma grande quantidade de fatos. Ora, uma vez que diga alguma
coisa sobre o mundo, é igualmente certo que a teoria tem limites. Não é objetivo de
uma ciência explicar todo e qualquer aspecto do mundo. Muitos críticos acreditam
que o Espiritismo, enquanto uma visão do mundo, deveria fornecer respostas para
tudo o que se observa nele. Isso não é verdade. A ciência da matéria também tem
suas dificuldades para explicar determinados aspectos da Natureza. Isso é normal e
esperado no processo de produzir conhecimento científico que diga alguma coisa
sobre o mundo. Por outro lado, muitos críticos controem (e ainda o fazem)
labirintos de hipóteses e explicações sem se preocupar em unificar conceitos e
buscar uma causa ou origem comum para o que se observa. Para cada fenômeno,
uma explicação diferente. Dito isso, é importante prestar atenção ao tipo de crítica
:
É logica elementar que, para discutir uma coisa é preciso conhecê-la, visto que a
opinião de um crítico só tem valor quando ele fala com perfeito conhecimento de
causa. Só então a sua opinião, ainda que errônea, pode ser levada em consideração.
Mas, que importância tem ela acerca de um assunto que ele ignora? O verdadeiro
crítico deve dar provas, não somente de erudição, mas também de profundo saber
com respeito ao objeto em exame, de julgamento são e de imparcialidade a toda
prova, sem o que o primeiro menestrel que surgisse poderia arrogar-se ao direito de
julgar Rossini e um iniciante em artes o de censurar Rafael. (RS, 1860, p. 269)
As condições que Kardec aponta para caracterizar um crítico sério estão descritas
acima e é instrutivo enumerá-las abaixo:
1.
Um crítico sério deve ter erudição. Por 'erudição' entende-se uma
bagagem mínima de conhecimento a respeito do que se pretende criticar. É
fácil ver porque essa condição é necessária;
2.
'Profundo saber com respeito ao objeto em exame'. Esse 'profundo
saber' distingue-se da mera 'erudição', pois essa última pode ser
caracterizada apenas como quantidade de informação. Há uma diferença
entre o saber verdadeiro e a mera informação. Estar informado a respeito de
algo é muito diferente de saber porque esse algo existe, como ele ocorre,
quais são as condições para que ele ocorra e assim por diante;
3.
'Julgamento são e imparcialidade a toda prova'. Colocamos essas
duas condições justas, pois a 'imparcialidade' é consequência do 'julgamento
são'. O 'julgamento são' implica em saber manejar a lógica dentro de leis que
são universalmente aceitas, embora essa capacidade possa ser apenas
tacitamente apreendida (é fato que há pessoas que tem dificuldade em
apreender a lógica em determinados assuntos, assim como há pessoas que
tem dificuldade para matemática, outras para as artes e assim por diante).
Se um indivíduo tem dificuldades com raciocínio lógico, ele dificilmente
será um bom crítico pois sua opinião, frequentemente, será parcial e
tendenciosa. Ao se observar a presença de tendenciosismo e a parcialidade,
toda a crítica está comprometida, pois coexistem 'interesses escusos' ou
implícitos que o crítico, se for honesto, deverá declarar.
Tais características que fazem parte de um 'crítico de primeira linha', manifestamse na maneira como a crítica é desenvolvida. É comum observar-se ataques
dirigidos a determinados pontos da doutrina por pessoas reconhecidamente
iniciantes no assunto. Mas isso não ocorre apenas com o Espiritismo. Em toda e
qualquer área do conhecimento onde se tem uma teoria ou escola que diga algo
positivo a respeito do mundo que nos cerca, é possível apreciar esse fenômeno
social, o de detratores despreparados e desesperados em refutar e combater (2). O
antigo provérbio português, "só se atiram pedras em árvores que dão
frutos," sempre deve ser lembrado. Qual é a causa desse fenômeno? Acreditamos
que seja uma tentativa de reafirmação pessoal que pode se manifestar em massa, no
coletivo, mas isso nos leva a um assunto que foge ao escopo desse post. Desta
forma, a polêmica é consequência do tipo de discussão, que é gerada dependendo
da qualidade da crítica. E, sobre isso, explica Kardec:
"Mas há polêmica e polêmica. Existe aquela ante a qual jamais recuaremos: é a
discussão séria dos princípios que professamos. Todavia, mesmo nesse caso, faz-se
preciso uma distinção: se se trata apenas de ataques gerais dirigidos contra a
doutrina, sem outro fim que o de criticar, e feitas por pessoas arraigadas em rejeitar
tudo quanto não compreendem, nada disso merecerá a nossa atenção; o terreno
que o Espiritismo ganha a cada dia é resposta suficientemente peremptória e prova
de que seus sarcasmos não tem produzido efeito." (RS, 1858, p. 293)
Da mesma forma como se pode descrever detalhes sobre o tipo de crítica, existem
diferentes tipos de discussões ou 'polêmicas' como Kardec descreve acima. Em
particular, deve-se manter distância de polêmica feita por indivíduos 'arraigados
em rejeitar tudo quanto não compreendem'. É fácil entender a razão disso diante
das características já enumeradas acima. O que fazer então? Kardec recomenda:
"Deixando aos nossos contraditores o triste privilégio das injúrias e das alusões
ofensivas, não os seguiremos no terreno de uma controvérsia sem objetivo; dizemos
sem objetivo, porque ela não os conduziria à convicção, sendo perda de tempo
discutir com pessoas que desconhecem as primícias do que falam. Só nos cabe
dizer-lhes: estudai primeiro, e veremos em seguida. Temos outras coisas a fazer do
que falar àqueles que não querem ouvir. Por outro lado, que importa, afinal a
opinião contrária de tal ou qual pessoa? Será essa opinião de tão grande
importância que possa entravar a marcha natural das coisas? As maiores
descobertas encontraram os mais rudes adversários, o que não as fez perecer.
Deixamos, pois, a incredulidade murmurar em torno de nós, e nada os desviará da
rota que nos é traçada pela gravidade mesma do assunto em pauta." (RS, 1860, p. 1)
No comentário acima, Kardec de forma lógica recomenda o silêncio contra
determinados tipos de crítica. Fazem parte delas, as que surgem naturalmente de
vários tipos de ceticismo, tanto aqueles que se põem contra os fenômenos como os
que se colocam contra a teoria. Tal como no exemplo citado sobre a Teoria da
Relatividade (1), Kardec chama a atenção ao fato de muitos princípios inovadores
não terem sido afirmados senão depois de muitas discussões. Entretanto, muitos
críticos podem seguir um caminho ainda mais extravagante. Sobre isso também
escreveu Kardec:
Cremos que, em certos casos, o silêncio é a melhor resposta. Há, por outro lado, um
gênero de polêmica que nos impomos a norma de abster-nos: é a que pode
degenerar em personalismos. Ela não só nos repugna, como nos tomaria um tempo
que podemos empregar mais utilmente, além do que seria bem pouco interessante
para os nossos leitores, que assinam o jornal para se instruírem e não para ouvir
diatribes(2) mais ou menos espirituosas. Ora, uma vez embrenhados nesse
caminho, dele seria difícil sair; eis porque preferimos ai não entrar, e julgamos que
assim o Espiritismo só terá a ganhar em dignidade. (RS, 1858,p. 293)
Uma 'polêmica personalista' é um debate cujo objetivo implícito é a disputa pessoal
buscada por alguns dos polemistas. Aqui estão em jogo forças que distanciam muito
o debate de qualquer tipo de discussão equilibrada e imparcial. De fato, não pode
haver imparcialidade onde se busque determinados tipos de ganhos (que podemos
considerar 'morais', em contraposição a ganhos materiais ou pecuniários). O gosto
de se sentir apreciado e vencido em um debate é recompensa considerada de alto
preço, que sempre ocorreu em vários setores da sociedade. Infelizmente também
reconhecemos que muitos espíritas e mesmo alguns setores do movimento espírita
endossam esse tipo de discussão contra a qual Kardec colocou-se já em 1858. E isso
por uma boa razão: por se tratar simplesmente de perda de tempo. Tal como
qualquer outro recurso, o tempo também é um bem que devemos considerar diante
de determinados tipos de ganho, lembrando ainda que o tempo é recurso
irreversível: uma vez perdido, é impossível recuperá-lo. Kardec reconhece ser
muito difícil sair desse tipo de caminho porque ninguém quer se sentir vencido,
ainda que a discussão tenha objetivo intangíveis e de pouquíssima importância.
O
julgamento
da
História
Que é feito hoje da memória dos que criticaram Kardec na sua época? Tentamos
nos lembrar de alguns nomes do passado. Para ajudar o leitor, listamos alguns
desses nomes nas notas de Apêndice deste post (3). Com essa nota, também
rendemos
nossa
justa
homenagem
a
eles.
O
Ceticismo
como
um
vício
filosófico.
Finalmente, relembramos o que disse Kardec sobre o ceticismo exacerbado. Para
ele ficou claro que ele se caracterizava mais como um vício filosófico, algo que nasce
não só da falta de conhecimento, mas da falta de madureza intelectual:
Há céticos que negam até à evidência, nem milagres poderiam convencê-los. Há
mesmo aqueles que ficariam bem desgostosos se fossem forçados a crer, porquanto
seu amor-próprio sofreria com a confissão de que estavam enganados. Que
responder a pessoas que por toda parte só vêem ilusão e charlatanismo? Nada;
deve-se deixá-los tranquilas, a repetirem, enquanto quiserem, que nada viram e até
mesmo que nada lhes pode ser mostrado. Ao lado desses céticos endurecidos, há os
que querem ver a sua maneira; os que, firmados numa opinião, a esta tudo querem
ajustar, não compreendendo existirem fenômenos que não podem sujeitar-se a sua
vontade. Eles não sabem ou não querem adaptar-se às condições necessárias. (RS,
1858, p. 153)
Entre os críticos, há os que poderíamos chamar de 'analfabetos filosóficos' que
parecem se enquadrar na classe de contraditores de que fala Kardec. Procuram eles
ajustar tudo o que vêem a sua maneira muito particular de ver o mundo, não
compreendem - ou não querem compreender - que existe uma realidade maior que
não se deixa perceber da mesma forma que a 'realidade menor' de suas vidas
particulares, que existem milhares de nuances e detalhes nos fenômenos da
Natureza a requerer esforço e dedicação (as vezes de vidas inteiras) para que sejam
compreendidos. Jamais negaremos a tais o direito de não acreditar, afinal é assim
que vivem os homens, cada um segundo sua visão de mundo, mas seria justo que
pudessem destruir fenômenos ou apagar a realidade tão só com efeitos de retórica?
De qualquer forma, o efeito de suas palavras, ao contrário do que se pode imaginar,
é fazer propaganda justamente dos princípios ou ideias que pretendem combater.
Referências
H. Israel, ed (1931). Hundert Autoren gegen Einstein. Leipzig: Voigtländer.
Z. Wantuil e F. Thiesen (1987), Allan Kardec - Pesquisa Bibliográfica e Ensaios de
Interpretação. Vol. II. Ed. FEB.
Notas de Apêndice
(1) Um exemplo clássico tirado da Física moderna é o da teoria da relatividade de
Einstein. Para isso ver 'Críticas à teoria da Relatividade'. Poucos sabem que, ao
longo de sua carreira como cientista, Einstein enfrentou uma crítica furiosa contra
suas conclusões e teorias. Por que? Uma resposta razoável é porque a Relatividade
possui respostas definitivas para os fenômenos que ela se propõe a explicar. Mas,
igualmente possível é imaginar que muita gente invejou a notoriedade que Einstein
adquiriu com o lançamento de sua teoria. Assim, não é difícil perceber porque
muitos lançam críticas a médiuns modernos, que alcançaram notoriedade em vida.
Há aqui muito mais que mera descrença.
(2) Diatribes: s.f. Crítica severa e mordaz; escrito ou discurso agressivo e injurioso.
(3) A lista abaixo traz alguns nomes de críticos e céticos do Espiritismo da época de
Kardec (ano da crítica entre parênteses). Talvez o leitor possa se lembrar de alguns
deles. A referência principal de onde tiramos tais nomes é Z. Wantuil e F. Thiesen
(1987).
Pe.
François
Dr.
Jobert
de
Sr.
Oscar
Dr.
Louis
Sr.
George
Sr.
Émile
Dr.
Armand
Pe.
Lapeyre
Pe.
P.
Sr.
Robin
Pe.
A.
Mons.
Pantaleón
Monserra
Sr.
Rewile
Sr.
Jules
Pe. Poussin (1868);
Chesnel
Lamballe
Comettant
Figuier
Gandy
Deschanel
Trousseau
Nampon
Barricand
Y
Claretie
Navarro
(1859);
(1859);
(1859);
(1860);
(1860);
(1860);
(1862);
(1862);
(1863);
(1863);
(1864);
(1864);
(1865);
(1866);
Entrevista III - Alexandre F. da Fonseca e a temática espírita na
atualidade (parte 2/2).
Continuamos aqui a 2a parte da entrevista de Alexandre Fonseca.
Para acessar a primeira parte.
EE - 6 Onde você acha que essa nova ciência deveria se desenvolver ? (academia
versus ambiente do movimento espírita)
Essa é uma boa pergunta. Eu penso que estando os Espíritos por toda a parte,
dependendo do tipo de projeto de pesquisa, qualquer lugar pode se tornar um
laboratório legítimo de pesquisa espírita. Ao meu ver, é a seriedade e os objetivos de
um trabalho de pesquisa que vai determinar se o projeto vai ou não contar com a
assistência de bons Espíritos.
Em termos das “frentes de trabalho”, o local de pesquisa mais comum na primeira
“frente” é a academia, sem contudo excluir o que chamamos de “atividade de
campo”, onde o cientista vai ao local onde pode encontrar de modo mais abundante
o objeto de seu estudo. O biólogo costuma ir às florestas investigar determinadas
espécies em seu próprio habitat, enquanto que o astrônomo não tem como
reproduzir em laboratório a grandeza do cosmos.
Pensando em termos da segunda “frente de trabalho”, o laboratório de pesquisa
mais comum pode ser tanto o centro espírita quanto um gabinete de leitura e
estudos. Porém, essa questão merece mais atenção pois o centro espírita, em minha
opinião, não deve formalmente se transformar em “centro de pesquisas”, sob pena
de prejudicar as outras atividades para as quais ele se dedica. Apenas ressalto que
nada impede que pessoas que lidam com a mediunidade, por exemplo, possam
fazer registros e anotações que permitam colher aprendizados posteriores, a
exemplo do que fez Hermínio C. de Miranda na obra “Diálogo com as Sombras”.
Nada impede que um grupo de trabalho de passes, realize um acompanhamento da
evolução da saúde de alguns assistidos. E se algum grupo dispuser de um médium
de efeitos físicos que procure investigar os fenômenos e suas condições e não
apenas assisti-los pela satisfação da curiosidade.
Outra ressalva importante é que ninguém, no centro espírita, deve ser
constrangido(a) a realizar algum trabalho de pesquisa, nem mudar sua postura em
sua atividade rotineira, em nome de um ideal no aspecto científico do Espiritismo.
Por exemplo, não é porque se pode fazer anotações sobre a mediunidade em um
grupo de desobsessão que os doutrinadores ou dialogadores faltarão com a atenção,
respeito e caridade em suas conversas com os Espíritos.
EE 7 - Como você acha que deveriam ser divulgados os trabalhos dessa nova
ciência?
É necessário haver um espaço apropriado, seguro e de baixo custo para divulgar
com a devida rapidez e facilidade os resultados das pesquisas espíritas. O melhor
que conhecemos dentro da Ciência é o esquema de publicação de artigos inéditos de
pesquisa através do método de análise por pares, o chamado “peer review”
(comentamos sobre ele na questão 5). Esse esquema permite a publicação rápida
dos trabalhos de pesquisa que, por conseguinte, permite a divulgação do quê vém
sendo pesquisado e como vém sendo pesquisado aos outros pesquisadores. Graças
a esse esquema, a Ciência constrói seu conhecimento na base da contribuição de
muitos cientistas.
O movimento espírita atual valoriza muito a obra publicada na forma de livro. O
lado positivo é que o livro é uma forma de registro permanente de um
conhecimento adquirido. O lado negativo é que interesses diversos aliados à falta de
espírito crítico de editores e leitores tornam o livro uma fonte de informações
muitas vezes insegura. No processo de divulgação dos trabalhos de pesquisa não se
pode perder tempo ou recursos. Na preparação de um livro, leva-se um tempo
maior para juntar e compor o seu conteúdo. Depois de pronto, os custos de
produção e distribuição de um livro são elevados. Além disso, nem sempre a
maioria dos leitores interessados tem recursos financeiros para aquisição de muitos
livros. Assim, a opção de uma revista de artigos de pesquisa preenche os requisitos
de rapidez e baixo custo de divulgação. Em tempos de acesso mais fácil à internet, é
possível editar e criar uma revista científica em que os artigos possam ser
divulgados a custo zero para o leitor, o que levaria a um ganho enorme em termos
de visibilidade do trabalho de pesquisa. Visibilidade é algo tão importante na
pesquisa científica que algumas editoras acadêmicas tem criado revistas de “open
access”, em que o leitor não paga para ler os artigos.
Esse tipo de metodologia de edição e escolha de artigos funciona da seguinte
maneira: especialistas em uma determinada área do conhecimento relacionada ao
tema de um artigo recém submetido para publicação, são escolhidos pelos editores
da revista para analisarem se os conceitos, métodos e rigores de análise do
problema em questão, foram empregados pelo(s) autor(ers) do artigo. Isso é feito
de modo anônimo, pelo menos, para os autores. Por ser uma atividade humana, é
natural que haja defeitos nessa forma de avaliação dos artigos, mas até onde
conhecemos, essa é a melhor forma de garantir que um artigo de pesquisa é
legítimo, cujos resultados foram obtidos de modo criterioso e sensato, podendo
assim ser lido com a confiança de que os critérios de bom-senso na pesquisa foram
seguidos. Obviamente que a publicação de um artigo ainda não significa
demonstração científica de algo novo, mas é o primeiro passo para que a
comunidade de cientistas e estudiosos da área tomem conhecimento formal da
pesquisa.
EE 8 - O que você acha da crescente onda de valorização de fundamentos da física
quântica por parte do movimento espírita?
Um exagero que denota a falta de noção de como a Ciência de fato se desenvolve.
Na ânsia de ver o Espiritismo mais divulgado e aceito pela sociedade, alguns
companheiros acreditam que a relação entre as teorias e descobertas modernas da
ciência, como a Física Quântica, e o Espiritismo mostrariam que o Espiritismo tem
valor científico. Infelizmente, isso é um engano que demonstra a falta de
conhecimento do significado do aspecto científico do Espiritismo. O movimento
espírita tem um potencial enorme de trabalho em pesquisa genuinamente espírita,
com um poder de demonstração de seriedade no aspecto científico muito maior
quando comparado ao ganho aparente que se imagina obter das afirmações da
relação entre a física quântica e os conceitos espíritas. Isso, sem falar dos textos
pseudo-científicos envolvendo física quântica que são divulgados no meio espírita
como a favor do Espiritismo, mas que contém afirmações completamente
contrárias a ele.
EE 9 - Como você vê uma possível interação entre o Espiritismo e uma disciplina
exata como a Física, por exemplo?
Imagino que é possível trabalhar na “interface” em que determinados fenômenos
sejam da alçada tanto da Física quanto do Espiritismo. Os fenômenos de efeitos
físicos são exemplos disso por se tratarem de efeitos materiais de causas espirituais.
Porém, diversos companheiros do movimento espírita, talvez por algum
entusiasmo, talvez por ignorância (sem intenção pejorativa), tem tentado associar
de modo precipitado alguns conceitos da Física com os do Espiritismo de uma
forma que eu chamaria de inversa. Por exemplo, com relação aos fluidos espirituais
há obras inteiras que tentam adaptar teorias e modelos modernos originalmente
desenvolvidos para descrever as propriedades da estrutura atômica da matéria, aos
conceitos de fluido. Muitos se esquecem de que a história da ciência mostra que
primeiro os cientistas desenvolveram as teorias para o comportamento da matéria
em escala macroscópica e só depois, por meio do aprimoramento e refinamento dos
experimentos, é que com base nos resultados experimentais, os cientistas
propuseram novas teorias para a estrutura atômica da matéria. Assim, em minha
opinião, antes de ficar imaginando que os fluidos ou o Espírito tenham ou sejam
uma função de onda como descrita pela teoria quântica, busquemos investigar e
esgotar o nosso conhecimento sobre as propriedades e condições físicas dos fluidos
e fenômenos espíritas na escala normal de tamanho, que é macroscópica, e só
depois quando tivermos sólidas informações sobre essas propriedades, começarmos
a imaginar, por exemplo, como poderia ser a estrutura em escala atômica daquilo
que chamamos de fluidos espirituais.
Para isso, poderemos contar com a possibilidade de usar diversos equipamentos
modernos e sensíveis que a nossa tecnologia já disponibiliza obviamente na medida
em que existam recursos financeiros para aquisição ou aluguel desses
equipamentos. Apesar das dificuldades naturais, há companheiros espíritas que
tem imaginado novos experimentos capazes de investigar as condições em que os
fenômenos de efeito físico ocorrem. Vide, por exemplo, o artigo de Ademir Xavier
em (livro do 6º encontro da LIHPE).
EE 10 - Como você vê as contribuições presentes de movimentos de grupos de
pesquisadores espíritas para o desenvolvimento da temática espírita? (que
sugestões você daria para tais grupos).
Primeiramente, dos poucos grupos de pesquisadores espíritas que conheço, é
preciso que eles recebam nossos sinceros parabéns e incentivo pelo esforço que tem
realizado no propósito de desenvolver pesquisa espírita. Temos relatos de estudos
que demonstram o número razoável de teses e monografias acadêmicas envolvendo
temática espírita ou de interesse espírita. Nas duas “frentes de trabalho” há grupos
como a Liga dos Historiadores e Pesquisadores Espíritas (LIHPE) que promovem
encontros anuais onde pesquisadores apresentam em formato próximo ao
acadêmico, seus trabalhos de pesquisa espírita, e grupos acadêmicos de pesquisa
espírita e espiritualista como o Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde
(NUPES). Essas contribuições estão motivando o engajamento de jovens em novos
projetos de pesquisa o que sem dúvida é positivo para o processo nas duas “frentes
de trabalho” mencionadas anteriormente.
Entretanto, noto que o movimento espírita em si parece ter pouco interesse ou
mesmo nem tem conhecimento da existência desses grupos e trabalhos de pesquisa
que vém sendo realizados até então. Eu acredito que isso se deve, em parte, ao fato
da divulgação desses trabalhos de pesquisa ainda não ser perfeita, com baixa
visibilidade que, como comentamos anteriormente, é algo importantíssimo ao
desenvolvimento da pesquisa em qualquer área. Na minha opinião, a criação de
uma revista espírita dedicada a artigos de pesquisa espírita, que tivesse o método de
análise por pares (o “peer review”) e divulgasse seus artigos de modo gratuito (pela
internet, por exemplo), permitiria um maior o acesso de um número maior de
leitores a trabalhos de pesquisa espírita legítimos.
EE 11 - Alguma mensagem final para nosso blog?
O blog A Era do Espírito tem se dedicado ao esclarecimento de conceitos
importantes sobre Ciência, Ciência Espírita, e os limites de validade de ambas. Em
particular, esses conceitos tem nos servido de base para compreendermos os limites
de validade da crítica feita ao Espiritismo. Estamos vivendo em uma época em que
há facilidade de acesso à informação combinada com a falta de formação científica e
filosófica de grande parte dos espíritas. E, diante da afirmativa de Kardec de que a
verdadeira fé só o é aquela que é capaz de encarar a razão face a face em todas as
épocas da humanidade, ao apresentar estudos sobre assuntos pouco discutidos em
outros blogs, páginas ou periódicos espíritas, este blog tem preenchido uma
importante e difícil lacuna de informar (e por que não dizer, formar) os leitores em
assuntos necessários para o fortalecimento da fé espírita.
Entrevista III - Alexandre F. da Fonseca e a temática espírita na
atualidade (parte 1/2).
Apresentamos aqui a primeira parte de uma entrevista com Alexandre Fontes da
Fonseca, conhecido articulista de 'O Reformador' e pesquisador espírita. Alexandre
é nosso conhecido e nos cedeu esta entrevista onde discorre sobre diversos temas
de interesse atual para o movimento espírita e para a pesquisa da temática espírita.
Alexandre é físico e trabalha na Universidade Federal de Volta Redonda. Para saber
mais sobre o Alexandre, você pode visitar sua página do Grupo de Modelagem
Física de Nanoestruturas. As respostas do Alexandre estão em azulabaixo.
EE 1. Como você conheceu o Espiritismo?
Meu pai frequentava um centro espírita na minha cidade natal, e ele me levava com
ele. Só na adolescência, porém, que tive oportunidade de participar de grupo de
jovens do setor de Evangelização do centro, e comecei a ler as das obras básicas e
algumas das obras psicografadas pelo Chico Xavier.
EE 2. Você acha que o Espiritismo tem algo a contribuir para nosso conhecimento
científico atual?
Sem dúvida! Sendo uma doutrina que revela as leis naturais que envolvem a
existência e sobrevivência da alma, e a possibilidade de comunicação entre a alma
dos ditos “mortos” com a dos ditos “vivos”, ela naturalmente abre um campo novo
de pesquisa que é de interesse tanto científico quanto filosófico e religioso. Em
particular, o Espiritismo oferece uma base teórica com a qual é possível investigar e
compreender os fenômenos que, mesmo hoje, ainda são considerados
sobrenaturais.
EE 3. Quais são os seus principais interesses na 'interface' Espiritismo - Ciência?
Eu particularmente tenho dois interesses distintos entre si que eu chamaria de
“frentes de trabalho”, ambas envolvendo aspectos diferentes da ideia que temos de
Ciência e sua relação com o Espiritismo.
Uma dessas “frentes” é o que acredito ser um dos maiores desafios da pesquisa
espírita que é investigar os fenômenos espíritas dentro dos paradigmas e métodos
das diversas áreas do conhecimento humano como a Física, a Química, a Biologia, a
Medicina, etc. Digo grande desafio, pois o fenômeno da vida, do ponto de vista
material, ainda é pouco compreendido pelas ciências materiais, o que dificulta
qualquer tentativa de se investigar, pelo lado da matéria, teorias ou modelos para
este fenômeno que incorporem o elemento espiritual como força atuante no
fenômeno da vida. É difícil meditar sobre onde e como o princípio inteligente atua
nos seres vivos se mal conhecemos como eles são e como se comportam em termos
do conhecimento das ciências materiais.
Isso, porém, não impede que se pesquise as características e condições materiais
em que alguns fenômenos espíritas ocorrem; ou efeitos indiretos da espiritualidade
como, por exemplo, a ação da prece ou dos passes na saúde humana, etc.
A segunda “frente de trabalho”, na minha opinião, é a que mais importância teria
no cenário do movimento espírita e que traria consequências positivas na forma
como a sociedade encara o Espiritismo. Essa “frente” consiste em desenvolver o
“aspecto científico” do Espiritismo. Apesar de parecer redundante, podemos dizer
que a atividade de pesquisa realizada constantemente por uma comunidade ou
grupo de pessoas é que torna, perante a sociedade, uma área do conhecimento ativa
no seu aspecto científico. Por exemplo, a comunidade de pesquisadores em Física
mantém ativa a pesquisa científica nessa área. E isso não ocorre por causa da
simples existência de físicos, mas porque uma boa parcela deles faz pesquisa
profissionalmente. Assim, na minha opinião, as pessoas do movimento espírita que
tem afinidade ao estudo e pesquisa, mesmo não possuindo experiência profissional
em pesquisa científica ou acadêmica, podem ser orientadas a realizar um bom
trabalho de pesquisa espírita, contribuindo de forma segura e racional para o
progresso do aspecto científico do Espiritismo ou daquilo que chamamos de
“Ciência Espírita”.
Enquanto que a primeira “frente de trabalho” é, em geral, muito difícil, e só pode
ser realizada por pesquisadores profissionais das diversas áreas do conhecimento
humano, a segunda “frente de trabalho” está mais próxima do movimento espírita
pois requer apenas um bom conhecimento das obras básicas da Doutrina Espírita, o
gosto pelo estudo, observação e meditação, e um pouco de orientação sobre O QUE
e COMO é um trabalho de pesquisa. Na minha opinião, uma das consequências a
médio ou longo prazos da segunda “frente de trabalho” é mostrar à sociedade que o
Espiritismo possui um subgrupo de pessoas que trabalham de modo sério no seu
aspecto científico o que, portanto, implica na existência de uma ciência espírita.
Outro benefício direto é combater as novidades que se apresentam de modo místico
e incoerentes com os princípios próprios do Espiritismo, o que perderiam o espaço
e o valor para aquilo que se obtém através do estudo e pesquisa sérios.
EE 4. O que significa para você 'ciência espírita'?
O conceito de ciência é amplo e filosoficamente envolve vários fatores. Entretanto,
se eu puder apresentar uma definição em poucas palavras, eu diria que ‘ciência
espírita’ consiste de conhecimentos que são obtidos através de atividades de
pesquisa baseadas em conceitos, métodos e rigores de análise definidos e descritos
pelo paradigma espírita.
EE 5. Como você vê o desenvolvimento dessa nova ciência?
Apesar de conhecer vários companheiros no movimento espírita se esforçando
tanto na primeira quanto na segunda “frente de trabalho” mencionadas na questão
3, minha impressão é que esse desenvolvimento ainda é pequeno. Isso ocorre não
somente pelas pessoas que fazem parte do movimento espírita não serem cientistas
ou pesquisadores profissionais, mas principalmente pela falta de interesse pelo
estudo sério e metódico. Felizmente, a nossa juventude espírita vive uma época de
maior acesso ao livro e à informação o que é um ponto positivo. O obstáculo
aparente é a falta de noção do que é um trabalho de pesquisa já que, infelizmente,
não se aprende a realizar pesquisa científica nas escolas e nem mesmo nos cursos
de nível superior. Profissionalmente, isso se aprende nos cursos de Pós-Graduação
do tipo strictu-senso, que são os cursos de Mestrado e Doutorado, mas dentro do
movimento espírita, não há necessidade de se ter títulos de pós-graduação para
realizar pesquisa de qualidade. As qualidades necessárias fundamentais são o
conhecimento sólido do Espiritismo e o interesse e gosto pelo estudo.
H. G. Andrade. (1913-2003)
Podemos citar alguns exemplos de pessoas que trabalharam na segunda “frente de
trabalho” acima mencionada. O primeiro exemplo que desejo citar são as pesquisas
sobre reencarnação e outros assuntos relacionados à área psíquica realizadas pelo
sr. Hernani G. Andrade. Cito, também, a obra “Diálogo com as Sombras” de
Hermínio C. Miranda que contém o relato das observações e conclusões que foram
frutos de uma atividade legítima de pesquisa espírita no campo da desobssessão.
De correspondências que troco com alguns companheiros espíritas, tenho a
impressão de que já existem vários grupos no movimento espírita que realizam
trabalhos de pesquisa em assuntos espíritas ou de interesse espírita, mas que, por
falta de uma melhor divulgação, não alcançam um número maior de pessoas.
Baseado nas condições que, via de regra, sempre estão presentes junto aos grupos
ou comunidades de pesquisadores das diversas disciplinas científicas ou
acadêmicas, eu acredito que existem fatores que, se pudessem ocorrer no
movimento espírita, ajudariam a “alavancar” o desenvolvimento da ciência espírita.
Enumeramos alguns desses fatores a seguir:
Primeiro, como já comentado, precisamos de recursos humanos, isto é, pessoas
dispostas ao árduo e paciente trabalho de estudo e pesquisa.
Segundo, precisamos de recursos financeiros para a pesquisa em si, para fomentar
encontros de pesquisadores, aquisição de materiais, equipamentos, investigações
de campo, etc.
Terceiro, precisamos desenvolver uma mentalidade de pesquisa, análoga à que
existe nos meios acadêmicos porém, sem o prejuízo que existe nos mesmos por
causa do egoísmo e do orgulho. Essa mentalidade de pesquisa envolve o
desenvolvimento de um senso-crítico que assegure a validade da análise das
novidades que surgem na atividade de pesquisa. Isso envolve tanto a capacidade de
auto-crítica quanto a de análise crítica da produção intelectual de outrem.
Enquanto no meio acadêmico isso muitas vezes ocorre de modo agressivo, no
movimento espírita o dever moral impõe o respeito ao próximo mesmo diante de
uma crítica. Em outras palavras, se faz necessário por em prática a recomendação
de Jesus: “Seja seu dizer sim, sim, não, não” (Mateus 5:37).
Quarto, precisamos de mecanismos de divulgação dos resultados de pesquisa mais
rápidos, eficientes e baratos, e que sejam similares ao que toda área de pesquisa do
conhecimento humano tem: revistas científicas ou acadêmicas dedicadas
exclusivamente a artigos de pesquisa, que utilizam o sistema de “peer review” para
a análise dos artigos. Esse método, mesmo sendo imperfeito, contribui para
maximizar as garantias de que os conteúdos publicados tiveram critério na sua
execução e bom-senso nas conclusões. As novidades publicadas por meio desse
método são mais confiáveis e menos suscetíveis a erros do que aquelas oriundas de
publicações individuais, onde nem sempre o conteúdo passou pela devida análise
crítica.
No próximo post, Alexandre discorre sobre o que seria necessário para aprimorar o
desenvolvimento da Ciência Espírita.
Livro IV - O Cérebro e a Mente (uma conexão espiritual) pelo Dr.
Nubor Facure
Há um grande fosso entre as considerações acadêmicas sobre as bases da
consciência e os postulados espiritualistas. Esses últimos colocam como origem e
destino das manifestações da consciência o Espírito ou princípio inteligente,
independente da matéria. Já as academias - nas chamadas 'neurociências' -
procuram explicar as manifestações de inteligência e consciência como subprodutos
da atividade neuroquímica do cérebro. Esse assunto certamente ainda precisa ser
muito desenvolvido, e o que as crenças acadêmicas sugerem são explicações para o
funcionamento de muitas funções cognitivas elementares, que se construiu a partir
de uma visão fundamentalmente descritiva dessas funções, bem como sua
localização no cérebro (ou seja, há um mapa que liga essas funções com partes
específicas da massa encefálica). Não obstante a existência desse mapa, inexiste
uma 'teoria da consciência' como muitos poderiam pensar que explique de forma
satisfatória as manifestações superiores da consciência (além disso, é preciso ainda
compreender o mistério que existe na chamada 'plasticidade neural').
O neurologista Dr. Nubor Facure é autor do livro 'O Cérebro e a Mente - uma
conexão espiritual' onde procura abordar o tema do ponto de vista espírita (e não
apenas espiritualista). O livro é formado por vários capítulos (que não são
numerados) conforme a sequência abaixo:

A Evolução do Cérebro

O Mapa do Desenvolvimento. Os Sistemas.

O Mapa do Desenvolvimento. As Funções.

Reconhecendo a Mente.

O Inconsciente Neurológico.

O Cérebro e a Mediunidade.

A Neurologia do Bem-Estar.

Revelações da Alma.

Psicognosia. O Reconhecimento da Alma.

O Homem Mediúnico. Uma perspectiva para o Ser Humano no futuro.

Ciência e Espiritualidade.

Doença Espiritual.

Eventos Históricos na Pesquisa do Cérebro e da Mente.
De início já comentamos que uma das grandes deficiências do livro é inexistência
de gravuras ou imagens que acompanhe as descrições feitas pelo autor
(principalmente nos capítulos iniciais). O livro não contém, de fato, nenhuma
ilustração exceto pela bela imagem da Nebulosa de Órion em sua capa. Uma vez
que a neurologia definiu e especificou a existência de um mapa entre funções
cognitivas elementares e partes do cérebro, seria muito mais didático se a descrição
do autor fosse acompanhada de figuras. Isso considerando a grande variedade de
áreas e funções existentes. A figura abaixo é uma imagem extraída de um modelo
aberto em Sketchup (cortesia de Fussolia) para o cérebro humano que pode ser útil
para os leitores acompanharem a interessante e bem feita descrição de Facure das
funções cerebrais.
Modelo 3d do cérebro segundo Fussolia (via sketchup), com algumas das áreas discutidas por Facure em seu livro.
Em 'A Evolução do Cérebro' o autor se baseia nos relatos arqueológicos sobre a
evolução do volume da massa do cortex, desde os símios até o chamado Homo
Sapiens. Nessa descrição, o autor não se aventura a fazer qualquer 'conexão' com o
princípio inteligente ou Alma que irá aparecer apenas no capítulo 'Reconhecendo a
Mente'. O estilo do autor é bastante livre, ele consegue descrever de forma simples
muitos dos conceitos. Há certa semelhança na maneira de apresentar cada conceito
entre o que escreve o autor e André Luiz em vários dos livros sob psicografia de
Francisco Cândido Xavier. Isso se caracteriza pelo uso do presente do indicativo
para se referir a acontecimentos passados e fatos históricos na forma de curtos
parágrafos.
Duas passagens doe 'O Cérebro e a Mente' me chamaram a atenção. Na página 41,
ao descrever o gigantesco número de conexões neurais existentes no cérebro e a
quantidade de informação genética supostamente necessária para descrever
detalhadamente tais descrições, Facure reconhece uma impossibilidade:
Ainda não se tem uma interpretação adequada para explicar quais os
mecanismos que direcionam essas ligações. Não sabemos, por exemplo, como os
neurônios do olho se estendem pelas vias corretas até a parte de trás do cérebro,
onde suas terminações têm que se distribuir por camadas de alta complexidade e
com a exigência de impecável de que cada fibra deve ocupar com precisão o seu
devido lugar. Acredita-se que a célula alvo contenha as substâncias químicas que
exercem o papel de atrair a 'fibra certa' com a qual se deve ligar. Convém
registrar que, enquanto temos milhões de gens, as ligações entre os neurônios são
de tal forma numerosas que, para desligá-las, uma a uma, a cada segundo,
seriam necessários 32 milhões de anos para completar a tarefa. Portanto, temos
muito pouco material genético para, por si só, direcionar todas essas
informações.
Em outras palavras, a quantidade de informação contida no código genético é muito
menor do que a necessária para descrever (ou mapear) as conexões neurais. De
onde vem essa informação adicional? O problema aqui é que, embora se possa ter
ideia dessas diferenças de informação, ninguém consegue quantificá-las
corretamente. Mas, a necessidade de perfeição no concerto dessas ligações indica
que alguma força adicional está em operação. Como a neurologia é conhecimento
essencialmente descritivo, inexiste qualquer evidência sobre como essa força
poderia operar, é como se apenas dispuséssemos da descrição de prédios e ruas do
centro de uma metrópole sem poder saber absolutamente nada sobre as forças
subjacentes que os utilizam durante a maior parte do tempo.
Outra parte interessante está na pagina 47. O autor considera que as estruturas
encefálicas necessárias para a inteligência do homem moderno já estavam prontas a
100 mil anos atrás. Ainda assim, ele considera:
Podemos questionar, então, porque só tão recentemente fomos capazes de
construir cidades, as pirâmides, a esfinge e redigir livros sagrados, considerando
que a disponibilidade do cérebro já podia nos permitir desempenhar essas funções
muito tempo antes. Pressuponho que a magnitude e a rapidez desse avanço, que
ocorreu nesses últimos 250 séculos, deve ter sido precipitado ela vinda de
criaturas,
mais desenvolvidas,
que
vieram
habitar
entre
nós, exercendo um papel de enxertia para a espécie humana.
Uma observação pode ser válida aqui: é possível que a história que conhecemos seja
apenas um esboço precário da verdadeira história pregressa dos últimos 100 mil
anos. É possível que nossa história verdadeira tenha começado muito tempo antes
dos 6 mil anos a. C. De qualquer forma, é interessante considerar que a arqueologia
e antropologias modernas especifiquem um 'surto' evolutivo para a cultura humana
apenas nos últimos 25 mil anos, enquanto que o cérebro moderno já estava
disponível 100 mil anos antes. Isso pode corroborar a noção de nossa cultura tenha
sido auxiliada pela vinda em massa de Espíritos mais evoluídos. Essa 'vinda' em
nada teve de extraordinária: ela se deu pelas vias normais do nascimento comum e
nada teve a ver com uma 'invasão' extraterrestre. Assim, nenhuma evidência física
dela será encontrada, apenas um surto de desenvolvimento, que é assinalado pelos
estudos arqueológicos sem nenhuma explicação aparente.
Em 'Reconhecendo a Mente', é feita a primeira abordagem da necessidade de se
incluir a Alma ou Espírito no quadro puramente descritivo das ciências
neurológicas. Isso é feito pelo autor evocando-se tratados antigos de diversas
culturas que reconheciam a existência de uma individualidade que é preservada
além da morte. É importante considerarmos aqui que a postulação da existência da
Alma não parte de uma necessidade meramente neurológica. De fato, podemos ter
dificuldades em explicar a falta de informação no código genético para explicar as
ligações neurais, mas o Espírito (sua existência e sobrevivência) vem como base
independente dessas considerações. De uma maneira diferente dos capítulos
iniciais, Facure descreve conceitos como Tempo, Matéria e Energia adentrando em
conceitos primitivos de Relatividade e Física Quântica para justificar
aparentemente a incompletude das descrições neurológicas da mente.
O Cérebro e a Mediunidade
O que também chama a atenção em 'O Cérebro e a Mente' é a tentativa de
desenvolvimento da noção de Kardec de que a mediunidade tem a ver com a
organização física do médium que, para Facure, sugere uma ligação estreita com a
estrutura cerebral (o que daria origem a uma 'neurologia da mediunidade'). Nesse
sentido, todos os tipos de mediunidade (mesmo aqueles que se poderiam
considerar os mais 'físicos') passam pelo filtro do cérebro para que possam se
manifestar. Isso contrasta fortemente com a opinião algo generalizada de que
mediunidade deva ser algo 'místico'. E, também, sugere não se poder falar em
mediunidade absolutamente mecânica, quando o médium apenas transmite o que
recebe sem nenhum tipo de interferência. Esboços em direção ao desenvolvimento
dessa ideia podem ser encontrado na pag. 84 ('Psicografia e Pintura Mediúnica'):
Com o desenvolvimento mediúnico, a psicografia e a pintura mediúnica
manifestam-se claramente como expressões de automatismos cerebrais, nos quais
o Espírito comunicante se utiliza dos núcleos da base e das áreas motoras
complementares para executar a tarefa. Por isso, ambos, a psicografia e a
pictografia, são executados com extrema rapidez; a caligrafia com frequência é
ampliada e não há necessidade de acompanhamento da visão por parte do
médium, porque ele já está treinado para execução do texto ou da pintura.
E não apenas isso. O conhecimento da maneira como o cérebro opera a codificação
dos sinais visuais para fornecer ao Espírito a visão integral de um objeto (1) parece
ser essencial para compreender as diferenças que existem entre descrições de
diversos médiuns videntes. Mais recentemente, em seu blog, Facure discute uma
possível explicação para esse fenômeno (2). Ele fala, por exemplo, que um paciente
epilético pode descrever uma maçã sem cor. Isso acontece porque diferentes
parcelas de informação de uma imagem vão para áreas diferentes do cérebro.
Portanto, como a mediunidade está essencialmente ligada a estrutura física do
cérebro, então diferentes médiuns poderão descrever diferentes aspectos de uma
cena exterior, uma vez que essa faculdade dificilmente estará uniformemente
desenvolvida entre eles (trata-se de uma nova faculdade em desenvolvimento na
espécieHomo Sapiens). A Psicometria (capacidade de certos médiuns de conhecer a
história pregressa de objetos físicos simplesmente ao tocá-los) é uma extensão das
funções do tato ordinário que são processadas no lobo parietal. Dessa forma, prevêse que as variedades (e intensidades) mediúnicas seriam tão grandes quanto as
variedades de funções cognitivas disponibilizadas pelas diversas estruturas do
cérebro. A nós parece que o Dr. Nubor Facure é um pioneiro na extensão desses
conceitos oriundos de modernas descobertas da neurologia para indicar uma
caminho a ser seguido na pesquisa da mediunidade no futuro.
O leitor poderá encontrar ainda vários neologismos usados pelo autor no livro (tal
como a palavra psicognosia com significado específico dado por ele), além do
conceito do inconsciente neurológico. Na parte final do livro há um instrutivo
quadro cronológico sobre as descobertas da neurologia, onde não deixam de figurar
as contribuições de Kardec e de outros investigadores para a compreensão integral
do ser humano. Não é possível estabelecer uma ciência da Mente onde o Espírito
seja dela derivado a partir de observações da neurologia, assim sendo:
Estando presos à realidade física que nos limita, não poderemos explicar a
fisiologia dessas aptidões. Todas elas estão ligadas a uma capacidade da Alma
que utiliza também o cérebro, mas transcende a sua fisiologia. (pag. 97)
Pelo menos, isso ainda não ocorreu. Mas, certamente, o livro do Dr. Nubor Facure
nos ajuda a aprender um pouco mais sobre o assunto.
Dados da obra
Título: O Cérebro e a Mente, uma conexão espiritual.
Autor: Dr. Nubor O. Facure
Na nossa edição, não pudemos encontrar o ISBN dessa obra.
Número de páginas: 174.
Editora: FE Editora Jornalística Ltda.
Referências
1.
Com relação à maneira como o cérebro interpreta inicialmente a
informação visual, uma descrição para os leigos pode ser encontrada no
Capítulo 4 do livro 'Fantasmas no Cérebro' de V. S. Ramachandran (Ed.
Record, Rio de Janeiro, 2004). Segundo este autor, existem cerca de 30
áreas no cérebro associadas ao processamento separado da informação
visual.
2.
Ver 'Mediunidade a visão das cores' postado em 26/11/11 no blog do
Dr. Nubor Facure. Há outros posts sobre o assunto mediunidade também.
Ciência e Fé
“A Ciência e a Religião são as duas alavancas da inteligência humana: uma revela
as leis do mundo material e a outra as do mundo moral. Tendo, no entanto, essas
leis o mesmo princípio, que é Deus, não podem contradizer-se.” (Allan Kardec)
Há opinião generalizada de que não é possível haver acordo entre a Ciência e a Fé.
Para muitos, Ciência e Religião jamais poderão ser integradas, posto que se
colocam hoje em dia em posições diametralmente opostas no que diz respeito à
maneira como o Mundo deve ser visto e interpretado. Como a Ciência - entendida
como conhecimento e não meramente como opinião acadêmica - foi capaz de
prodigalizar avanços nunca imaginados e de produzir conhecimento útil a respeito
desse Mundo, enquanto que a Religião estabelecida é herdeira de um passada
pouco memorável, prevalece o ponto de vista de que a Ciência deve substituir a Fé
em todos os setores da vida humana.
Semelhante estado de coisas é apenas produto de um ponto de vista muito
particular sobre o que Ciência e Fé realmente são. Quase sempre a última é descrita
como filha da ignorância e herdeira da presunção humana que assume uma
imagem do Universo sem a necessidade de provas. Os exageros pintados em cores
escuras que cercam a noção de Fé, se contrapõem aos exageros semelhantes mas
em tons coloridos que se formam em torno da Ciência. Esta é vista como produto da
exação e da lógica, da aplicação rigorosa de um método isento de erros e acima de
todos os interesses humanos. A favor desse quadro apresentaram-se versões de
fatos históricos, que se cristalizaram como verdades absolutas seguindo a opinião
de maior gosto e interesse de nossa época.
Entretanto, esse estado de tensão desaparece ao se encontrar uma nova noção de Fé
que se completa a partir de uma nova visão da Ciência, nascida da compreensão
integral de como esta opera e se estabelece realmente. Tal mudança de ponto de
vista com relação às noções de Ciência e Fé são parte dos fundamentos que deverão
estabelecer uma nova sociedade, mais equânime e menos dogmática em seus
pontos de vista.
Pois, apenas a uma causa deve-se imputar o aparente conflito que existe entre
Ciência e Fé: ao dogmatismo que ainda existe na sociedade humana. É a opinião
dogmática que devemos combater como sendo o pior dos vícios quando a questão é
fazer verdadeiramente Ciência e Religião caminharem lado a lado. Elimine o
dogmatismo e veremos aparecer uma nova Ciência e uma nova Religião prontas as
se darem as mãos em direção à Verdade. Elimine o dogmatismo e teremos uma
síntese perfeita do que pode a alma humana alcançar em termos do que é belo e
verdadeiro em sua plenitude: a respeito de nossas origens como espécie, de nossa
posição no Mundo, sobre nossas aptidões em realizar o ideal de beleza no campo
das artes, com relação a nossa 'religação' com a fonte primordial da Vida, que
constitui Religião no sentido mais exato do termo.
Repetimos
que
o
dogmatismo
é
o
responsável
por
todos
os desvirtuamentos da Religião: ele pode ser encontrado em todas as decisões a
respeito de assuntos que não eram de sua alçada, mas que se ligaram a ela por puro
interesse. E, quando se trata de defender seus maiores interesses (ainda que tais
interesses sejam inúteis e imaginários) é preciso ser dogmático. É o dogmatismo o
responsável por negar à Ciência sua capacidade de estudar e compreender assuntos
transcendentes porque tais assuntos fogem aos interesses imediatos de se fazer
Ciência. Logo é preciso alimentar o dogmatismo.
Em essência, nunca houve conflito genuíno entre o conhecimento puro a respeito
do mundo e a necessidade humana em se conectar à fonte geradora desse mesmo
mundo. Ambas são forças que nascem da ânsia de transcender a nossa vida
cotidiana, em procurar e se ligar a nossa verdadeira origem. Mas, por causa dos
interesses que se multiplicaram no meio do caminho que se traçou para essa busca,
Ciência e Fé tornaram-se, de acordo com esse ponto de vista popular, pontos de
vista antagônicos para se interpretar o Mundo.
Uma novo continente haverá de surgir desse oceano profundo, de águas escuras e
enodoadas por sangrentas e cruéis batalhas de outrora. Que morram os interesses
mesquinhos e veremos nascer uma nova Terra como uma nova síntese de estado de
coisas, de noções mais perfeitas e conhecimentos ainda mais exatos. Neste novo
mundo, desaparecerão as concepções de 'Religião' e 'Ciência', confundidas em uma
mesma busca, em um mesmo método de procura da Verdade que é, por si mesma, a
fonte de tudo que existe.
Conceitos básicos de Física Quântica I
As moléculas têm uma forma determinada?" Sem dúvida, as moléculas têm uma forma,
que não é perceptível para vós." ('O Livro dos Espíritos', questão # 34, 1857)
Apresentação elementar de conceitos básicos em física quântica para que o leitor possa
melhor julgar e se posicionar diante dos que pretendem misturar espiritualismo com
essa especialidade da física.
1. Introdução
A física exerceu enorme influência sobre o desenvolvimento das ciências modernas
nos últimos tempos. Sabemos hoje o quanto e ciência e a tecnologia têm
contribuído para o aprofundamento do abismo entre as sociedades ricas e pobres,
numa situação nunca antes vista na história. Nosso objetivo com a série de posts
que se inicia hoje é apresentar brevemente alguns conceitos de física quântica, a fim
de elucidar aparentes diferenças entre a visão do mundo fornecido por essa
disciplina e a maneira usual de ver o mundo. Isso é importante, uma vez que
descobrimos que o nosso jeito particular e puramente sensorial de apreender a
realidade não corresponde ao único existente. Existem 'outras realidades', o que
pode ajudar a nos distanciar do ceticismo em relação a novos fenômenos da
Natureza. Sabemos também que a física quântica tem sido evocada por grupos de
espiritualistas numa tentativa de justificar ideias e noções transcendentes do ser
humano ou do próprio Universo (ver "Física Quântica e os espiritualistas do século
21 - uma análise preliminar"). Antes de analisarmos e criticarmos essa postura, é
importante apresentar os novos conceitos da física quântica, mesmo que em nível
elementar, a fim de que o leitor também possa julgar melhor a polêmica e a
dificuldade apresentada por esse tipo de debate. Nosso objetivo não é, portanto, a
crítica.
Grande parte dos avanços da física neste século foram possíveis graças ao
desenvolvimento do programa de pesquisa da chamada "mecânica quântica"
também conhecida como física quântica. Seu desenvolvimento se deve basicamente
à convergência de três especialidades da física: o eletromagnetismo, a óptica e o
surgimento da física nuclear, bem como um conjunto de novos fenômenos que não
poderiam ser explicados de forma satisfatória pela física anterior, chamada de
'física clássica'. Em sua essência a mecânica quântica visa o estudo de sistemas
quânticos. Sistemas quânticos são sistemas físicos (isto é, podem ser sistemas
elétricos, ópticos, nucleares, eletrônicos, térmicos, mecânicos etc) cuja quantidade
de movimento ou energia associada é tão pequena que uma descrição clássica não é
possível.
2. Descrição clássica
O que é porém uma descrição clássica?
É a descrição de sistemas físicos desenvolvida pelos cientistas antes da
descoberta de fenômenos quânticos e que atingiu seu pleno desenvolvimento com
as contribuições deIsaac Newton (1643-1727) no século 18 (mas não exclusivamente
por ele). Newton tornou-se um dos pais fundadores da física clássica. Nossa crença
do mundo é clássica. Daí o nome 'física clássica' ou 'mecânica clássica'. Quando
dirigimos automóveis acreditamos que as posições e velocidades dos automóveis
que passam a nossa frente realmente refletem oestado desses sistemas de forma
simultânea. Sabemos que um erro de cálculo de nossas mentes pode ser fatal pois,
em se tratando dos sistemas “automóveis”, não é possível que dois deles ocupem a
mesma posição no espaço no mesmo instante de tempo. Quando ligamos aparelhos
elétricos sabemos (na verdade, nós acreditamos nisso) que a corrente elétrica da
tomada de força flui continuamente, o que possibilitamos o correto uso de
equipamentos. Quando observamos objetos a nossa frente, acreditamos que eles
estão na posição que nós observamos, no momento em que são observados, parados
ou em movimento, e não que se encontrem em outro lugar (mesmo que esse outro
lugar seja alguns poucos milésimos da distância da posição onde nós acreditamos
que esses objetos estejam).
Nota de 1 libra trazendo a imagem de Newton. O desenvolvimento da física clássica foi um dos triunfos da
civilização moderna.
A física clássica é a física dos objetos e coisas muito próximos de nossos sentidos.
Para ela o tempo flui continuamente, sem consideração a nada mais; o medidas no
espaço são definidos a partir de sua referência a um determinado ponto arbitrário
nesse mesmo espaço, que não se altera pela presença de objetos nele. Espaço e
tempo são conceitos primitivos e independentes um do outro. Objetos existem no
espaço com posições muito bem definidas. Movimentam-se nele com velocidades
que se pode determinar com precisão. O estado desses objetos clássicos é
determinado por arranjos experimentais sem que o observador interfira de forma
mais fundamental no processo de medida. Ou, se isso não for absolutamente
possível, há sempre uma maneira de se fazer um experimento de forma que o
processo de medida interfira o mínimo possível com o estado anterior desse objeto
(antes da medida). Ainda assim, é possível separar o efeito do observador, de forma
a se prever e reduzir sua influência sobre o objeto medido.
Essas características da física clássica acima deixam de ser válidas no universo
quântico, que é o domínio de existência de fenômenos quânticos. Isso ocorre
freqüentemente, porém, dentro de uma escala de dimensão peculiar. A Natureza
freqüentemente prega peças nos seres humanos, principalmente quando nos
baseamos em nossas experiências ordinárias ou tomamos como certo o mundo que
nos cerca (nossa experiência ordinária sensorial dele). Nesta nossa discussão,
apresentaremos brevemente alguns dos fenômenos quânticos que se tornaram
notórios no desenvolvimento da física quântica, a dificuldade de compreensão
desses fenômenos pelo “bom senso” que nos guia diariamente, e um panorama
geral da situação atual acadêmica da interpretação física desses mesmos
fenômenos. Por causa da dificuldade intrínseca do assunto, não poderemos senão
apresentar uma descrição necessariamente qualitativa e elementar, deixando
aspectos quantitativos e mais complexos de lado para inúmeras referências que
existem.
Se o domínio dos fenômenos quânticos é muito diferente do nosso, por que
conhecer física quântica é importante? Uma resposta a essa questão não pode ser
dada fora das aplicações dessa nova física. Isso porque todo conhecimento
científico que é útil tem uma aplicação definida de onde aproveitamentos práticos
podem ser feitos. Todos os equipamentos eletrônicos que usamos modernamente
têm como elementos básicos componentes que funcionam utilizando fenômenos ou
propriedades de sistemas quânticos. Também nos processos de comunicação a
distância (telecomunicações) alguns princípios quânticos importantes tais como a
noção de comprimento de onda, freqüência etc são utilizados. Dificilmente porém
teremos que nos preocupar com a física quântica em se tratando dos fenômenos
que impressionam diretamente nossos sentidos, pois a maior parte dos fenômenos
quânticos não podem ser apreendidos dessa maneira.
3. Alguns fenômenos quânticos
Experimento das duas fendas.
Um fenômeno quântico antigo que é de fácil montagem experimental é o fenômeno
de interferência de ondas (também chamado de experimento das duas fendas).
Esse fenômeno era bem conhecido muito antes do nascimento da física quântica,
pertencendo à óptica, pois se acreditava então (até o fim do século 19) que a luz
fosse formada por vibrações (ondas) propagando-se em um meio especial chamado
éter. Uma imagem ilustrativa do experimento é mostrada na Fig. 1. Uma anteparo
com uma fenda (S1) é iluminado uniformemente desde a esquerda. A luz,
propagando-se inicialmente seguindo frentes de onda plana (regiões de mesma
intensidade de luz), ao passar pela fenda, propaga-se com frentes de onda esférica
ou circular como mostrado. Se essa onda passar agora por duas fendas (S2), por
causa da interferência entre as oscilações provenientes de cada fenda, um anteparo
distante registrará a interferência na forma de regiões claras e escuras como
mostrado.
Fig. 1 Experimento das duas fendas.
Observamos que, invocando a natureza ondulatória do fenômeno, esse experimento
pode ser feito tanto com luz como com som. No caso de som, o que se registra na
região de interferência é a alternação entre zonas de ruído e zonas de silêncio. Uma
extrapolação do experimento de duas fendas que foi confirmada na prática
experimental e que constitui uma assinaturas da natureza quântica da matéria é a
seguinte: se, ao invés de luz, lançarmosmatéria na forma de partículas desde a
esquerda, esperamos intuitivamente que as partículas atravessem as fendas
discretamente, não se observando figura alguma de interferência no anteparo final.
Isso acontece porque nossa concepção aprendida de matéria é de algo bem definido
no espaço. Partículas são tratadas como 'bolinhas' que se movimentam no espaço
colidindo-se umas com as outras, sem chance de interferirem.
Fig. 2 Experimento de duas fendas com 'ondas de matéria'.
Entretanto isso não acontece! Lançando muitas partículas no experimento de duas
fendas, encontramos no anteparo final partículas que se distribuem no espaço
segundo uma padrão de interferência característico (Fig. 2). Poderíamos achar que
o padrão de interferência final fosse resultado da colisão (interação) entre as muitas
partículas que lançamos e que atravessam as fendas ao mesmo tempo. Isso porém
não é verdade, pois o padrão de interferência aparece ainda que lançemos uma
partícula por vez. A única explicação possível é mudar nosso conceito usual de
partícula ou matéria e associarmos um comportamento ondulatório a ela. Dizemos
que uma determinada partícula (pode ser um elétron, um átomo, coleções de
átomos etc) está associado uma onda que tem um certo comprimento de onda ou
freqüência característica e que se propaga no espaço prescrevendo nele a
intensidade de probabilidade de se encontrar a partícula em um dado ponto. De
maneira esquemática:
Uma Partícula está associada a
onde
é uma representação simbólica para a onda da partícula (letra grega psi, na
representação acima pronuncia-se 'psi de x', uma função matemática especial). Ela
está associada à probabilidade, por exemplo, de se achar a partícula em uma certa
posição do espaço dado por x. A primeira diferença da nossa descrição usual
(clássica) do mundo aparece. De fato, a matéria descrita do ponto de vista quântico
não pode ter sua posição fornecida com infinita precisão; existe uma incerteza dada
pela onda de probabilidade. Na experiência das duas fendas, essa onda de
probabilidade se manifesta na forma de interferência. Cada orifício na fenda 2
produz ondas de probabilidade que se interferem para formar a figura no anteparo.
Perceba que isso é verdade mesmo que tivéssemos uma única partícula. Mas como
pode uma partícula interferir com ela mesma? Há algo que se espalha no espaço,
ligado a uma partícula que, ao passar pelas duas fendas, é modificado no espaço,
resultando na figura de interferência que se observa no anteparo. Notamos, porém,
que no caso de uma única partícula, esta é capturada em algum ponto no anteparo
apenas nas zonas previstas pela distribuição de probabilidade modificada (Ver fig. 3
para uma simulação de uma partícula que se encontra confinada inicialmente em
uma região circular do espaço em vermelho). É preciso utilizar muitas partículas
para se formar uma figura de interferência 'por acumulação' como aquela obtida
por meio da luz.
Fig. 3 Fenômeno de espalhamento de uma onda quântica definida em uma região circular do espaço sobre um
anteparo com dois orifícios. Se fosse uma 'partícula clássica', ela teria ricocheteado na parede e nada seria visto do
outro lado ou ela teria atravessado um dos orifícios (caso fosse menor que eles). No caso de uma partícula quântica,
há interferência de sua onda de probabilidade, e a partícula pode ser encontrada do outro lado. (De acordo com
Fernandez Palop, 2009)
Essa 'onda de probabilidade' orienta a posição da partícula. Mas não só isso, ela
orienta também a velocidade dessa partícula. Como tudo é feito de partículas átomos e seus agregados - então a matéria que conhecemos tão bem no chamado
'nível macroscópico' como sendo algo tangível e de posição definida, não o é no
nível microscópico. Como então acontece de não percebermos essa variação
apreciável na probabilidade de posição tão comum no nível quântico? A resposta é
que, no nível macroscópico, quando se agregam muitos milhares de bilhões de
partículas em agregados, a discretização possível de interferência observada tornase microscópica, tão pequena que é imperceptível: surge então uma descrição
absolutamente contínua da realidade, desaparecem as incertezas e o 'universo
clássico' se estabelece. Isso é algo semelhante à ilusão provocada pela contemplação
de uma imagem num computador: essa imagem é feita, de fato, por milhões de
"pixels", mas cria uma ilusão de continuidade se vista a certa distância.
No próximo post: efeito fotoelétrico; tunelamento quântico (efeito túnel).
Sobre
alguns
termos
Estado - diz respeito a determinadas características de um sistema físico.
Ao se descrever o estado de um sistema físico, se está também definindo o próprio
sistema. Esse conceito será foco de um futuro post.

