Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (William Okubo, CRB-8/6331, SP, Brasil) INSTITUTO ARTE NA ESCOLA Sebastião Salgado: cidadão do mundo / Instituto Arte na Escola ; autoria de Tarcísio Tatit Sapienza ; coordenação de Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque. – São Paulo : Instituto Arte na Escola, 2006. (DVDteca Arte na Escola – Material educativo para professor-propositor ; 64) Foco: CT-5/2006 Conexões Transdisciplinares Contém: 1 DVD ; Glossário ; Bibliografia ISBN 85-98009-65-2 1. Artes - Estudo e ensino 2. Fotografia 3. Salgado, Sebastião I. Sapienza, Tarcísio Tatit II. Martins, Mirian Celeste III. Picosque, Gisa IV. Título V. Série CDD-700.7 Créditos MATERIAIS EDUCATIVOS DVDTECA ARTE NA ESCOLA Organização: Instituto Arte na Escola Coordenação: Mirian Celeste Martins Gisa Picosque Projeto gráfico e direção de arte: Oliva Teles Comunicação MAPA RIZOMÁTICO Copyright: Instituto Arte na Escola Concepção: Mirian Celeste Martins Gisa Picosque Concepção gráfica: Bia Fioretti SEBASTIÃO SALGADO: cidadão do mundo Copyright: Instituto Arte na Escola Autor deste material: Tarcísio Tatit Sapienza Revisão de textos: Soletra Assessoria em Língua Portuguesa Diagramação e arte final: Jorge Monge Autorização de imagens: Ludmilla Picosque Baltazar Fotolito, impressão e acabamento: Indusplan Express Tiragem: 200 exemplares DVD SEBASTIÃO SALGADO: cidadão do mundo Ficha técnica Gênero: Documentário. Palavras-chave: Ética; cidadania; geografia; luz; vida cotidiana; fotografia; poética pessoal; sensibilidade; educação do olhar; experiência estética e estésica. Foco: Conexões Transdisciplinares. Tema: O trabalho fotográfico de Sebastião Salgado. Artista abordado: Sebastião Salgado. Indicação: 7a e 8a séries do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Direção: Aline Sasahara. Realização/Produção: Rede SescSenac de Televisão, São Paulo. Ano de produção: 2000. Duração: 50’. Coleção/Série: Documentário. Sinopse O fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado presta um rico depoimento sobre sua carreira, destacando o trabalho realizado para o livro/exposição Êxodos. Para esse projeto, capta durante 7 anos, em quarenta e sete países, centenas de fotos em preto e branco que traduzem sua visão dos movimentos migratórios. O documentário registra a exposição, realizada no Sesc Pompéia (São Paulo) em 2000, e apresenta a equipe de profissionais que dá suporte ao seu trabalho como repórter fotográfico. O exfuncionário da ONU, Guilherme da Cunha, aponta no trabalho do fotógrafo a identidade com os valores filosóficos defendidos pela ONU: liberdade, solidariedade, equidade, tolerância, não-violência, respeito à natureza e responsabilidade compartilhada pelos seres humanos que vivem no planeta. Trama inventiva Ponto de contato: conexão. Abertura para atravessar e ultrapassar saberes: olhar transdisciplinar. A arte se põe a dialogar, fazer contato, contaminar temáticas, fatos e conteúdos. Nessa interseção, arte e outros saberes se alimentam mutuamente, ora se complementando, ora se tencionando; ora acrescentando um ao outro novas significações. A arte, ao abordar e abraçar, com imagens visionárias, questões tão diversas como a ecologia, a política, a ciência, a tecnologia, a geometria, a mídia, o inconsciente coletivo, a sexualidade, as relações sociais, a ética, entre tantas outras, permite que na cartografia se desloque o documentário para o território das Conexões Transdisciplinares. Que sejam estas então: livres, inúmeras e arriscadas. O passeio da câmera A lente da câmera nos aproxima de Sebastião Salgado. Com fala mansa e olhar profundo, o fotógrafo afirma que para ele fotografar é uma questão ética: “a ética pra mim é uma decisão individual, um momento de você julgar se você faz ou se você não faz, se você fotografa ou se você não fotografa; e se fotografa, como você fotografa, para que serve essa fotografia. Isso tem que fazer parte da sua vida, da sua vida moral”. O documentário é editado em quatro blocos, com a duração, em seqüência, de 10’, 12’, 13’ e 14’ aproximadamente. O trabalho de Sebastião Salgado é mostrado com depoimentos do fotógrafo; textos seus lidos por Gianfrancesco Guarnieri; imagens de suas fotos; registros da montagem e visitação da exposição no Sesc Pompéia (São Paulo); depoimentos do público, de sua mulher Lélia, dos profissionais com quem trabalha, do compositor Chico Buarque, de historiadores, de fotógrafos, da direção do Sesc e de funcionários da ONU; mesas redondas e workshops paralelos à mostra; vídeos com cenas de países onde fotografou. 