dia & noite: o melhor da programação cultural da cidade
Ano XI • nº 208
Setembro de 2012
R$ 5,90
em poucas palavras
Na capa inspiradíssima de André Sartorelli,
a referência é ao 45º Festival de Brasília do Cinema
Brasileiro, o mais antigo e tradicional do país, que
tomará conta da cidade entre os dias 17 e 24. Em
constante movimento, este ano não será realizado
no Cine Brasília, sua casa, finalmente passando
por merecida reforma. Será transferido para a Sala
Villa-Lobos do Teatro Nacional e, como no ano
passado, terá exibições em Sobradinho, Taguatinga,
Ceilândia e Gama. Entre as novidades, a criação de
um prêmio específico para documentários. Leia
tudo sobre o festival, inclusive as resenhas dos
filmes em Luz Câmera Ação, a partir da página 31.
Imperdíveis, também, são os comentários de
Reynaldo Domingos Ferreira sobre dois filmes
apresentados recentemente no Festival Varilux
de Cinema Francês que entraram para o circuito
comercial: Intocáveis, sucesso de bilheteria na
França, e My way, o mito além da música, que
conta a história de Forent Emilio-Siri, cantor e
compositor francês autor, entre outros, do sucesso
imortalizado por Frank Sinatra (páginas 40 a 42).
Abençoados, então, sejam os irmãos Lumière!
Boa leitura e até outubro
Maria Teresa Fernandes
Editora
Divulgação
Luz, câmera, ação. Foi depois de observar o
mecanismo de uma máquina de costura que os
irmãos Lumière criaram um projetor capaz de dar
movimento a imagens fixas. Estava inventado o
cinematógrafo, cuja noite de estreia se deu em 28
de dezembro de 1895, em Paris. A engenhoca que
deixou atônitos os 33 convidados da estreia não
demorou muito para ser aperfeiçoada e atrair
multidões de apaixonados pelo cinema, geração
após geração. E é para ele que se voltam os
holofotes na edição mais cinematográfica já
realizada por nossa Roteiro: nada menos que
11 páginas.
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águanaboca
Brasília ganha dois novos restaurantes japoneses que têm
em comum a criatividade gastronômica e a arquitetura
moderna: Yüjin, na 408 Sul (foto), e Nazo, na 214 Norte.
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picadinho
garfadas&goles
pão&vinho
doisespressoseaconta
queespetáculo
dia&noite
culturaindígena
cartadaeuropa
graves&agudos
paisagismo&decoração
galeriadearte
verso&prosa
luzcâmeraação
ROTEIRO BRASÍLIA é uma publicação da Editora Roteiro Ltda | SIA – Trecho 17, Rua 20, Lote 90 | Diretor Executivo Adriano Lopes de Oliveira
Endereço eletrônico: [email protected] | Editora Maria Teresa Fernandes | Capa André Sartorelli, sobre foto de José Ribamar |
Diagramação Carlos Roberto Ferreira | Colaboradores Akemi Nitahara, Alexandre Marino, Alexandre dos Santos Franco, Ana Cristina Vilela,
André Sartorelli, Beth Almeida, Cláudio Ferreira, Heitor Menezes, Lúcia Leão, Luiz Recena, Mariza de Macedo-Soares, Melissa Luz, Reynaldo
Domingos Ferreira, Sérgio Moriconi, Silio Boccanera, Súsan Faria, Vicente Sá | Fotografia Eduardo Oliveira, Rodrigo Oliveira, Sérgio Amaral |
Impressão Editora Gráfica Ipiranga Tiragem: 20.000 exemplares | Para anunciar Rachel Formiga (3234.2472 / 8144.9935 / 9959.9935)
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@roteirobrasilia
Fotos: Divulgação
água na boca
Ebi Tempura
Yüjin Maki
Japas fusion
Por Beth Almeida
A
té fins da década de 80 do século
passado, a gastronomia japonesa
era pouco conhecida por aqui, ficando restrita a locais como o bairro paulistano da Liberdade, com forte presença
dos descendentes dos imigrantes japoneses que começaram a chegar ao Brasil em
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1908. Isso mudou no embalo da chamada geração saúde, quando a culinária nipônica passou a ser sinônimo de alimentação equilibrada, e apreciar alimentos como os peixes crus dos sushis e sashimis
tornou-se um hábito “chique”.
O resultado disso é o que encontramos hoje: só em Brasília, são mais de 60
endereços servindo esse tipo de refeição.
Não é para menos.
A culinária japonesa
conquistou os paladares brasileiros, não
importa se o comensal tenha 8 ou 80
anos. Para esse enorme e diversificado
público, Brasília passou a oferecer recentemente mais duas
opções: na Asa Sul, o
Yüjin, inaugurado em
24 de julho; na Asa
Norte, o Nazo, que
abriu as portas em 10
de agosto.
No Yüjin, que significa amigo, a proposta do gerente-geral Alexandre Velasquez é somar ao bom cardápio o primor
no atendimento. “As duas coisas devem
estar associadas. Não adianta a casa ter
bom atendimento se não tiver boa cozinha, e vice-versa”, ensina, com a experiência de quem já assessorou outras casas brasilienses, como Baco e Soho. O cardápio,
com mais de 200 opções, foi elaborado pelo sushiman Takeo Nakayama, que tem
26 anos de dedicação à culinária oriental e
também já prestou consultoria a outros
restaurantes da cidade, como o Aloha
Sushi Bar e Temakeria. São delícias como
um shimeji na manteiga, que chega à mesa
coberto com queijo gratinado.
Assimilando um pouco da cozinha peruana (que, por sua vez, também tem influências da cozinha oriental), a casa serve
ceviches de peixe branco e de salmão. Da
cozinha italiana vem o carpaccio, que tradicionalmente é preparado com carne bovina crua ou, mais recentemente, com salmão defumado, mas que, sob a influência
da cozinha japonesa, é servido com o pei-
Fotos: Sérgio Amaral
Uramaki Dragon e drinque Hot Pepper
xe fresco. O serviço pode ser à la carte ou
no sistema de festival, mas com os pratos
servidos à mesa, em substituição aos bufês
montados. E se a proposta é reunir amigos, a casa não poderia deixar de pensar
naquele membro do grupo que, raríssima
exceção, não gosta de nada da cozinha japonesa. Ele poderá escolher um dos quatro pratos da cozinha internacional que
compõem o cardápio.
O ambiente moderno projetado pela
arquiteta Luciana Monteiro, com muitas
linhas geométricas e cores predominantemente claras, também contribui para
bons momentos ao longo da refeição. No
primeiro andar, as mesas são acomodadas
Tuna Tataki
em taças formadas a partir do térreo, com
espaço vazado entre elas, o que garante excelente acústica e privacidade para o bate-papo entre amigos.
No Nazo – que quer dizer enigma, ou
mistério, em japonês – o clima é ditado
também pela decoração, jovial como
seus proprietários, os amigos de infância
Rafael Lago, Nícolas Fujimoto e os irmãos Renato e Tiago Almeida, todos na
faixa dos 25 anos. O projeto de Mônica
Pinto contempla paredes cobertas por
grafites. Para um drinque antes da refeição, um simpático jardim ou o balcão de
onde se pode observar o trabalho do
bartender.
A casa também optou por
servir o festival,
com 49 itens disponíveis, diretamente à mesa,
mas com um sistema diferenciado de preços para os pratos especiais. “As pessoas
às vezes querem
consumir o festival, mas também
querem um prato
que não está incluído; nesse caso,
podem pedir o prato especial no festival
com um desconto de até 70%”, explica
Rafael Lago. Entre esses mimos que podem acrescentar sabor à refeição são muitas as oções, como ceviche, tartar e carpaccio, para citar só algumas referências do
caráter fusion do cardápio. Também peixes levemente assados com maçarico ou
semi-grelhados, como o Tuna Tataki, com
alho frito e cebolinha.
O cardápio à la carte, com quase 100
opções, prima pela inovação, com surpresas como chips de mandioquinha com
foie gras ao molho tarê, entre os tira-gostos, o delicioso Uramaki Dragon, com camarão empanado, maionese oriental, pepino e ovas de massagô, ou o Niguiri
Umeboshi, com atum e ameixa japonesa,
que é salgada e em conseva.
Entre as bebidas, caipirinhas à base
de sakê ou de vodka, com pelo menos 15
opções, mojitos e margaritas. Também 44
rótulos de vinhos e cervejas especiais, como a Czecvar, de origem tcheca, uma das
lager mais premiadas do mundo, e a Vallentins, à base de trigo.
Yüjin
408 Sul (3322.7453)
De 2ª a 6ª, das 12 às 15h e das 19h à 1h.
Sábados e domingos, das 12 às 16h e das
19 à 1h.
Nazo
214 Norte (3033.7840)
Diariamente das 12 às 15h e das 19 às 24h.
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água na boca
Coqueluche paulistana
Por Mariza de Macedo-Soares
Fotos Mauro Holanda
I
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r a São Paulo e não dar um pulo até
o centro da cidade, deixar de visitar
um de seus cartões postais, o Edifício
Copan (Avenida Ipiranga, 200), pode ser
considerado um pecado leve. Não conhecer o Bar da Dona Onça, que pontifica
desde maio de 2008 no térreo dessa obra
que Oscar Niemeyer projetou na década
de 50, é pecado que beira o grave. O Dona
Onça é lugar que não discrimina comensal, acolhe famosos e anônimos e recebeu
todos os prêmios destinados a bares e restaurantes – o mais recente, melhor cozinha de bar. Tem cardápio que resgata pratos boêmios da capital paulistana e da cozinha do interior do Estado (stinco de leitoa, panelinha de codeguim e ensopado de
moela de galinha, apenas para citar três);
bar com espelho que reflete destilados e
fermentados de fina procedência; carta invejável de cervejas de baixa e alta fermentações servidas em copos adequados e temperatura perfeita; cachaças para todos os
gostos; adega com 260 rótulos; champanhe (é o “Bar Embaixador da Piper Heidsieck”); espumantes; logo criada por Paulo
Caruso; uniforme dos garçons desenhado
pelo estilista Walério Araújo; e a jovem,
criativa, brava-porém-simpática chef Janaina Rueda (a dona onça) pilotando o fogão.
Tudo começou no início
de 2008, quando o empresário Julio Cesar de Toledo
Piza, um boêmio histórico de
São Paulo, conheceu Janaina
Rueda (com ele na foto ao
lado), que tinha planos de
abrir um bar/restaurante e
só aguardava uma oportunidade. Julinho, como é conhecido, saudoso dos bares/
restaurantes que o centro
“antigamente” abrigava, topou na hora. Numa conjunção favorável de fatores, daquelas que vez por outra
acontecem, juntaram-se então a chef, o empresário e
um espaço vazio no térreo do
Copan, de pé-direito alto, perfeito para
uma pequena cozinha no mezanino e mesas para abrigar, sem amontoar, 50 comensais. Deu certo de tal forma que dois
anos depois, em 2010, incorporou-se à primeira loja outra, vizinha, e o Dona Onça
ganhou mais 34 lugares, expansão que lo-
Picadinho com tartar de banana e ovo caipira frito.
go pediu mais uma, dessa vez do lado de
fora, debaixo de umbrelones, para atender
a 25 pessoas sentadas – porque em pé, na
beira da calçada e no meio da rua que corta
o Copan, são atendidas comme il faut dezenas de outras que esperam, com grande
paciência, “vagar mesa” na casa.
Dona Onça, coqueluche paulistana,
tem cardápio sazonal, como as semanas
de moda, que muda duas vezes por ano e
apresenta pratos para outono/inverno e
primavera/verão. Os pratos do dia, vez
por outra, sofrem alterações que Janaina
chama de “brincadeiras”. Conta, divertida, que certa vez um assíduo comensal pediu o PF da Dona Onça (carne moída refogada com azeitonas, ovo cozido de gema
mole ou não, arroz soltinho, feijão e couve, como a carne, refogada). Pedido feito e
prato servido, o senhor misturou toda a
comida, acrescentou gotas da pimenta da
casa, salpicou farinha de mandioca por cima, pediu uma dose de cachaça e começou a comer de “boca boa”. Curiosa, a
chef foi para a cozinha e numa panela repetiu o ritual de mistura que havia presen-
Capeletti in brodo de carne com trufas negras.
ciado no salão de refeições. Misturou ao
feijão um pouco de arroz, carne moída refogada, farinha, três pimentas (uma de
cheiro e outras duas de graus de ardência
diferentes, porém leves) e couve picada.
Arrumou num prato com ovo frito no
óleo, de gema mole, e enfeitou com mais
um pouco da couve refogada. Pediu uma
cachacinha, comeu com vagar, intercalando golinhos com garfadas, e pronto: o
“arroz mexidinho acompanhado de cachacinha” foi parar no cardápio.
São muitos os carros-chefes da casa.
No inverno, o capeletti in brodo de carne com trufas negras e ervas frescas e o
steak à Diana com arroz puxado em molho, releitura do tradicional, dividem o
estrelato com as sopas de macarrão com
feijão e de cebola com músculo. A grande estrela da casa, que não depende de
estação, é o picadinho, que chega à mesa
com tartar de banana e ovo caipira frito.
No item sobremesas, as estrelas ficam com
os mini churros com doce de leite e com a
espuma de coco servida com baba de moça. A companhia perfeita para o drinque
Trio de mini sanduíches de sardinha no pão francês.
de fim do dia de quem sai do trabalho e
passa no Dona Onça para um intervalo,
enquanto melhora o trânsito, são os mini
sanduíches de sardinha no pão francês,
servidos de três em três, que, de tão bons,
fizeram por merecer seu canto de destaque
dentro do cardápio da casa.
Como bar de respeito que é, o Dona
Onça prefere não trabalhar com reservas
de mesas e abre suas portas diariamente às
11h. Fecha a cozinha às 23h nas segundas,
terças e quartas feiras e às 24h nas quintas,
sextas e sábados, sem expulsar ninguém.
