Anúncios publicados em jornais do século XIX: análise
descritiva da posição de PPs em estruturas encaixadas
Jaqueline Massagardi Mendes
Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo - USP
Av. Prof. Luciano Gualberto, 403 – Butantã - São Paulo/SP - Brasil - CEP: 05508-900
Abstract: This paper tries to describe and analyse prepositioned phrases (PPs) in
embbeding structures, taking like corpus letters, theater and advertisements of
XIX century (For Brazilian Portuguese History Project corpus). In off, this
research studies constructions like “ quem der noticia delle” (who give notice of
him), that the argument stays in VP, and “ quem delle der noticia”, (who of him
give notice), that PP raises to left of element that selects its.
Keywords: prepositional phrase; raising; interpolation; focus; topic
Resumo: Descrevemos a posição de sintagmas preposicionados em estruturas
encaixadas tomando como corpus diacrônico cartas, teatros e anúncios
publicados em jornais do século XIX (corpus do PHPB). Em particular, estudamse construções como “quem der noticia delle”, em que o argumento permanece
em VP, e “quem delle der noticia”, em que o PP sofre alçamento e passa a
ocupar posição à esquerda do elemento que o seleciona.
Palavras-chave: sintagma preposicionado; alçamento; interpolação; foco; tópico
1. Introdução
Estudamos neste artigo a variação da posição dos sintagmas preposicionados
(doravante PPs) nas estruturas encaixadas(a), como os exemplos a seguir:
1a. Quem delles souber ou tiver noticia, e os apresentar ao anunciante, terá boas alviçaras
MG1829
1b. Quem souber della e der noticia do acima mencionado, receberá...MG1829
A diferença entre as duas sentenças é que em (1b) o PP acha-se na posição canônica
do complemento verbal; em (1a) o PP foi movido(b) para uma posição mais alta na
sentença.
O estudo do PP movido insere-se na área da Lingüística Histórica e visa a analisar a
posição de pouso do PP movido. Tomamos dois corpora para análise: os anúncios
publicados em jornais do século XIX, cartas de leitores/redatores e peças teatrais do século
também do século XIX. Os dados foram tratados de maneira estatística através da
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metodologia da sociolingüística quantitativa. Vale salientar que excluímos de nossos dados
os adjuntos sentenciais.
O trabalho está organizado da seguinte maneira: em (1) a introdução, na seção (2)
apresentamos a teoria que embasa o trabalho, na seção (3) apresentamos a descrição dos
dados e, por fim, em (4) fazemos as considerações finais.
2. A margem esquerda da sentença
Analisando a periferia esquerda da sentença, Rizzi (1995) desmembra a categoria
CP, que passa a abrigar as categorias semânticas de Tópico e Foco. Essas categorias,
quando ativadas, ficam inseridas em C, entre as especificações de Força e de Finitude que,
respectivamente, iniciam e finalizam o sistema C, como mostra o esquema abaixo:
Força... (tópico)...(foco)... Finitude [IP
As projeções de Força e de Finitude encerram o sistema CP, buscando
formalizar a comunicação entre o que há dentro e o que há fora da sentença. As
posições intermediárias, Tópico e Foco, nem sempre são ativadas. A projeção de
tópico é recursiva, podendo aparecer antes ou depois da projeção de foco, que, por
sua vez, é única.
No caso de sentenças relativas, o operador relativo precede necessariamente o
foco e o tópico:
NP operador relativo FOCO/TÓPICO
*NP FOCO/TÓPICO operador relativo
Para Rizzi, o fato de o operador relativo aparecer antes de tópicos e focos é
indício de que ele ocupa a posição de Spec de Força, posição estrutural acima
daquela ocupada pelo Foco/Tópico.
3. A posição do PP em orações encaixadas: descrição
No corpus do século XIX, formado de anúncios, levantamos 143 ocorrências de
PPs. Deste total, obtivemos um número de 78 casos de PPs movidos perfazendo 55% dos
dados. Os PPs movidos foram analisados em função de diferentes fatores morfossintáticos,
entre os quais: o tipo de preposição, a forma do complemento da preposição, a função
sintática do PP, a categoria do elemento que seleciona o PP, a posição do PP em relação ao
verbo e o tipo de sentença em que está inserido o PP movido.
