DO MOVIMENTO
LÓGICO E HISTÓRICO À
ORGANIZAÇÃO DO ENSINO
O PERCURSO
DOS CONCEITOS
ALGÉBRICOS
série educação matemática
Conselho Editorial
Arlete de Jesus Brito – Departamento de Educação, Unesp/Rio Claro
Dione Lucchesi de Carvalho – Faculdade de Educação, Unicamp
Rosana Giaretta Sguerra Miskulin – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Unesp/Rio Claro
Vinicio de Macedo Santos – Faculdade de Educação, USP
Maria do Carmo de Sousa
Maria Lucia Panossian
Wellington Lima Cedro
DO MOVIMENTO
LÓGICO E HISTÓRICO À
ORGANIZAÇÃO DO ENSINO
O PERCURSO
DOS CONCEITOS
ALGÉBRICOS
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Sousa, Maria do Carmo de
Do movimento lógico e histórico à organização do ensino : o
percurso dos conceitos algébricos / Maria do Carmo de Sousa,
Maria Lucia Panossian, Wellington Lima Cedro. -- Campinas,
SP : Mercado de Letras, 2014. -- (Série Educação Matemática)
Bibliografia.
ISBN 978-85-7591-334-5
1. Álgebra - Estudo e ensino 2. Matemática -- Estudo e ensino
3. Prática de ensino 4. Professores – Formação profissional 5.
Sala de aula – Direção I. Panossian, Maria Lucia. II. Cedro,
Wellington Lima. III. Título. IV. Série.
14-11003
CDD-370.71
Índices para catálogo sistemático:
1. Álgebra : Professores de matemática :
Formação profissional : Educação 370.71
capa e gerência editorial: Vande Rotta Gomide
preparação dos originais: Editora Mercado de Letras
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a
1 edição
NOVEMBRO/2014
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Sumário
Prefácio
CONCEITOS ALGÉBRICOS: DO
MOVIMENTO LÓGICO-HISTÓRICO À
ORGANIZAÇÃO DO ENSINO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Manoel Oriosvaldo de Moura
Introdução
A MATEMÁTICA E O
DESENVOLVIMENTO HUMANO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1. CONCEPÇÕES DE ÁLGEBRA E DE
SEU ENSINO: UM PANORAMA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2. QUAL É O PROBLEMA COM O
ENSINO DA ÁLGEBRA?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
3
O MOVIMENTO LÓGICO E HISTÓRICO DOS
CONCEITOS ALGÉBRICOS: QUESTÕES
FILOSÓFICAS E EPISTEMOLÓGICAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
4. O LÓGICO-HISTÓRICO NAS
ATIVIDADES DE ENSINO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
5. DANDO MOVIMENTO AO ENSINO
DA ÁLGEBRA NA EDUCAÇÃO BÁSICA:
CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169
REFERÊNCIAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173
Prefácio
CONCEITOS ALGÉBRICOS:
DO MOVIMENTO LÓGICO-HISTÓRICO
À ORGANIZAÇÃO DO ENSINO
Ter nas mãos mais um livro é o segundo ato de quem se
vê impelido a melhor conhecê-lo. O primeiro foi certamente o
olhar sobre o título. A síntese que ele representa para quem o
ler é que determina o primeiro impulso do leitor que até aquele
momento movia-se pelo simples gosto e talvez vício, de se
deliciar pela busca de leituras que possam dar-lhe o prazer de ler
o que os outros escreveram. O título é este convite a um começo
de cumplicidade com quem se sente impelido a melhor conhecer
aquele que ou por prazer ou por necessidade se viu impelido a
querer se comunicar com outros em busca de melhor se fazer
compreender ou, quem sabe, de se manter o desafio de ir se
aprimorando no seu modo de ler e expressar o mundo ao testarse na exposição da crítica.
