PROCESSOS, REDES, MALHAS, CONEXÕES
Valzeli Sampaio / Universidade Federal do Pará
RESUMO
A fusão entre tecnologia e cultura está presente nas etapas de civilização, portanto, faz parte
da experiência humana, e da busca do artista, da verdade da sua obra, dos seus projetos
poéticos. A sociedade pós-industrial se reorganiza a cada nova mídia inserida na rede de
comunicação, e aos artistas correspode a tarefa da mastigação e resignificação de suas
técnicas e tecnologias. Alguns trabalham numa relação entre cultura e tecnologias de
comunicação articulando conceitos e metáforas como rede, malha, conexão, como algumas
das metáforas utilizadas para designar o nosso modo de ser e estar no mundo.
PALAVRAS-CHAVE
poéticas; processos; redes; tecnologia
ABSTRACT
The merge between technology and culture is present in differents stages of civilization, and
be part of human experience. The post-industrial society reorganizes each new media that
appear. Some artists works a relation between culture and technologies of comunication.
And with concepts like metaphors that articulating a network, web, conections used to
describe our way of being and be no world.
KEYWORDS
poetic; network; technology
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Valzeli Sampaio / Universidade Federal do Pará
Comitê de Poéticas Artísticas
“A linguagem, como processo, não tem lugar no corpo (no
sistema nervoso) de seus participantes, mas no espaço de
coordenadas concensuais de conduta que se constitui no
fluir nos seus encontros corporais recorrentes”
i
Humberto Maturana
Essa fala mira a nossa sociedade mediatizada, pós-industrial que se reinventa a
partir dos seus meios de expressão. É este sistema que nos organiza, no qual nos
relacionamos, produzimos, criamos. As novas tecnologias de comunicação
instauraram desde o início da sua história pequenas revoluções na vida de todos
nós. Somos contaminados pelos novos conceitos oriundos da intermediação com os
meios de comunicação eletrônicos e digitais. As conseqüências advidas da adesão
às novas tecnologias, fazem surgir novas questões para a vida de todos, entre elas
a velocidade, a disponibilidade, a acessibilidade, a interatividade, a ubiqüidade.
A onipresença das novas tecnologias de comunicação é como um olho que tudo vê,
um corpo que se estende para todos os lugares. Paredes de tvs anunciam a
contaminação a interação do usuário, revistas, outdoors, lambe-lambes expandem e
selecionam a audiência, spams e correntes não autorizadas reconfiguração o
discurso, as gírias, as imagens..., afinal, quem vê tantas imagens?
Com os meios de comunicação e com a linguagem estabelecemos contato, nos
encontramos, nos reconhecemos, nos tornamos humanos. A linguagem é a
organizadora desses quereres, vontades, dando forma aos nossos pensamentos,
inquietações, experimentações. Afinal, o que nos une seres humanos e pensantes?
Mesmo com todo aparato tecnológico que inventamos para estar com o outro
individualmente ou coletivamente, continuamos como os outros indivíduos de outros
contextos históricos, à semelhança desses homens, a nossa realidade com suas
necessidades e valores culturais moldam seus valores individuais e, por
conseguinte, o nosso modo de pensar e agir no momento de criar.
Nesta relação de mediação e de alteridade desenvolvemos máquinas que nos
testam, nos reconfiguram e revelam a nossa vontade de alcançar um modo de ser
que é do divino, o de estar concomitantemente presente em todos os lugares.
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A história das mídias referenda isso, por exemplo, nas duas últimas décadas do
século XX, no campo das artes visuais ocorreu uma impressionante antevisão da
web art ou net art, a experimentação com arte-comunicação. Começaram a surgir
trabalhos artísticos baseados na transmissão de textos, sons e imagens de um
ponto a outro do planeta, por meio de telefone, fax, slow-scan, satélites e televisão.
Mídias que nos aproximam, nos transportam.