2 No primeiro bloco, Sebastião Salgado fala da ética em seu tra- material educativo para o professor-propositor SEBASTIÃO SALGADO – CIDADÃO DO MUNDO balho e das idéias que geraram o projeto Êxodos. Sua mulher Lélia comenta sobre a seleção e edição de imagens necessárias à curadoria e à edição do livro. No segundo, em mesa redonda com o fotógrafo Cristiano Mascaro, Sebastião Salgado conta sobre o início de sua carreira. No terceiro bloco, o fotógrafo dá exemplos de como a questão ética se apresenta em seu caminho e destaca a importância do apoio de sua equipe e dos vínculos com a ONU na realização de seus projetos. O quarto bloco traz Guilherme da Cunha, ex-funcionário da ONU, destacando a identidade do trabalho de Sebastião Salgado com os valores defendidos pela ONU. Chico Buarque fala de sua parceria e Sebastião Salgado expõe seus propósitos e os aspectos que caracterizam sua fotografia como brasileira. O documentário traz contexto para proposições em FormaConteúdo, no estudo da luz e contraluz; Linguagens Artísticas, a foto documental e a foto jornalística; Materialidade, a poética da fotografia preto-e-branco; Mediação Cultural, com foco em curadoria e o ato de expor; Processo de Criação, a poética pessoal e a escolha do “momento decisivo” de fotografar; Saberes Estéticos e Culturais, a história da foto documental e jornalística. Escolhemos mover o documentário para o território Conexões Transdisciplinares, destacando os propósitos éticos e políticos que Salgado assume em seus projetos. Sobre Sebastião Salgado (Aimorés/MG, 1944) O Brasil sempre foi minha (...) referência cultural. (...) a base de criatividade dessa fotografia é o que levei de herança do Brasil, mesmo se aprendi a técnica fora daqui. A minha maneira de fazer o corte representativo no mundo no momento que faço uma fotografia, acho que é um conceito inteiramente brasileiro. As minhas luzes são luzes do vale do Rio Doce. O meu contraluz é inteiramente de país tropical, de pessoa que sempre viveu na sombra, todas as pessoas que se dirigem a ela vieram em geral da luz em direção a sombra. Sebastião Salgado 3 Sebastião Salgado: fotógrafo do preto-e-branco e do contraluz. Fotógrafo de gente. Salgado sempre foi atrás de sua fé: o ser humano. Esse ser humano, presente em suas fotografias, é sempre tratado com respeito e dignidade, e em nenhum momento se percebe a exploração de uma situação. Pelo contrário, o fotógrafo nos mostra olhos e rostos que lutam pela sobrevivência. Salgado nunca pensou em ver o mundo através de um visor, preferia destrinchá-lo através de números. Formado em economia, com mestrado em São Paulo e nos Estados Unidos, muda-se no final dos anos 60 para Paris a fim de obter o doutorado. Sua vida corre tranqüila ao lado da mulher Lélia, arquiteta, que compra uma máquina fotográfica para registrar as construções parisienses. Um dia, Salgado pega a câmera e, como ele mesmo conta no documentário, a fotografia toma-o como um vírus: a contaminação é profunda e incurável. Nos anos 70, Salgado trabalha para a Organização Internacional do Café e é enviado a Angola para coordenar um projeto sobre a cultura do café no país. Além do lápis e da calculadora, leva a câmera e vários filmes. Nesse instante, o economista abre espaço para o fotógrafo e passa a palmilhar quase todo o planeta e apresentar ao mundo imagens das vítimas da fome na África, dos mineradores de ouro de Serra Pelada, dos camponeses e índios das Américas, dos mutilados da guerra do Camboja, dos recalcados da guerra no Kuwait, da batalha pela vida dos trabalhadores nos diversos cantos do mundo ou da história da humanidade em trânsito, no projeto Êxodos, como mostra o documentário. Desde sua primeira experiência, Salgado tem a certeza de que voltará seu olho para as pessoas. Maria Inez Turazzi1 o descreve como um contador de histórias: 4 Usando três ou quatro câmeras Leikas e dezenas de rolos de filmes por dia, Sebastião Salgado é capaz de produzir mais de dez mil imagens em uma única viagem, dentre as inúmeras que compõem o extenso roteiro traçado nas duas últimas décadas para documentar histórias (ou a história) e contá-las através de fotografias. material educativo para o professor-propositor SEBASTIÃO SALGADO – CIDADÃO DO MUNDO Sebastião Salgado é considerado o mestre da fotografia documental, do contar histórias através das imagens. Para ele, a fotografia tem a força de ser um vetor para criar discussão e levar as pessoas a refletirem sobre o que está acontecendo no mundo, permitindo uma troca de experiências daquilo que é essencial para o homem. Nas fotos sempre reveladas em preto-e-branco, Sebastião Salgado é mestre em uma das