Quando recebi os escritos que gentilmente me
presentearam para que lesse e fizesse um prefácio tive a mesma
sensação do leitor curioso diante de estantes de livros a procurar
respostas inquietantes de leitores ávidos por leituras de livros
DO MOVIMENTO LÓGICO E HISTÓRICO À ORGANIZAÇÃO DO ENSINO ...
7
a espera de quem os ache, os pegue e os leve para serem
compartilhados em verdades que se movimentam de escritor a
leitor e que potencialmente poderão encontrar neste um modo
de fazê-lo novo dado a qualidade de pessoa que se tornará pelo
novo que aprendeu.
Destaco este aspecto da relação do leitor com o livro
para deixar claro a minha condição de leitor e que aqui se expõe
em condição prefaciador, ou apresentador do que ler. O faço
seguindo dois parâmetros: o primeiro é aquele que me define
como sujeito que sou pela impregnação da cultura vivenciada
e apropriada que me forjou como pessoa. O segundo e que é
parte marcante do primeiro, é a minha história de professor de
matemática e professor de quem estuda para ser professor. É
nesta última condição que me senti mobilizado para a leitura
deste livro do qual vos falo.
Por quê mais um livro que trata do ensino de matemática?
E por quê um específico para o ensino de álgebra? São estas
perguntas que me mobilizam para uma reflexão sobre o potencial
do livro. E vejo isto nos seguintes aspectos: os seus autores são
professores que têm experiência com diferentes níveis de ensino
de matemática; são formadores de outros professores que têm
como objeto o ensino de matemática, na escola básica e no
ensino superior; têm formação referenciada em bons centros de
referência de ensino e pesquisa. Faço esta observação seguindo
um pouco o roteiro do leitor que vai à orelha do livro para saber
sobre seus autores para avaliar o potencial de impacto que a sua
escrita poderá ter sobre mim. No meu caso tem uma diferença
fundamental: os conheço pessoalmente e tive parte da minha
história misturada a deles. Fomos criando cumplicidade no
nosso modo de fazer a vida. Desse modo tenho uma melhor
compreensão sobre o modo deles criarem suas respostas sobre
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SÉRIE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA – EDITORA MERCADO DE LETRAS
as inquietações que compartilham. De certo modo elas também
são minhas.
O ponto fundamental que nos une é a convicção que
fomos criando juntos sobre o papel da educação escolar: o de que
ensinar é, sobretudo, dar sentido ao que deve ser aprendido. E
aprender um conceito é apropriar-se de um instrumento cognitivo
e do modo de usá-lo. Esta afirmação que parece tão simples
encerra uma história de certezas e de negações do que parecia
certo. Aprendizado sobre os processos humanos de construir as
suas verdades referenciadas nos seus fazeres e nos fazeres dos
outros que nos acolhe e nos insere nas coletividades para que
nelas possamos entrar no movimento contínuo do humanizar-se.
Sim, o acolhimento na comunidade não deveria ter outro papel
que não o de possibilitar que os sujeitos se apropriem dos bens
culturais já produzidos e que ao lidar com eles adquiram também
o modo de se fazer humano.
A Educação Matemática, que é objeto central do livro em
pauta, transforma-se no desenrolar de sua tessitura em educar
com a matemática. E por que? Porque o modo como os conceitos
vão sendo expostos vai ficando evidente o modo humano de
fazer esses conceitos. Os ensinamentos de Bento de Jesus Caraça
sobre o movimento histórico dos conceitos e seus processos de
sistematização para permitir a universalização da cultura humana
se coadunam com os preceitos vigotskianos e leontievianos sobre
o modo humano de apropriação do conhecimento.
De Vygotsky os autores nos trazem a impregnação
dos seus ensinamentos revelados no modo como defendem
os processos de ensino e aprendizagem. Fica evidente que o
tratamento dos conceitos da álgebra só poderiam ser sustentados
tendo por base o movimento histórico que vai lhe constituindo
como processo de abstração constante que tange o homem rumo
a generalização em que o signo tem papel fundamental. Este
DO MOVIMENTO LÓGICO E HISTÓRICO À ORGANIZAÇÃO DO ENSINO ...