Sistema físico - é a região do espaço definida por determinados objetos
físicos submetidos a condições específicas. Um sistema físico tem determinadas
características que o descrevem, uma delas é o seu estado.
Referências

"A versatile applet to explore the wave behaviour of particles, " J I
Fernández Palop, 2009 Eur. J. Phys. 30 771. doi: 10.1088/0143-0807/30/4/010

Física Quântica e os espiritualistas no século 21 (análise preliminar).

Convite antecipado para participação do 8o ENLIHPE (2012)
Desde 2003, o Encontro Nacional ENLIHPE tem sido o espaço de encontro da LIHPE - Liga de
Pesquisadores do Espiritismo. A Liga é um grupo virtual de pessoas interessadas no estudo do
Espiritismo nos moldes acadêmicos. Isto quer dizer que se estuda a temática espírita de acordo
com regras acadêmicas. Os membros não necessitam ser espíritas para participar, basta que
respeitem os códigos de conduta do grupo e obviamente tenham interesse no Espiritismo.
A LIHPE foi criada para incentivar o registro e discussão da história do Espiritismo, e aos
poucos, foi agregando interessados que trabalhavam na fronteira entre o Espiritismo e as
chamadas áreas do conhecimento: filosofia, física, psicologia, ciências sociais, antropologia e
muitas outras.
Desde seu fundador, Eduardo Carvalho Monteiro, percebeu-se que apenas o intercâmbio à
distância é insuficiente para estabelecer grupos de trabalho e aproximar os membros. Foi então
criado o ENLIHPE, que é o encontro nacional, este de caráter presencial.
São Paulo abriu as portas para o ENLIHPE, especialmente o Centro de Cultura,
Documentação e Pesquisa do Espiritismo - CCDPE, que é uma casa fundada com o esforço
de muitas pessoas e o acervo bibliográfico e documental do Eduardo, doado após a morte.
CCDPE-ECM: instituição que abriga o Encontro
Nacional da Liga realizado tradicionalmente em agosto.
Há quatro anos as paredes do Centro de Cultura têm recebido membros da LIHPE e outros
interessados dos quatro cantos do país. Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio
Grande do Sul, Paraná, Piauí, Ceará, Bahia e Goiás são alguns dos estados que já enviaram
representantes ou expositores, ou mesmo participantes para o evento. Houve a presença de um
antropólogo italiano na participação do evento e o intercâmbio posterior possibilitou a
publicação de um trabalho monográfico na área da antropologia em seu país.
Se você tem algum trabalho na fronteira entre o Espiritismo e as ciências reconhecidas pelo
CNPq e até outras não reconhecidas (como é o caso da parapsicologia), comece a preparar seu
artigo para submissão. O ENLIHPE ocorre tradicionalmente em Agosto (este ano ocorrerá em
18-19 de Agosto) de forma que ainda tem muito tempo para participar. Evite, porém, deixar
para a última hora. Mais informações sairão no site da LIHPE: www.lihpe.net
Crenças Céticas XIX - O que o ceticismo dogmático produz de útil ?
Um tema que passa muitas vezes despercebido nas discussões céticas versa sobre as
consequências de longo prazo da postura cética em relação aos fenômenos
psíquicos e, porque não, com outras ocorrências anômalas que sabemos existir no
mundo. De forma mais geral, quais são as consequências práticas do ceticismo, se
principalmente dogmático, para o avanço do conhecimento humano? Será que ele é
capaz de produzir algo útil, além de mais adeptos a sua escola?
Se tivéssemos que investir tempo e recursos para a pesquisa de novos fenômenos,
de novas realidades além do que conhecemos de forma ordinária, no que
investiríamos: numa postura que aceita a realidade deles ou que os nega de
forma peremptória? Qual dessas posturas será capaz de fazer nosso conhecimento
avançar com relação a esses fenômenos? Podemos também encarar essa última
questão como a proposta para uma competição: daqui para frente veremos quem
consegue, seguindo cada qual sua maneira de encarar as coisas, realmente produzir
algo útil.
Porque conhecimento só tem valor se for útil
Não há nenhuma dúvida de que a ciência moderna só conseguiu chegar no ponto de
desenvolvimento presente porque ela se constituiu em um método capaz de gerar
conhecimento útil. Hoje, o desenvolvimento científico só acontece a partir de uma
decisão de investimento. Depois de uma descoberta científica, qualquer que seja
ela, a pergunta crucial é: ok, o que podemos fazer de bom com isso? Qualquer fundo
privado, por exemplo, somente irá investir em ideias que se possam mensurar em
termos de retorno financeiro, desde que produzam algo que tem valor para alguém,
algo que pode ser "comercializado". Isso se torna ainda mais forte em períodos de
crise econômica e aversão ao risco.
Alguns analistas erroneamente consideram que a tecnologia moderna é fruto de
uma ciência cética e materialista. Isso está longe de ser verdade. O desenvolvimento
tecnológico é fruto da ciência aplica e de decisões de investimento calcadas em
análises de mercado onde o objetivo é certamente o lucro financeiro. Empresas
organizam suas atividades de "P&D" (pesquisa e desenvolvimento) de forma a
maximizar o retorno de capital em projetos de pesquisa que tragam claramente
vantagens de crescimento para a empresa. Portanto, aquilo que se oferta em
tecnologia depende da existência de claras oportunidades de mercado. A existência
de mercados para determinados produtos tecnológicos, impulsiona o
desenvolvimento da ciência aplicada em um ciclo virtuoso, mas que eventualmente
tem o seu fim com a descoberta ou desenvolvimento de novas tecnologias.
Desta forma, grande parte do avanço tecnológico moderno está sendo feito a partir
de pesquisas aplicadas dentro de corporações privadas, onde o conhecimento
gerado dificilmente se torna público. Assim, há uma grande quantidade de
conhecimento genuíno e útil fora do ambiente acadêmico, o que torna difícil
defender o ponto de vista limitado de que avanços tecnológicos foram frutos de
pesquisas acadêmicas tão somente. Esta última é, majoritariamente, apoiada por
recursos estatais, onde as decisões de investimento são tomadas a partir de outros
critérios (por exemplo, acadêmicos) que não o da utilidade pública ou do mercado.
Por que essa discussão é importante? Em um sentido mais amplo, nossa postura
sobre o mundo também pode ser vista como uma decisão de investimento. Essa é,
por si só, uma maneira pragmática de se decidir no que acreditar. Trata-se de se
escolher aquela postura que fará o conhecimento não somente crescer, mas
produzir algo prático à sociedade. Por 'conhecimento útil' entendemos assim o
conhecimento que seja capaz de:

Gerar mais conhecimento que, por sua vez, também deve ser útil a alguém;

Gerar métodos ou procedimentos capazes de melhorar a vida das pessoas.
Historicamente, céticos (um exemplo é Carl Sagan) tem se colocado contra o estudo
da fenomenologia psíquica por entenderem que ele deriva de uma maneira arcaica
de ver o mundo. Muitos céticos extremados acreditam-se investidos da função de
críticos contrários a essa visão arcaica e irracional que estaria ameaçando nossa
sociedade. Criaram um duelo fictício entre uma sociedade tecnologicamente
avançada e outra que se torna marginalizada por conta na crença na existência de
fatos e coisas que eles consideram sem fundamento. A utilidade, assim, desse
ceticismo, seria livrar a sociedade moderna do 'perigo de se retornar à idade das
trevas', que se constitui, claramente, numa crença sem fundamento e até mesmo
ingênua. Outros céticos temem, na verdade, que recursos financeiros sejam
desviados de seus temas preferidos de pesquisa e conhecimento.
Uma busca minuciosa por uma aplicação prática desse tipo de ceticismo
dificilmente resultará em algo além da proposição 'livrar as pessoas da ignorância,
evitar com que a sociedade caia de novo nas trevas, evitar que sejamos enganados' e
coisas desse tipo. O medo maior de todo cético extremado é 'ser enganado',
esquecendo-se que ele se engana a si mesmo.
O ceticismo exagerado é, pois, uma postura infértil, incapaz de gerar conhecimento
útil e que só serve para cumprir determinados propósitos fechados em si mesmo.
Do que a história do ceticismo está cheia.
A. R. Wallace (1) descreve num relato breve o maior papel desempenhado pelo
ceticismo na história do desenvolvimento tecnológico e científico moderno. É
possível assim traçar, na história da Ciência, o verdadeiro papel desempenhado por
essa maneira peculiar de ver o mundo.
"Não é necessário mais do que referir-se aos nomes universalmente conhecidos de
Copérnico, Galileu e Harvey. As grandes descobertas que fizeram, como sabemos,
foram violentamente combatidas por todos os seus contemporâneos do meio
científico, para quem elas pareceram absurdas e inacreditáveis; mas nós temos
exemplos igualmente contundentes muito mais próximos aos nossos dias. Quando
Benjamin Franklin trouxe o assunto dos condutores de raios ante a Sociedade
Real, ele foi ridicularizado como se fosse um sonhador, e seu artigo não foi aceito
para a revista Philosophical Transactions. Quando Young propôs suas provas
maravilhosas da teoria ondulatória da luz, ele foi igualmente vaiado como
absurdo pelos populares escritores científicos de sua época[1]. A revista Edimburg
Review exortou o público a colocar Thomas Gray “em saia justa” por sustentar a
praticabilidade das estradas de ferro. Sir Humphrey Davy riu da ideia de Londres
ser sempre iluminada com gás. Quando Stephenson propôs empregar locomotivas
nas estradas de ferro de Liverpool e Manchester, os homens instruídos colocaram
em evidência a impossibilidade de se locomover a doze milhas por hora. Outra
grande autoridade científica declarou ser igualmente impossível navios a vapor
oceânicos cruzarem o Atlântico. A Academia Francesa de Ciências ridicularizou o
grande astrônomo Arago quando ele desejou discutir sobre o assunto do telégrafo
elétrico. Médicos ridicularizaram o estetoscópio quando ele foi descoberto.
Operações sem dor durante o transe mesmérico foram consideradas impossíveis,
e depois imposturas.
Mas um dos mais formidáveis, por se tratar de um dos mais recentes casos de
oposição, ou pelo menos descrença em fatos que se opunham à crença corrente de
sua época, entre homens que estão geralmente encarregados de ir mais distante
na outra direção, é o da doutrina da “Antiguidade do Homem”. Boué, um
experiente geólogo francês, em 1823 descobriu um esqueleto humano a oitenta pés
de profundidade no loess ou lodo endurecido do rio Reno. Foi enviado para o
grande anatomista Cuvier, que desacreditou completamente do fato. Ele
considerou este fóssil como sem valor, como se fosse inútil, e o perdeu. Sir C. Lyell,
a partir de uma pesquisa pessoal no local, agora acredita que as afirmações do
observador original eram bastante precisas. Nos idos de 1715, armas de pedra
foram encontradas com o esqueleto de um elefante em uma escavação em Inn
Lane, na região de Gray, na presença do Sr. Conyers, que as colocou no Museu
Britânico, onde elas permaneceram completamente sem notícia até muito
recentemente. Em 1800, o Sr. Frere encontrou armas de pedra juntamente com os
restos de animais extintos em Hoxne, Suffolk. De 1841 a 1846, o célebre geólogo
francês Boucher de Perthes descobriu grandes quantidades de armas de pedra nos
aluviões de cascalho do norte da França; mas por muitos anos ele não conseguiu
convencer nenhum de seus colegas, homens de ciência, que se tratava de trabalhos
de arte, nem mereceu a mais leve atenção. Por fim, contudo, em 1853 ele começou
a fazer adeptos. Em 1859-60 alguns de nossos mais eminentes geólogos visitaram
o local, e confirmaram totalmente a veracidade de suas observações e deduções.
Outro ponto neste assunto foi tratado de forma ainda pior, se for possível. Em
1825, o Sr. Mc Enery, de Torquay, descobriu pedras trabalhadas junto aos restos
de animais extintos na célebre caverna King's Hole; mas o relato de suas
descobertas foi simplesmente ironizado. Em 1840, um de nossos primeiros
geólogos, o falecido Sr. Godwin Austen, trouxe este assunto à Sociedade
Geológica, e o Sr. Vivian, de Torquay, enviou um artigo confirmando
completamente as descobertas do Sr. McEnery; mas ele foi considerado muito
improvável para ser publicado. Quatorze anos depois, a Sociedade de História
Natural de Torquay fez observações posteriores, confirmando inteiramente as
anteriores, e enviou um relato delas para a Sociedade Geológica de Londres; mas
o artigo também foi rejeitado, considerado muito improvável para publicação.
Agora, contudo, a caverna foi sistematicamente explorada sob a superintendência
de um comitê da Associação Britânica, e todos os relatórios anteriores enviados
durante quarenta anos foram confirmados, e foi mostrado serem ainda menos
maravilhosos que a realidade. Deve ser dito que “este era um cuidado próprio da
ciência”. Talvez fosse; mas todos esses eventos provam este importante fato: que
neste, assim como em todos os outros casos, os humildes e frequentemente
desconhecidos observadores estavam certos; os homens de ciência que rejeitaram
suas observações estavam errados.
Agora, são os observadores modernos de alguns fenômenos, usualmente
denominados sobrenaturais e inacreditáveis, menos dignos de atenção que os
outros já citados?"
Os que tem interesse em procurar a verdade, devem se perguntar sempre sobre o
melhor caminho a seguir quando se trata de gerar conhecimento genuíno a respeito
de fenômenos e ocorrências naturais. Devem também se questionar sobre a
utilidade do que acreditam. A insistência em permanecer na defesa de ideias e
posturas inférteis pode representar uma perda de tempo inestimável.
Referência
(1) A. R. Wallace. O 'Diálogo com os Céticos' (2011). Editora 3 de Outubro.
Nota de A. R. Wallace
[1] As citações que se seguem são exemplos escolhidos dentre os artigos do
Edimburg Review em 1803 e 1804: “Outra leitura Bakeriana, contendo mais
fantasias, mais asneiras, mais hipóteses sem fundamento, mais ficções gratuitas,
todas sobre o mesmo campo, e do fértil, mas infrutuoso cérebro do mesmo eterno
Dr. Young.” E novamente: “Ele não ensina verdades, não reconcilia nenhuma
contradição, não organiza nenhum fato anômalo, não sugere novos experimentos
e não conduz a novas investigações”. Alguém pode supor que se trate de um
cientista moderno desdenhando do espiritualismo!
Livro V - "Sinfonias Inacabadas" por Rosemary Brown.
Médiuns músicos – Os que executam, compõem ou escrevem músicas sob
influência dos Espíritos. Há médiuns musicais mecânicos, semimecânicos,
intuitivos e inspirados, como se dá com as comunicações literárias. (Ver o tópico
sobre Médiuns de Efeitos Musicais). A. Kardec (1)
Os escarnecedores devem apresentar alguma explicação para essa música, visto
não poderem rejeitá-la como não existente. Ela deve ser investigada
imparcialmente, é claro. Na verdade, eu mesma continuo a buscar as condições
necessárias a uma eficiente comunicação com o mundo dos Espíritos. (Rosemary
Brown, "Sinfonias Inacabadas", p.26)
Imagine conversar com Espíritos desde a tenra infância e crescer relacionando-se
com eles durante toda adolescência. Imagine receber deles centenas de
comunicações e ditados e desenvolver uma mediunidade produtiva, rica em
manifestações intelectuais por mais de 70 anos. Se alguém pensou que este é mais
um post sobre Chico Xavier, enganou-se. Rosemary Brown (1916-2001) foi uma
simples dona de casa inglesa que desde sua primeira infância conversou e recebeu
recados de gente falecida. Sua história de vida está bem contada no livro 'Sinfonias
Inacabadas - os grandes mestres compõem do Além' que é uma espécie de
autobiografia. Muita coisa já foi publicada sobre ela na década de 70, quando ela
teve um curto mas impactante aparecimento na mídia inglesa e americana para
depois voltar a sua vida pacata, longe dos holofotes e da fama. Sua história é
fascinante e tem paralelos impressionantes com a vida de Chico Xavier, com a
diferença que, ao invés de livros, ela recebeu músicas.
Franz Lizst (1811-1886).
Foram cerca de 500 partituras, obtidas por meio de 'psicografia musical', por
alguém que teve aulas esporádicas de piano quando permitidas por sua vida cheia
de dificuldades. Essas composições revelaram 12 diferentes estilos, todos
confirmados pela crítica. As dificuldades da Sra. Brown tiveram sua razão de ser,
pois fizeram crescer nela a força que precisaria para mostrar (ou executar) seus
ditados mediúnicos ao mundo, vencendo sua personalidade tímida. A mediunidade
musical é raríssima, mas foi detectada por Kardec conforme consta no Capítulo 16
de 'O Livro dos médiuns'. A variedade musical de Rosemary Brown foi desenvolvida
ao longo do tempo. Como tinha grande lucidez ao conversar com os Espíritos, eles
podiam indicar a ela nota a nota a composição final, além de marcar o compasso.
Seu principal mentor foi Franz Lizst (1811-1886) que se revelou quando ela tinha
apenas 7 anos de idade. A edição brasileira do livro traz um prefácio de Elsie
Dubugras que a compara ao grande médium mineiro. O livro é dividido nos
seguintes capítulos:

Capítulo 1 - O início

Capítulo 2 - Por que eu?

Capítulo 3 - O plano dos compositores.

Capítulo 4 - Lizst.

Capítulo 5 - A Vida após a morte.

Capítulo 6 - Chopin.

Capítulo 7 - Os compositores.

Capítulo 8 - Curas.

Capítulo 9 - A comprovação.
Para quem gosta de música clássica, o livro chega a ser divertido. Embora o
ceticismo em sua época tenha se interessado pelo fenômeno, ele não conseguiu
encontrar uma explicação plausível para a variedade de estilos demonstrados pela
médium. Explicar o fenômeno da Sra. Brown não é tarefa fácil fora da tese espírita,
pois a composição de músicas clássicas é uma atividade enormemente complexa,
que envolve um conjunto de faculdades intelectuais raramente encontradas. Além
disso, compor músicas não é uma atividade muito feminina (basta tentar se
recordar do número de mulheres na história que se dedicaram à composição). Do
ponto de vista da fenomenologia, certamente a psicografia musical é algo mais
notável que psicografia comum (literária).
O Capítulo 1 é cheio de histórias das fases iniciais de sua vida e da sua dificuldade
em se acostumar com sua faculdade extraordinária. As dificuldades porque teve que
passar, moldaram uma personalidade bastante flexível e, portanto, sensível para a
tarefa que haveria de se revelar mais tarde. Um resumo dos ensinamentos que teve
com o grupo de compositores pode ser lido no Capítulo 5. Os capítulos 4, 6 e 7 é
repleto de informações e detalhes pessoais dos próprios compositores. Sobre Lizst:
Sempre que ele me dá algum conselho, fá-lo de um modo muito delicado. Nunca é
autocrático. (p.99, Capítulo 4)
Sobre Chopin (1810-1849):
Chopin tem aparência de muito moço, o mais moço de todos. Uns trinta anos, diria
eu. Tem cabelos espessos e ondulados, é um belo sorriso claro que lhe dá um ar
bem juvenil. O rosto é bem talhado, ligeiramente oval, fazendo-o parecer um
rapazola (p. 150, Capítulo 6)
Sobre Rachmaninov (1873-1943):
O rosto de Rachmaninov é um tanto comprido e magro, e ele parece muito mais
rídigo do que realmente é. Porém, é muito compassivo, creio que por ele próprio ter
sofrido bastante. Disse-me que houve um período em sua vida em que se sentiu
totalmente desprezado como pessoa e como músico. (p. 170, Capítulo 6).
Sobre Debussy (1862-1918):
Geralmente pintam-no com uma barba, mas agora apresenta-se de cara raspada,
pelo um tanto pálida, bastante cabelo, bem escuro, partindo de imponente testa. Os
olhos são muito escuros e a voz grave. Às vezes, com o esforço em tentar
comunicar-se, soa um tanto áspera. É de temperamento bem sério. Quase nunca ri,
raramente sorri. (p. 175, Capítulo 6)
Sobre Schubert (1797-1828):
Uma das coisas que mais gosto nele é a sua expressão. Seus olhos são muito
brandos, e parecem irradiar cordialidade. É extremamente modesto e retraído,
quieto e ao mesmo tempo alegre, de certo modo, apesar de seu senso de humor ser
bastante antiquado. (p. 160, Capítulo 6).
Finalmente, no capítulo 'A Comprovação', Rosemary Brown descreve o impacto da
música dos compositores em diversas pessoas, os testes de lucidez mental a que ela
teve que se submeter para 'comprovar' que ela não era demente e os testes feitos
por parapsicólogos da época (dentre os quais Wilhelm Tenhaeff (1894-1981)) para
mostrar que sua faculdade não se devia a 'criptomnésia' (uma suposta 'memória
oculta'). Essas e outras explicações esdrúxulas continuam a ser aplicadas por quem
se impressiona com o fenômeno mas não aceita a tese da comunicação. Rosemary
Brown também descreve questionamentos de músicos ao seu trabalho, com
perguntas endereçadas diretamente aos compositores falecidos. Muitos ficaram
convencidos de sua correspondência com esses compositores e passaram a admirar
a música de Rosemary Brown.
Qual era o verdadeiro objetivo dos compositores
Será que os compositores decidiram criar um novo movimento musical por seu
intermédio? Do mesmo modo como não se pode dizer que o caráter da revelação
espírita não tem como objetivo fazer ciência, filosofia ou religião, o movimento de
compositores que se comunicou por intermédio de Rosemary Brown não tinha
como objetivo simplesmente fazer música. Seu objetivo foi declarado em uma
mensagem ditada palavra a palavra a Rosemary Brown por Sir. Donald
Tovey (1875-1940):
Ao comunicar-se através da música e da conversação, um grupo organizado de
compositores, que partiu deste mundo, está tentando estabelecer um preceito para
a Humanidade, ou seja, que a morte física é uma transição de um estado de
consciência a outro no qual conserva a sua individualidade. A compreensão deste
fato encaminhará o homem a uma visão interior de sua própria natureza e das suas
potencialidades supraterrestres. O conhecimento de que a encarnação no seu
mundo nada mais é do que um estágio da vida eterna do homem, promoverá
atitudes de maior amplitude do que as adotadas no presente e ensejarão uma visão
mais equilibrada acerca de todas as coisas.(p. 23, Capítulo 1)
Reencarnação
O Espiritualismo inglês historicamente cresceu dissociado da noção de
reencarnação. Entretanto, as personalidades musicais que se manifestaram por
Rosemary Brown sancionaram esse conceito. Ao questionar seu mentor a razão
porque ela teria sido escolhida para a tarefa de transmitir música, recebeu de Lizst a
seguinte explicação:
"Antes de você nascer, quando acedeu em ser a nossa medianeira, você teve que
concordar em passar por uma série de sofrimentos de modo a tornar-se mais
sensitiva." (p. 67, Capítulo 2)
Portanto, inexiste descontinuidade no nascimento. Mais ainda, há condições
restritas para que alguém possa desenvolver essa faculdade no grau de
desenvolvimento a que a Sra. Brown conseguiu chegar:
Sofrimento, como aquele porque você passou, ajuda a atuação do tipo de faculdade
de que você é dotada. As pessoas que levam uma vida fácil e tranqüila não são
suficientemente
sensitivas
para
conseguirem
comunicação
conosco
facilmente". (p. 67, Capítulo 2; grifos nossos)
Explica-se assim porque médiuns extraordinários são tão raros. Agora, porque
esses compositores escolheriam uma dona de casa para transmitir suas músicas e,
assim, passar a mensagem do pós vida? Não seria melhor que procurassem alguém
de talento, que tivesse uma educação musical completa, que soubesse melhor
transmitir sua intenção? A tais questões os Espíritos também cuidaram de dar
respostas:
O seu conhecimento é suficente para o que temos em mente. Se tivesse tido uma
educação musical completa, isto não nos auxiliaria absolutamente em nada. Em
primeiro lugar, porque um curso completo de música teria tornado muito mais
difícil a você provar que não seria capaz de escrever a nossa música sozinha.
Segundo, porque um acervo de conhecimentos musicais teria feito com que você
adquirisse muitas ideias e teorias próprias, as quais iriam ser um entrave para
nós. (p. 66, Capítulo 2)
Em outras palavras, excesso de conhecimento atrapalha a transmissão, cria muito
ruído. No caso da Sra. Brown, a música era transmitida por ditado - ou seja - ela
não tinha conhecimento do sentido musical da peça transmitida ao longo do
processo, apenas no final, quando ela era executada. Também ressaltamos que
composição clássica não é reconhecidamente uma atividade feminina. Ao escolher a
Sra. Rosemary Brown, os compositores elevaram ao máximo o impacto que seria
provocado por suas composições para a mente desconhecedora do fenômeno.
A
opinião
dos
compositores
sobre
a
'música
moderna'.
Finalmente não poderíamos deixar de citar a opinião externada por Lizst a
Rosemary Brown sobre música moderna. O caso aconteceu quando a Sra. Brown
ouvia rádio (na década de 60, é provável que se tratasse de alguma música dos
Beatles ou Jazz, mas isso não é dito pela Sra. Brown). Ela perguntou a ele o que
achava desse tipo de música e a resposta foi:
É uma série de sons vagamente interessantes, porém bastante grotescos. Creio que
o resultado poderia ser considerado engenhoso, do ponto de vista intelectual, mas,
em minha opinião, não é música. Não se pode manufaturar música. Ela deve provir
de alguma fonte de inspiração. Há compositores que conseguem compor
diretamente do seu intelecto, mas o resultado não será satisfatório, a menos que
haja, mesclada à música, alguma espécie de sutil inspiração. (p. 121, Cap. 4)
Desde então, a situação só piorou. Deixamos, entretanto, aos leitores apreciar e
julgar a sabedoria dessa opinião, no que se refere à música de nossos dias. Em
resumo, o livro de Rosemary Brown é muito bom, repleto de informações
interessantes sobre sua mediunidade, em particular sobre esse tipo raríssimo de
faculdade
mediúnica
ligada
à
música.
No próximo post, traremos mais informações sobre Rosemary Brown e a música
dos compositores por ela transmitida.
Dados bibliográficos
Título em Português: 'Sinfonias Inacabadas: os grandes mestres compõem do
Além'.
Autor: Rosemay Brown.
Título em Inglês: 'Unfinished Symphonies: voices from the Beyond'.
1971. Edição especial para Livraria Espírita 'Boa Nova'. São Paulo, Brasil.
Traduzido por Agnor de Mello Pegado.
Gráfica e Editora Edigraf S. A.
Entrevista IV - Dra. Ana Carolina Xavier fala sobre o câncer infantil e
as consequências da visão espiritualista no trato com a doença.
Apresentamos aqui uma entrevista com a Dra. Ana Carolina Xavier que é
professora assistente em hematologia pediátrica e oncologia no Medical University
of South Carolina em Charlestown, Carolina do Sul, Estados Unidos, que nos conta
um pouco de sua visão e experiência no tratamento de uma doença como o câncer,
principalmente quando ela afeta crianças. Ana Xavier tem Bacharelado e
Residência médica pela Universidade de São Paulo, além de Doutorado em
medicina pela mesma instituição.
Talvez os leitores já possam imaginar porque escolhemos esse tema dentro do
contexto das consequências práticas da visão espiritualista do mundo. Torna-se
bastante evidente que é fácil defender uma visão cética em relação à realidade
espiritual quando não se passa por um problema que lida diretamente com a
ameaça à vida ou, melhor ainda, com a necessidade da existência da continuidade
dela. Devemos analisar, pois os efeitos da visão oposta, a que sabe que aqueles seres
que ontem estavam conosco, na esperança de vencerem uma batalha gigantesca
contra uma enfermidade que não lhes ouviu os apelos infantis, hoje não mais estão
mas
que,
não
obstante
isso,
continuam
vivos.
Ao invés de discutir fundamentos sobre esse ou aquele aspecto do mundo conforme
a concepção de mundo adotada, podemos nos perguntar sobre quais seriam as
consequências práticas de cada uma delas, sabendo que 'árvores boas produzem
bons frutos, enquanto que árvores más produzem péssimos frutos'. Neste caso,
preferimos analisar as consequências da visão espiritualista da vida.
Perguntas
EE - 1) Ana, conte-nos um pouco de seu dia a dia e do seu trabalho.
Meu dia a dia no trabalho é bastante interessante. Eu divido minhas atividades
entre a clínica e enfermaria, onde passo visita a cerca de 15 a 20 pacientes e
supervisiono médicos residentes e estudantes de medicina. A rotina diária da
enfermaria pode ser bastante intensa e temos uma estrutura organizada que
permite que as coisas funcionem um pouco mais eficientemente. Nosso time é
composto não apenas do médico, mas também das enfermeiras, um farmacologista,
uma assistente social e uma nutricionista. Cada caso é discutido detalhadamente e
cada um contribui com sua experiência e opinião, objetivando o melhor para cada
um dos nossos pacientes.
Costumamos ver pacientes com variadas patologias hematológicas ou oncológicas,
mas a maioria deles são pacientes com alguma forma de câncer ou pacientes que
vão receber transplante de medula óssea. De maneira semelhante ao Brasil, temos
também um grande numero de pacientes com doença falciforme.
Na clínica, além dos pacientes recebendo algum tipo de terapia oncológica, tenho 2
sextas-feiras do mês dedicadas apenas a pacientes que completaram quimioterapia
há pelo menos 5 anos e estão “oficialmente” curados. Esse é um grupo muito
especial de crianças, porque eles são sobreviventes de uma doença que pode ser
fatal e de um tratamento bastante intenso, que, muito frequentemente, causa sérios
problemas mentais ou físicos que podem se estender pelo resto da vida.
Eu posso ter dias muito bons ou extremamente ruins, quando nada parece dar certo
para os pacientes. De qualquer maneira, eu me sinto bastante privilegiada de fazer
parte da vida dessas crianças e poder atender a tais grupo de pacientes.
EE - 2) Sabemos que o trabalho do médico, principalmente quando ele escolhe
como serviço o atendimento a doentes infantis de câncer, é pontuado de muitas
vitórias, mas um número igualmente grande de aparentes derrotas. Como você
encara isso?
Esse é uma questão fundamental. Na verdade, todo estudante de medicina ou
residente que está seriamente interessado no campo da pediatria oncológica deve
avaliar sua própria capacidade de lidar com constantes derrotas no dia-a-dia para
tomar a decisão final na escolha da carreira. Você está certo quando diz que temos
muitas vitórias: hoje é possível se curar quase 80% das crianças que são
diagnosticadas com câncer. O grande problema é que o caminho até a cura é
bastante tortuoso e longo, e representa um grande sofrimento não só para a
criança, mas como para toda a família e pode durar anos a fio. A derrota maior é
obviamente quando perdemos um paciente. Como profissional médico,
compreendo bem o problema fisiológico, e me é bastante fácil saber quando as
coisas não vão tão bem assim como gostaríamos. O problema é que todo esse
processo pode ser emocionalmente desgastante. Quando perdemos um paciente,
todos os que estiveram envolvidos no cuidado daquele paciente sofrem muito. A fé
individual ajuda bastante. No meu caso, penso que a vida continua e que o
sofrimento atual é, como disse uma vez Chico Xavier, um meio para expurgar as
culpas que trazemos em nós mesmos, e eles saem dessa vida em uma condição
superior àquela em que entraram. Isso me conforta e ajuda, mas mesmo assim,
muitas vezes choro bastante…
EE - 3) Como você lida com o processo de separação dos familiares das crianças
quando a 'sorte' se coloca contra as expectativas?
Geralmente tento estar por perto. Isso pode ser difícil também, porque não quero
interferir naquele momento tão único da família e sua criança. É um balanço
delicado, e temos que ser bastante cuidadosos. Na grande maioria das vezes,
conheço bem a família e sei de suas crenças e o que pode ou não ser apropriado
para uma determinada família. Procuro falar pouco e ficar ao lado deles, porque sei
que o momento é de dor intensa. Também tento ir a todos os funerais, mas confesso
que algumas vezes não consigo, porque dói bastante.
É impossível ser absolutamente impassível diante de tamanho sofrimento. O que
funciona como uma “vantagem” aqui é o fato de que esses pacientes, na maioria das
vezes, passam por um longo período de sofrimento ate o evento final, caso esse seja
o destino. Isso é certamente desgastante, mas ao mesmo tempo dá tempo para as
pessoas aceitarem o fato de maneira mais pacífica, sem muito do desespero que
acentua demasiadamente o sofrimento do paciente. Além do mais, muitas das
crianças já sabem que o finzinho delas esta próximo, e muitas vezes, elas avisam.
EE - 4) Você acha que a visão espiritualista do ser humano, aquela que postula a
continuidade da vida, pode ajudar no processo de separação?
Sim, certamente. É muito mais fácil acreditar que nos uniremos novamente após a
“longa viagem”, como se diz no Brasil. Tambem acredito que os pais, mesmo sem
acreditar que a vida continua, anseiam desesperadamente por isso. A Doutrina
Espirita tal como conhecemos no Brasil, não é bem divulgada nos EUA, de maneira
que o conceito de vida após a morte é um tanto diferente por aqui. Muitas pessoas
já me perguntaram o porquê de tamanho sofrimento. Geralmente respondo que,
por ser Deus justo, Sua causa deve ser igualmente justa.
EE - 5) Em que grupos de familiares (personalidade ou visão de vida) a dor da
separação se mostra menos pungente? Em qual grupo ela é maior?
Acredito que a intensidade da dor de se perder um filho é a mesma para os pais
independente do credo ou religião O que é diferente é a maneira com que as
pessoas lidam com a situação. Muito raramente a postura é de completo desespero
ou
revolta
diante
dos
fatos.
A aceitação sem
muita
revolta
é
uma característica comum a várias familias que passam pelo problema. Isso
acontece porque o curso da doença é bastante prolongado, o que confere tempo
para que as pessoas aceitem de maneira um pouco mais pacífica. Muito
recentemente tivemos um caso de um adolescente com câncer terminal que faleceu
cercado por seus familiares mais próximos e que estavam ao seu lado rezando para
que o momento de transição fosse o mais calmo e pacífico possível. Quando ele
finalmente expirou, os pais estavam certamente tristes, mas aliviados e agradecidos
a Deus pela passagem aparentemente tranquila de seu filho. Diante do fato
consumado, muitas vezes os pais querem ver os seus filhos libertos de todo aquele
sofrimento.
EE - 6) Você pode nos descrever o comportamento característico de seus pequenos
pacientes quando eles sabem do destino que os aguarda, ou seja, no momento em
que a separação se mostra inexorável? Tem algum caso especial que gostaria de nos
relatar?
Crianças de uma maneira geral são bastante resilientes (1). Elas aceitam as
dificuldades
de
modo
mais fácil que
adultos. Crianças com doenças crônicas são ainda mais especiais. Acho que
intimamente sofrem muito, pois sabem que não podem fazer a maioria das coisas
que as outras crianças da mesma idade fazem – como ir a escolar, ou praticar
esportes, ou brincar com os amiguinhos. Mas eles entendem, independentemente
da
idade,
que
a situação delas
é
especial
naquele
momento.
Crianças com câncer são geralmente altruístas, muito preocupadas com o bem de
outras crianças e de sua própria família, e os mais velhos tendem a “fazer de conta”
que estão muito bem para acalmar os pais. Quando a doença se torna incurável,
muitas das crianças comunicam à familia que vão morrer, ou que tiveram um sonho
em que estavam no céu ou que um anjo veio visitá-las no quarto. Esses
fatos são para mim bastante interessantes.
EE - 7) Você acha que a sua visão espiritualista ajuda você no dia a dia e no trato
com seus pacientes? No que ela mais te ajuda?
Sim, sem dúvida. Eu estou completamente consciente de minhas
próprias limitações em meu trato diário. Entendo bem que o que define o destino
de cada um é algo muito superior a mim mesma. Mesmo ao dar o melhor de mim e
oferecer o que há de melhor em termos de tratamento e apoio médico, lido
constantemente com derrotas, sem me revoltar ou me sentir ofendida. Além do
mais, acreditar que a vida continua e que o sofrimento existe para nos fazer melhor
é sempre reconfortante.
EE - 8) Quais os maiores obstáculos, na sua visão, contra a efetiva aceitação da
realidade espiritual do ser humano?
Acredito que o maior obstáculo contra a efetiva aceitação da realidade espiritual do
ser humano seja nós mesmos. Nós ainda temos dificuldades enormes em aceitar
algo que nao pode ser sentido através de nossos 5 sentidos elementares. Ainda
precisamos sentir em nossa pele o abraço daquele filho ausente, ouvir a voz da filha
distante para acreditar que aqueles que se foram estão realmente vivos.
EE - 9) Você tem algumas palavras finais para famílias que estejam hoje com
pacientes infantis de câncer?
O que eu gostaria de dizer é que me sinto profundamente honrada de poder ajudar
no tratamento dessas crianças e suas famílias. Obviamente, não gostaria que
ninguém tivesse que passar por isso. A grande maioria dos pais me pergunta o
porquê de sua criança ter desenvolvido câncer. Sentem-se culpados e procuram
entender no que falharam. Porém, a causa fundamental do câncer é ainda um
mistério médico a ser desvendado com a ajuda e permissão de Deus. A aceitação
pacífica dos fatos ajuda a compreender melhor o que é preciso ser feito e a
providenciar o melhor cuidado para a criança. Além do mais, é muito importante
que se comunique com a criança o que esta acontecendo com ele ou ela. Percebo
que os pais que tentam esconder o diagnóstico do filho tendem a ter maiores
dificuldades no dia a dia. Também acredito que esses momentos terríveis de
dificuldades que temos que passar são grandes oportunidades de melhorar a nós
mesmos, nossa família, nossas relações e provar o nosso amor aos que estão ao
nosso lado. Tenho certeza que no final, de uma maneira ou de outra, todos sairão
vencedores.
Notas
(1) Resiliência (ref. resiliente): diz respeito à capacidade que se tem de lidar com
uma situação angustiante, superar obstáculos e vencer dificuldades. No caso aqui,
uma doença.
Física Quântica e os espiritualistas no século 21 (análise preliminar)
Representação gráfica da molécula de DNA.
Do ponto de vista filosófico, espiritualista é todo aquele que acredita haver algo
além da matéria, que justifique os fenômenos da consciência, do ser e da
personalidade humana (e, porque não, dos animais). Deixa de ser espiritualista
aquele que acredite que a matéria seja a base para compreendermos os fenômenos
psíquicos e psicológicos. Essa é uma maneira muito didática de apresentar
conceitos que sempre geram muita confusão e é de autoria de Allan Kardec (*).
Mas, no que consiste esse materialismo? Já que a física moderna demonstrou que
existem modalidades de matéria muito distantes dos nossos sentidos, deixa de ser
viável acreditar que fenômenos com o da consciência sejam explicáveis por meio de
interação simples entre átomos entendidos como blocos rígidos de matéria. Além
desses 'blocos constitutivos', existem outras entidades na forma de campos ou
forças que atuam à distância, além de outros conceitos fundamentais que são
necessários para explicar como a matéria pode se organizar para constituir algo
vivo primeiro e, então, como esse ser vivo pode manifestar consciência. O
materialismo moderno, portanto, deve fazer uso dessas ideias e conceitos abstratos
para explicar como a vida e a consciência podem existir em nosso mundo. Mas
então, a raiz da palavra 'materialismo' na forma de 'matéria' ou aquela coisa
inflexível e positiva deixa de ter seu significado original.
Visto meramente do ponto de vista das definições que se faz para coisas e conceitos,
pode-se defender a ideia hoje em dia que há menos distância entre as as noções
espiritualistas do ser do que antes, durante o século 19, por exemplo. No auge do
positivismo lógico, a matéria que impressionava os sentidos era tudo o que poderia
existir. Hoje há meios de se compreender que o espírito (Nota 1) seria também
uma força, um outro elemento, inacessível aos sentidos ordinários como
ingrediente fundamental para a formação da consciência. Entretanto, há uma clara
dificuldade quando se trata de validar essa noção do ponto de vista considerado
'científico'.
A visão de Mundo pelos cientistas modernos (início do século 21)
Em paralelo com tal constatação, existe uma queixa por parte do mundo acadêmico
com relação a qualquer tentativa de explicação do mundo a nossa volta por meio de
conceitos que não nascem diretamente do processo considerado adequado de se
fazer ciência. É que o pensamento científico de nossa época se desenvolveu a partir
da ideia de que noções como a existência de deuses ou forças invisíveis conscientes
que atuariam diretamente no mundo são desnecessárias. No passado, a religião
organizada ditava as normas sobre o que seria considerado razoável e não havia
problema em se acreditar que o mundo era de fato regido diretamente pelas mãos
de Deus. Desde que a física clássica conseguiu explicar muitos dos fenômenos
mecânicos e elétricos do Universo com base na existência de leis cegas e sempre
operantes (não são leis arbitrárias como arbitrário pareciam ser os caprichos de
Deus), todas as outras ciências (principalmente a Biologia e a Medicina) também
buscaram desenvolver suas teorias dentro da noção de que leis cegas são suficientes
para explicar os fenômenos naturais.
Essa visão do mundo, conjugada à maneira positiva de se encarar as entidades
(coisas que existem no mundo, de fato) que trabalham como 'atores' nas teorias
científicas, levou a uma situação onde aparentemente não mais seria possível
acreditar na possibilidade de forças inteligentes (além daquelas que tem como
causa a existência dos seres humanos) atuarem diretamente no Universo. Há uma
imensa categoria de fenômenos naturais (que são objeto de estudo das ciências
físicas) que são claramente produto de forças ou leis cegas. Entretanto, a
comunidade acadêmica acabou se especializando neles e são hoje incapazes de
aceitar que há uma limitação de escopo na ciências que trabalham. Por se referirem
a fenômenos simples, colecionáveis, reprodutiveis etc, as teorias deles derivados
são necessariamente limitadas a esses objetos que criam uma visão de mundo
igualmente limitada. Acrescenta-se a isso o espírito corporativista das associações
científicas, e teremos um ambiente notoriamente cético em sua maneira de
considerar determinados fenômenos e avesso a qualquer tentativa de mudança ou
novidade, que é mal vista como um enxerto desnecessário e suspeito.
Surge a psicologia quântica
No que a física quântica mudou esse quadro? Uma resposta a essa questão
pareceria envolver necessariamente grande conhecimento dessa nova física. Mas,
no que nos interessa aqui, não deixa de ser interessante observar o fenômeno
recente de como essa nova física tem sido invocada para justificar a crença de
determinados grupos espiritualistas, psicólogos e até de grupos de acadêmicos
marginalizados (Zohar, 1999). O exemplo que encabeça a lista é a do físico e
escritor Amit Goswami que, numa série de livros, palestras e congressos, fez-se
conhecido como um 'ativista quântico' e propõe uma 'interpretação' radicalmente
quântica do ser humano. Além disso, vários parapsicólogos (Kugel, 2000)
aderiram à ideia de que é preciso utilizar a física quântica para explicar os
fenômenos psíquicos. Essa física também surge como uma novidade capaz de
motivar
uma
nova
psicologia
(Zohar,
1990).
O fenômeno é curioso porque a física quântica, não obstante ter introduzido uma
modificação bastante radical na maneira de se encarar as entidades que fazem parte
das teorias da física anterior, apenas é aplicável ao mundo infinitamente pequeno.
Trata-se da microfísica ou física das partículas e agregados atômicos, somente
atuante em escalas muito pequenas. Como então que essa nova física veio parar em
compêndios
de
psicologia
e
artigos
de
parapsicologia?
Nossa introdução anterior procurou fornecer um quadro muito resumido da atual
maneira de se encarar o mundo por parte dos cientistas. Uma vez que a física
quântica é um mistério - sua interpretação ainda é motivo de calorosos debates
entre os especialistas - parece ser conveniente para tais grupos invocar a física
quântica na psicologia, parapsicologia e até ecologia que também lidam com
mistérios. Como a física quântica é um mistério e a consciência é um mistério,
então o cérebro é quântico... Dessa forma, a física quântica surge como uma
validação científica de mistérios para uma ciência que aprendeu a encarar os
fenômenos naturais como se eles não o fossem. Dai também é compreensível a
irritação de muitos acadêmicos com a 'onda quântica' na psicologia e outras
disciplinas.
Desvantagens da abordagem quântica em assuntos espiritualistas
Alguns de nossos leitores poderiam nos questionar porque alguém que se afirma
espiritualista poderia ser contra essa abordagem 'quântica'. Minha argumentação,
em ordem de importância é conforme segue:
1.
Embora concorde que a física quântica alterou nossa visão do mundo
(microscópico), não é possível querer extrapolar essa nova física para a
psicologia porque os objetos de estudo dessa disciplina podem não ser
quânticos (Jahn, 2011, ver Nota (2)). Esta-se abusando demais de analogias
e interpretações para forçar uma nova maneira de ver o mundo derivada de
coisas que não são os objetos da vida cotidiana. Isso tem consequências
ainda maiores quando buscamos descrever os fenômenos oriundos da
atuação do espírito sobre a matéria. Para mim, o princípio inteligente (que é
a fonte de toda informação dos seres) não é quântico, os que assim pensam
ainda precisam demonstrar que é possível levar adiante essa ideia não
apenas como uma simples extrapolação;
2.
Ao se buscar descrever o comportamento da mente, do espírito ou da
consciência com base em analogias da física quântica, será que poderemos
também exportar diretamente os métodos de pesquisa da microfísica para
esses objetos de estudo? A tarefa de criar uma nova ciência não está apenas
em encontrar uma nova explicação para certos fatos, mas criar um método
de pesquisa que seja consistente, dê resultados práticos e possibilite
relacionamento harmônico entre diversas disciplinas correlacionadas. Em
suma: é preciso demonstrar a fertilidade heurística das analogias quânticas
nos estudos da consciência e psicologia;
3.
A psicologia e até as doutrinas espiritualistas de forma geral não
precisam de interpretações quânticas para descrever o principal objeto de
seus estudos. É possível conceber aplicações e métodos de grande valor
prático para essas disciplinas sem que seja necessário se recorrer à analogia
com a física quântica. Alíás, podemos argumentar que recorrer à analogias
da nova física pode prejudicar o desenvolvimento de novas ideias e novos
métodos de investigação nesses campos de conhecimento;
O conhecimento completo dos fundamentos da física quântica, ao ponto que seria
possível fazer propostas de aplicações inovadoras na pesquisa corrente da física é
uma atividade que leva anos de estudo e exige conhecimento nada elementar
de álgebra, geometria e cálculo. Será que as propostas de se interpretar o fenômeno
da consciência desde o ponto de vista da física quântica chegarão ao ponto de
incorporar também a necessidade de se conhecer e aplicar esses métodos de
pesquisa? De outra forma, como a ciência do 'psi quântico' irá se desenvolver?
Essas são questões que devem ser respondidas de forma satisfatória, antes que se
propague uma ideia que pode estar condenada desde seu princípio.
Além das justificativa pouco convincentes do ativista quântico Goswami (Fonseca,
2010), sabemos que é um fenômeno mais de aceitação, da necessidade de se ter o
endosso da ciência - que se crê popularmente ser a guardiã da verdade sobre o
mundo - do que qualquer outra coisa. Ao aplicar conceitos da microfísica na
psicologia humana, estamos diante de um quadro nunca visto antes de desespero
intelectual, um quadro sem nenhum respaldo de evidência possível, permitido por
uma brecha de interpretação surgida dentro da própria física.
E que brecha é essa? As forças admitidas cegas que guiam os fenômenos naturais,
continuam cegas nos fenômenos quânticos. Mas, mesmo assim, por sugerir
fortemente que podemos estar enganados com relação à maneira como vemos o
mundo, a física quântica fornece um contexto de conhecimento que se coloca
fortemente em desacordo com uma visão mecânica e puramente sensorial do
mundo. Nossa visão do mundo macroscópica (não quântica) pode ser apenas um
epifenômeno sensorial, não estamos vendo a realidade que é manifestamente
oculta. É principalmente isso que os 'ativistas quânticos' querem chamar atenção.
Mas duvido que isso seja um caminho prático para se gerar conhecimento útil no
que concerne à realidade do Espírito.
Referências

(*) Ver a Introdução de "O Livro dos Espíritos", Parte I.