técnicas mais difíceis da fotografia: a contraluz. Nesse trabalho, a luz vem da frente do fotógrafo, embaçando a cena, refletindo nas lentes. Sobre sua predileção pela contraluz, Salgado diz que é uma coisa instintiva ter de trabalhar contra a luz. Guarda na lembrança os dias quentes de Aimorés, um lugar que não vê um pingo de chuva durante 8 meses por ano. Quando menino, acostumou-se a olhar o mundo “da sombra para a luz”, como olhar o pai chegando em casa na contraluz, “Eu na sombra, ele vindo do sol”. No projeto Êxodos, o fotografo se rende à situação caótica do movimento das populações. As imagens, feitas durante 7 anos visitando mais de quarenta países, registram o processo de reorganização populacional pelo qual passa grande parte da humanidade. São milhões de pessoas que migram todos os dias, cruzando fronteiras, fugindo de guerras, da repressão política, da miséria, do ódio, da destruição ambiental, da violência. Na exposição Êxodos, as fotos de Sebastião Salgado mostram migrantes e refugiados legais e ilegais em todas as partes do mundo. Uma parte dessa exposição é reservada para as crianças do êxodo. Meninos e meninas sem pátria olham para a câmera com expressões de sofrimento, incompreensão, tristeza, desesperança, raríssimos sorrisos, quase sempre um resquício de dignidade. Inocentes, são as maiores vítimas dos crimes que a humanidade comete contra si mesma. São crianças muito parecidas com aquelas que vemos todos os dias, nas grandes cidades brasileiras, cheirando cola, vigiando carros, vendendo balas nos cruzamentos, cometendo pequenos e, às vezes, grandes delitos. 5 Quando pregamos os olhos nos corpos esculpidos no papel por Sebastião Salgado, não somos poupados, as imagens nos interrogam: como interpretar imagens tão belas que representam uma realidade tão cruel? Os olhos da arte Eu acho que uma discussão mais ampla tem de ser realizada, a propósito da cidadania, da ética, da repartição das riquezas no mundo, da desintegração das comunidades humanas. (...) Eu tenho uma esperança, pequena, de que estas fotos possam ajudar. Eu tinha que fazer meu esforço. (...) Há quase 30 anos eu sou fotógrafo, eu sinto uma responsabilidade, que meu trabalho tem que servir para alguma coisa. Sebastião Salgado Da sombra para a luz, da miséria para a solidariedade, Sebastião Salgado combina rara sensibilidade artística com aguda consciência social. Para ele, a função de uma fotografia não é apenas a de informar, mas também a de representar uma época, a de ser retrato cultural de uma sociedade. Por isso, corre o mundo registrando histórias com traços de marcada denúncia social. O trabalho de Sebastião Salgado, do ponto de vista da fotografia documental, conquista um lugar de destaque dentro da fotografia mundial. Se documento significa evidência, prova, comprovação oficial, a fotografia, acompanhada do atributo documental, passa a ser considerada, ao longo do século, a testemunha ocular da história da humanidade. Indubitavelmente, a fotografia documental, que mantém proximidade com o fotojornalismo, dominou a história da fotografia no século 20, tendo sido responsável pelos maiores nomes da fotografia contemporânea, dentre os quais, destacam-se: Robert Capa, Henri Cartier-Bresson, Bruce Davidson, Ernst Haas, George Rodner, Dennis Stock e Sebastião Salgado, entre outros. A fotografia documental, como uma fotografia social e 6 material educativo para o professor-propositor SEBASTIÃO SALGADO – CIDADÃO DO MUNDO crítica, se desenvolveu e se firmou não como mera ilustração de acontecimentos, mas como imagem fotográfica de pessoas, coisas ou situações que carrega dentro de si um testemunho a ser divulgado. Nesse aspecto, a fotografia documental assume um espaço “realista” no imaginário da humanidade ao optar pelos processos fotográficos p&b como uma aproximação representacional dramática da realidade. Contraditoriamente, o processo fotográfico colorido, que seria uma representação mais próxima do nosso olhar, tornou-se menos “real” do que o p&b. A necessidade de aceitarmos uma representação da realidade como uma metáfora, com um certo distanciamento crítico, deu à fotografia p&b uma força documental e de registro da condição humana. Uma síntese dessa estética é a fotografia de Sebastião Salgado. Suas imagens pungentes, delicadas, realçadas pela qualidade e dramaticidade das nuances do preto ao branco, revelam o sentimento de desespero, abandono, tristeza e conflito de múltiplas vozes e olhares em condições inumanas. Sua fotografia engajada consegue mobilizar e indignar, como imagem que carrega a informação e a expressão, documento e