A seguir apresentamos as tabelas que obtivemos a partir dos fatores
condicionadores e seus percentuais de PPs movidos, a começar da preposição que encabeça
o PP:
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2a. quem delle der noticia recebera seu premio BA1821
2b. para nella vender em leilão objectos das pessoas que a ella quizerem leval-los SP1854
2c. Receberá alçaras alem dos gastos que com ella tiverem feito MG1829
TABELA 1: TIPO DE PREPOSIÇÃO
De
Apl / Tot
52 / 81
%
64
Em
Apl / Tot
16 / 31
%
52
A
Apl / Tot
05 / 23
%
22
Outras
Apl / Tot
05 / 08
%
53
Total
Apl / Tot
78 / 143
%
55
Observa-se que “a” é a preposição que menos favorece o alçamento do PP. Já a
preposição “de”, além de ser a mais numerosa, favorece o alçamento do PP em 64% dos
casos, seguida da preposição “em” (52%).
A preposição “de” é caracterizada por carrear a noção de assunto. O fato de ela
favorecer o movimento dos PPs no documento anúncios, que exibe tendência ao alçamento
de PPs (55%), pode sinalizar um caso de topicalização.
Em seguida, analisamos a forma do complemento da preposição, se pronome ou
nome:
3a ...quem delle der noticia será bem recompensado BA1838
3b. Offerece-se a quantia de 50$000, a quem dos seguintes objetos der noticia SP1870
TABELA 2: FORMA DO COMPLEMENTO DA PREPOSIÇÃO
Pronome
Nome (SN)
Total
PP movido
N.
%
64/ 84 76,0
14/ 59 24,0
78/ 143 55,0
De acordo com os resultados apresentados na tabela 2, o alçamento do PP é
favorecido quando o complemento da preposição pertence à categoria pronominal, o que
nos leva a inferir que elementos mais curtos, representados pela categoria pronominal,
parecem favorecer o alçamento de PPs.
Buscamos verificar se a função sintática do PP movido, adjunção ou argumento,
incidia no alçamento do PP:
4a...quem delle der noticia recebera seu prêmio BA1821
4b....sua morte deixa inconsoláveis sua família e todos aqueles que com elle entretiverão
relações de amisade MG1869
Constatamos que o alçamento dos PPs é favorecido seja no contexto em que o PP
tem função sintática de complemento (54%) seja no contexto em que o PP é adjunto (55%).
Ou seja, os números percentuais não são suficientemente contrastantes, o que sugere que o
alçamento de PP não parece estar condicionado à natureza argumental ou de adjunto.
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A tabela (3), a seguir, mostra os resultados da análise do alçamento do PP em
relação à categoria do elemento que o seleciona:
5a...quem della tiver noticia avise as mesmas pessoas acima SP1828
5b...e quem delle souber ou o achar, dirija-se a sua casa...BA1821
TABELA 3: ELEMENTO QUE SELECIONA O PP
Nome
Verbo
Total
PP movido
N.
%
28/ 50
56,0
50/ 93
54,0
78/143 55,0
Os números da tabela (3) apontam que o alçamento do PP ocorre seja quando este é
selecionado por um Verbo (54%) seja quando é selecionado por um Nome (56%).
Para o estudo do local de pouso do PP movido, observamos a posição do PP em
relação ao verbo:
6a. Quem no mesmo quiser carregar dirija-se a Praia dos Mineiros. BA1827
6b. ...que dela não pode dispor BA1881
TABELA 4: A POSIÇÃO DO PP EM RELAÇÃO AO V
+Adjacente
- Adjacente
Total
PP movido
N.
%
69
88,5
09
11,5
78/143 55,0
O PP movido tende a aparecer adjacente ao V em 88,5% dos casos. Entretanto, há
alguns casos em que ocorre um elemento interveniente entre estas categorias, que merecem
ser analisados. É importante saber qual o elemento interveniente (X) entre PP movido e V
(C PP X V), para que seja possível averiguar o local de pouso do PP movido. Encontramos
quatro tipos de elementos intervenientes: X é um elemento negativo (7), X é um pronome
reflexivo (8), X é um clítico dativo (9), X é um pronome apassivador (10).
7. ...que dela não pode dispor BA1881
8. ...quaes as pessoas que delles se achão de posse BA186
9. ...quem della lhe der noticia certera SP1828
10. ..o proveito que deste methodo curativo se pode obter SP1841
Segundo Martins (1994) e Namiutti (2001), que analisam a posição dos clíticos, são
exatamente esses os elementos que se interpõem entre o clítico e o verbo. Para Martins
(s/d), a estrutura sentencial em construções com interpolação é a seguinte:
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Comp – Tópico (ou adjunto frásico) – foco – clítico – XPs interpolados – verbo
A presença, portanto, de elementos interpolados entre o PP movido e o verbo sugere
que o PP movido acha-se em uma posição alta na sentença, i.e. na sua margem à esquerda.