Fonseca, A. F. (2010), Uma análise espírita da obra "A Física da alma" de
Amit Goswani, O Espiritismo visto pelas áreas de conhecimento atuais, Textos
selecionados Ed. por CCDPE-ECM, São Paulo.

Goswami, A. (1993) The self-awere universe. New York, Puttnam’s Sons;

Goswami, A. (1998). O universo autoconsciente. Rio de Janeiro, Rosa dos
Tempos;

Jahn R. G., Dunne B. J. (2011), Journal of Scientific Exploration, Vol. 25,
No. 2, pp. 339–341.
Kugel,W. (2000) Quantum correlation as a potencial detector for Psiphenomena. Proceeding of 43rd Annual Convention of Parapsychological
Association, Frieburg, Alemanha;

Zohar, D (1999), O Ser quântico, Editora Best Seller.
Notas

(1) espírito; de acordo com 'O Livro dos Espíritos' (Questão #23) o espírito é o
princípio inteligente, necessário para 'espiritualizar' a matéria.
(2) Os pesquisadores pioneiros em interpretações quânticas para a
consciência Robert Jahn e Brenda Dunne alertaram recentemente (Jahn, 2011):
Muitas pessoas involvidas em áreas de fronteira de estudo científico mostram
uma tendência de invocar a nomenclatura da mecânica quântica para aumentar
sua credibilidade acadêmica tanto com o público leigo como acadêmico. Embora
essa estratégia seja efetiva no esclarecimento de conceitos sutis e podem ser
caminhos úteis para se enfatizar a necessidade de perspectivas alternativas à
realidade, se levado ao excesso pode se tornar contraprodutivo e deve ser
cuidadosamente evitado. Primeiro de tudo, existe uma tendência compreensível,
se não totalmente legítima, das comunidades das 'ciências exatas' em evitarem a
aplicação do que entendem ser suas conceituações e classificações quânticas a
outras áreas menos precisas e rigorosas do conhecimento, especialmente quando
tais apropriações são escandalosamente vazias, se não totalmente incorretas. Em
nossa luta continua para o desenvolvimento de um referencial conceitual capaz de
acomodar a dimensão subjetiva da realidade, tais tentativas ingênuas parecem
ser mais ofensivas do que persuasivas. Mas, além disso, elas tentam obscurecer o
fato importante de que a mecânica quântica, como qualquer estrutura teórica, é,
em si mesma, uma técnica metafórica para se formalizar e comunicar
representações objetivas de observações e interpretações de dados subjetivos. (...)
Crenças Céticas XVII - Teoria das evidências fotográficas e de outros
tipos.
Não há dúvida que vivemos numa época de grandes inovações tecnológicas. A
começar pelo uso de recursos de imagem e som e de manipulações de elementos
desse tipo, o que é hoje parte da grande indústria cinematográfica. Mas, poderiam
imagens serem usadas como evidência da realidade de fenômenos insólitos?
Nossa principal tese neste texto é demonstrar que a alegação cética que rejeita a
proposição de fotos ou imagens para demonstrar a existência de fenômenos
paranormais (transporte de objetos, telecinese, materializações etc) também pode
ser usada com objetivo oposto: a de negar a validade da argumentação cética que
consideram tais fenômenos como fraude. Nesse assunto, a solução não é tão
simples como proponentes ou críticos frequentemente imaginam. A base ou
fundamento de nossa tese é uma concepção apropriada de imagens, filmes e sons
no contexto em que são muitas vezes apresentados.
Veja que não estamos a propor que não existem fraudes. Mas, diante da
complexidade que a Natureza exibe, com uma diversidade de fenômenos e
interações, será que o 'método cético' é realmente eficiente? Será que ele realmente
leva a conhecer a verdade? Será que devemos apenas acreditar naquilo que nossos
sentidos aprovam? Reiteramos que não é razoável insistir em teorias de fraude com
certas evidências para desqualificar fenômenos considerados insólitos, que
requerem condições especiais de ocorrência. Justamente por ser muito fácil
'fraudar' uma evidência, esse tipo de prova não pode ser usada para se negar um
determinado fenômeno, embora seja possível usá-las para se afirmar dentro de
determinadas circunstâncias.
Do ponto de vista lógico, assim, muitos céticos não percebem que as condições que
pregam para 'validar' o que considerariam contra-evidências, extrapola certos
aspectos lógicos não explícitos em cada caso, tornando-se uma tentativa condenada
desde o princípio.
Prova fotográfica
Para começar, analisemos o que é uma 'prova' fotográfica. Uma vez que recursos
técnicos podem ser usados para múltiplas imagens, as mesmas considerações que
fazemos aqui para fotos também valem para filmes. A fig.1 abaixo mostra uma
imagem razoavelmente compreensível de um evento singular.
Trata-se da imagem de um avião 'tentando' decolar mas demonstrando certa
dificuldade, talvez na iminência de um desastre total. Se nos perguntarmos sobre a
'validade' dessa imagem, uma pesquisa feita com a maioria das pessoas não
demonstraria nenhuma dificuldade em aceitar que se trata, realmente, de um avião
tentando decolar com dificuldade, com parte de sua asa quebrada etc. Em suma,
um flagrante de um acidente.
Fig. 1 Um avião na iminência de um desastre?
Entretanto, essa imagem é uma fotomontagem (isto é, uma fraude). Ela é o
produto de alterações feitas por um programa de computador que é capaz de
manusear parcelas da imagem e integrá-las de forma a constituir um todo final
convincente.
Uma imagem está assim longe de ser uma evidência autosuficiente. Há algo mais,
externo à foto que deve existir para que seja considerada verdadeira. O que é isso?
Uma pista para conhecer esse algo mais é se questionar sobre onde esse algo fica. A
resposta simples é que ele fica na cabeça de quem vê a imagem. Por causa disso,
uma imagem ou reprodução fotográfica de um objeto externo não existe por si
mesma:
I) Uma imagem ou filme é, em essência, uma representação de um objeto que só
existe na mente de quem o contempla.
É importante que esse 'algo' realmente 'exista', onde por 'existir' entendemos a
noção interna de quem observa, que obrigatoriamente teve uma experiência
sensorial com o objeto representado. Podemos clamar sobre a existência de outros
tipos de entidades não sensoriais, que existem sem nenhuma relação com nossos
sentidos. Mas, então, o que seria uma imagem ou foto de uma entidade desse tipo?
Quanto mais próximo a representação dessa 'coisa' estiver da experiência sensorial,
tanto mais realística será a impressão causada, tanto maior será a 'força' expressiva
da representação, tanto maior será a crença na validade da representação.
Alguns fatos validam essa noção:

Uma vez que as crianças - principalmente com menos de 5 anos de idade ainda não tem experiência sensorial plenamente formada, elas tendem a ver o
mundo de forma diferente dos adultos. A 'representação da realidade' para as
crianças não precisa ter os mesmos detalhes de um adulto. Desenhos simples ou
bonecos já são suficientes para se manipular conceitos e idéias na mente infantil;
A busca pelo realismo incentiva o desenvolvimento de novas tecnologias,
como a do cinema ou televisão 3D;

Ilusões de óptica: a existência de imagens dúbias e mutantes sugere que o
que se vê está mais dentro da mente do que fora;

Exemplo de Ilusões de óptica: o que se vê depende do que estamos acostumados a ver. Esta imagem não é um 'gif'
animado.
Onde está a verdade então sobre a foto que analisamos? Sendo a representação de
um objeto externo, não temos dificuldades em identificar do que se trata. Ainda que
não tenhamos contemplados fisicamente decolagem de aviões, já os temos visto
muitas vezes em outras ocasiões, seja na tv ou e filmes de cinema ou internet que
também são representações assertivamente válidas no contexto em que são
apresentadas.
Surge assim o segundo elemento importante em nossa análise:
II) O contexto de uma imagem ou filme é o segundo elemento que determina a
escolha que o observador faz internamente sobre a validade da representação
(imagem ou vídeo).
Em outras palavras, não é razoável que duvidemos de toda e qualquer foto ou filme
de desastre de avião só porque mostramos um exemplo forjado. Nosso princípio I
não é suficiente para garantir a validade da representação apresentada como
imagem. Desastres de avião são eventos raros e mais rara ainda é a chance de se
registrar um evento desse tipo. O fato de ser fácil forjar imagens de desastres de
avião utilizando tecnologia de ponta não significa que tais desastres não ocorram ou
que seja impossível registrá-los.
Esse é um exemplo clássico que demonstrar a dificuldade de se utilizar evidências
de foto ou filme em determinados casos. Imagine que, se para 'demonstrar' que
desastres de aviões existem, tivéssemos que reproduzir essa ocorrência em seus
mínimos detalhes para convencer os céticos desses desastres.
Aplicação para fenômenos insólitos
Fig. 2 'Raio verde'. Fenômeno raro que pode
ocorrer durante o ocaso ou nascer do sol.
No que segue, por 'fenômenos supostamente insólitos' não nos referimos apenas
aos fatos registrados na fenomenologia psíquica. Um fenômeno supostamente
insólito parece ter as seguintes características:
1.
Uma
ocorrência
imprevisível
(condições
de
ocorrência
desconhecidas);
2.
Uma ocorrência rara (a frequência com que ela ocorre é muito
pequena);
3.
De difícil registro fotográfico ou filmagem (no sentido de não serem
frequentes as oportunidades de registrá-lo, ou porque ele ocorre sob
condições em que não é possível usar com facilidade métodos de registro
fotográfico ordinário);
4.
Diz respeito a um objeto ou coisa para o qual não existe uma
'representação local e privada' para a maioria dos observadores;
5.
Não existe um contexto estabelecido que apoie a aceitação de sua
ocorrência.
Fig. 3 Raríssimas núvens do tipo 'mamatus' .
O objetivo de toda evidência parece ser a característica 5, ou seja, reunir 'provas'
que ajudem a criar o contexto de aceitação. Uma 'prova fotográfica' é, assim, uma
peça ou material que pretende formar uma opinião, um contexto, a respeito de um
determinado fato. A tarefa é simples com eventos ordinários. Por exemplo, no caso
do uso de uma filmagem como testemunho de um crime: aqui é fácil ver que não
obstante se cumpram quase todos os quesitos, um crime de difícil solução não tem
a característica 4, ele não se refere a objetos ou coisas para as quais a imensa
maioria não dispõe de uma 'representação local e privada'. Um crime é uma
ocorrência suficientemente ordinária para que essa característica não se aplique.
O que distingue um fenômeno supostamente insólito de outras ocorrências raras
mas ordinárias é sua causa considerada insólita. A característica 4 implica que não
existe um objeto conhecido que possa ser usado como referência. Por causa disso,
para os céticos sobre determinados fenômenos, o mais próximo que se chega para
cumprir a exigência 4 é imaginar que uma fraude está envolvida. Uma fraude é uma
ocorrência ordinária, facilmente concebível que torna nulo o requisito 4 e que,
portanto, desqualificá-lo o fenômeno no discurso do cético dogmático.
Entretanto, há uma imensa classe de fenômenos naturais que se enquadram nesse
tipo de fenômeno. Com são eles justificados? A partir de teorias ou modelos
científicos que permitem prever sua ocorrência. A Fig. 2, por exemplo, traz um
registro fotográfico do 'raio verde' ou 'flash verde' provocado pela refração
excessiva, assim como absorção de comprimentos de onda longos de raios solares
durante o nascer ou ocaso do sol. Trata-se de um fenômeno raro que dura somente
alguns instantes. Para alguém que desconheça totalmente o fenômeno, esta imagem
pode ser resultado de alguma edição digital, já que é fácil preencher digitalmente
com cores variadas determinadas porções de uma imagem. Já a Fig. 3 trás uma foto
das núvens tipo 'mamatus'. Para quem nunca contemplou o fenômeno, pode se
tratar de uma montagem fotográfica feita com superposição de um fundo de algum
líquido ou fumaça sobre uma imagem ordinária de uma paisagem. Mas, a existência
dessas nuvens é validada pela fluidodinâmica aplicada a condições meteorológicas
especiais (anda que o mecanismo exato de sua formação seja presentemente
desconhecido).
Nesses casos extraídos das ciências naturais, as imagens apenas fornecem registros
de ocorrência de fenômenos que são concebíveis. Portanto, as imagens não
constituem 'prova' no sentido de validarem o contexto. Em outras palavras, a
ordem com que se apresentam as circunstâncias está invertida: com tais
fenômenos, o contexto (a teoria) vem primeiro, as evidências são colhidas depois.
Conclusões
O que podemos dizer então da negativa sistemática das evidências tão comumente
encontrada no ceticismo dogmático? Na análise de toda crítica cética principalmente se ela se faz em tom agressivo ou debochado - o mais importante é
considerar os aspectos não aparentes da crítica, quais suas reais intenções e
objetivos. Esse é o contexto ou 'pano de fundo' que irá determinar como uma
evidência proposta será considerada. Não importa o quão 'séria' e 'científica' ela
pretenda se apresentar, na imensa maioria das vezes isso se dará de forma negativa
por
razão
muito
simples.
Por definição, para o ceticismo dogmático qualquer 'prova' será sempre suspeita até
que se cumpram determinados requisitos, todos eles frequentemente considerados
'imprescindíveis', mas que fazem parte de uma estratégia maior de desqualificação
de fenômenos. Quase sempre o cumprimento de determinadas exigências será
virtualmente impossível, o que, para os céticos dogmáticos, facilita a tarefa de
desqualificação dos fenômenos. É importante considerar a intenção: para esse tipo
de ceticismo, por definição, determinados fenômenos não existem. É preciso
entender que o cético dogmático é alguém que acredita que a Natureza não tem
segredos para ele. Considera que não há mais nada 'debaixo do sol', o que serve
para justificar sua crença. Logo todas as evidências que se apresentem são forjadas.
Partindo-se desse princípio, explicações são formuladas para ou invalidar a
ocorrência ou a evidência fornecida, o que é muito mais fácil.
Em síntese: se uma imagem é o que está na cabeça de cada um, qualquer 'evidência'
fotográfica que se apresente será sempre uma fraude na cabeça do cético, por
princípio, porque ele entende que nada pode existir que ele já não conheça.
Os fenômenos psíquicos, por outro lado, não pertencem à classe das ocorrências
ordinárias. Portanto, tais como fenômenos físicos de natureza material (raros e
contextualizados por uma teoria), eles não podem ser facilmente negados pela
invalidação de evidências fotográficas que se apresentem. O que torna os
fenômenos psíquicos tão especiais são as condições de ocorrência que são, na sua
imensa
maioria,
desconhecidas
e
totalmente
não
aparentes.
A possibilidade de existência de fraude está sempre garantida para todos os
fenômenos, inclusive os de natureza material. Como haveremos então de nos
posicionar quanto à realidade dos fatos? Se isso não é uma questão de resposta
simples, mesmo com os fenômenos naturais que são objeto de pesquisa científica
de causas materiais reconhecidas, podemos fazer ideia do grau de dificuldade que
encontramos com os fenômenos supostamente 'insólitos' ou 'sobrenaturais'. Eles
exigem a aceitação tácita de teorias bem fundamentadas, sem as quais é impossível
avançar na compreensão desses fatos.
Postado por Ademir Xavier às 13:15 0 comentários
Mensagem de Hermínio C. Miranda aos Pesquisadores que
participaram do 7o ENLIHPE
Aos Estudantes e Participantes do 7.o encontro do LIHPE.
Meus jovens amigos e amigas de ontem, de hoje, de amanhã e de sempre:
Gostaria de estar pessoalmente aqui, para viver este momento com vocês. De certo
modo, contudo, é bom que eu não esteja. Sou um sujeito emotivo e até a minha
cardiopatia é tida pelos médicos como de natureza emocional. Como iria eu
administrar minhas emoções, ao partilhá-las com vocês?
Alegra-me sobremodo ver vocês trabalhando na realização do impossível. Digo isto
ao me lembrar de Sir Winston Churchill, que costumava dizer mais ou menos
assim: “Difícil é aquilo que a gente pode fazer imediatamente. O impossível é que
demora um pouco mais.”
As leis divinas me concederam generosamente, tempo para realizar algumas
impossibilidades pessoais, superando pretensos obstáculos e supostos limites, que
misteriosamente desmaterializavam-se e me deixavam passar.
Foi assim que me tornei até um escritor. Imaginem só: eu, escritor!
Somente agora estou percebendo que os “impossíveis” começaram a acontecer,
depois que tomei conhecimento da abençoada Doutrina dos Espíritos, nos idos de
1957.
De algum tempo para cá passei a perceber algo singular. Ou seja: como é que a
gente assiste em certo nível de indiferença ao doloroso espetáculo do
estrangulamento do processo evolutivo da humanidade pelos implacáveis punhos
do materialismo dominante? É claro que, no decorrer de tal ditadura ideológica,
avançamos consideravelmente nas badaladas e sofisticadas conquistas tecnológicas.
Mas, não é a esse aspecto que me refiro. Desejamos mais do que isso, muito mais.
E para toda a comunidade humana onde quer que ela esteja pelas dobras infinitas
do espaço imenso.
Será que não podemos mudar – pacificamente e sem dores, pelo amor de Deus! --os
modelos políticos, sociais, econômicos, religiosos e culturais? Claro que sim. Não
apenas podemos, mas devemos mudá-los.Temos de mudá-los.
Vocês já estão trabalhando no projeto de reformatação do mundo em que vivemos e
no qual, viveremos ainda, não sei quantas vidas. Estão levando para o autorizado
foro de debates do meio acadêmico, a desprezada realidade de que não somos
meros corpos físicos perecíveis, mas espíritos imortais, pré-existentes,
sobreviventes e reencarnantes. Convém lembrar, ainda, que, ao separar
didaticamente o território das coisas materiais, do espaço reservado às imateriais,
Mestre Aristóteles certamente não pretendeu demonizar a Metafísica. Quis apenas
chamar a atenção para o fato de que esses vetores de conhecimento exigem
abordagem e tratamento diferenciados e despreconceituosos de gente que se
disponha honestamente a aprender com os fatos.
Decorridos mais de dois milênios, ainda ouvimos dizer que os componentes
metafísicos da vida são, crendices e fantasias pré-científicas, indignas da atenção
de intelectuais que se prezam. O que desejamos é presença de gente qualificada que
nos ouça e ajude a retirar o estigma que pesa sobre realidade espiritual. O resto
virá por acréscimo.
Parodiando o ex-Presidente Kennedy, não aspiremos ao que mundo pode fazer por
nós, mas ao que podemos fazer pelo mundo.
Que Deus nos abençoe. E nos inspire sonhos como este, dado que, se não
sonharmos, como é que nossos sonhos vão se realizar?
Eis o singelo recado do velho escriba.
Hermínio C. Miranda
Sobre o 7o ENLIHPE (Agosto de 2011)
Tive a oportunidade de participar do último 'Encontro Nacional da Liga dos
Historiadores e Pesquisadores de Espiritismo' e me vi cercado por uma atmosfera
de seriedade e profundo interesse em estudar e fazer avançar a temática de estudos
espíritas. Muitos poderiam se perguntar o que representaria essa iniciativa, já que
'Espiritismo' é francamente visto apenas como mais uma religião. Para o
movimento espírita, os livros de Kardec e algumas obras consideradas
fundamentais representam tudo o que o adepto deve procurar conhecer a respeito
de sua doutrina. Para os críticos e céticos, é mais uma mania religiosa que
provavelmente terminará algum dia.
O sucesso de encontros como o do ENLIHPE demonstram que qualquer que seja a
impressão, venha ela de onde for, ela não corresponde à realidade. O Espiritismo,
muito mais que um movimento religioso, fundamenta-se como uma maneira de
raciocínio filosófico que tem amplas consequências para diversas áreas do
conhecimento. É um empreendimento intelectual complexo, de muitas sutilezas,
capaz de fornecer respostas que, muitas vezes, nem seus adeptos mais esclarecidos
e, muito menos, seus críticos podem imaginar. Em primeiro lugar porque ele nasce
a partir de eventos singulares na Natureza, muitas vezes considerados 'insólitos',
mas que perdem seu caráter de anormalidade, uma vez que os postulados espíritas
sejam compreendidos de forma correta, sem serem exagerados ou desprezados.
Depois, porque os princípios espíritas, uma vez admitidos, têm alcance e validade
que apenas começamos a vislumbrar. Isso ocorre com toda nova ciência ou novo
conhecimento, pois é muito difícil aos pioneiros prever as consequências de um
conhecimento genuíno a longo prazo.
No meu entender, embora se possa professar o ponto de vista de que o lugar onde
se deve fazer avançar o conhecimento espírita seja o centro espírita e não a
Universidade, ou, segundo outros, que a Universidade representa esse ambiente,
associações como o ENLIHPE surgem como entrepostos avançados onde é possível
discutir a temática espírita com liberdade, sem a pretensão de se desviar a arena
verdadeira onde esse conhecimento se desenvolve. Na verdade, onde deve o
conhecimento nascer? Parece-nos que ele pode nascer em qualquer lugar e a partir
de qualquer indivíduo que tenha diante de si a chave para resolver um determinado
problema. Para isso é preciso ter competência e conhecimento, além de recursos
adequados para se fazer avançar o conhecimento.
O ENLHIPE é uma iniciativa desse tipo que, infelizmente, ainda não parece ter
recebido a devida atenção do movimento espírita. Sua maior vantagem é agregar
pessoas com interesses comuns, em que pese a ampla gama de disciplinas que
contribuem na realização dos estudos. Entretanto, mesmo essa característica é um
ponto favorável, já que ela permite o intercâmbio de ideias entre pesquisadores de
várias áreas de conhecimento.
Alguns exemplos
Na edição deste ano (2011), muito me impressionou saber que psicólogos e
psiquiatras debruçam-se sobre o problema dos gêmeos siameses ou pessoas que
nascem irremediavelmente conectadas de forma vital e que permanecem assim por
toda uma existência. Reza o conhecimento contemporâneo sobre o
desenvolvimento da personalidade humana, que ela é formada pela contribuição de
fatores genéticos e de influências do ambiente. Entretanto, como explicar que
gêmeos siameses idênticos, tendo permanecidos conectados fisicamente por toda
uma existência apresentem diferenças marcantes em suas personalidades? O
psicólogo clínico Júlio Peres expôs esse problema durante o evento. Tal evidência
demonstra a preexistência da personalidade humana, não depois da chamada
'morte' mas antes do que chamamos 'vida' ou nascimento.
H. C. Miranda deixou uma comunicação especial para o 7o ENLIHPE em 2011.
A comunicação de projeto de Nadia Luz: "Simetrias Históricas: o conceito teórico e
a prática na metodologia de Hermínio Miranda", também me impressionou
bastante. Trata-se possivelmente de uma contribuição importante aos
desenvolvimentos e estudos em historiografia utilizando um conceito que pode ser
validado no futuro, à medida que identificações de personalidades em múltiplas
existências tornarem-se mais frequentes. O trabalho de Nadia Luz, baseado em
uma contribuição de Hermínio Miranda, parece revelar mais um tipo de simetria,
daqueles que são tão frequentes na Natureza que, realmente, gosta bastante de
simetrias. Elas nos permitem descrever o que está 'do outro lado', no caso, revelar o
passado oculto de uma personalidade, baseado nos registros dos acontecimentos
mais recentes de sua vida. A tese das simetrias que se apresenta como uma
conjectura tem assim a vantagem de ser testável.
Em uma era de incertezas e contestações, de quebras de paradigmas e
recrudescimento de dúvidas, iniciativas como o ENLHIPE são muito bem vindas.
Lançamento de Livro no 7o ENLIHPE
O Espiritismo visto pelas áreas de conhecimento atuais. Textos
selecionados.
Sumário
1.
Introdução
2.
Uma análise espírita da obra "A Física da Alma" de Amit Goswami
3.
Conjectura e proposta esperimental para detecção de movimentos de
fluidos nas cercanias de médiuns de efeitos físicos;
4.
As narrativas de vida nas rodas de conversas com mulheres na
educação de aldultos: um lugar privilegiado de produção de saber na
perspectiva espírita;
5.
Espiritismo e engajamento político;
6.
Diálogos e ritmos: em busca de uma ideia de sujeito (na perspectiva
espírita) no trabalho com juventudes;
7.
Investigando relações entre voluntariado e contexto sociocultural
numa instituição espírita: Contribuições da Fenomenologia;
8.
O Espiritismo em teses e dissertações: um mapeamento da produção
acadêmica brasileira;
9.
O Espiritismo na Mídia: uma análise de conteúdo na maior revista
semanal do Brasil de 1968 a 2010;
10.
Memória de uma jornada.
Detalhes
Autores: Ademir Xavier, Aldenora Guedes, Alexandre Fontes da Fonseca, Ângela
Linhares, Benedito Dagno Moreira, Francisco Antonio Barbosa Vidal, Gardner
Arrais, Josael Jario Santos Lima, Kátia Penteado, Marco Antonio F. Milani Filho,
Miguel Mahfound, Sinuê Neckell Miguel, Tiago Paz e Albuquerque, Yuri Elias
Gaspar.
Organizadores: Jeferson Betarello e Jáder dos Reis Sampaio.
Editora: UNIFRAN / CCDPE-ECM
Ano de Edição: 2011
Para adquirir a obra, consulte o site do CCDPE.
Obras históricas raras sobre materializações e fenômenos de efeitos
físicos.
Em longa e silenciosa espera, de noite triste e sombria,
Minha alma clama em agonia ao Deus de Amor e Luz.
Que em minha hora de densa treva, seus Santos Emissários,
Trazendo luz e esperança, dêem a minh'alma o poder
De se elevar acima da sordidez terrena,
Tão cheia de disputas e preocupações,
A fim de que eu busque os raios da Eterna Existência.
Lá, onde o amor se encanta de felicidade, onde tudo é justo e brilhante,
Onde flores se enchem de doce perfume, numa existência sem noites,
Minha alma se levanta indômita, minha noite de angústias se esvai.
Oh, Deus de amor, Tu me conduz por celestes praias.
Meu coração chora de contentamento a Ti por todo seu Amor.
Em tuas mãos eu me coloco, meu Senhor, pois Tu atendeste a minha prece.
Recitado pelo Espírito de Tia Agg (foto), materializada em 21 de Julho de 1950, em resposta ao
Sr. Brittain Jones - conforme explicado no livro 'Visitas de nossos amigos do outro lado', por T.
Harrison (Para o poema original em inglê, ver nota 1, tradução de A. Xavier).
A recente onda de ceticismo, que se contrapõe a outra onda crescente de interesse
por questões transcendentes, tratou de descrever como fraude o chamado 'caso' das
Materializações de Uberaba. Com o tempo, mentiras inventadas faz bastante tempo
(mais de 50 anos) para desqualificar o fenômeno se tornam facilmente 'verdades
inquestionáveis' para muitos crentes céticos, que aumentam assim a estatística dos
mal informados.
Como diria o filósofo George Berkeley, 'a verdade é o clamor de muitos, mas jogo
para bem poucos'. As materializações de Otília Diogo não foram as únicas que
ocorreram. Existiram muitas outras, fora do Brasil inclusive, envolvendo centenas
ou talvez milhares de testemunhas. Obviamente, a maior parte da crítica e dos
céticos ignoram tais casos. Muitas narrativas céticas do 'caso' Otília Diogo são feitas
como se ele fosse um evento único e, por essa razão, profundamente suspeito.
Concordamos que não é facil acreditar nesses fenômenos. Eles são raríssimos e
implicam em uma revisão radical em nossa maneira de ver o mundo, coisa que
pouca gente está disposta a fazer. Entretanto, foge também à lógica e à razão - que
tantos céticos e críticos afirmam seguir - classificar todas as pessoas que
participaram desse fenômenos como ignorantes, iludidos, embusteiros ou
farsantes.
Para ajudar na pesquisa e elucidação dos fenômenos de efeitos físicos, aqui
apresentamos uma coletânea de obras espiritualistas - quase todas não traduzidas
para o Português e, por isso, desconhecidas no Brasil - que relatam fenômenos de
materializações, muitos deles com personalidades bem famosas. Essas obras são
importantes não só para a pesquisa histórica, mas para a caracterização correta dos
fenômenos (por exemplo, para se conhecer as condições de sua ocorrência, o que é
crítico para se garantir sua reprodução futura). O que traduzimos abaixo foi tirado
direto do site survivalebooks que tem se comprometido com a digitalização e
disponibilização
de
tais
obras.
Esperamos que essas obras possam incentivar o estudo e a reflexão no assunto.
Vislumbres do próximo estado - Vice almirante W. Usborne Moore
Uma investigação sobre fenômenos de efeitos físicos incluindo voz direta com as
médiuns Cecil Husk, Etta Wriedt, médium de materialização Ben Jonson e as irmãs
Bangs.
Não há morte – Florence Marryat.
Florence Marryat (1838-1899) foi uma atriz famosa em sua época que produziu
mais de 90 peças. Editou a publicação mensal da ‘Sociedade Londrina’ e foi
correspondente de vários jornais e revistas, além de atriz, cantora de opera e
instrutora de jornalismo.
Em ‘Não há a Morte’, ela fornece um relatório completo de 15 anos de experiência
com médiuns de materializações em ambos os lados do Atlântico, incluindo uma
narrativa de sua experiência em ver sua filha Florence materializada logo após seu
falecimento prematuro.
Materializações – Harry Boddington
Descreve pesquisas e experiências do autor com fenômenos de materialização.
Gente do outro mundo – Henry S. Olcott
Henry S. Olcott, cofundador da Sociedade Teosófica, foi um advogado meticuloso e
cientista agrário que aceitou o desafio de dois Jornais de Nova York para investigar
as materializações de Espíritos produzidas pelos irmãos Eddy de Chittenden,
Vermont/USA, em 1874. Ao longo de 16 semanas de investigação, Olcott
testemunhou a materialização de mais de 400 Espíritos. Seus relatórios, como os de
Sir. Willian Crookes, tiveram um grande impacto por todos os Estados Unidos e
Europa. As observações e testes cuidadosos de Olcott foram consideradas as mais
meticulosas e completas já realizadas desses fenômenos.
Brochura de Camp Silver Belle – Lena Barnes Jefts
Um pequeno livrinho sobre mediunidade de efeitos físicos escrito por Lena Barnes
Jefts, que integrou o grupo de Camp Silver Belle com o médium Ethel-Post Parrish.
Esse grupo reuniu-se na cidade de Ephrata, Pensilvânia/USA, entre 1932 e 1961. A
autora testemunhou formas materializadas de famosos pesquisadores como Charles
Richet e Willian James.
A prova palpável da imortalidade – E. Sargent
Um relatório sobrre fenômenos de materialização com explanações sobre a relação
desses com fatos de natureza teológica, moral e religiosa.
Rasgando o véu, Além do Véu, O Alvorecer de uma nova Existência e A Estrela
Guia – Willian Aber
Uma série de livros escritos entre 1890 e 1903 em Spring Hill, Kansas/USA,
contendo ditados diretos de formas espirituais completamente materializadas sob a
mediunidade de Willian W. Aber. Dentre os mentores do time que se manifestaram
em Spring Hill estavam o Prof. Willian Denton (que havia sido um espiritualista em
vida), Dr. Reed, o pioneiro em física de fenômenos elétricos Michael Faraday, e um
dos pais dos direitos humanos nos Estados Unidos, Thomas Paine.
Aparições materializadas – E. A. Brackett
"A medida que examinava as paredes e tudo relacionado à cabine (onde ocorriam os
fenômenos), não hesitava mais em afirmar que as formas que apareciam ou dela
surgiam eram de seres materializados. Estive na cabine várias vezes durante as
sessões com duas formas ao mesmo tempo. Uma vez, quando me sentei entre as
duas, pude sentir sua realidade ao colocar meus braços ao redor delas, tanto quanto
fiz isso ao caminhar com elas fora da sala. Enquanto segurava uma delas, aquela
envolta pelo meu braço esquerdo e cujo braço direito estava ao redor de meu
pescoço, desapareceu sem qualquer movimento aparente. Em um instante, ela lá
estava e, depois, não mais. Ainda mantendo outra forma com meu braço direito,
com minha mão esquerda puxei a cortina para o lado, de forma a poder ver tudo
atrás dela. Não mais pude ver o mais leve traço do ser que tinha tão firmemente
segurado momentos antes e com quem tinha conversado." Essa são palavras de E.
A. Brackett e suas experiências em sessões com a médium Sra. Fairchild.
Visitas de nossos amigos do outro lado – Tom Harrison
Formas completamente materializadas e outros tipos de fenômenos físicos são
descritos por Tom Harrison, filho da médium de efeitos físicos Minnie Harrison. Há
um vídeo no youtube que contem o relato em vida do Sr. Harrison sobre esses
fenômenos que ele testemunhou com sua mãe na década de 1950. Um exemplo de
poema ditado por um dos Espíritos materializados pelo grupo que participou T.
Harrison pode ser visto no início deste post. Trata-se de uma comunicação ditada
pelo Espírito materializado de sua tia 'Agg' (a foto traz uma imagem quando
encarnada). Futuramente, traremos mais informações sobre esse caso no blog.
Provas sólidas da sobrevivência - Einer Nielsen (Islândia)
"Uma entidade feminina saiu da cabine e foi direto até ele dizendo 'Eu sou sua
primeira esposa, Bertha, que você abandonou. Você nos deixou sozinhos, eu e
minha filha. Depois de grande sofrimento, faleci. Meu corpo está enterrado no
cemitério de H., e nossa filha vive em estado de grande miséria em L. Tente
encontrá-la e ajudá-la; dessa forma, você compensará o mal que nos causou.' Então
ela se foi, desmaterializando-se no chão da sala."
"Uma entidade alta saiu da cabine e disse que seu nome era John King. Parou na
frente da primeira fileira formada pelos participantes da sessão, a mesma fileira
onde eu estava, em posição mais distante. Sua cabeça estava descoberta, e à luz de
uma lâmpada vermelha, podiamos ver sua face avermelhada e seu cabelo
encaracolado escuro. Depois de se dirigir a alguns participantes da reunião, disse:
'Olhe para meu corpo, eu irei desmaterializar a parte inferior em baixo.' Tão logo
disse isso, a parte inferior de seu corpo desapareceu, e a outra lá estava, suspensa
no ar. Não sabia no que acreditar, pois eu era meio cético, mas então a entidade
flutuou no ar na minha frente e disse distintamente: 'Está me vendo'?"
O Alvorecer da mente despertada - John S. King
Retrato de Hipátia de Alexandria materializada, feito pelo Dr. King
em uma sessão com as irmãs Bangs em Chicago. (~1910)
"Questões e respostas dirigidas ao Espírito protetor do Dr. King, Hipátia de
Alexandria (370-415A.C.), filósofa e matemática neo-platônica, considerada uma
das mulheres mais inteligentes de sua época, brutalmente assassinada por uma
seita de monges cristão fanáticos seguidores de Cirilo, por ensinar na época uma
ciência que era considerada conhecimento pagão. Esse Espírito protetor, que se
dizia filha de Teon, apareceu materializada, saindo da cabine para a apreciação de
todos os presentes. Palavras dificilmente podem ser encontradas para descrever a
figura belíssima dessa materialização. Alta e de porte majestático, carregava jóias
cintilando a cada movimento, Hipácia estava gloriosa."
Fantasmas em forma sólida - Gambier Bolton
"Hipótese de trabalho: que sob condições determinadas e razoáveis de
temperatura, luz, etc, entidades, existindo em uma esfera fora da nossa, podem se
manifestar em corpos materiais temporários, oriundos de fonte desconhecida, até o
presente momento, através da atuação de certas pessoas de ambos os sexos,
chamados sensitivos, que se pode demonstrar a qualquer pessoa, que terá então as
condições de comprovar tais afirmações.
Quando tais fatos foram a mim apresentados, percebi que estava diante de um
problema que exigiria a mais profunda investigação; e, então, decidi largar
trabalhos de todos os tipos e dedicar anos, se necessário, ao exame crítico dessas
afirmações... O resultado foi que aquilo que era aparentemente impossível foi
demonstrado como possível, e eu aceito os fatos completamente, admitindo que
nossa hipótese de trabalho foi demonstrada fora de qualquer dúvida, e que tais
formas materializadas podem se manifestar a qualquer um, que terá, então, as
condições necessárias para comprovar tais afirmações."
Byron, Estação a Estação - Coleen Owen Britt
"Numerosas formas materializadas apareceram e conversaram naquela noite, mas
quando nosso filho Byron veio até nós, proferindo seu nome, nos beijando e
dizendo que estava feliz, sentimos o primeiro alívio desde que ele havia nos
deixado. Minha vida desde então tinha sido gasta em lágrimas e numa existência
mórbida. Agora, podia até mesmo cantar, o que me era impossível desde que ele
cantou sua última canção conosco."
O autor descreve fenômenos de materialização obtidos com a médium Lula Taber,
de St. Louis, Missouri/USA.
Onze dias em Moravia - Thomas R. Hazard
Relata experiências do autor com a médium de efeitos físicos Sra. Mary Andrews,
na cidade de Moravia/USA. Nessa obra há interessantes descrições dos processo de
geração de ectoplasma e de materialização em si.
Há outros livros em 'survivalebooks', alguns já conhecidos e com traduções para o
português (como 'No País das Sombras' por Madame D´Esperance). Há outros com
relatos e gravações de voz direta. Em oportunidade futura discutiremos essas obras,
que fornecem material rico de comparação com outras obras conhecidas em países
latinos.
É interessante observar que muitas idéia semelhantes foram desenvolvidas, assim
como conclusões parecidas em culturas diferentes, mostrando que existem
condições únicas - mas bem determinadas - para a ocorrência de todos esses
fenômenos.
Notas
(1) Original em Inglês:
In the long and silent watches of the dark and dreary night,
My soul cries out in anguish to the God of Love and Light.
Send down Thy Holy Angels in this my darkest hour,
That they may give me Light and Hope and give my Soul the power
To rise above the sordidness of earthly cares and strife,
That I may look to brighter things in that Eternal Life —
Where Love is crowned with happiness, where all is fair and bright,
Where flowers bloom with sweet perfume and where there is no night.
My Soul arises unafraid, my night of sorrow o'er,
Oh God of Love, Thou leadest me towards that Heavenly shore.
My heart cries out with thanks to Thee for all Thy loving care
Into Thy hands Oh Lord I come— Thou answerest now MY PRAYER.
Livro II - Estudando o Invisível (por Juliana M. Hidalgo Ferreira)
William Crookes (1832-1919)
Imagine pretender descrever a história do desenvolvimento científico da física,
química ou biologia partindo do princípio de que os fenômenos estudados por essas
ciências podem ter sido fraudados ao longo do tempo. Imagine descrever, por
exemplo, a descoberta do elétron por J. J. Thomson partindo do princípio que os
resultados experimentais que ele apresentou ao público possam ter sido forjados
por algum assistente de laboratório, de forma consciente ou inconsciente. Alguém
responderia: "mas os experimentos dele poderiam ter sido repetidos..." Nesse caso,
imagine ser possível defender a idéia de que todas as tentativas posteriores de
confirmação desses fenômenos não passaram de uma gigantesca fraude.
De certa forma, tal é o objetivo de Juliana Mesquita Hidalgo Ferreira em seu livro
'Estudando o Invisível', resultado de seu trabalho de mestrado em História da
Ciência em 2001 que teve como objetivo estudar, do ponto de vista historiográfico,
a obra do químico inglês William Crookes (1832-1919) e seu envolvimento com
fenômenos espíritas no final do século XIX. Trata-se de uma obra de fôlego (quase
600 páginas de um trabalho minucioso e farto de referências históricas) - o que
conta como um ponto positivo da obra. Entretanto, o livro é quase que
exclusivamente referenciado a trabalhos de pesquisadores anglo-saxões, na sua
maioria ingleses e americanos.
Antes de discutirmos os fundamentos do trabalho, destacamos uma curiosidade
revelada no estudo: muitas das correspondências trocadas entre Crookes e seus
pares concernentes aos estudos que faziam sobre o 'Espiritualistmo' desapareceram
misteriosamente. Não só isso, trechos de cartas onde esse grande cientista citou e
discutiu problemas relacionados ao seus estudos sobre a fenomenologia mediúnica
foram literalmente cortados com tesoura tempos após a morte dele:
Vale notar, entretanto, que a seção de manuscritos do Science Museum de Londres,
onde se encontra esse último material mencionado, não dispõe de todas as cartas
trocadas entre Crookes e o seu assistente na época. Essas caras são numeradas e
muitos itens estão faltando. Além disso, trechos de algumas cartas parecem ter sido
cortados a tesoura Assim, tem-se a sensação de que certas informações contidas
nesses documentos foram, propositalmente, excluídas dos arquivos do cientista.
Nessas cartas poderiam estar informações relevantes para entendermos o que
estaria acontecendo nas pesquisas de Crookes nesse período. (p. 45)
Embora distantes da época quando a inquisição foi instaurada, uma nova
inquisição - movida pelos mesmos fundamentos e interesses filosóficos - deu-se
pressa em eliminar tudo o que teria sobrado ainda não publicado das observações
de Crookes sobre os fenômenos transcendentes.
No Capítulo 1, 'Introdução' (p. 34), enunciam-se os objetos da pesquisa e
destacamos a frase:
Do ponto de vista puramente historiográfico, não há interesse em tentar discutir, a
partir de estudos anacrônicos, se os fenômenos espiritualistas existem ou não.
É perfeitamente compreensível que a Histórica, como ciência, não tenha como
objeto de estudo o fato ou fenômeno em si e nem mesmo as teorias que se criaram
para explicar tais fatos (o que seria objetivo da Epistemologia da Ciência). O
objetivo da História é estudar o fenômeno humano, a narrativa, e tentar encontrar
as motivações subjacentes ou relacionamento entre fatos na tentativa de se inferir
relações entre ocorrências aparentemente isoladas e para as quais não se tem
evidência histórica suficiente. Por isso, o trabalho da Juliana está supostamente
resguardado contra quaisquer críticas tanto de espiritualistas como de céticos.
Como consequência disso, essa obra não ajuda o leitor indeciso a resolver a
dicotomia conforme o orientador da pesquisa adverte no prólogo:
Espero que ninguém distorça o presente trabalho, utilizando-o com base para
defender ou negar a existência dos fenômenos mediúnicos. Ele não foi escrito para
isso e não se presta para tal uso. (p. 15)
Espiritualismo X Teorias de Embuste
Dessa forma, o trabalho apresentado em 'Estudando o Invisível' pretende ser uma
narrativa 'neutra'. Tanto seu orientador como a autora reafirmam a necessidade
dessa postura que pode ter o mesmo objetivo de Crookes ao 'dosar' o conteúdo de
seus artigos para que fossem academicamente aceitos. A diferença é que Crookes
não tinha quaisquer dúvidas quanto à realidade dos fenômenos, enquanto que na
narrativa da autora transparece a todo instante a possibilidade de fraude. É
abundante assim o uso do futuro do pretérito (composto) no texto: 'teria feito',
'teria observado'. Esse tempo verbal desaparece na narrativa de fenômenos
materiais (chamados de 'normais' ou 'não espiritualistas') no Capítulo 5.
Um exemplo característico do tom que permeia todo o livro é o paragrafo que inicia
a página 133 em que se explicita a ausência de controle de Crookes na realização de
algumas sessões iniciais. A um espiritualista, isso demonstra o conhecimento tácito
que Crookes tinha sobre o que era realmente essencial de ser reportado e
controlado, enquanto que para a autora isso é indício de fraude. A questão é
impossível de ser decidida tal como apresentada, pois o relato de Crookes é sempre
feito de forma não definitiva quanto a conclusões. Um exemplo é encontrado na p.
118 na descrição de uma sessão realizado com D. D. Home (1833-1886) na presença
de Crookes:
Os fatos observados em seguida, segundo o autor, foram ainda mais
impressionantes: Home retirou a mão que segurava o acordeão, colocando-a em
cima da mão da pessoa próxima a ele, enquanto o instrumento continuava a tocar.
Observação desse grau feitas por Crookes não tem nenhum valor frente a outras,
tem-se a impressão que todas tem a mesma importância, inclusive as que sugerem
fraude. De novo, isso se deve a estratégia de neutralidade adotada. Assim, uma
toalha sobre a mesa tem importância magnificada, denunciando o ponto de vista
cético
adotado.
Embora tanto Kardec quanto Crookes tenham magistralmente listado todas as
teorias existentes para se dar conta dos fenômenos (desde a do embuste, a
demoníaca, a da fraude inconsciente, a da influência das mentes até a teoria
espírita, ver nota [1]), na narrativa de 'Estudando o Invisível' transparece a disputa
entre a teoria espiritualista versus fraude como necessária na manutenção dessa
postura. A verdade é que essa também é a dicotomia presente em muitos estudos
acadêmicos contemporâneos que ainda se aventuram a estudar esse tipo de
fenômeno, afinal é preciso tratar o problema dos céticos que, embora mantenham
posições filosoficamente contrárias e aparentemente inofensivas, tem impacto na
decisão de se distribuir recursos financeiros para a pesquisa. Embora possamos
tecer críticas quase perfeitas ao grau de 'cientificidade' das teorias de embuste, é
inegável que ela ainda é a preferida por aqueles que dizem seguir 'métodos
científicos' de pesquisa.
Não é possível que não haja diferença entre fazer história da ciência sobre crenças e
teorias de cientistas pioneiros que esforçaram-se para desenvolver modelos teóricos
que embasam fatos naturais simples e altamente repetitivos, e se fazer o mesmo
com determinadas teorias quando sequer os fenômenos a elas associados são
acreditados. Como vimos anteriormenteno caso de Galileu, o problema desse sábio
florentino não era tanto defender suas teorias contra a ortodoxia Aristotélica, mas
fazer com que os outros acreditassem nas suas observações de telescópio, numa
época em que esse instrumento poderia ser considerado tanto um instrumento de
feitiçaria como uma ilusão de óptica. A história se repete com Crookes e com toda a
fenomenologia espírita.
Há certamente duas vias para se fazer ciência: uma é postular teorias diante de
determinados fatos e tentar 'desenhar' experimentos que ocorram exatamente
conforme prevejam tais teorias. Outra, bem diferente, é iniciar-se tão só pela
observação dos fatos e tentar convencer o mundo, pelo uso dos fatos, de que há algo
mais. A segunda via foi a seguida por Crookes porque era impossível defender
facilmente qualquer teoria que não fosse a da fraude. De acordo com Juliana
Hidalgo, talvez Crookes sempre tenha mantido internamente sua crença na
existência dos Espíritos (não importa se isso ocorreu pouco depois da morte de seu
irmão em Cuba ou algo depois). Como cientista, ele nutria profundo amor pela
Ciência e esforçou-se de todas as formas para chamar a atenção da elite acadêmica
de sua época ao menos para a realidade dos fenômenos sem procurar se envolver
muito com os espiritualistas. Nesse relato, percebe-se, assim, a diferença entre suas
observações particulares, onde ele valorizava comunicações e informes dados pelos
controladores invisíveis de seus experimentos psíquicos (e que formavam um
contexto espiritualista inadmissível para seus céticos), e aquilo que ele acabava
publicando em seus artigos.
Alguns comentários que a autora tece a respeito da argumentação de Crookes
podem ser questionados. Por exemplo, no Capítulo 3, p. 110, ao discutir algumas
desculpas de Crookes em não continuar as pesquisas psíquicas por causa da
dificuldade de acesso a bons médiuns, a autora considera:
Entretanto, supondo que o autor atribuísse essa característica à força psíquica,
pode-se considerar estranho que ele afirmasse que o fato de esses fenômenos só
ocorrerem na presença de poucas pessoas seria um empecilho à realização das
pesquisas. Como um cientista acostumado a lidar com fenômenos muitas vezes não
detectáveis pelos simples sentidos humanos, ele poderia cogitar na construção de
aparelhos cada vez mais sensíveis, para que a força psíquica pudesse ser detectada
na presença de pessoas não consideradas médiuns. Assim, alegar que as
investigações eram difíceis por falta de acesso aos médiuns não parece ser um bom
argumento.(p. 110)
Esse comentário é questionável porque todo o problema de Crookes não estava em
saber se pessoas comuns poderiam revelar a força psíquica (uma conjectura) em
menor intensidade ou não (o que seria uma forma alternativa de chamar a atenção
para a realidade dos fenômenos), mas no caráter incontrolável dos experimentos.
De fato, Crookes (tanto quando muitos espiritualistas) considerariam o problema
resolvido se se dispusesse de meios para se conhecer completamente todas as
condições necessárias e suficientes para a ocorrência do fenômeno. O problema é
recorrente hoje em dia pois, por mais sensíveis sejam os instrumentos utilizados
(balanças, câmeras, detectores e sensores), a incontrolabilidade permanece. As
investigações sempre foram difíceis sim por conta de dificuldades no acesso a
fontes fenomenológicas de qualidade, e Crookes estava longe em sua época de
contar com dispositivos sensíveis para validar sua conjectura. A autora foi levada a
tal
conclusão
por
desconsiderar
a
realidade
dos
fenômenos.
Para pessoas acostumadas com a literatura espiritualista, em nenhum momento de
'Estudando o Invisível' (nem mesmo na capítulo que descreve as famosas
materializações de Kate King via Florence Cook) aparece qualquer referência a
famosa substância denominada 'ectoplasma' (neologismo criado por Charles Richet
(1850-1935) que também não é citado na obra) responsável por muitos fenômenos.
Será que Crookes não teria notado essa substância? Como muito da comunicação
não publicada de Crookes foi sumariamente eliminada, talvez nunca venhamos a
saber. A inexistência de quaisquer citações ao ectoplasma - tão abundantemente
registrado por vários pesquisadores no passado - é um ponto negativo na narrativa
da obra, já o Capítulo 7 discute investigações de fenômenos espíritas posteriores a
Crookes.
Que a conclusão da autora se dá desde o ponto de vista das teorias da fraude (que se
justifica pela necessidade de neutralidade e narrativa desde o ponto de vista da
época) está claro na conclusão. Por exemplo, no último parágrafo da página 530
está afirmado:
Os relatos das sessões mostraram que as condições de visualização dos fenômenos
não eram tão boas quanto o cientista apregoava em suas publicações....Além disso,
os médiuns e outros observadores pareciam não ser revistados e, muitas vezes,
foram realizadas sessões nas quais, provavelmente, o cientista não podia controlar
quem entrava ou saía da sala.
Podemos considerar equivocada a conclusão expressa em seguida, na p. 539 no
penúltimo parágrafo:
De qualquer forma, observa-se que o cientista parecia ter suas iniciativas e
procedimentos limitados durante as sessões, o que pode explicar a pouca
variabilidade dos experimentos e as discrepâncias entre o seu método de agir no
caso das investigações 'normais' e nas invesigrações espiritualistas.
O mais correto seria reconhecer que possivelmente a natureza do fenômeno e de
suas causas não possibilitasse a adoção de métodos semelhantes aos adotados nas
pesquisas chamadas 'normais'. De fato, o trecho acima deixa transparecer que
Crookes foi 'ludibriado' pelos participantes das sessões e que, por isso, não poderia
aplicar seu método universal de pesquisa, no que ele realmente estava equivocado.
A autora não questiona em nenhum momento a validade da universalidade de tal
método,
limitando-se
a
enfatizar
que
Crookes
nele
acreditava.
Considero igualmente confusa a discussão apresentada no Capítulo 9 onde a autora
descreve os critérios de demarcação entre 'ciência e não ciência'. Ao mesmo tempo
que discute propostas relevantes de autores como Thomas Kuhn e Imre Lakatos, a
autora reforça o ponto de vista de céticos como Nathan Aaseng e Terence Hines que
podem ser colocadas em conflito com as teorias epistemológicas de Kuhn e Lakatos.
Os critérios apresentados por Aaseng para o que seria ciência (ver p. 513) podem
ser descritos como consequências de uma visão positivista lógica da ciência com
forte lastro no indutivismo. Portanto, as conclusões da aplicação desse tipo de visão
ao trabalho de Crookes (o que é feito na parte final do Cap. 9) obviamente irão
refletir
o
ponto
de
vista
lógico
positivista.
A obra 'Estudando o Invisível' demonstra de forma categórica que, por mais famoso
seja um pesquisador ou cientista que aceite a tese espiritualista, sua fama jamais
poderá convencer os céticos. De nada serve a opinião de um cientista muito versado
em determinada disciplina acadêmica, contrariando o próprio projeto de Crookes,
que esperava pudesse modificar a opinião da academia de sua época sobre o
assunto. O mesmo fenômeno ocorre modernamente com cientistas famosos
(inclusive nobelistas) que defendem a parapsicologia ou o uso da mecânica quântica
no estudo de fenômenos chamados paranormais. A opinião e a crença cética sobre
determinados assuntos estão estabelecidos sobre fundamentos muito mais
profundos, inabaláveis pela disposição da fama em aceitar uma opinião contrária.
Recomendo fortemente a leitura desse livro que certamente é um importante
trabalho de resgate da memória universal relativa a esse capítulo tão importante da
história da ciência, ainda que os céticos disso discordem.
Informação sobre o livro
Estudando
Autor:
Coleção
Educ/FAPESP
ISBN:
566
Notas
Juliana
o
Mesquita
Hidalgo
Invisível.
Ferreira.
Hipóteses.
(2004)
85-283-0306-3.
páginas.
[1] As teorias descritas por Crookes encontram-se descritas na p. 209, Cap. 4 'As
investigações de Crookes sobre os fenômenos espirualistas II de 'Estudando o
Invisível'. Para referência de A. Kardec ver o Cap. 4 de 'O Livro dos Médins', 'Dos
Sistemas'.
Usos e maus usos da palavra 'energia' entre espiritualistas
"É uma perda de energia enervar-se com alguém que se comporte mal, assim
como com um carro que não ande." Bertrand Russel.
Se a física é a ciência que trata da estrutura íntima da matéria, a energia (do grego
antigo ἐνέργεια: energeia ou "atividade", "operação") é a quantidade física de
menor semelhança com qualquer coisa sólida ou material que se possa imaginar.
Por isso mesmo, ela tem sido utilizada - de forma inapropriada - por grandes
grupos de espiritualistas (de várias vertentes, cultos, crenças e nacionalidades) em
suas narrativas de fenômenos ou eventos de natureza 'espiritual', ou mesmo fatos
corriqueiros sem qualquer significado transcendente. Fala-se em 'energias
espirituais', 'energias curativas' ou 'curas energéticas'. Existe ainda as 'energias
positivas e negativas' e por ai vai.
Nosso objetivo aqui não é criticar o uso desta palavra nesses contextos, mas
esclarecer o significado de 'energia' que é utilizado em muitas disciplinas
acadêmicas como a física, química e biologia. De fato, não somente entre
espiritualistas (veja a frase de B. Russel acima), a palavra 'energia' recebe acepções
muito diferentes para muitos grupos, sendo talvez o exemplo mais contundente de
polissemia que se pode dar. Nosso objetivo aqui é resgatar o sentido original dessa
palavra.
O que é energia? Todos temos algum contato com algum tipo de processo ou
sistema que faz uso de energia. Na vida moderna, televisores, computadores,
telefones celulares, carros etc são exemplos de equipamentos que, para
funcionarem, precisam de energia. Sabemos que, se não forem supridos com ela,
seu funcionamento é paralisado. Também nossos corpos precisam de energia. A
privação do alimento leva à inanição e mesmo à morte. Mas, todos sabemos que,
para funcionar, tais equipamentos e mesmo nossos corpos não são 'alimentados'
com nada 'sutil', 'invisível' ou imponderável. Sabemos que, para funcionar, um
carro precisa de combustível que se apresenta na forma líquida, na maior parte das
condições climáticas que habitamos. Para continuarmos vivendo ingerimos
alimentos, na forma sólida ou líquida, nada aparentemente sutil - pelo menos no
que diz respeito ao quanto tais coisas podem sensibilizar nossos sentidos.
Energia em física, química e biologia, é um termo essencialmente técnico que se
refere a algo imponderável (não podemos 'captar' ou perceber a energia com nossos
5 sentidos), mas que pode ser medido. Trata-se de uma medida de capacidade ou
propensidade de um sistema ou processo em realizar trabalho. Energia e trabalho
são termos irmãos. O termo 'trabalho' ordinariamente é utilizada com significado
totalmente diferente. Falamos em 'hoje não vou trabalhar' para se referir à
atividade ou meio de produção a que me dedico diariamente. Entretanto 'trabalho'
no sentido dado pela física é uma medida de variação de energia de um sistema.
Energia pode-se apresentar nas formas mais variadas: fala-se em energia nuclear
(quando trabalho é extraído do interior do núcleo atômico), energia química
(quando trabalho é extraído da eletrosfera dos átomos), energia luminosa (quando
luz pode ser usada para produzir trabalho), energia elétrica (quando cargas em
movimento realizam trabalho), energia hidroelétrica (quando trabalho pode ser
extraído da vazão e queda de grandes volumes de água através de geradores
elétricos), energia potencial (quando a capacidade de um sistema em produzir
trabalho está armazenada de forma potencial, isto é, não 'cinética'), energia térmica
(quando trabalho pode ser extraído do movimento de moléculas) etc. Mais
importante do que compreender que existem diversos tipos de energia é saber que a
ela está associada um valor que as fazem todas equivalerem entre si
quantitativamente.
Exemplos de transformações energéticas entre sistemas físicos.
Por causa disso, fala-se em transformar 'energia elétrica' em 'energia cinética' (em
motores elétricos) ou vice-versa (em geradores elétricos), em transformar energia
química em eletricidade (em baterias elétricas) ou vice-versa (quando se 'carregam'
as baterias) e assim por diante. Até hoje ainda não se conseguiu encontrar nenhum
sistema para o qual a lei de 'conservação de energia' não possa ser aplicada. Uma
vez gerada, energia não pode ser destruída, embora uma fração da energia presente
em um sistema físico (qualquer que seja ele) se perde de forma irreversível, fazendo
com que não possamos extraír toda a energia potencial associada a esse sistema.
Isso dá origem ao termo 'eficiência' (uma porcentagem) que mede o trabalho
máximo que se pode produzir por um sistema que é sempre menor do que o
disponíbilizado por sua fonte energética. Por exemplo, baterias solares tem
eficiência de 14%, o que significa que apenas 14% da energia solar é convertida em
eletricidade nessas baterias.
De qualquer forma, energia não se refere a 'algo' que exista concretamente, que se
possa ver ou tocar (o que é diferente do 'Espírito' que é algo que existe embora de
forma 'incorpórea'). Quando sentimos o calor na proximidades de uma chapa
quente, não estamos 'sentindo energia térmica'. Há uma certa quantidade de
energia armazenada na chapa (a uma temperatura acima da ambiente) que é
transferida para as moléculas em torno da chapa. Essas moléculas (de ar) adquirem
velocidades superiores às velocidades médias das moléculas que estão à
temperatura ambiente. Nossa pele tem 'células' capazes de sentir a colisão dessas
moléculas mais rápidas, o que que se manifesta em nós como uma sensação do
calor.
Do ponto de vista semântico, assim, a palavra energia não se refere, na física,
biologia ou química a nada que se possa ver ou tocar. Desta forma, luz não é
'energia' tecnicamente falando, pois a luz é considerada um tipo de radiação ou
movimento de ondas de natureza definida pela teoria física. Entretanto, talvez por
não se referir a algo ponderável, o termo adquiriu outra conotação quando caiu no
gosto popular. Assim, é comum ouvir-se que 'luz é um tipo de energia'.
Energia tornou-se um dos termos mais polissêmicos na atualidade por representar
uma 'novidade' que confere atualização ou modernidade para o linguagem de
muitos movimentos espiritualistas, mas que não tem nenhuma relação com sua
acepção original. Colocado dessa maneira, seu uso não representa endosso das
várias disciplinas acadêmicas para as novas formas de 'energia' que se está a
propor.
Referências
Para saber mais sobre polissemias veja A. P. Chagas,'Polissemias no Espiritismo'.
Revista Internacional de Espiritismo, setembro de 1996, pp. 247-49.
Crenças Céticas XVI - O ceticismo dogmático como charlatanismo
intelectual.
"Existem duas maneiras de ser enganado: uma é acreditar no que não é verdade e
a outra é recusar-se a acreditar naquilo é." Søren Kierkegaard
Queremos até admitir, nestes últimos, uma opinião conscienciosa, visto que por si
mesmos não puderam constatar os fatos; mas se, em tal caso, é permitida a
dúvida, uma hostilidade sistemática e apaixonada é sempre inconveniente. (...).
Explicai-os como quiserdes, mas não os contesteis a priori, se não quiserdes que
ponham em dúvida o vosso julgamento. A. Kardec, Revie Spirite, Arigo 'Sr. Home',
Fevereiro de 1858.
Dicionários definem fraude como o 'ato de enganar, esconder, distorcer
informações, não cumprir com a verdade'. O ato em si de fraudar pode ser
consciente, quando quem frauda tem interesses no ato, ou pode ser inconsciente.
Nesse último caso, o agente da fraude não tem interesse explícito em enganar. Seu
interesse é outro e ele nem tem consciência do engano.
As 'teorias da fraude' (ou do 'charlatanismo') formam o grupo das explicações mais
preferidas do ceticismo dogmático quando se trata de relativizar, reduzir ou negar
fenômenos psíquicos. Através dela, médiuns respeitados são considerados
farsantes, fraudadores conscientes ou não da fé pública, mesmo que não se
identifiquem nenhum interesse escuso tais como vantagens pecuniárias ou outros.
Mas, não somente as fontes dos fenômenos são inescrupulosamente envolvidos,
testemunhas, mães, parentes e amigos são todos envolvidos, seja como membros de
uma quadrilha de embusteiros ou como vítimas de um gigantesco engodo
propositado.
Fraudes também podem ser divididas em 2 tipos: as fraudes materiais e as
intelectuais. As primeiras obviamente são preferidas dos céticos. Basta uma foto,
um som, uma evidência sensorial que não esteja de acordo com as noções do senso
comum que facilmente se pode acusar o material como uma tentativa burlesca e
grave de se enganar. Quanto às fraudes intelectuais - as que são geradas através de
argumentação ou material de natureza intelectual, essas são muito mais difíceis de
serem identificadas. Se inexistem dúvidas quanto a existência das fraudes de
primeira classe (materiais), com as de segunda classes existe uma clara dificuldade
em sua identificação, mas é inegável que ela tem poder muito maior (e mais
duradouro) de convencimento do que as primeiras.
Nosso objetivo aqui é demonstrar que o grosso da argumentação pseudocética pode
ser descrito verdadeiramente como uma mistificação de natureza intelectual
e inconsciente. Isso porque, no rastro das explicações forçadas dos céticos 'linha
dura' está a constatação de que eles mesmos, os que pretendem 'denunciar' a fraude
ou o embuste, acabam se tornando os verdadeiros charlatães. Obviamente aqui não
se trata de fraude vulgar: nenhum crítico, sério ou não, se interpelado, revelará ter
outros interesses a não ser a sua 'verdade'. Mas, para todos os efeitos práticos,
acabam 'enganando, escondendo, distorcendo informações e faltando com a
verdade' Se não vejamos:
1 - Para que se possa ajustar uma explicação aos fatos, é necessário escrutiná-los
detalhadamente e encontrar nos menores deles razões que aumentem a
importância da explicação postulada, a da fraude. Assim, os menores erros feitos
por médiuns são magnificados de tal forma a se tornarem 'evidências' conclusivas.
Isso faz parte da tática da fraude pois é preciso que se acumulem evidências que, na
cabeça dos pseudocéticos, formam um quadro favorável à tese que defendem. Como
não podem distorcer muitos fundamentos, acabam se agarrando aos detalhes que
são, por isso, magnificados para que adquiram importância. Detalhes como, 'por
que o médium saiu 15 minutos mais cedo ou mais tarde', 'por que ele estava usando
essa roupa e não outra' são considerados muito relevantes.
2 - Justamente porque os detalhes insignificantes são considerados muito
importantes, o contexto ou muitas outras circunstâncias relevantes de fato são
desprezados. Isso caracteriza o status 'intelectual' da fraude. O foco da crítica no
detalhe faz com que se relativizem as circunstâncias, a idoneidade e outros detalhes
menos aparentes. Pouco importa se testemunhas sérias podem ser encontradas. Se
não foram enganadas fizeram parte da fraude. Como para o pseudocético é muito
mais fácil apelar para os sentidos, condições não aparentes e circunstanciais devem
ser obrigatoriamente desprezadas.
3 - Foco em ressaltar o caráter ordinário e facilmente forjável de evidências
materiais apresentadas. A tática é criar hipóteses das mais variadas e mutáveis para
explicar qualquer material apresentado como evidência. Assim, hipóteses
mirabolantes, teatralizações inusitadas ou confusões consistentes e incidentais de
testemunhas são sempre levadas em conta. Isso ocorre porque a crítica
pseudocética focaliza-se no que é considerado evidência palpável. Todo o esforço é
então gasto na sua invalidação pois, se isso for feito em paralelo com o passo (1) quando detalhes menos importantes são magnificados - cria-se uma imagem do
'caso' obviamente identificável como embuste.
4 - Existam pessoas que enganam, que exploram a credulidade e a fé alheia. Esse
fato óbvio é a explicação principal e invariável da crítica pseudocética que se faz
apresentar sempre como uma extrapolação justa. Juntando-se os passos 1-2-3
descritos acima, torna-se uma tarefa 'fácil' chegar a mesma conclusão sempre.
Analisemos todas as críticas que céticos endurecidos lançaram contra médiuns e os
fenômenos espíritas e veremos sempre o processo descrito acima. Tal processo
caracteriza charlatanismo intelectual em sua essência, pois é forjado como
argumentação tendenciosa e, muitas vezes, 'inconsciente'.
Quanto mais endurecido for o pseudoceticismo tanto mais ele se aproxima de um
fraude ou mistificação intelectual porque as conclusões a que chega não são
verdadeiras. Assim como se pode hoje facilmente, usando recursos tecnológicos,
criar imagens fantásticas que explorem o que pessoas acreditem, o 'charlatanismo
cético' pode modificar, retocar, forjar argumentos para se criar uma imagem
aparentemente convincente embora falsa de determinado fato, principalmente
quando esse fato ainda é considerado uma anomalia ou aberração para o senso
comum.
Pouquíssimos céticos de carteirinha se dão conta disso, quando então descem em
um processo de alienação pessoal flagrante. Analisemos detalhadamente cada caso
particular e veremos que o motor principal da alienação será sempre o orgulho
ferido, a necessidade de ser reconhecido e acreditado por suas audiências, a inveja
pela admiração causada nos outros por esse ou aquele fenômeno transcendente que
eles, os céticos, não conseguem reproduzir e que, por isso, passam a combater com
todas as suas forças.
Outras identificações do charlatanismo cético: Diferenças entre quem
busca verdadeiramente a verdade e o pseudocético.
Estas diferenças também reforçam nossa tese do pseudoceticismo como
mistificação intelectual:

Quem busca a verdade procura as questões relevantes a serem feitas. O
pseudocético fornece de imediato aquelas que ele considera como as únicas
possíveis;

Quem busca a verdade motiva-se por amor desinteressado à verdade. O
pseudocético está interessado em que todos pensem que ele está certo, esteja ele ou
não;

Quem busca a verdade aceita o fato de que aquilo que existe é muito mais do
que ele sabe. O pseudocético afirma saber tudo o que se pode saber sobre
determinado assunto;

Quem busca a verdade reconhece de bom grado casos que ele não pode
explicar. O pseudocético ataca qualquer coisa que se lhe oponha o ponto de vista, e
se esforça em destruí-la a fim de se mostrar superior.

Quem busca a verdade está realmente convencido das limitações da razão
humana. O pseudocético faz da sua razão particular um deus que é capaz de
perscrutar qualquer coisa;

Quem busca a verdade a procura em todas as partes, consciente de que
idéias podem surgir em qualquer lugar ou nas pessoas menos prováveis. O
pseudocético apenas aceita idéias que venham de pessoas consideradas 'experts' ou
especialistas (segundo seu ponto de vista), além de autoridades convenientemente
'carimbadas';

Quem busca a verdade propõe hipóteses na esperança de que sejam
verdadeiras. O pseudocético impõe dogmas como verdadeiros;

Quem busca a verdade reconhece que nem sempre os opostos são
contraditórios, mas que, as vezes, podem se reforçar. O pseudocético pinta um
quadro em preto e branco, certo e errado, sem chance para um ponto de vista
contrário;

Quem busca a verdade está consciente de que não existem respostas finais
para as questões humanas. O pseudocético faz com que cada resposta provisória ou
tentativa pareça como a última final;

Quem busca a verdade reconhece quando se coloca contrário à opinião da
maioria. O pseudocético segue sempre 'as autoridades mais confiáveis' no seu modo
sarcástico de lidar com heresias;