símbolo, de tal forma que cria a metáfora: a imagem retém a particularidade de seu referente, mas, ao mesmo tempo agencia um processo de produção de sentido que se firma em oposição aos discursos oficiais. Em termos de influência, muitos relacionam o trabalho de Sebastião Salgado com os de Henri Cartier-Bresson que, certa vez, descreveu o ato fotográfico como o perfeito alinhamento da cabeça, do olho e do coração. Tal concepção assume a intervenção do fotógrafo na elaboração da representação, que se elabora como mensagem, estruturada a partir de um estoque de signos que compõem a linguagem fotográfica. O alinhamento dos três sentidos, tal como defende Cartier-Bresson, é justamente a possibilidade de intervenção do fotógrafo que dirige sua escolha a partir de uma competência cultural prévia. 7 Neste sentido, Maria Inez Turazzi2 diz que: As fotografias de Sebastião Salgado são, antes de tudo, o resultado de um exaustivo processo de escolhas entre o que foi visto e o que deverá ser re-visto por cada um de nós. Processo que se torna ainda mais complexo e subjetivo depois de ‘escolhidos’ os lugares, as pessoas ou os acontecimentos que ele pretende fotografar, ou que acaba fotografando, por mero acaso. A clareza das imagens de Sebastião Salgado, feita de uma nitidez de sombras, cujos contornos de claros e escuros não são estanques, mas entremeados por zonas de meios tons, resulta um fotojornalismo que informa sobre o objeto que retrata. Ao mesmo tempo, as opções por uma foto documental, cujo princípio bressoniano o faz colocar na mesma mira a cabeça o olho e o coração, denuncia e comove. Tais opções assumidas pelo olhar do fotógrafo são a marca da interpretação do homem, cidadão do mundo, Sebastião Salgado, que elabora e critica o que vê. Assim é que, fotógrafo, fotografado e nós, leitores, assumimos um papel ativo na narrativa visual que se confunde com a própria história. Diante das imagens em preto-e-branco de Sebastião Salgado é impossível ficar passivo, é inviável a alienação, a indiferença. Somos sacudidos... O passeio dos olhos do professor Convidamos você à leitura do documentário antes de planejar sua utilização. A proposta é iniciar um diário de bordo, um instrumento de registro dos rumos trilhados por seu pensar pedagógico, a ser retomado e desenvolvido durante todo o processo de trabalho junto aos alunos. Recomendamos, a partir da exibição, que você anote suas impressões utilizando os meios com que tiver mais afinidade: escrita, desenho, colagem... Assistir ao documentário mais de uma vez é um procedimento recomendado. A pauta do olhar que sugerimos a seguir pode ajudá-lo num registro inicial. Fica a seu critério consultá-la antes da primeira observação ou não. 8 material educativo para o professor-propositor SEBASTIÃO SALGADO – CIDADÃO DO MUNDO O que o documentário provoca em você? Quais aspectos do trabalho de Sebastião Salgado atraem mais sua atenção? A temática do projeto Êxodos, a história da humanidade em trânsito, impulsiona você a pesquisar sobre algo? De que modo o documentário amplia seu conhecimento e percepção sobre as formas de produção, circulação e recepção do trabalho fotográfico de Sebastião Salgado? O documentário te faz perguntas? Quais? Você já trabalhou com seus alunos a questão do caráter artístico/documental da fotografia? O que eles sabem sobre a foto documental e a foto jornalística? O que você imagina que os alunos gostariam de ver no documentário? O que causaria atração ou estranhamento? Como você imagina aproveitar em aula os blocos do documentário e as fotografias que são mostradas? Qual o foco que você daria ao trabalho em sala de aula a partir deste documentário? Ao rever as anotações, o seu modo singular de percepção e análise se revelará. A partir desses registros e da escolha do foco de trabalho, quais questões você incluiria numa pauta do olhar para o passeio dos olhos dos seus alunos por este documentário? A pauta não precisa ser trabalhada com os alunos como um questionamento verbal: o contato deles com suas questões pode se dar por meio de diferentes proposições que formulam de outro modo a pauta do olhar. Do mesmo modo, suas respostas também podem não ser verbais, mas expressas pelo próprio processo de trabalho. 