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processo histórico foi entendido e revelado mais especificamente
por Leontiev ao nos mostrar de que modo o homem constrói
significados nas atividades motivadas por alguma necessidade. A
história do conceito, tão presente neste livro, nada mais é do que
a aprendizagem dos autores sobre os processos de significação
dos atos humanos no seu movimento de produzirem a vida e de
nesse processo partilharem aprendizagens que foram se fixando
nos objetos e nas palavras que hoje nos permitem continuar
a produzi-la em patamares de conhecimento cada vez mais
complexos e multifacetados.
É a compreensão do conceito como movimento histórico
que é produto da solução de problemas advindos de necessidades
surgidas nas lidas humanas e de que ao fazer o homem também
se faz, como já nos ensinara Marx, que orquestra e dá unidade
ao livro proposto. O par lógico-histórico é a síntese advinda de
Kopnin ao defender a indissociabilidade entre o histórico e o
lógico, pois seria impossível uma lógica desprovida do fazer
objetivo do homem.
Ao tomarem o par lógico-histórico do conceito como
norteador da análise sobre os processos de ensino e aprendizagem
da álgebra os autores procuram nos colocar em sintonia sobre o
que defendem como sendo o modo de conceber e fazer o ensino
da álgebra. A ênfase nos processos históricos como sendo o modo
de compreender a significação dos conceitos algébricos nos
dão o norte sobre o modo de apropriação dos seus significados
seguindo os preceitos vigotskianos e leontievianos sobre os
significados dos conceitos na relação entre ensinar e aprender.
Fica evidente que o ensinar é ato consciente do educador
que assume para si de forma intencional o papel de organizador
de situações de ensino que possibilitem a apropriação de
conceitos de modo que estes sejam ferramentas simbólicas
capazes de munir os sujeitos de instrumentos e modo de usá-los
para aprimorar cada vez mais os seus processos de construção
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SÉRIE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA – EDITORA MERCADO DE LETRAS
da vida. Estes processos, se compreendidos como constante
aprimoramento da humanidade, não têm fim.
O par lógico-histórico muda para par histórico-lógico
nas ações de ensinar. O ato do educador é o de apreensão do
movimento histórico do conceito para daí retirar o que considera
como sendo relevante para ser sistematizado na escola como
conteúdo de ensino. É por isto que a história do conceito deve
ser vista não como ilustradora do que deve ser ensinado. Ela é o
verdadeiro balizador das atividades educativas. Os conceitos são
sínteses produzidas na história humana, já nos dizia Vygotsky.
Este ensinamento nos dá o norte do ensino, da organização
curricular, da organização das atividades de ensino.
A organização das atividades de ensino que os autores
nos apresentam são reveladores do quanto concretizam o que
defendem como fundamento teórico de suas compreensões
sobre o desenvolvimento da álgebra. Também revelam como
compreendem os processos humanos de apropriação dos
conceitos. Os problemas de aprendizagem são potencialmente
mobilizadores dos sujeitos para coloca-los em atividade de
estudo seguindo os pressupostos Davidovianos sobre os modos
de organização do ensino numa perspectiva histórico-cultural.
A história, o jogo e seu potencial lúdico e desencadeador da
busca de significado das ações desenvolvidas pelos sujeitos que
participam das atividades de ensino e aprendizagem, invertem o
par lógico-histórico nas ações de ensino para o histórico-lógico
por ser este o modo de organizar o ensino como o professor que
toma consciência dos objetos e dos instrumentos que os realizarão
como sujeitos plenos de consciência dos seus atos. Nesse sentido
digo que o livro é sobre educação matemática, mas é mais que
isto: é exemplo de que se educa com a matemática.
Manoel Oriosvaldo de Moura
DO MOVIMENTO LÓGICO E HISTÓRICO À ORGANIZAÇÃO DO ENSINO ...
