DIÁRIO DE SANTA MARIA
SÁBADO E DOMINGO, 1º E 2 DE AGOSTO DE 2009
DIÁRIO DE SANTA MARIA
SÁBADO E DOMINGO, 1º E 2 DE AGOSTO DE 2009
| 14 e 15 |
ESPECIAL
MANIPULAÇÃO SOBRE FOTO BANCO DE DADOS
A SÉRIE
CRACK
NO MEIO DO CAMINHO,
■ Nesta edição e nos próximos seis dias, o
Diário mostra uma série de reportagens sobre
o crack, que assolou rapidamente o Estado
SÁBADO E DOMINGO, 1º E 2/08 – A droga
SEGUNDA-FEIRA – A falta de leitos
TERÇA-FEIRA – Meninas do crack
QUARTA-FEIRA – O crack e a violência
QUINTA-FEIRA – A prevenção
SEXTA-FEIRA – O crack na região
SÁBADO E DOMINGO – A esperança
Aprisionados pelo vício
diariosm
com.br
Estimativa é que entre 1,5 mil e 3
mil santa-marienses sejam usuários
da droga que vicia rapidamente
!
!
NÚMEROS QUE PREOCUPAM
■ Usuários – A estimativa da Secretaria Estadual da
Saúde é que Santa Maria tenha entre 1,5 mil e 3 mil
usuários de crack. A exemplo do que ocorre em todo o
Estado, esses números estariam aumentando rapidamente. Santa Maria já tem casos de mortes relacionadas ao tráfico da droga
■ Surgimento – Os primeiros relatos oficiais de
usuários de crack em Santa Maria são de 2005, mas
acredita-se que o crack tenha chegado à cidade
muito antes disso. Naquela época, jovens confessaram que estavam usando a droga, mas a polícia não
estava conseguindo localizar os pontos de distribuição. Hoje, a Polícia Civil acredita que haja pontos de
venda em toda a cidade
■ Espera – Na região, por ordem judicial, cerca de
30 pessoas estão na fila de espera por leitos para
desintoxicação, o primeiro passo para quem quer
deixar o vício. Em Santa Maria, só a Casa de Saúde
faz esse tipo de atendimento. O hospital tem 15 leitos
destinados a pessoas com menos de 17 anos
rigo que os viciados em crack estão
correndo vai além dos trazidos pela
cocaína. Ele afirma que existe uma
série de substâncias misturadas,
como benzeno e ácido de bateria.
– No início do aparecimento do
crack no Estado, havia mais concentração de cocaína nele do que no
produto vendido em pó. Provavelmente, isso era devido a uma falta
de conhecimento entre os traficantes
sobre como adulterar o crack. Hoje, é
comum encontrar amostras da droga
contendo concentrações reduzidas de
cocaína – diz o perito.
O diretor do Hospital Psiquiátrico
São Pedro, de Porto Alegre, Luiz Carlos Coronel, afirma que os danos que
o crack causa no cérebro podem se
tornar irreparáveis em muitos casos:
– Estamos assustados com o crack. É a primeira vez que uma droga
não precisa de aumento de cada dose
consumida para produzir efeito.
O Diário produziu uma série de
reportagens sobre o avanço do crack.
Elas serão publicadas ao longo das
próximas edições e revelam por que,
apesar de toda a vontade que muitos
usuários da droga têm de se recuperar, é tão difícil remover a pedra de
seu caminho.
[email protected]
MAIS
Estado
A estimativa é que,
no Estado, haja
cerca de 50 mil
pessoas viciadas
em crack. No
Hospital Psiquiátrico
São Pedro, em Porto
Alegre, o número
de internações
em função do
crack começou
a aumentar
consideravelmente
há três anos
uma das aulas de terapia ocupacio- mata ou eu mesmo acabo fazendo
nal. Os meninos fazem atividades isso. Crack não é vida – afirma um
físicas, participam de brincadeiras e adolescente de 17 anos.
oficinas como pintura, artesanato, e
Infelizmente, as estatísticas não são
desenhos, assistem filmes. Tudo tem tão positivas como a expectativa dos
um objetivo bem claro, fazer com que meninos. Muitos garotos acabam volvoltem a se descobrir como crianças tando ao vício pouco depois da alta.
e adolescentes que são e também
– O meu irmão viu que eu tinha cofazê-los recuperar a autoestima.
meçado a fumar e começou também.
Nas quartas-feiras, alguns dos ga- Tinha uma boca de crack bem perto
rotos voltam à sala de aula. O Grupo da nossa casa, era fácil conseguir. Mas
de Estudo e Pesquisa sobre Forma- a minha mãe ficou doente e eu botei
ção Inicial, Continuada e Alfabetiza- na cabeça que ia parar. Ele não. Veio
ção (Gepfica) da
se tratar obrigado
UFSM ajuda os
e logo que saiu
Muitos meninos
meninos a retovoltou para a pemarem – ou até
dra – conta outro
que estão em
começarem – seu
jovem de 17 anos.
tratamento não
aprendizado.
Para
tentar
recebem uma
mudar a realidavisita sequer de
de dos garotos
Esperança – O
quando eles saem
resultado de todo
seus familiares
do hospital, alguesse trabalho está
mas atividades
exposto nas paredes de alguns dos quartos, onde os são oferecidas também aos pais.
meninos fazem questão de colar seus No entendimento dos profissionais
desenhos, e em olhinhos brilhantes, que trabalham na unidade, a família
precisa estar muito bem preparada
cheios de esperança.