A Internet começou a se desenvolver a partir de 1994, portanto, é um
desenvolvimento bastante recente da telemática, mas os trabalhos com artecomunicação já existiam antes dela. O primeiro movimento da história da arte a
valorizar a comunicação transnacional foi a mail art, e não poderíamos deixar de
citá-la como uma espécie de pré-história dessa relação da arte-comunicação.
Reunindo
artistas
de
diferentes
nacionalidades
para
experimentar
novas
possibilidades e intercambiar trabalhos numa rede livre e paralela ao mercado oficial
das artes, a mail art foi a primeira modalidade de evento a tratar como arte a
comunicação em rede e em grande escala.
As diferenças que existem entre as primeiras experiências com mail art e a posterior
arte telemática são a intermediação da eletrônica e as conseqüências advindas da
adesão à essa tecnologia: alta velocidade de comunicação a distâncias planetárias,
procedimentos instantâneos de comunicação, utilização de suportes imateriais, além
do surgimento de questões novas para a arte, como a onipresença, o tempo real, a
interatividade, a dissolução da autoria etc.
A imaterialidade das obras, os corpos fora do lugar, a quebra de fronteiras, a
fugacidade do provisório ainda nos soa estranho aos nossos hábitos perceptivos
fortemente marcados pela presença de objetos físicos "únicos" no espaço expositivo
presencial. Esta nova existência instaura outras formas de experenciar e de
perceber. As obras se desmaterializaram e se multiplicaram, portanto, não faz mais
sentido pensar num espaço físico para expô-las, ou num lugar para onde o público
deveria se dirigir em períodos preestabelecidos. Elas poderiam ser recebidas em
casa pelos mais variados meios, como o telefone, o videofone, o fax, o rádio e a
televisão, ou ser "acessadas" por meio de redes telemáticas como a Internet.
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A web art ou net art, no contexto do sempre mutante campo das artes eletrônicas,
representou a fusão da arte-comunicação com a arte digital. Historicamente a artecomunicação utilizou recursos predominantemente não digitais (mail art, fax,
telefone, slow-scan TV etc.) ou semidigitais (videotexto) para estabelecer contatos
de comunicação, enquanto as artes digitais não lidavam ainda com o conceito de
comunicação. A web art, num certo sentido, deu continuidade à ideia de
comunicação, dentro de um universo nitidamente digital e valendo-se da gigantesca
rede mundial de computadores – a Internet. Este momento permitiu experimentar
uma antevisão do futuro dos espaços expositivos, das galerias, dos centros culturais
– permitindo sua existência de forma virtual.
Pode-se afirmar que a arte dessa era encontrou-se numa relação de simetria com o
saber de seu tempo, tal como estiveram a arte clássica grega em relação à
geometria euclidiana, ou a dos séculos posteriores em relação à cosmologia
medieval. O próprio conhecimento científico pareceu também viver o seu state of the
art, libertando-se de uma "realidade objetiva" absoluta e determinista e passando a
governar-se pelas mesmas noções de caos e acaso com que trabalham os artistas,
como a física quântica, fractais etc. Muitos dos trabalhos estão demonstrando que
se torna cada vez mais difícil fazer uma distinção categórica entre objetos originários
da imaginação artística, da investigação científica e da invenção tecno-industrial.
Muitos produtos derivam, aliás, de uma interação de talentos e de investimentos das
três áreas.
A relação entre arte e tecnologia não é uma especificidade da arte produzida hoje.
Na verdade, a arte está sempre sintonizada às tecnologias de ponta de todas as
épocas e delas se serviu como um dos elementos constitutivos de sua linguagem. A
apropriação das tecnologias pela arte, todavia, não tem outro fim e propósito senão
o de realizar a função estética por novas criações, ou seja, a arte usa a tecnologia
desinteressadamente e sem finalidades práticas.
A fusão entre tecnologia e cultura está presente nas etapas de civilização, portanto,
faz parte da experiência humana, e, também, da busca do artista , da verdade da
sua obra, dos seus projetos poéticos. A sociedade pós-industrial se reorganiza a
cada nova mídia inserida na rede de comunicação, e aos artistas correspode a
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tarefa da mastigação e resignificação de suas técnicas e tecnologias.