9 artes visuais agentes meios novos artista, curador o ato de expor fotografia, foto documental, foto jornalística espaço expositivo, desenho museográfico temática figurativa espaços sociais do saber relações entre elementos da visualidade Sesc Pompéia/SP Mediação Cultural formação de público Linguagens Artísticas relação público e obra, educação do olhar, experiência estética e estésica elementos da visualidade luz, contra-luz Forma - Conteúdo qual FOCO? qual CONTEÚDO? Saberes Estéticos e Culturais o que PESQUISAR? Materialidade história da arte história da fotografia Conexões Transdisciplinares Processo de Criação poética da fotografia preto-e-branco poética da materialidade procedimentos Zarpando arte e ciências humanas ação criadora poética pessoal, escolha do momento decisivo potências criadoras sensibilidade, leitura de mundo procedimentos técnicos inventivos ética, política, cidadania, geografia humana, migrações, imprensa, jornalismo produtor-artista-pesquisador arte, ciência e tecnologia ótica, imagens técnicas, aparelhos fotográficos projeto poético e ético retratos, vida cotidiana composição, enquadramento Percursos com desafios estéticos Focalizamos no mapa, o território Conexões Transdisciplinares como um foco relevante no documentário, a ser retomado em suas proposições pedagógicas. Como o nome do próprio foco sugere, o desenvolvimento das propostas pode ter um sentido maior, se for inserido num projeto em parceria com professores de outras disciplinas da área de humanas. A seguir, apresentamos alguns possíveis percursos de trabalho. Os caminhos sugeridos não precisam ser seguidos linearmente e você está convidado a traçar a sua própria rota: escolha por onde começar, por onde passear, em que partes permanecer mais tempo, o que descartar. O passeio dos olhos dos alunos Algumas possibilidades: O aguçar do olhar dos alunos para o documentário pode começar por uma conversa sobre foto em preto-e-branco. Por meio de uma pesquisa em jornais e revistas, os alunos podem levar à sala de aula as fotografias em p&b que mais atraíram a atenção. Olhando as fotos, o que alunos percebem? São fotografias posadas ou são pessoas, cenas flagradas? As fotos ajudam a entender alguma situação? Informam sobre algum acontecimento? Por que o fotógrafo escolheu o processo fotográfico em p&b? Para nós, leitores da fotografia, qual a diferença entre a foto colorida e a em preto-e-branco? Em função das respostas dos alunos, qual bloco do documentário você escolhe para exibir primeiro, a fim de contribuir para continuidade da conversa? Outro modo de preparar a classe para o documentário pode ser a partir da foto da garota Kim Phuc, nua, fugindo de seu povoado bombardeado pelos americanos com napalm du- 12 material educativo para o professor-propositor SEBASTIÃO SALGADO – CIDADÃO DO MUNDO rante a Guerra do Vietnã, em 1972. O fotógrafo Nick Ut ganhou o Prêmio Pulitzer com essa imagem. A menina é hoje embaixatriz da Boa Vontade da Unesco. Ao mostrar a foto: os alunos já a conheciam? Eles lembravam de tê-la visto em alguma publicação? Como eles imaginavam que a foto fora feita? Para eles, qual a semelhança e a diferença dessa foto em relação a uma foto publicitária? Em seguida, você pode ler e discutir o papel do fotojornalismo a partir deste relato3 de Kim Phuc sobre sua experiência: tinha 9 anos, (...) minha família decidiu procurar abrigo em um templo, (...) não cheguei a ver a explosão da bomba (...) de repente, eu vi o fogo me cercando. (...) sentia as chamas queimando meu corpo, (...) passou pela minha cabeça que eu ficaria feia (...), que eu não ia mais ser uma criança como as outras. Eu estava apavorada, (...) comecei a correr, correr e correr. (...) O fotógrafo Nick Ut nos levou para um hospital das redondezas. Assim que ele nos deixou lá, foi para uma sala escura revelar as fotos. (...) Eu passei bastante tempo no hospital: 14 meses. Os médicos fizeram 17 cirurgias para curar as queimaduras (...) Aquele foi um momento decisivo na minha vida. (...) eu comecei a sonhar em como ajudar outras pessoas. Meus pais guardaram a foto, que tinha saído num jornal, e depois a mostraram para mim. (...) não consegui acreditar que era eu, (...) essa foto mostra claramente como uma guerra é terrível para as crianças. (...) Basta ver a foto, para as pessoas aprenderem. A partir da curiosidade dos alunos gerada pela conversa, qual bloco você escolhe para começar a exibição do documentário? Uma visita ao site dedicado por Sebastião Salgado ao trabalho registrado em Êxodos é um modo de provocar o olhar para o documentário. Você pode selecionar para a visita a página que traz os retratos das crianças. Após os alunos navegarem na página, converse problematizando: o que esses retratos fotográficos nos provocam e nos revelam? Qual a intenção do fotógrafo ao fazer do sofrimento dessas crianças uma forma de arte? Em seguida, exiba o primeiro bloco do documentário. O que ampliou o olhar dos alunos sobre as questões anteriormente formuladas? 