– Eu vendia maconha para com- para que os meninos não recaiam
prar crack. Chegava a fumar três na droga. Mas nem todos compregramas por dia. Agora, quando eu endem dessa forma. Alguns, ainda
sair, vou cuidar do meu avô, que está que esperem bastante, não recedoente. Por isso, preciso ficar bem bem sequer visitas, muito menos
longe do crack. E também, se eu a confiança de que precisam para
voltar para a droga, ou a polícia me (re)construírem suas vidas.
!
MANIPULAÇÃO SOBRE FOTO CHARLES GUERRA – 23/07/09
mesmo para os adultos: livrar-se da
dependência no crack.
Entre os adultos, o drama do craFelipe, 11 anos, começou a fumar
crack com adolescentes que mora- ck não é menor. A droga, segundo
vam perto de sua casa no ano passa- as autoridades da área de segurança,
do. Experimentou por pura curiosi- causou uma explosão nos índices de
dade: queria saber o que “os grandes violência. E, se para o usuário chegar
da rua” sentiam ao fumar os cachim- ao ponto de querer parar de usar é dibos esquisitos. Não demorou muito fícil, conseguir leitos para desintoxicação e reabilitapara ficar viciado
ção é ainda mais.
na pedra, menos
Casa de Saúde só
Santa Maria não
ainda para comedá conta de atender tem leitos públiçar a furtar e para
cos para adultos,
virar morador de
os dependentes
têm de ser
rua. Foi com ele
menores de 17 anos que
encaminhados a
que outro menino,
que chegam por
outras cidades.
Lucas, 14 anos, fuNa segunda-feimou a droga pela
ordem judicial
ra, o Hospital de
primeira vez, há
Caridade entrega
dois meses. Felipe
e Lucas são nomes fictícios para uma ao Ministério Público uma proposta
história que é verdadeira e assusta- para abrir 10 leitos para homens e
doramente mais comum do que se mulheres na Casa de Saúde.
imagina: o crack já tem entre 1,5 mil
e 3 mil usuários na cidade. Entre eles,
Efeito – A forma como a droga é
muitos guris para os quais surgiu consumida – fumada – leva a cocaíuma pedra no caminho entre a in- na (matéria-prima do crack) rapidafância e a adolescência.
mente ao cérebro e, já nas primeiras
– Eu parei de ir no colégio e come- pedras, os usuários se viciam (veja
cei a pegar arroz e massa de casa para quadro na página 16). O que mais astrocar por crack. Um vez, peguei di- susta é que as pedras se espalharam
nheiro de um taxista, mas nunca usei rapidamente, tornando o crack uma
arma. Já usei droga de todo jeito, de droga que distingue classe social,
lata, de cachimbo, de pitico (maconha sexo, ou idade.
com crack) – conta o menino de 11
A droga, aparentemente barata
anos, que tem olhar de criança e jeito – cada pedra custa entre R$ 1 e R$
de falar incompatível com a idade.
5 – e de efeito rápido e intenso, vicia
Hoje, os dois
tão rapidamente
garotos
fazem
mata. Para
Diretor de hospital como
companhia um ao
lutar contra ela,
de Porto Alegre que há muitas pedras
outro, na Casa de
Saúde – o único
trata dependentes no caminho: falhospital de Santam leitos para
diz que o crack
ta Maria que têm
desintoxicação
pode causar
vagas para intere reabilitação, os
danos irreparáveis trabalhos educanar dependentes
de crack menores
tivos nem sempre
de 17 anos. A detêm o apoio que
manda é tanta que o hospital nem dá merecem, as famílias estão cada vez
conta das ordens judiciais. Os 15 lei- mais desestruturadas, e é difícil comtos do hospital estão sempre lotados bater o tráfico de uma droga vendida
de meninos que um dia comparti- em pedaços tão pequenos.
lharam drogas e, hoje, dividem a luta
Para o perito criminal da Polícia
para vencer uma batalha difícil até Federal Marcelo Gatelli Holler, o peMARILICE DARONCO
Confira o especial
sobre o crack, com
dados sobre o
avanço da droga,
onde pedir ajuda
para combater o
vício e depoimentos
de familiares de
dependentes
É impossível percorrer o imenso
corredor que dá acesso a ala onde
estão internados os meninos do crack na Casa de Saúde sem perceber o
feixe de luz que existe em seu final.
É atrás exatamente disso – uma luz
no seu caminho – que todos aqueles
jovens estão ali. Basta um toque em
uma campainha para que uma das
profissionais da equipe que trabalha
no local abra a porta. Não demora
nada para que alguns dos garotos,
curiosos, comecem a espiar por trás
das grades que os separam do mundo do lado de fora.
As grades, num primeiro momento, assustam. Fazem pensar em celas,
em prisão. Mas, quando se passa por
elas e a ouvir as histórias de violência,
dependência e abandono, comuns
entre a maioria daquelas crianças,
percebe-se que a verdadeira prisão
delas é o crack. Ali estão encontrando
uma chance – talvez a única – de mudar essa realidade.
Não faltam abraços e beijos quando se cruza a porta. A frieza inicial
das grades cai por terra ao olhar as
crianças jogando futebol ou bolita.
Um painel colorido afixado na parede logo à frente das grades deixa
claro que o que se quer por lá não
é, nem de longe, criar um ambiente
típico de hospital. O painel foi construído pelas próprias crianças em
OCUPANDO A CABEÇA
Crianças e adolescentes internados
na Casa de Saúde fazem diversas
atividades para recuperar sua
autoestima durante o tratamento
NA DESINTOXICAÇÃO
Meninos lutam para se livrar
do vício, internados na ala de
dependentes da Casa de Saúde
MANIPULAÇÃO SOBRE FOTO CHARLES GUERRA – 24/07/09
SEGUE
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Aprisionados pelo vício CRACK