11
Introdução
A MATEMÁTICA E O
DESENVOLVIMENTO HUMANO
A procura incansável pelo controle da natureza, do poder,
do capital, das quantidades etc., faz parte da condição humana. A
necessidade constante de manter esse controle sobre as condições
da realidade objetiva faz com que os indivíduos se organizem
e criem seus próprios modos de ação sobre essa realidade.
Consequentemente, produzem conhecimento e desenvolvimento,
gerando experiências que vão sendo acumuladas historicamente.
A manutenção desses modos de ação requer um tipo de
educação intencional que possibilite à sociedade uma fonte de
recursos humanos capazes de promover os avanços considerados
necessários para o desenvolvimento social, cultural, econômico
etc. A educação intencional ou propositada surge, portanto,
como um elemento para equilibrar conteúdos e métodos de
ensino com os desejos impostos pelo constante movimento de
controle do meio, criação e manutenção de modos de produção e
desenvolvimento de grande parte da humanidade.
DO MOVIMENTO LÓGICO E HISTÓRICO À ORGANIZAÇÃO DO ENSINO ...
13
Esse movimento constante faz com que questões
relacionadas ao o que, quando e como ensinar estejam sempre
presentes nas pautas de discussão da educação, considerada
sempre intencional. Contudo, as respostas a essas questões
dependem das condições objetivas em um dado momento
histórico da sociedade.
Por exemplo, com o período de desenvolvimento
industrial, iniciado no século XIX, a educação pautou-se na
aprendizagem do saber fazer, ou seja, no desenvolvimento
máximo da educação de treinamento que era voltada para a
manipulação das máquinas. Esse modelo educacional praticava,
portanto, uma educação treinadora, uma educação ‘bancária’ utilizando os termos da Pedagogia de Paulo Freire -, voltada para
uma realidade industrial, uma realidade que requeria máquinas
humanas operadoras de algoritmos (Lima 1998).
E atualmente, em pleno século XXI, quais são as
demandas relacionadas ao ensino e à aprendizagem? Não
podemos desconsiderar que estas demandas estão vinculadas às
necessidades e aos motivos das mais variadas ordens, que põem
em constante movimento a educação.
Nesse sentido, vale a pena ressaltar que a história temnos mostrado que, praticamente, todos os sujeitos, em vários
momentos, têm como objetivo conseguir condições de vida
adequadas para a sua existência. Algumas condições que
encontramos atualmente mantêm o ser humano vivendo um
misto de sentimentos de desencanto e desilusões referentes, por
exemplo, à persistência das desigualdades no desenvolvimento
mundial; às tensões vividas tanto entre nações como entre grupos
étnicos; à necessidade de se aprender a viver na chamada ‘aldeia
global’; os avanços tecnológicos etc.
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SÉRIE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA – EDITORA MERCADO DE LETRAS
Apesar desses sentimentos de desencanto ou em
virtude deles, a educação é chamada a desempenhar papel
preponderante para a construção de um mundo melhor, pautado
no desenvolvimento sustentável dos homens, na compreensão
mútua entre os povos e numa vivência concreta e renovada da
democracia.
Essa demanda no século XXI faz com que se apresente
um novo motivo para a educação e, portanto, uma nova atividade
educativa, pedagógica. Essa nova organização exige também
mudanças de concepção de educação e, por consequência, do
modelo de ciência adotado. E aqui valem as recomendações de
Caraça (1951 [2002]), de que devemos deixar de olhar a ciência
como uma coisa criada, com um aspecto todo harmonioso, no
qual não há contradições, dúvidas, hesitações. Para ele (1951
[2002, p. xxiii, grifo do autor]), devemos conceber a ciência
“como um organismo vivo, impregnado de condição humana,
com as suas forças e as suas fraquezas e subordinado às grandes
necessidades do homem na sua luta pelo entendimento e pela
libertação”, em outras palavras, “como um grande capítulo da
vida humana social”.