Quem busca a verdade nunca fala em tom mais 'alto' com sua audiência. O
pseudocético fala de modo contrário, de forma a mistificar ou impressionar a todos.
Entrevista II - 2/2 - William Bengston e a pesquisa de curas por
imposição das mãos (passes de cura)
2a.
Parte
da
Entrevista
com
o
Dr.
W.
Bengston.
EE 8 - O Sr. acha que o mesmo mecanismo que explique o passe pode estar
envolvido em outros tipos de cura a distância (obtido com médiuns de cura como,
por exemplo, João de Abadiânia no Brasil)?
WB - Não tenho experiência em comparar técnicas diferentes de cura. As que uso
no meu trabalho são difíceis de dominar e exigem compromisso da parte da
pessoa sendo treinada. Já ouvi falar de outros métodos que são aparentemente
mais fáceis de se praticar. É uma interessante questão saber se diferentes métodos
resultam em diferentes resultados.
EE 9 - Franz A. Mesmer (1734-1815) acreditava que um tipo de fluido era trocado
entre o passista e seu paciente através do que ele chamou 'magnetismo animal'. O
que o Sr. acha desta teoria?
WB - Não há, certamente, troca de um fluido no sentido convencional do termo. E
digo mais, não acho que a cura ocorra por qualquer tipo de 'efeito de campo'. Em
alguns de meus experimentos, ratos foram curados de câncer, ratos usados como
controle foram curados e nada no meio foi afetado. Se as curas resultassem da
ação de algum campo, tais resultados não fariam muito sentido.
EE 10 - No Brasil, muitos grupos espíritas usam passes ou a imposição das mãos
como prática nascida nos tempos de Mesmer no alvorecer do século XIX. O objetivo
é promover o equilíbrio psicológico aos que frequentam reunões espíritas. O Sr.
acha que tais práticas - por extensão - podem ter algum efeito no humor dos
indivíduos? Se sim, o Sr. acredita que não se pode defender a idéia da sugestão
envolvida no efeito?
WB - Acredito fortemente que a imposição de mãos não é apenas para se obter
cura de doenças. Já vi e ouvi muitos casos onde a prática pode trazer benefícios
psicológicos também. Certamente há muita gente que aprendeu minhas técnicas
de passes e que reportam terem experimentado benefícios dessa natureza.
EE 11 - Não obstante todo o sucesso e experiência no assunto, por que tanta gente
(particularmente os acadêmicos) não se convenceram ainda?
WB - Gente que ainda não está convencida, não olhou ainda os dados. Nesse
ponto, mesmo um cético como eu mesmo, deve concluir que, se formos levar em
conta os dados, a questão sobre se ocorre cura ou não não é interessante. A
questão realmente importante é sobre o mecanismo, sobre o que aumenta ou
diminui a eficácia da cura, sobre se o processo de cura pode ser ensinado, ou seja,
questões desse tipo. A questão sobre se você deve acreditar nas curas faz tanto
sentido para mim como a questão sobre se você deve ou não acreditar na
gravidade.
EE 12- Na sua opinião, o que se deve fazer para mudar a tendência cética em
relação à cura por meio de passes?
WB - Para realmente mudar as coisas, precisamos de aplicações práticas. Se, por
exemplo, a capacidade de cura pode ser armazenada e reproduzida sem a
presença do passista, então, talvez ela possa ter aplicações maiores. Se a
imposição de mãos estimula algo no corpo, tal como o sistema imune e esse
estímulo possa ser reproduzido sem o passista, teremos aplicações bem
interessantes. Estamos trabalhando nisso agora.
The Energy Cure: Unraveling the Mystery of Hands-on Healing. (Título: Cura
energética: desvendando os mistérios da cura pelas mãos) Editora: Sounds True.
Para saber mais (artigos científicos em inglês do Dr. Bengston):
"Spirituality, Connection, and Healing with Intent: Some Reflections on Cancer
Experiments on Laboratory Mice." Forthcoming in Lisa Miller (ed.), Oxford
Handbook of Spirituality and Psychology. Oxford University Press, 2011. Trad.
título: Espiritualidade, Conectividade e cura com intenção: algumas reflexões
sobre experimentos de curas de câncer em ratos de laboratório.
"Breakthrough: Clues to Healing with Intention." Edge Science, no.2,
January/March
2010,
p.59. www.scientificexploration.org/edgescience/edgescience_02.pdf.
Trad.
título:Novidade:
pistas
a
respeito
de
curas
com
intenção.
"The Healing Connection: EEG Harmonics, Entrainment, and Schumann's
Resonances."Journal of Scientific Exploration, vol. 24, no. 4,Winter 2010, pp. 655666. (with Luke Hendricks and Jay Gunkelman). Trad. título: Correlação nas
curas: Harmônicos de Eletroencefalograma, arrastamentos e ressonâncias de
Schumann.
"Anomalous DC Magnetic Field Activity during a Bioenergy Healing Experiment."
Journal of Scientific Exploration, vol. 24, no. 3, pp. 397-410, 2010. (with Margaret
Moga). Trad. título: Atividade de campo magnético DC anômalo em experimento
de
curas
bioenergéticas.
"Some Patterns of Acceptance of Anomalies." The Explorer, vol.22, no.3, Spring
2009, p.7-9. Trad. título: Alguns padrões de aceitação de anomalias.
"Can Healing Be Taught?" Explore, vol 4(3), pp. 197-200, May/June 2008. (with
Don Murphy). Trad. Título: Pode-se ensinar a curar (com as mãos) ?
Entrevista II -1/2 - William Bengston e a pesquisa de curas por
imposição das mãos (passes de cura)
Seria possível aprofundar a questão sobre o efeito da 'imposição das mãos' através
de métodos experimentais? O prof. Willian Bengston gentilmente respondeu-nos a
um conjunto de 12 questões que serão apresentadas em 2 posts a começar deste. O
prof. Bengston é veterano pesquisador do efeito da imposição de mãos (hand-on
healing) com funções terapêuticas, tendo já publicado inúmeros artigos científicos
sobre o assunto.
Traduzimos abaixo um extrato de sua página pessoal que utilizamos aqui para
apresentá-lo.
Willian F. Bengston (Bill) é professor de sociologia no St. Josephs College em Nova
York, EUA. Doutorou-se na Universidade de Fordham, Nova York, em 1980. Suas
atividades profissionais 'diurnas' incluem métodos de pesquisa e estatística.
Durante muitos anos, Bill realizou pesquisa com as chamadas 'curas anômalas' e
provou a eficiência de uma técnica desenvolvida por ele a partir de um teste
experimental controlado com 10 animais e que foi conduzido em 5 laboratórios
médicos. Sua pesquisa com esse tipo de fenômeno demonstraram com sucesso
curas de tumores mamários induzidos por metilcolantreno em ratos por uma
técnica de imposição de mãos que ele desenvolveu. Ele também investigou
correlações dessas curas com micropulsações geomagnéticas e harmônicos em EEG
(eletroencefalogramas).
O Dr. Bengston não oferece tratamentos de cura, diagnósticos médicos ou
quaisquer tipos de consultas relacionadas à saúde ou tratamentos psiquiátricos. Seu
tempo e esforço é dedicado a pesquisa sobre curas com as mãos (passes) e
educação.
Dr. Bengston tem publicações no Journal of Scientific Exploration, o Journal of
Alternative and Complementary Medicine e a revista Explore. Além disso, deu
várias palestras por todos os EUA e Europa. Bill é membro da Society of Scientific
Explorarion (SSE) desde 1999 e, presentemente (2011), é seu presidente. Junto com
Sylvia Fraser escreveu sobre suas experiências de cura na obra The Energy Cure:
Unraveling the Mystery of Hands-on Healing, publicado pela editora Sounds True.
Para mais informações (em inglês), consulte sua
página: www.bengstonresearch.com/
OBSERVAÇÃO: Como a 'imposição de mãos' é conhecida pelos espíritas como
'passe' (embora a aplicação para realização de curas seja minoritária), utilizamos os
dois termos na tradução de forma equivalente por falta de outra palavra. Assim,
onde estiver 'passe', lê-se 'passe de cura'. Termos como 'healer' e 'healee' também
foram adaptados para facilitar a compreensão.
Entrevista
EE 1 - Como o Sr. se interessou pelo assunto de cura através das mãos?
WB - Fui atraído ao assunto de cura pelas mãos ao ler sobre uma incrível
pesquisa feita por Bernard Grad na Universidade McGill entre 1950 e 1960.
Trabalhando com o médium de curas Oskar Estebany, Grad demonstrou a
aceleração significativa de crescimento de plantas e cicatrização de feridas em
ratos. Tais experimentos me fascinaram, já que deslocavam tais curas do âmbito
das piadas de consultório para ambientes mais controlados. Essa pesquisa foi
claramente minha inspiração para continuar a pesquisa laboratorial do assunto.
EE 2 - Como o Sr. chegou a conclusão de que esse efeito nada tinha a ver com a fé
ou postura religiosa da parte do candidato a passista?
WB - Meus experimentos foram feitos com voluntários que não acreditavam no
efeito (incluindo eu mesmo) e que não tinham nenhum conhecimento prévio sobre
essas curas ou de que se tratasse de um efeito real. Tais voluntários atuaram
sobre indivíduos que também não tinham qualquer crença. Esses indivíduos
eram, inclusive, ratos que tinham sido deliberadamente infectados com câncer.
Desta forma, as curas foram demonstradas em situações onde nem o passista nem
seus alvos tinham qualquer crença.
EE 3 - Mas o Sr. não acha que a fé pode melhorar o desejo ou a intenção e, assim,
aumentar o poder de cura por algum tipo de 'efeito de segunda ordem' ?
Já presenciei centenas de casos clínicos de curas por imposição de mãos feitos
tanto por gente experiente ou não, sobre pacientes crentes e não crentes. Especulo
que, 'se tudo o mais se mantiver igual', tais crenças tem, na verdade, um efeito
retardador na eficácia da cura. Acho que a crença induz um tipo de tendência de
'se forçar' , que é uma tentativa de se reforçar a crença existente. Tal esforço traz
em cena a mente consciente e o ego que, suspeito eu, não conseguem aumentar o
poder de cura. Suspeito que o processo de cura por passes seja semelhante ao
processo de cura em circunstâncias mais comuns, e, em tais casos, concentração
ou qualquer coisa parecida não é necessária ou mesmo desejável.
EE 4 - O Sr. acha que qualquer pessoa pode aprender a curar através de passes?
WB - Essa é uma questão interessante. Escrevi um artigo sobre ela em conjunto
com um amigo biólogo, Don Murphy, que saiu no jornal Explore em 2008. Nesse
trabalho, salientamos que ninguém tem dados históricos sobre a eficácia de se
ensinar os passes. Isto é, embora seja verdade que virtualmente todos os passistas
aprenderam sozinhos, não há evidências de que o ensino de uma maneira
particular de se realizar o passe melhore o processo de cura. Muita gente ficou
enfurecida comigo por causa desse trabalho, que achei bem interessante. Para
mim fica claro que existe um monte de crenças (desnecessárias) em torno do
processo.
EE 5 - De acordo com sua experiência, qual o mecanismo mais provável envolvido
na cura pelas mãos?
WB - Não faço ideia desse mecanismo, essa é a questão crucial! Acho que não se
trata de um tipo de 'energia', mas sim troca de informação no processo de cura.
Da mesma forma que temos uma quantidade enorme de troca de informação no
processos normais biologicos (p. ex., na digestão, supressão de doenças etc), acho
que o paciente depleta-se dessa informação de alguma forma durante a doença.
No caso do câncer, por exemplo, o sistema imunológico em mamíferos funciona de
forma contínua, mas, algumas vezes, o câncer predomina. Acho que o processo de
cura por passes pode fornecer essa informação ao corpo que, então, atinge a cura
por si próprio.
EE 6 - É possível conseguir o efeito de cura sem impor as mãos?
WB - A cura não parece ser afetada pela distância. Nos experimentos em
micropulsações geomagnéticas (com Margaret Moga), obtivemos o mesmo efeito
tanto a duas polegadas como a 2 mil milhas de distância. Da mesma forma,
animais podem ser curados a grandes distâncias. É um fato interessante também
que o poder de cura possa ser armazenado em alguns materiais. Por exemplo,
Bernard Grad descobriu que Estebany segurava algodão que, depois, poderia ser
usado para obter curas. Trabalho presentemente em alguns experimentos
relacionados a isso.
J. Benveniste (1935-2004)
EE 7 - Na resposta da questão anterior, o Sr. disse que o 'poder de cura' pode ser
armazenado em materiais. Ele poderia ser armazenado na água? Pergunto isso por
que, nos experimentos de Jacques Benveniste, que tiveram como objetivo
demonstrar a eficácia de soluções homeopáticas, descobriu-se que os resultados só
poderiam ser replicados na presença de certas pessoas. Talvez esse tipo de 'efeito do
experimentador' e a cura por meio das mãos tenham alguma causa em comum que,
ultimamente, pode ser relacionada à eficácia dos preparados homeopáticos.
Tenho bastante certeza que se pode armazenar essa capacidade na água, embora
isso represente um problema metodológico difícil. Em um dos meus experimentos,
ratos eram tratados apenas com água desse tipo e foram curados. O problema
metodológico é, dada a existência de ressonância conectiva, não sabemos se isso
ocorreu por causa da água ou porque os ratos pertenciam ao grupo de geral
conectado. Em suma, suponho que a água em si funciona.
Trabalhei com Jacques Benveniste em seu laboratório em Paris. Foi bem
interessante. Ele ficou bem chateado quando viu que os efeitos que ele tinha
descoberto somente ocorriam quando certas pessoas estavam no laboratório.
Disse a ele que isso era uma descoberta incrível com implicações igualmente
incríveis, mas ele não se mostrou animado com isso. Acho que ele pensou que o
efeito que tinha descoberto era realmente independente do observador.
Continua no próximo post
Fim da Religião ou do irracionalismo religioso?
Se a religião, apropriada em começo aos conhecimentos limitados do homem,
tivesse acompanhado sempre o movimento progressivo do espírito humano, não
haveria incrédulos, porque está na própria natureza do homem a necessidade de
crer, e ele crerá desde que se lhe dê o pábulo espiritual de harmonia com as suas
necessidades intelectuais. A. Kardec (4) ('O Céu e o Inferno', Parte I, Capítulo, 1: 'O
Porvir e o Nada', parágrafo 13).
Recentemente uma reportagem publicada na 'Folha de S. Paulo' (Maio de 2011) (1)
trouxe afirmação de líderes da Igreja Católica de que a ascensão social reduzirá a
quantidade de pessoas nas fileiras do protestantismo ou outras denominações
religiosas que surgiram como religiões reformadas. Deixando a polêmica de lado, o
mais correto seria dizer que a ascensão social, que resulta em maior acesso ao
conhecimento científico, não só reduz o número de adeptos das igrejas reformadas,
mas de todas as religiões que fundamentam sua teologia ou crença em tradições
difíceis de serem defendidas, diante da nova imagem do mundo revelada pelo
conhecimento científico. Tal observação tem consequências particulares. Para o
Ocidente (onde se encontram a maior quantidade de pessoas consideradas cristãs lê-se - que fundamentam sua crença em interpretações tradicionais da Bíblia)
haveria um aumento no número de não cristãos. Essa previsão, em verdade, foi
plenamente confirmada por pesquisas de opinião.
Fig. 1. Gráfico do percentual de pessoas na população que se dizem cristãs (azul), agnósticas (verde) e não cristãs
(laranja) em uma pesquisa britânica. Há uma clara tendência para o 'desaparecimento' das religiões cristãs.
Avaliações recentes feitas Pesquisas de atitudes sociais britânicas (2)
demonstraram que, na Inglaterra, o número dos que se dizem 'cristãos' está se
reduzindo a uma taxa bastante grande, que se pode considerar 'alarmante' para os
líderes das religiões tradicionais (Fig. 1). A época que vivemos é, assim, uma época
muito especial, pois parece representar o fim de uma era. Não acreditamos que seja
o fim das religiões, mas certamente o fim do dogmatismo religioso, da
intransigência e do irracionalismo implicado por determinadas crenças. Para que
tenha alguma utilidade, as religiões tradicionais deverão aprender a conviver
juntas, de certa forma relativizando as implicações de seus dogmas que, de outra
forma, já demonstraram levar a sua recíproca destruição.
Fig. 2 Mapa da Europa na pesquisa da Eurobarômetro (2005), Ref. 3, do percentual de pessoas que responderam
'sim' à questão: 'você acredita em Deus?'
A pesquisa britânica demonstra uma tendência em países mais 'desenvolvidos' ou
em lugares onde as pessoas tem acesso à edução de qualidade - principalmente
científica para o desaparecimento das religões cristãs. Se nada for feito (e não
parece que o será), a curva cinza da Fig. 1 encontrará a origem em duas vezes o
intervalo amostrado da pesquisa, que é de 26 anos. Ou seja, em meio século, grupos
cristãos serão minoria semelhante aos 'não-cristãos' em países mais desenvolvidos.
Isso claramente ocorre por conta do efeito 'anti-religão' provocado pelo ensino (Fig.
2). Ao se educar as crianças a compreender que a imagem moderno do Universo
não corresponde àquela ensinada pelas antigas crenças, que deixam de justificar
outras como o juízo final, céu, inferno, julgamentos terminais ou na existência de
Deus feito à imagem e semelhança dos homens, as religiões tradicionais estão em
franco processo de desaparecimento. Basta que analisemos também, o que recente
pesquisa demonstrou na Suécia, reconhecidamente o país o terceiro mais ateu país
da Europa. Segundo a Wikipedia: Demographics of Atheism:
'Vários estudos mostraram que a Suécia é um dos países mais ateus do mundo. 23%
dos cidadãos Suecos responderam que 'acreditam em um Deus', enquanto que 53%
responderam que 'acreditam que existe algum tipo de espírito ou força vital'. Os
outros 23% restantes não acreditam nem em Deus ou na existência de um tipo de
espírito ou força superior.
Portanto, a conclusão da autoridade católica que afirmou ser a ascensão social
motor para a redução de protestantes, também vale para outros tipos de crenças,
inclusive a católica. E, não é o enriquecimento que causa o esmorecimento da fé nas
antigas crenças, mas o acesso à educação (de qualidade). Não obstante o
enfraquecimento da crença na existência de Deus (conforme a imagem ensinada
pelas religiões tradicionais), a maior parte da população ainda crê na existência de
algo superior. A pesquisa 'Eurobarômetro' (3) de 2005 resultou no gráfico da Fig.
3.
Fig. 3 Percentual da população que responderam 'sim' à questão: 'você acredita na existência de um Espírito ou
força superior?' Fonte: Pesquisa Eurobarômetro 2005, Ref. 3.
A Fig. 3 traz o percentual dos que responderam positivamente à questão sobre a
crença em um Espírito ou força superior. Curiosamente, os países onde mais se
acredita em Deus (Fig. 2), tem o menor percentual de crença no Espírito ou 'força
superior'. Tais resultados demonstram positivamente a influência de fatores
culturais (através da educação) sobre a crença e demonstram que, por trás dessa
'geografia do ateísmo' o que se vê é o desaparecimento de antigos modelos de
crença religiosa. Conforme o parágrafo de Kardec na introdução deste artigo, a
educação científica não conseguirá fazer a religião - entendida como movimento
que nasce a partir da necessidade de se crer inata no ser humano - como
pretenderiam alguns céticos mais endurecidos. O que se está a observar é uma
ampla validação do que foi previsto por Kardec em várias de suas obras (4):
A crença na eternidade das penas perde terreno dia a dia, de modo que, sem ser
profeta, pode prever-se-lhe o fim próximo. ('O Céu e o Inferno', Cap. 6, parágrafo
1);
É isso que se dá hoje com a Humanidade, saindo da infância e abandonando, por
assim dizer, os cueiros. O homem não é mais passivo instrumento vergado à força
material, nem o ente crédulo de outrora que tudo aceitava de olhos fechados. ('O
Céu e o Inferno, Cap.6, parágrafo 22);
Por muito tempo essa fórmulas lhes satisfizeram a razão; porém, mais tarde,
porque se fizesse a luz em seu espírito, sentindo o vácuo dessas fórmulas, uma vez
que a religião não o preenchia, abandonaram-na e tornaram-se filósofos.('O Céu
e o Inferno, Cap.1, parágrafo 12)
Nenhuma crença religiosa, por lhes ser contrária, pode infirmar os fatos que a
Ciência comprova de modo peremptório. Não pode a religião deixar de ganhar em
autoridade acompanhando o progresso dos conhecimentos científicos, como não
pode deixar de perder, se se conservar retardatária, ou a protestar contra esses
mesmos conhecimentos em nome de seus dogmas, visto que nenhum dogma
poderá prevalecer contra as leis da Natureza, ou anulá-las. Um dogma que se
funde na negação de uma Lei da Natureza não pode exprimir a verdade.('Obras
Póstumas', Manifestação dos Espíritos, parágrafo 7).
Longe de estarmos vivendo o 'final dos tempos', amanhece um novo dia para a
Humanidade.
Referências
(1) http://www1.folha.uol.com.br/poder/915670-ascensao-social-reduzevangelicos-diz-lider-da-cnbb.shtml
(2) http://en.wikipedia.org/wiki/Demographics_of_atheism
(3) http://ec.europa.eu/public_opinion/archives/ebs/ebs_225_report_en.pdf
(4) A. Kardec: 'O Céu e o Inferno', 23a. Ed. FEB, 'Obras Póstumas', 15a Ed. FEB.
Postado por Ademir Xavier às 16:43 1 comentários
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Marcadores: ateísmo, dogmatismo, religião
DOMINGO, 8 DE MAIO DE 2011
Crenças Céticas XV - Máquinas que pensam ?
Certa vez, observava com atenção a reação de uma platéia de crianças (com idade
entre 4 a 6 anos) em numa apresentação de fantoches em um lugar público.
Admirei-me ao ver como uma reforçava a reação da outra ao seu lado, ao ver o
comportamento dos bonecos no teatrinho. Dava para se ver, no brilho dos olhos,
que realmente acreditavam que aqueles bonequinhos estavam ali, vindos de algum
lugar encantado, para contar histórias divertidas. Eles tinham reações engraçadas,
alegria, tristeza, raiva, contentamento. Elas se identificavam com eles, percebendo
o quanto a maneira de ser dos bonecos não diferenciava muito da mãe ou do pai ao
seu lado.
Nossa sociedade aprendeu cada vez mais a depender de dispositivos tecnológicos
por uma variedade de razões, tanto comerciais como pragmáticas. Desde da prensa
de Gütemberg até os modernos sistemas de inteligência artificial (IA), sistemas
automáticos auxiliam a realização de uma variedade grande de tarefas. Mais
recentemente, porém, sistemas eletrônicos incorporaram funções interativas com
os humanos, além da descomunal expansão de capacidade de informação por que
passaram, o que fez reacender o debate sobre o quão inteligente tais sistemas
poderiam ser (ver filme abaixo que mostra um robô tocando violino). O nome
'inteligência artificial' tornou-se assim um símbolo para possibilidades ainda mais
futurísticas como a de sistemas artificiais exibirem consciência do mesmo grau de
tipo dos humanos.
Mecanismo robótico da TOYOTA tocando violino (2007). A legenda diz que o sistema é parte de
um esforço demonstrativo de como tais sistemas poderiam ser usados em casas, hospitais e
lugares públicos. Embora a similaridade espantosa observada com humanos, trata-se de um
sistema que apenas executa instruções pré-programadas, não diferindo, assim, de
um marionetes sem cordas.
Recentemente um dos pais fundadores da idéia de inteligência artificial, Marvin
Minsky, foi entrevistado e o resultado pode ser visto no artigo com título sugestivo:
'As máquinas já PENSAM' (1). O assunto é complexo o suficiente para exaltar
ânimos entre os proponentes da chamada 'strong AI' (IA forte), ou hipótese que
afirmar ser possível a sistemas artificiais pensarem e terem uma mente (com uma
consciência junto), e os que não pensam assim, advogando uma forma branda de
'computacionalismo' ou 'weak AI' (IA fraca) que afirmar ser possível programar
sistemas que apenas parecem executar atividades inteligentes.
Embora seja possível achar que os proponentes da IA forte teriam algum interesse
não apenas 'científico' na continuação das pesquisas nessa direção, pesquisas em IA
se sustentarão comercialmente por muito tempo ainda, diante da capacidade de se
utilizar tais sistemas para resolver problemas práticos. Logo, o assunto 'IA' tem um
grande futuro comercial ainda que não se acredite em IA forte.
Obviamente o debate entre as duas formas de se abordar IA tem implicações com as
concepções atuais sobre o que é a consciência e o que é o ser humano. Para nós, as
esperanças da IA forte são uma aplicação prática da maneira materialista de se ver
o mundo e os seres humanos. Como tal crença demonstra desprezo pelas noções
espiritualistas, trata-se assim de mais uma crença cética. Cabe a nós, assim, estudar
e compreender quais são os fundamentos que suportam a IA forte.
Comentamos abaixo a entrevista citada acima feita por um repórter da revista
EXAME. As questões feitas pelo repórter são excelentes e estão grafadas em itálico.
1) Algum dia computadores serão capazes de pensar?
Eles já pensam de um certo modo, mas não de outros. Um dia, quando
entendermos como funcionam outros tipos de pensamento no homem, então
poderemos construí-los nas máquinas.
Todas as esperanças de IA forte repousam no futuro. É como se acreditássemos que
o futuro fosse uma espécie de 'caixa mágica' de onde se pode tirar qualquer coisa.
Como não sabemos como uma coisa funciona hoje, então, quando soubermos
amanhã isso será possível. Esse tipo de argumentação é muito fraca pois estabelece
o desconhecido como fundamento para o que não se sabe.
2) Muita gente diz que os computadores não fazem mais que seguir instruções
mais rápido que qualquer ser humano. O que pode compensar essa má reputação
da inteligência artificial?
Errado. Computadores podem seguir outros tipos de processos. Quando
programadores não sabem resolver um problema, eles podem programar o
computador para realizar uma "pesquisa evolutiva". Ele tenta muitas possibilidades
para ver qual funciona melhor. Isto é, claramente, o que fazem as pessoas: resolvem
problemas por "tentativa e erro".
O repórter da Exame aqui se esqueceu de dar alguns nomes para 'muita gente' em
sua questão. Na verdade, os maiores especialistas em assuntos de consciência e
cognição pertence a esse grupo. A resposta de Minsky não poderia ter sido mais
evasiva. Obviamente que para se fazer uma máquina realizar 'pesquisa evolutiva',
ela tem que ser programada, e isso é feito a partir de instruções simples que
computadores sabem realizar rapidamente. Aqui começa a transparecer um
argumento que é frequentemente usado por proponentes de IA forte: o de que basta
um sistema executar algo que se pareça com o que um humano faça para que ele
seja classificado como consciente. Além disso, pessoas não se escoram em 'tentativa
e erro' para resolver problemas. Essa é uma noção muito limitada do aprendizado
humano.
3) Mas algum dia as máquinas desenvolverão algo comparável à consciência?
Acho que, se consciência quer dizer a capacidade de um cérebro pensar sobre suas
próprias atividades, sim. Muitos programas de computador já fazem algo parecido,
portanto já são conscientes em um certo grau.
O conceito de consciência - embora tenha sido usado marginalmente no
desenvolvimento tecnológico de sistemas de IA (2) - é relevante para se dar uma
resposta convincente à questão colocada. A resposta dada, como se baseia em ideia
errônea do que é algo consciente, naturalmente levou à conclusão (igualmente
errada) de que computadores já pensam. Mas serviu para dar um título
sensasionalista à entrevista.
4) Qual será o impacto disso nos negócios?
Em primeiro lugar, teremos maior produtividade em todos os setores. No entanto,
quando computadores começarem a pensar tão bem quanto pessoas - e melhor que
as pessoas -, as coisas mudarão de formas que não podemos imaginar.
O aumento de produtividade através do uso de sistemas automáticos já é realidade,
independente de terem consciência ou não. Como as esperanças são colocadas
sobre algo que não se sabe, tudo é realmente possível.
5) O senhor diz que não há muita diferença entre o pensamento comum e o
pensamento criativo. As empresas estão erradas ao procurar executivos
criativos?
Não há muita diferença entre as pessoas mais criativas e as mais comuns, exceto
por aquelas serem capazes de descobrir novos modos de pensar. Claro que
pequenas diferenças ao pensar podem fazer muita diferença em quantos problemas
a pessoa pode resolver. Um engenheiro muito bom vale por uma centena de
engenheiros medíocres, por isso às vezes ele ganha o dobro.
A única diferença entre os que são criativos e os que não são, é que os primeiros
criam mais coisas novas. Além da obviedade na primeira frase, é necessário explicar
porque o ser humano exibe capacidades tão diferentes e discordantes entre
indivíduos. Embora sejamos todos geneticamente idênticos, as diferença de
comportamento e de capacidade criativa são muito grandes. "Mas isso pode muito
bem ser apenas uma maneira equivocada de se ver as coisas", diria um defensor de
IA forte. Para Minsky, 'pequenas diferenças no pensar' criam grandes diferenças na
hora de se resolver problemas. Por causa disso, um 'bom engenheiro que vale por
100 engenheiros medíocres' ganha apenas o dobro e não 100 vezes o salário de um
engenheiro medíocre...
6) Os defensores da inteligência artificial não cometem um erro ao descartar o
livre arbítrio como ilusão?
Quando você diz "usei meu livre arbítrio para tomar uma decisão", isso só quer
dizer "não sei o bastante sobre minha mente para entender como tomei esta
decisão".
Essa foi a melhor questão da entrevista. Com a resposta podemos ler o que se
passou na mente de Minsky: 'E por acaso você sabe o que é livre-arbítrio?' Mesmo
assim, temos que reconhecer, Minsky deu uma resposta educada, embora
'tangencial' à questão proposta.
7) Quais as implicações éticas de produzir cérebros em linha de montagem? O
senhor não teme algo como o Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley?
Diria que podemos antecipar o oposto. As primeiras máquinas industriais eram
usadas para repetir processos idênticos em linha de montagem. Mas um robô
moderno programado pode fazer coisas diferentes a cada trabalho. Poderíamos ter
robôs que projetam terno e sapatos perfeitos para cada indivíduo. Quando
pudermos fabricar máquinas que pensam, poderemos fazer cada uma delas de
modo diferente. Não seria muito difícil fazê-las muito mais diferentes umas das
outras do que as pessoas são.
Mais uma vez o entrevistado dá uma resposta pouco satisfatória. A questão
proposta era sobre as implicações éticas e bem ponderáveis - no sentido de se criar
'Franksteins', que se voltem contra seus criadores, uma possilidade perfeitamente
cabível diante das apostas de IA forte. As respostas comuns são do tipo: 'toda
tecnologia pode ser usada para o bem ou para o mal'. Assim, se novos Fransksteins
conscientes aparecerem, isso já era previsto. Por isso, Minsky preferiu focar o lado
bom.
Mas, como tudo é possível, Minsky poderia ter respondido muito bem: 'podemos
programá-los para serem sempre escravos e bonzinhos para com seus criadores' .
Ah, mas ele não poderia mesmo dizer isso, pois, de acordo com a crença de IA forte
sobre a possibilidade de consciências artificiais, elas seriam em todos os aspectos
iguais as nossas e, portanto, não poderiam ser programadas para obedecer
determinadas instruções. Crendo-se ou não na existência de livre arbítrio, ter
consciência implica em certas liberdades que sistemas autônomos artificiais devem
ter para serem considerados verdadeiramente conscientes. Em algum momento da
história do desenvolvimento da IA, a noção de livre arbítrio terá que surgir...
Conclusão
Vou terminar como comecei: para a maioria dos crentes em IA forte - apoiados por
concepções materialistas do ser humano - a consciência artificial é possível.
Analisando a maioria dos argumentos, temos a impressão que eles são como as
crianças que se impressionam e fantasiam com o comportamento aparentemente
humano
de
bonecos
ou
fantoches
em
um
teatrinho.
Crêem eles que a consciência pode ser definida pelos seus efeitos, por se recusarem
a analisar, ou sequer acreditar, em suas causas. Na verdade, para o paradigma
materialista, o cérebro, como fonte de consciência, não exige que se busque nada
além: está tudo lá, grafado entre códigos neurais que aguardam um pouco mais
para serem desvendados.
Referências
(1) http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/0662/noticias/as-maquinasja-pensam-m0046093
(2) Ver artigo: Drew McDermott (2007), Artificial Intelligence and Consciousness,
The Cambridge Handbook of Consciousness. Cambridge University Press.
Livro I - Introdução à Ciência Espírita de Aécio P. Chagas
No centenário de nascimento de Allan Kardec (2004), muitas obras foram
publicadas em sua homenagem. Dentre elas, destaca-se a 'Introdução à Ciência
Espírita' de Aécio Pereira Chagas. Com um estilo simples, o autor consegue abordar
uma ampla gama de tópicos que fazem parte dos fundamentos da Doutrina
Espírita, suas consequências morais e filosóficas. Um livro com 156 página - pouco
se considerarmos a vastidão da temática espírita - é bem uma introdução ao
assunto.
Para se ter uma idéia dos temas abordados por esta obra, basta que consideremos
seu índice: 1 Introdução, 2 - Concepção espírita do ser humano, 3 - Fluidos - I (há
dois capítulos separados para o tema 'fluidos'), 4 - Perispírito, 5 - Animismo, 6 Mediunidade, 7 - Fluidos II, 8 - Efeitos Físicos, 9 - Fluidoterapia, 10 - Evolução e
Tempo (que discorre sobre o importante princípio da reencarnação), 11 Conclusão. Há ainda 2 apêndices: um sobre o conceito de religião e outro que trata
de um resumo histórico do Espiritismo.
Antes do 1o Capítulo, no 'Prólogo', o autor, que é pesquisador acadêmico
conceituado, discorre sobre a noção de 'ciência espírita'. Essa noção certamente tem
consequências para a noção de universidade e centro de pesquisa acadêmico. De
forma bem direta, o autor considera:
As universidades são importantes instituições de ensino e pesquisa, cujas atuais
caracteristicas têm cerca de duzentos anos. Formaram-se após a Revolução
Francesa (ou Burguesa) sobre as ruínas das universidades medievais. Estas eram
centradas na teologia e as novas universidades centram-se nas ciências da matéria:
física, química, biologia. Sua ideologia, ou seja, o conjunto de idéias que definem
sua estrutura, objetivos, funcionamento etc, é praticamente positivista. Ela é, em
sua essência, materialista. Creio que, dentro desta concepção de universidade, nela
não cabe o espiritismo.
Essas considerações certamente tem consequências sobre a opinião particular dos
que pensam ser possível acomodar a pesquisa espírita dentro dos modelos atuais de
centro de pesquisa e universidades. Sendo pois a pesquisa acadêmica
essencialmente centrada na busca e explicação de fenômenos materiais, é bastante
lógico compreender porque existe grande resistência em meios acadêmicos a estudo
de outras natureza. Um fato de uma determinada universidade estar vinculada a
uma religião (como ocorre com as universidades católicas, por exemplo) em nada
modifica esse quadro:
Existem universidades vinculadas a algumas religiões: universidades católicas,
protestantes, judaicas, entre outras. Pergunto ao leitor, como são elas? No que
diferem das universidades não confessionais?
Finalmente, ancorado nessa lógica o autor afirma: A ciência espírita foi feita e está
sendo feita nos centros espíritas. O autor explica:
Acho que a pesquisa espírita não foi feita e não está sendo feita nos centros de
metapsíquica ou de parapsicologia, que não satisfazem os requisitos da atividade
científica, pois elas não contêm uma teoria. Muitos dos notáveis pesquisadores do
passado, que trabalharam no estudo da fenomenologia mediúnica, não fizeram
ciência espírita, ou melhor, não fizeram ciência nenhuma, pois não possuiam uma
teoria. É interessante que alguns até se tornaram espíritas no fim de seus trabalhos.
Do ponto de vista das modernas teorias do conhecimento, a existência de uma
teoria - que desenvolve e orienta a pesquisa - é um quesito fundamental para que
haja verdadeira ciência. Em um ambiente cercado de ceticismo com relação ao
objeto de estudo (que é o Espírito) como haverá de se desenvolver nosso
conhecimento sobre o assunto? Este é um ponto fundamental que não pode ser
desconsiderado.
Ao longo do livro, o autor discorre sobre vários conceitos espíritas - essencialmente
fundamentados em 'O Livro dos Espíritos' e 'O Livro dos Médiuns' de A. Kardec por
meio de muitas figuras (ou 'esquemas') que, embora não sofisticadas, conseguem
explicar os conceitos e que dificilmente encontramos em outros obras. Além disso,
o livro apresenta diversos 'exercícios' que orientam o leitor no estudo de obras
complementares. Por exemplo, ao final do capítulo 6 (sobre mediunidade), existem
diversas questões. Destacamos uma delas: 6.3 - Um médium sonambúlico 'que vê' é
vidente ou clarividente? Tal proposta faz de 'Introdução à Ciência Espírita' um livro
diferente de muitos outros, um livro que tem uma proposta pedagógica.
Interessante e elucidativa é a proposta do autor de explicar os fenômenos físicos
através de um capítulo dedicado. Por serem ocorrências que se distanciam dos fatos
ordinários, são os mais considerados pela adeptos da teoria do 'embuste'. Em
particular, o autor esclarece os fatos da década de 60 em Uberaba, MG, em torno da
mediunidade de efeitos físicos de Otília Diogo. Ele faz isso não como alguém que
'ouviu falar do assunto', mas como quem teve contato direto com testemunhas dos
fatos:
Em uma dessas reuniões, esteve presente também uma equipe de repórteres da
revista O Cruzeiro, na época, era o semanário de maior circulação no país. A
primeira reportagem publicada pela revista foi fiel aos fatos observados. A segunda,
uma semana depois, procurou apresentar tudo como se fosse uma fraude.
Mesmo assim, em determinados assuntos, sentimos que o autor foi algo resumido
demais. Um exemplo, é o tema 'prece' do capítulo 9 'Fluidoterapia'. O assunto, na
nossa opinião, é de certa importância e muito se beneficiaria de maior
aprofundamento com o estilo didático do autor.
No último capítulo (11 - Conclusão), o autor trata da noção de prova científica de
outras questões ligadas ao assunto e sua relação com os fatos espíritas. Basta
considerarmos as perguntas feitas pelo autor no capítulo citado: 'Átomos e
moléculas existem? Você já os viu ou os tocou? Como provar que eles
existem? para que tenhamos uma idéia de que a noção de prova na ciência e,
principalmente, na ciência espírita, não tem o mesmo status que a idéia de
'evidências' das ciências forenses ou criminais. O assunto requer muito estudo e
uma visão dilatada que inclua a ideia de que muitas coisas no mundo
existem apesar de não sensibilizam diretamente nossos sentidos ordinários.
'Introdução à Ciência Espírita' traduz em seu título, de uma maneira fiel, o que o
autor desejou transmitir com ele: uma introdução didática a um tema que tem um
grande futuro.
Detalhes bibliográficos:
Introdução à Ciência Espírita
Aécio P. Chagas
156 páginas
Biblioteca de Ciência e Espiritismo
Editora Lachâtre (http://www.editora3deoutubro.com.br)
1a Edição (2004)
Crenças Céticas XIV - "Afirmações extraordinárias requerem
evidências extraordinárias."
"Pessoalmente, ficaria muito satisfeito se houvesse vida após a morte,
especialmente se ela me permitisse continuar a aprender sobre este e outros
mundos, se ela me desse a chance de descobrir como a história aconteceu". C.
Sagan
Inexiste frase mais inconseqüente e de menor aplicação à história da ciência do que
esta que serve de título deste post, proferida pelo astrônomo Carl Sagan (19341996), membro fundador de uma importante seita de céticos. Por isso mesmo, ela
veio a se constituir em um dos pilares da crença cética. (1)
C. Sagan foi bem meu herói de juventude: quem não se lembra da série 'Cosmos' no
começo da década de 1980, com suas primeiras simulações computacionais,
mostrando um viajante em suas viagens pelo Universo, de uma maneira acessível
ao grande público? A série era primorosa e, mesmo hoje em dia, a maneira com que
ele explica cada tópico em Astronomia deixa saudades. Mais tarde, descobri que
Sagan errava em alguns pontos com relação à história da ciência, o que é de pouca
importância comparada a sua postura de defensor infatigável da ciência (lê-se
academia) utilizando, entretanto, argumentação algo equivocada, que o levaria a
tirar conclusões em contradição com sua visão materialista de ver o mundo.
Sagan pretendia fazer algo muito importante: livrar a sociedade das trevas da
ignorância medieval, do irracionalismo cristão que condenou tantos mártires
considerados hereges à fogueira. Nisso ele estava muito certo. Por isso, Sagan chega
à conclusões belíssimas com relação a nossa verdadeira posição no Cosmos:
no auge da gerra fria fez uso de uma foto tirada por uma das Voyager mostrando
tudo aquilo que somos. Nada mais que um grão de areia perdido na imensidão do
Cosmos.
'Pale Blue dot': foto da Terra de um ponto muito distante no espaço. Para C. Sagan, o uso dessas imagens
poderia demonstrar ao público a verdadeira dimensão das disputas e pontos de vista humanos.
Sobre tal foto escreveu ('Pálido Ponto Azul'):
Olhem de novo para aquele ponto. É ali. É a nossa casa. Somos nós. Nesse ponto,
todos aqueles que amamos, todos os que conhecemos de quem ouvimos falar,
todos os seres humanos que já existiram, vivem ou viveram as suas vidas.
Toda a nossa mistura de alegria e sofrimento, todas as inúmeras religiões,
ideologias e doutrinas econômicas, todos os caçadores e saqueadores, heróis e
covardes, criadores e destruidores de civilizações, reis e camponeses, jovens casais
apaixonados, pais e mães, todas as crianças, todos os inventores e exploradores,
professores de moral, políticos corruptos, “superastros”, “líderes supremos”, todos
os santos e pecadores da história de nossa espécie, ali - num grão de poeira
suspenso num raio de sol.
A Terra é um palco muito pequeno em uma imensa arena cósmica. Pensem nos
rios de sangue derramados por todos os generais e imperadores para que, na
glória do triunfo, pudessem ser os senhores momentâneos de uma fração deste
ponto. Pensem nas crueldades infinitas cometidas pelos habitantes mal
distinguíveis de algum outro canto em seus freqüentes conflitos, em sua ânsia de
recíproca destruição, em seus ódios ardentes.
Nossas atitudes, nossa pretensa importância, a ilusão de que temos uma posição
privilegiada no universo, tudo é posto em dúvida por este ponto de luz pálida. O
nosso planeta é um pontinho solitário na grande escuridão cósmica circundante.
Em nossa obscuridade, no meio de toda essa imensidão, não há nenhum indício de
que, de algum outro mundo, virá socorro que nos salve de nós mesmos.
Carl Sagan - (de “Um pálido ponto azul”, 1994)
Entretanto, Sagan frequentemente afirmava que a sociedade, que passou a
depender da Ciência e da tecnologia, sem saber o que era, de fato, Ciência, deveria
arraigar-se ao cientificismo que, segundo ele, era a única coisa que poderia salvar a
Terra e a sociedade, tanto de uma hecatombe nuclear como num retorno à Idade
Média e de suas fogueiras. Desta forma, Sagan fazia da ciência um plataforma de
pregação de suas crenças céticas e se voltava contra qualquer coisa que não se
adequasse à visão corrente resultante de interpretações das teorias científicas, algo
que é estranho à atividade científica em si.
Não é papel da Ciência fazer pregações sobre como a sociedade deva se comportar.
A Ciência deve ser sempre neutra em sua visão do mundo porque, da humildade
resultante de quão pouco sabemos, apesar de termos progredido tanto em
conhecimento, vem a conclusão que inexiste limites para o que podemos aprender
com o Cosmos. Encontra-se assim uma contradição no pensamento de Sagan:
enquanto afirmava categoricamente que o Universo era infinito em muitas
possibilidades, ele negava veementemente a possibilidade de muitos outros fatos
que ele considerava crenças pseudocientíficas. Para Sagan, o Cosmos era tudo o que
existe e era ilimitado, mas não tanto assim a ponto de validar determinadas crenças
que entravam em conflito com as suas próprias.
Isso fica bem claro na sua visão sobre a Astrologia: dizia que 'os jornais do mundo
trazem todas as semanas horóscopos, mas dificilmente notícias sobre o Universo'
(isso era uma verdade na década de 1980, mas hoje, com a internet, jornais
dedicam muitas reportagens à pesquisa científica). Pretendia que as pessoas
comuns, que não escolhem carreiras científicas em suas vidas, tivessem pela
Ciência o mesmo interesse que tem por Astrologia. Acontece que essa é
uma expectativa ingênua: a Ciência nada tem a dizer sobre o sentimento ou
temores das pessoas, enquanto que as colunas astrológicas aparentemente tem
(mesmo que sejam na forma de frases auto evidentes). A Ciência jamais será tão
popular quanto novelas ou histórias românticas, porque o ser humano tem
sentimentos, expectativas, temores e esperanças para as quais a Ciência principalmente aquela de C. Sagan - jamais conseguirá dar respostas atraentes.
Em algum ponto de sua pregação cética nasceu o slogan sobre as 'afirmações
extraordinárias e das evidências extraordinárias' (Ver nota (1)). Embora pareça
uma frase lógica, tão lógica quanto: 'pessoas felizes tem vidas felizes' ou 'planetas
rochosos tem densidades elevadas' (para usar um exemplo mais ao gosto de C.
Sagan), trata-se de uma falácia lógica (non sequitur) que não tem base alguma na
história da ciência. Basta que analisemos alguns exemplos para vermos sua
falsidade, o que nos esclarece um pouco também sobre como se dá o processo das
descobertas científicas.
Primeiro há o problema com a definição de 'evidência extraordinária'. O que é uma
'evidência extraordinária'? Uma pessoa comum, tropeçando com uma pedra no
chão, dificilmente reconhecerá nela qualquer sinal de um fóssil antigo, fato que um
bom paleontólogo será capaz de fazer. Ou seja, uma 'evidência extraordinária' só é
realmente em relação a um 'referencial de conhecimento'. Não há evidências
extraordinárias de qualquer tipo para quem não acredita em nada ou não sabe
nada. No âmbito da Ciência, uma evidência desse tipo só é verdadeiramente
'extraordinária' desde um ponto de vista muito especial e privilegiado, o ponto de
vista de uma teoria particular. Na ausência desta, inexiste evidência alguma - ainda
que a Natureza nos bombardeie diariamente com vários fenômenos.
Um exemplo interessante (embora distante de nossa realidade diária) foi a
'descoberta' das partículas elementares chamadas neutrinos. Elas foram
'postuladas', ou seja, imaginadas como existentes para explicar certas anomalias em
processos de desintegração radioativa, em particular o decaimento beta.
Entretanto, nenhuma 'evidência extraordinária' foi encontrada na condições
exigidas por muitos crentes céticos, pois os neutrinos não interagem com
absolutamente nada, assim não podem ser detectados diretamente. A menos que
tenhamos muitos bilhões de dólares para construir um detector de neutrinos (que
consegue isso por métodos indiretos e de forma estatística), jamais teremos
qualquer evidência de sua existência.
Pelo menos em física de altas energias, 'evidências extraordinárias exigem orçamentos extraordinários'. A
foto mostra um detector de neutrinos (interior do LSND ou detector de neutrinos por cintilação líquida em
Los Alamos, USA).
O mais certo é dizer que, no estágio atual de desenvolvimento das Ciências da
matéria,'evidências extraordinárias exigem orçamentos extraordinários', tal é a
quantidade de dinheiro necessária para que determinadas 'afirmações
extraordinárias' tenham qualquer chance de serem consideradas. Céticos
dogmáticos não se dão conta disso e pretendem generalizar a regra para todos os
fenômenos da Natureza. E, mais importante ainda, não podemos deixar de
reconhecer o papel fundamental das teorias que devem ser aceitas e trabalhadas.
Sem elas é impossível desenhar ou projetar qualquer equipamento para tornar
visíveis determinadas evidências. Assim, a Ciência verdadeira está longe de ser uma
atividade imparcial, pelo menos no que diz respeito à crença que se deve depositar
na validade de certas conjecturas a respeito do Cosmos.
Portanto, a frase de Sagan é retórica elegante mas sem fundamento. As
contradições com diversas descobertas científicas são tão grandes que deixamos ao
leitor a tarefa de encontrar outros exemplos na história da ciência.
Mesmo com essas constatações, não podemos deixar de admirar o brilhantismo e o
esclarecimento que Carl Sagan prestou em seu papel de divulgador e como
astrônomo. A maioria dos que pretendem seguir seus passos hoje, o fazem
exagerando ainda mais no ceticismo e são quase todos desprovidos de sua elegante
retórica. Sem a reverência que Sagan tinha pelo imensidade do Cosmos, pretendem
ditar normas sobre o que é 'científico' ou não na visão deles, e seu argumento é
usado para refutar o que céticos chamam de 'claims' de muitos fenômenos, que
devem ser 'provados rigorosamente', o que inclui: exigências de farta repetibilidade
(como se na Natureza não houvessem fenômenos estocásticos e raros),
'objetividade' e outros quesitos.
Notas
(1) Segundo o site 'The Anomalist', a frase teria sido criada por Marcelo Truzzi
(1935-2003). Junto com P. Kurtz, Truzzi fundou o "Committee for the Scientific
Investigation of Claims of the Paranormal" (CSICOP), tendo se arrependido disso
posteriormente:
"I might note here that it was Marcello, not Carl Sagan, who coined the oftenmisattributed maxim "Extraordinary claims demand extraordinary evidence." In
recent years Marcello had come to conclude that the phrase was a non sequitur,
meaningless and question-begging, and he intended to write a debunking of his
own words. Sad to say, he never got around to it."
Crenças Céticas XIII: 'O Porvir e o Nada'.
Wellington Menezes de Oliveira, o assassino do Realengo, explica porque cometeria o
seu crime.
Todos somos livres na escolha das nossas crenças; podemos crer em alguma coisa
ou em nada crer, mas aqueles que procuram fazer prevalecer no espírito das
massas, da juventude principalmente, a negação do futuro, apoiando-se na
autoridade do seu saber e no ascendente da sua posição, semeiam na sociedade
germens de perturbação e dissolução, incorrendo em grande responsabilidade. (A.
Kardec em 'O Céu e o Inferno')
Nossa época apresenta-se como o apogeu da cultura científica e da pobreza
filosófica, fruto de doutrinas negativas e niilistas adotadas de forma conveniente
após a separação entre o Estado e a Religião estabelecida, que se provou ser
remédio mais fulminante do que a própria doença. Por isso, alguns indivíduos,
portadores de deficiências ainda mais profundas na compreensão que deve existir
entre seres que se reconhecem iguais, tornam-se casos alarmantes a demonstrar
conduta de visível decadência em todos os sentidos.
Por que isso aconteçe? Um pouco de reflexão, desde que pautada na visão espírita
mais dilatada da razão e da existência dos seres, nos mostra facilmente o motivo.
Em primeiro lugar, é importante enunciar verdades à guiza de princípios: nossa
sociedade vive fase de pesadas angústias sociais, fruto do desabamento de suas
estruturas éticas e morais. Isso acontece porque, em uma sociedade onde não existe
esperança no porvir, na vida futura, não poderá haver nenhuma tipo esperança.
De uma lado temos a Religião estabelecida que se tornou motivo de riso e deboche,
uma vez que as práticas não correspondem aos princípios pregados. De outro, a
intelectualidade que se incumbe hoje de decisões dos Governos e organizações civis,
perdida em interpretações apressadas da Ciência, se satisfaz com crenças céticas e
pessimistas diante das quais a ética torna-se apenas uma questão de opinião
pessoal.
Diante desse quadro, para determinadas mentes enfermiças que, ao nascerem, se
reconhecem diante de um mundo cuja razão é desconhecida, o convívio harmonioso
se torna uma necessidade. Se o mundo não tem sentido, então ao menos viveremos
com algum sentido sendo aceitos e compreendidos por nossos semelhantes.
Mas o que fazem nossos semelhantes? Vivem conforme a imensa maioria, perdidos
nesta mesma sociedade cujas crenças exclusivistas determinam gozar ao máximo a
existência presente que, afinal, tem como fim último o vazio eterno.
Nada nos espanta ver então o surgimento de grupos que sistematicamente
desprezam, caluniam e atacam outros considerados diferentes ou inferiores. E
nada, governo, sociedade ou pessoa alguma poderá detê-los, afinal, como não existe
vida futura, inexiste justiça. É em vão que se invoca a justiça dos Governos, muito
tempo depois que a oportunidade de uma educação baseada na verdadeira
esperança foi perdida.
Em vão tentarão reformular leis, convencer ou mudar uma sociedade que não vê
sentido em nada além. Qual será a diferença entre matar uma mosca e matar seu
semelhante? Tal é a questão que se coloca para quem aprendeu a relativizar seus
sentimentos em um mundo sem direção.
Mais de um século nos separam hoje desde que Allan Kardec escreveu as palavras
abaixo (Em 'O Céu e o Inferno') que se aplicam perfeitamente aos dias que
vivemos:
Suponhamos que, por uma circunstância qualquer, todo um povo adquire a
certeza de que em oito dias, num mês, ou num ano será aniquilado; que nem um
só indivíduo lhe sobreviverá, como de sua existência não sobreviverá nem um só
traço: Que fará esse povo condenado, aguardando o extermínio?
Trabalhará pela causa do seu progresso, da sua instrução? Entregar-se-á ao
trabalho para viver? Respeitará os direitos, os bens, a vida do seu semelhante?
Submeter-se-á a qualquer lei ou autoridade por mais legitima que seja, mesmo a
paterna? Haverá para ele, nessa emergência, qualquer dever?
Certo que não. Pois bem! O que se não dá coletivamente, a doutrina do niilismo
realiza todos os dias isoladamente, individualmente.
E se as conseqüências não são desastrosas tanto quanto poderiam ser, é, em
primeiro lugar, porque na maioria dos incrédulos há mais jactância que
verdadeira incredulidade, mais dúvida que convicção – possuindo eles
mais medo do nada do que pretendem aparentar – o qualificativo de
espíritos fortes lisonjeia-lhes a vaidade e o amor-próprio; em segundo lugar,
porque os incrédulos absolutos se contam por ínfima minoria, e sentem a seu
pesar os ascendentes da opinião contrária, mantidos por uma força material.
Torne-se, não obstante, absoluta a incredulidade da maioria, e a sociedade
entrará em dissolução. Eis ao que tende a propagação da doutrina niilista.(Grifos
nossos)
Kardec explica aqui porque nem todos se dissolvem na falta de ética resultante da
crença niilista: não é porque esta explicação seja inapropriada, mas porque a
dúvida e a falta de convicção norteia a imensa maioria que, por medo, faz de forma
automática o que se aprendeu por imitação a fazer. Seguem hebetados a costumes e
modismos, sem nenhum compromisso com o futuro. Kardec previu, entretanto, que
haveria um aumento do relaxamento moral, na medida que o niilismo ganhasse
força na sociedade. É por isso que hoje vemos, todos os dias, notícias de crimes
escabrosos que ocorrem aqui e ali, quando então o medo e a dúvida são substituídos
pela violência que sacrifica sem piedade suas vítimas. Também Leon Denis em 'O
problema do Ser, do Destino e da Dor' adverte:
Em toda parte a crise existe, inquietante. Sob a superfície brilhante de uma
civilização apurada esconde-se um mal-estar profundo. A irritação cresce nas
classes sociais. O conflito dos interesses e a luta pela vida tornam-se, dia a dia,
mais ásperos. O sentimento do dever se tem enfraquecido na consciência popular,
a tal ponto que muitos homens já não sabem onde está o dever. A lei do número,
isto é, da força cega, domina mais do que nunca. Pérfidos retóricos dedicam-se a
desencadear as paixões, os maus instintos da multidão, a propagar teorias
nocivas, às vezes criminosas. Depois, quando a maré sobe e sopra o vento de
tempestade, eles afastam de si toda a responsabilidade.
(...) A origem de todos os nossos males está em nossa falta de saber e em nossa
inferioridade moral. Toda a sociedade permanecerá débil, impotente e dividida
durante todo o tempo em que a desconfiança, a dúvida, o egoísmo, a inveja e o
ódio a dominarem. Não se transforma uma sociedade por meio de leis. As leis e as
instituições nada são sem os costumes, sem as crenças elevadas. Quaisquer que
sejam a forma política e a legislação de um povo, se ele possui bons costumes e
fortes convicções, será sempre mais feliz e poderoso do que outro povo de
moralidade inferior.
Em vão alguns pigmeus morais afirmarão que o niilismo de nossa sociedade nada
tem a ver com os problemas de polícia. Outros tratarão de culpar o Estado pela falta
de segurança e pelo mal estar geral devido a crise econômica. Ainda outros,
religiosos dogmáticos apresentarão as portas do inferno eterno aqueles que não se
enquadram em suas doutrinas repletas de idéias preconcebidas e interpretações
errôneas.
O problema que temos que enfrentar é muito mais profundo e exige tratamento das
causas e não ação de paliativos. A certeza na Imortalidade e a noção de uma Justiça
Natural preexistente a tudo deverá ser a base para uma nova educação, baseada na
aceitação, compreensão e múta estima - calcada em exemplos e não em mera
retórica - que deverá ser ministrada a nossos filhos e descendentes a fim de que
possamos viver realmente em paz.
Entrevista I-2/2 - Yvonne Limoges da Sociedade Espírita da Flórida
(EU)
NUNCA ESTÁS SOZINHO
Quando tu sofres... nunca estás a sós...
...Aqueles, no mundo espiritual, teus verdadeiros amigos e parentes desta e de
outras vidas
Que te amam, estão contigo, cientes de tuas dificuldades,
Eles choram quanto tu choras, sofrem quando tu sofres.
Mas eles te ajudam tanto quanto podem.
...Sustenta-te com prece, sincera e fervorosa, ao teu
Espírito protetor e ao Todo Poderoso.
Tuas preces derramarão sobre ti,
das Alturas, as energias espirituais que tanto precisas.
Elas agirão sobre ti como o bálsamo benéfico
Que te improvisará a calma interior a tua alma combalida...
Elas te sustentarão em tempos de crise e necessidade,
afastando-te do desespero...
Os teus espíritos protetores tem grande compaixão por ti...
Eles te assistem com o que precisas para eliminar
as angústias do coração oprimido e te fornecem
a boa inspiração, desde que saibas ouvir
tua voz interior ou intuição. Eles sim sabem...
que se tu também souberes te sustentar
por tais horas de escuridão, tanto melhor será para teu Espírito
no progresso de tua presente existência.
Assim, sejas forte, ores,
e tenhas fé!
Tradução nossa de uma comunicação recebida por Y. Limoges (boletim de
Fevereiro
de
2011
da
Sociedade
Espírita
da
Flórida).
Parte final da entrevista feita com Yvonne Limoges da Spiritist Society of Florida.
EE 6 - Como os lídereas da NSAC pensam sobre isso? (referência à
questão anterior).
YL - Nos EUA, Espiritualismo e Espiritismo são sistemas de crenças distintos com
práticas diferentes.
Espiritualistas estão majoritariamente preocupados em espalhar sua religião e não
creio que se sintam ameaçados pelos espíritas.
Não obstante, o conceito de reencarnação tornou-se tão difundido aqui que
eventualmente eles irão aceitá-lo. Muitos espiritualistas já acreditam nisso e, como
disse, estão se mexendo para mudar a situação do ponto de vista dos princípios. À
medida que os mais velhos se vão, a balança irá pesar cada vez mais
favoravelmente.
Seus médiuns hoje estão recebendo comunicações que envolvem descrições de
vidas passadas, o que está criando um conflito, pois eles são ensinados apenas a
transmitir a mensagem sem interferência.
Se a reencarnação não é um principio, como os médiuns devem agir? Tal é o dilema
que eles tem que enfrentar.
EE 7 - Você acredita que Espiritualistas nos Estados Unidos estão mais
conscientes do Espiritismo ou eles ainda veem o movimento espírita
como essencialmente integrado a grupos Latino Americanos? Como
você vê o aumento crescente do interesse de espiritualistas americanos
por reencarnação?
YL - Alguns dos líderes das maiores organizações espiritualistas nos Estados
Unidos, a Associação das Igrejas Nacionais Espiritualistas (NSAC) tem consciência
dos princípios básicos do Espiritismo. Nos últimos anos, eles publicaram vários
artigos de nossos boletins espíritas, incluindo sobre reencarnação na publicação
oficial 'The Summit' que é enviada a todas as igrejas e membros. Entretanto, apenas
citam o autor e fornecem detalhes tais como se foi uma comunicação, não divulgam
que esses artigos são de nossos boletins ou de nosso centro.
Penso que tenho um bom relacionamento com esses líderes e seus editores, acho
que o fato de ser Americana ajudou bastante nisso. Como espírita, fico contente que
possa influenciá-los no que diz respeito aos princípios básicos e filosóficos de nossa
doutrina. Isso é a coisa mais importante do meu ponto de vista. Já me encontrei
pessoalmente com o presidente dessa associação e tenho mantido correspondência
com o vice-presidente nos últimos 10 anos.
Infelizmente, a mim parece que eles consideram todos os espíritas como
estrangeiros e brasileiros. Seus membros não fazem ideia de que existem milhares
de espíritas em outros lugares do mundo e em muitos países que falam espanhol.
Também reporto que tem havido contato entre espiritualistas e espíritas por meio
de Divaldo Pereira Franco em seminários que ocorreram em Lily Dale. Acredito que
alguns espiritualistas visitaram centros espíritas.
Considerando tudo isso, ainda afirmo que a maioria dos membros atuais dessas
igrejas espiritualistas não sabem que o Espiritismo existe.
Também, tenha em mente que as práticas espiritualistas são muito diferentes (das
espíritas). Eles mantem organização clerical, testam e certificam seus médiuns (de
cura inclusive), dão comunicações espirituais de parentes falecidos publicamente
no púlpito de suas igrejas durante os serviços e cantam hinos. Recentemente,
perceberam que existe necessidade de se enfatizar mais a filosofia, já que tantas
pessoas se mostram crentes da existência dos Espíritos e da vida após a morte.
Durante muitos anos, artigos sobre reencarnação eram absolutamente proibidos.
Agora isso mudou, e cada vez mais membros acreditam em reencarnação. Eles
ainda não a aceitaram como um princípio, mas alguns deles estão realmente
lutando para que isso ocorra oficialmente. Tiveram sua conferência anual mais
recente no ano passado na Flórida, ocasião em que participei. Encontrei-me com o
comitê 'pro-reencarnacionista' para explicar sobre o 'Espiritismo' do que nada
sabiam, além de nossos princípios.
Além disso, há um debate bastante forte ao redor do mundo na internet sobre
reencarnação e sua conceituação entre espiritualistas de língua inglesa e outros que
acreditam principalmente no que os espíritas postulam concernente aos fenômenos
espíritas e à mediunidade.
Uma coisa que se há que ter em mente é que o que uma pessoa média nos EUA
entende por 'reencarnação' se mostra muito diferente do que Espiritismo diz. Há
opiniões variadas sobre como e porque a reencarnação ocorre, se ela somente se
aplica a certas pessoas ou a todos. Eles não tem o conhecimento profundo que o
Espiritismo nos dá com relação aos objetivos, detalhes ou o processo completo da
reencarnação.
Falando nisso, há nos EUA e outros países pessoas que se auto denominam
'espiritualistas' mas que não tem igrejas e se reúnem em grupos ou centros como os
espíritas. Nem tampouco são eles muito religiosos. Em uma conferência
espiritualista que participei e dei palestra, encontrei muitos espiritualistas nessa
posição que acreditam e praticam coisas variadas. Muitos deles são bastante
seculares. O ensino da filosofia não é para eles uma prioridade.
A maioria dos espiritualistas focam no fornecimento de provas da vida após a
morte. Fazem isso por intermédio de mensagens recebidas por médiuns que
contem evidência verídica de parentes que partiram para o mundo espiritual. Vi e
testemunhei tais casos pessoalmente, através de vários médiuns e sensitivos.
Também tem a prática de cura por meio de passes. Não há ênfase em transes
mediúnicos. Se isso vem a ocorrer, o fazem de forma privada.
No que diz respeito a obsessão, há muitos hoje em dia praticando o que chamamos
de 'spirit release' de forma semelhante a praticada pelos espíritas. Alguns
indivíduos e grupos (aqui e na Inglaterra) se especializaram no assunto e estão
integrados a profissões médicas ou psicológicas.
Além disso, a maioria do povo dos EUA não sabe nada de Espiritismo e, quando
isso ocorre, o sabem mais através de brasileiros que eles conheçam pessoalmente.
Alguns podem participar de conferências ou simpósios locais, mas tais eventos são
esporádicos e mais freqüentados por espíritas.
Um fato que tem chamado a atenção para o Brasil e para o Espiritismo foi se
considerar espírita por aqui o médium João de Deus (João de Abadiânia). Houve
muitas notícias sobre ele durante vários anos aqui, tendo ele sido tema no
programa da Oprah que é bastante influente por aqui. Emma Bragdon, PhD,
publicou bastante coisa sobre sua obra e o que ela chama de centros espíritas de
cura. Isso inspirou a muitos a viajarem ao Brasil para assistir suas curas. Lá podem
talvez conhecer mais sobre o Espiritismo e freqüentar outros centros.
EE 8 - O que se pode fazer para mudar essa situação?
YL - Primeiro é preciso saber que o Espiritualismo e suas igrejas oficiais não
constituem religião majoritária aqui nos EUA.
Há poucos centros espíritas também. Mesmo assim, acho que o contato com os
espíritas ajuda bastante, mas , no que diz respeito a certas práticas espiritualistas como a de se ter organização clerical - isso vai demorar bastante para mudar.
Os espíritas estão se tornando mais organizados nos EUA, são eles na sua maioria
formado por centros ou grupos de brasileiros com alguns centros e grupos
hispânicos. Há também alguns conselhos espíritas estaduais afiliados ao Conselho
Espírita dos Estados Unidos (USSC) que, por sua vez, é afiliado ao Conselho
Espírita Internacional (CEI). Publicam uma revista espírita nos EUA. Muitos
profissionais americanos bem conhecidos (que escrevem livros ou se envolvem em
pesquisas sobre o pós-vida, mediunidade e reencarnação) participaram de
conferências e simpósios mantidos por tais organizações. Conferencias médicoespíritas anuais tem ocorrido anualmente também. Se isso continuar a crescer,
então mais pessoas irão se aproximar do Espiritismo.
Também gostaria de registrar que aqui nos EU são inúmeras as igrejas 'metafísicas'
e grupos espiritualistas do gênero que acreditam em combinações de crenças
relacionadas a capacidades psíquicas, mediunidade, espíritos e além-túmulo.
Muitos tem médiuns legítimos e conduzem sessões. Muitas dessas pessoas
acreditam em misturas de crenças espirituais e de vários outras religiões - incluindo
crenças orientais e de índios americanos.
EE 9 - Você acha que eles terão 'vergonha' no futuro em não ter
reconhecido esse importante princípio, o da reencarnação, desde o
início?
YL - Não acho que pensarão desse jeito. Tudo ocorrerá como se eles finalmente
aceitassem por si tal conceito.
Os espiritualistas nada sabem sobre o Espiritismo e sua história.
Deixo claro que muitos querem provas substanciais e não apenas comunicações ou
evidências de regressão a vidas passadas. Apenas o trabalho do Dr. Ian Stenson
parece impressioná-los por enquanto, e muitos permanecem ainda céticos, mesmo
com relação a tais trabalhos.
E, ainda que aceitem completamente a reencarnação, nada irão compreender de
como ela funciona. Haverão inúmeros debates sobre isso, penso eu, nos anos que
virão.
EE 10 - No futuro, você disse que gostaria de traduzir livros espíritas
para o inglês. Que tipos de livros?
YL - Gostaria de traduzir livros que estão em espanhol. Frequentemente traduzo
artigos espíritas breves tanto em espanhol como em português para o nosso
boletim.
EE 11 - Você gostaria de dar uma mensagem especial aos espíritas do
Brasil?
YL - Primeiro, espero que minhas respostas possam esclarecer vocês sobre a
situação em meu país.
Anteriormente, nos EUA, haviam centros espíritas hispânicos que apareceram aqui
com a imigração nos anos de 1930 e 1940 em cidades grandes como Miami, Chicago
e Nova Iorque. Tanto quanto sei, meu pai foi o único que, ao se mudar, acabou
fundando um novo centro espírita. À medida que as gerações se sucederam,
somente poucos desses centros originais sobreviveram até hoje de uma forma ou de
outra.
Minha esperança é que brasileiros que tenham aberto centros espíritas nos EUA
nos últimos anos (a mim parece que a maioria é de gente jovem comparada a mim,
já na idade de 55) inspirem e passem a seus filhos a importância de assumirem
posições de liderança na responsabilidade de dirigirem tais centros.
Quando seus filhos se tornarem mais 'americanizados' e se casarem com pessoas
daqui, proveniente de outras culturas ou de uma variedade de etnias e bases
religiosas distintas, isso será um problema. Por si só isso será um desafio; além
disso, muitos irão se mudar para lugares distantes do centro espírita de origem.
Será que eles irão abrir seus próprios centros, caso não encontrem um no novo
local? Somente o futuro irá dizer o que vai acontecer.
Temos nos esforçado para que isso aconteça aqui em nosso centro, preparando
alguns para tarefas de liderança.
Gostaria de dizer que é maravilhoso saber que tantos brasileiros conheçam a língua
inglesa e outros idiomas, e que muitos, vivendo em vários cantos do mundo,
tenham sentido a necessidade de divulgar os princípios da Doutrina Espírita aos
nativos dos países para onde se mudaram.
Conheço bem o livro 'Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho'.
Para finalizar, gostaria de dizer obrigado! Continuem com o seu trabalho espiritual
maravilhoso, e que Deus os abençoe a todos!
Agradeço muito a oportunidade de partilhar com vocês essas informações e o meu
ponto de vista.
FIM
Entrevista I-1/2 - Yvonne Limoges da Sociedade Espírita da Flórida
(EU)
"Uma pessoa pode compreender os princípios do Espiritismo ou mesmo acreditar
neles completamente. Entretanto, buscar ser fiel a tais princípios e os colocar em
prática é coisa para uma pequena minoria. É necessário ter um certo nível moral
para pertencer a essa minoria." (Y. Limoges)
Neste post, apresentamos uma entrevista que fizemos em Fevereiro de 2011 com Yvonne
Limoges diretora da Sociedade Espírita da Flórida desde 1982. A Yvonne é uma
companheira de ideal espírita que já conhecemos faz certo tempo (desde 1997 com o
GEAE) e que realiza um trabalho de impacto junto à comunidade espírita nos Estados
Unidos. Ela edita um boletim em inglês e é bastante conhecida nos meios espiritualistas
americanos. De seu boletim mensagens foram publicadas em vários outros órgãos tais
como: a revista da Federação Espiritualista Nacional, a Associação Nacional de Igrejas
Espiritualistas, e a Aliança Nacional Espiritualista. Também participa da Academia de
Espiritualidade e Estudos Paranormais onde escreve 'book reviews'. Seu boletim é bastante
conhecido entre espíritas por todos os EUA que enviam a ela notícia sobre atividades de
seus centros por lá.
Recentemente (2009) ela conseguiu publicar um artigo sobre reencarnação na principal
revista da NSAC (Aliança Nacional de Igrejas Espiritualistas), contrariando a tradição do
movimento espiritualista que ainda não aceita esse importante postulado da Vida Maior.
Dentre as várias realizações em prol do movimento espírita realizadas pelo grupo da
Yvonne está a tradução para o inglês do livro histórico 'Memórias do Padre Germano' de
Miguel Vives em 2006. Esta obra foi traduzida por Edgar Crespo. Ela é membra de várias
academias como o Instituto Windbridge (que estuda mediunidade), a Federação
Espiritualista Nacional (com participação majoritária de espiritualistas da Grã-Bretanha,
Europa, Austrália, Islândia, Suécia e Nova Zelândia, além de espíritas das Filipinas).
Yvonne expôs suas idéias em um encontro dessa federação em Rochester, NY.
Nesta oportunidade, aproveitamos também para questioná-la sobre uma visita recente que
fez à Espanha (para um congresso espírita em Terremolinos pela CEPA), quando teve a
chance de entrar em contato com o movimento espírita daquele país onde ela também tem
raízes familiares. Uma outra entevista com a Yvonne pode ser lida (em inglês) no site
da ASPSI. A entrevista que segue será apresentada em 2 partes.
EE 1 - Que lembranças você tem sobre práticas espíritas na sua família?
YL - Desde pequena, lembro-me de ir ao centro espírita de meu pai em Nova Iorque
várias vezes. Fazíamos isso quando íamos para a cidade de Nova Iorque nas férias
de verão porque, então, já morávamos na Flórida. Embora tenha nascido na cidade
de Nova Iorque, mudei-me para St. Petersburg quando tinha 6 anos de idade. Não
havia centros espíritas lá. A maioria dos centros é em Miami que fica 6 horas de
distância.
Meu pai e seus parentes iam a este centro (estabelecido em 1933 e que durou até
1980) em Nova Iorque. Minha avó era médium. Meu pai participou de aulas sobre
mediunidade quando mais velho e ainda vivia em Nova Iorque. Então ele já era
casado e isso foi 5 anos antes de eu nascer.
Na Flórida, meu pai nos ensinou muito sobre o amor a Deus, sobre os Espíritos,
sobre ser uma boa pessoa e, à medida que crescíamos e compreendíamos mais,
sobre a Doutrina Espírita.
Pertenço a uma família na 4ª geração de americanos com origem na Espanha, Itália
e França e já 5ª geração espírita do lado paterno. Minha mãe veio das Ilhas
Canárias para os Estados Unidos via Cuba. Do lado paterno vieram de Porto Rico
onde os homens eram proprietários de terra e trabalhavam junto a prefeituras e as
mulheres professoras.
Meus pais falavam inglês em casa quando éramos criança e, as vezes, espanhol com
seus parentes. Meu irmão e irmã só conhecem inglês. Entretanto, tive aulas de
espanhol por 5 anos e também francês por 1 ano na escola. Os livros de Kardec que
meu pai usava eram todos em espanhol na época, exceto pelo ‘Livro dos Espíritos’
de Anna Blackwell. Li e estudei todos eles (em espanhol e inglês). Eu e meu pai
eram os que mais conversavam sobre a doutrina em casa. Ele desencarnou em maio
de 2008.
Na Flórida, porquanto não existisse nenhum centro espírita perto, mantínhamos
reuniões domésticas regulares quando meu pai recebia comunicações em transe
mediúnico. Ele via Espíritos e tinha visões. Dava passes sob assistência de uma
entidade chamada ‘Lula’, que também já se manifestara no centro que minha
família participava quando eu era criança. Meu pai mantinha contato com a
diretoria do centro de Nova Iorque.
Com o tempo, frequentei vários centros em Miami, na Flórida, com meus pais,
mesmo de sessões mediúnicas. Entretanto, íamos lá mais para comprar livros
espíritas que eram bastante raros onde morávamos. Mantínhamos uma pequena
biblioteca desses livros.
Naturalmente, com os anos, participei de vários centros espíritas (além de grupos
espiritualistas, de parapsicologia e estudos paranormais), conferências e congressos
onde tive a oportunidade de proferir palestras.
EE 2 - Como foi o seu primeiro contato com as realidades imortais
(como médium)?
YL - Lembro-me que sempre senti a presença de Espíritos desde a idade de 4 anos
(mas não tinha noção do que se tratava então). Eu os sentia e ouvia barulhos, tal
como passos e vozes de Espíritos. Era bem intuitiva e sabia das coisas antes que elas
ocorressem. Tinha sonhos ‘proféticos’ e experiências fora do corpo.
Mais tarde, comecei a receber o que chamei de ‘composições inspiradas’, logo no
início da minha adolescência, o que continuou mais tarde até comunicações
espíritas completas. As palavras eram ditadas a mim à medida que escrevia. Depois
houve uma mudança na maneira que recebia os escritos. Recebia um impulso,
começava a escrever e as palavras estavam lá. Nunca sei o que estou escrevendo
quando psicografo, o que vem a ocorrer apenas após finalizar a mensagem.
No começo da fase de maior produção mediúnica, meu pai me disse que eu tinha
um Espírito protetor chamado ‘El Anciano’. Seus escritos eram de conteúdo mais
moral e espiritual. Ele se parecia com um ‘ancião’, com uma barba. Soube que
também tinha um grupo de outros Espíritos que me ajudavam nas composições.
Quando El Anciano se comunica, é sempre sobre questões de natureza séria. Sei
que ele assiste ao meu trabalho e sou muito grata a ele. Procuro me esforçar para
merecer sua assistência contínua.
Além disso, escrevi dois livrinhos em tempos distintos pelo que chamo de ‘escrita
semi-automática’. Para tanto, disseram-me que deveria usar uma caneta (sempre
digito minhas mensagens) e, durante esses dois episódios, meu braço direito foi
puxado e senti como se ele tivesse sido colocado no fogo, mas sem queimar. Senti
fluidos fortes de magnetização. Escrevi então muito rapidamente, sem saber o que
estava escrevendo e terminei os dois livros em uma única sessão. São eles: ‘A
jornada espiritual da alma’ e ‘Princípios Espíritas para Crianças’ e podem ser
acessados no site de nossa sociedade.
Finalmente, minha faculdade se desenvolveu até o transe mediúnico completo e
trabalho como médium na prática espírita já há 35 anos. Administro aulas de
iniciação mediúnica no nosso centro.
EE 3 – Quais foram suas impressões sobre o movimento espírita na
Espanha?
YL - Embora tenha participado de apenas uma conferência na Espanha,
recebo freqüentemente muita literatura de vários grupos e centros daquele país
(assim como do Brasil) já há muitos anos. Acredito que o Espiritismo na Espanha
esteja se desenvolvendo e crescendo bastante.
Há duas orientações de pensamento (como sempre encontro em muitos países onde
existem muitos espíritas, incluindo nos Estados Unidos). Alguns grupos são mais
religiosos ou orientados de forma cristã, enfatizando aspectos evangélicos da
Doutrina Espírita. Outros grupos (embora aceitando absolutamente a existência de
Deus) enfatizam aspectos mais ‘científicos’ do Espiritismo e, suas práticas são na
direção de educar os outros moralmente e nos princípios da doutrina de um ponto
de vista mais universal.
Fico bastante desapontada em ver que não existe incentivos à tradução livros
espíritas em espanhol para o inglês. Para a Espanha e muitos países Latinoamericanos isso não parece ser prioritário, mas muitos espíritas nesses países não
conhecem o inglês, pelo que não poderiam ajudar mesmo. Espíritas de Porto Rico
provavelmente poderiam ajudar, pois são bilíngues, mas não manifestaram
interesse ainda.
Felizmente, os brasileiros tem se esforçado ativamente na tradução de livros
espíritas para o inglês.
Capa do Livro 'Memórias do Padre Germano' de A. D. Soler recentemente traduzido
para o inglês por Edgar Crespo.
Fico contente ao menos em saber que conseguimos disponibilizar, para pessoas que
conhecem o inglês, traduções feitas por meu pai de dois clássicos da literatura
espanhola: ‘Memórias de Padre Germano’ (Memoirs of Father German) de Amália
Domingo Soler e ‘Guia Prático para o Espírita’ (A Practical Guide for the Spiritist:
handbook on personal conduct) de Miguel Vives.
EE 4 - Como você encara a recente onda de interesse crescente por
ideias e princípios espiritualistas em filmes tal como ‘Hereafter’ de C.
Eastwood e outras séries televisivas?
YL - Desde pequena (meados da década de 1950), lembro-me de shows televisivos
sobre ‘fantasmas’ como eram chamados na época. Uma dessas séries chamava-se
‘Topper’ e era sobre um milionário que podia ‘ver e se comunicar’ com um casal rico
que havia morrido em um acidente de carro. Esse programa foi muito popular.
Outras shows e filmes vieram com as mesmas ideias. Religiões orientais tornaramse então populares na década de 1960 e 1970. Mais tarde, livros sobre experiências
fora do corpo e ‘canalizações’ – como eram chamadas - tornaram-se populares. A
partir de 1980 e em diante aconteceu o que considero a grande virada com o filme
‘Ghost’ (que ilustrava basicamente a interação entre o mundo espiritual com o
mundo material na função básica da mediunidade).
Foram os meios de comunicação, por meio da televisão, livros, e mesmo vídeo
games, que tem influenciado o público Norte Americano na direção do
conhecimento básico dos fenômenos espíritas, aproximando-os, a cada ano que
passa, dos princípios da Doutrina Espírita. Tais meios tem divulgado ideias como: a
existência da alma no mundo espiritual, a realidade e a diferença entre
mediunidade e habilidades ‘psíquicas’, a idéia de que a maneira como vivemos
nossa vida material determinará nossa condição no futuro, a realidade da influência
dos Espíritos em nós no mundo material, a idéia da obsessão espiritual e como se
deve tratar o problema e, agora ainda mais, a crença na reencarnação.
Uma pesquisa em 2009 conduzida pelo Centro de Pesquisas Pew determinou que
24% do público geral e 22% dos cristãos acreditam em reencarnação nos Estados
Unidos. Tal pesquisa foi bastante divulgada pela mídia nacional, o que acho muito
relevante pois mostra a muitos reencarnacionistas que eles não estão sozinhos.
Deixe-me ser clara aqui, estou falando mais sobre aceitação do público em geral de
princípios naturais e autênticos da Doutrina Espírita no que diz respeito ao básico
dos fenômenos. Aspectos filosóficos ou mais específicos da Doutrina Espírita (como
o de que devemos ser uma boa pessoa ou sofrer alguma consequência adversa seja
aqui ou no mundo espiritual) são aceitos conforme são compreendidos pelo
público.
EE 5 – Na sua opinião, quais são os maiores obstáculos para as crenças
espíritas nos Estados Unidos?
YL - Para a maioria dos americanos, é fácil dizer que são membros de alguma
religião tradicional e, se questionados, podem ao mesmo tempo dizer que acreditam
em algo que o Espiritismo ensine, mas somente o básico.
Um parcela grande da população está envelhecendo, os chamados ‘Baby boomers’.
Desesperadamente eles estão agora a procura de maneiras de prolongarem suas
vidas, de 'rejuvenescerem' e querem também saber o que vai ser deles depois da
morte do corpo. Estão em busca de um objetivo ou sentido à vida.
Os tempos estão difíceis hoje nos Estados Unidos, com muito desemprego e gastos
excessivos. Tais dificuldades obrigam as pessoas a buscar algo que as console.
Sentem uma necessidade, o que chamaria de necessidade de alimento para a alma.
Tal situação torna mais fácil falar a tais pessoas sobre o Espiritismo.
Não obstante isso, é necessário ter maturidade espiritual para aceitar a contraparte
moral e filosófica da Doutrina Espírita. Pode ser muito difícil compreender e aceitar
essa parte. Aprendi nos últimos 35 anos que a maioria mais nova, que frequenta
centros espíritas e aprende quão importante é a responsabilidade pessoal, acaba se
assustando com esses aspectos. Eles ou não podem ou não querem aceitar essa
parte, por não desejarem mudar seu comportamento pessoal.
Uma pessoa pode compreender os princípios do Espiritismo ou mesmo acreditar
neles completamente. Entretanto, buscar ser fiel a tais princípios e os colocar em
prática é coisa para uma pequena minoria. É necessário ter um certo nível moral
para pertencer a essa minoria.
No próximo e último post da entrevista: Yvonne Limoges fala sobre o Movimento
Espiritualista Americano, a crescente aceitação da reencarnação e de como seus
líderes estão lidando com isso. Ela também dá uma mensagem especial aos
espíritas brasileiros.
Cartas Psicografadas (3/3) - Pragmática e intenção em psicografias de
Chico Xavier.
Esta
é
a
3a.
e
última
parte
da
sequência
de
posts
deste
assunto.
Vá para a 1a. Parte.
Vá para a 2a. Parte.
Esta é a 3.a Parte.
Uma vez que se assuma um modelo de comunicação simples, qualquer análise
preliminar da mensagem irá falhar em considerar aspectos que poderiam ser
tratados por um modelo mais sofisticado (Akmajian, 2010; Bach, 1979).
Informação, vista como um fluxo do emissor ao receptor, pode apenas dar conta de
aspectos morfológicos, sintáticos e semânticos, isto é, sinais que podem ser
facilmente ‘copiados e colados’, implicando a possibilidade de que isso tenha
ocorrido de fato. Entretanto, mesmo tais aspectos morfológicos, sintáticos e
semânticos tornam-se um desafio diante de mensagens escritas em línguas
estrangeiras.
Seria assim muito mais fácil explicar a capacidade paranormal acima em um
arcabouço teórico que não considerasse problemas de pragmática tais como: a
presença de expressões linguisticamente ambíguas, mensagens contendo
informação sobre coisas particulares referenciadas (isto é, coisas que somente o
recipiente tem conhecimento para ‘completar’ a referência), transmissão de
intenção, o assim chamado ‘problema da subdeterminação de intenção
comunicativa’ (Bach, 1979), presença de conteúdo através de expressões
semanticamente mal definidas (comunicação não literal) e, finalmente, o problema
dos ‘atos não comunicativos’ – o objetivo da mensagem não é comunicar, mas
produzir um efeito no recipiente. Em face disso, as seguintes observações são
pertinentes à carta em análise (ver post anterior)
1. Referência ao nome que Patrick chamava a sua mãe privadamente (seu nome
correto era Christiane e não o referenciado);
2. Referência ao nome da cidade de onde Patrick deveria ter retornado. O acidente
foi a 500 metro da residência de férias da família em Itaipava/RJ. A mãe confirmou
ter afirmado ao médium que o acidente ocorrera no Rio de Janeiro (estado);
3. Referência não literal. O emissor não retornou de nenhuma guerra, mas utilizou
essa expressão para se referir a sua situação anterior;
4. Referência à irmã residente à época na França;
5. Referência à namorada;
6. Referência à avó materna residente à época na França;
7. Referência ao avô paterno residente à época na França;
8. O emissor se refere aqui a preocupações de natureza privada de sua mãe de
alguém ter sido responsável por sua morte;
9. Referência à bisavó materna (Margeritte Yvetot), falecida em França em 1974;
10. Referência ao apego da mãe do emissor aos objetos pessoais de Patrick;
11. Referência ao pai;
12. O emissor pede a sua mãe que perdoe sua irmã por uma discussão ocorrida ao
telefone após a morte de Patrick. O fato era de conhecimento privado;
13. Patrick era muito sensível à natureza e gostava de animais.
Tais observações foram feitas pelos pais de Patrick depois de receber a carta e
mostram claramente a existência de uma ‘decodificação’, devido à existência de
intenções, objetivos, crenças e desejos por parte do emissor. Sabe-se que qualquer
modelo satisfatório de comunicação deve levar em conta o contexto e a inferência
(Bach, 1979), simplesmente porque é muito difícil caracterizar ou acessar elementos
que são reconhecidamente privados no processo de comunicação humana. Primeiro
é preciso reconhecer que, para que a estratégia do emissor dê certo, um conjunto de
crenças compartilhadas entre ele e seu receptor deve existir (Capone, 2006) e que
tal conjunto não está disponível ao médium antes da ocorrência do fenômeno
psicográfico. Não se trata, assim, simplesmente de se transmitir e receber símbolos
linguísticos o que está envolvido em um processo de psicografia. Dada a quantidade
e frequência de ocorrências pragmáticas nas cartas produzidas por C. Xavier, é
difícil explicar tal fenômeno usando o ‘senso comum’ ou abordagens ‘naturalistas’.
Além disso, a situação torna-se mais complexa diante de mensagens escritas em
outras línguas, uma vez que elementos léxicos, sintáticos e semânticos acrescentam
uma quantidade grande de informação linguística. Portanto, é razoável esperar que
teorias e análises linguísticas tenham um papel importante na defesa da idéia da
imortalidade da alma em muitas composições psicográficas (Beischel, 2009; Rock,
2008b). Por exemplo, um aspecto interessante que se vê nas mensagens de C.
Xavier é o aumento da letra, como se mão do médium estivesse sendo assistida na
produção das mensagens.
Acreditamos que um novo campo de estudos está aberto com a análise das
composições 'anômalas' de C. Xavier. Isso também é facilitado uma vez que muitos
familiares podem ser contactados para fornecer detalhes adicionais sobre as cartas.
A quantidade e qualidade de material produzido por C. Xavier é pouco conhecido
fora do Brasil porque está disponível em sua maior parte em Português. Traduções
são, portanto, necessárias. Esperamos poder preencher essa lacuna no futuro.
Agradecimentos
Agradeço a Ana C. Xavier (Medical University of South California/USA) por me
ajudar na tradução para o inglês da mensagem de Patrick.
Cartas Psicografadas (2/3) - Pragmática e intenção em psicografias de
Chico Xavier.
Segunda parte da tradução do artigo original publicado na revista 'Paranthropology', 2 (1),
2011. p. 35-47. As referências serão apresentadas no parte final depois da última postagem
(número 3).
Vá para a 1a. Parte.
Esta é a 2.a Parte.
Vá para a 3.a Parte.
Neste contexto, a figura mais importante do movimento espiritualista brasiliero é
Franciso Cândido Xavier (1910-2002), também conhecido como Chico Xavier.
Tendo passado por uma infância não privilegiada, publicou mais de 400 livros
entre 1925 e 2001, além de ter produzido milhares de cartas de conteúdo
paranormal. Entre seus livros, trabalhos poéticos e literários de autores
portugueses e brasileiros do final do século 19 devem ser destacados (Xavier, 1935;
Xavier, 1938), implicando em outra dimensão na análise do fenômeno mediúnico, o
da estética (Rocha, 2001). Limitações de espaço nos impedem de discutir aqui a
questão da poesia nos trabalhos mediúnicos de Chico Xavier. Sua vida foi tema de
um filme recente (Filho, 2010; Grumback, 1910), mas, mesmo assim, suas obras
são pouco conhecidas fora do Brasil.
Aqui apresentamos uma tradução não publicada em inglês (1) de uma mensagem
psicografada por C. Xavier atribuída a um recém falecido (Arantes, 2008a). O
objetivo dessas cartas era dar consolo espiritual a pais e parentes que o procuravam
por informações de seus filhos e parentes falecidos. Algumas considerações sobre o
ambiente e o contexto em que as mensagem foram obtidas seguem:
1.
De acordo com regras de conduta aceitas no Movimento Espírita de
orientação Kardecista, destacamos o caráter voluntário dos trabalhos
produzidos, isto é, ausência de quaisquer taxas para a realizações das
sessões. Os direitos autorais de todos os livros psicografados foram doados
pelo autor a trabalhos de assistência social e outras obras;
2.
A mediunidade de C. Xavier foi similar em grau e ostensibilidade ao
da Sra. Piper (Piper, 1929; Braude, 2003c). Ele era capaz de produzir
manifestações tanto de caráter físico como inteligente, com preferência por
psicografias.
3.
Sua mediunidade pode ser dividida em várias fases. A que trataremos
aqui que se inicia em 1960 foi caracterizada pela visita de familiares
buscando informações por parentes recém falecidos. Uma pequena parte
dessas cartas foi publicada (Arantes, 1981; 1982a; 1982b;1984a; 1984b;
1986; 1988;1990; 1998;2008a).
4.
O ambiente em que se encontrava o médium durante essa fase era
composto por pessoas de uma ampla variedade de classes sociais e crenças
religiosas, a maioria inconsciente de mecanismos envolvidos na produção
dos fenômenos. Devido ao caráter excepcional das manifestações, grande
quantidade de pessoas o procuravam em busca de informação gratuitas de
seus parentes, e faziam isso com pouco ou nenhum contato anterior com o
médium.
5.
A maior parte das cartas eram produzidas em Português, que era o
idioma nativo do médium. Mas comunicações em outros idiomas foram
obtidos (p. ex., italiano, (Perandrea, 1991) e inglês).
6.
A assinatura do emissário era reproduzida de alguma forma no final
de várias cartas. Tal fato permitiu a realização de estudos comparativos
(Perandrea, 1991) usando análise grafoscópica.