Aos domingos, porque ninguém é de ferro, abre apenas para almoço e, como todos
os dias, quem chegar primeiro consegue se
sentar às mesas, dentro e fora do restaurante, ou, se serve de consolo, pegar um
lugar legal na calçada da rua que corta o
Edifício Copan, o cartão postal paulistano
da Avenida Ipiranga, 200.
Bar da Dona Onça
Avenida Ipiranga, 200 – Edifício Copan, lojas
27 e 29 – Centro – São Paulo (11-3257.2016)
2ª a 4ª feira, das 11 às 23h; 5ª a sábado, das
11 às 24h; domingo, das 11 às 17h.
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Sérgio Amaral
água na boca
Parrilla à sombra da figueira
Por Beth Almeida
A
Vila Planalto conta com tantos
restaurantes que já ficou até conhecida como “a praça de alimentação da Esplanada dos Ministérios”. Os
que lá trabalham são a maioria dos que
buscam no bairro saborosas, relaxantes e
variadas alternativas de almoço. Mas essa
diversidade ficava restrita a esse horário,
porque, com exceção do tradicional Traíra
Sem Espinha, todas as casas fechavam à
noite. Desde 13 de julho, o bairro passou
a contar também com um agradável local
para a happy hour ou o jantar. O Figueira
da Villa, que obviamente também funciona no almoço, destaca-se pelo cardápio,
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tendo como carro-chefe a parrilla preparada pelo uruguaio Miguel Ângelo.
São oito tipos de cortes bovinos e ovinos, desde os tradicionais assado de tira,
prime rib e picanha até raridades como as
mollejas, ou timo, uma glândula do cordeiro apreciada pela maciez. Entre as aves,
tulipas de frango marinadas no gengibre,
que ficam uma delícia acompanhadas do
molho chimichurri. Para equilibrar tanta
proteína, dez opções de saladas e também
o que a casa nomeou de parrilla vegetariana: tomates, cebolas, pimentões e abobrinhas assadas na lenha. O cardápio conta
ainda com nove acompanhamentos para
as carnes, como o arroz parrillero, com
ovos, salsa, cebola, batata-palha e bacon,
muito parecido com um arroz biro-biro.
Para a entrada, ou para aquele drinque de
fim de tarde, há também dez opções, como as empanadas de carne e queijo que o
chef chileno Simon prepara com a massa
ligeiramente folhada. Para arrematar a refeição, seis tipos de sobremesas.
O Figueira é fruto do talento do baiano
Valdir Neves, que há quatro anos mora no
bairro e, ao deixar o setor público, decidiu
seguir sua vocação, que vem de família.
“Fui criado dentro de um restaurante”,
conta, referindo-se ao que o pai manteve
por muitos anos em Guanambi, sua cidade
natal. Associado a isso, o dom nato de bem
receber faz do local quase uma extensão da
casa desse baiano gentil e bom de papo.
Na decoração, Neves contou com a
ajuda de Marcelo Galo para concretizar
seus planos. A enorme figueira, cujas raízes estão fincadas dentro do salão principal do restaurante, ganhou iluminação especial na copa e, no tronco que fica dentro do restaurante, a companhia de bromélias e orquídeas, formando um simpático jardim de inverno. O mix entre o rústico e o moderno contribui para o clima
aconchegante da casa, que também tem
mesas na parte externa cobertas com enormes guarda-sóis.
Para animar a happy hour, uma grande variedade de bebidas – cervejas especiais como a paulistana Baden Baden e a
fluminense Therezópolis e 128 rótulos de
vinhos de diversas nacionalidades. Tudo
ao som de um saxofone tocando baladas
de jazz e bossa nova, em volume adequado, permitindo uma agradável conversa.
Uma ótima forma de começar a noite, menos no domingo, quando a casa funciona
só no almoço.
Figueira da Villa – La Parrilla
O legítimo
crepe bretão
Gui Teixeira
Acampamento DFL – Rua 1 – n° 2
Vila Planalto (3081.0541)
De 2ª a sábado, das 12 à 1h;
domingo, das 12 às 16h.
Por Lúcia Leão
fotos rodrigo oliveira
A
h, o amor! Que move montanhas,
todos já sabíamos. Mas transformar, em três anos, um jovem engenheiro de som em respeitado mestre
crepeiro, e transplantar para Brasília algumas boas raízes da cultura gastronômica
francesa, pode-se considerar façanha inédita de Cupido! Pois foi por amor que
Clement Wetzel descobriu-se um talentoso chef e presenteou a cidade com a creperia e bar In The Garden, um cantinho
charmoso, com ambiente e paladares de
uma simplicidade surpreendentes, na
413 Norte.
O carro-chefe da casa são os crepes de
trigo sarraceno, ou galettes, como se denominam na Bretanha francesa, sua região
de origem. Foi lá, mais precisamente na
cidade de Brest, que Clement aprendeu
as técnicas e segredos no preparo da iguaria, quando resolveu fincar âncoras em
Brasília e adotar um estilo de vida mais
compatível com a estabilidade que almejava no casamento com a brasiliense Naraina, a grande paixão que o fez cruzar o oceano e abandonar as turnês musicais.
“Como engenheiro de som, minha
vida era viajar e viajar. Não podia estar casado assim. Então, fui pensando no que
fazer e juntando dinheiro para montar um
negócio. Resolvi pela creperia porque era
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água na boca
12
uma iguaria com que sempre me identifiquei, desde a infância”, conta o pragmático e apaixonado Clement.
O gosto de infância foi despertado pela avó Suzette, que preparava infindáveis
rodadas de crepes nas ocasiões festivas de
família e ensinou os fundamentos de seu
preparo. Desde então, a rodela de massa
crocante acompanha suas melhores lembranças, de festas de rua, reuniões com
amigos e até de seu herói das histórias em
quadrinhos, Gaston Lagaffe, que nunca
consegue acertar a frigideira na hora de virá-la. Mas a técnica que hoje faz o sucesso
do In The Garden o jovem chef foi aprender com quem ele considera o “mestre dos
mestres crepeiros”, Jean Sebastian Hay, da
creperia-escola Diwali, de Brest, cidade litorânea do extremo oeste francês.
Na Diwali, Clement aprendeu que “há
tantas receitas de crepe quanto há igrejas
na França”. Mas os salgados, ou galettes,
devem usar o trigo sarraceno e os doces o
trigo branco. A receita do In The Garden
é das mais simples, de mistura da farinha
em água e um pouquinho de mel. O segredo, segredo mesmo, está na hora de fritar:
numa chapa superaquecida a 220 graus,
onde a massa deve ser jogada e manipulada rapidamente com a espátula para ser
distribuída por igual sem passar do ponto.
É questão de segundos. “Esse procedimento, que requer muito treino e habilidade, é
responsável pela crocância que diferencia
o nosso crepe”, revela Clement.
Dessa chapa – francesa, produzida na
Bretanha – a esfera de massa já crocante
vai para outra, do tipo tradicional, mais
fria, onde receberá os recheios. E aí, mais
uma particularidade – e mais um trunfo
– do In The Garden: recebe produtos de
alta qualidade, quase sempre in natura
(como os queijos brie, roblochon, raclette
e de cabra, presuntos e salmão defumados) ou minimamente processados (como
espinafre refogado e shitaki na manteiga)
e ganha apresentações plásticas, bem coloridas e divertidas, especialmente nos “galettes completos”, finalizados com um ovo
estalado, com a gema crua e bem amarela
ao centro.
“A simplicidade dos recheios é também uma marca do crepe bretão e mais
uma coisa que eu aprendi com o mestre
Jean Sebastien: deve-se respeitar a qualidade inalterável dos produtos, explorar
seus sabores próprios, suas cores e suas
características estéticas”, define o jovem
empreendedor e mestre crepeiro.
Clement Wetzel e seu crepe de trigo sarraceno: receita simples como a mistura de vinho com cerveja (abaixo)
Um pouco mais elaborados, os crepes
doces envolvem frutas, chocolate, calda
de limão (uma versão da avó Suzette para
o tradicional crepe suzette flambado em licor de laranja) e caramelo, em misturas
irresistíveis. O cardápio do In The Garden se completa com dois outros itens
simples da culinária cotidiana francesa:
as saladas cruas e as omeletes. Assim como a carta de bebidas, onde, entre vinhos
e uma boa variedade de cervejas, destacam-se a mistura das duas bebidas – vinho com cerveja, um drink bem ao gosto
francês – e uma cidra artesanal, importada da Bretanha e recomendada por Clement: “É o acompanhamento por excelência para os crepes e galettes”. De fato,
uma combinação dos deuses!
Pra terminar, coloque tudo isso num
ambiente simples e aconchegante, com
pre- ços até bem palatáveis (entre R$ 13 e
R$ 25 o prato), atendimento simpático e
eficiente e está explicado como, em pouco
tempo, o In The Garden conquistou brasileiros e franceses, de passagem ou residentes em Brasília, apenas apreciadores ou
profissionais reconhecidos como o chef
pâtissier Daniel Briand, uma referência em
culinária francesa na cidade. Ele não esconde sua admiração pelo novo concorrente: “É um lugar muito simpático e a
comida de ótima qualidade. Quase tão
bom quanto o meu”, brinca.
É difícil, assim, fugir do jargão: “Vive
la France, vive l’amour!”.
In The Garden
413 Norte – Bloco E – Loja 57 (3033.3093).
De 3ª feira a domingo, das 17 às 24h.
PICADINHO
Malhação com feijoada
raça Angus. E eles aproveitaram bem essa
experiência”, comemora Jandir Dalberto,
presidente da Fogo de Chão Brasil.
e carne bovina. Mas o carro-chefe da casa
é a sequência de camarão, composta de
12 pratos, servida no almoço e no jantar
ao preço de R$ 39,90. Nos próximos meses,
a rede Sumô também abrirá, na praça de
alimentação do Liberty Mall, a delicatessen
Babete, que servirá tortas, doces, salgados e,
na happy hour, petiscos originais e cervejas.
Cachaça DOC
Depois de Paraty, no Rio de Janeiro, a região
de Salinas, em Minas Gerais, é a primeira a
obter para suas cachaças o reconhecimento
da Indicação Geográfica (IG) pelo Instituto
Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Com a conquista do selo, o produto de Salinas
ganha valor e competitividade. O novo status
contribuirá, com certeza, para lhe abrir as
portas dos mercados americano e europeu.
Pastas e carnes
Casa Cor
O Versão Tupiniquim, da chef Fabiana
Pinheiro, será o restaurante oficial da
edição 2012 da Casa Cor Brasília (de 29
de setembro a 6 de novembro na QI 19 do
Lago Sul, chácaras 2 a 7). Vai dividir a praça
de alimentação do evento com a Cristallo,
que desde 1953 recheia a vida dos
paulistanos com panines, vol-au-vents,
tortas, sonhos e outras guloseimas, com
a Joaquina Gourmet, que esteve também
na edição do ano passado, e com a
Respeitável Burger, de Dudu Camargo.
4Doze convida
Todas as segundas e terças-feiras, a partir
das 19h, um chef ou um gourmet tem a
oportunidade de demonstrar seu talento
culinário. É o projeto 4Doze Convida,
promovido pelo charmoso bistrô da 412
Sul. Os próximos a se apresentar serão a
gourmet Ozitha Teatini, dias 18 e 19, que
vai preparar o camarão prestígio com arroz
havaiano, e a chef Ana Victoria Neddermeyer,
dias 25 e 26, com o carré de cordeiro ao
molho de uísque com ratatouille aromático
e mil folhas de mandioca.
E o vencedor é...
Fast-food árabe
A praça de alimentação do Pier 21 ganhou
o reforço da franquia paulistana Espaço
Árabe, cujo cardápio exibe mais de 40
opções de pratos. Entre as entradas, as
tradicionais pastas de berinjela, coalhada
seca e fresca e grão-de-bico, além do quibe
cru. As saladas dividem espaço com as
esfihas de massa tradicional e sabores
variados. Diariamente são oferecidos oito
pratos principais e, na sobremesa, uma
grande variedade de doces, entre os quais
se destacam os ninhos recheados.
Comida mediterrânea
No Liberty Mall, a novidade é a filial do
restaurante Sumô Med, de culinária
mediterrânea, cuja primeira unidade fica
na 116 Sul. Embora especializado em frutos
do mar, serve também pratos à base de aves
Divino Fogão
Fotos: Divulgação
Uma comida calórica como essa dentro de
uma academia, lugar de culto ao corpo,
à boa forma? À primeira vista, parece uma
incoerência, mas logo o frequentador da
Unique Fitness, no Sudoeste, constata que
a feijoada servida aos sábados no Bistrô do
Solarium, localizado no terraço da academia,
é bem light, preparada exclusivamente com
carnes e outros ingredientes “magros” – ou
com pouquíssima gordura. Pagando R$ 33,
o cliente pode se servir quantas vezes quiser.
Mas é bom não exagerar.
Mudanças importantes no serviço do
Avenida Paulista (Centro de Lazer Beira
Lago, ao lado da Ponte JK). “Continuaremos
com o bufê de saladas e antepastos, mas
passaremos a servir os pratos principais
diretamente nas mesas dos clientes. Vamos
sugerir combinações de carnes e pastas
que agucem o sabor de cada ingrediente
selecionado”, informa o proprietário,
Roberto Magnani. “Constatamos que nossos
frequentadores gostariam de ser servidos
não somente com o bufê, e por isso
resolvemos mudar a maneira de servir,
além de apostar em novos sabores”.
Como garantir que uma grande rede de
restaurantes, com 120 unidades em todo
o país, tenha todos os dias comida fresca
e quente o tempo todo, sem perder o sabor
e o tempero caseiro? Este foi o desafio do
Divino Fogão, especializado em comida
típica da fazenda. Para garantir esse frescor,
a rede contratou o chef José Olivan Pego,
com passagens pela Nestlé e Unilever e
participações em festivais internacionais
como Waldorf Astória e Bocuse D’Or,
e que cozinhou para a comitiva do
Papa Bento XVI quando esteve no Brasil.