É assim com a ciência Matemática. Concebida como
um conhecimento acumulado pela experiência da humanidade,
também passa por momentos de dúvidas e incertezas, momentos
de força e de fraqueza. São muitos os produtos originados dessa
forma de conhecimento, conceitos formados e descartados,
conceitos elaborados e reelaborados. A Matemática, na condição
de conhecimento científico, tem imensas contribuições para o
processo de avanço do desenvolvimento da humanidade.
Podemos nos perguntar, neste momento: No processo de
formação do sujeito, do indivíduo, que papel a Matemática vem
desempenhando?
DO MOVIMENTO LÓGICO E HISTÓRICO À ORGANIZAÇÃO DO ENSINO ...
15
A Matemática é reconhecida como um dos conhecimentos
imprescindíveis na formação geral do indivíduo. O National
Council of Teachers of Mathematics (Nctm 2000, p. 5) postulou o
seguinte nas suas normas: “Neste mundo em movimento, aqueles
que compreendem e podem fazer Matemática terão aumentado
significativamente as suas oportunidades e opções para planejar
seus futuros”.1 D´Ambrosio (1996) aponta que a Matemática deve
ser considerada como um fator de progresso social, de libertação
individual e política, cujo foco central é o processo de criação de
ideias. Mas não um processo isolado, vazio, e sim um processo
dinâmico que tem fundamento no desenvolvimento histórico do
conceito. Para ressaltar a relevância do ensino da Matemática
no movimento histórico da sociedade, basta lembrarmos que o
desenvolvimento do pensamento matemático, em particular da
linguagem matemática, possibilitou a construção dos primeiros
instrumentos modernos, isto é, das primeiras máquinas modernas.
Contudo, apesar de grande parte das propostas
curriculares sugerirem que o ensino da Matemática possibilite
o desenvolvimento dos sujeitos em toda a sua dimensão, o
que encontramos em muitas escolas é uma aprendizagem dos
conhecimentos matemáticos que se restringe à manipulação
algorítmica, ao estudo das regras operacionais. A Matemática
é concebida somente como uma forma de oferecer uma
instrumentação técnica (Moises 1999). Isso contribui para o
‘encapsulamento’ da aprendizagem escolar, que é a dissociação
entre o ensino escolar e a vida fora da escola.
Elkonin (apud Davydov 1986[1988, p. 19, grifo do
autor]) afirma que “o ensino libera seu papel principal no
desenvolvimento mental primariamente através do conteúdo
1.
Todas as citações das obras em língua estrangeira foram traduzidas pelos
autores desta obra.
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SÉRIE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA – EDITORA MERCADO DE LETRAS
do conhecimento a ser assimilado”. E novamente nos vemos
diante das perguntas, o que ensinar, como ensinar, quando
ensinar. Ainda que não questionemos o fato de o conhecimento
matemático se manter presente em nossas escolas, é necessário
constantemente rever que conceitos matemáticos são essenciais,
e podem então ser transformados em conteúdos escolares que
objetivam o desenvolvimento do indivíduo tendo em vista a
humanização.
Além disso, é importante considerar que o mesmo objeto
de conhecimento pode ser captado como conhecimento empírico
(se forem analisadas suas características externas, na condição de
realidade autônoma fora de um sistema) ou como conhecimento
teórico (se o objeto for analisado em sua concretude, aqui
considerada como o conhecimento mais profundo e substancial
dos fenômenos da realidade) (Kopnin 1961[1978]).
E assim é também com o conhecimento matemático. Se
o ensino se caracterizar pelo empirismo, os avanços limitar-seão a promover nos sujeitos o reconhecimento de características
externas, visíveis, palpáveis, a memorização de regras, técnicas
e algoritmos. São avanços importantes, mas, se considerarmos
que é função da escola o ensino de conhecimentos científicos,
a partir das formas de pensamento, generalização e abstração
teórica, temos ainda um longo caminho a percorrer.