7.
As cartas não eram obtidas de forma instantânea. Em alguns casos,
eram obtidas em uma primeira visita, em outros um intervalo de várias
semanas ou meses era necessário.
8.
Em muitos casos, mais de uma carta era obtida.
9.
Nunca tendo encontrado o médium antes, parentes confirmaram que
eles frequentemente eram chamados por seus nomes próprios por ele em
uma primeira visita. Nome de parentes falecidos eram também citados,
alguns não reconhecidos inicialmente pelos familiares, mas apenas após
buscas ou pesquisas subsequentes.
É reconhecidamente difícil registrar e confirmar subsequentemente a informação
em comunicações de natureza psíquica (Braude, 2003c). Entretanto, as cartas de C.
Xavier representam uma ocasião ímpar por se dirigirem a parentes que podem, eles
mesmos, fornecer 'elementos de identificação'. Por exemplo, muitas cartas eram
assinadas e, no exemplo abaixo, o emissor (falecido aos 20 anos de idade) deixou
uma assinatura que, de acordo com sua mãe, era semelhante a de seu filho aos 8
anos de idade.
Entretanto, para todos os pais que se entrevistaram, a evidência autoral vem da
competência pragmática exposta nas cartas que revelam informação que somente
era conhecida por por um conjunto restrito de pessoas. Em muitas ocasiões as
cartas revelam um conhecimento tácito de certas situações que era difícil de se
obter por meios normais. De particular importância é a citação de nomes de
personalidades falecidas cujos nomes exigiram posterior confirmação para sua
validação (em muitos caso, nomes estrangeiros). Mais incrível ainda é o fato do
emissor revelar conhecimento de sentimentos privados experimentados por pais e
parentes anteriormente a emissão da mensagem.
A carta abaixo é um exemplo de comunicação psicográfica por C. Xavier obtida em
Uberaba/MG, no dia 1 de Janeiro de 1979 assinada por G. Patrick Castelnaud
(24/1/1958-11/3/1978) que faleceu de um acidente de carro. Sua mãe recebeu esta
carta após uma segunda visita à Uberaba, localizada a 800km do lugar do acidente
e residência da família.
Mamãe Christine (1), abençoe-me.
Tudo bem. Chegada em paz. Sabe o que sucedeu? Reamente não regressei de
Itaipava (2). Retornei da guerra. Felizmente.
Diga ao meu pai, a nossa Chantal (4) e a nossa Ninon (5) que prossigo. Tudo
prossegue. É a vida de que se cogita ainda mesmo quando nossas capas físicas se
estendam estraçalhadas nos acientes.
Ontem, o campo da resistência e luta. Agora, é a região de pas reconquistada.
Avise à vovó ‘chéri gand-mère’ Fernanda (6) e ao vovô Mogliocco (7) que estou
bem. De uma paisagem bonita como a nossa, me transferi para outra. Graças a
Deus, a gerra para mim terminou.
Aqui tudo mamãe Christine, foi reajuste. Não culpem a ninguém(8). Minha outra
avó Margueritte (9) está me ensinando a compreender. Aina vacilo nas lições.
Mas o importante é que estou na escola.
Mãezinha, lance tudo o que é recordações de infância no esquecimento (10). Papi
Gerard (11) está certo, somos todos irmãos. Não existem adversários. Existem os
filhos de Deus e todos nos pertencemos uns aos outros.
Console a querida Chantal(12). A vida pede compreensão e não entende qualquer
animosidade de nossa parte contra ela.
Tudo é belo na obra de Deus(13). O dia e a noite, a alegria e o sofrimento, o barco
e a estrela, e até o próprio mal existe por bem, ainda interpretado para a essência
positiva que nos transforma as dificuldades em bençãos.
Mãezinha, esta carta é um alô simplesmente. Vai alô iluminado de beijos; são
todos seus. Se possível entregue alguns para Chantal e Ninon , e receba com meu
pai Gerard todo o coração de seu filho, sempre seu filho do coração.
Gerard Patrick Costelnaud.
Na terceira e última parte analisaremos o conteúdo da mensagem e traremos a lista
de referências.
Notas
1 - Esta é uma tradução para o português do artigo originalmente em inglês.
Obviamente, a mensagem reproduzida é a original.
Cartas Psicografadas (1/3) - Pragmática e intenção em psicografias de
Chico Xavier.
Primeira parte da tradução do artigo original publicado na revista 'Paranthropology', 2 (1),
2011. p. 35-47. As referências serão apresentadas no parte final depois da última postagem
(número 3).
Esta
é
Vá
para
Vá para a 3.a Parte.
a
a
1.a
2.a
Parte.
Parte.
Minha intenção aqui é apresentar a mediunidade de Chico Xavier em psicografias
de recém falecidos. Como físico, deveria explicar os mecanismos envolvidos nessa
mediunidade, como a mente do médium pode adquirir informação oculta que é tão
abundante em psicografias, quais são as condições e exigências envolvidas no
fenômeno, como a informação pode ser obtida dessa forma etc. Essa é uma tarefa
muito difícil e busquei inicialmente invocar a teoria da comunicação (Griffin, 1987),
assumindo que a informação está em algum lugar e que muitos detalhes do
processo são bem compreendidos. Minha tentativa inicial mostrou a precariedade
dessa abordagem. Além de ser um fenômeno humano, cada caso de mediunidade é
único e tem suas próprias peculiaridades, requisitando estudo dedicado. Tal
característica não permite enquadrar a mediunidade em categorias bem definidas o
que parece ser importante na fase pre-científica de uma disciplina.
Espero também que tal narrativa despretenciosa possa motivar outros estudos de
caráter antropológico (Koyama, 2006) ao redor da figura de Chico Xavier e sua
obra, que é pouco conhecida fora do Brasil. Uma vez que o ponto de vista cético é
bem conhecido, não procurarei fazer qualquer tentativa de teorização, pois minha
intenção aqui é descrever o fenômeno como ele se manifesta, junto com alguma
informação sobre o contexto em que eles foram produzidos.
A moderna teoria da informação (Shannon, 1949) tem como objetivo fornecer um
modelo para o processo de comunicação entre duas entidades - emissor e receptor no qual influências do ruído e outras interferências na transferência de mensagens
são levadas em consideração. Para ser viável, o processo exige uma fonte de
informação (emissor ou remetente), uma mensagem (codificada usando um
protocolo conhecido tanto pelo emissor como pelo receptor - a linguagem) e um
alvo (destinatário, receptor). Além disso, a mensagem é transferida do remetente ao
destinatário através de um meio. Tanto a linguística como a semiologia (Cobley,
2001) tem como objetivo o estudo da comunicação, fornecendo teorias mais
adequadas para a compreensão de sinais e outros aspectos relacionados ao processo
de comunicação, além daqueles que são explorados mecanicamente na abordagem
de Shannon e outros (Bosco, 2006; Rigotti, 2006).
Dada uma mensagem, podemos nos interessar particularmente pelos elementos
chave que resultam na identificação da verdadeira natureza da fonte de informação.
Sabe-se (Chaski, 2000; Kopka, 2004) que, dependendo do meio usado para a
transmissão, a mensagem pode conter elementos suficientes que permitem a
identificação do emissor, um assunto para a recém criada línguistica forense
(Chaski, 2000; Olsson, 2008). Tomemos, por exemplo, a tarefa de identificar a
autoria de uma carta escrita por um amigo que se mudou recentemente para a
Austrália. Nela eu encontro sinais gráficos, morfológicos, sintáticos, semânticos e
outras estruturas pragmáticas (Akmajian, 2001) que me permitem identificar
facilmente meu amigo como seu autor.
No nível mais elevado ou da pragmática (Cutting, 2002), além do significado
aparente, a mensagem é composta de tal forma que somente o destinatário tem
capacidade de compreender realmente seu conteúdo. Por exemplo, meu amigo,
sabendo de meu pouco interesse em visitar a Austrália, descreve em cores vivas as
belas paisagens daquele continente, a fim de atualizar minhas impressões e mudar
minha opinião sobre ir visitá-lo na Austrália. Se outra pessoa ler suas descrições, ele
provavelmente não conhecerá sua verdadeira intenção tão só pela leitura das frases.
Embora a morfologia, a sintaxe e a semântica sejam as mesmas para todos, isto é,
elas são publicamente disponíveis, a pragmática é um aspecto privado do protocolo
de comunicação. Em todo processo de comunicação desse tipo, competência
pragmática (capacidade do autor em passar informação de conteúdo privado ao seu
destinatário) é um fator importante para a identificação da fonte da mensagem
(Borg, 2006).
Embora fenômenos psíquicos apresentem-se como anomalias para o pensamento
científico contemporâneo e como fraudes para grupos céticos (aqui fazemos
distinção entre ciência e ceticismo), eles sempre se manifestaram prima facie como
processos de comunicação (Rock, 2008a; Beischel, 2007). Esse aspecto tem sido
repetidamente desconsiderado por pesquisadores dos fenômenos psíquicos
(Beischel, 2009) que não aceitam a idéia de que informação de caráter psíquico
possa ser gerada fora da mente do médium (Braude, 2003a; Wales, 2009). Parece,
então, razoável usar a semiologia e a linguística (Wales, 2009) para reafirmar ou
não a autoria de muita informação de natureza psíquica de qualidade em uma
tentativa de se atestar a natureza da fonte.
Entre a variedade de processos inteligentes de natureza psíquica (em contraposição
às manifestações físicas), a psicografia (Oxon, 1848; Braude, 2003b) apresenta-se
como uma evolução de formas primitivas e mecânicas de comunicação tais como a
tiptologia e o uso de pranchetas (Kardec, 2000b). Composições produzidas por via
psicográfica (incluindo poesia) são conhecidas em países de língua inglesa (veja o
caso Patience Worth em Braude, 2003b; Casper, 1916), embora em caráter menos
extensivo do que sua contraparte sonora, a 'psicofonia' (capacidade de falar
mensagens de conteúdo paranormal) que também se produziram por toda a parte.
No Brasil, a pratica da psicografia é muito popular no movimento espiritualista
local conhecido com Espiritismo e fundado por H. L. D. Rivail, um pedagogo
francês também conhecido como Allan Kardec (Kardec, 1985). Kardec escreveu um
tratado sobre mediunidade (Kardec, 2000a) nos início da pesquisa psíquica na
Europa e lançou os princípios do Spiritisme no 'Livro dos Espíritos' (Kardec, 1996).
Em seu aspecto religioso, o Espiritimo de Kardec, além da ênfase na mediunidade
que se tornou uma prática espírita, também incorporou a crença na reencarnação
como forma de evolução da alma (Chibeni, 1994). Tal ambiente de aceitação franca
da realidade da comunicação dos Espíritos e reencarnação constitui-se em um
campo fértil para o desenvolvimento da mediunidade ativa, em particular de
caráter
psicográfico.
No próximo post: a mediunidade de psicografia de Francisco Cândido Xavier.
Crenças Céticas XII - Tomando carona no ceticismo: Críticas ao
'Espiritismo' em Ateus.net
Vamos agora analisar alguns textos utilizando as discussões que apresentamos
anteriormente sobre as crenças céticas. Com isso, fornecemos alguns fatos, à guiza
de exemplos interessantes, que confirmam nossas exposições sobre o ponto de vista
cético.
Nosso objetivo aqui não é discutir as crenças do ateísmo, mas
fazer alguns comentários em torno de um artigo que pretende levantar críticas
contra o Espiritismo, notadamente sobre a relação deste com as disciplinas
acadêmicas. O artigo intitulado 'Espiritismo, Ciência e Lógica' é longo, mas uma
síntese do pensamento do autor desse texto pode ser compreendida lendo-se a
comparação que ele faz através de um quadro entre suas noções de 'Ciência' e de
'Espiritismo'. Esse quadro está mais ou menos no meio do artigo, e passamos a
discuti-lo abaixo.
Um pouco antes desse quadro pode-se ler:
E o Espiritismo nessas mudanças? O fosso entre as metodologias da “ciência
espírita” e as demais “ciências” do mundo material foi progressivamente
aumentando.
Por 'mudanças' aqui, o autor entende as revoluções da Física moderna, que levaram
a uma noção diferente do mundo em comparação aos critérios e interpretações da
Física chamada 'clássica'. Ele afirma que existe um 'fosso' entre as 'ciências do
mundo material' e o 'Espiritismo'. Vejamos os pontos principais de sua
argumentação, analisando o quadro comparativo que o autor coloca como
argumentos a favor da existência de tal 'fosso':
"Ciência"
1) Comum novas gerações de cientistas refutarem trabalhos anteriores. Aversão a
critérios de “autoridade”.
Aqui a palavra 'refutar' está sendo empregada de forma pouco precisa. Alguém já
ouviu falar em 'refutação' dos trabalhos de Newton, Einstein, Maxwell? Será que
'Einstein refutou Newton'? Será que 'Maxwell foi refutado pela teoria dos campos'?
Será que a Mecânica Quântica refutou a Mecânica Clássica? Existem casos
históricos de teorias - que eram as preferidas dos acadêmicos - terem
sido suplantadas por outras. Um exemplo interessante foi a teoria do
flogisto (antes dos desenvolvimentos da termodinâmica na Física), ou a teoria dos
continentes fixos (na Geologia), suplantada pela tectônica de placas. Na Física, as
teorias clássicas podem ser derivadas das teorias não-clássicas (ex., relatividade e
mecânica quântica) a partir de determinados limites. A tese de 'refutação' não se
defende muito bem.
Também, a observação em análise demonstra conhecimento idealizado do mundo
acadêmico: com relação à aversão aos 'critérios de autoridade', isso é um mito que
corre entre cientistas. Todos sabemos que um artigo científico receberá tratamento
muito diferente se for publicado por um estudante (autor desconhecido) ou um
prêmio Nobel, ainda que contenha o mesmo conteúdo. A autoridade se constrõe
com um conceito: o 'nome' (número de artigos, citações, impacto etc). Ele conta
muito e se correlaciona fortemente com com quanto um pesquisador ou grupo de
pesquisadores irá receber do governo ou de seus financiadores para a realização de
determinada pesquisa. Essa é a razão porque cientistas procuram sempre ter seus
currículos atualizados com novas publicações e alunos.
2) Obras de grandes mestres (Principia Mathematica, Origem das Espécies, etc.)
ainda lidas como referência, fontes de valor histórico e como uma forma de
adentrar no raciocínio do autor. Os estudantes, porém, usam bibliografia recente,
expandida e corrigida.
É verdade, e, freqüentemente, se acham erros de interpretação imperdoáveis em
tais 'bibliografias recentes, expandidas e corrigidas' para tristeza dos estudantes
(Campanario,
2006; Hubizs,
2003).
Qualquer pesquisador sério sabe que não há nada melhor do que ler o autores
originais para se encontrar os princípios que fundamentam as diversas teorias da
Ciência.
3) A lógica é usada como ferramenta apenas. O raciocínio precisa estar
corroborado em evidências.
Somos brindados com essa preciosa observação:
"Kardec depositava fichas demais na lógica. Ela é importante sem dúvida e tê-la é
um requisito mínimo. Mas quem a estuda não demora a descobrir que ela não tem
tanto poder assim como dizem."
Ao longo do texto, seu autor confunde a validade de pressupostos de uma
argumentação lógica com a própria argumentação lógica. Não só Kardec, mas toda
a comunidade de cientistas deposita fichas demais na lógica porque não existe
outro método de raciocínio disponível.
4) O bom senso e a experiência usual nem sempre são seguidos (Relatividade e
Mecânica Quântica que o digam. Idem para a “ação à distância” de Newton).
Opta-se por soluções pragmáticas, ainda que esdrúxulas.
O autor diz que a 'Ciência opta por soluções esdrúxulas' e que isso é o resultado da
Ciência se afastar do 'bom senso' e da 'experiência'. Para quem compreende bem os
fundamentos da Mecânica Quântica, ou da Relatividade sabe que essas teorias da
Física estão estruturadas de forma lógica - sim a mesma lógica que o autor disse
que 'não tem tanto poder assim como dizem'. Sob determinadas interpretações
particulares, esses ciências podem revelar aspectos do Universo e do mundo que
não estão de acordo com a experiência comum do dia-a-dia dos humanos.
5) Há grande discussão em torno da filosofia da ciência quanto à questão da
melhor metodologia para o estabelecimento de novos conhecimentos
(refutabilidade, crise de paradigmas, etc.).
A Epistemologia é uma área acadêmica da filosofia. Entretanto, não existe consenso
entre especialistas da área sobre o impacto dos estudos da epistemologia nas
ciências. Na verdade, há quem defenda que estudos da Epistemologia não tem
serventia na Ciência (Holton, 1984). Embora seja altamente positivo que estudantes
das ciências se debrucem também sobre esse ramo da filosofia, sabe-se que a
Epistemologia não é matéria obrigatória nos currículos da Física, Biologia, Química
etc. Prefere-se não perder tempo com o assunto, embora sua aparente relevância
para o desenvolvimento da Ciência.
6) Teorias inverificáveis, mas belas, são postas de lado.
Aqui,o que se entende por 'belas teorias'? Pois 'beleza' não é algo intrínseco do
objeto admirado, depende também de quem admira. Uma teoria que é bela para um
cientista pode não ser para outro. Exemplos dessa situação existem muitos na
história da ciência. A teoria do movimento da Terra era insustentável para os
defensores da Terra fixa e vice-versa.
Que exemplo que se pode dar de uma teoria inverificável? Como podemos saber
que uma teoria é inverificável hoje diante dos avanços da tecnologia? Toda teoria é
construída sobre algum fundamento empírico, entretanto, muitas teorias poderosas
foram propostas bem antes de se registrar qualquer evento ou fenômeno que a
suportasse.
7) Apropriações entre ramos da ciência (malthusianismo no darwinismo, biologia
na sociologia – darwinismo social, eugenia) hoje são vistas com reservas.
Talvez o mais apropriado aqui seria 'integração' e não 'apropriações'. De qualquer
forma, a frase parece conferir status de ciência ao darwnismo social e a eugenia.
Talvez o objetivo seja dizer que determinadas interpretações ou extrapolações a
partir de teorias científicas não mais são aceitas facilmente: o darwinismo social e a
eugenia da biologia, o malthusianismo do darwinismo. A sociologia é uma teoria
independente da biologia.
8) Ciências que não têm acesso direto ao seu objeto de estudo (astronomia,
história, etc.) lançam mão da análise indireta dos efeitos que chegam até nós.
(espectro de luz, documentos históricos).
Entretanto, porque ateus, céticos e materialistas exigem 'provas objetivas e
repetitivas' dos fenômenos espíritas? Por que a ênfase no 'rigor' e na 'objetividade'?
A imensa maioria dos fenômenos chamados 'paranormais' não estão acessíveis aos
sentidos. Kardec foi a primeira pessoa a reconhecer as manifestações do Espíritos
só podem ser acessadas indiretamente.
9) Orações, Meditação e estados alterados de consciência são passíveis de estudo,
mas isso não significa que seja verdade aquilo que seus praticantes dizem.
Alguns estudos acadêmicos estrangeiros apontam para algo diferente, anômalo ou
peculiar nos seres humanso: sua origem e natureza espiritual. Obviamente, todo
cientista é livre para pesquisar o que bem entender, as limitações que se impõem
vem da falta de recursos financeiros, tempo (que é uma conseqüência da primeira)
ou
capacidade
intelectual.
A frase faz transparecer que a Ciência (no sentido de comunidade acadêmica) tem
preconceito com relação a certas fonte de conhecimento. Isso porque subsiste a
crença de que o conhecimento só pode ser gerado por cientistas. Mesmo assim, essa
opinião contrasta com a de pesquisadores sérios em Parapsicologia
que, freqüentemente, reportam o que seus 'subjects' sentem (como informação
importante), sem falar nos pesquisadores de experiência de quase morte.
Infelizmente ainda não se desenvolveram métodos não humanos de se acessar as
realidades do pós vida ou mesmo para praticar uma simples telepatia.
10) Não faz afirmações morais. Descobertas podem, inclusive, entrar em choque
com a moral vigente.
O objetivo das ciências naturais não é mesmo fazer afirmações morais. Mas isso não
pode ser contado como uma virtude como a observação parece sugerir. O mais
correto é dizer que as ciências naturais são neutras. De outra forma, aplicações
tecnológicas (derivadas das descobertas científicas) podem tanto ser usadas para o
bem como para o mal (Exemplos: avanços da genética, pesquisas nucleares etc).
"Espiritismo"
1) Medo de se distanciar da ortodoxia kardequiana. Culto à autoridade contido no
espírito da Verdade ou Kardec. Há exceções, óbvio.
O culto à ortodoxia é o que mais se vê no ambiente acadêmico. Mais uma vez, a
frase deixa transparecer conhecimento superficial do mundo acadêmico - que é o
ambiente onde as ciências acadêmicas são 'produzidas'. Confunde-se repetidamente
'ciência' (teoria, hipótese, conhecimento) com o movimento humano que a produz.
Assim confunde-se igualmente 'Espiritismo' com 'Movimento Espírita' tanto quanto
'ciência acadêmica' com 'academia'.
O que na frase é chamado de 'culto' é o que ocorre em qualquer ambiente humano,
no caso da ciência tem como objetivo proteger sua sociedade contra revisões ou
alterações mal intencionadas. Um cientista defende uma boa teoria com o mesmo
zelo que um fazendeiro sua propriedade, e não há o que se achar estranho nisso.
Pelo contrário, o oposto seria algo bastante inexplicável.
2) Livros de Kardec ainda utilizados sem alterações, mesmo no que há de errado.
Notas de rodapé corrigem alguns erros.
Imaginemos uma situação hipotética: uma nova edição do 'Principia' de Newton
sendo lançada repleta de 'revisões' e 'correções' a partir da relatividade restrita e
geral. Imaginemos que os livros editados por Mawxell, Newton, Galileu, Boltzmann
e outros grandes físicos fossem relançados com revisões completas - não notas de
rodapé. Imagine lançar o livro fundamental de Charles Darwin em uma edição
totalmente revisada conforme as novas descobertas da genética.
As obras dos pesquisadores pioneiros (em todas as áreas do conhecimento)
representam um manancial de conhecimentos originais, onde se podem encontrar
os princípios ou fundamentos das idéias e teorias e, portanto, não são passíveis de
revisão.
Há muitas coisas que ainda devem ser 'descobertas' nas obras de Kardec.
Justamente por não se dar o devido valor a certas passagens, é que não se consegue
construir uma teoria correta sobre muitos fenômenos considerados 'anômalos'.
3) A lógica é utilizada como meio de prova ou refutação de hipóteses, não havendo
verificação de se a natureza pensa igualmente.
Quem 'pensa' em matéria de criação e teste de hipóteses são os seres humanos. A
Natureza não pensa, ela simplesmente é. Aqui aparece a mesma crítica à lógica que
o autor do texto diz 'que não tem tanto poder como pensam' (ver item 3 em 'Ciência'
acima).
4) O senso comum, ao lado da lógica, é superestimado.
Em boa parte dos desenvolvimentos da Ciência, o 'senso comum' é utilizado como
sinônimo de 'razoabilidade', ou seja, é uma percepção humana que permite
distinguir o que é razoável do que não é. O mesmo ocorre com a lógica. (Ver
considerações do item 3 em 'Ciência').
5) O conhecimento espírita ainda é majoritariamente indutivo, baseado em
moldes científicos do século XIX (positivismo).
Se por 'positivismo' entendermos a necessidade de se fundamentar o conhecimento
em fatos ou fenômenos naturais, é compreensível que o Espiritismo tenha caráter
'positivo' neste sentido. Afinal aquilo que Kardec descreve em 'O Livro dos
Médiuns' não é invenção dele, mas constitui uma fenomenologia verificável. É
necessário que seja assim, pois a base do conhecimento não pode ser a crença ou a
invenção. Toda ciência - ainda que nascida como pura teoria - só se estabelece ao se
conectar a uma classe de fenômenos observáveis (não necessariamente através
sentidos humanos). A ciência moderna continua a ser positiva oupositivista nesse
sentido.
Entretanto, é falso considerar o desenvolvimento e fundamentação do Espiritismo
em uma acepção particular do positivismo: aquela que crê que o mundo deve ser
explicado a partir de entidades que sejam acessíveis apenas aos sentidos
humanos. Um positivista nessa definição só acredita naquilo que os sentidos lhe
apresentam. Kardec aceitou a existência dos Espíritos e de muitas outras coisas a
partir de evidências indiretas (afinal Espíritos não podem ser vistos ou 'detectados'
por nenhum tipo de equipamento.
6) Persiste a presença de hipóteses “ad hoc” inverificáveis para sustentar pontos
nebulosos da doutrina. (ex: vida “invisível” em outros planetas) .
Se o plano invisível existe na Terra, porque não poderia existir em outros planetas?
Por que esse privilégio? Há aqui uma má interpretação do significado da noção dos
'mundos habitados' . Ela não se refere a planetas, mas a planos de existência. Ao
exigir 'hipóteses verificáveis' o autor está sendo incongruente com sua crítica de
Kardec - o de acusá-lo de 'positivista'.
6) Apropriações correntes são feitas sem garantia de que são válidas (ação e
reação, noções de mecânica quântica, etc.)
É verdade. Há muitas pessoas que fazem uso de paradigmas de ciências bem
estabelecidas como modelos de entidades de natureza espiritual. Isso não só no
Brasil como no exterior onde, dizem, o Espiritismo de Kardec não existe. Há que se
explicar porque isso ocorre neste contexto (além da argumentação simples exposta
pelo autor), demonstrando que isso não é característica da Doutrina Espírita. Para
ver um exemplo recente do uso de noções de Física Quântica, consulte o site da
revista Neuroquantology.
7) Pede um lugar “especial” entre as ciências por não ter acesso direto ao seu
objeto de estudo (espíritos).
Aqui temo outra afirmação TOTALMENTE FALSA. Por isso é importante distinguir
entre a noção de disciplina acadêmica (disciplina que tem corpo de pesquisadores,
cátedra, laboratórios, verbas, corpo de edição com publicações sujeitas à avaliação
por pares etc) com ciência ou conhecimento sobre o qual ela discorre. Toda vez que
dizemos 'O Espiritismo é Ciência', não estamos a afirmar que ele é uma disciplina
acadêmica nesse sentido especial. Assim, a afirmação não é válida.
Ainda assim, é possível ver que os 'objetos da Natureza' descritos e utilizados pela
Doutrina Espírita são entidades que tem sua existência no mundo em que vivemos.
Se eles não sãoobjeto de estudo das disciplinas acadêmicas, então quem os
estudará?
8) Verdades podem ser extraídas de “estados alterados de consciência”, vulga
mediunidade. Contudo, nenhuma proposta rigorosa para a separação do joio e do
trigo foi apresentada.
Será correto igualar 'estados alterados de consciência' com a mediunidade? Se
definimos estado de consciência normal como o estado mental durante a vigília,
então, quando dormimos ocorre mediunidade? Se o estado de vigília e sono são
estados normais de consciência, então alguém bêbado terá mediunidade?
As 'propostas rigorosas' passam todas pelo crivo neo-positivista que a crítica tenta
jogar sobre a fenomenologia psíquica. Aqui vemos transparecer incoerência: a
Ciência aceita 'explicações esdrúxulas' e evidências indiretas fugindo do 'bom
senso', mas certas investigações na esfera psíquica ou espiritual deve passar por
um 'crivo rigoroso'.
8) Produz cartilhas de certo e errado. Eufemismos são usados para se alegar que
“não é bem assim…”
Fica difícil avaliar essa afirmação do autor de 'Espiritismo, Ciência e Lógica' se ele
não deu nenhuma referência a quais são essas 'cartilhas'.
Existem maneiras mais sofisticadas e razoáveis de se defender o ateísmo. Está claro
que o referido artigo não só é tendencioso em relação à Doutrina Espírita, mas
constitui uma defesa precária do ateísmo, que merece nosso respeito como crença.
Referências
J. M. Campanario, (2006), Using textbook errors to teach physics: examples of
specific activities. Eur. J. Phys. 27, 975–981 doi:10.1088/0143-0807/27/4/028
G. Holton (1984), Do Scientists need a Philosophy?, Times Literary Supplement 2,
1232.
J. L. Hubisz, (2003), Middle school text don’t make the grade. Phys. Today 56, 50–
4
Anomalias nos sinais elétricos do Cérebro com a morte do corpo
"...O Espírito é, se quiserdes, uma chama, um clarão, ou uma centelha elétrica."
(Resposta a questão 88 de 'O Livro dos Espíritos', A. Kardec)
Para monitorar a atividade do cérebro é bastante conhecida e empregada a técnica
da eletroencefalografia (EEG). Potenciais elétricos variáveis que surgem no crânio
como resultado da intensa atividade neuronal podem ser investigados de uma
forma limitada e mostram amplitude decrescente, que se correlaciona com a
diminuição da atividade cerebral conforme o metabolismo do cérebro é atuado por
diversos fatores tais como: efeitos de drogas, lesões ou 'isquemia' (do grego
ισχαιμία, isch- restrição, aima , sangue).
Mais recentemente, algoritmos sofisticados de análise 'multivariável' de EEGs
tornaram possível desenvolver equipamentos e escalas de consciência ('awareness')
visando determinar, em tempo real, o grau de sedação em que se encontram
pacientes em tratamento intensivo (nas famosas e temidas 'UTIs'). Isso é
importante para se garantir 'inconsciência' durante intervenções cirúrgicas e em
outros processos de tratamento. Duas escalas foram criadas, uma chamada 'índice
biespectral' (chamado BIS) que é saída do monitor de índice biespectral e outra dos
monitores SEDLine da empresa Masimo. O índice Sedline, por exemplo, considera
o grau de sensibilidade à sedação que vai de 0 a 100. Acima de 80, o indivíduo é
considerado plenamente consciente. Níveis seguros de sedação ocorrem entre 40 e
60. Abaixo de 40 a sedação é severa. Com a morte chamada 'cerebral', o índice
biespectral vai a zero.
Em um artigo recente e muito interessante ("Picos de atividade
eletroencefalográfica na hora da morte: estudo de casos", Chawla, 2009), foram
descobertos padrões anômalos no comportamento elétrico do cérebro no momento
da
morte
do
corpo.
No artigo que analisamos, o Dr. Chawla e sua equipe (Departamento de
Anestesiologia e Medicina de Tratamentos Críticos do Centro Médico da
Universidade George Washington, EUA) monitorou um grupo de 7 pacientes em
estado terminal em que tratamentos de apoio à vida foram progressivamente
retirados. Com isso, eles entram em um novo 'protocolo' visando dar conforto ao
processo que segue, que é a parada cardíaca seguida da morte do corpo. Durante
esse processo, o comportamento elétrico do cérebro foi analisado usando as escalas
que discutimos acima, o que resultou na descoberta de uma anomalia no
comportamento da escala. A figura abaixo é um gráfico do índice Sedline para um
paciente (chamado #01) durante o processo de parada cardíaca (monitorada
conjuntamente com um ECG - eletrocardiograma).
Curva de nível BIS no instante da morte, paciente #01 (segundo Chawla, 2009).
A parada cardíaca ocorre pouco depois das 6:35. Antes, a escala demonstra um
nível normal de consciência, por volta de 80. Com a parada, oxigênio deixa de ser
enviado ao cérebro (assim como a todo o corpo). O nível de 'consciência'
representado na escala BIS começa, então, a cair. O nível da escala chega a zero
pouco antes das 6:50 (cerca de 15 minutos após a parada), quando então algo
acontece: um pico surge que durar vários minutos, o que sugere - por causa da
maneira com que a escala é interpretada - que um 'clarão de consciência' final
ocorre. Esse pico de 'awareness' foi observado em todos os pacientes e pode durar
alguns minutos com uma média entre 30 e 180 segundos. A posição do pico
também ocorre entre 15 a 25 minutos após a parada. De acordo com o artigo citado:
Pudemos observar vários desses picos de BIS (mais de 20) em outros pacientes
que estavam na fase anterior à morte, e a temporização desses picos foi
consistente, embora nem todos os pacientes demonstrassem a atividade. Apenas
reportamos aqui pacientes para os quais fomos capazes de registrar o
aparecimento do pico no monitor. Em nossa revisão bibliográfica, encontramos
um reporte de pico de BIS em um cenário clínico semelhante (Grambrell, 2005). O
formato e temporização deste pico reportado é consistente com a dos 7 pacientes
examinados neste artigo.
Os picos podem ser considerados anomalias, pois não se prevê aumento da
consciência tanto tempo decorrido após a parada cardíaca. Os tecidos neurais
ingressam em estágio de 'isquemia' e a depleção de oxigênio impede qualquer
atividade. De acordo com a explicação mais aceita sobre a base e fundamentação da
consciência, não pode haver consciência na massa celular que não dispõe sequer de
energia para alimentar a si mesma.
Curva de nível BIS no instante da morte, paciente #02 (segundo Chawla, 2009).
Neste caso, o pico final durou mais de 5 minutos.
A análise dos gráficos de evolução temporal da escala BIS com a morte do corpo
exibe claramente a existência de dois fenômenos concorrentes: uma curva
assintótica (entremeada por picos menores), mostrando um regime associado ao
novo processo bioquímico em andamento com a isquemia (depleção de energia) e
uma explosão de atividade que antecede a 'morte definitiva' (depois desse pico, não
há mais nenhuma atividade e o paciente é declarado clinicamente morto).
Duas explicações especulativas são fornecidas pelos autores: a primeira associada a
algum efeito de 'interferência' gerado no algoritmo (o que é descartado) e a
disruptura de potencial elétrico por grandes conjuntos de neurônios, o que causa
uma cascata de atividade elétrica. Entretanto, essa atividade está associada a 'ondas
de alta frequência' (as chamadas 'ondas gama') que também já se mostrou estarem
ligadas a certas práticas meditativas. Os autores associam diretamente os picos
anômalos de consciência como uma possível 'explicação' (obviamente empírica, ou
seja, um fenômeno é considerado causa de outro) para as ocorrências ou
experiências de quase-morte (near-death experiences, NDE):
Oferecemos esta como uma explicação potencial para a clareza com que muitos
pacientes reportam 'experiências fora do corpo' quando ressuscitados com sucesso
de um evento de quase-morte.
A parte do fato de que é difícil explicar como é possível que o indivíduo retorne ileso
em suas funções cognitiva depois de experimentarem falta severa de oxigênio, essa
explicação desconsidera totalmente outros detalhes das experiências, que é o das
lembranças verificáveis de eventos externos ao paciente, que ele adquire por
ingressar em uma realidade diferente mas paralela a da vigília - com um cérebro
considerado clinicamente morto. Assim, a sugestão da correlação entre o pico na
escala de consciência e as experiências de quase-morte é algo precipitada, mas, não
obstante, verificável. Para isso, é necessário monitorar a mesma escala com vários
pacientes que sofrem NDE, até que se consiga um evento onde esses picos sejam de
fato confirmados e correlacionados com os tempos da experiência.
Entretanto, a cautela dos autores demonstra uma prudência bastante profissional:
A natureza dessas experiências invoca uma explicação espiritual ou divina, um
tópico que está além do escopo deste artigo. Não obstante isso, o final da vida é
uma área pouco estudada na medicina clínica e merece mais atenção. Se essas
observações serão importantes, isso será determinado por investigações futuras.
Para o profissional de tratamentos paliativos, esperamos que tais observações
sejam úteis. Em nossa prática de cuidados, permanecemos bastante tempo em
contato com famílias em luto. Nesse contato, pudemos constatar que a idéia de
que 'algo' acontece no momento da morte é bastante reconfortante. Dado que
sabemos tão pouco sobre essas observações, somos cuidadosos em não fazer
afirmações definitivas. Mas, essa noção de um sinal elétrico que pode ser
objetivamente medido próximo ao momento da morte é uma fonte de conforto
para muitas famílias com pacientes que não resistiram ao tratamento em UTIs.
Para complementar nossa discussão, oferecemos ao leitor um texto para sua
reflexão e comparação com os achados do artigo que aqui analisamos. Trata-se da
descrição feita por André Luiz no livro "Obreiros da Vida Eterna" da morte de
Dimas (Capítulo 13, 'Companheiro Libertado'; Xavier, 1988), sob auxílio do
instrutor Jerônimo. Os grifos são nossos.
Dimas gemeu em voz alta, semi-inconsciente.
Acorreram amigos, assustados. Sacos de água quente foram-lhe apostos nos pés.
Mas, antes que os familiares entrassem em cena, Jerônimo, com passes
concentrados sobre o tórax, relaxou os elos que mantinham a coesão celular no
centro emotivo, operando sobre determinado ponto do coração, que
passou a funcionar como bomba mecânica, desreguladamente. Nova cota de
substância desprendia-se do corpo, do epigastro à garganta, mas reparei que
todos os músculos trabalhavam fortemente contra a partida da alma, opondose à
libertação das forças motrizes, em esforço desesperado, ocasionando angustiosa
aflição ao paciente. O campo físico oferecia-nos resistência, insistindo pela
retenção
do
senhor
espiritual.
Com a fuga do pulso, foram chamados os parentes e o médico, que acorreram,
pressurosos. No regaço maternal, todavia, e sob nossa influenciação direta,
Dimas não conseguiu articular palavras ou concatenar raciocínios. Alcançáramos
o coma, em boas condições. O Assistente estabeleceu reduzido tempo de descanso,
mas volveu a intervir no cérebro. Era a última etapa. Concentrando todo o seu
potencial de energia na fossa romboidal, Jerônimo quebrou alguma coisa que não
pude perceber com minúcias, ebrilhante chama violeta-dourada desligouse da região craniana, absorvendo, instantâneamente, a vasta porção de
substância leitosa já exteriorizada. Quis fitar a brilhante luz, mas confesso que era
difícil fixá-la, com rigor. Em breves instantes, porém, notei que as forças em
exame eram dotadas de movimento plasticizante. A chama mencionada
transformouse em maravilhosa cabeça, em tudo idêntica à do nosso
amigo em desencarnação, constituindo-se, após ela, todo o corpo perispiritual
de Dimas, membro a membro, traço a traço. E, àmedida que o novo organismo
ressurgia ao nosso olhar, a luz violeta-dourada, fulgurante no cérebro,
empalidecia gradualmente, até desaparecer, de todo, como se representasse o
conjunto dos princípios superiores da personalidade, momentaneamente
recolhidos a um único ponto, espraiando-se, em seguida, através de todos os
escaninhos do organismo perispirítico, assegurando, desse modo, a coesão dos
diferentes
átomos, das novas dimensões vibratórias.
Referências
Gambrell M. Using the BIS monitor in palliative care: A casestudy. J Neurosci
Nurs 2005;37:140–143
Lakhmir S. Chawla, Seth Akst, Christopher Junker, Barbara Jacobs, Michael G.
Seneff. Surges of Electroencephalogram Activity at the Time of Death: A Case
Series. Journal of Palliative Medicine. Dezembro 2009, 12(12): 1095-1100.
doi:10.1089/jpm.2009.0159. O artigo pode ser lido
em:http://www.liebertonline.com/doi/pdfplus/10.1089/jpm.2009.0159
Xavier F. C. Obreiros da Vida Eterna. 17a edição. 1988. Ed. FEB. ISBN:
8573283157
Crenças Céticas XI - A avestruz cética e o peru indutivista.
Por Ademir Xavier.
Era uma vez uma avestruz cética e um peru indutivista. Viviam uma vida tranqüila,
em uma pacata fazenda modelo perdida no sertão do Mato Grosso. A avestruz e o
peru gostavam de se envolver em discussões sobre a vida de outros animais na
fazenda para aproveitar melhor o tempo.
Formavam uma dupla porque pensavam parecido. A avestruz não acreditava em
nada. Dizia todos os dias:
Comer sementes e pisar o chão, eis nossa razão! Nada há além disso!
O peru acreditava em poucas coisas além do que via freqüentemente, mas não era
igual à avestruz em um ponto: ele achava que podia decidir entre o que era
verdade e o que não era. Além disso, era muito observador e notava outras coisas
ao redor dele.
Ele percebeu que o sol se levantava todos os dias pouco depois do galo cantar, e
se punha quando as galinhas iam dormir. Achava que isso sempre acontecia, pois
ele era indutivista em seu jeito de pensar. Nunca tinha testemunhado um dia em
que o sol não houvesse nascido.
Comentou isso com a avestruz:
Veja como posso prever o que quiser: amanhã bem cedo, o galo vai cantar e, à
tarde, as galinhas vão dormir.
A avestruz não era muito curiosa, nem com seus próprios pensamentos, nem com
o dos outros. Achava uma perda de tempo ficar pensando muito, já que nada mais
além de pisar o chão e comer folhas de árvores e arbustos havia para se fazer.
Mas estava um tanto entediada de dizer sempre a mesma coisa e resolveu dar
atenção ao peru.
No dia seguinte, muito antes do sol nascer, queria mostrar que o peru estava
errado. Mas, de repente, o galo cantou. Havia acontecido o que o peru dissera!
Esperou pacientemente o dia todo e, de repente, as galinhas foram dormir. Mais
uma vez o peru estava certo!
Intrigada com esses acontecimentos, repetiu tudo de novo no dia seguinte. E, mais
uma vez, viu o galo cantar e, depois de esperar um dia inteiro de sol, as galinhas
foram dormir. Repetiu isso uma terceira e quarta vez.
Ficou com inveja do peru, pois ela queria ter feito aquela descoberta sozinha.
Então, decidiu ser mais esperta e fazer suas próprias previsões. De descrente e
desanimada, a avestruz virou outra, uma verdadeira avestruz indutivista.
Um dia, abordou o peru com uma aposta que usava o método do peru para
comprovar suas próprias conclusões sobre a vida:
Aposto que você não consegue prever coisas tão bem como eu faço! Sua vida é
sempre a mesma, a ciscar o chão ou comer ração. Nada vai te acontecer amanhã
ou depois, pois nada aconteceu com você hoje ou ontem.
Ficaram então os dois, avestruz e peru por um bom tempo, juntos, comprovando a
predição da avestruz, o que também orgulhava o peru, afinal ele descobrira o
método indutivista de pensar.
Viram que o peru vivia sempre do mesmo modo com todos os animais da fazenda,
na chuva, no sol, no calor ou no frio. Nada modificava sua existência ou jeito de
ser, nem o quanto ele comia, nem como ele pisava o chão. Nem mesmo o ritmo
das galinhas parecia abalar qualquer coisa na vida do peru.
Era tempo de festa na fazenda, muitos enfeites e luzes, e a avestruz e peru ainda
disputavam quem havia ganhado a aposta, a avestruz por tê-la proposto, o peru
por ter descoberto o método.
Resolveram então acabar de uma vez por todas com a disputa e escolher um
vencedor. Disse o peru:
Se amanhã eu ainda estiver do mesmo jeito, sempre como eu fui, dou-me por
vencido e você ganha a aposta: sei que minha vida nunca será diferente!
Mas, logo nas primeiras horas do dia seguinte, quando a avestruz foi procurar seu
amigo para receber seus cumprimentos pela vitória, cadê o peru?
Na noite do mesmo dia, a avestruz tremeu no seu ceticismo: tinha ouvido falar que
seu amigo havia sido degolado e servido como prato principal em uma simples
festa de Natal.
"FIM"
Referências
Esta estória é baseada em outra por B. Russell (Problems of Philosopy, Oxford University
Press, 1912)
Nova Edição de Paranthropology (Vol. 2, Número 1) - Destaque:
ectoplasmias recentes no FEG.
O volume 2 (número 1, Janeiro 2011) da revista 'Paranthropology' já está disponível
paradownload. Essa edição foi dedicada a 'Mediunidade e Possessão' e traz o
seguinte conteúdo (traduzido do Inglês):
1.
A História da Pesquisa da Sobrevivência além Túmulo - Michael
Tymn - p.2-6
2.
Em direção a uma História Social do Espiritualismo em Bristol Jack Hunter - p. 6-8
3.
Candomblé, Umbanda e Kardecismo: Médiums em Recife, Brasil Stanley Krippner - p. 9-13
4.
Uma demonstração de Transe mediúnico em Singapura - Fabian
Graham - p. 14-15
5.
A Importância da Pesquisa da Mediunidade - p. 16-24
6.
Imagens da atuação de um Teiman no sul da Índia - David Luke - p.
24-26
7.
De posse de meus sentidos? Reflexões em Ciência Social sobre o
intercâmbio com o Outro Mundo - Sara Mackian - p. 27-29
8.
A Arte do Médium: encontros com o Passado na Fronteira do
Desconhecido. - Alysa Braceau - p. 29-31
9.
Seleções do Arquivo "Revenant" - Kristen Gallerneaux Brooks - p. 3236
10.
Relatórios de uma sessão de Mediunidade de Efeitos Físicos a 8 de
Outubro de 2010. - Jon Mees - p.37-38
11.
Clarividência, classe e convenção - Sophie Louise Drennan - p. 38-41
12.
Experiências no Espiritualismo - Michael Evans - p.41-43
13.
A Ciência e a Batalha da Pesquisa Psi - Callum E. Cooper - p. 43-44
14.
Mediunidade, Possessão e nossa compreensão da Realidade - Kim
McCaul - p. 45-46
15.
Pragmática e intenção na Escrita Automática: o caso Chico Xavier Ademir Xavier - p. 47-51
16.
Autonomia e morfologia no Ectoplasma do Grupo Experimental
'Felix' - Dr. Jochen Soederling - p. 52-55
17.
Eventos - p.56
18.
Reviews - p. 57-64
19.
A Disparidade de "Padrões de Tratamento" considerando o Exercício
de Mediunidade como uma Profissão Permitida na Área de Saúde
Comportamental. - August Goforth - p. 65-91.
Pragmática e intenção em psicografias: o caso Chico Xavier.
Tivemos a satisfação de ter um de nossos artigos publicados nessa revista (ver
artigo número 15 acima). A introdução desse trabalho pode ser lida abaixo:
Comentaremos esse artigo posteriormente. Por hora fornecemos abaixo uma
tradução dos primeiros dois parágrafos reproduzidos acima:
Pragmática e intenção em composições
psicográficas: o caso Chico Xavier
Minha intenção aqui é apresentar a mediunidade de Chico Xavier com psicografias
de recém falecidos. Como físico, eu deveria explicar os mecanismos envolvidos na
mediunidade, como a mente do médium pode entrar em contato com informação
oculta que é tão abundante em psicografias, quais são as leis que governam as
condições e exigências do fenômeno, como a informação pode ser obtida dessa
forma etc. Essa é uma tarefa bem difícil, e eu, inicialmente, pensei em invocar a
teoria da comunicação, assumindo que a informação está em algum lugar e que os
detalhes do processo são bem conhecidos. Minha intenção inicial, entretanto,
mostrou que esse método era bastante insatisfatório. Além de ser um fenômeno
humano, cada caso de mediunidade é único e tem suas peculiaridades exigindo
estudo meticuloso. Tal característica não permite classificar a mediunidade em
tipos bem definidos, o que parece ser importante na fase pre-científica de uma
disciplina que busque descrever cientificamente os novos eventos.
Mas penso também que tal narrativa despretensiosa possa motivar outros estudos
antropológicos a respeito da figura de C. Xavier e seu trabalho que é pouco
conhecido fora do Brasil. Já que a posição cética é bem conhecida, não buscarei
fazer nenhuma teorização, pois minha intenção é descrever o fenômeno como ele se
manifesta, fornecendo ainda alguma informação a respeito do contexto no qual ele
ocorre.
Destaques que achamos interessante: Experiências de Ectoplasmias no
FEG.
Parece haver um renascimento de experiências com mediunidade de efeitos físicos
na Europa (ver artigo de J. Hunter, número 2 acima), notadamente Inglaterra e
Alemanha. A julgar pelas descrições do Dr. Jochen Soederling, conforme descrito
em seu artigo "Autonomia e morfologia no Ectoplasma do Grupo Experimental
'Felix'" (número 16 acima) esse renascimento parece reviver a fenomenologia
psíquica do século 19. O Dr. Soederling é um médico com doutorado em Medicina
molecular e experimental que participa de sessões de ectoplasmias (não se pode
dizer que são de 'materializações' pois os relatos descrevem apenas a produção de
Ectoplasma) no grupo FEG (Felix Experimental Group) com uma nova 'safra' de
médiuns e seus 'controladores'.
Experiência de Ectoplasmia no Grupo Felix (Alemanha) em 2009.
A imagem acima é uma das fotos que mostra um desses médiuns em ação. Essa foto
foi tirada em escuridão total, apenas iluminada por uma fraca luz vermelha e, por
isso, está sobre-exposta. No site do grupo Felix, existem diversos relatos de
aparecimento de emissões e até mãos de ectoplasma. A figura abaixo é um desenho
mostrando os movimentos de uma mão ectoplásmica da boca do médium que foi
produzida muito recentemente.
Desenho representativo de uma mão feita de Ectoplasma produzida no FEG (em
2010).
As descrições dos fenômenos do grupo FEG parecem ter sido tiradas de alguma
obra dos tempos iniciais do Espiritismo ou da Metapsíquica do alvorecer do século
20, mas são bem atuais. Nas palavras do Dr. Soederling:
Inicialmente, vi o aparecimento de uma substância móvel, que se ligava de alguma
forma ao corpo do médium. Em muitas ocasiões, uma corrente branca de
ectoplama era lançada da boca do médium, que o tocava para que ele se abaixasse
até o chão. O médium expelia, muitas vezes, uma massa grande de ectoplasma de
sua boca que podia ser vista sobre seu corpo ou ao redor de seus pés e no chão. Essa
fase parecia de emanação. A substância tinha uma morfologia heterogênea, sua
consistência parecia ser sempre diferente.
(...) Em todas as formações ectoplásmicas, havia sempre algo inconstante e
irregular e, frequentemente, a aparência era diferente no centro se comparada às
bordas. De outras vezes, pude ver uma massa mais perfurada, membranosa, com
espessura que variava localmente e com interstícios vazios. Em uma fase
subsequente, a estrutura passava por um processo de transformação ou evolução.
Muitas vezes mãos perfeitamente brancas tornaram-se visíveis – normalmente
pude testemunhar a evolução e movimentação de uma única mão. Tais mãos
tinham tamanhos variados e não se comparavam à mão do médium, algumas vezes
eram maiores, em outras, menores. Em muitas ocasiões, as pernas do médium
eram totalmente visíveis ao mesmo tempo em que se podia ver o movimento da
mão materializada.
As mãos podiam ser vistas a partir de suas palmas e davam a impressão de um
agente vivo normal que se comprazia em interagir com o grupo. Vi frequentemente
acenos ou dedos se moverem. De outra vez, testemunhei uma faixa densa de
substância branca de aproximadamente 4 dedos de largura que foi expelida da boca
do médium. A formação moveu-se aproximadamente 1,5 metros para fora da
cabine. Em uma das estremidades havia uma mão que podeia ser vista por todos
realizando movimentos e gestos.
Muitos se perguntarão: como isso é possível? Com relação à validade dos relatos e
fotos acima, podemos dizer que são apenas registros de quem participou dessas
experiências. O arsenal cético pode se posicionar contra, tornando a repetir o
mantra de que essas 'evidência' são forjadas. Fotos são apenas registros (que não
podem ser usadas nem para 'provar' nem para 'refutar' os fenômenos) e a crítica
depende de se manter a crença de que as testemunhas são mentirosas.
O mais importante é perceber que fenômenos de Ectoplasmias são replicáveis e que
está havendo um renascimento do interesse pela fenomenologia mediúnica de
efeitos físicos. Contrariando a crença de que eles 'não mais são necessários hoje em
dia', talvez estejam novamente sendo experimentados na Alemanha do começo do
século 21.
Fundamentos III - Como se deve entender a relação entre o
Espiritismo e a Ciência.
A tarefa agora é começar a entender como se estabelece a relação entre o
Espiritismo e as ciências. Certamente não será objetivo do Espiritismo competir
com esses ramos de atividade humana. Por isso, não é tarefa do Espiritismo
fornecer explicações alternativas ou desenvolver o núcleo principal das ciências
com as quais o Espiritismo faz fronteira. Não se deve esquecer que o Espiritismo
como movimento é uma realização humana. O cientista que é espírita – se trabalha
profissionalmente com alguma dessas áreas correlatas – tem seus próprios meios e
procedimentos, advindos do estudo adquirido de sua atividade. Como faz parte do
processo de desenvolvimento da ciência normal, ele pode (e deve) utilizar-se dos
meios a sua volta (inclusive sua própria cultura) para fazer desenvolver sua ciência
que tem suas regras próprias. Como dissemos, a ciência não faz caso da origem do
conhecimento, o importante é que esse se organize como um paradigma bem
estruturado, coerente e naturalmente integrado aos fenômenos. Fazemos abaixo
alguns breves comentários das regiões de fronteira entre a Doutrina Espíritia e as
ciências enfatizando alguns pontos que nos parecem interessantes:
Espiritismo X Astronomia: é bem conhecida as descrições da origem do sistema
solar (nebulosa primordial) existente no livro “Gênese” [2] de Allan Kardec. O
capítulo VI de “Gênese” também fala de inúmeras galáxias (denominadas
“nebulosas” – entendidas como agrupamentos de bilhões de estrelas como a “ViaLáctea”) numa época em que não se havia certeza desse fato. Há relatos de
comunicações de Espíritos anunciando a existência de satélites desconhecidos em
outros planetas. Além disso, o Espiritismo parece ter se antecipado às discussões
que deram origem à exobiologia, proposta para estudar as formas de vida
extraterrestres. É interessante observar que, uma vez classificada como um planeta
qualquer, a Terra passou a ser vista como um dos muitos planetas a ter vida
inteligente no Universo (algo muito difícil de se acreditar no século 19). O
Espiritismo prevê abertamente, pelo princípio da “pluralidade dos mundos
habitados”, a existência de vida inteligente fora da Terra (ainda a ser verificada
pelos métodos normais – contato físico). Antes disso, porém, previu a existência de
inúmeros planetas orbitando as estrelas, um fato que se tornou tema de pesquisa
contemporâneo, graças ao desenvolvimento de novos métodos de observação muito
mais precisos. Muitos planetas foram encontrados a partir de 1990 em torno de
estrelas próximas.
Espiritismo X Física: aqui deparamo-nos com algumas afirmações feitas em “O
Livro dos Espíritos” que parecem ter antevisto a modificação radical por que
passaria a física a partir do século 20. Os Espíritos falaram em uma forma que “que
não sois capaz de apreciar” [4] a respeito da estrutura dos átomos (uma alusão às
“nuvens de probabilidade” dos elétrons?) num contexto bastante diferente para a
física da época. Considerações sobre a origem do Universo são feitas no começo de
“O Livro dos Espíritos”, levando o Espiritismo para a fronteira com a cosmologia. É
preciso, porém, ter cautela em se tratar a questão inversa: a da influência da física
no Espiritismo. Muitos falam abertamente nas diversas “energias” que constituem o
mundo espiritual, esquecendo-se que “energia” é um conceito muito bem definido
em física e que não admite reinterpretações dessa forma [5]. Outros levantam a
possibilidade de entender o próprio mundo espiritual como um “contínuo
quadridimensional” do mundo físico. Para se utilizar conceitos e sugestões
advindos do Espiritismo na física, faz-se necessário grande competência em física
uma vez que os núcleos das teorias (tanto do lado espírita como material) possui
certa resistência a mudanças, além de estar fundamentado em teorias
profundamente matemáticas. Por isso mesmo, tentativas de modificação de
conceitos por sugestão de ambos os lados (de um lado para outro) são muito
duvidosas no que diz respeito a qualquer avanço significativo no conhecimento. É
importante também considerar as questões de diferença de linguagem (significado
de termos e conceitos dentro de cada teoria particular) quando essa linguagem
tenta conectar um fenômeno supostamente descritível tanto pela física como pelo
Espiritismo. Minha impressão particular é de que o grau de especificidade atingido
pela física (especialização na forma de pulverização de campos de compentência)
torna pouco viável qualquer tentativa “fácil” de interação.
Espiritismo X Biologia (medicina): aqui a fronteira torna-se um pouco mais nítida.
Em “O Livro dos Espíritos”[6], existem muitas questões a respeito da origem dos
seres vivos. É também na “Gênese” que existe um famoso capítulo sobre a gênese
orgânica. Naturalmente, esse capítulo faz eco às concepções da época, ainda às
voltas com a “teoria da geração espontânea”, então a teoria mais aceita. É no
Capítulo XI da II Parte de “O livro dos Espíritos” [3] que vamos encontrar questões
cujas perguntas reafirmam a natureza espiritual de todos os seres vivos e sua
submissão à lei de progresso. Naturalmente, os mecanismos da evolução das
espécies não estão afirmados nesses livros, mas o princípio de evolução espiritual
ajusta-se perfeitamente bem aos princípios da seleção natural, representando um
mecanismo de modificação que atua na parte material levando o Espírito a se
desenvolver. É importante considerar que as discussões sobre a gênese orgânica são
complementares para a compreensão da Doutrina e seu desenvolvimento. Por isso
esses pontos, assim como muitos outros, sofrem e sofrerão modificação, sem que
haja impacto ao corpo principal de doutrina.
Tal não é o caso, porém, com as inúmeras patologias da alma [7] que citamos
acima. Nos quadros obsessivos, a ação do Espírito obsessor pode levar ao colapso
orgânico do obsidiado. A origem da doença, em sua íntima essência, encontra-se
assim descrita através desse quadro de “simbiose espiritual”. É difícil entender
como outra teoria – que desconheça a ação dos Espíritos – possa ter um sucesso
maior no desenvolvimento de uma terapia apropriada. Aqui vê-se claramente a
enorme importância dos princípios espíritas no desenvolvimento de certos ramos
da medicina pois não se trata apenas de construção ou progressão da ciênica mas
do desenvolviemento de terapias apropriadas a inúmeros transtornos mentais.
Espiritismo X História: as contribuições que o Espiritismo pode dar à História são
bastante evidentes. Um aspecto bastante inovador surge aqui, que é o de considerar
os relatos históricos fornecidos pelos Espíritos, quando por meio de médiums
conhecidos. São notórios os casos de médiums que colaboram com investigações
policiais na elucidação de crimes. No Brasil a psicografia já ajudou a elucidar vários
assassinatos. Com médiums equilibrados, os Espíritos podem fazer revelações úteis
ao progresso moral da sociedade e, muitas vezes, essas revelações trazem noticias
de relevante valor histórioco (como no caso dos inúmeros romances históricos de
Emmanuel por meio de Francisco C. Xavier).
Espiritismo X Psicologia: o Espiritismo tem muito a contribuir com as disciplinas
que tem como objetivo de estudo o homem em sua essência. Esse é o caso da
Psicologia. Podemos falar em uma psicologia espírita que nasce por “inspiração”
dos postulados da doutrina (principalmente de suas conseqüências morais) na
maneira de viver, de se comportar e de interagir dos seres humanos. O
conhecimento da lei de evolução e reencarnação é crucial para se entender as
tendências inatas dos seres humanos que determinam o comportamento para além
das limitadas considerações genéticas. Esse certamente é um campo com grande
futuro, onde apenas vislumbramos um começo.
Espiritismo X Sociologia: o comportamento social e evolução das sociedades é
função de seu desenvolvimento cultural, de seu passado e da maneira de ser de seus
indivíduos. Como no caso da História e da Psicologia, o Espiritismo tem muito a
contribuir para o estudo e desenvolvimento da história social do homem uma vez
que o compreende como Espírito em perene evolução. Há uma interação natural,
desde a mais remota antigüidade entre o mundo material e o plano espiritual. Esse
fluxo é responsável pelo aparecimento e desenvolvimento de muitas religiões e
culturas consideradas “inspiradas”. Dos princípios e informações fornecidos pelos
Espíritos é possível complementar a história sociológica de várias sociedades.
Todos esses campos (assim como outros não listados acima tais como as artes)
aguardam um futuro quando o espírita cientista seja capaz de utilizar
judiciosamente o conhecimento espírita, de acordo com as regras estabelecidas por
sua ciência particular. O objetivo não é fazer o Espiritismo brilhar para a sociedade
como um concorrente das ciências, mas como fonte de inspiração e origem para
proposição de novos mecanismos de explicação dos fenômenos e ocorrências
característicos de cada uma delas.
Considerações diferentes dizem respeito à atuação do cientista espírita. Por esse
termo referimo-nos àqueles que pretendem desenvolver a ciência espírita a partir
de seus princípios ou com a modificação desses, utilizando idéias advindas de
outras ciências. É uma conseqüência natural que se pretenda estabelecer um
ambiente acadêmico espírita – uma vez verificado o caráter científico do
Espiritismo. Mas cautela é necessária para não exagerar demais nas comparações.
Se o Espiritismo é de fato uma ciência não segue daí que no nosso momento
histórico ele deva se preocupar com o estabelecimento de um ambiente acadêmico
como uma cópia dos ambientes acadêmicos de outras ciências. Todos sabemos dos
efeitos que a excessiva profissionalização pode trazer em detrimento do fluxo de
idéias, gerando estagnação. Imaginamos que no presente momento de
desenvolvimento e expansão da Doutrina Espírita não temos um ambiente
completamente apropriado a efetiva realização dos objetivos de um ambiente
puramente acadêmico. Outras considerações sobre essa questão serão feitas em
texto futuro.
3.Alguns comentários finais.
Tentamos limitadamente neste texto discutir algumas idéias sobre o conceito
moderno (paradigma) de ciência “normal” – bem amadurecida – e o que seria
compreensível como uma salutar relação dessa ciência com o Espiritismo. A
aplicação padrão dos procedimentos de construção da ciência leva a plena formação
e progresso do conhecimento científico. A tentativa forçada de se estabelecer
relações – não sugeridas pelo desenvolvimento científico mas imaginadas como
situações idealizadas – não só conduz a perda de tempo como ao descrédito. Da
parte do Espiritismo, tentativas forçadas de querer transcrevê-lo ou moldá-lo
segundo normas ou procedimentos de outras ciências pode conduzir a ilusão de
falsificação da doutrina uma vez que o conhecimento científico e sua interpretação
é função de um contexto altamente específico e mutante mas desconexo em relação
a ela. Por outro lado, querer misturar conceitos de outras ciências com princípios
espíritas não é científico pois dentro da noção de paradigma cada um deles deve ser
entendido dentro de seu contexto de pesquisa (ambientação acadêmica) não se
permitindo enxertias ou fusões ainda que muito bem intencionadas.
Aprendamos a ver cada ciência – o Espiritismo entre elas – como linguagens a
respeito do mundo. No procedimento de comunicação normal, plena compreensão
só é conseguida quando o emissor e o receptor dispõem de bagagem linguística
comum. Todo e qualquer procedimento de tradução leva necessariamente a perda
de significado pela impossibilidade de se transcrever plenamente determinados
conceitos e idéias típicos de um determinado referencial linguístico. O Espiritismo é
uma linguagem a respeito do mundo espiritual, criada e desenvolvida para
transmitir conceitos sobre esse mundo. As ciências materiais são linguagens
distintas que tratam de outro cenário, embora o “palco” apresente áreas comuns ou
adjacentes que no momento não dispomos de linguagem apropriada para
descrever.
Entretanto, a própria evolução das ciências levará a criação de uma linguagem
comum em futuro incerto (talvez distante para o nosso calendário). Esperamos que
quando esse futuro acontecer, o Espiritismo tenha cumprido em sua totalidade seu
papel fundamental que é o de promover a efetiva reforma moral em todos os
Espíritos que dele tiverem se aproximado buscando consolo e refazimento moral.
Artigo originalmente publicado no boletim do GEAE, número 472 (2004).
Agradecimento
Agradeço ao Alexandre F. da Fonseca pela leitura e comentários a esse texto.
Referências
[2] A. Kardec, “A Gênese”, Uranografia Geral, o espaço e o tempo (Cap. VI). Ed.
Federação Espírita Brasileira, 34a edição (1991).
[3] A. Kardec, “O Livro dos Espíritos”, Trad. Guillon Ribeiro, Ed. Federação
Espírita Brasileira, 71a edição (1991).
[4] Referência [3] , questão 34.
[5] A. P. Chagas, Polissemias no Espiritismo, Revista Internacional de Espiritismo,
pp. 247-49, Setembro de 1996.
[6] Referência [3], Cap. III.
[7] I. Ferreira, “Novos rumos à medicina”, Vol. I, Tratamento dos processos
obsessivos no Sanatório Espírita de Uberaba, Edições Federação Espírita do Estado
de São Paulo (1990).
Postado por Ademir Xavier às 17:13 0 comentários
Fundamentos II - Como se deve entender a relação entre o Espiritismo
e a Ciência.
Como dissemos, o sucesso da ciência contemporânea bem estabelecida advém de
sua estrutura intrínseca onde os fenômenos não têm papel central. O papel
principal no estabelecimento da ciência é atribuído aos paradigmas ou teorias.
Muitas vezes pode acontecer que uma determinada teoria seja melhor que uma
outra, ao mesmo tempo que ninguém acredite nela. Teorias como realizações
mentais ou afirmações sobre o mundo são criadas livremente por um grupo restrito
de cientistas (às vezes apenas um indivíduo), e portanto, fazem parte de sua
bagagem cultural como crenças. É pela adequação dessas teorias aos fenômenos
que elas se tornam aceitas a um grupo maior. O problema é que a definição de
experimentos ou a previsão de determinadas ocorrências fenomenológicas depende
da teoria. Poderíamos dar inúmeros exemplos dessa situação. Em física – que é
uma das ciências costumeiramente consideradas com grande prestígio – é bastante
nítido a ocorrência de “previsões experimentais” como resultado direto de teorias
sofisticadas onde nada remotamente parecido com o fenômeno em questão tenha
entrado como ingrediente. Algumas outras vezes, são feitas previsões de objetos ou
circunstâncias nunca observados anteriormente. Essa inversão de papéis, no que
tange à importância para o desenvolvimento da Ciência entre teoria e experimento,
é a principal causa de confusão tanto no que se refere à compreensão correta da
Ciência em si como do aspecto científico do Espiritismo. Conseqüentemente devese fazer um esforço para compreender essa inversão a fim de que seja útil na
discussão da relação entre o Espiritismo e a Ciência.
A Ciência só tem início com a teoria. Essas podem ter qualquer origem – sejam
motivadas por algum acontecimento experimental ou por algum sonho de
pesquisador (como no famoso caso do sonho de Kekulé ao conceber o formato dos
anéis de carbono no benzeno). A origem do conhecimento científico não é
importante para a Ciência. Isto que dizer que uma determinada teoria não tem
valor maior ou menor conforme sua origem, embora muitos cientistas sejam
levados a crer ou não nelas de acordo com a força de autoridade de seus
proponentes. A partir da proposição da teoria, segue a tentativa de explicação dos
fenômenos com ou sem a ajuda de leis complementares que não fazem parte do
núcleo principal da teoria. Como um exemplo rápido podemos considerar o
processo de previsão de tempo na meteorologia. As leis que governam os
fenômenos meteorológicos são leis físicas, assentadas em princípios térmicos e
termodinâmicos. Para prever a situação de tempo com todos os detalhes, pode-se
construir modelos numéricos sofisticados onde essas leis estejam embutidas
juntamente com “condições de fronteira” específicas tais como a separação entre
continentes e mares, o estado inicial de temperatura de uma determinada região, a
posição do sol (sua altura em relação ao solo) etc. Essas são as leis
complementares.
Dissemos que a maior parte das pessoas considera a noção popular a própria
essência do “método científico”. Isso é particularmente forte nas denominadas
“ciências parapsicológicas”, ou o conjunto de disciplinas que tem como objetivo
explicar de maneira supostamente científica os fenômenos mediúnicos no
Espiritismo. Essas disciplinas apresentam escassa discussão teórica, dando enorme
ênfase a descrição puramente fenomenológica dos fatos psíquicos. Quando são
fornecidas explicações, essas procuram ligar-se fortemente aos fenômenos. Dessa
forma, é comum a tentativa de explicação simplificada para cada fenômeno. Assim
a telepatia é invocada como “hipótese” para explicar as comunicações dos Espíritos,
negando-se a existência desses últimos. Ora a “telepatia” é definida simplesmente
como a capacidade de transferência de informação entre duas “mentes” (no caso,
pessoas). Essa capacidade pode ser constatada de forma experimental. É um fato e
não um princípio sobre o qual se possa estabelecer uma explicação. Nas “ciências
psi” busca-se dar explicações aos fatos utilizando-se os próprios fatos. Nesse
processo explicações são muitas vezes tornadas verossímeis pela sua designação por
nomes empolados, difíceis de se pronunciar e com nenhum apelo intuitivo. É muito
conhecida a frase, dada a guiza de explicação, de que os fenômenos psíquicos se
fundamentam nas capacidades desconhecidas do cérebro. Diz-se que os seres
humanos normais utilizam apenas “10% da capacidade cerebral”. Ora, qual a base
para semelhantes afirmações? Como se mede essa capacidade cerebral? Nas
“ciências parapsicológias” ocorrem falhas graves de compreensão dos verdadeiros
atributos de uma disciplina para ser denominada ciência.
Já discutimos muito brevemente que uma verdadeira ciência se constrói utilizando
modelos, teorias ou paradigmas. A Fig. 2 ilustra essa “concepção de ciência” mais
próxima da realidade. Há num centro irradiador de explicações (a teoria), e
integrado naturalmente aos fenômenos naturais a respeito dos quais a teoria ou
paradigma versa. Leis complementares reforçam a estrutura do paradigma e
integram os princípios, que fazem parte dele, aos fenômenos. Juntamente com
essas leis, o paradigma fornece explicações para os fenômenos, inclusive alguns
desconhecidos. É possível assim que no corpo teórico que constitui o paradigma, já
exista o gérmen para explicação de muitos fenômenos nunca observados. Esse
modelo encontra respaldo na história do desenvolvimento de muitas ciências bem
sucedidas.
Fig. 2
Também o modelo da Fig. 2 não faz nenhuma referência à necessidade externa de
“instrumentos especiais de medida” e nem a métodos supostamente rigorosos de
medida experimental, pois a existência desses aparelhos (a explicação de seu
funcionamento) só se justifica pelo paradigma que para eles fornece explicação. É o
caso, por exemplo, da utilização de equipamentos ópticos para estudar o
movimento dos planetas e outros corpos celestes. A explicação do funcionamento
dos equipamentos é fornecida pela óptica, uma área da física, não necessariamente
ligada à astronomia ou astrofísica. É possível englobar os princípios da óptica e da
mecânica dos corpos em um corpo de teoria comum (no caso a “física”), mas
prefere-se mantê-los separados por referirem a domínios fenomenológicos
diferentes. Ressaltamos porém que o grau de complexidade desses aparelhos não
tem correlação alguma com o rigor com que eles realizam suas medidas. Muito ao
contrário, nesse modelo, estimula-se a realização de testes experimentais simples,
de observação direta, onde haja pouca influência de fatores de erro a comprometer
a realização das medidas. No modelo da Fig. 2 a teoria tem papel fundamental e não
o fenômeno. Desde de que se creia e desenvolva a teoria, explicações para os
fenômenos irão aparecer. Visto de outra forma, os fenômenos são justificados
(explicados) pelo modelo a ponto de só poderem ser percebidos por aqueles que
disponham de conhecimento do paradigma. Muitas vezes é possível notar que um
mesmo paradigma fornece explicações para inúmeros fenômenos – muitos deles
tratados inicialmente como sem correlação alguma com a teoria. Há inúmeros
exemplos como esses nas chamadas “ciências normais”, as ciências que se
desenvolveram historicamente segundo o modelo “paradigmático” de ciência.
Percebe-se que a negação dos fenômenos não traz conseqüência alguma para a
ciência vista nesse sentido pois o paradigma tem papel fundamental. Nesse caso,
negar um fato soa profundamente suspeito de falha de compreensão da teoria ou
paradigma. Não há também nenhuma preocupação com o grau de
comprometimento do cientista com sua crença: pelo contrário admite-se
abertamente que ciência é uma atividade onde a criatividade e crença particular do
cientista tem uma importância muito grande e benéfica para a ciência. Há, porém,
limites para a livre criação, o corpo teórico deve ser interrelacionado e coerente, isto
é, seus princípios não devem conflitar entre si. Além disso, a excelência de um
determinado paradigma é medido em termos de sua capacidade de explicar os
fenômenos a ele ligado e também prever outros. Assim, não basta apenas criar
muitas explicações, essas originam-se de princípios mais primitivos e harmônicos,
mais ou menos imutáveis (Essa imutabilidade não deve ser entendida com a rigidez
dos dogmas. Há um conjunto de regras muitas vezes não explícitas que protegem o
conjunto de princípios de modificações mal justificadas).
Entendemos que a parte científica do Espiritismo deve ser entendida conforme a
Fig. 2. Nele os fenômenos são parte secundária e não fundamental da doutrina. A
Doutrina Espírita contém o núcleo principal teórico da ciência espírita. Da
utilização de leis complementares chega-se a explicação dos fatos. No caso dos
fenômenos mediúnicos, a existência do perispírito como agente intermediário entre
o Espírito e o corpo material é fundamental para compreender a imensa maioria
dos fenômenos mediúnicos também denominados psíquicos. Entretanto, a
Doutrina Espírita vista como paradigma com conseqüências mais profundas,
abarca um conjunto muito mais extenso de fenômenos: fenômenos sociais
(principalmente comportamentais), biológicos, históricos, patológicos etc. Assim,
embora não seja seu objetivo principal, o Espiritismo contribui a muitas áreas do
conhecimento, em particular àquela que busca compreender a origem, essência e
futuro do homem entendido como uma criatura sem limite no tempo. O Espírito é
assim o objeto de estudo da ciência espírita e o paradigma espírita é formado por
um conjunto harmônico e mais ou menos fixos. Princípios como a existência de
Deus, do espírito como elemento fundamental (além da matéria), da evolução do
espírito e da comunicabilidade entre os Espíritos e os homens (reinterpretados
como Espíritos encarnados) são alguns dos princípios fundamentais. Esses
princípios juntamente com outros (tal como a busca da felicidade por parte das
criaturas) explicam e prevêem os fenômenos. Consideremos o caso das doenças
denominadas “psiquiátricas”. Faz parte desse enorme grupo de patologias mentais,
(que afetam o comportamento do indivíduo) um grupo não menos importantes de
doenças provocadas por influências espirituais – as obsessões em seus mais
diferentes graus. Compreender o surgimento dessas doenças, que fornece
idealmente a base para um tratamento eficaz, é tarefa simples para o Espiritismo
(desde que corretamente aplicado), mas muito difícil para as correntes que negam a
existência do Espírito, e que buscam uma explicação puramente material. Já
citamos aqui a telepatia. Dentro do paradigma espírita, a comunicação entre
Espíritos é um fato bem estabelecido. Em particular, a comunicação entre Espíritos
encarnados é uma forma particular dessa capacidade de comunicação. Temos assim
uma explicação muito natural (dizemos “intuitiva”) da telepatia. Essa explicação
funda-se num princípio muito mais geral que explica simples e igualmente bem a
enorme variedade de comunicações ou fatos psíquicos.
3. Como se deve entender a relação entre o Espiritismo e a Ciência.
Depois dessa discussão inicial, fica claro que não se pode falar em uma receita
infalível, tal como o sonho de um método rigoroso, para se fazer ciência. Ela é o
resultado de uma atividade altamente complexa e integrada no tempo através de
grupos de indivíduos formando uma cultura. O Espiritismo, diante das
considerações feitas, classifica-se plenamente como uma doutrina científica. Não
segue daí que deva adotar o modelo popular de ciência por algumas das falhas que
discutimos anteriormente. Essa discussão é importante para os que consideram a
Doutrina Espírita, desenvolvida nos livros básicos de Allan Kardec, como
conhecimento ultrapassado. Não existe nada mais longe da realidade. Como
dissemos, o corpo principal da teoria é protegido com certa rigidez. Modificações no
paradigma só acontecem – são conclusivamente admitidos como necessários – se
houverem razões muito fortes para isso. Tal não é o caso do Espiritismo proposto
pelos Espíritos que auxiliaram Kardec. Da mesma forma que negar os fenômenos é
sinal de falha na compreensão do paradigma, com muito mais razão, as tentativas
de “reforma” do núcleo principal do Espiritismo (invenção de novos princípios em
desacordo com aqueles) é sinal forte de falha na compreensão desses princípios.
Clamores recentes nesse sentidos são assentados em considerações bastante pueris,
e deixam entrever uma dificuldade de compreensão do verdadeiro caráter do
Espiritismo entendido como ciência.
Artigo originalmente publicado no boletim do GEAE, número 472 (2004).
Fundamentos I - Como se deve entender a relação entre o Espiritismo e
a Ciência.
Resumo
Discute-se aqui brevemente a interação entre a Doutrina Espírita e as ciências. Essa
relação pode ser entendida de diversos aspectos, uma necessariamente que
considera o aspecto científico do Espiritismo. É importante porém frisar que não
pode haver compreensão correta dessa interação, se não se tem compreensão
correta do sentido em que se fala de aspecto científico do Espiritismo. Essa
discussão apresenta implicações importantes para os espíritas que acreditam na
necessidade de atualização da Doutrina Espírita.
Observação: Neste artigo, 'Espiritismo' e 'Doutrina Espírita' são usados como
sinônimos, entendendo-se por eles o conjunto de princípios definidos em 'O Livro
dos Espíritos' por Allan Kardec.
1.Introdução
Todo adepto com razoável entendimento dos princípios da Doutrina Espírita sabe
que ela é um conjunto de princípios que se apresentam como afirmações sobre o
mundo. Não é menos certo que muitos desses princípios, ainda que se apliquem ao
objetivo maior do Espiritismo que é o estudo do elemento espiritual, contém
afirmações singulares e gerais sobre o mundo material. Isso necessariamente nos
leva à fronteira entre o Espiritismo e as ciências bem estabelecidas que também
afirmam coisas sobre o mundo. Para que haja evolução na forma de aquisição de
conhecimento – um dos objetivos das ciências e também do Espiritismo, no caso,
conhecimento sobre o mundo espiritual – faz-se necessário conhecer exatamente
como
se
dá
essa
relação.
A ciência, tal como a conhecemos hoje, é produto da evolução lenta com que nossa
sociedade passou nos últimos séculos. Não existe um consenso geral (na forma de
uma formula ou padrão estabelecido) sobre qual seria a definição exata de ciência.
Podemos, porém, descrevê-la de acordo com alguns de seus atributos bem
conhecidos. De todos eles, um que parece conveniente para caracterizar as
chamadas ciências bem estabelecidas (física, biologia, química e outros) é a noção
de paradigma [1]. Por paradigma entende-se um conjunto de princípios que versam
sobre determinado objeto, e que se encontram naturalmente relacionados a um
grupo ou conjunto de fenômenos naturais. Fazem parte do corpo que forma o
paradigma também leis complementares a completar o conhecimento, permitindo a
aplicação das leis do corpo principal aos fenômenos observados. Os paradigmas são
os campos de trabalho tradicional na pesquisa normal das grandes áreas do
conhecimento científico. Assim, Ciência não é a mera coleção de fatos e hipóteses
mas algo muito mais complexo, em constante mutação através das gerações
possuindo seus próprios sistemas de proteção a fim de evitar que seu corpo
principal de doutrina seja corrompido. Não se pode mudar a orientação de
determinado programa de pesquisa de uma noite para outra, ainda que se tivesse
uma boa razão para isso. As mudanças nos programas de pesquisa que caracterizam
o paradigma – conhecidas como revoluções científicas – necessitam de um tempo
de maturação e, muitas vezes, uma mudança no posicionamento dos cientistas, na
maneira como eles vêem o mundo. As revoluções científicas são acontecimentos de
curta duração seguidos muitas vezes de estágios de desenvolvimento mais ou
menos
estáveis.
Semelhantes considerações, como pode se compreender, não devem ser deixadas de
lado na análise do assunto que serve de título a este texto. Da mesma forma, de uma
análise imparcial da própria Doutrina Espírita deve nascer um modelo de idéias
que consiga descrever corretamente o que se entenda por “aspecto científico” do
Espiritismo. De posse desses dois ingredientes (compreensão correta do aspecto
científico do Espiritismo e do significado da Ciência) podemos então considerar
seriamente um debate sobre a relação entre esses dois ramos do conhecimento
humano. Apresentamos aqui brevemente alguns subsídios para se iniciar esse
debate.
2. Noções incorretas de ciência espírita e ciência normal. Discutindo
um
modelo
mais
apropriado
de
ciência.
Um número razoável de espíritas e simpatizantes procuram abordar o aspecto
científico do Espiritismo de forma a moldá-lo segundo a visão parcial do
conhecimento considerado genuinamente científico. Essa visão parcial vê a ciência
como uma atividade extremamente rigorosa em seus métodos de análise, e acredita
que os sucessos obtidos com o desenvolvimento científico – que permitiram
compreender os fenômenos e desenvolver novas aplicações tecnológicas – são
produto direto desse rigor metodológico. Nada poderia estar mais longe da
realidade. O sucesso da ciência atual, que se materializa na forma de produtos
tecnológicos e sofisticados métodos numéricos de reprodução da realidade em seus
mínimos detalhes, não decorre apenas de um rigor metodológico qualquer que seja
ele, mas principalmente das teorias que nascem em sua forma primitiva na cabeça
dos cientistas. Semelhante compreensão parcial da realidade é comum para muitos
espíritas que acreditam que os fenômenos espíritas devam satisfazer
necessariamente a critérios de adequação empírica conforme os moldes das
ciências normais. Para esses, a “ciência espírita” tem a haver unicamente com a
parte fenomenológica (na forma da mediunidade em seus múltiplos aspectos) com
exclusão de qualquer consideração de princípios. O Espiritismo é visto como um
amontoado de fenômenos a partir dos quais se pode inferir um conjunto de
afirmações mais gerais e deduzir conseqüências. Seguindo esse caminho,
logicamente os inimigos do Espiritismo se comprazem em negar os fenômenos ou
inventar explicações alternativas que parecem atingir os supostamente deduzidos
princípios espíritas. Coincidentemente, essa visão também é popularmente
atribuída à ciência. De uma maneira simplificada podemos esquematizar o
entendimento popular de ciência – que dá origem ao chamado “método científico”
– de acordo com a Fig. 1.
Fig. 1
Nessa figura, um observador bem intencionado (quer dizer, isento de préjulgamentos ou explicações próprias consideradas tendenciosas) observa os
fenômenos da natureza. Essa observação deve ser igualmente isenta e completa
suficiente para não permitir perda de informação a respeito dos fenômenos. Deve
ser realizada de forma a cobrir o maior número de “condições” possíveis, o que leva
à necessidade de se repetir testes experimentais um grande número de vezes. A
partir dos fenômenos ele elabora hipóteses consideradas razoáveis que, por um
processo mal explicado, degenera (ou se sintetiza) em “leis gerais”. Esse processo de
criação de leis gerais é denominado indução. A partir das leis induzidas outros
fenômenos semelhantes (ou os mesmos) podem ser explicados por um processo
denominado dedução. Um ponto importante a ser considerado diz respeito às
conseqüências para o desenvolvimento de uma ciência se o modelo mostrado na
Fig. 1 for considerado ideal. Compreensivelmente pode-se com ele destruir
qualquer tipo de explicação negando-se simplesmente os fenômenos. Desde que
esses não existam, não há sentido em se acreditar nos princípios deles
supostamente induzidos. Isso acontece com os que negam inúmeras vezes com os
fatos psíquicos, e com ele a idéia de comunicação entre vivos e mortos e a
sobrevivência dos seres após a morte.
Artigo originalmente publicado no boletim do GEAE, número 472 (2004).
Referências
Novo Jornal de Estudos Antropológicos
paranthropology.weebly.com
ISSN 2044-9216
Entre dois mundos
Várias vezes antropologistas testemunham rituais de Espíritos, e várias vezes
exegetas indígenas tentam explicar que os Espíritos estão presentes...Mas,
antropologistas resolvem sempre interpretar tudo de forma diferente. Nós,
antropologistas, precisamos treinamento para ver o que os Nativos vêem.
Edith Turner (1993). "The reality of Spirits: A Tabooed or Permitted Field of
Study?" Anthropology of Conssciousness 4(1): 9-12.
No que segue abaixo, o que está em azul são textos de J. Hunter que comento mais
abaixo.
Por J. Hunter (Universidade de Bristol, UK)
Bem vindos à primeira edição de 'Paranthropoloy: Journal of Anthopological Approaches to
the Paranormal". Essa jornal tem como objetivo básico fornecer uma plataforma para a
disseminação de novas pesquisas e idéias concernentes à abordagens antropológicas para o
estudo de crenças paranormais, associadas à prática ou aos fenômenos. Embora a ênfase do
jornal seja uma abordagem antropológica, ele também se ramificará em outras disciplinas psicologia, parapsicologia, sociologia, folclore, história - como um meio de explorar a
maneira como tais metodologias teóricas lançam luz sobre o paranormal.
Antropologia e Paranormal: qual é a questão?
Há muitas razões para uma abordagem antropológica como estudo do paranormal. Não só a
antropologia fornece uma metodologia promissora para a elucidação e compreensão do
paranormal, como também o paranormal se apresenta como um aportunidade para que
teorias e técnicas antropológicas sejam testadas e expandidas.
Andrew Lang
A idéia que métodos antropológicos sejam apropriados para o estudo de fenômenos
paranormais não é nova. Escrevendo ainda no Século 19, o acadêmico escocês Andrew
Lang (1844-1912), apresentou o método antropológico aos membros da Sociedade de
Pesquisa Psíquica (SPR). Lang achou incrível que a SPR tenha, por qualquer razão, se
recusado a comentar sobre experiências psíquicas na literatura antropológica e,
semelhantemente, que a antropologia da época estivesse super interessada no tipo de
pesquisa feita pela SPR. Lang (1996) expressou a opinião que ambos os conjuntos de dados
(antropológicos e psíquicos) seriam melhor compreendidos se fizessem referência mútua, ao
invés de serem tomados como eventos separados e descorrelacionados.
Métodos antropológicos, em particular participação etnográfica, podem resultar em uma
compreensão aprimorada dos mecanismos sociais, psicológicos e espirituais que envolvem
as manifestações do paranormal, fatores que podem adicionar uma compreensão mais
profunda do tipo de fenômenos estudados por parapsicológos. A pesquisa parapsicológica
tende a assumir que efeitos paranormais só podem ser replicados no laboratório sem
consideração à maneira como tais efeitos tem sido tradicionalmente produzidos. De fato,
Frederic Myers, um dos fundadores da SPR, afirmou que um dos objetivos da pesquisa
psíquicas seria o estudo de fenômenos psíquicos ostensivos sem uma...
...análise da tradição, ou sem qualquer manipulação metafísica, mas simplesmente
experimentação e observação - pela simples aplicação aos fenômenos dentro de nós e ao
redor de nós, dos métodos de pesquisa exata, deliberada e desapaixonadamente, que
serviram de base para o conhecimento do mundo que podemos ver e tocar." (citado por
Gauld, 1983, xi)
Tal abordagem altamente racional, positivista e empírica tornou-se a pedra fundamental da
parapsicologia moderna e deve, possivelmente, explicar as evidências relativamente
inexpressivas que essa disciplina tem conseguido se comparada aos fenômenos
extravagantes registrados na literatura etnográfica: é simplesmente um abordagem que
desconsidera a tradição mágica. De Martino (1972), por exemplo, lista um número grande
de fenômenos paranormais ostensivos (clarividência, precognição, experiências fora do
corpo, psicocinese, fire-walkings etc) testemunhados por etnógrafos em partes diferentes do
mundo, e compara o jeito com que etnógrafos registra tais ocorrências (i. e., dentro de um
contexto particular histórico, social, cultura, mitológico e cosmológico) com o jeito como
parapsicólogos fazem o mesmo. Assim ele escreve sobre a parapsicologia:
Ocorre um quase que total redução do estímulo histórico que está em ação nas ocorrências
espontâneas de tais fenômenos. Assim, no laboratório, o drama do homem desencarnado
(dying man) que reaparece... para um parente ou amigo - é substituido (reduzido) a um
experimento de repetição - tenta-se transmitir à mente do sujeito a imagem de uma carta de
baralho escolhida aleatoriamente. (1973, p. 46)
A proposta do jornal de Parantropologia é inovadora para a nossa época e parte da
necessidade de se avaliar a quantidade enorme de evidências etnográficas e
históricas para fenômenos psíquicos. De fato, poderíamos dizer que a verdadeira
pesquisa psíquica deve se iniciar com a antropologia e não na proposta de
laboratórios de parapsicologia. Por que? Porque a Antropologia procura modelos
para o fenômeno humano (tanto moderno como primitivo) sem eliminar nada deles
que lhes seja característico. Embora esses fenômenos sejam interpretados dentro de
concepções restritas que eliminam o transcendente, a proposta
da Paranthropology é justamente iniciar ou propor modelos antropológicos onde a
existência do transcendente não possa ser descartada.
O horror à idéia da sobrevivência e as concepções espiritualistas fez surgir a
pesquisa parapapsicológica com proposta supostamente científica e certamente
fechada às observações que ocorram fora dos recintos de laboratórios (veja a
citação de F. Myers acima). Essa decisão foi tomada sem prestar atenção ao fato de
que existem fenômenos naturais que não podem ser reproduzidos em laboratório,
ou mesmo que a exigência de repetibilidade em laboratórias torna restritiva as
condições de ocorrência, ou seja, resultam em interferências destrutivas no
fenômeno.
Há uma crença generalizada de que só existe ciência se os fenômenos puderem ser
repetidos em laboratório. A constatação de De Martino, embora interpretada como
uma observação quanto à eliminação de estímulos históricos, reflete a eliminação
de quase todos os estímulos possíveis necessários para as ocorrências psíquicas. A
que se reduz então os testes parapsicológicos 'rigorosos'? A medidas de coincidência
de leitura de carta por 'sujets' ou outros sinais gerados por computador, ou por
fontes radioativas. Com isso, espera-se medir correlações que lançem luz à
existência de precognição ou retrocognição, sem se postular nenhum mecanismo
para que isso ocorra, a menos da existência de Super Psi, ou a existência de
indivíduos dotados de percepção quase que onisciente (tanto no espaço como no
tempo). O Super psi nasce como uma explicação naturalmente fora do escopo de
qualquer teste, já que ele, por definição, associa à mente determinadas
características que tornam muito difícil a 'contra prova' ou o processo do
'falsificacionismo' no sentido proposto pelo Filósofo Karl Popper. Em outras
palavras, ao se assumir Super Spsi fica muito difícil a proposição de uma
observação onde Super Psi possa ser 'falsificado' ou demonstrado como não
existente. Logo, as teorias de Super Psi são suspeitas do ponto de vista
epistemológico.
Mas Super psi tornou-se um mecanismo de crença de céticos moderados que, não
aceitando a idéia da sobrevivência, não podem deixar de aceitar a existência dos
fenômenos. Ai entra a necessidade de estudos Antropológicos que podem:
Lançar luz quanto a condições de ocorrência de fenômenos psíquicos;