Apaixonado pela gastronomia brasileira,
Olivan aceitou o desafio na hora: “A cozinha
brasileira, mesmo com influências de todo
o mundo, consegue ter uma cara própria,
graças à diversidade de ingredientes”.
O melhor PF
Com 28% dos votos, o prime rib, um filé
retirado das primeiras cinco vértebras do
boi, foi eleito o melhor corte de carne do
1º Festival de Carnes Angus de Brasília,
promovido pela churrascaria Fogo de Chão,
do Setor Hoteleiro Sul. Em segundo ficou
a picanha, com 13%, e em terceiro o bife
ancho, com 11%. “A proposta do festival foi
proporcionar aos brasilienses a oportunidade
de experimentar novos e exclusivos cortes da
Com a Galinhada Santa Ana, o bistrô
paulista de mesmo nome foi o vencedor do
concurso realizado pela Ticket para eleger o
melhor PF do país, superando centenas de
concorrentes. A receita vencedora, da chef
Elaine Sá, é composta por coxas de frango,
quiabo, arroz, cebola, manteiga, caldo de
galinha, azeite, alecrim, pimentão vermeho,
tomate, salsinha, quiabo, espiga de milho
cozido, sal e pimenta do reino a gosto. O
Ponto X, do Maranhão, ficou em segundo
lugar, com peixe crocante, e o Santa Receita,
também de São Paulo, em terceiro, com
nhoque de quiabo com confit de coxa e
sobrecoxa de frango.
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GARFADAS & GOLES
Luiz Recena GRASSI
[email protected]
As Aldas e as sogras
As Aldas são as Aldas, podem ser algas ou ondas. Coisas
que vão e voltam. É o mar. Meu mais novo vizinho da esquerda.
Barulhento esse vizinho. Barulhento e metódico. Parece que
usa métrica parnasiana mesmo morando no bairro de Vinícius
de Moraes. Aquele que dizia que a beleza é fundamental.
Não era só isso. Fundamental, às vezes, podem ser os sabores
das comidas e das sogras. As sogras têm linha direta com a
gastronomia, antes do telefone celular. Assim, minha avó Julieta
ensinou Conceição, nora dela, a fazer 500 ravioles recheados
de acelga com miolos de boi. Eram festins com datas marcadas:
Semana Santa, fim de ano, alguns feriados e aniversários.
Tempos depois, meu viúvo avô, depois do terceiro ou quarto
prato, só para implicar, exclamava: “Tá bom, muito bom, mas...
o da finada era ainda melhor!”. Coisas de um tempo passado,
cuja memória só as visitas e a saudade conseguem avivar.
Tia Quita Nogueira Cademartori entra nesta crônica pela
mão de minha irmã Marina, de quem era sogra e a quem
ensinou manhas e artimanhas do fazer culinário, com direito
a dicas gaúchas para melhorar a feijoada carioca. Marina
tudo aprendeu e, com a bagagem recebida de mãe e avós,
a cada desembarque em Salvador da Bahia faz a terra tremer
e os pratos se encherem. São pequenos banquetes de estilo
romano antigo, aqueles de três, quatro dias. Desta feita, foram
quase dez, com quitutes que foram dos patês de entradinhas
até carnes, peixes e camarões. Volta, mana!
A mãe Conceição, que cozinhava uma barbaridade, passou
várias receitas para a Maria Ester, cunhada deste escriba e que,
hoje, desempenha, entre outros papéis familiares, o de "Bibiana
Cambará", personagem de Érico Veríssimo, uma espécie de fiel
guardiã de um baú de memórias do tempo velho. Ester entra
na história pela mão de Márcia, nora dela, que chegou com
Pedro Augusto, o marido, e Maria Eduarda, a filha, sendo
que esta última vem a ser minha sobrinha-neta. Aos dez anos,
e sem ser nora de ninguém, receitas não aportou no Cais de
Itapuã. Márcia recebeu da sogra o segredo do bife à milanesa.
E a noite da primeira segunda-feira de setembro já entrou
para o rol da fama e dos acontecidos à mesa da casinha nova
na beira do mar plantada.
14
Então, Alda. Não foi nora nem é sogra, nem da família
gaúcha. É da família misturada que fizemos em Brasília, com
cariocas, piauienses, maranhenses, sulistas e nortistas e outras
raças mais, num amálgama de culturas de onde muita coisa
boa ainda está por sair. Comidas, principalmente. A cada
mudança, nossa Alda larga Brasília e deixa órfãos seus
inúmeros clientes de almoços e jantares e vem dar a mão
ao desvalido casal. Mão e boia. Só para começar, veio uma
feijoada carioca, leve, saborosíssima. Foi nesse instante que
segredinhos, dicas e receitas foram trocadas. E as noras e
sogras, muito justamente homenageadas. O cronista, bem
deliciado e com algumas arrobas a mais, a todas agradece
e pede mais, sempre que for possível e os aviões trouxerem
as pessoas queridas, da Brasília próxima ou da distante e
gaúcha Uruguaiana.
E para não dizer
Que não escrevi sobre novas garfadas e goles, dois passeios
regulamentares foram realizados: um ao belo Projeto Tamar,
na Praia do Forte, cada vez melhor e mais sólido, como a
provar que o país melhora apesar dos sucessivos governos que
pensem e façam o contrário. Ali, a poucos metros da entrada
do santuário das tartarugas, está a melhor cerveja do pedaço,
na pousada, bar e restô Brasil, com o atendimento do
simpático José.
Prefeitinho firme
Em seguida, passeio, banho e almoço na Praia de Guarajuba,
onde reina, faz mais de 30 anos, o Prefeitinho, cada vez mais
forte e rico. A barraca antiga conheci pela mão de meu amigo
e colega Fernando Vita, hoje escritor famoso e conselheiro
poderoso de um tribunal baiano. O local mantém a tradição
do bom peixe vermelho, frito, e do ensopado, desta feita
com peixe olho de boi, apresentado com louvores aos
uruguaianenses. Caipirosca de umbucajá, cerveja sempre
gelada (véu de noiva, canela de pedreiro etc) e sucos de
frutas completaram o bom almoço, sempre sob os olhares
atenciosos do garçom José Maria.
PÃO & VINHO
ALEXANDRE FRANCO
pao&[email protected]
Grand Cru
Não há quem conviva com o mundo do vinho que já
não tenha ouvido o termo "cru", especialmente no que se
refere a vinhos franceses, pois por aquelas bandas o termo
identifica um vinhedo específico, ou uma zona delimitada,
algo semelhante ao conceito de terroir, na busca pela
identificação de um local geográfico no qual se produz
um vinho de características peculiares, únicas e originais.
Produzido na França desde antes de Cristo – e em
Bordeaux, especificamente, a partir do ano 70 d.C., o
vinho sempre foi um produto de sucesso no mercado
francês, mas só veio a ganhar fôlego de exportação a partir
do Século XII, com o casamento de Henry Plantagenet
com Aliénor d'Aquitaine, que incentivaram fortemente o
aumento da produção e as vendas dos vinhos da região
para mercados externos.
Entre os séculos XIII e XIV, um código de práticas
comerciais chamado “política de vinhos” foi estabelecido
para conferir ao produto da região vantagens comerciais
perante regiões circunvizinhas. Os negócios frutificaram
tanto que deram margem ao surgimento de falsificações de
vinhos produzidos em outras regiões, e mesmo em Bordeaux,
mas com qualidade inferior, o que passou a prejudicar
o comércio exterior, especialmente com a Inglaterra.
Para melhor orientar os consumidores e lhes garantir
a qualidade do que iriam comprar e consumir, em 1855
a região vitivinícola de Bordeaux, dividida em sub-regiões
(sendo as principais Saint Émilion, Pomerol, Médoc e Graves),
adotou um sistema de qualificação conhecido como
Classificação Oficial do Vinho Bordalês, que separou os
vinhos em cinco categorias, levando em consideração o
preço, o que à época equivalia à qualidade. Esses vinhedos
passaram a ser chamados de Grand Cru e identificam,
em tese, vinhos de alta qualidade e preços.
Com origem na Argentina e estabelecida no Brasil
já há mais de dez anos, uma importadora especializada
originalmente nos melhores vinhos franceses teve a felicidade
de adotar a marca Grand Cru e se transformou, nos últimos
anos, numa das mais importantes de nosso mercado, estando
presente também em Brasília, na QI 9 do Lago Sul. Seguindo
a tendência que vimos comentando, a Grand Cru passou
a realizar sua feira anual de vinhos, que teve lugar, nesta
edição de 2012, na Casa da Fazenda, em São Paulo, local
agradabilíssimo para esse fim. Lá estivemos para trazer-lhes
nossas impressões.
Além de suas tradicionais e afamadas importações da
França e da Argentina, a Grand Cru veio se diversificando
nos últimos anos e trazendo ótimos vinhos das mais diversas
procedências. Nomes já muito conhecidos entre nós, como
Cobos e Doña Paula, da Argentina, Leyda, Matetic e Santa
Rita, do Chile, entre outros, estiveram presentes, como
sempre, mas para comentar nesta edição escolhi um
espumante, um branco e um tinto que são novidades
na Grand Cru, ao menos para mim.
Da Itália, o Ruggeri Prosecco di Valdobbiadene DOCG
Quartese Brut, por R$ 78: de cor amarelo-palha, com perlage
suave e aromas ainda um pouco fechados de maçã verde
e amêndoas, boca agradável, séria e gastronômica, boa
cremosidade e retrogosto de panificação. Muito bom.
Da França, o branco de sonho Henri Bourgeois Pouilly
Fumé en Travertin 2009, por R$ 110: de cor amarelo-palha,
com claros aromas de maracujá e ótima mineralidade, acidez
gastronômica e final longo, boca ao mesmo tempo fresca
e estruturada. Muito elegante.
De Portugal, o Perescuma nº 1 Tinto Reserva, por R$ 125:
um vinho que poderíamos chamar de “super-alentejano”,
com um lindo corte de Cabernet Sauvignon, Touriga
Nacional, Alicante Bouchet, Aragonês e Syrah. De cor rubi
intenso, com frutas vermelhas maduras, notas de baunilha
e leve tostado. Na boca é aveludado e bem estruturado,
com taninos elegantes e bem domados. Excelente.
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DOIS ESPRESSOS E A CONTA
cláudio ferreira
[email protected]
Comer nas férias
Não sou adepto do frango-com-farofa-no-papel-alumínio
ou da laranja-cortada-com-a-tampinha-levantada como
alimentação durante uma viagem de carro. Pior pra mim.
Dependendo de onde se vá – e da quilometragem
percorrida – o estômago sofre. O almoço na estrada
faz parte da aventura de férias sobre quatro rodas.
E, como toda aventura, revela surpresas boas e ruins.
No circuito Brasília-Nordeste, é difícil encontrar paradas
que nos tranquilizem para pelo menos um lanche. Tá certo,
é preciso deixar um pouco a frescura de lado. Mas o
aspecto das lanchonetes, lojas de conveniência de postos e
restaurantes de povoados não é nada animador. Há muitas
churrascarias no caminho – todas, indefectivelmente, com
o gentílico "gaúcho" no nome – mas, convenhamos, comer
churrasco e depois rodar mais 300 quilômetros de carro
não me soa uma boa ideia. Do mesmo modo, experimentar
carne de bode na estrada pode não ser recomendável.
É bom lembrar que os banheiros também não têm essa
qualidade toda.
Fiquei com saudades das paradas do Sudeste, como
as redes Graal e Frango Assado. Da rede Flecha, famosa no
Nordeste nos idos das décadas de 80 e 90, só encontrei um
exemplar, em Pernambuco. O resto são estabelecimentos
locais e nos sugerem duas alternativas: ou arriscar a comida
à beira da BR ou entrar nas cidades mais próximas para
procurar opção mais razoável (o que não é garantido).
Mas há surpresas boas. Em Posse, a última cidade de
Goiás antes da divisa com a Bahia, um self-service chamado
Tiodete me surpreendeu – comidinha honesta, picolé de
sobremesa e ambiente familiar. Surpresa mesmo tive mais
à frente, logo depois de transpor a divisa. Na cidade de
Rosário, um mega posto de combustíveis, com direito
a self-service de qualidade com carne na brasa e uma
raridade por essas bandas: café espresso.
16
Para os gourmets, vale uma parada na Chapada
Diamantina. Lençóis, na Bahia, reserva achados como
o café da manhã da estalagem do Alcino, digno do
filme A festa de Babette. Em um dia e meio de aventuras
pelos restaurantes do local, passei do nhoque do italiano
Os Artistas da Massa à carne de sol desfiada do Cozinha
Aberta, duas felizes opções em meio aos paralelepípedos
da cidade histórica. Há muito mais o que descobrir
por lá: o esquema dos viajantes, em geral, é se esfalfar
em caminhadas e passeios radicais pelas cachoeiras
da Chapada durante o dia, para ter a recompensa
gastronômica, à noite, num dos restaurantes do centro
histórico. Os turistas estrangeiros, por exemplo, adoram
a diversidade de pratos.
Para os que, como eu, não viajam à noite e param nos
hotéis das cidades maiores, é sempre bom ter cuidado com
o café da manhã. Aparentemente inofensivos, fartos de
bolos, doces e pães, podem esconder armadilhas. Uma
dessas me pegou em Feira de Santana – desconfio que um
inocente chocolate quente de uma simpática garrafa térmica
quase estragou minhas férias, deixando-me com endereço
constante (o banheiro) durante os três dias subsequentes.
Nas capitais nordestinas, é claro, o serviço é bem
diferente, as opções são mais variadas e, portanto, os
riscos são menores. Mas é preciso parcimônia na hora de
provar iguarias regionais. A barraquinha de rua pode ser
tentadora, mas comidas como o sarapatel, por exemplo,
merecem cuidado especial. Nas praias, a oferta é imensa –
mas fico sempre pensando que o vendedor chegou
cedinho, nem sempre acondicionou os alimentos a
contento e, portanto, a comida está no sol há horas.