Nessa perspectiva, não é de se estranhar que a álgebra,
conhecimento científico teórico, um dos grandes ramos da
Matemática, seja um dos maiores empecilhos para que nossos
jovens passem pela escola sem reprovações ou sem dificuldades
na compreensão das ideias Matemáticas, ou seja, constitua-se
como uma das fontes principais da alienação dos estudantes
perante o processo de aprendizagem da Matemática, uma vez
que parece estar completamente dissociada da prática social.
DO MOVIMENTO LÓGICO E HISTÓRICO À ORGANIZAÇÃO DO ENSINO ...
17
Os conceitos algébricos, na condição de conceitos
científicos, no dizer de Vigotski (1934[2001]), têm uma linha
de desenvolvimento diferente dos conceitos espontâneos.
Dificilmente serão apropriados pelas vias de formação do
pensamento empírico, pois não se sustentam em características
visíveis e palpáveis. É necessário compreender os conceitos
algébricos dentro de um sistema de conceitos inter-relacionados
atribuindo significado aos seus símbolos, compreendendo os
processos de generalização realizados.
Ao analisarmos as formas de ensino da álgebra,
percebemos que há uma insuficiência das atuais práticas de
ensino, apontada em vários trabalhos, que geram uma série de
dificuldades para a aprendizagem da álgebra. Essas dificuldades
perpassam situações vinculadas à notação (Filloy 1987; Gallardo
e Rojano 1987; Kirshner 1987; Pereira-Mendoza 1987; Becker
1988; Gallardo e Rojano 1988; Herscovics 1989), à compreensão
insuficiente da aritmética (Kieran 1981; Booth 1989); a erros
relacionados à manipulação algébrica (Lewis 1981; Matz
1982; Sleeman 1986; Mcarthur, Stasz e Zmunidzinas 1990), à
compreensão do conceito de variável (Wagner 1981), à leitura
de expressões algébricas (Wenger 1987), à iniciação à álgebra
(Booth 1988[1995]), ao conceito de função (Markovits, Eylon e
Bruckheimer 1988[1995]) e outras mais.
Desse modo, apesar do reconhecimento da essencialidade
do papel que a álgebra e a Matemática têm para o desenvolvimento
psicológico dos sujeitos, essa situação não tem sido suficiente
para a organização de uma educação algébrica adequada.
Portanto, um grande desafio surge para todos aqueles envolvidos
com o ensino da álgebra e, consequentemente, da Matemática, é
o de promover a ressignificação dos conhecimentos algébricos.
Somente assim, nós conseguiremos tornar novamente a álgebra
uma disciplina que tenha relevância para os estudantes e também
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SÉRIE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA – EDITORA MERCADO DE LETRAS
possamos permitir que eles mesmos possam perceber a sua
importância.
Com o objetivo de trazer elementos que caminhem em
busca da superação desse desafio, neste livro nos propomos a
compreender algumas das concepções de álgebra e de seu ensino
que se apresentam (Capítulo1) e contribuir com a discussão
sobre qual é o problema com o ensino de álgebra, considerando
o processo empírico e teórico do pensamento e a formação de
conceitos (Capítulo 2); tendo como base os estudos do movimento
lógico e histórico dos conceitos algébricos, bem como seus nexos
conceituais (Capítulo 3). Procuraremos fundamentar algumas
implicações para o ensino e consequentemente para a formação
psíquica dos estudantes (Capítulo 4) e finalizaremos com a
apresentação e discussão de algumas atividades orientadoras
de ensino de álgebra fundamentadas na teoria histórico-cultural
(Capítulo 5).
Vale a pena ressaltar que as reflexões propostas neste livro,
bem como as atividades apresentadas, fizeram parte dos nossos
trabalhos acadêmicos, defendidos na forma de Dissertação de
Mestrado (Cedro 2004; Panossian 2010) e Tese de Doutorado
(Sousa, 2004). As atividades que constam no último capítulo já
frequentam as salas de aula há algum tempo e, constantemente,
estão sendo reelaboradas, na medida em que refletimos sobre elas
com os professores e futuros professores da Educação Básica,
graduação e pós-graduação.
Maria do Carmo de Sousa
Maria Lucia Panossian
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