Chamar a atenção para a grande coincidência de narrações - ou seja,
explicações que os antigos e outro povos davam ao fenômeno do mediunismo e suas
manifestações, atentando para a grande coerência entre tais descrições;

Ajudar a classificar fenômenos e lançar luz quanto as verdadeiras fontes ou
origens desse fenômenos.

Pode-se obsevar, através da antropologia, a supressão ou aumento das
ocorrências mediúnicas, conforme se eliminem ou aumente os 'estimulos históricos'
ou outras condições a serem determinadas no momento da ocorrência psíquica.
Finalmente, Hunter chama a atenção para uma corrente de antropólogos modernos
que adota uma postura diferente:

Mais recenemente, entretanto, teóricos tem argumentado em favor de tratar tais
crenças tal como os nativos o fazem. Edith Turner (1993, 1998, 2006) tem se
colocado favorável a essa perspectiva, especialmente em termos de interpretar a
crença na existência e atuação dos Espíritos no campo. Outros antropologistas tem
também considerado os Espíritos seriamente, mesmo que não no nível ontológico
real: por exemplo, Nils Bubandt (2009) explorou a atuação política de Espíritos que
se comunicam com médiums 'possuídos' em Norte Maluku - tratando-os
como metodologicamente reais. Aqui vemos a noção antropológica da ação
consciente expandida para incluir outras formas de personalidade.
Por que isso é importante? Porque não é possível fazer avançar o conhecimento
antropológico ao se desconsiderar a opinião dos nativos tais como elas se
apresentem. Esperamos, assim, que uma nova era no conhecimento da verdadeira
natureza do Homem se inicia a partir da adoção dessa postura mais aberta.
Referências
Bubandt, N. (2009). “Interview with an Ancestor: Spirits as Informants and
the Politics of Spirit Possession in North Maluku.” Ethnography 10(3): 291-316.

De Martino, E. (1972). “Magic: Primitive and Modern”. London: Tom Stacey
Ltd.

Lang, A. (1896). “Cock Lane and Common Sense.” London: Green & Co.

Turner, E. (1993). “The Reality of Spirits: A Tabooed or Permitted Field of
Study?” Anthropology of Consciousness 4(1): 9-12.

Turner, E. (1998). “Experiencing Ritual”. Philadelphia: University of
Pennsylvania Press.

Turner, E. (2006). “Advances in the Study of Spirit Experience: Drawing
Together Many Threads.” Anthropology of Consciousness 17(2): 33-61.

Crenças Céticas X - Positivismo lógico e indutivismo: as duas bases do
ceticismo dogmático.
"Acho que o mais importante defeito dele... era que quase tudo nele era falso." (A.
J. Ayer, principal defensor do Positivismo lógico na Inglaterra, sobre o Positivismo
lógico).
Muita gente acha que filosofia é perda de tempo, um conhecimento que serve à
'gente metida' ou intelectuais com pouco senso prático. Na verdade, todas as nossas
ações e decisões se baseiam em motivações interiores que, muitas vezes, são
derivadas de crenças e suposições que são objeto de estudo da filosofia. Uma vez
que tomamos contato com as várias doutrinas filosóficas que existem, podemos
compreender melhor porque as pessoas agem de determinada maneira, e até
mesmo, prever seu comportamento.
Esse é o caso do pseudoceticismo ou ceticismo dogmático que tem sido objeto de
nossas análises neste blog. Podemos nos perguntar: quais são os seus fundamentos
filosóficos? A resposta não pode ser outra: o positivismo lógico e o indutivismo
ingênuo.
Os positivistas lógicos descrevem o mundo como derivado dos sentidos. Para eles só
há sentido em estudar aquilo que esteja diretamente acessível aos sentidos
humanos, fornecendo um visão de mundo essencialmente fundamentada no
'empirismo'. Acreditamos que o positivismo lógico foi uma resposta ao excesso de
cuidados com conceitos e idéias que não tem suporte empírico, mais
particularmente contra aqueles objetos da teologia dogmática. Historicamente,
sabemos que o Positivismo lógico (nascido no assim denominado 'Círculo de Viena'
na década de 1920) foi uma resposta à filosofia de Hegel.
Um positivista lógico acredita que evidência observacional é indispensável para
uma descrição correta do mundo. Na verdade, ele vai mais além e só acredita
naquilo em que se possa fornecer uma evidência empírica. Portanto, a descrição
positivista do mundo é uma descrição necessariamente pública que despreza
entidades que não sejam publicamente acessíveis.
Essa visão positivista tem reflexo imediato nas decisões de investimentos de
pesquisa. Uma vez que recursos são escassos, é razoável que o modo 'positivista' de
ver o mundo tenha maior influência, já que ele acaba por significar risco menor ao
investimento. Parece ser muito menos arriscado investir dinheiro em pesquisas
sobre objetos que sejam diretamente acessíveis aos sentidos (que se pode ver, tocar,
ouvir ou perceber) do que com aqueles que não são.
Hoje em dia, o positivismo lógico originalmente criado no círculo de Viena não é
mais defensável. A Física moderna, a genética e outros ramos da Ciência
demonstraram que, para que teorias científicas tenham sucesso, é preciso postular
a existência de entidades que não são diretamente acessíveis aos sentidos. Se tais
entidades existem ou não é outro problema, bem mais complexo, que o leitor pode
aprender buscando por textos sobre o 'realismo científico'. Por isso, o positivismo
se transformou, e antes o que era tomado como 'necessidade de evidência dos
sentidos' é hoje substituído por 'evidências empíricas' dentro do chamado 'método
científico'.
No desenvolvimento e justificação desse método, os neopositivista são guiados
pelo indutivismo, que se tornou outro fundamento para o ceticismo dogmático. Por
'indutivismo' queremos dizer uma postura filosófica que aceita que o conhecimento
pode ser gerado a partir do amontoado de evidências ou observações de fatos
singulares. Acredita-se que conhecimento científico genuíno e altamente confiável
possa ser criado a partir da observação de um número finito de fatos, desprezandose o papel que teorias tem na orientação e condução de experimentos ou proposição
de observação de fatos. Para o indutivista, as teorias são, na verdade, o resultado do
processo de fazer ciência e não tem outro papel a desempenhar. Embora tal postura
já tenha sido conclusivamente rejeitada, ela tem grande influência na maneira
como o processo de se fazer ciência é defendido popularmente, embora seja
duvidoso que tenha qualquer influencia na maneira comoCiência de qualidade é
gerada.
Analisemos, por exemplo, a frase abaixo, traduzida de seu original em inglês. Essa
frase foi tirada da 'rationalwiki' um site semelhante à enciclopédia wiki mas que se
auto-entitula 'racional':
Em geral, fenômenos paranormais colocam-se fora do que seria
normalmente esperado ocorrer no mundo real. Além disso, tais fenômenos não
podem ser reproduzidos sob condições controladas e, portanto, não podem ser
investigados pelo método científico. Por essa razão, eles são classificados como
pseudociência. (em http://rationalwiki.org/wiki/Paranormal)
Por que a ênfase na repetibilidade e controle? Porque o indutivista acredita que o
processo de indução só funciona sob determinadas condições, a mais importante
delas é a necessidade de um grande número de observações.
Vejamos um exemplo:
Bares noturnos são lugares ideais para se comprovar a tese de que muitos
brasileiros são bêbados.
Suponhamos que alguém todas as sextas-feiras, em determinado horário à noite
visitasse grande quantidade de bares ou casas noturnas em uma grande metrópole
no Brasil e verificasse a presença de pessoas embriagadas. Ele então visitaria outras
capitais, sempre à noite, aos sábados e verificaria ainda mais pessoas embriagadas.
De acordo com o processo indutivista de fazer ciência, seria autorizado a esse
pesquisador enunciar a lei:
"Os brasileiros são bêbados em geral".
Note que, para que a afirmação tenha valor, não é suficiente observar um grupo
pequeno de brasileiros se embriagando, mas muitos, talvez milhares, o que é
facilmente atingido ampliando a 'base de dados' ou pesquisa de campo.
Além disso, faz parte da crença indutivista pensar que os dados ou os
fatos contem em si tudo o que é necessário para se chegar ao enunciado final ou
teoria. Assim, de acordo com tal princípio de 'objetivação dos fatos', o pesquisador
não pode fazer qualquer consideração adicional (como, por exemplo, sobre as
razões para pessoas beberem em bares à noite) sob pena de ser acusado de
parcialidade ou de ser 'tendencioso' em sua pesquisa.
Por que essas considerações são importantes? Porque na defesa de explicações para
a fenomenologia dos chamados 'eventos paranormais' (quer dizer, fenômenos
espíritas), somos constantemente bombardeados com acusações pseudocéticas da
necessidade de 'repetibilidade' de experimentos. Isso acontece justamente por
influência da crença indutivista que, não tendo papel a desempenhar no
desenvolvimento da Ciência (como mostram estudos em História da Ciência) é
invocada para invalidar os fatos ou negar o status de ciência a qualquer teoria ou
explicação para esses fatos (que transcendam às explicações populares de embuste
ou fraude).
Os fenômenos espíritas (a maioria girando em torno das faculdades mediúnicas)
são eventos que exigem condições especiais para ocorrência. Tais condições
singulares são apreendidas quando a teoria desses fenômenos é compreendida.
Somente assim é possível 'desenhar' experimentos que possam ser repetidos até um
certo ponto. A confirmação de resultados no campo da pesquisa dos fenômenos
espíritas é possível, sem a necessidade de um número arbitrário de repetições. Tais
confirmações foram feitas no passado e apontam para a excelência das explicações
que sustentam a continuidade da existência para além do corpo físico, e postulam a
existência de entidades não observáveis de forma muito mais direta que muitas
teorias da física ou da biologia o fazem para determinados fenômenos.
Quanto mais próximos estivermos da verdade com relação as origens e causas
desses fenômenos, tanto mais aptos estaremos para reproduzí-los e aproveitá-los de
forma coerente e responsável. Isso explica porque, em um ambiente onde prevaleça
o ceticismo, a descrença e o deboche para com tais ocorrências, elas dificilmente
poderão ser observadas e, muito menos, explicadas.
Para saber mais:
Sobre o Positivismo Lógico:

http://en.wikipedia.org/wiki/Logical_positivism

http://sts.um.edu.my/E-Library/Lecture%20Notes/SFGS6111/LP1.pdf
Sobre o Indutivismo ingênuo:
http://www.phys.port.ac.uk/what/lecture2.htm
Referências

Suppe, Frederick, The Positivist Model of Scientific Theories, in: Scientific Inquiry,
Robert Klee editor, New York, USA: Oxford University Press, (1999), pp. 16-24.
Chalmers, A. F. O que é Ciência, afinal? ed. Brasiliense, 1a edição (1983).
Postado por Ademir Xavier às 16:25 1 comentários
Crenças Céticas IX - Como refutar qualquer coisa que você não goste.
Uma das melhores lições que se pode ter da literatura cética é sobre como tratar
a evidência, fatos ou dados que estejam em conflito com suas próprias crenças,
de forma tal que apenas tais crenças sejam consideradas válidas.
Uma estratégia comum de desmascaramento é apresentar conjecturas 'ad hoc'
para descartar qualquer evidência de uma certa afirmação X. Essa estatégia
funciona como método retórico para se ganhar uma argumentação
(especialmente se os leitores estiverem inclinados a pensar como você), mas
está longe de ser um argumento científico, porque, em ciência, hipóteses
alternativas devem ser testadas, não meramente assumidas como possíveis.
Por exemplo, se cientistas estiverem buscando a causa do mal de Parkinson e a
evidência confirmar a hipótese de que níveis de dopamina tem um papel
fundamental nessa causa, não cai bem para um 'cético da Dopamina' dizer
"Bem, é possível que outras causas desconhecidas existam, você não pode
concluir que a dopamina seja importante, porque podem haver outras
explicações. Você está apenas manipulando as estatísticas."
Com certeza outras explicações são possíveis, mas nosso cético aqui não pode
esperar que cientistas levem a sério o que diz, a menos que ele forneça
evidências a favor de sua alternativa (antidopamina), isto é, a menos que ele
forneça evidência de que 'outras explicações' podem dar conta da doença de
Parkinson e tornar a hipótese da dopamina desnecessária ou implausível.
Uma opinião gerada no conforto do sofá sobre cenários imaginários ou
possibilidades 'ad hoc' não é nem hipótese científica nem mesmo uma
alternativa. Somente se deve tomar tais alternativas seriamente se forem
testadas ou confirmadas, ou, ao menos, se existir evidências independentes que
façam a hipótese alternativa algo plausível ou relevante para aquele caso
específico.
Por exemplo, para confirmar a 'hipóstese psi' (sobre a existência de capacidades
paranormais), você não precisa excluir qualquer outra possibilidade lógica ou
cenário imaginário, porque possibilidades lógicas são, por definição, sempre
possíveis e a imaginação é livre e ilimitada.
Hipóteses são confirmadas por suas conseqüências e predições. Se a 'hipótese
psi' prediz, por exemplo, que certos cães irão manifestar determinados
comportamentos (como no caso da pesquisa de R. Sheldrake), então a hipótese
fica confirmada se tais cães manifestarem aquele comportamento por ela
previsto. (Confirmado não significa que seja verdade absoluta, mas
simplesmente que os dados empíricos a confirmam, pedem por mais pesquisa e
que ela seja aceita de forma provisória).
Será que isso exclui outras alternativas ou possibilidades imaginárias? Não, mas
possibilidades alternativas tem que ser confirmadas e testadas (ou mostradas
como sendo plausíveis naquele caso específico) para que sejam aceitas como
reais e pertinentes, não simplesmente assumidas com verdade porque um
crítico de sofá não quer aceitar - por quaisquer razões ideológicas - o que a
hipótese diz.
Caso contrário, seria possível então rejeitar de forma arbitrária qualquer
resultado empírico a favor de qualquer hipótese usando de trucagem retórica
com base em qualquer possibilidade ad hoc imaginável.
Para deixar esses pontos ainda mais claros, vamos supor que estamos
examinando a afirmação "Jader Sampaio é o autor do blog
espiritismocomentado.blogspot.com"
Uma foto e evidências facilmente refutáveis: será mesmo que Jader Sampaio é o
autor de espiritismocomentado ?
Mas suponha que, dado minha filosofia pessoal, ideologia ou visão do
mundo, eu queira desacreditar tal afirmação porque, para mim, é
simplesmente impossível(i. e., estou certo que Jader Sampaio não existe, ou
porque eu acho que ele não sabe usar um PC e, portanto, jamais poderia ter um
blog).
Evidências são fornecidas a favor da idéia de que Jader Sampaio é na verdade o
autor de tal blog:
O blog tem uma foto dele e um logo que ele criou;

Em uma determinada entrevista, um sujeito chamado 'Jader Sampaio'
diz que aquele blog é dele mesmo;

O endereço IP (e outras informações técnicas) mostram que o blog
pertence a alguém chamado 'Jader Sampaio';


Outros sites tem links para esse blog com a frase 'Blog de Jader Sampaio';
Se eu quiser refutar a tese de que espiritismocomentado é de Jader
Sampaio, posso usar o truque da 'possibilidade lógica/explicação ad
hoc/cenário imaginário de sofá' e descartar ou rejeitar as evidências acima:
Com relação ao nome e ao logo, posso dizer que isso nada prova porque
qualquer pessoa pode fazer um blog e colocar como autor 'Jader Sampaio' e
ainda fazer um logo parecido;

Com relação à entrevista, posso dizer que se trata de uma evidência
anedótica e, portanto, inválida. Além disso, é possível que o sujeito em questão
esteja simplesmente mentindo que seu nome seja Jader Sampaio. E, ainda que
eu aceite que seu nome seja este, isso nada prova que o blog é dele. De qualquer
forma, é apenas 'um testemunho' e, portanto, sem muito valor do ponto de vista
científico;

Com relação ao endereço IP, posso afirmar que isso nada prova, porque é
POSSÍVEL FALSIFICAR um endereço IP ou qualquer outra informação técnica
como aquelas relativas a PCs ou um servidor específico;

Com relação aos links de outros sites para o tal blog e a referência como
um 'blog de Jader Sampaio', posso mais uma vez dizer que isso nada prova,
porque isso pode ser forjado também. De qualquer forma, é uma evidência
anedótica (para um cético empedernido e racional como eu, isso nunca prova
nada).
Note que os argumentos acima são essencialmente motivados no DESEJO DE
SE DESACREDITAR (especialmente, se eu sou alguém que mantém uma
ideologia ou filosofia que pregue a inexistência de um tal Jader Sampaio).
Mas, também, esses são argumentos baseados em especulações de sofá não
provadas relativas a outras 'possibilidades' ou cenários
imaginários que eu uso para invalidar qualquer evidência ou fato que me é
apresentado.