13 Desvelando a poética pessoal O desafio aqui é motivar o aluno a criar séries de trabalhos nas quais desenvolva uma atitude de pesquisa sobre seu modo próprio de expressão na linguagem visual, percebendo os aspectos poéticos desta criação. O seu acompanhamento de cada proposta junto com a apreciação e conversa em grupo sobre os resultados é um modo de aproximação às questões da linguagem da arte. O que está acontecendo no bairro, na cidade, na comunidade onde os alunos moram que merece uma discussão? O aluno pode ser convidado a agir como fotógrafo de fotojornalismo, e com sua “lente esperta” ficar atento aos acontecimentos ao seu redor para capturar imagens que possam provocar uma discussão e levar as pessoas a refletirem sobre o que está acontecendo. A proposta é criar um ensaio fotográfico, isto é, uma série de fotos que tenham esse fio condutor. Faça com a turma um levantamento de temas, buscando um olhar estrangeiro, um olhar que problematiza o seu entorno. O ensaio fotográfico pode ser concretizado por fotografias em p&b, de preferência, com câmeras digitais ou não, por celulares ou mesmo por fotografia de lata. Sem contar com esses recursos, ainda é possível que os alunos façam o ensaio com desenhos e textos ou mesmo com imagens retiradas da internet. A discussão, sobre as imagens e questões que trouxeram, pode ser feita por meio de uma exposição das fotos organizada, segundo os temas escolhidos, em painéis. Se possível, convide um fotógrafo e um jornalista da cidade a participarem dessa discussão. 14 Outro percurso de criação é a intervenção nas fotos produzidas, lançando mão de técnicas como desenho, xerox ou mesmo colagens, procurando explorar na imagem os temas que os motivaram a captá-las. Se o computador de sua material educativo para o professor-propositor SEBASTIÃO SALGADO – CIDADÃO DO MUNDO escola tiver um escâner, as fotos podem ser digitalizadas para os alunos estudarem como interferir por meio de programas de tratamento de imagem. Finalizados os trabalhos, a organização de uma exposição dos resultados é desencadeadora da discussão em grupo. Como os alunos imaginam usar as fotos que captaram/ transformaram na criação de um jornal para levar à comunidade as questões que queiram discutir? Os alunos podem ainda fazer novas imagens e articulá-las a textos inspirados em seus debates anteriores. Em grupo, os alunos podem trabalhar os temas dentro do jornal de acordo com o interesse manifesto nas outras propostas do percurso. A parceria de um professor de português pode auxiliar o desenvolvimento dos textos. Caso você escolha a sugestão em Amarrações de sentidos: portfólio, esta proposta pode vir a ser uma forma de avaliação de todo o percurso. Ampliando o olhar Três fotos, três fotógrafos: de Eugene Smith, A madona de minamata – Japão, em que uma mãe banha o rapaz Tomoko, vítima de graves defeitos de nascença provocados pela poluição industrial; de Robert Capa, a morte do soldado legalista espanhol; de Dorothea Lange, a imigrante em Nova York. Pesquisando sobre esses fotógrafos, o que os alunos podem perceber em relação às fotos de Sebastião Salgado? Pedindo aos alunos para que tragam fotos de jornais ou revistas que tenham despertado seu interesse, sem recortar as fotos, mas trazendo as páginas inteiras, você pode provocar a observação e a discussão das imagens, focalizando a atenção tanto para a diagramação das páginas como para a forma de articulação entre as imagens e o texto das matérias. Outra observação é sobre a legenda das fotos: as fotos jornalísticas têm legenda? 15 A coleta de fotografias, a partir de temas de maior interesse dos alunos, pode se transformar numa coleção, incluindo fotos recortadas de jornais e revistas ou buscadas na internet. Um foco para a observação e discussão sobre as imagens dos diversos fotógrafos pode ser a percepção dos alunos sobre o modo como utilizam o enquadramento, a angulação, a proximidade ou distância do que é fotografado, assim como, os indicadores da posição ideológica dos fotógrafos. A coleção pode ser apresentada tanto em um álbum físico como num álbum virtual para olhar no computador. Goya, Picasso; os brasileiros Claudia Andujar, Rubem Grilo, Regina Silveira, ou Siron Franco (consulte na DVDteca Arte na Escola os documentários disponíveis) são artistas que trabalham com questões éticas e políticas. O que os alunos podem descobrir sobre o modo como abordam tais questões? Para a discussão, os alunos podem escrever, individualmente, um texto sobre os aspectos que mais os tocarem nas obras. Conhecendo pela pesquisa Um fotógrafo de sua cidade pode disponibilizar