Por isso, talvez seja mais prudente apelar para os
industrializados: refrigerante, picolé etc. Natural?
Água de coco parece a menos perigosa.
que espetáculo
Falando de amor na rua
Fotos: Mila Petrillo
Peça de Tennessee Williams é adaptada para espaços públicos de Brasília
Por Alexandre Marino
A
tores, personagens e espectadores
ocuparão os mesmos espaços e dividirão suas inquietações durante
evento incomum, previsto para acontecer
várias vezes na cidade até o final do mês.
A professora, pesquisadora e diretora de
teatro Simone Reis levará para as ruas e
lugares públicos a peça Fale com ela doce
como quê?, adaptação de texto do dramaturgo norte-americano Tennessee Williams. Simone dirigirá dois grupos, o Teatro
Pândego e o Laboratório de Performance
e Teatro do Vazio (LPTV), nessa experiência que propõe o contato direto e aberto com o espectador.
Serão, ao todo, dez apresentações do
espetáculo, em diversos locais, culminando com três performances em frente ao
Museu Histórico de Brasília, na Praça
dos Três Poderes, nos dias 16 (domingo), 22 e 29 (sábados). A proposta é retirar do isolamento do palco e levar para o
meio das pessoas as paixões pessoais dos
personagens, incluindo o espectador no
contexto da peça e fazendo do público
co-autor da performance.
O texto original de Tennessee Williams, Fale comigo doce como a chuva, tem como cenário um quarto de pensão, onde
um casal dialoga e troca impressões sobre suas experiências e angústias. A partir dessa ideia, Simone Reis desenvolveu
o roteiro de trabalho do grupo, que prevê a interferência direta do espectador,
em espaços abertos. “Levamos o quarto
para o meio da rua”, diz Simone. Ela
acredita que seu trabalho segue a tendência do teatro contemporâneo, a de abrir
intimidades e “jogar a luz cruel do sol sobre o pântano”, como definiu o escritor
Nelson Rodrigues.
“Colocamos para o público a discussão de questões pessoais, inclusive dos
próprios atores”, explica Simone. “A paixão, o rompimento, o próprio sentido do
amor são temas desse diálogo entre personagens, atores e público. É tudo muito
energético e corporal. O resultado é a
participação intensa do público”, afirma
a diretora. E para estimular ainda mais essa participação, o videomaker Márcio
Mota filmará toda a performance.
Nas três últimas apresentações, Fale
com ela doce como quê? Tentará povoar o
vazio da Praça dos Três Poderes, entre o
Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal, com essa discussão sobre
questões pessoais. “Qual a importância
de fazer teatro nesse espaço, entre monumentos gigantescos”, Simone pergunta.
Ela mesma responde: “A arte estimula a
reação das pessoas. É uma catarse. O cenário é político, mas a arte veio primeiro, é mais importante do que a política.”
O trabalho de Simone Reis reúne os
atores do Teatro Pândego, que ela criou
em 1995, sob a perspectiva do teatro performativo, que aborda as artes cênicas de
modo híbrido, intertextual e tragicômico, e os integrantes do LPTV, formado
por alunos e professores do Departamento de Artes Cênicas da UnB com o
objetivo de levar a arte para a população,
fora da universidade.
Ambos os grupos desenvolvem pesquisas sobre o teatro contemporâneo, a
performance e sua relação com outras
áreas do conhecimento. Simone Reis utiliza como material os códigos pessoais
dos atores, a voz e o corpo em abordagem relacional, rompendo os limites entre espectador e ator e fazendo com que
atores, personagens e o público interajam, promovendo o encontro. “Ao observar os performers transitarem por esses
espaços de modo leve e rápido, o público
cria conexões, encontra sentidos, movimentos, palavras e significados”, explica
Simone.
A apresentação em Brasília conta
com a participação dos atores Deborah
Soares, Felipe Fernandes, Mariana Neiva, Rogério Luiz, Carol Voigt e Pedro
Mesquita, além do músico convidado
Gabriel Preusse. A direção musical é de
Iain Mott.
Fale com ela doce como quê?
16/9, às 16h, 22/9, às 15h, e 29/9, às 16h, na
Praça dos Três Poderes, com entrada franca.
Informações: 3045-6434.
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dia & noite
aosomdetimmaia
“Tim Maia foi o ser mais livre que eu conheci", disse Nelson Motta
para sintetizar o perfil de uma das figuras mais controversas,
anárquicas e amadas que a música deste país já produziu. Foi Nelson
quem escreveu o livro Vale tudo – o som e a fúria de Tim Maia, em
2008, inspirador do espetáculo Vale tudo, o musical, com direção de
João Fonseca. Estrelado por Tiago Abravanel e visto por mais de
200 mil pessoas no Rio de Janeiro e em São Paulo, o musical voltará ao palco do Centro de Convenções Ulysses Guimarães.
Tudo em Tim Maia é superlativo: o talento instintivo e avassalador, o temperamento explosivo, o tamanho, as confusões,
os adjetivos... Morto em 1998, ele permanece intacto no imaginário e na memória do brasileiro, que transformou
em história as lendas do mito bonachão. Dias 21 e 22, às 21h. Ingressos entre R$ 50 e R$ 120.
fechandooinverno
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rollapedra
Está no ar até o dia 28 o festival que
propõe às 22 bandas participantes
surpreender os fãs executando
algumas de suas principais músicas
com arranjos e roupagem acústica,
num ambiente intimista. Tudo isso
em cenário e iluminação adequados,
no aconchego da sala Cássia Eller
da Funarte. Entre os grupos que se
revezam no palco, sempre às quintas
e sextas-feiras de setembro, às 20h,
estão Os dinamites (foto), Faluja,
Distintos Filhos e Etno. Ingressos
a R$ 6 e R$ 3. Programação
em www.rollapedra.com e
ocupacaocassia2012.blogspot.com.br.
Diego Bresani
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A proposta é privilegiar a participação de músicos com formação no
rock, mas que procuram expandir os limites do gênero com trabalhos
mais intimistas e evidente
preocupação autoral. Dias 21, 22
e 23, o Espaço Mosaico (714/715
Norte) apresenta o festival
Fechando o inverno, com shows
de bandas e artistas da cena
independente de Brasília e São
Paulo. Na programação, Beto Só
(foto), Disco Alto, Heisel, The
Johnny Nit Circus, Pierrot Lunar e
a banda paulistana Lestics, que
vem à capital pela primeira vez para
lançar seu quinto disco. Ingressos a R$ 15. Classificação Indicativa: 12 anos.
rockinstrumental
A banda Passo Largo faz a prévia para o lançamento de
seu primeiro disco com shows-surpresa em áreas públicas
da cidade. Para comemorar o primeiro ano de vida e o
disco de estreia, a banda apresenta dez músicas autorais
e passeia por diversas influências além do rock, como
a música brasileira, o jazz, o ska e o pop. Formada por
Marcus Moraes, Vavá Afiouni e Thiago Cunha, a Passo
Largo colocou o novo disco na internet. Para ouvir, é só
baixar em http://www.mediafire.com/file/aaiednbuvilqad5/.
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raulzitoazul
Acaba de ser lançado, pela editora Intermeios, O homem interdito, segundo livro do publicitário mineiro-brasiliense Marcelo Benini. São 37
histórias curtas que situam a narrativa em uma região de intersecção entre a crônica e o conto. Uma delas, intitulada
Raulzito azul, sinaliza o olhar do cronista para a metrópole anônima, engarrafada de pedintes e moradores de rua,
e "profetiza" uma revolução desses miseráveis que irão assaltar o poder em substituição aos engravatados de sempre:
"O sinal abriu e percebi que Raulzito vinha descendo a rua recolhendo contribuições para a revolução. Rapidamente
peguei todas as moedas que tinha e entreguei-as ao grande líder." Embora os textos sejam independentes, perpassa
toda a obra a história de amor entre o narrador e sua vizinha pianista, história essa que é guiada pelo interesse
de ambos pela literatura. Dois textos de O homem interdito farão parte de uma antologia alemã que será publicada
em Frankfurt pela Editora Lettrétage, em 2013, por ocasião do Ano do Brasil na Alemanha. À venda no Sebinho
e na Cotidiano Mix (406 Norte) e na Livraria Cultura do Shopping Iguatemi. 86 páginas, R$ 15.
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asenguiasdeciriloquartim
Três escadas vermelhas em forma de caracol com três metros de altura e mirantes com
telescópios, onde o público pode contemplar a paisagem, o firmamento e as estrelas
de forma diferente. O projeto Enguias, do artista brasiliense Cirilo Quartim, ocupa a
Marquise da Funarte até 1º de outubro. A inspiração ele buscou no livro Prosa do
observatório, do argentino Julio Cortázar, que conta a história de um sultão indiano
que construiu em Delhi e Jaipur, na Índia, um intrincado conjunto de observatórios
astronômicos e astrológicos, no Século XVIII. De forma poética, Cortázar relaciona esses
observatórios com as estruturas macro e micro que o ser humano busca contemplar
e compreender e as representa com duas imagens: as estrelas, acima, e as enguias, na profundidade. O artista funde diferentes
linguagens: escultura, literatura e astronomia. De segunda a domingo, das 9 às 21h, com entrada franca. Informações: 3322.2076.
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ícones
Durante quatro anos, o artista plástico
paulista Jair Correia colecionou signos
impressos em embalagens, tais como "frágil",
"este lado para cima", "perigo", "inflamável"
etc. Esses pequenos sinais, gerados para
traduzir significados, são vistos por pessoas
de diversas culturas e de diferentes classes
sociais, como também de diferentes graus de instrução e educação. Ele questionou, então: o
sinal produzido é compreensível para todas as pessoas do mundo? A questão deu o mote para
a composição da coleção de pinturas criada por Jair Correia para comemorar seus 40 anos
de carreira. O resultado está na exposição Ícones – Outras palavras, na Funarte, até 1º de
outubro. De segunda a domingo, das 9 às 21h, com entrada franca. Informações: 3322.2076.
Glênio LIma
mestredasfiguras
Uma antologia do artista plástico e professor
da UnB Douglas Marques de Sá (1929/2010)
está na exposição em cartaz na galeria do 10º
andar do anexo IV da Câmara Federal. No
acervo, parte inédita e importante da obra
daquele que foi um mestre da figura e dos
objetos do cotidiano. Em sua poética visual
estão presentes os códigos da moderna estética
brasileira, que na arte de Marques de Sá se traduziram em cores e formas muito pessoais.
Durante a mostra, haverá a projeção do vídeo sobre a trajetória do artista com depoimentos
de Wagner Barja (Museu Nacional), da arte-educadora Marília Panitz, da curadora Grace
de Freitas e do historiador de arte Pedro Alvim, professores do Instituto de Artes da UnB.
Até o dia 27, nos finais de semana e feriados, das 9h30 às 17h30. Entrada Franca.
mestredascores
As pinturas do mineiro Inimá
de Paula (1918/1999) revelam
paisagens por onde morou e
andou, como os bairros cariocas,
o litoral cearense e cenas da velha
Europa. Os caminhos que sua
arte percorreu, porém, sempre o
trouxeram de volta às montanhas
de Minas. Autodidata, Inimá
de Paula iniciou-se nas artes
folheando revistas de arte em preto
e branco, desenhando e pintando.
Uma retrospectiva do artista
reconhecido pelos críticos como o
mestre das cores está em cartaz no
Gabinete de Arte da Presidência
da Câmara dos Deputados até dia
27. Sábados, domingos e feriados,
das 9 às 17 horas. Entrada franca.
grandesbrasileiros
Romero Britto pintou Frei Caneca, o "Ideólogo da República". Já Elifas Andreato ficou encarregado de retratar Getúlio Vargas,
o "Modernizador". A Marysia Portinari coube a tarefa de homenagear, com seus pincéis, José Bonifácio, o "Patriarca da
Independência". Aos mineiros-brasilienses Darlan Rosa e Henrique Gougon foi entregue a missão de pintar JK, o "Presidente
do Otimismo", e Luís Carlos Prestes, o "Cavaleiro da Esperança". Essas cinco telas e outras 20 criadas especialmente para
render tributo a grandes homens e mulheres que construíram a nação brasileira estão expostas no Salão Negro da Câmara dos
Deputados até o dia 30. Concebida para marcar os 190 anos da Independência do Brasil (1822-2012), a mostra tem curadoria
do ex-presidente da Câmara, historiador e atual ministro dos Esportes Aldo Rebelo. As 25 telas serão doadas ao acervo de bens
culturais da casa. Diariamente, inclusive feriados, das 9 às 18h, com entrada franca.
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Ansel Adams
dia & noite
revisitandoanseladams
Por mais de seis décadas, de 1916 até sua morte, em 1984, Ansel Adams se
dedicou a fotografar as belezas naturais dos parques nacionais dos Estados
Unidos e a defender esses parques junto às autoridades do país. Em 2010, o
fotógrafo Eduardo Moreira percorreu mais de 8.500km em 15 parques
fotografados por Ansel com o objetivo de seguir os passos do mestre.
"Busquei registrar imagens que fossem similares às que ele teria feito,
resultando nesta exposição", afirma. Os brasilienses poderão conhecer esse
trabalho na mostra Revisitando Ansel Adams – Parques Nacionais dos Estados Unidos, na Casa Thomas Jefferson (QI 9 do Lago Sul).