Note também que todas as possibilidades apresentada por mim são
perfeitamente POSSÍVEIS. Mas isso não as faz verdadeiras em nenhum caso
específico. Para saber se tais especulações são verdadeiras, evidências que as
suportem devem ser apresentadas (por exemplo, que um hacker tenha forjado
um endereço IP em um servidor específico para falsificar também um nome
como 'Jader Sampaio').
Se eu afirmar que um fator X causa um 'habilidade psi' em laboratório, então
estou fazendo uma afirmação empírica positiva e, se eu sou um cientista,
tenho que testar minha afirmação a respeito de um tal fator X para saber se isso
é certo ou não (se não estiver correta, minha afirmação é cientificamente
inútil contra objeções válidas de cientistas que obtenham evidências positivas
para a hipótese psi); e não simplesmente assumir isso sem evidência empírica.
Obviamente, SE EU QUISER DESACREDITAR psi, então estarei bastante
motivado a aceitar qualquer alternativa ad hoc, mesmo que ela não tenha sido
testada ou confirmada. Mas, nesse caso, não mais estou a fazer Ciência, estou
simplesmente protegendo minhas crenças com especulações ad hoc
e post hoc. Basicamente, estou racionalizando minha fé contra a
existência de uma determinada coisa que eu não goste. Isso é, em
essência, wishful thinking disfarçado como retórica científica.
Finalmente, como um exercício intelectual, imagine que você não acredite em
uma determinada afirmação (você é livre para escolher que afirmação será esta).
Você descobrirá, então, se usar especulações ad hoc criativas, que você
sempre será capaz de se livrar de evidências que sejam contrárias as suas
crenças. Quanto mais inteligente e esperto você for, tanto mais criativas e
persuasivas serão suas 'especulações ad hoc'. Mas isso não muda o fato de que
você está se enganando a si mesmo com um método sofisticado de
racionalização de dados, fatos e evidências que desafiem suas crenças.
Em outras palavras, você está usando sua própria inteligência e razão para se
enganar. Ao invés de usar isso para encontrar a verdade, você está usando
sua capacidade para racionalizar ou proteger suas tendências, preconceitos ou
preferências pessoais contra qualquer possibilidade de refutação. É um processo
sofisticado de auto ilusão (que também impede que você perceba que esta se
enganando).
Ninguém pode estar 100% livre de ser tendencioso ou de truques mentais para
evitar tal dissonância cognitiva. Mas, se você ama realmente a verdade, você
certamente fará um esforço para controlar sua mente e manter seus
preconceitos sob controle consciente. Você então aprenderá bastante sobre sua
própria mente, e também sobre a mente dos outros.
Este é um texto traduzido e adaptado do original 'How to debunk any claim
that you want to disbelieve', acessível em
Crenças Céticas VIII - Alfred Wegener e a fraude dos continentes
flutuantes.
Alfred Wegener.
O "impossível" é geralmente fixado por nossas teorias, não definido pela
Natureza. Teorias revolucionarias habitam no inexperado.
(...) À medida que a ortodoxia Darwinista varria a Europa, seu mais brilhante
oponente, o embriologista já velhinho Karl Ernst von Baer, disse com amarga
ironia que toda teoria triunfante passa por três estágios: primeiro ela é
descartada como uma inverdade, então é rejeitada como contrária à Religião e,
finalmente, é aceita como dogma e todos os cientistas dizem que sempre lhe
apreciaram a verdade. Stephen J. Gould ("Ever since Darwin", Penguin books,
1991)
Continentes que flutuam como barcos no oceano? Então, o solo que pisamos não se
mostra firme, robusto, desde a criação da Terra? Talvez a imensa maioria das
pessoas não saiba, mas o chão que nós pisamos todos os dias, dirigimos nossos
carros ou praticamos esportes está em movimento. Quando criança, divertia-me ao
constatar, olhando os mapas das aulas de geografia, que a costa oriental da América
do Sul encaixava-se, quase como se fosse um quebra-cabeça, com a costa ocidental
da África. Na minha falta de compreensão, achava que aquilo não seria
coincidência, mas ignorava totalmente como aquilo teria acontecido.
Essa observação infantil talvez não tenha passado em vão aos primeiros cartógrafos
que, da mesma forma que eu, não conseguissem imaginar uma causa para essa
grande semelhança.
De qualquer maneira, a idéia de que continentes flutuassem constituiu-se numa
heresia científica ou, usando termo mais modernos ao sabor dos céticos, uma
pseudociência. Evidências alinhadas por seu grande proponente, Alfred Wegener
(1880-1930), foram completamente desprezadas e ridicularizadas como erros,
incongruências de alguém que, não sendo geólogo, jamais poderia se aventurar em
tal campo. Avaliar e estudar a saga de Wegener na defesa da teoria dos continentes
flutuantes oferece ao estudioso uma oportunidade para compreender a maneira
como a Ciência é fabricada e as consequências do ceticismo no desenvolvimento das
ciências.
Diz-se que o ceticismo é importante nas ciências. Isso não ocorreu na história de
nosso herói: Alfred Wegener. Ninguém melhor que o paleontólogo e biólogo
evolucionista S. J. Gould (1941-2002) para nos contar essa estória, que fala tanto da
certeza e processo de perquirição científicos. O texto abaixo (em azul) é uma
tradução nossa de trechos do Cap. 10, Continental Drift, de 'Even Since Darwin'
(Penguin books, 1991):
Por que tal profunda mudança (no pensamento científico) teria ocorrido em tão
curto espaço de tempo como uma década? (Referindo-se à mudança no opinião dos
cientistas sobre a teoria de Wegener)
Muitos cientistas sustentam - ou ao menos argumentam opinião para o público que sua profissão marcha para a verdade sob a orientação de uma procedimento
infalível chamado 'método científico'. Se isso fosse verdade, minha questão teria
fácil resposta. Os fatos, tais como se apresentavam 10 anos atrás, falavam contra o
deslocamento dos continentes; desde então, aprendemos mais e revisamos nossa
opinião de acordo com tal aprendizado. Argumentarei que tal cenário é não pode
ser aplicado de forma geral e é profundamente impreciso nesse caso.
(...)
Considero essa estória como típica do progresso científico. Novos fatos,
colecionados de forma antiga sob a orientação de velhas teorias raramente resultam
em qualquer revisão substancial do pensamento. Fatos "não falam por si mesmos";
são interpretados à luz da teoria. O pensamento criativo, tanto nas ciências como
nas artes, é o motor da mudança de opinião. A Ciência é uma atividade
quintessencialmente humana, não é algo mecânico, uma acumulação robótica de
informação objetiva, guiada por leis de lógica para uma interpretação inescapável.
Duas são as fortes evidências à respeito da deriva dos continentes, que eram
'varridas para baixo do tapete' quando a teoria de Wegener era herética:
1. A glaciação no Paleozóico tardio. Cerca de 240 milhões de anos atrás, geleiras
cobriam partes do que é agora a América do Sul, Antártida, Índia, África e
Austrália. Se os continentes fossem fixos, tal ocorrência torna difícil explicar certos
fatos. (...). Todas essas dificuldades evaporavam se os continentes austrais
(incluindo a Índia) estivessem unidos durante o grande período de glaciação, e
localizados mais abaixo, cobrindo o pólo sul; as geleiras sul americanas moveramse da África, não de um oceano aberto; a África 'tropical' e a Índia 'Semitropical'
estavam próximas do pólo sul; o pólo Norte localizava-se no meio de um grande
oceano, de forma que geleiras não poderiam ter se produzido no polo norte;
2. A distribuição de trilobitas cambrianos (artrópodes fósseis que viviam entre 500
a 600 milhões de anos atrás). Os trilobitas cambrianos da Europa e da América do
Norte dividiam-se em duas faunas diferentes com uma distribuição bem peculiar
nos mapas modernos. Trilobitas da província 'Atlântica' viviam por toda a Europa e
em algumas áreas da costa mais oriental da América do Norte - (oriental e não
ocidental). Newfoundland e e o sudoeste de Massachusetts, por exemplo. Trilobitas
da província 'Pacífica' viviam por toda a América e em alguns locais da costa
ocidental da Europa - norte da Escócia e o noroeste da Noruega, por exemplo. É
muito difícil dar conta dessa distribuição se os dois continentes estivessem
distantes 3000 milhas um do outro.
Mas a deriva dos continentes sugere uma estranha solução. Em épocas Cambrianas,
a Europa e a América do Norte estavam separadas: trilobitas atlânticos viviam em
águas pela Europa; trilobitas pacíficos em águas na América. Os continentes (agora
incluindo sedimentos com trilobitas encrustados) moveram-se um na direção do
outro até se juntarem. Mais tarde, se separaram novamente, mas não exatamente
ao longo da linha de onde haviam se juntado. Restos espalhados da Europa antiga,
contendo trilobitas atlânticos permaneceram na parte mais oriental da América do
Norte, enquanto que algumas restos da velha América do Norte ficaram grudados
na parte mais ocidental da Europa.
Em apenas alguns segundos, assista milhões
de anos de deslocamentos nunca antes imaginados pelas gerações anteriores.
Tais exemplos são citados como "provas" da deriva hoje, mas eram sumariamente
rejeitados nos anos anteriores, não porque os dados fossem menos completos do
que hoje, mas porque ninguém imaginava um mecanismo que fizesse mover os
continentes.
(...) Na verdade, a superfície da Terra parece estar dividida em menos de uma
dezena de "placas" maiores, limitadas em ambos os lados por zonas de criação e
destruição. Os continentes estão congelados entre tais placas movendo-se com elas
à medida que o solo oceânico se afasta de zonas de criação. A deriva dos continentes
não é mais orgulhosa de si, ela se tornou conseqüência passiva de nossa nova
ortodoxia
a
tectônica
de
placas.
Entretanto, até ganhar o status de ortodoxia, a teoria de Wegener sofreu o escárnio
e a desconsideração. Ela hoje nos apresenta como um exemplo vivo que se
contrapõe a qualquer tentativa de estabelecer métodos na pesquisa científica e de a
Natureza não demonstra tão facilmente seus mais profundos segredos. Considerado
como uma fraude, seu proponente não viu sua aceitação pela comunidade
científica, mas morreu acreditando nela e que, em algum dia, eles haveriam de
considerá-la seriamente.
Crenças Céticas VII - A vida além da vida e a necessidade de uma nova
Ciência.
Vimos anteriormente que, para que haja Ciência, são necessários ao menos três
coisas: um objeto de estudo, uma linguagem e um método. O pseudoceticismo, em
geral, invoca (chama) a autoridade da Ciência para si para desqualificar
determinadas afirmações sobre o mundo, justamente aquelas que não se alinham
com as crenças pseudocéticas.
Vejamos uma afirmação clássica do pseudoceticismo:
A Ciência não comprova a existência de vida depois da morte. A Ciência não
comprova a existência de Espíritos.
Qual o significado aqui da palavra 'Ciência'? Em quase todas as discussões que
vemos sobre o assunto, parece que podemos interpretar 'Ciência' como o corpo de
pesquisadores, o conjunto de cientistas, a opinião de técnicos ou especialistas em
assuntos científicos. Se este for o caso, já vimos anteriormente que a opinião dos
cientistas não pode ser tomada como autoridade, principalmente no que diz
respeito a assuntos que fogem a sua especialidade. Se isso não é o caso, vejamos:
Qual pode ser o 'objeto de estudo' dessa idéia de comunidade que desaprove a vida
além da vida? Será que a Ciência contemporânea, entendida como opinião dos
cientistas, tem se debruçado sobre essa questão específica que é negada pelos
céticos? A resposta é claramente um não, uma vez que essa comunidade tem coisas
muito bem definidas - os estudos de outros objetos - para tratar.
Mas poderíamos dizer que não é a comunidade de cientistas a interpretação mais
correta para o termo 'Ciência' na afirmação em análise, mas sim interpretarmos
'Ciência' como o corpo de conhecimento, sem apelo algum à autoridade dos
cientistas.
Nesse caso, somos obrigados a apontar o objeto de estudo, o método e a linguagem
que seriam responsáveis por tal negação... Onde, na ciência contemporânea
poderemos encontrar isso? Que ramo da Física, Astronomia, Biologia, Química
poderia ser invocado para afirmar que, de fato, inexiste vida após à morte?
Muitos céticos dizem que é isso que vemos ocorrer todos os dias quando animais
são mortos ou pessoas deixam a vida em hospitais. Não há evidências - repetem eles
- diante de um corpo inanimado, que nunca mais demonstrará nenhum sinal de
vida após os momentos derradeiros, de qualquer coisa além. Fisiologistas e
bioquímicos de renome poderiam ser invocados para descrever os processo
celulares internos que ocorrem após a morte de tecidos biológicos,
neurofisiologistas poderiam enfileirar imagens de tomografias mostrando o apagar
das luzes na massa encefálica e chegaríamos a formar uma imagem completa da
morte, no que diz respeito ao modo como ela se apresenta para nosso conhecimento
atual, mas sobre o quê?
Sobre as conseqüências dela para o corpo. Sim, o corpo, eis aqui o objeto de estudo
que procurávamos. Aqui há Ciência positiva, há uma linguagem descritiva e há um
método de pesquisa muito bom. Mas será que isso nos autoriza a dar o passo que
permite negar a afirmação que aqui analisamos? Será que não estão fazendo como o
Cardeal Bellarmino - do caso Galileu - que afirmou não existir evidências diante de
uma Terra que parecia bem fixa, imóvel, e do movimento do Sol, todos os dias a se
levantar a leste e se por a oeste?
Ao se tentar ir além, afirmarão: isso é metafísica...Mesmo sem saber o significado
dessa palavra, aprenderam sua conotação negativa. O problema aqui é simples:
trata-se de uma deficiência na compreensão da existência de uma multiplicidade de
objetos de estudos no mundo em que vivemos. Se não se reconhece a existência de
um determinado objeto de estudo, não pode haver Ciência. Mas o que faz com que
considerem esse mais além como uma mera especulação metafísica? O fato de eles,
os céticos (veja que não estou me referindo aos pseudocéticos, mas aos céticos bem
intencionados), não se darem ao trabalho de buscar, pesquisar e procurar. Muitos
céticos não sabem que a Natureza oculta muito bem os seus segredos. Mas uma das
coisas que a nova visão do mundo revelada pela Ciência é que existem muitos
objetos de estudo e que a imensa maioria deles não sensibiliza nossos sentidos.
Tomemos o exemplo do vírus (figura abaixo) e façamos o exercício mental de nos
colocar em uma época onde microscópios eletrônicos não estavam disponíveis.
Hoje, é muito fácil para nós acreditarmos na existência desses seres. Eles foram
'revelados' pela Ciência e são a causa de muitas patologias. Mas ao afirmarmos isso,
estamos numa posição privilegiada. Há razões para acreditarmos que, no que diz
respeito à afirmações a respeito da continuidade da vida além da vida não estamos
com os mesmos privilégios.
Imagem do vírus da gripe espanhola. Se microscópios eletrônicos não estivessem disponíveis,
como poderíamos ter 'evidências' sobre a existência desses seres microscópicos? Hoje, estamos
numa situação privilegiada em relação a isso (conhecimento científico), mas o mesmo não é
verdade com muitas outras proposições a respeito do Universo.
Se não conseguem 'encontrar' o Espírito, sede da consciência, é porque dele
formaram uma idéia errada. Usam uma concepção arcaica, antiga, de uma época
quando nosso conhecimento do mundo era muito pequeno, tão pequeno que ainda
nos julgávamos no centro do Universo. Como se recusam a postular a existência de
um novo objeto de estudo, não podem aceitar os fatos, não podem ir além.
Entretanto... ela se move! afirmaria Galileu. Precisamos de uma nova Ciência para
nos revelar nosso futuro. Novos Galileus, novos Newtons e novos Laplaces irão
sobre esse novo objeto se debruçar para descobrir suas leis, desenvolver uma nova
linguagem e novos métodos. Essa é a próxima grande fase da Ciência no futuro.
Postado por Ademir Xavier às 22:02 0 comentários
Crenças Céticas VI - Noções populares de Ciência
Uma coisa que aprendi em minha vida é que toda nossa Ciência, se comparada à
realidade, é primitiva e infantil. Mas, mesmo assim, é coisa mais preciosa que
temos. A. Einstein.
O público em geral tem várias opiniões formadas (ou melhor, supostas) sobre o que
é Ciência. Isso é importante já que a Ciência substituiu a autoridade religiosa em
nosso tempo. Nada há mais bem conceituado hoje em dia do que a autoridade da
Ciência.
Entretanto, como seria possível descrever corretamente o conhecimento científico?
Será que a Ciência se limita apenas ao conhecimento que está disponível na forma
de livros científicos ou artigos?
Aqui descrevo o meu ponto de vista, sem entrar em detalhes complexos que o leitor
pode encontrar ao buscar por suporte em algum livro de Epistemologia da Ciência.
Essa área da Filosofia foi justamente criada para tratar desses problemas . No que
segue não exporei nada sobre as principais teorias do conhecimento, mas discuto o
que aprendi na minha vivência como cientista.
Nosso objetivo aqui é discutir posteriormente essas idéias e as novas proposições de
pesquisa dos fenômenos psíquicos, bem como o caráter científico das teorias que se
aventaram para os explicar.
Elementos da Ciência
Para que haja Ciência (note que escrevo essa palavra com letra maiúscula) são
necessários, ao meu ver, 3 ingredientes:
Objeto de estudo.: É o objeto, coisa fisíca ou não sobre a qual as teorias e
explicações científicas irão versar. Por exemplo, há uma ciência que estuda átomos
e suas relações ou interações, há outra que estuda os fenômenos climáticos etc. A
Ciência, para existir, tem que ter definido um objeto de estudo. A questão do objeto
de estudo é especialmente crítica, uma vez que, por não se reconhecer a existência
de outros objetos além dos que já são conhecidos em uma determinada época, é
impossível estabelecer a Ciência.
Linguagem: É a maneira como a Ciência fará suas proposições sobre o objeto de
estudo. No caso feliz da Física (ou mesmo da Química), essa linguagem é
essencialmente matemática, ou seja, utiliza abstrações lógicas, construções
abstratas e teoremas envolvendo essas construções. Há muita gente que acha de
forma incorreta que, se o conhecimento científico não puder ser colocado na forma
de proposições que se reduzem a números, não há Ciência. Isso é um erro grave, já
que as coisas são justamente assim na Física por uma peculiaridade do objeto de
estudo. Com outros objetos (por exemplo, seres vivos), o conhecimento científico se
estabelece sem recorrer a manipulações numéricas ou teoremas. Aqui é importante
entender que o objetivo da Ciência é gerar informação que seja útil para a
sociedade, sendo que a 'utilidade' dessa informação não pode ser julgada com base
em idéia preconcebidas como imaginar que o que é útil amanhã é o mesmo que é
útil hoje. A pesquisa científica inovadora e sem limites deve ser fomentada
justamente porque é difícil prever as consequências do conhecimento científico.
Método: aqui nos deparamos com algo mais delicado, fonte de inúmeras confusões.
O método (assim como a linguagem) não pode ser definido de
forma independente do objeto de estudo e da linguagem. Há pessoas (inclusive
vários acadêmicos) que acham ser possível estabelecer um método geral para fazer
ciência independente do objeto de estudo. Essa crença é resultande de uma visão
parcial e incorreta da maneira como a Ciência se operacionaliza ou se desenvolveu
ao longo da história. O método ou processo de se fazer Ciência é altamente
dependente do objeto de estudo e da linguagem, ou seja, das teorias científicas que
são levantadas preliminarmente para se estudar o objeto de estudo. Ou seja,
dependendo da explicação ou hipótese levantada para explicar a origem ou fonte de
um determinado fenômeno, um método de investigação diferente deverá ser
implementado.
Há muitas pessoas que acham que o método científico é a fonte do conhecimento
genuinamente científico - e, portanto, genuinamente verdadeiro. Acreditam que o
conhecimento pode ser adquirido através de um conjunto de passos que se inicia
com uma evidência, se amontoam outros próximos e, de evidência em evidência, se
chega à verdade. O ceticismo dogmático confere grande importância às evidências
justamente porque se apoia nessa noção muito popular de se fazer Ciência. Essa
idéia é problemática porque, muitas vezes, considerações sobre os objetos de estudo
e linguagem não são levados em consideração. Efeitos com origem em
determinadas causas são confundidos com outros efeitos que tem natureza
conhecida. Acredita-se que um determinado fenômeno deve ser enquadrado dentro
da perspectiva de outros conhecidos, com linguagem própria.
Antigamente (antes do Sec. 20) a comunidade acadêmica achava que meteoritos
eram pedras lançadas durante erupções de vulcões distantes.
Um exemplo típico dessa visão foi as primeiras considerações sobre quedas de
pedras (meteoritos) do céu. A comunidade científica até a época de Arago (17861853), não acreditava que pedras poderiam cair do céu. Portanto, as que eram
observadas caindo só poderiam provir de erupções vulcânicas distantes. Achava-se
que vulcões tinham força suficiente para erger monolitos inteiros a centenas de
quilômetros de distância. Nenhuma evidência nessa caso foi suficiente para
convencer o contrário. Por que isso ocorreu? A explicação mais plausível frequentemente chamada pelo ceticismo dogmático de 'navalha de Occam' - não
exigia que pedras viessem de fora da Terra, mas era suficiente imaginar que
voariam com as explosões, pois muitas pedras foram observadas voando nas
proximidades de vulcões em erupção.
Ou seja, existiam evidências fortes para a teoria considerada conhecimento
científico na época. As evidências mudaram depois que se observou que a maior
parte das pedras que cairam tinham um composição característica, diferente
daquelas ligadas a erupções vulcânicas. Um estudo muito mais meticuloso foi
necessário para comprovar a 'evidência extraordinária' para a queda de pedras do
céu. Obviamente que a mera observação dessas ocorrências - testemunhadas por
qualquer indivíduo desde o início da civilização - não era considerada evidência
extraordinária.
Esse exemplo tirado da História mostra que Ciência não começa com acumulo de
evidências e fatos, já que as evidências e os fatos devem ser interpretados para
serem aceitos. E a interpretação dos fatos não depende deles mesmos, mas do que
está dentro da cabeça das pessoas. Logo a Ciência é uma construção humana,
cultural e não algo independente de considerações humanas.
A Ciência verdadeira ocorre quando há uma interação fértil entre as noções de
objeto de estudo, linguagem e método. Entretanto, só isso não é suficiente. Os
resultados devem estar disponíveis publicamente. Como sempre ocorre, as vezes as
consequências (ou efeitos) são tomados pelas causas, a ponto de ser bastante
comum confurndir-se conhecimento científico com conhecimento acadêmico. Não
é o conhecimento acadêmico aquele que está publicamente disponível e que foi
analisado por um método próprio de análise por consultores independentes etc?
A nós aqui não interessa criar uma disputa sobre as vantagens e desvantagens do
método de publicações ou 'análise por pares'. Nosso interesse é na idéia ou
concepção de Ciência. Há verdadeira Ciência quando as causas fos fenômenos
recebem explicação satisfatória, esteja ela ou não publicamente disponível na forma
de publicações acadêmicas. Seja ela aceita ou não. No que segue iremos analisar
esse ponto que gera outro tipo de confusão.
Crenças Céticas V - O caso Galileu e a fraude do movimento da Terra.
Terceiro, digo que, se houvesse verdadeira demonstração de que o Sol
esteja no centro do mundo e a Terra no 3º céu, e de que o Sol não circunda
a terra, mas a Terra circunda o Sol, então seria preciso proceder com muita
atenção na explicação das Escrituras que parecem contrárias a dizer, antes,
que não as entendemos, do que dizer que é falso aquilo que se
demonstra. Mas não crerei que há tal demonstração até que me seja
mostrada...
...Mas, no que se refere ao Sol e à Terra, não há nenhum perito na matéria
que tenha necessidade de corrigir o erro porque experimenta claramente
que a Terra está parada e que o olho não se engana quando julga que o Sol
se move, como também não se engana quando julga que a Lua e as estrelas
se movem. E baste isto por agora...
Cardeal Bellarmino (In: Galileu Galilei. Ciência e Fé. São Paulo: Nova Stella Editorial;
Rio de Janeiro: MAST. , 1988)
Em algum lugar da Europa, antes do final do primeiro quartel do Século 17, um
cético empedernido escreve uma carta a um amigo distante...
"Houvi dizer que em Roma, um certo professor de nome Galileu Galilei afronta a
verdade ao pretender mostrar que não é o Sol que gira em torno da Terra, mas o
contrário, defendendo a idéia de Copérnico, o idiota que quer reformar toda a
astronomia (1).
Galileu Galilei utilizou um tubo 'mágico' (só Deus sabe por quais artimanhas do
demônio...) feito por arte trazida de um certo holandês, que é capaz de amplificar,
diz ele, imagens de marinheiros em mastros de navios distantes. Comenta-se que
as imagens são por demais toscas para não criar a idéia de que o tal tubo introduz
ilusões aos órgãos da vista (2), ao ponto de não serem críveis as descrições que
esse professor fez de suas observações do céu.
Além disso, é fato provado que Galileu fez pequena fortuna com tal
tubo (3)vendendo a vários mercadores venezianos e de outras regiões e, agora
mesmo, pretende que o exército o compre para suas campanhas militares, uma
prova de sua astúcia e falta de decoro.
Numa noite, resolveu apontar o tal tubo 'mágico' para a lua e descreve supostas
crateras, como se a Lua não fosse uma esfera perfeita, mas quer convencer a
todos que ela é como a Terra, cheia de planícies, mares e montanhas (4).
Ao apontar sua mágica para Júpiter, disse e quer que todos acreditem ter visto
esse planeta não como uma estrela andarilha, como toda Humanidade sempre o
viu (5), mas como uma pequena esfera rodeada de pontos brilhantes que ele
afirma tratarem-se de satélites. Esse professor chegou ao ponto de sugerir que o
tal astro é um mini sistema solar que tem Júpiter como o maior corpo e que,
portanto, o Sol seria por comparação o centro de nosso Universo e não a Terra.
Esse professor afirma que isso não prova ser o Sol o centro mas é uma forte
evidência (6).
Pela feitiçaria de seu tubo mágico afirmou que Venus passa por fases e que seu
tamanho varia junto com essas fases, a ponto de acreditar ter provado que Venus
gira em torno do Sol. Fez isso mesmo agora, quanto todos os astrônomos da
europa (7) sabem que o sistema de Tycho Brahe resolve maravilhosamente o
problema, ao propor que os planetas internos - e externos - girem ao redor do Sol
que, por sua vez, gira em torno da Terra como todos sabemos ser fato
comprovado.
Ao observar Saturno, o planeta mais lento do céu, foi enganado por sua própria
artimanha, ao constatar que esse planeta tem orelhas, e quer que todos
acreditemos nisso!(8)
Para o bem de todos, Galileu já começou a ser punido por sua presunção posto que
esse homem, já meio velho, está ficando cego depois de ter apontado seu tubo para
o Sol. Mesmo diante da punição, descreve que a superfície do Sol é repleta de
manchas escuras que se movem em sua superfície, outra farsa que ele inventou
para nos provocar (9).
Não existem evidências nem pelas santas escrituras (que lhe é totalmente
contrária), nem na comunidade dos sábios que a Terra gire em torno do Sol(10).
Essa é questão já resolvida para todos, que diariamente vêem o Sol se levantar a
Leste e se por a Oeste e que ficam a imaginar o que seria dos continentes e mares
se a Terra (11), nem que fosse por alguns milésimos de palmo, se movesse - haja
vista os acontecimentos recentes de Terremotos no oriente e no ocidente.
Sendo assim, Galileu Galilei trata-se da maior farsa já perpetrada entre a
comunidade dos astrônomos (12) a suportar as idéias perigosas de Copérnico. Ele
é uma fraude que merece encarceramento e processo inquisitorial, o qual o
tribunal eclesiástico já deu-se pressa em estabelecer."
Analisando com cuidado os documentos da época e colocando-se no papel daqueles
que participaram da trama que levou ao julgamento de Galileo bem como sua
abjuração daquilo que havia professado, vemos que se tratou de mais um caso onde
as 'evidências' ou fatos comprovados não foram aceitos, antes renegados e
considerados 'inconclusivos' ou 'insuficientes' para mover o dedo das opiniões a
favor da mobilidade da Terra...
Na verdade, os críticos de Galileu na época estavam em uma posição muito mais
confortável do que os pseudocéticos das anomalias, que hoje se aquartelam
exigindo evidências. Mas, mesmo assim, o que aconteceu? Eles estavam errados. Se
não vejamos:
(1) Essa frase é atribuída a Martinho Lutero. O reformista alemão obviamente sabia
que a tese do movimento da Terra contrariava a Bíblia. Para o pensamento
medieval, tudo estava muito bem do jeito que estava: a Bíblia (Velho Testamento)
concordava maravilhosamente bem com o pensamento cristão dominante do
homem no centro do Universo, feito 'a imagem e semelhança de Deus' e tendo o céu
como enfeite de suas noites. Vem Copérnico e diz o contrário. Então Copérnico só
poderia ser um idiota ou estar a serviço de Satanás;
(2) Aqui nosso crítico de Galileu tenta desqualificar a evidência. 'Não passa de uma
ilusão dos sentidos'. Evidências extraordinárias sempre foram tomadas como
alucinações ou fraudes, quando não se ajustam ao pensamento pseudocético. Mas
temos que salvar nosso crítico pseudocético aqui, já que, na época de Galileu, a
óptica sequer conhecia as leis de refração da luz. Logo, não é tão sem fundamento
assim nos imaginarmos na posição do pseudocético de Galileu como acreditando
que o telescópio se tratava de um 'tubo mágico'.
(3) Aqui nosso personagem desvia o objetivo de sua crítica e sugere uma possível
razão financeira por conta dos atos de Galileu. Isso é bastante comum no ceticismo
dogmático, encontrar evidências ilícitas subjacentes a determinados fenômenos ou
atos de pessoas ligados aos fenômenos.
(4) Nosso crítico simplesmente não aceita a evidência do telescópio. A Lua para ele
é uma esfera perfeita, tal como a vista nos apresenta. Dizer que ela tem crateras e
montanhas - ou seja, sugerir que é um mundo como a Terra, é querer contrariar a
Bíblia também, afinal não foi a lua uma luminária colocada por Deus no céu para
enfeitar a noite dos homens ?
(5) Nosso crítico recorre aqui à evidência dos sentidos. Júpiter é uma estrela e não
um planeta!
(6) O argumento de Galileu foi desqualificado totalmente por nosso crítico. De fato,
que adianta querer dizer que Júpiter, sendo o astro maior no grupo formado por ele
e seus satélites, guarda a mesma posição do Sol em relação à Terra? Argumento
muito sofisticado para a mente do cético dogmático.
(7) O cético dogmático tenta aqui recorrer à autoridade da Ciência de sua época.
Como vimos, a autoridade da Ciência está baseada em outros pressupostos e não o
da autoridade. Mas, nessa época tanto quanto hoje, isso raramente é
compreendido;
(8) O que Galileu viu apontando o telescópio para Saturno? Vejam o desenho
abaixo do próprio Galileu:
Um 'planeta com orelhas'...
Por causa da baixa resolução óptica de seu telescópio, Galileu não conseguiu divisar
os anéis tão conhecidos desse planeta hoje em dia. Ao invés disso, essa 'evidência
extraordinária' corrorborava que, o que Galileu reportava, não passava de produto
de uma ilusão produzida por seu tubo mágico. As evidências eram assim altamente
suspeitas...
(9) Galileu desconhecia os danos à visão causado pela exposição da retina ao fulgor
solar amplificado por seu telescópio. Na cabeça do pseudocético isso é uma punição
por suas provocações.
(10) De novo, aqui recorrência à autoridade, tanto da Bíblia com da comunidade
científica.
(11) Aqui temos o ponto mais difícil de Galileu e uma razão peremptória para
duvidarmos ainda mais do ceticismo dogmático! Por mais que se esforçe em
fornecer evidências, nada pode remover os críticos de Galileu de que a Terra não se
move, afinal é o que todos sentimos e vivemos em todos os dias de nossas
vidas... Entretanto, ela se move!
(12) Por tudo isso foi condenado Galileu, por se tratar de uma farsa colocada no rio
da História como fronteira entre o conhecimento da Verdade e o ceticismo
dogmático em nome da Religião e de Deus.
Também essa é a razão porque muitos consideram que a Igreja não errou no
processo de Galileu. Ainda hoje podemos duvidar do movimento da Terra se
adotarmos a mesma visão do cético dogmático. De fato, quais são as evidências de
que a Terra se move? Não adianta dizer que 'a Ciência já aceita isso, ou já resolveu
aquilo'. Há que se provar, com o mesmo tipo de exigência cética, a tese do
movimento.
Tentem fazê-lo por si mesmo, assumindo a mesma força de dúvida e descrença dos
mais combativos céticos dos fenômenos espíritas e verão que ainda restam dúvidas
quanto ao movimento da Terra...
Crenças Céticas - IV Onde está fundamentada a autoridade da Ciência?
Mas, estamos certos dos fatos observados? Homens de Ciência são muito rápidos
em pontificar que devemos estar certos dos fatos antes de se embarcar em uma
teoria. Felizmente, os que dizem isso não o fazem na prática. Observação e teoria
funcionam de forma ótima quando são integradas, uma ajudando a outra na
busca da verdade. É uma boa recomendação não confiar demais em uma teoria
até que tenha sido confirmada pela observação. Espero não chocar os físicos
experimentais ao dizer que também é uma boa regra não confiar demais nos
resultados da experiência até que eles tenham sido confirmados pela teoria.
Sir Arthur Stanley Eddington (1882-1944) Astrônomo e físico inglês.
Embora seja possível ter uma postura dogmática sem apelar para a Ciência, isso
raramente acontece na atualidade, visto que a ciência moderna, dado seu alto grau
de especialização e sucesso em desenvolvimentos tecnológicos e nas descobertas da
Natureza, é invocada pelo pseudoceticismo para invalidar ou sustentar certas
proposições a respeito do mundo.
A nós aqui não interessa um estudo profundo do que seja Ciência, o que é feito por
um campo da filosofia conhecido como Epistemologia da Ciência. Importa muito
mais saber sobre onde repousa a autoridade da ciência, visto que o que é invocado
pelo pseudoceticismo é sua autoridade, muito mais do que seu conteúdo de
conhecimento.
Isso é importante, visto que o conhecimento pode ser fundamentado de diversas
maneiras, ou seja, podemos sustentar determinada posição a respeito do mundo
tanto usando um apelo à autoridade (como fizeram os cardeais da Igreja no caso de
Galileu Galilei, ao invocarem as Escrituras Sagradas como invalidando a tese do
movimento da Terra) ou fundamentar a autoridade no próprio conhecimento. Em
suma:
* CONHECIMENTO BASEADO EM AUTORIDADE: certas proposições sobre as
ocorrências do mundo são de uma determinada maneira porque alguém disse que é
assim. Exemplos: recorrer à Bíblia para proibir certas práticas ou posturas, ou
dizer, de certa forma, que 'a Ciência não comprova isso ou aquilo' como querendo
implicar que 'os cientistas não acreditam nisso'. Nesse último caso, Ciência é
confundida com a 'opinião dos cientistas', que, tanto quanto diz a lógica não tem
autoridade fora do campo de estudo a que se dedicam;
* CONHECIMENTO BASEADO NO PRÓPRIO CONHECIMENTO: aqui a
fundamentação é algo mais sutil e pouco conhecida. A autoridade da ciência tem
como escopo os objetos de estudo de uma determinada ciência em particular.
Dentro desse escopo (e isso é muito importante) a autoridade das doutrinas
científicas está baseada nas próprias teorias, ou seja, na capacidade demonstrada
dessas teorias em prever acontecimentos e explicar fatos. Exemplo: é certo que a
Terra gira em torno do Sol em órbitas elípticas porque o movimento dos astros em
seus mínimos detalhes, como vistos desde a Terra pode ser explicado de forma
precisa com essa hipótese. Ao se tentar explicar de outra maneira, as explicações
falham em determinados aspectos (mas não em todos!). Por lógica, a explicação
mais abrangente e capaz de prever ocorrências não observadas (predições da teoria)
é a de maior autoridade.
Muita gente invoca a autoridade da ciência como que fundamentada na opinião dos
cientistas. Um exame detalhado de como a Ciência se estabeleceu ao longo de sua
história mostra que tal opinião é equivocada. Acreditamos na Ciência porque ela é
capaz de nos trazer uma descrição satisfatória a respeito de certos fenômenos que
estuda (e não, como pretendem alguns, 'uma visão do mundo').
Acreditar que a Ciência nos traz uma visão de mundo que se pode generalizar para
todos os aspectos, mesmo aqueles que ela não estuda e que, por extrapolação, são
explicados dentro de determinadas creças, é uma postura chamada 'cientificismo'.
Cientificistas acreditam não só que a Ciência é o caminho a ser usado para estudar
qualquer coisa, mas que a Ciência atual já consegue explicar qualquer coisa (teoria
de tudo). De fato, podemos dizer que é razoável esperar que a Ciência seja o
caminho a ser usado para se estudar os mais variados fenômenos (mesmo aqueles
que não fazem parte do grupo de fenômenos estudados pela comunidade científica
presentemente, mas novos fenômenos em estudos de fronteira). Entretanto, será
que o conhecimento científico atual pode ser usado para explicar tudo?
É certo que os desenvolvimentos da Ciência revelaram aspectos da estrutura do
mundo que merecem a atenção de todos que pretendem estudar novos fenômenos,
inclusive anomalias:
* Há uma lógica inerente nas leis da Natureza. O universo conhecido (ou
seja, aquele que é objeto de estudo sistemático) pode ser descrito por meio de leis
que determinam como os fenômenos ocorrem sob determinads condições ou
contextos;
* Acaso e aleatoriedade desempenham um papel importante, embora
existam questões profundas relacionados aos fundamentos do acaso - sobre se ele é
'irredutível' ou não - ou seja, sobre se essa aleatoriedade não se deva antes a
ignorância de fatores e não a um caráter inerentemente estocástico das leis da
Natureza;
* 'Não existem milagres'. Por definição, um milagre é uma derrogação das leis
da Natureza. Como não podemos dizer que temos o conhecimento completo a
respeito dessas leis, a idéia de se utilizar milagres para explicar certos fenômenos
não pode ser bem vista. O mais correto é assumir que não conhecemos tudo e uma
ocorrência 'milagrosa' é uma ocorrência natural de causa e condições de ocorrência
desconhecidas;
* O Universo é muito grande. Tanto em termos de suas dimensões físicas e
temporais (muito antigo e de futuro desconhecido), como também em sua
distribuição hierárquica de dimensões. As variadas escalas de ocorrência dos
fenômenos (desde o microcosmo quântico até a escala cosmológica) atestam uma
hierarquização extraordinária na maneira como as leis físicas operam. Também a
'grandeza do Universo' implica em nossa incomensurável ignorância a respeito do
funcionamento mais íntimo de muitos eventos naturais. A postura correta para se
conhecer a verdade é a de humildade diante dos fatos naturais e não de arrogância;
* A pesquisa científica é o veículo de busca do conhecimento a respeito
das coisas da Natureza. Entretanto, não existe um 'método' ou 'receita' para se
fazer ciência. Cada fenômeno, assim como cada objeto de estudo tem seu próprio
método ou ferramenta de pesquisa. Querer forçar as coisas, utilizar certos
procedimentos e regras para estudar ocorrências desconhecidas é um erro. Mas
erro pior é tirar certas conclusões a respeito de certos fenômenos com base numa
aplicação incorreta de um método. Por exemplo: certos eventos psíquicos não
podem ser reproduzidos em laboratório. Isso é uma característica do fenômeno que
exige condições especiais de ocorrência. Muitos céticos dogmáticos concluem pela
inexistência dessas ocorrências psíquicas por causa de sua não replicabilidade. A
falta de conhecimento a respeito das condições é um entrave ao desenvolvimento da
Ciência, tanto no estudo de fenômenos muito conhecidos como com as ocorrências
mais raras.
De todas essas considerações, a falha em compreender a última colocação acima
tem sido um obstáculo ao desenvolvimento da ciência dos fatos espíritas. Grande
parte da retórica pseudocética gira em torno da reprodutibilidade dos fenômenos
anômalos exigindo condições descabidas para sua ocorrência. Isso decorre de uma
postura tendenciosa de se repelir sistematicamente fatos que não se enquadrem em
uma visão preconcebida do mundo que os pseudocéticos dificilmente reconhecem.
Em resumo: a autoridade da ciência está fundamentada em sua própria capacidade
de explicar os fenômenos que estuda e não na opinião dos cientistas. Não há como
fundamentar a verdade em 'comitês' ou 'grupos de pesquisa', 'associações' ou
'academias'. Para verificar isso é só observar que existem inúmeros exemplos na
História das Ciências de como a opinião apressada ou sem reflexão de cientistas
famosos prejudicaram o desenvolvimento da Ciência.A Natureza guarda suas
verdades que somente com muito trabalho, esforço, compreensão e proposição
audaciosas de teorias pode ser revelada.
Crenças Céticas III - Ceticismo dogmático
"Até que um dia percebi que seu ceticismo não era uma postura de busca da
verdade, mas uma filosofia que se usavam para manipular os dados conforme
suas crenças. Essa filosofia era de natureza pseudo intelectual e costumava
desacreditar e invalidar quem quer que propusesse uma evidência. Infelizmente
esses céticos pensam que podem fazer uso da semântica e regras de sua filosofia
para apagar a evidência da realidade! Pensam que podem invalidar eventos
objetivos da vida real de natureza paranormal colocando rótulos sobre eles ou
citando teoremas e axiomas do tipo 'evidências anedóticas não são válidas', 'apelo
à autoridade', 'argumento da falácia ad populum' dentre outros. De fato, tentam
usar a semântica para apagar a realidade objetiva. Infelizmente para eles, a
natureza não funciona desse jeito." (Wiston
Wu, www.australianparanormalsociety.com).
Como já são bem conhecidas as táticas que fundamentam o ceticismo dogmático,
recomendamos a leitura do post 'Pseudo-skeptical arguments of the Paranormal'
disponível em www.australianparanormalsociety.com. Abaixo fazemos uma
tradução adaptada para nossa discussão.
1) "Isso não pode ser, portanto, o fato não é verdade!" Ignorar fatos ou
evidências que não se enquadram em suas crenças ou concepções pré-estabelecidas
do mundo. Isso é feito sem modificação ou atualização das crenças para que se
conformem os fatos, o que é mais lógico. Esse processo é conhecido como
racionalização por dissonância cognitiva.
2) Tentar forçar falsas explicações para explicar um evento paranormal,
independentemente de se encaixarem ou não aos fatos. Em essência, céticos
dogmáticos preferem inventar falsas explicações ao invés de aceitar as que se lhe
são apresentadas e que sugerem a transcendentalidade das causas associada aos
fenômenos espíritas ou paranormais. Por exemplo, o uso sistemático da hipótese da
"leitura fria" (cold reading) para explicar a precisão surpreendente da informação
trazida por médiuns quando se sabe que tal explicação não dá conta dos fatos e
circunstâncias em que os fenômenos ocorrem.
3) Mudança frequente nas regras que estabelecem os critérios de evidência que o
ceticismo dogmático deseja que seja cumprido. Exemplo: um cético dogmático
exige experimentos controlados e não o que chamam de 'evidências anedóticas'
(esse termo tem caráter claramente pejorativo). Quando isso é feito, ele muda
novamente as regras e exige que os experimentos sejam repetidos por outros
pesquisadores. Quando isso é feito, o cético dogmático passa a atacar a integridade
dos pesquisadores e o seu caráter, atacar os métodos ou exige relatórios dos mais
pormenorizados detalhes do experimento. Caso contrário, rapidamente passa a
considerar uma evidência de falta de controle como resultando na 'explicação' para
o fenômeno. Sempre achará uma desculpa que valida seu ponto de vista
preresolvido. Surgiu uma evidência extraordinária ? mude as regras das evidências
que elas deixam de ser...
4) Usar 'dois pesos e uma medida' para considerar as evidências. Não aceitam o que
chamam de 'evidência anedótica' para fenômenos psíquicos, pois as consideram
não confiáveis. Surpreendentemente, porém, aceitam de braços abertos quando tais
evidências suportam seus pontos de vista. Também a aceitam se tais evidências
circunstanciais depõem contra os fenômenos (um marca inquestionável de postura
tendenciosa). Exemplo: 'ninguém nunca reportou nenhum fenômeno paranormal
por aqui', ou 'ele/ela disse outra coisa'. Quando um experimento feito em
laboratório mostra de forma clara a transcendentalidade da evidência eles não a
aceitam. Mas se algum experimento mostra apenas uma probabilidade para essa
explicação, então eles tomam o experimento como como claramente contrário à
evidência;
5) Atacando a personalidade das testemunhas ou a credibilidade das evidências por
elas fornecidas quando não há como aceitar essas evidências. A tática se assemelha
a dos políticos que, ao perceberem que não poderão ganhar uma eleição, recorrem a
afirmações descabidas contra o adversário. Quando uma evidência tem como
origem uma testemunha chave que não podem ser desprezada ou refutada, os
céticos dogmáticos encontram uma maneira de desacreditar a mesma seja através
da contra caracterização de suas personalidades, ou exagerando/distorçendo
eventuais erros triviais que elas tenham cometido.
6) Desconsiderando todas as evidências para os eventos, seja considerando-os
anedóticos (um termo claramente pejorativo), não testáveis, irreplicáveis ou sem
controle. Céticos que se fecham para qualquer evidência, mesmo depois de
perguntarem por ela de forma irônica, tendem a agir desse modo, conforme as
posturas descritas acima. Ainda que a evidência seja na forma de experimento bem
feito, eles a descartaram considerando irreplicável ou sem controle.
As características que definem o ceticismo dogmático ou pseudoceticismo revelam
na verdade forças psicológicas que não são distintas do estado de fanatismo em que
muitos crentes convictos se apresentam. Por incrível que pareça, é como se as
mesmas forças operassem tanto dentro do fanático como do pseudocético. Mas
entre o cético dogmático mais tenaz e a postura de prudência que nós devemos ter
ao se deparar com anomalias relatadas em primeira mão, existe uma infinidade de
estados.
Certamente o ceticismo é necessário - não temos dúvida disso - para a vida diária.
De certa forma, o ceticismo é como um remédio que deve ser ingerido na dosa certa
pois, se tomado em excesso gera intoxicação. Mas antes de analisar com mais
detalhe a questão do ceticismo e sua postura diante dos fatos espíritas, convém
estudarmos também um pouco dos fundamentos da ciência, como ela opera e sobre
qual autoridade repousam seus fundamentos.
Será que a autoridade da ciência repousa na autoridade dos cientistas? Será que
cientistas, enquanto homens fora de sua área específica estão autorizados a emitir
julgamentos a respeito de fatos que não conhecem? O que diferencia em mais alto
grau a ciência da religião?
Tais são as questões a que nos dedicaremos na próxima postagem.
Crenças Céticas - II Fundamentos do Ceticismo.
"Existem duas maneiras de ser enganado: uma é acreditar no que não é verdade e
a outra é recusar-se a acreditar naquilo é." Søren Kierkegaard
A. Xavier.
O que é ceticismo? Essa é a primeira pergunta a se fazer. Hoje, é comum encontrar
argumentos céticos em grupos que discutem ou rebatem a possibilidade de
fenômenos anômalos (os eventos psíquicos são apenas um subconjunto desses que
engloba também as ocorrências de objetos voadores não identificados ou,
simplesmente, OVNIS). Segundo esse grupo de pessoas, a Ciência - entendida em
uma concepção particular - não sustenta, aprova ou comprova a existência desses
fenômenos. Em outras palavras, os céticos das anomalias chamam para si a
autoridade da ciência para fundamentar sua opinião.
Mas enquanto esse movimento cético possa parecer hoje em dia algo bem moderno,
isso está longe de ser verdade. Desde quando houveram pessoas que acreditaram
em alguma coisa (a imensa maioria), houveram ao seu lado os que sempre
duvidaram. Como a dúvida é a ausência da crença, para se estabelecer como
verdade a respeito de um determinado fato (não importa qual seja ele), é preciso
fundamentar a dúvida em princípios e são tais esses princípios que pretendemos
dicutir aqui.
Na filosofia estabelecida como disciplina de estudo, conta-se que Pirro de Elis (~
300 a. C) pregava a postura da ataraxia (paz da mente) ou falta de preocupação
com relação ao conhecimento das coisas, pois ele duvidava que pudéssemos em
realidade conhecer qualquer coisa. Pirro pregava assim a acatalepsia ou
impossibilidade de qualquer conhecimento. O ceticismo filosófico origina-se assim
da crença dos Skeptikoi ou escola de filósofos que não afirmavam absolutamente
nada, mas apenas davam sua opinião. A atuação dos céticos foi importante para o
desenvolvimento da filosofia. No hinduísmo, a escola Karvaka (por volta de 500 a.
C) pregava a linha de pensamento materialista ou de oposição à qualquer tipo de
crença. Vê-se assim que a argumentação cética que se contrapõe à crença de
qualquer tipo ou à possibilidade de conhecimento não é coisa moderna.
Nas ciências - entendida como atividade dos cientistas tendo suas próprias regras e
proposições de raciocínio - o cetismo é comumente acreditado como tendo um
papel importante. É comum - embora errado - dizer que os cientistas são céticos.
A postura cética, dependendo do momento e da maneira como é feita, pode tanto
ajudar como prejudicar o desenvolvimento científico. Há vários exemplos na
História da Ciência sobre isso.
Ao se estabelecerem como verdades provisórias, as teorias científicas precisam
erger sistemas de proteção que impeçam a modificação não desejada desses
princípios. Justamente por não ser necessário 'comprovar' sempre determinadas
verdades é que se organizam as ciências na forma de um corpo de princípios ou
'doutrina'. Essa doutrina científica - que é, em essência a teoria, não pode ser
modificada ao longo do processo de investigação na medida em que mais fatos a
corrorborarem. Existe assim uma orientação (ou heurística) que impede que as
ciências sejam modificadas. Muitas vezes, essa heurística orientadora de proteção
dos princípios de conhecimento é confundida com o ceticismo. Ela é, na verdade,
uma postura de proteção, pois sua tarefa é proteger o conhecimento, sem fechá-lo a
novas investigações.
Para que seja genuíno em sua aplicação, essa postura tem que se expressar na
forma de uma linguagem ou teoria científica. Qualquer coisa fora disso pode ser
denominado de ceticismo ordinário e não guarda qualquer relação com a Ciência.
Assim, podemos definir o cético de forma geral (de acordo com o Webster's Revised
Unabridged Dictionary) como alguém que:
"Não está decidido quanto ao que é verdadeiro, alguém que está buscando o que é a
verdade, um pesquisador de fatos e raciocínios."
Aqui, no ceticismo ordinário, como postura de direito inalienável de cada um diante
de fatos do mundo, existem uma infinidade de posicionamentos. Para cada
posicionamento, uma virtude ou defeito gerará esse ou aquela consequência para a
pessoa. Como o referêncial de verdade é, muitas vezes, a própria individualidade
(embora muitos céticos digam que é a Ciência), há que se julgar a postura cética de
acordo com as consequências que ela gera.
Na considerações sobre o ceticismo, é preciso antes discutir onde estão os alicerces
para o estabelecimento de afirmações sobre o mundo. De forma muito simples, ao
longo da história das ciências e da filosofia foi possível ver que muitas vezes os
fundamentos para o conhecimento estão estabelecidos na autoridade - seja de
determinados textos considerados sagrados ou na pessoa de cientistas de
renome.Veremos com certo detalhe essa questão da autoridade mais para a frente
quando estudarmos os verdadeiros alicerces que fundamentam o conhecimento
científico genuíno.
Muitas vezes também o ceticismo tem como força motriz a própria individualidade
ou personalidade do cético e ai aparecem considerações sobre psicologia, onde
paixões mais elementares tais como orgulho ou inveja entram em cena. Há pessoas
que duvidam simplesmente pelo prazer de se duvidar, sendo que a busca pela
verdade quase que nenhum papel toma parte. Outras se admiram com a atenção
dispensada pela maioria a determinadas pessoas envolvidas com fenômenos (como
é o caso dos eventos psíquicos) e passam a atacar de forma sistemática a
personalidade do envolvido. Essa admiração gera a raiva que se prende à inveja ou
desejo de atrair a mesma atenção para si. Veremos também alguns fundamentos
psicológicos para as crenças céticas.
Pseudoceticismo
‘A Ciência ainda não comprovou que existe vida após a morte nem que existem
Espíritos’.
No pseudoceticismo parte-se de premissas que invocam a autoridade da ciência
para contradizer ou invalidar explicações para muitos eventos psíquicos (mas não
adstritos apenas a esses) tais como: possibilidade da sobrevivência, comunicação
com inteligências incorpóreas, experiências ou vivências variadas anômalas como
as de quase-morte que afirmam a independência da consciência do funcionamento
do cérebro dentre outras.
Uma simples análise pelos campos bem definidos do conhecimento científico atual
mostra que inexistem disciplinas associadas ou criadas para estudar os fenômenos
anômalos. Ou seja, temos aqui o problema do objeto de estudo. Como podem
céticos dogmáticos invocar a autoridade da Ciência para invalidar explicações ou
mesmo negar certos fatos que essas Ciência não estuda? A única ciência que se pode
invocar nesses casos é a que eles criam segundo suas próprias crenças, as crenças
céticas.
Com relaçao a anomalias, é importante dizer que existem dois tipos:
1. Anomalias que ocorrem dentro de um determinado paradigma científico ou teoria;
2. Anomalias que não se relacionam a qualquer teoria científica, caracterizando
eventos de natureza diferente do escopo de aplicação das ciências ordinárias.
As anomalias do primeiro tipo são tratadas de forma específica dentro do
desenvolvimento de uma determinada ciência bem estabelecida. Isso porque são
descritas em termos de uma linguagem específica, a linguagem da teoria. Elas
levam a uma situação de crise dentro do paradigma aceito que é resolvido pela
proposição audaciosa de novas explicações. Ao se incorporarem na forma de novos
paradigmas, tornam-se fatos que suportam novas teorias.
As anomalias do segundo tipo, sendo órfas de uma disciplina científica específica
são território selvagem, ou seja, terras novas onde provavelmente objetos de estudo
peculiares devem ser reconhecidos. Mas reconhecidos por quem? Pelos cientistas
das ciências que não estudam esses fenômenos? Então só podem ser validados e
estudados por quem se disponha a aceitá-los primeiramente tais quais se
apresentem.
Invocar a autoridade de Ciências que se estabeleceram para estudar assuntos
específicos para invalidar ou contradizer fatos considerados anômalos ou que
contradigam à experiência ordinária é o mesmo que pretender usar um médico
como revisor de um trabalho de física, ou um físico para aprovar certas
considerações de um biólogo. Em tudo há a necessidade de se consultar
especialistas, mas, no caso dos fenômenos psíquicos e espíritas eles não podem ser
encontrados entre os especialistas das ciências ordinárias como querem muitos
céticos dogmáticos. Isso é um absurdo lógico que passa despercebido em muitas
discussões céticas.
Mas qual a causa disso? Uma análise simples revela que a causa é a necessidade de
trazer para si uma autoridade, para que sua argumetação tenha valor. A Ciência –
ou melhor sua autoridade – é invocada para validar as crenças céticas.
Crenças céticas I - Introdução
"Existem duas maneiras de ser enganado: uma é acreditar no que não é verdade e
a outra é recusar-se a acreditar naquilo é." Søren Kierkegaard
Por A. Xavier
Introdução
A movimentação pública em torno de eventos psíquicos, revelações mediúnicas,
proposições sobre vida após a morte e reencarnação com base em noticiário da
mídia, faz surgir contingente de céticos que se esforçam para tentar refutar (em
inglês, 'to debunk') não só a explicação transcendente para essas ocorrências como
as próprias ocorrências.
A maioria dos blogs e sites sobre ceticismo, pretende cobrir a falsidade e expor o
embuste, apresentando as mais variadas 'explicações' para os fenômenos as quais
eles denominam 'explicações naturalistas' ou 'explicações plausíveis' (lê-se,
"aquelas em que nós acreditamos"). O nome 'naturalista' evoca um apelo à ciências
naturais, como se estas pudessem embasar a crítica à manifestações dos Espíritos
ou as inegáveis evidências de reencarnação, além de outros fenômenos insólitos.
Ao invés de discutir cada explicação e cada tentativa de refutação, é conveniente
expor argumentos verdadeiramente plausíveis que fundamentam a 'crença cética'.
Iremos aqui, em uma sequencia de posts, estudar alguns fundamentos filosóficos do
ceticismo tanto para aquele que podemos considerar 'ceticismo genuíno' como
outro que poderíamos denominar, falso ceticismo ou 'pseudoceticismo'. A maior
parte das críticas que recaem sobre as ocorrências psíquicas tem como origem o
segundo tipo de ceticismo que é, a bem da verdade, bastante dogmático em sua
maneira de ver o mundo.
Através dessa análise poderemos compreender os argumento verdadeiramente
céticos ou não e suas reais disposições e, com isso, economizar tempo. Em toda e
qualquer argumentação, subsistem fundamentos ou princípios de raciocínio que
constitutem um 'método' de apreensão da realidade externa e de análise dessa
realidade, dentro dos paradigmas internos ou crenças de cada um.
O que é ceticismo? Será que a Ciência invalida os fenômenos psíquicos? Será
mesmo que não existem provas para essas ocorrências? Sobre quais bases se pode
seguramente estabelecer a verdade sobre muitos eventos considerados anômalos e
colocados em dúvida pelo pseudoceticismo? Essas são apenas algumas questões
que iremos analisar.
O objetivo destes posts é estudar o fenômeno do ceticismo e apresentar
argumentos, além do simples 'não acredito' dos céticos dogmáticos, para
compreender que há mais coisas em comum entre os pseudocéticos e os crentes
mais cegos, do que se pode imaginar...
O grande livro da Natureza
Por A. Xavier
O Universo não pode ser lido até que se aprenda a linguagem e se familiarize com
os sinais nos quais ele é escrito. Ele é escrito em linguagem matemática e suas
letras são triângulos, círculos e outras figuras geométricas sem as quais é
humanamente impossível entender uma única palavra. (Galileo Galilei, Opere Il
Saggiatore p. 171.)
Assim em resumo podemos dizer:
O “Livro da Natureza” é o último grande livro que começamos a folhear. Foi escrito
desde o início dos tempos por um autor único. Está escrito em linguagem própria,
não inventada pelos homens e só admite uma única interpretação. É também um
código de leis que se aplica a todos os objetos do mundo, governando
soberanamente a relação entre causas e efeitos. Não pode ser copiado, embora
possa ser imitado e os homens muitas vezes se maravilham ao descobrir passagens
ocultas que manifestam uma estrutura admirável, uma regularidade encantadora se
não ao mesmo tempo assustadora. O conteúdo desse livro é infinitamente mais
vasto do que tudo aquilo que aprendemos a ler nele, assim como infinitamente mais
amplo do que tudo que sabemos, indicando a existência certa de pormenores, leis e
verdades nunca dantes imaginados.
Se admitirmos que o mundo não é só constituído por elementos materiais mas
também por elementos espirituais, assim como existem leis nesse livro que se
aplicam a estes primeiros elementos, devem existir também leis apropriadas a se
aplicar aos últimos. Por isso é que dizemos que o conteúdo do livro da Natureza é
ignorado em sua grande parte. É importante não confundir as teorias científicas
com o próprio conteúdo do livro da Natureza. As teorias científicas são esboços
escritos em linguagem humana (quer dizer, apropriada à compreensão pela mente
humana) sobre a estrutura desse livro, que tem existência independente. Diz-se,
freqüentemente, que os cientistas revisam constantemente suas teorias. Não é
porque a natureza tenha mudado mas porque o que se compreendeu a partir de
uma primeira leitura de seu livro foi interpretada erroneamente. Mas certamente,
nenhuma descrição ou previsão humana se sustenta se estiver em desacordo com
o grande livro da Natureza. Conflitos entre a ciência e a religião se originam
principalmente pela deficiência que grupos religiosos tem em compreender a
existência desse livro. Essa deficiência é fruto da ignorância e ou da presunção
humana em sustentar que Deus poderia ser parcial para com determinado grupo. É
certo que a comunidade científica reconhece o caráter mutável das teorias da
ciência, mas é altamente suspeito a posição de grupos religiosos que pretendem ter
a “verdade a todo custo” baseando-se na intepretação literal de textos e sua
generalização a qualquer assunto. Assim como a humanidade tem passado por um
lento processo de conhecimento científico, todo a cultura religiosa não fugirá de ser
comparada a verdade contida no grande livro da Natureza.
Bem vindo à Era do Espírito
Sejam todos bem vindos à 'Era do Espírito', weblog que pretende discutir aspectos e
temas relacionados à espiritualidade, espiritismo, ceticismo, religião e ciência.
Esperamos que este seja um espaço dedicado à discussões bem fundamentadas e
profundas sobre assuntos que irão inaugurar uma nova época na história da
humanidade.
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