aos alunos seu estúdio para uma visita. O que os alunos gostariam de saber? Um roteiro previamente elaborado pode ser orientador da entrevista. Retornando à sala de aula, os alunos podem organizar em grupos suas impressões sobre a visita e o que compreenderam sobre o processo de criação de uma imagem fotográfica. Quais aspectos da pesquisa que gostariam de aprofundar? A visita à redação de um jornal de sua cidade pode gerar uma conversar com a equipe sobre como um jornal é criado. De que modo o fotojornalismo é praticado? O processo fotográfico é colorido ou em p&b? Quais os critérios para a escolha? Como acontece a relação interna entre os jornalistas de texto e os de imagem? Na sala de aula, os alunos 16 material educativo para o professor-propositor SEBASTIÃO SALGADO – CIDADÃO DO MUNDO divididos em grupos podem organizar o que conheceram, atentos às referências para a criação de seu próprio jornal. Conhecer a fotografia no Brasil pode ser uma pesquisa desenvolvida em livros, na internet, buscando fotógrafos como Cristiano Mascaro, Gal Oppido e Maureen Bisilliat, entre outros. Quais fotógrafos podem ser encontrados na DVDteca Arte na Escola? Quem são os profissionais brasileiros do fotojornalismo? Quais as características desse trabalho e a estética desses profissionais? De que modo o olhar desses fotógrafos permite a percepção do nosso cotidiano de novas formas? Como o belo se apresenta em nosso dia-a-dia? Há diferença entre belo e beleza? Qual a relação entre belo, beleza e arte? Como esta questão é tratada por artistas de diferentes épocas e culturas? A partir destas questões, o que os alunos podem descobrir sobre o tema e estabelecer relações com as fotos de Sebastião Salgado? O que as fotos de Sebastião Salgado revelam? Vietnamitas fugitivos do regime comunista que são aprisionados em países vizinhos e passam anos em campos de refugiados. Crianças que nascem e crescem em imensas prisões, como pássaros em gaiolas, sem jamais conhecer a liberdade. No Equador, camponesas abandonadas pelos maridos, que migram para áreas urbanas, desenvolvem plantios de alimentos em minúsculas porções de terra em meio às imensidões transformadas em pastos pelos grandes proprietários. Sér vios, croatas, albaneses, kosovares e outros povos de regiões permanentemente em conflito vão e voltam, em eterna fuga. Camponeses desalojados das terras cultiváveis concentradas nas mãos de uma minoria rica, pela mecanização da lavoura e pelo uso das terras como pasto, avançam sobre as favelas das grandes cidades, gerando desordem urbana e mais violência. Em todos os continentes, há seres humanos que vivem em conflito permanente e a grande 17 maioria está submetida a uma terrível situação de opressão. Por que isso acontece? Um projeto em parceria com outros professores pode levantar as informações para a discussão da ética e seus desdobramentos em relação à concentração de renda, de terra e do poder nas mãos de poucos, o que gera a miséria, o preconceito, as guerras, a desorganização demográfica. Amarrações de sentidos: portfólio O conjunto de imagens e textos produzidos neste projeto, nas diferentes disciplinas, pode vir a ser um portfólio no formato de um jornal. É importante dar especial atenção à diagramação desse material. Para isso, seria interessante que os alunos observassem diferentes jornais e revistas para investigarem idéias e soluções mais adequadas à intenção da turma e os modos de adaptálas às condições técnicas disponíveis: se a produção do jornal for feita no computador, ou com xerox, ou mesmo estruturado em forma de mural para a comunidade escolar. A doação desse trabalho à biblioteca local, ou à da escola, é um modo de tornálo um registro documental. Valorizando a processualidade A apresentação e discussão do portfólio podem dar indícios sobre: quais transformações ocorreram? O que os alunos percebem que conheceram? O que o documentário e, a partir dele, o estudo realizado ampliaram o olhar dos alunos sobre fotografia e questões éticas? 