Com curadoria de Dorival Moreira, a exposição de 33 fotos é uma homenagem aos 110 anos de nascimento de Adams.
pesoeleveza
coletivanafotoponto
André Liohn
imagemsemfronteiras
20
O fotojornalista André Liohn, ganhador do prêmio Robert Capa Gold Medal 2012, é
o sexto convidado do projeto Imagem sem
fronteiras. Até o dia 25, o paulista expõe na
Galeria Olho de Águia (Taguatinga Norte)
fotos da série premiada e outros registros
da carreira. São cinco imagens ampliadas,
captadas na cidade sitiada de Misrata (Líbia),
além de projeções visuais. André Liohn
nasceu em Botucatu e mora atualmente na
Itália. É correspondente de guerra freelancer
há mais de uma década. De terça a sábado,
das 10 às 12h e das 14 às 18h.Classificação indicativa: 14 anos. Entrada franca.
angústia
Celso Júnior
O fotógrafo Rui Faquini é o curador
da primeira mostra coletiva da Galeria
FotoPonto (Complexo Brasil 21), em
cartaz até 30 de novembro. Lá estão
imagens assinadas por Celso Júnior
(foto), Elyeser Szturm, João Campello
e Luiz Clementino que passeiam por
temas variados retratados pelo olhar
criativo de cada fotógrafo. De acordo
com o curador, a galeria é "um ponto
de encontro para mostrar fotos,
discutir ideias e tendências da
fotografia em sua trajetória desde a
câmera escura até o fine arts atual,
ou seja, a forma de imprimir imagens
com cuidados, materiais e técnicas
museológicas, certificadas, numeradas
e garantidas quanto a sua longa
durabilidade. Informações: 3039.8670.
Entrada franca.
É a peça Nós...! que ocupa o Espaço
Mosaico(714/715 Norte) nos dias 28, 29 e 30.
Fala sobre a paixão entre duas pessoas do
mesmo sexo, mas não apenas isso: aborda a
memória que transforma sentimentos através
do tempo. Quando se percebem apaixonados,
Lipe e Rafa se descobrem perante o maior
conflito de suas vidas: como aceitar esse amor
diferente? Com texto de Elmo Ferrér e direção
de Lúh Rodrigues, a peça tem no elenco o
próprio Ferrér e Láidison Peixoto. Sexta e
sábado, às 21h, e domingo, às 20h. Ingressos a
R$ 5. Classificação indicativa: 16 anos.
Divulgação
La casa tomada, de José Luis Rodríguez
Fotografias que evidenciam a tensão entre violência e humanismo estão na mostra em cartaz
até 20 de outubro no Instituto Cervantes (707/907 Sul). Realizadas por 15 artistas de seis
países da América Latina, as 73 imagens escolhidas convidam o espectador a refletir sobre
as desigualdades sociais e as situações problemáticas e violentas comuns às nações latinoamericanas. "Algumas fotografias angustiam e assustam; outras geram esperança", explicam
as curadoras da mostra, Laura Terré (Espanha) e Rosina Cazali (Guatemala). O objetivo
de Peso e leveza - esse é o nome da exposição - foi desenvolver ideias ligadas à bipolaridade
que a região vive, entre a tranquilidade originária do crescimento econômico e a persistência
de numerosos dramas sociais. De segunda a sexta-feira, das 11 às 21h. Sábados, das 9 às 14h.
Informações: 3242.0603. Entrada franca
Guga Melgar
eraumavez...grimm
Há 200 anos foi publicada a primeira edição de contos dos Irmãos Grimm. Para
marcar a data, o CCBB apresenta, até 14 de outubro, o musical Era uma vez...
Grimm, que se desdobra em duas versões – uma adulta e uma infantil. Com direção
de José Mauro Brant e Sueli Guerra e composições de Tim Rescala, o musical tem
no elenco José Mauro Brant e Wladimir Pinheiro, atores/cantores que vivem os
irmãos Grimm e os personagens masculinos dos contos; e Chiara Santoro e Janaina
Azevedo, atrizes/cantoras que se dividem entre as madrastas e princesas. O
espetáculo apresenta, em cena, os próprios irmãos Grimm e seus personagens,
contando e interpretando os contos Chapeuzinho Vermelho, O Junípero e Cinderela.
Versão adulta: de quinta a sábado, às 21h, e domingo, às 19h. Versão infanto-juvenil:
sábados, às 15h, e domingos, às 16h. Ingressos a R$ 6 e R$ 3.
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fábricadepalavras
Divulgação
Divulgação
Era uma vez um menino apaixonado pelo universo das letras. Tinha como exemplo
seu pai, um homem muito culto e inteligente que passava horas do dia lendo. Ele
adorava brincar de dicionário e a curiosidade de seus amigos era tamanha que começou
a vender significados das palavras. A brincadeira foi tão longe que a turma criou uma
fábrica de palavras. Inspirada no livro homônimo de Ignácio de Loyola Brandão,
vencedor do Prêmio Jabuti de 2008, vem aí a peça infantil O menino que vendia
palavras, com o ator global Eduardo Moscovis. Dirigido por Cristina Moura,
o espetáculo aposta em recursos visuais como projeções em vídeo, trilha sonora
original, canção interpretada por Adriana Calcanhoto e figurinos que estimulam
a imaginação. Dias 15 e 16, na Sala Villa-Lobos, às 17h. Ingressos a R$ 50 e R$ 25.
arosaquegiraaroda
Divulgação
desfilenauniversidade
Uma palestra do estilista Alexandre Herchcovitch (foto) abre a Temporada IESB Fashion,
Design e Beauty, que acontece nos dias 25 e 27, para estimular novos talentos do curso
de moda. Na programação estão também oficinas sobre estética, arquitetura e design,
além de desfiles de estilistas de Brasília e de coleções de seis alunos da faculdade: Letícia
Farias, Natália Jatobá, Ricardo Rocha, Sandra Moser, Solange Bittar e Willian Maia.
“Como a filosofia do IESB é unir a teoria à prática, nada melhor que proporcionar meios
para que nossos alunos tenham a oportunidade de mostrar seu talento para o mercado e
para profissionais de tão elevado
gabarito quanto os que estamos
envolvendo em nosso evento”,
diz a professora Eda Machado,
reitora do centro universitário.
Duas das 30 criações serão
escolhidas por um júri
especializado que premiará
os vencedores com bolsas de
estudos no exterior.
Esse é o nome da primeira peça
infantil em cartaz no Teatro
Caleidoscópio (102 Sudoeste), que
comemora dez anos. O espetáculo é
baseado no livro A rosa que gira a
roda, da carioca Flávia Savary, e
narra a ascensão de uma menina
pobre e órfã que se transforma em
salvadora do povo de Vila Aurora.
Com tanto mau humor na cidade,
um dia tudo congelou, menos Rosa,
cantadora de pregões a quem cabe
encontrar a roda que fará girar a vida
de volta ao povo de sua vila. Na busca
pela solução do problema, Rosa gira
em torno de várias "rodas": de
ciranda, da fortuna, de samba, entre
outras. Só até o dia 23, sempre aos
domingos, em duas sessões: às 11 e
às 16h. Ingressos a R$ 20 e R$ 10,
vendidos uma hora antes do
espetáculo. Informações: 3344.0444.
21
cultura indígena
O mito do
Texto e fotos Lúcia Leão
N
Amanhecer na aldeia, a caminho do banho de rio.
inas,
os pelas jovens dançar
Os flautistas, seguid a do Quarup espalhando
per
passam o dia de vés ocas para anunciar a festa.
música entre as
22
o princípio, o pai onça era casado com duas mulheres
árvores. De uma delas nasceram o Sol e a Lua. Mas
essa mãe árvore foi morta pela avó onça, enciumada
do filho. Este foi, por tempos e tempos, um grande segredo
guardado na família. Quando Sol e Lua descobriram o assassinato, romperam relações com o pai, fizeram uma guerra contra
sua aldeia e decidiram homenagear a mãe. Nessa homenagem,
a mãe árvore voltou à terra, despediu-se dos parentes e só então
subiu definitivamente para o céu. Atravessou a Via Láctea e foi
chefiar a Aldeia dos Mortos.
Assim foi o primeiro Quarup, que desde então se repete
para homenagear grandes homens e mulheres e festejar sua
passagem definitiva para o mundo dos mortos. Como o que
os índios Yawalapiti dedicaram, este ano, a Darcy Ribeiro.
O Quarup, festa de assunção dos mortos, é o ritual mais
importante das tribos do Alto Xingu e o mais conhecido
entre os brancos. Estima-se que se realize há cerca de mil anos,
tempo de presença humana comprovada na bacia do Rio
Xingu. Longo, complexo e sofisticado, o ritual é aprendido
e apreendido, de geração a geração, pelos povos que ainda
conseguem se manter vigorosos, física e culturalmente, dentro
do território protegido pelo Parque Indígena do Xingu.
A cerimônia, realizada sempre no mês de agosto e apenas
pelas nove etnias do Alto Xingu, se desenrola por 24 horas
ininterruptas. Começa com a evocação do espírito homenageado, passa por uma noite de choros e lamentações e termina em
pura alegria, com disputa intertribal de uka-uka, luta xinguana
tradicional. A preparação da festa, no entanto, é minuciosa e
demorada, assim como cada pedacinho do ritual é complexo
e carregado de significado.
Os primeiros movimentos do Quarup de Darcy Ribeiro,
do índio Maipu e da índia Tepori – homenageados no mesmo
ritual – aconteceram entre abril e maio, com a colheita do
pequi e a primeira grande pescaria, ambos destinados a
prover a festa. O peixe “moqueado” e o biju de tapioca,
base da alimentação xinguana, alimentariam as quase mil
bocas dos convidados.
Dois dias antes da cerimônia, na quinta-feira, a aldeia
Yawalapiti já estava em festa, com os músicos e os dançarinos
anunciando a celebração. Em duplas, e sempre seguidos
Quarup
por jovens dançarinas, os flautistas, com seus imensos
instrumentos de bambu, de quase dois metros de comprimento, rodam pelo terreiro central e entram em cada uma
das ocas. A noite é hora dos cantos e danças ritmados por
maracas. Nas primeiras horas da manhã de sexta-feira saem
os “convidadores”. A pé, em bicicletas e de motos – um dos
meios de transporte hoje mais comuns dentro do parque –
eles vão a cada uma das aldeias do Alto Xingu convidar as
outras etnias para a cerimônia.
Os convidados chegam, em hordas, na manhã de sábado,
e montam acampamentos em torno da aldeia Yawalapiti.
Os troncos, escolhidos no mato e preparados pelos pajés,
são então levados para o centro do terreiro e fincados no chão.
Cada grupo de parentes enfeita o seu morto e os espíritos são
evocados. Quando incorporam o tronco é preciso cuidado: ver
ou ouvir o morto é aviso de morte certa. Começa, então, o
choro dos parentes, que só para na alvorada, com a assunção.
Enquanto os parentes dos mortos choram, os outros
xinguanos pelejam: com movimentos épicos que remetem
ao teatro grego, cada etnia convidada deve “roubar” o fogo do
anfitrião. Grupos enormes chegam sorrateiramente, simulam
enfrentar os guerreiros que guardam as fogueiras do centro
da aldeia, pegam os troncos incandescentes e saem correndo,
em gestos e gritos provocativos.
Mas toda a força da tradição xinguana se mostrou mesmo
na manhã de domingo, quando centenas de índios surgem de
todos os cantos e ocupam o terreno central da aldeia. Pintados,
enfeitados e exibindo os corpos de campeões, eles cantam,
dançam e gritam com precisão e desenvoltura, como se tivessem
ensaiado o ano todo para aquele momento. “Não poderia haver
maior homenagem ao Darcy Ribeiro. Vaidoso como ele era, e
orgulhoso da cultura indígena brasileira, certamente subiu ao
céu radiante”, festejou Paulo Ribeiro, sobrinho do antropólogo
e presidente da fundação que leva seu nome.
Por vaidoso e ousado, Darcy certamente dará suas escapulidas à terra, nas noites de eclipse, para roubar penas dos pássaros para seus enfeites. E por teimoso e visionário, ficará lá
do céu, dançando e cantando para alertar que o índio tem que
viver, para que viva sua cultura milenar e todo o imaginário
de que se constroem os corações e mentes do povo brasileiro.
O Iphan e a Unesco planejam dar ao Quarup o título de
Patrimônio Imaterial do Brasil e da Humanidade.
iro enfeitam o tronco
Índios e familiares de Darcy Ribe
antropólogo.
que vai receber o espírito do
O cacique apresenta
a Aldeia Yawalapiti os lutadores que vão representar
no uka-uka.
entam os campeões
A luta em que os anfitriões enfras encerra o Quarup.
idad
conv
ias
alde
das
23
Laura Durant
carta da europa
Os miseráveis e Victor Hugo
Por Silio Boccanera, de Londres
R
24
evi o musical Os miseráveis e só ao
sair me dei conta de que a visita anterior para ver essa peça ocorreu 27
anos atrás, aqui mesmo em Londres. É
extraordinária a durabilidade de alguns musicais nos palcos desta
cidade que tanto cultiva esse
estilo de teatro – de Cats a
O fantasma da ópera, de
Rei Leão a Billy Elliot.
Dança e música explicam grande parte do sucesso, claro, mas não se
pode esquecer do texto,
do roteiro, da inspiração
na obra original.
No caso de Os miseráveis,
é impossível deixar de lado o
crédito à obra original do francês
Victor Hugo, romancista, poeta, dramaturgo, ativista político, desenhista, homem
de cultura geral, conhecido até por gente
que nem sabe seu nome, mas já esbarrou
em parte da obra sem identificar o autor.
São admiradores que chegaram a ele
via cinema ou teatro, onde descobriram
personagens como Quasímodo, o corcunda feioso (na tela, Charles Laughton na
versão antiga, Anthony Quinn no filme
mais recente) que vivia na torre da catedral parisiense de Notre Dame, apaixonado pela prostituta de bom coração (Gina Lollobrigida acabou apagando a lembrança
de outras artistas no papel).
Pelos mesmos motivos,
os frequentadores de teatro se encantam em Londres há quase três décadas
com o personagem Jean
Valjean, que o público tem
ouvido cantar, neste longo
período, nas vozes de atores variados que subiram aos palcos de
Os miseráveis para contar a história
ambientada na agitação de outro período
histórico de anos rebeldes: Paris em 1848.