Costa (1995), avança mais radicalmente nesta análise para ele “[...] o papel do
artista foi profundamente alterado com as possibilidades que lhe foram oferecidas
pela tecnologia”.
ii
Para ele, “as possibilidades abertas pelas tecnologias
comunicacionais estão, portanto, muito além do campo artístico e nos fazem aceder,
pela primeira vez na história do homem, ao novo universo estético do sublime
tecnológico”.iii
A defesa de Costa é que a onipresença dos meios de comunicação estendem a
função do artista para além da expressão e formatação do mundo a partir da
construção de significados. O artista contemporâneo permeado pela tecnologia de
comunicação “cria alguns dispositivos comunicacionais nos quais a dimensão do
ultra-humano, que já é a nossa, torne-se consciente de si e se desvele
sensivelmente”.iv
Em 1983, Costa defendeu a “estética da comunicação” como um campo de
investigação ampliado à exploração e à definição dos fenômenos estéticos ligados
às tecnologias comunicacionais e delas derivados. A sua premissa é de que as
novas tecnologias de comunicação com a capacidade de convergir mídias e
linguagens, em um espaço sem centro, sem hierarquias, sem fronteiras, “parece-nos
um verdadeiro evento antropológico capaz de reconfigurar radicalmente a vida do
homem e a sua experiência estética”.v
Costa defende ainda, com as novas mídias gera-se uma nova categoria de sublime,
que pode ser tornado objeto, mas um objeto sem forma. Este objeto ofertado à
contemplação em rede virtual planetária é produzido e consumido como uma nova
forma de composição do espírito, numa relação de como percebe-se este objeto.
O sublime é geralmente visto como algo impossível de definir e mais ou menos
inatingível. Por outro lado, o computador é visto como um dispositivo tangível e
muito prático e útil na resolução de problemas do mundo real. Parece razoável supor
que, se alguém está buscando se aproximar desta questão para revelar o sublime
entre as menos rentáveis estratégias que envolvem o uso de computadores. No
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entanto, como é o caso, muitas vezes, as coisas nunca são o que parecem. Embora
o que os computadores são, ao mesmo tempo, tentativa tradicional para
compreender o meio pelo qual as pessoas (neste exemplo, artistas) buscam o
sublime.
Como é que vamos entender o que o sublime é? Qual sua relação com a
constituição do significado? O significado no sublime é geralmente considerado
como algo além, além da tangibilidade ou legibilidade. É o reconhecimento de algo
que, por definição, está além da definição. No entanto, os artistas têm procurado,
através dos séculos representá-lo, se não conscientemente, mas pelo menos como
estratégia na criação para despertar seu público.
A problemática aqui posta é como escolher o intangível para o mundo simbólico e,
ao mesmo tempo, que seja significativo à arte? Como escolher algo que esteja além
da representação, além da nossa capacidade para processar significados?
Artistas, como produtores de significado, essencialmente empregam estratégias
linguísticas e ou de linguagem que estão na forma. Assim como existem aspectos da
arte que são não-linguísticos, mas sustentar esse argumento depende de uma
definição estreita do que a linguística, e, suas implicações humanas, podem ser, em
si, é uma questão controversa.
Se aceitarmos a implicação do argumento geral de Foucault (1979, 2001, 2007)
sobre a relação do indivíduo social, onde é considerado cada um individualmente
como um exemplo de linguagem, instanciado a partir de um corpo linguístico que é a
sociedade como um todo, então nós também temos que aceitar as muitas definições
generalizantes e expansivas sobre a linguística e a linguagem.
Neste sentido, todos os humanos (e, em muitos casos, não humanos) executam
atividades que podem ser definidas como atos de linguagem em instâncias de
semiose (PEIRCE, 2000; MATURANA, 1997). Por isso, torna-se impossível para o
artista alcançar a velocidade necessária para escapar do corpo linguístico e social
do qual fazem parte e, a partir daí começar uma aproximação ao sublime.