Tomando a estrutura da margem à esquerda proposta por Rizzi (op.cit.), o PP movido deve
se encontrar ou na posição de tópico ou na posição de foco.
Analisamos, em seguida, o tipo de sentença em que se encontra o PP movido. Os
resultados acham-se na tabela (5):
7a. quem delle der noticia recebera seu premio BA1821
7b...operou-me tratando-me com a maior caridade e desvelo...como se eu della fizesse
parte BA1885
TABELA 5: TIPO DE SENTENÇA
Adjetiva
Coordenada
Adverbial
Completiva
Total
PP movido
N.
%
68/ 96
71,0
06/ 27
22,0
03/ 07
43,0
01/ 13
8,0
78/143 55,0
Nos anúncios, as construções adjetivas parecem ser as sentenças prototípicas para
que ocorram PPs alçados em estruturas encaixadas. Das 143 sentenças analisadas, 67,13%
são sentenças adjetivas. E destas, (71%) apresentam o alçamento do PP. As sentenças
adverbiais, ainda que não favoreçam o alçamento do PP, apresentam maior freqüência de
PPs movidos em relação aos demais tipos de sentenças (43,0%). O PP in situ parece ser
favorecido nos demais tipos de sentenças. Salientamos aqui que nas completivas, o PP
permanece in situ em 92%.
Segundo Rizzi, no italiano o operador relativo pode preceder seja o foco seja o
tópico. O fato de a maior parte dos PPs movidos achar-se em sentenças adjetivas, ou
melhor, imediatamente após o operador relativo, é indício de que eles se comportam ou
como foco ou como tópico.
4. Considerações Finais
Duas são as posições prováveis para o PP movido: foco e tópico. Com a finalidade
de definir melhor a posição do PP movido, optamos por analisar sentenças interrogativas,
tomando como corpus cartas de leitores/redatores e peças teatrais do século XIX. A escolha
das interrogativas se justifica pelo fato de que o operador interrogativo ocupa a posição de
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foco, o que impede que qualquer outro elemento passe a ocupar essa posição. É o que
Rizzi (op.cit.) chama de incompatibilidade entre operador WH e foco.
A presença de PPs movidos em frases interrogativas seria indício de que o PP não
ocupa a posição de foco, pois esta está ocupada pelo elemento WH.
De 89 dados de PPs, não se verificou nenhum caso de PP movido, à exceção de
apenas três casos de adjuntos sentenciais, que foram excluídos da análise, pois têm uma
mobilidade maior na sentença.
O fato de não termos atestado nenhum caso de PP movido em interrogativas pode, a
nosso ver, ser tomado como evidência de que o PP movido ocupa a posição de Foco. Em
outras palavras, o não alçamento do PP nas interrogativas se deve à impossibilidade de o
operador WH e o PP movido ocuparem a mesma posição. No entanto, não entendemos foco
com valor contrastivo, mas sim com a idéia “singularizadora ou identificadora” (Groppi
1997).
Em outras palavras, o PP movido é um foco que tem a função de identificar,
particularizar e não estabelecer contrastes. É justamente a função de indentificação que se
observa na estrutura dos anúncios, em que se apresentam as características (físicas ou
psicológicas) criando um “retrato” do indivíduo ou do objeto de que se está em busca:
A Rua do Príncipe número quatro vende-se hum escravo de nação Mina muito
reforçado próprio, para a roça: quem delle precizar derija-se ao mesmo numero asima a
tratar com Silva Bastos. (O Novo Íris, 9/8/1850)
5. Notas
(a) Usamos o termo encaixadas para todos os tipos de sentenças, ainda que as coordenadas
não apresentem dependência sintática.
(b) Estamos usando indiferentemente os termos PP movido ou PP alçado.
6. Bibliografia
GROPPI, M. Pronombres cliticos em español de Montevideo. In Pragmalinguistica,
Montevideo, 1997, vols. 5-6, p.153-170.
MARTINS, A. M. Clíticos na história do Português. Tese de doutorado.
Universidade de Lisboa. 1994
----- Tipologia e mudança lingüísticas: os pronomes pessoais do português e do
espanhol. s/d.
NAMIUTTI, C.T. Interpolação no português clássico. Relatório final de Iniciação
Científica, Unicamp, 2001.
RIZZI, L. The fine structure of left periphery, in Liliane Haegman (ed.) Elements of
Grammar. Kluwer Academic Publishers. 1995, p. 281-337
Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 397-402, 2005. [ 402 / 402 ]
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