Por trás da narrativa popular do cinema ou do teatro está a obra literária original de Victor Hugo, um retrato não ape-
nas dos dramas pessoais de seus personagens lendários, mas também de uma sociedade em transformação. Ele foi um dos
representantes maiores do movimento romântico na literatura, que dominou parte
do Século XIX. Escritor prolífico, ele produziu, além de romances, peças de teatro,
poesia, ensaios e artigos políticos.
Victor Hugo não se conformava em
escrever na solidão e deixar o mundo correr lá fora. Lutou contra a pena de morte
e o abandono dos pobres nas ruas de Paris, propôs a união dos países europeus
um século antes de ela vir a ocorrer.
Membro do Parlamento, defendeu por
muito tempo seu amigo Luís Napoleão como líder nacional, mas virou a casaca
quando este abocanhou o poder de imperador. Resultado: quase 20 anos de exílio
nas ilhas britânicas de Jersey e Guernsey,
hoje conhecidos paraísos fiscais.
Fora da França, Victor Hugo continuou a escrever e produziu poemas inflamados que inspiraram movimentos revolucionários em várias partes do mundo.
O agitador italiano Garibaldi foi visitá-lo,
Rifleman_82
os rebeldes do Haiti lhe escreveram e até o
presidente dos Estados Unidos enviou-lhe
uma carta. Era, ao mesmo tempo, revolucionário radical, antiesquerdista, anticomunista e defensor do capitalismo, religioso na fé e anticlerical na prática cotidiana.
Burguês no conforto da vida privilegiada que os generosos direitos autorais
lhe permitiram, Victor Hugo rompeu padrões de comportamento da época. Teve
quatro filhos com sua mulher de toda a
vida, Adele, mas conviveu durante meio
século com a amante Juliette Drouet. Viveu outras aventuras amorosas e era conhecido pela maneira insistente de perseguir as mulheres que admirava. Morreu rico, graças aos royalties, e foi enterrado em 1885, com honras nacionais, no
Panthéon, mausoléu dos grandes homens da França, após um cortejo seguido por um milhão de pessoas.
Algum tempo atrás, entrevistei em
Paris Jean-Marc Hovasse, biógrafo do escritor. Suas impressões continuam vivas.
Conversamos no salão principal do apartamento onde Victor Hugo viveu em Paris – hoje um museu aberto ao público,
na Praça Vosges.
Fora da França, o público conhece Victor Hugo sobretudo por causa de suas
obras mais populares – Os miseráveis e
Notre Dame de Paris –, nem sempre lidas, mas com frequência admiradas nas
versões do cinema e do teatro musical. A
obra dele, no entanto, é bem mais rica.
É verdade. O mundo o conhece mais pelos romances, porque são mais fáceis de
traduzir. Ele é, em primeiro lugar, um
imenso poeta e dramaturgo, responsável
pela renovação completa do teatro, no
início do Século XIX, com a famosa Batalha de Hernani. Mas ele escreveu também outras peças, como Rui Blas e Marion
de Lorme. É um grande poeta, que, junto
com o movimento romântico, desenvolveu uma nova poética a partir de Odes et
ballades, seu primeiro tomo, seguido por
Os orientais e uma série de outros. Esse é o
lado mais difícil de Hugo para os estrangeiros, porque é difícil traduzir poesia,
não importa o autor ou o idioma.
E o lado dele como ativista político?
Esse aspecto nem sempre é lembrado,
mas ele de fato fez parte da Academia
Francesa, depois da Câmara dos Pares e,
finalmente, da Assembleia Nacional. De-
pois de um exílio de 20 anos, tornou-se
de novo deputado e senador.
Como político, ele representava o quê?
Foi eleito para a Sociedade dos Autores,
que reunia gente de letras, para defender
suas ideias, que são as da Revolução de
1848. Propunha a escola laica numa época de educação pública religiosa, pedia a
abolição da pena de morte, proclamava
ideias libertárias. Seus atos e suas palavras rendem uma obra imensa de orador
político. Na Segunda República e após o
retorno do exílio ele defendeu durante
dez anos a anistia dos que participaram
da Comuna de Paris, o que acabou conseguindo. Lutou muito pela criação do
que chamava de Estados Unidos da Europa, incluindo uma moeda comum. Isso já naquela época, o que faz dele um
homem de ideias contemporâneas.
Ainda assim, o grande atrativo dele pelo mundo é sua obra de ficção?
Os miseráveis foi lançado em 1862, com
grande expectativa, publicação simultânea em cerca de 20 países, traduzido em
vários idiomas já na primeira edição. Isso
nunca tinha acontecido antes. É um grande romance, a obra em que ele pôs mais
de si mesmo. Toca a fibra mais profunda
dos leitores, não só pela qualidade da narrativa, mas também porque aborda política e filosofia, mistura trama de romance
popular com um estilo poético. Hugo se
dirige diretamente ao leitor e busca estabelecer uma relação especial com ele, como
nunca antes um autor havia feito.
Pode-se dizer o mesmo de Notre Dame
de Paris?
Sim, embora seja um romance de juven-
tude, publicado em 1831, quando Hugo
não tinha ainda 30 anos. Mas não podemos ignorar que o sucesso popular dele
pelo mundo também se deve aos derivados, como filmes, peças de teatro e musicais. Os personagens que ele criou entraram no patrimônio da humanidade como
grandes mitos: Esmeralda e Quasímodo,
em Notre Dame de Paris, ou Cosette, Jean
Valjean e Javert em Os miseráveis.
Até hoje eles são conhecidos no mundo
inteiro.
Prova do sucesso total de um grande autor. As pessoas já viram trechos das obras
no cinema ou no teatro, outros leram os
romances ou estudaram na escola. Um
livro como Os miseráveis precisa ser lido e
relido, tem mais de mil páginas, é certamente um dos mais longos do Século
XIX, foi modelo para Tolstoy escrever
Guerra e paz. Oferece uma mistura permanente de história da França e da humanidade, com a narrativa de um romance.
Não é leitura rápida, exige um certo esforço do leitor.
Mesmo quem já viu filmes ou peças tem
o que descobrir nos livros?
Quem ler Victor Hugo vai descobrir o
mundo. Vai se surpreender de ver que a
obra dele é bem mais ampla do que a
narrativa de aventura no cinema ou no
teatro. O valor desses produtos derivados é remeter as pessoas às obras originais de um grande escritor.
Os Miseráveis
Queen’s Theatre
51 Shaftesbury Avenue, Londres
Ingressos a partir de € 34,50 (cerca de R$ 90)
25
Débora Amorim
graves & agudos
Educação musical
Por Heitor Menezes
D
26
izem os versados em pedagogia
musical que as crianças precisam
ouvir música erudita (ouvir e
prestar atenção, ok?). Asseveram que, por
se tratar de um tipo de música rica em expressão, o ouvido infantil, ainda em formação, será estimulado ao ponto de perceber os diferentes sons, detalhes, timbres,
harmonias etc. Resumindo: quem ouve e
aprecia música erudita desde cedo não só
adquire cultura musical como também desenvolve para toda a vida áreas do cérebro
onde normalmente só aparece teia de aranha, o Facebook e reina a futilidade.
Pois merece louvor esse Concerto para
crianças, realizado com patrocínio do
Fundo de Apoio à Cultura (FAC), da Secretaria de Cultura do Distrito Federal. O
projeto volta aos palcos, desta vez enfocando o compositor francês Claude Debussy. No mês passado comemorou-se o
sesquicentenário de nascimento do grande mestre da música impressionista, sen-
do muito justa a homenagem, ainda mais
num projeto voltado para a petizada.
A vida a e obra de Debussy serão encenadas em sessões abertas ao público, no
sábado e domingo (15 e 16), na Sala Martins Penna do Teatro Nacional, no simpático horário de 5 da tarde. Para as escolas
foram reservadas sessões exclusivas, conforme o calendário de apresentações do
projeto. “O impressionismo é elemento
determinante na concepção do espetáculo, que se vale da música, é claro, do teatro
físico, teatro de bonecos e outras técnicas
como o ilusionismo”, avisa o diretor da
encenação Zé Higino.
As obras do compositor de Clair de lune
serão executadas ao vivo por um grupo de
câmara formado por Francisca Aquino
(piano), Beth Ernest Dias (flauta) e Janaína Salles (violoncelo). No elenco teatral,
os atores Cirila Targhetta, Luciano Porto
e Micheli Santini desdobram-se em diversos papéis ao longo da apresentação.
Segundo a idealizadora do projeto, a
professora da Escola de Música de Brasília
Naná Maris, a iniciativa, que já contou,
de forma similar, a história de Beethoven,
Mozart, Chopin e Grieg para cerca de 42
mil espectadores, tem objetivo simples,
porém dificílimo: desmitificar e disseminar a música clássica. “Colocamos a música erudita em primeiro plano e a cena,
composta pelo som e por momentos da
história de vida do compositor, em foco.
Como resultado, a criança se dá conta de
que a música erudita está presente em seu
dia a dia”, acrescenta Naná Maris.
De fato, fazer com que a meninada
mergulhe nesse universo, ainda mais o de
Debussy, recheado de sons, dissonâncias e
intervalos maravilhosos, é o mesmo que dizer que brócolis é mais gostoso que batata
frita. Olha, tem que saber preparar muito
bem o brócolis. Gratinado fica uma beleza.
Concerto para Crianças
apresenta Debussy
15 e 16/9, às 17h, na Sala Martins Penna
do Teatro Nacional Cláudio Santoro.
Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (50% de desconto
no valor do ingresso inteiro mediante a
doação de um livro infantil).
Divulgação
Setembro
roqueiro
Por Heitor Menezes
J
Jeff Scott Soto
Maba
á dizia Vanusa que queria ensinar o vizinho a cantar nas manhãs de setembro.
É claro, o mês tem dado provas de ter sido, até agora, um dos mais musicais
do ano. Musical roqueiro, diga-se. A gente esquece rápido, mas lembremos
que o mês começou muito bem, com a apresentação apoteótica da banda norteamericana de progmetal Dream Theater, um sonho realizado para os muitos fãs.
Depois, em pleno feriado de comemoração do Dia da Pátria, a nação
rock’n’roll lavou a alma com o festival Porão do Rock. Sinceramente, teve coisa
legal no PDR 2012 que se perdeu nos horários e muita gente acabou não vendo.
Guitarras altas em plena madrugada só mesmo para os renitentes e candidatos
à perda da capacidade auditiva, mas isso é outra conversa.
Seguindo em frente, temos em destaque a visita do baixista CJ Ramone, dia
21, no Arena Futebol Clube (Setor de Clubes Sul). O nome entrega a figura:
CJ Ramone foi baixista dos saudosos Ramones, entre os anos de 1989 e 1996,
isto é, o período derradeiro dessa que foi uma das grandes instituições do punk
rock de todos os tempos.
O cara substituiu o grande Dee Dee Ramone e andou pra cima e pra baixo
(literalmente) com os não menos grandes Johnny Ramone e Joey Ramone.
Reconquista, o trabalho mais recente, o primeiro solo, lançado este ano, tem a
participação sensacional de alfinetes pontiagudos do punk rock norte-americano: Steve Soto (The Adolescents), José Medeles (The Breeders, 22 Jacks), Billy
Zoom (X), Two Bags (Social Distortion, U.S. Bombs) e Jay Bentley (Bad
Religion, The Circle Jerks, T.S.O.L). Hey, ho, let’s go.
Ah, punk rock não é a sua praia? Muito rude, né? Espeta demais. Tá bom,
florzinha, que tal experimentar o (som do) vocalista norte-americano Jeff Scott
Soto, dia 25, no América Rock Club, na QS 3, Pistão Sul de Taguatinga? Quem?
Jeff Scott Soto pertence à linhagem dos grandes vocalistas do rock. Puxa o currículo do cara: ele é a voz no lendário Rising force (1984), disco do amado e odiado
guitarrista sueco Yngwie Malmsteen. Lançou uma pá de álbuns com as bandas
Talisman e Trans-Siberian Orchestra e tem vida própria em discos-solos infelizmente pouco conhecidos. Quer saber? O camarada tem gogó que é uma aula de
rock’n’roll. Vai cabular? Olha o palavrão.
Outro que vale conferir é o “dia rockabilly”, neste 14 de setembro, dentro
do projeto Acústico Rolla Pedra, na Sala Funarte Cássia Eller (Eixo Monumental). O gênero será representado pelo Henry Paul Trio e os Bad Motors, ambos
de São Paulo, além de Os Dinamites, de Brasília. Teddy boys, minas, suíças, topetes, figurinos, baixos acústicos e atitude rocker. Pode esperar um grande desfile de puristas e figuras esquisitas, para quem Carl Perkins, Gene Vincent, Bill
Halley, Stray Cats e The Cramps são tudo de bom – e a vida, um mundo congelado nos anos 1950. Barulho, não. Rock é cultura.
Acústico Rolla Pedra (Dia rockabilly)
14/9, às 20h, na Sala Funarte Cássia Eller (Eixo Monumental)
CJ Ramone
21/9, às 21h, no Arena Futebol Clube (Setor de Clubes Sul, Trecho 3).
Jeff Scott Soto
25/9, às 22h, no América Rock Clube (QS3, Pistão Sul de Taguatinga).
27
CJ Ramone
paisagismo & decoração
Pra não dizer que
não falamos de flores
B
28
rasília é o terceiro mercado consumidor de flores do país – e o primeiro em consumo per capita. A
cidade tem a maior concentração de jardins planejados do Brasil. No entanto, somente 20% da demanda por flores e plantas ornamentais são atendidas pela produção local. O DF importa cerca de 80% do
que consome.
Várias iniciativas têm sido tomadas
para estimular a produção local, tanto por
órgãos públicos quanto pela iniciativa privada. Uma delas é a Fest-Flor – Feira Nacional de Flores, Decoração e Plantas Ornamentais – que busca mostrar ao brasiliense o que é produzido aqui, colocando
em contato direto produtores e consumidores. A FestFlor foi criada em 2010 e
realiza sua terceira edição de 3 a 7 de outubro no Pavilhão de Exposições do Parque
da Cidade.