O artista, como ninguém, está sobrecarregado com o peso de séculos de significa1719
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dos incrustados na sua memória histórica, no seu gene. Rejeitar essa herança seria
uma forma de auto-negação.
O que é a computação e como ela se relaciona com a representação e o significado?
Poderíamos responder esta pergunta, a partir de que trata-se de operações simbólicas de cálculo. Segundo Alan Turing (1936; 1950; 2010) o computador é uma máquina que pode ser qualquer máquina, porque é uma máquina simbólica que é baseada no conceito de uma máquina que pode alterar-se. A hipótese de Turing desenvolveu a partir da sequência da Goedel (teorema da incompletude) numa combinação entre matemática e lingüística e na forma que cada uma se deixa acontecer
num sistema de abstração. Isso significa dizer que a matemática funciona de forma
semelhante ao modo como a linguagem opera as coisas.
O primeiro sistema computacional de Turing não era um dispositivo eletrônico, como
atualmente se espera que um sistema computacional seja, era composto por vários
pedaços de papéis coloridos. Esses pedaços de papéis representavam tanto a informação (dados) que era para ser operada, assim como representavam as normas (instruções) para essas operações. Embora muito limitado esse sistema era recursivo e
auto-referencial, portanto, capaz de calcular e modificar-se dentro de um sistema que
continha todos os elementos básicos de computabilidade. Tudo o que precisava ser
conhecido, sobre o que aconteceria, com o quê, e qual seria o resultado do processo,
foi explícita ou implicitamente contidas dentro de um sistema muito simples.
Essa é a noção de um sistema que é simbólico e virtual. Assim acontece quando você
toma algum código de um computador, ou um pedaço de software que faz algo para
alguma coisa, e executa algo de outra forma. O código não está necessariamente ligado à instância física da máquina eletrônica e nem tem de existir em um formulário
eletrônico. Imprimir o código colocá-lo em um contexto mais familiarizado onde é imediatamente reconhecível como língua (se não é fácil de entender) e, em seguida, essa
saída de impressão, ou pode ser “re-entrada” em outra máquina e, mais uma vez, ele
irá ainda trabalhar. Em sentido muito real, é o código que é o computador, assim como os pedaços de papel de Turing eram de fato um computador.
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Os componentes eletrônicos convencionais e outros pedaços de hardware que costumamos associar ao computador, certamente representam um contexto para o código trabalhar. Podemos caracterizar a relação entre hardware e software da mesma
maneira que Saussure (2006) como eventos linguísticos formados por dois componentes, língua (potencialidade linguística) e fala (a instância de uso). Assim é possível postular o hardware como suplemento potencial para o significado, na medida
que o software cria a instância do significado.
Assim pode ser estabelecido, em primeiro lugar, que o computador é uma máquina
de linguagem (Santaella, 1995). É uma máquina que é formada pela linguagem
(simbolicamente) e que funciona como uma semiose (Peirce, 2005). Quando
conectado a periféricos de hardware que são capazes de traduzir a saída do sistema
em outro manipulador de fenômenos (como monitores, projetores, caixas sonoras,
plotters, etc.) a natureza linguística do sistema se torna menos aparente. No entanto,
a saída do sistema permanece essencialmente linguística.
Como o sublime se relaciona com computação?
Dada a definição de computação como algo fundamentalmente linguístico podemos
concluir, numa primeira visada, que a relação entre computação e sublime é a de
opostos, de duas coisas que são exclusivos um do outro. Se aceitarmos o
argumento anterior, onde, em primeira instância, o computador é um sistema
simbólico que opera em dois níveis como um modelo linguístico. Onde hardware
(potencialidade) e software (realidade) se combinam para produzir não só uma
instância de significado, isso implica que, nestas definições, o processo
computacional não pode se aproximar do sublime.