18 Como professor-propositor o que você percebe nos registros de seu diário de bordo? O que você experienciou com esse projeto? Houve descobertas de novos caminhos para sua ação pedagógica? No momento de conclusão desta viagem e início do planejamento de novas explorações com seus alunos, seu diário de bordo aponta para rumos inexplorados? O projeto germinou novas idéias em você? material educativo para o professor-propositor SEBASTIÃO SALGADO – CIDADÃO DO MUNDO Glossário Composição fotográfica – é a arte de escolher pautada pela seleção do tema, na qual o fotógrafo avalia a contribuição dos diversos componentes da imagem. Fonte: BUSSELLE, Michael.Tudo sobre fotografia. São Paulo: Pioneira, 1990. Contraluz – um dos efeitos mais difíceis e um dos erros mais comuns que acontecem na fotografia. O contraluz enfatiza as formas e aumenta o contraste. Ao fazer a leitura da luz (fotometrar) da imagem pela sombra vai clarear muito a cena e enfatizar o que está na sombra. Se, ao contrário, fotometrar a parte iluminada, vai acabar por deixar a parte que está na sombra totalmente escura. Fonte: <www.visualarts.com.br/dicas_06.htm>. Enquadramento – “Toda fotografia, seja qual for o referente que a motiva, é sempre um retângulo que recorta o visível. O primeiro papel da fotografia é selecionar e destacar um campo significante, (...) O quadro da câmera é uma espécie de tesoura que recorta aquilo que deve ser valorizado, que separa o que é importante para os interesses da enunciação do que é acessório, que estabelece logo de início uma primeira organização das coisas visíveis.” Fonte: MACHADO, Arlindo. A ilusão especular: introdução à fotografia. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 76. Ética – “Reflexão sobre os fundamentos da moral. O que caracteriza a ética é a sua dimensão pessoal, isto é, o esforço do homem para fundamentar e legitimar a sua conduta. A ética é atualmente dividida em três partes fundamentais: a) Ética Descritiva - descreve os fenômenos morais; b) Ética Normativa -procura a justificação racional da moral; c) Metaética- reflete sobre os métodos e a linguagem utilizada pela própria Ética”. Fonte: <http:// afilosofia.no.sapo.pt/conceitos.htm>. Fotojornarlismo – “Consiste no trabalho fotográfico destinado à reprodução impressa (em jornais, revistas, livros e álbuns especiais) e caracterizado pela captação de imagens espontâneas, naturais ou informais de eventos cotidianos, de situações sociais agudas ou de acontecimentos extraordinários (guerras, manifestações populares ou de repercussão pública, grandes acidentes etc.) É uma forma instantânea de prestar contas do mundo, em sua imediata autenticidade, aproximando-se às vezes da pesquisa ou do registro etnográfico. Como o controle que o fotógrafo tem sobre o desenrolar das ações, sobre as circunstâncias ou a luminosidade é mínimo, exige-se dele um alto grau de percepção do “momento decisivo” como o chamou Henri Cartier-Bresson. Ou seja, o instante (ou uma seqüência deles) em que a ação revela as emoções vividas (medo, alegria, angústia, violência, entusiasmo, ternura, humor) e sintetiza o significado social que dela se possa extrair para a compreensão do acontecido”. Fonte: CUNHA, Newton. Dicionário Sesc: a linguagem da cultura. São Paulo: Perspectiva: Sesc São Paulo, 2003, p. 293. 19 Bibliografia DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1994. FABRIS, Annateresa (org.). Arte & política: algumas possibilidades de leitura. Belo Horizonte: C/Arte, 1998. KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. Cotia: Ateliê Editorial, 2000. MACHADO, Arlindo. A ilusão especular: introdução à fotografia. São Paulo: Brasiliense, 1984. PETZOLD, Paul. 1001 efeitos especiais em fotografia. Rio de Janeiro: Ediouro, 1985. SALGADO, Sebastião. Êxodos. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. SCHULTZE, Ana Maria. Mapas sensíveis: percursos de leituras de mundo através de linguagens fotográficas. São Paulo, 2003. Dissertação (Mestrado). Instituto de Artes/UNESP. Seleção de endereços sobre fotografia na rede internet Os sites abaixo foram acessados em 29 set. 2005. CAPA, Robert. Disponível em: <www.ricciardi.eng.br/Artigos/Robert_ Capa.htm>. CARTIER-BRESSON, Henri. Disponível em: <www.fotonadia.art.br/ areadeacesso/bresson/>. FOTOGAFIA BRASILEIRA. Disponível em: <www.mre.gov.br/cdbrasil/ itamaraty/web/port/artecult/foto/apresent/index.htm>. ___.Disponível em: Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais <www.itaucultural.org.br>. FOTOJORNALISMO. Disponível em: <www.fotojornalismo.com/>. LANGE, Dorothea. Disponível em: <www.uc.pt/iej/alunos/1998-99/ dlange/mae.html>. SALGADO, Sebastião. Disponível em: <www.terra.com.br/sebastiaosalgado>. ___. Disponível em:<www.masters-of-photography.com/S/salgado/salgado.html>. ___. Disponível em:<www.unicef.org/salgado/>. Notas 1 TURAZZI, Maria Inez (org.). Fotografia. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília: IPHAN: MEC, n.27, 1998. p. 225. 2 3 20 Idem, p. 225. Vietnã, 25 anos depois: a foto que chocou o mundo. Texto adaptado de uma gravação feita para o site do BBC World Service em inglês, 28 de abril, 2000. Disponível, com a foto, em: <www.historianet.com.br/ conteudo/default.aspx?codigo=147.>