Com a mudança de local – as duas primeiras edições foram realizadas no Centro
de Exposições da Embrapa – a Fest-Flor
deve atrair um público ainda maior que o
recebido nos anos anteriores. Em 2011,
mostra de arte floral, outra de paisagismo
sustentável e uma terceira intitulada Espaço Burle Marx. A mostra de arte floral será composta de 12 espaços temáticos assinados por artistas de Brasília, apresentando novos conceitos de decoração. Haverá
uma encenação de casamento, com igreja
cenográfica decorada com flores produzidas no Distrito Federal. Já a mostra de paisagismo sustentável apresentará dez jardins temáticos com plantas nativas e outras adaptadas ao solo e ao clima do Distrito Federal e região. O Espaço Burle Marx
trará uma exposição com trajetória, projetos e trabalhos do artista, com destaque
para os projetos implantados em Brasília.
FestFlor – Feira Nacional de Flores,
Decoração e Plantas Ornamentais
De 3 a 7/10 no Pavilhão de Exposições
do Parque da Cidade.
Fotos: Divulgação
Por Elaina Daher
segundo os organizadores, 30 mil pessoas visitaram a feira em seus quatro
dias de realização. O número de estandes, 150 em 2011, também aumentou, passando para 250
este ano. Com isso, será
maior a variedade e diversidade de produtos e serviços
da cadeia produtiva de flores, decoração e plantas ornamentais.
Além de adquirir mudas e
plantas de diversas espécies, inclusive
plantas nativas do Cerrado, o visitante
terá à disposição fertilizantes, equipamentos, objetos de decoração, móveis e
publicações especializadas. Poderá também contratar serviços como projeto e
implantação de jardins, pergolados, piscinas, laguinhos e cascatas, sistema de irrigação automatizada e iluminação. Serão
apresentadas opções para jardins verticais e para telhados verdes, as novidades
do momento.
Os visitantes receberão orientações
técnicas de produtores e assistirão a apresentações e demonstrações de arte floral,
além de participar de cursos, oficinas e palestras. Entre os cursos oferecidos, a diversidade é grande: arranjos para interiores,
para casamentos, eventos e recepções; cultivo de orquídeas, gramados e plantas de
interior; montagem de arranjos em ikebana; biojoias; confecção de flores artesanais; buquês de noivas; escultura na melancia, arranjo de flores e frutas, entre outros. Haverá, ainda, a Cozinha Flor Brasil, com cursos de gastronomia utilizando
flores comestíveis em pratos frios, quentes, sobremesas e licores.
As inscrições deverão ser feitas na
própria FestFlor e o valor do ingresso
é um quilo de alimento não perecível.
A programação completa pode ser consultada em www.festflorbrasil.com.br.
Paralelamente, será realizada uma
galeria de arte
Stefania Montiel busca no bioma inspiração e
matéria-prima para criar mandalas e quadros
Por Melissa Luz
“E
xplorar uma matéria-prima
tão nobre, a terra, e entrar delicada e esteticamente em contato com a essência da natureza do Cerrado
brasileiro”. Foi com esta frase estampada
no convite que a artista plástica e educa-dora ambiental Stefania Montiel apresentou à cidade sua nova exposição, Sutileza
em tons de terra, em cartaz até o final do
mês no espaço Metropolitan Cultural, do
Metropolitan Flat.
A mostra é composta por cerca de 30
obras feitas com pigmentos minerais do
Cerrado sobre madeira e papel reciclados.
São mandalas e quadros que traduzem em
formas geométricas a inspiração que a artista encontrou na imensidão da paisagem
e da biodiversidade do Cerrado.
O bioma mais antigo do mundo entrou na vida de Stefania quando ela ingressou na Secretaria de Educação para lecionar artes plásticas e desenho. Logo, a artista formada pela Universidade de Brasília
foi convidada a integrar o projeto piloto
Sutileza em tons de terra
Até 30/9, no Metropolitan Cultural
(Setor Hoteleiro Norte).
Fotos: Divulgação
O Cerrado em
pigmentos e formas
Núcleo de Educação Ambiental do Jaburu, onde ministrou oficinas com materiais
reaproveitáveis, percorreu trilhas e militou pela educação ambiental. “A minha
motivação, a minha inspiração artística,
sofreu muita influência dessa ligação
com o meio ambiente. Foi a partir
daí que eu comecei a pesquisar e
utilizar matéria-prima de reaproveitamento, de materiais que são
descartados”.
Para o curador da mostra, o
búlgaro Bisser Nai, as peças de
Stefania são lições de amor à natureza: “A artista tenta harmonizar o fazer artístico e o pensamento de uma mulher que traz
como princípio a preservação
ambiental. Com essas obras, Stefania cria possibilidades de explorar cores e texturas da terra, e entrar
em contato com a essência da natureza do Cerrado brasileiro de forma delicada e estética”.
Pernambucana de Serra Talhada, de
onde saiu ainda pequena para Brasília,
Stefania nunca perdeu contato com sua
terra natal. “Apesar de ter vindo pra cá
com três ou quatro anos, eu vivenciei muito a cultura pernambucana, os carnavais,
as máscaras. Isso é bem perceptível na exposição de máscaras da Festa do Divino
de Pirenópolis que fiz há seis anos”.
Essa forte ligação com a cultura nordestina, entretanto, não afasta a artista do
universo que a circunda no Planalto Central: “Eu sou apaixonada por Pernambuco, mas é aqui que eu moro, que eu pesquiso, que eu vou a campo. O fato de ter
trabalhado conhecendo mais de perto o
Cerrado permitiu que se criasse em mim
uma forte ligação com o bioma”.
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Ricardo Labastier
verso & prosa
Vinte anos na estrada
Por Vicente Sá
A
30
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Cia. de Comédia Os Melhores
do Mundo já estava precisando
de um balanço em sua carreira.
Muito menos para repensar o trabalho e
muito mais para que o público não se
perca na vastidão do repertório e nos diversos meios que utilizam para mostrar
seu humor (teatro, TV, DVD, cinema,
internet, quadrinhos...) e até mesmo para compreendermos qual foi a história e
a trajetória do grupo.
Muita gente acha que Os Melhores
do Mundo começaram com Joseph Klimber, em 2006, no Programa Jô Soares. E é
aí que mora o perigo. É certo que essa
apresentação, que foi colocada no YouTube sem o conhecimento dos comediantes e conseguiu dois milhões de acesso em menos de três meses, abriu ainda
mais as portas do Brasil para o grupo,
mas grande parte do trabalho já fora feito. Afinal, eles vinham trabalhando desde 1991, como o grupo A Culpa é da
Mãe, e depois, em 1995/6, já como Os
Melhores do Mundo, sempre mostrando
que tinham vindo até aqui para chegar lá.
E é exatamente disso que trata, com
muita perícia, o jornalista e teatrólogo
Sérgio Maggio no livro Os Melhores do
Mundo – A festa do riso. Utilizando-se de
um artifício muito seu conhecido, Sérgio
Maggio transforma a saga dos comediantes Ricardo Pipo, Welder Rodrigues,
Adriana e Jovane Nunes, Adriano Siri e
Victor Leal em um “teatro documentário”, e nele junta depoimentos de quase
70 pessoas do mundo do teatro, incluindo, é claro, os próprios Melhores do Mundo, para ir preenchendo as lacunas desses
mais de 20 anos de estrada e sucesso.
Nos seis meses que trabalhou em pesquisas e entrevistas, Sérgio Maggio conversou com grandes figuras do teatro e da
TV que, de uma forma ou de outra, tiveram alguma coisa a ver com o caminho
trilhado por esses moleques do riso. Do
Rio de Janeiro, Chico Anísio, Millôr Fernandes, Bruno Mazzeo e Isabela Garcia,
entre outros. De Brasília, quase todo
mundo: Hugo Rodas, Alexandre Ribondi, João Antônio e, é claro, Murilo Grossi, que faz uma bela e emocionada apresentação.
Pela mãos de Sérgio Maggio voltamos
no tempo e retomamos contato com uma
Brasília quase desconhecida. Andamos no
final dos anos 80 pelos teatros da cidade,
conhecemos grupos e bandas que se foram, assistimos nascer o Jogo de Cena, bebemos no Beirute e caminhamos pelas
madrugadas na cidade que saía da adolescência e pulava para os 30 anos de idade.
Às vezes, até sonhamos juntos com Welder e Pipo.
Com o livro, ficamos sabendo também dos contratempos e das pequenas
brigas. Entendemos a dificuldade de fazer comédia no Brasil, considerada por
alguns uma forma menor de teatro. E,
mais que tudo, compreendemos o porquê de Os Melhores do Mundo terem
chegado aonde chegaram.
A festa do riso é um livro para ser lido
pelos que viveram e não viram, pelos que
viram, mas não viveram a Brasília dos
anos 80 para cá, e por todos que, de alguma forma, amam o teatro de comédia e a
história da cidade e de seus artistas.
Os Melhores do Mundo - A festa do riso
Sérgio Maggio - Coleção Brasilienses
122 páginas, R$ 35
31
luz câmera ação
Um festival que
O mais antigo e
tradicional evento
cinematográfico
do país segue
buscando uma
fórmula capaz de se
adequar à dinâmica
dos novos tempos
e exibe este ano
mais um pacote
de novidades
AC Junior
pensa e se recria
Bianca Byington e Enrique Diaz fazem os papéis principais em Noites de reis, de Vinicius Reis.
Por Sérgio Moriconi
E
m constante movimento,
o Festival de Brasília aprofunda as mudanças iniciadas em sua edição do ano passado. Além da permanência do critério que aboliu o ineditismo –
que pouca diferença vem fazendo na escolha das obras selecionadas – a principal novidade é
a a criação de uma premiação
especifica para filmes docu-
mentários. Mutatis mutandis, agora são 12
longas e 24 curtas os concorrentes ao Troféu Candango. Outra iniciativa importante foi a decisão dos organizadores da Mostra Brasília de fazer uma seleção das produções brasilienses que concorrerão ao
prêmio da Assembleia Legislativa do DF.
Mas, no que se refere às duas principais competições do festival, o que salta
aos olhos este ano é o grande número de
realizações de Pernambuco: nada menos
que sete representantes do Estado estarão
presentes na sessão nobre da Sala Villa-
Lobos. Entre eles, os longa-metragens de
ficção Eles voltam, de Marcelo Lordello,
Boa sorte, meu amor, de Daniel Aragão, e
Era uma vez eu, Verônica, de Marcelo Gomes, este o mais experiente de todos, autor de Cinema, aspirinas e urubus e, em parceria com Karim Ainouz, de Viajo porque
preciso, volto porque te amo. Curiosamente,
os pernambucanos vão disputar o Candango com três cariocas: a experiente Lucia Murat, com A memória que me contam,
Vinicius Reis, com Noites de reis, e Allan
Ribeiro, com Esse amor que nos consome.
Os longas de ficção da Mostra Competitiva
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Eles voltam
PE/2012, 100min. Roteiro e direção: Marcelo
Lordello. Com Maria Luiza Tavares, Georgio
Kokkosi, Elayne de Moura, Mauricéia Conceição, Jéssica Silva, Irma Brown, Clara Oliveira,
Germano Haiut e Teresa Costa Rêgo.
Cris, de 12 anos, e seu irmão mais velho são deixados na beira da estrada pelos pais. O castigo
imposto a eles, devido às constantes brigas durante a viagem à praia, torna-se um desafio: os
pais não retornam. Cris terá, então, que trilhar
seu caminho de volta para casa, deparando-se
com realidades distantes e distintas da sua.
Uma fábula de tons, personagens e situações
realistas sobre vivências que auxiliarão Cris a
revisitar sua vida quando, finalmente, voltar.
A memória que me contam
RJ/2012, 95min. Direção: Lucia Murat. Roteiro:
Lucia Murat e Tatiana Salem Levy. Com Irene
Ravache, Franco Nero, Simone Spoladore, Otávio Augusto, Zecarlos Machado, Clarisse Abujamra, Hamilton Vaz Pereira, Miguel Thiré e
Patrick Sampaio.
Um drama irônico sobre utopias derrotadas,
terrorismo, comportamento sexual e a construção de um mito. Um grupo de amigos que resistiram à ditadura militar, com seus filhos, vai
enfrentar o conflito entre o cotidiano de hoje e
o do passado quando um deles está morrendo.
Boa sorte, meu amor
PE/2012m 95min. Direção: Daniel Aragão. Ro-
teiro: Daniel Aragão, Gregorio Graziosi e Luiz
Otávio Pereira. Com Vinicius Zinn, Christiana
Ubach, Rogério Trindade, Jack Mugler, Carlo
Mossy, Maeve Jinkings, Jr Black, Marku Ribas,
Júlio Rocha, Cacau Maciel, Gerlane Silva, Sandra Possani, Ana Lucia Altino, Zezita Matos e
Bianca Müller.
Dirceu, 30 anos, tem origens que remontam à
aristocracia latifundiária pernambucana. Ele vive no Recife, cuja paisagem sofre descontrolado processo de transformação, em parte graças a seu trabalho numa empresa de demolição. Maria compartilha as mesmas origens sertanejas, embora use a cidade para outro propósito. Ela é uma estudante de música com alma de artista. Se Dirceu aspira a um mundo
estável e presente, Maria vive em discordância
com o presente. A presença dela, quase uma
aparição, desencadeia em Dirceu a urgência
por mudanças. Numa rota de fuga e peregrinação pelo deserto, um encontro singular está
marcado para acontecer.
Era uma vez eu, Verônica
PE/2012, 90 min. Roteiro e direção: Marcelo
Gomes. Com Hermila Guedes, W. J. Solha, João
Miguel, Renata Roberta e Inaê Veríssimo.