Muitos artistas que trabalham com computadores e
que estão preocupados em
localizar o sublime, assim como os pintores, escritores, dançarinos ou outras formas
de manifestação artística. Assim como, todos articulam significados nas suas mais
diferentes formas e linguagens. Ou seja, os artistas que usam os computadores em
seus processos de
criação
não
enfrentam qualquer
problema
que
seja
significativamente diferente aos problemas que qualquer outro artistas tem que
enfrentar, alguns dependem da linguística, da linguagem, ou essencialmente das
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mídias. As contradições e impossibilidades implícitos em uma pintura, escultura,
num video, num filme são os mesmos que são inerentes a uma obra de arte
computacional.
Se o sublime está para além da representação, talvez o melhor que o artista pode
alcançar é invocar em seu público a sensação de perda que sentem quando
procuram, e falham, ao tentar identificar e representar o seu tema.
Uma questão se impõe, a representação mesma do sublime não estaria na
evocação trágica de perda? É o choro da ausência do sublime, que se torna seu
significado? Se respondemos sim a estas questões, estaremos, então, seguindo a
lógica do desejo insistente para o fechamento, o significado vem para substituir a
coisa em si. E, então, chegamos a aceitar como o referente provisório de algo que
nunca pode ser encapsulado.
Nós temos um signo onde o componente essencial está na ausência ocupada por
outro. Temos tido o sublime e, submetemos isso como possibilidade, em relação a
um universo simbólico e ao espaço, onde podemos representar, operar e, por
extensão, ter em conta os argumentos acima sobre o caráter lingüístico dos
computadores, computá-lo.
É verdade que no processo
o sublime em si, extingiu e foi substituído por um
significado formado ele mesmo na ausência, onde a “forma” das nossas referências
são rascunhadas e não estabelecidas em nenhuma substância.
Mas, talvez esse seja o limite da representação, o limite do significado? Talvez todos
os significados sejam formados dessa maneira? Para além daqui, o artista e o
computador são como outras instâncias linguísticas. Somente o nosso desejo pode
permanecer e, como temos argumentado, sendo isso, então, ele pode ser
representado também pelos computadores.
Qual o programa você usou para fazer isso? Onde vc tirou esta foto?
Fotógrafos, pintores, artistas multimídia convivem com perguntas de fruidores que
na impossibilidade de alcançar o significado de suas obras são bombardeados com
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questionamentos sobre o modus operandis de suas obras. Um modo de pensar
comum aos artistas e teóricos na década de 1990, de que os programas faziam as
obras e não os artistas. Estas perguntas remetem à esta ideia, de que programas
são responsáveis pelas obras, como se os pincéis ou tela fossem os responsáveis
por fazer pinturas, ou que qualquer um com uma boa máquina fotográfica pode
produzir uma fotografia (imagem) semelhante.
Trata-se de uma pergunta que remete às técnicas e aos instrumentos, além de
insinuar que os instrumentos são responsáveis pelos efeitos. Flusser(1985) foi um
dos teóricos que trabalhou essa questão. Aparelhos, processos e suportes
viabilizados pelas novas tecnologias repercutem em nossos sistemas de vida e de
pensamento, em nossa capacidade imaginativa e nas nossas formas de ser e estar
no mundo.
Quando pensamos sobre o ato de criar é importante considerar premissas sobre
esse fenômeno. As potencialidades e os processos criativos não se restringem à
arte. O ato de criar é um agir integrado do viver. Em qualquer tipo de viver é inerente
o criar. Essa natureza criativa elabora-se no lugar onde se está, na linguagem, na
cultura. A construção de um lugar corresponde a combinação coordenadas espaçotemporais. Porque quando se cria sempre se ordena algo, você configura esse algo,
formata uma coisa.
Mesmo quando impossibilitados de criar, de representar, nós criamos. Imagens,
objetos, coisas que carregam significados, interpretações. Podemos entender que
toda criação é comunicação, ao mesmo tempo realização. O ato criador abrange a
capacidade de compreender; de relacionar, ordenar, configurar, representar,
significar. A coisa criada surge da projeção de coordenadas, e na escolha de
códigos que se quer ordenar.
A discussão em torno da técnica e dos aparelhos foi uma discussão fundante durante o século XX (SIMONDON, 1969; PEARSON, 1988; McCORDUCK, 1991; FLUSSER, 1983–85; MACHADO, 1993; POPPER, 1993; POUND, 1996), e que agora parece não ter a mesma importância num mundo onde as técnicas e tecnologias misturam-se na vida, as técnicas sempre são acionadas e voltam reformuladas de formas
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e pontos de vista diversos. Mesmo quando muitos artistas escolhem processos artesanais e mecânicos, e sistemas tecnológicos mais simples, mesmo após todo o processo de desenvolvimento digital, essas obras parecem ter incorporado poéticas e
procedimentos da etapa anterior, nesses casos, não são importantes à discussão ou
o uso ou não de dispositivos computacionais.
Segundo Flusser (1985), “[...] cabe à arte a tarefa de tornar sensíveis e explícitas as
finalidades embutidas em grande parte dos projetos tecnológicos. A arte coloca hoje
os homens diante do desafio de poder viver livremente num mundo programado por
aparelhos.”
O ensaísta e crítico de arte francês Nicolas Bourriaud, em Estética Relacional,
afirma que a arte contemporânea organiza-se a partir de outros modos de
percepção, de experimentação e de crítica, o que indica o desenvolvimento de
outros modos de posicionamento politico. Sendo ao mesmo tempo uma arte livre de
uma ideologia, apresentando-se de forma fragmentaria, sem uma visão global de
mundo. A arte relacional entendida pelo autor situa a produção dos artistas como
indissociável de sua relação com o público. O autor fala de um tipo de arte produzida
atualmente que tem como tema central a relação, o estar junto. A arte é lugar de
produção de uma sociabilidade, é o espaço dos encontros.
Alguns artistas trabalham numa relação de mastigação da cultura e das tecnologias
de comunicação, e das dinâmicas da cultura contemporânea, articulando conceito
como rede, malha, conexão, como algumas das metáforas utilizadas para designar o
nosso modo de ser e estar no mundo. Esses processos vão articular para além das
técnicas e tipos de aparelhos utilizados, caracterizam-se por operações de articulação e combinação, de edição e de montagem. Estes artistas estão longe de procurar
exprimir a essência imutável das coisas, vêm apontando para a ideia de colagem
indicando padrões de rede que suas articulações tecem em constante movimento.
Notas
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i
Maturana, Humberto. “A ontologia da realidade”-Belo Horizonte-MG.UFMG,1997,p.168
ii
Costa, Mario.
Experimento,1995,p.32
iii
Idem, p.33
iv
Idem,p.33
O
sublime
Tecnológivo;
trad:
Dion
Davi
Macedo.-São
Paulo:
v
Idem.p.27.
Segundo Costa, as tranformações antropológicas trazidas pelas novas
tecnologias podem ser enfeixadas ouem três categorias fundamentais:re-apresentação de coisas e
acontecimentos, que guardam seu carater de fluxo;simulação da existência de algo que não existe e
que constitui graças à mediação dos aparatos tecnológicos; realização de novas formas de
comunicação, que modificam a fenomenologia do acontecimento.
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Artista e pesquisadora em Artes. Professora da Universidade Federal do Pará, na Faculdade
de Artes Visuais. Mestre e Doutora em Comunicação e Semiótica (PUC/SP) e PósDoutorado em Poéticas Digitais (ECA/USP). Coordena o Grupo de Estudo Territórios
Híbridos, em arte e tecnologia. Participou das exposições “Carta Aérea” na Kunsthaus,
Wiesbaden, Alemanha; “Amoreiras” – 3M Arte Digital com Grupo Poéticas Digitais, Instituto
Tomie Ohtake, em São Paulo, “Encontros” – Meetings/Spotkanie, Grupo Poéticas Digitais,
instalação interativa, 16th Media Art Biennale WRO 2015, Wroclaw, Polônia, Centrum Sztuki
WRO, Instalação. Cidade Rede, no Museu Casa das Onze Janelas, Entre lugares, no
Museu da UFPa e Cavername – Festival ART.MOV em Belém.
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