Esse filme revela as reflexões de Verônica, uma
estudante de Medicina recém-formada, passando por um momento de incertezas. Ela
questiona não só as suas escolhas profissionais,
como suas relações mais íntimas, mas até mesmo a sua capacidade de lidar com a vida no
Brasil urbano contemporâneo.
Hamadeh e o comediante (também libanês) Claude Khalil. Eles terão como parceiros, em alguns dos principais papéis,
Klarah Lobato, de Brasília, e a poetiza Elisa Lucinda. Também fazem parte do elenco Chico Sant’Anna, João Antônio, Sérgio Fidalgo, Narciza Leão e Adriano Siri,
conhecidos artistas da cidade que tiveram
de aprender árabe para poder dar conta de
um enredo em que um adolescente libanês vem tentar a sorte no Brasil.
Outro ponto alto do festival deve ser a
exibição, na mostra Panorama Brasil, de
O som ao redor, estreia em longa do pernambucano Kleber Mendonça (outra vez
Pernambuco!), realizador de Recife frio,
premiado em Brasília há alguns anos e um
dos mais interessantes curtas feitos no
Brasil nos últimos tempos. O filme teve
críticas super elogiosas em publicações
norte-americanas como – imaginem só –
New York Times e Variety. Essa mesma
mostra, dedicada a produções brasileiras
recentes, apresentará Entorno da beleza, da
brasiliense Dácia Ibiapina, um curioso
documentário sobre concursos de miss
em Brasília e nas cidades satélites do DF.
Não estranhe a ausência do Cine Brasília, tradicional templo do festival. Como
ele está fechado para reforma, toda a extensa programação do nosso principal
evento cinematográfico teve de ser acomodada em outras salas. A Martins Pena,
por exemplo, vai abrigar a Mostra Brasília, enquanto diversos espaços das cidades
satélites de Taguatinga, Gama, Ceilândia
Divulgação
Entre os documentários, destacam-se
os nomes do mineiro Cao Guimarães,
com Otto, e do matogrossense Joel Pizzini, com Olho nu, sobre o cantor Ney Matogrosso. Não deixa de chamar a atenção
a presença de uma produção do Piauí, o
também documentário Kátia, de Karla
Holanda. Obras de Goiás, Rio Grande
do Sul, São Paulo e Santa Catarina vão
igualmente frequentar a tela montada na
Villa-Lobos.
E Brasília? Bem, não deixa de ser surpreendente o fato de um único e solitário
curta, A ditadura da especulação, de Zé Furtado, ter sido selecionado para uma das
principais mostras do festival. Como consolo, resta ao público da capital conhecer
a produção local através da já consagrada
Mostra Brasília, que traz, entre outros, os
longas Parece que existo, de Mario Salimon, e Sob o signo da poesia, de Neto Borges, ambos documentários, e os curtas ficcionais Bibinha, a luta continua!, de Adriana de Andrade, Colher de chá, de J. Procópio, Na cozinha, de André Luis da Cunha,
Sagrado coração, de Cauê Brandão, e Véi,
dos irmãos Érico e Juliano Cazarré, além
do curta documental Vida kalunga, de
Betânia Victor Veiga.
Consolo maior para os brasilienses
certamente acontecerá na noite de abertura do festival, dia 17, quando será exibido,
pela primeira vez, o longa A última estação,
de Márcio Curi, primeira coprodução internacional do cinema candango (leia na
página 40). Produtor consagrado na cidade, Curi assume a direção de uma obra
complexa, com um elenco internacional
em que se destaca o ator libanês Mounir
Maasri, a atriz libanesa/canadense Roula
Entorno da beleza, da brasiliense Dácia Ibiapina, será exibido na mostra Panorama Brasil.
Noite de reis
RJ/2012, 93 min. Direção: Vinicius Reis. Roteiro: Rita Toledo. Com Bianca Byington, Enrique
Diaz, Flavio Bauraqui, Raquel Bonfante, Sidney
Martins e Luciana Bezerra.
Alguns anos após uma tragédia familiar, Dora
e a filha Júlia retomam sua vida cotidiana. É
dezembro. Os palhaços e músicos da Folia de
Reis dançam pelas ruas de uma pequena cidade do litoral do Rio de Janeiro. . Para Dora, ir à
praia é reencontrar seu filho Lucas, cujas cinzas repousam no mar. A chegada de uma visita inesperada irá abalar essa rotina. É Jorge, o
marido de Dora, que partiu no dia seguinte ao
incêndio que matou Lucas e nunca mais voltou. Sua chegada traz de volta a dor da perda
do filho, da falta do irmão. Dessa crise se abre
a possibilidade de superação.
Esse amor que nos consome
RJ/2012, 80min. Direção: Allan Ribeiro. Roteiro: Allan Ribeiro e Gatto Larsen. Produção executiva: Ana Alice de Morais Com Gatto Larsen,
Rubens Barbot, Wilson Assis, Cláudia Ramalho, Rubens Rocha, Ulisses Oliveira, Nego
Maia, Éder Silva, Luís Monteiro, Valéria Monã,
Zezé Veneno, Fernando Silva, Fernando Silva e
Valeria Monã.
Gatto Larsen e Rubens Barbot são companheiros de vida há mais de 40 anos e acabaram de
se instalar em um casarão abandonado no
centro do Rio de Janeiro. Ali, eles passam a viver e a ensaiar com sua companhia de dança.
A luta do dia a dia se mistura com a criação
artística e a crença em seus orixás. Por meio da
dança eles se espalham pela cidade, marcando
seus territórios.
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A ditadura da especulação, de Zé Furtado, é o único curta-metragem brasiliense na Mostra Competitiva.
Divulgação
e Sobradinho – como já vem acontecendo
há alguns anos – vão exibir, simultaneamente, a programação da Mostra Competitiva. Como de hábito, o festival vai promover uma enorme quantidade de cursos, eventos paralelos e lançamentos de livros. Mas, diferentemente de anos anteriores, todas essas atividades (ou quase todas) estarão relacionadas a uma reflexão
sobre o próprio festival, sobre o cinema
desenvolvido na Universidade de Brasília
e sobre algumas personalidades que tiveram fundamental importância para o cinema da capital e do Brasil. Como Paulo
Emílio Salles Gomes, principal homenageado desta 45ª edição do festival. Dois
importantes eventos – Paulo Emílio e a crítica cinematográfica, realizado em parceria
com a Associação Brasileira de Críticos de
Cinema, e Presença de Paulo Emílio no pensamento cinematográfico brasileiro: ela ainda
existe? – vão resgatar a relevância daquele
que talvez tenha sido o maior pensador
brasileiro do cinema.
Paulo Emílio foi uma espécie de “pai
primordial” do cinema de Brasília. Convidado pelo jornalista Pompeu de Souza para criar o pioneiro curso de cinema da
Universidade de Brasília, isso num longínquo 1965, esse excepcional crítico e
professor lançou as sementes da atividade
cinematográfica da capital, inicialmente
toda ela concentrada em torno da UnB.
No dia 18, o seminário Memória afetiva: 50 anos de cinema na UnB, vai proporcionar mais uma reflexão sobre a importância da instituição. Outras duas mostras
– Brasília 5.2 – cinema e memória, composta de dez documentários selecionados pela
pesquisadora Berê Bahia, e A UnB e o cinema, organizada pelo cineasta e professor
Marcos de Souza Mendes – são evidências de que o cinema de Brasília já possui
uma rica e longa trajetória.
Produtora Centro de Midia Independente do DF e Coletivo Muruá
luz câmera ação
Hermila Guedes em Era uma vez eu, Verônica, de Marcelo Gomes, um dos sete pernambucanos inscritos no festival.
Os documentários da Mostra Competitiva
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Um filme para Dirceu
PR/2012, 80min. Roteiro e direção: Ana
Johann. Participação especial de Teodoro, da
dupla sertaneja Teodoro & Sampaio.
A diretora recebe uma ligação telefônica de
uma pessoa interessada em fazer um filme sobre a própria vida, que julga ter muitas semelhanças com as dos dois filhos de Francisco.
Aos 17 anos, Dirceu ficou paraplégico e depois de um ano voltou a andar. Ele é gaiteiro e seu sonho é viver da música. A proposta é acompanhar sua vida durante três
anos e incorporar o próprio processo do
filme dentro do documentário.
Kátia
PI/2012, 74min. Roteiro e direção: Karla Holanda.
Kátia Tapety tornou-se a primeira travesti eleita a um cargo político no Brasil. Foi vereadora
três vezes, além de vice-prefeita. O filme é resultado de 20 dias de convívio com ela em seu
pequeno município no sertão do Piauí.
Otto
MG/2012, 70min. Roteiro e direção: Cao Guimarães. Com Otto Matínez Guimarães e Florencia Martínez.
O filme acompanha o processo de gravidez da
esposa do diretor e o nascimento de seu filho.
Instintivo e visceral como um gesto. Intimista e
confidente como um diário filmado. Uma celebração à vida, um filme de amor.
Doméstica
PE/2012, 75min. Roteiro e direção: Gabriel
Mascaro.
Sete adolescentes assumem a missão de registrar, por uma semana, sua empregada doméstica, e entregar o material bruto para o
diretor realizar um filme com essas imagens.
Entre o choque de intimidade, as relações de
poder e a performance do cotidiano, o filme
Entrevista com o Secretário de Cultura, Hamilton Pereira
Qual é a relevância do
Festival de Brasília para o
cenário cinematográfico
brasileiro?
Chegamos a essa 45ª edição com o festival renovado e vigoroso. Em 2011,
introduzimosmodificações
bem recebidas pela sociedade: constituímos uma
curadoria que não existia;
antecipamos a data para
setembro; abolimos o critério do ineditismo; introduzimos a exibição em digital; elevamos o valor dos
prêmios; e descentralizamos a exibição para outras cidades, além
do Plano Piloto: Sobradinho, Taguatinga
e Ceilândia, além do circuito do Cinema
Voador. Nesta edição ampliaremos as exibições para o Gama. Atendemos, dessa
forma, a um dos princípios norteadores da
nossa gestão: descentralizar a oferta de
bens e serviços culturais para as cidades do
Distrito Federal, aproximando do público
espectador o melhor do cinema brasileiro
do último ano. Essa edição recebeu 408
inscrições, tornando-se, assim, um grande
estuário da produção cinematográfica do
Brasil no último ano.
Qual a importância de recuperar a história de Paulo Emílio Salles Gomes para as novas gerações?
lança um olhar contemporâneo sobre o trabalho doméstico no ambiente familiar, transformando-se em um potente ensaio sobre
afeto e trabalho.
Olho nu
RJ/2012, 101 min. Roteiro e direção: Joel Pizzini. Com Ney Matogrosso.
A vida e a obra de Ney Matogrosso retratadas a
partir do conjunto de imagens e sons que o artista reuniu até hoje em sua casa, além dos existentes em arquivos públicos, em contraponto à
performance de seu show Inclassificáveis, em
cartaz pelo país e Europa. É um espetáculo-síntese de seu percurso musical, que, na montagem do filme, evoca cenas e situações da histó-
Divulgação
“Nosso festival se tornou um estuário
da produção cinematográfica brasileira.”
Trata-se de recuperar a paixão pelo Brasil,
pelas culturas brasileiras, pelo cinema brasileiro. Homenagear Paulo Emílio significa
algo mais do que homenagear um homem
que amava o Brasil, as coisas do Brasil.
Trata-se de chamar a atenção para um espírito inquieto, corajoso, crítico, cosmopolita no melhor sentido, sem abrir mão de
um profundo amor pela aventura de se
construir aqui a “civilização brasileira” de
que falava Sérgio Buarque. Uma civilização aberta para dentro, mestiça, miscigenada. E aberta para fora. Ávida por aprender.
Em permanente diálogo com as demais
culturas do mundo. Para afirmar-se como
um intelectual cosmopolita, Paulo Emílio
não negava sua condição de brasileiro.
ria de Ney tanto nos palcos quanto na vida cotidiana. Evitando o tom nostálgico e reverente,
Olho nu busca a dimensão humana e sensível
de um personagem cuja história se confunde
com a melhor tradição do cancioneiro latino-americano. Como o próprio nome sugere, o filme ousa desnudar o homem por trás da fama,
sondando, assim, as motivações de sua arte, o
senso crítico, o caráter libertário e o ideário político que permeia seu repertório, pautado sempre pela coerência e qualidade estética.
Elena
MG/2012, 82 min. Direção: Petra Costa. Roteiro:
Petra Costa e Carolina Ziskind.
Elena viaja para Nova York com o mesmo sonho
Por que é importante distinguir ficção
de documentários?
A rigor, são linguagens distintas. Cada
uma com um foco próprio, específico.
No Brasil, a produção de documentários
de alta qualidade vem se afirmando desde Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho. Manter essa linguagem
analisada pela mesma comissão que avalia ficção acaba, a meu juízo, prejudicando a produção dos documentários, mantendo essa linguagem na sombra, sem o
destaque que lhe é devido pela qualidade que alcançou.
Qual é a expectativa da Secretaria de
Cultura para este festival que acontece
no Teatro Nacional?
Se considerarmos o volume de obras inscritas, teremos um festival já muito significativo. Como afirmei antes, nosso festival se tornou o estuário da produção brasileira do último ano. Quanto à qualidade dessa produção, será objeto da avaliação do público sempre numeroso e ativo
e da crítica. A política pública de cultura
do Governo do Distrito Federal responde por criar as condições de organização,
exibição e divulgação do festival, que esperamos seja bem acolhido pelo público.
Realizar essa 45ª edição no Teatro Nacional atende a uma necessidade prática – o
Cine Brasília passa, ao longo deste ano,
por uma ampla reforma, para adequá-lo
às condições de um cinema contemporâneo, com acessibilidade e as demais exigências para que se afirme como o palácio
do cinema em Brasília. E como a sede
permanente do mais antigo festival de cinema do país.
da mãe: ser atriz de cinema. Deixa para trás
uma infância passada na clandestinidade dos
anos de ditadura militar. Deixa Petra, a irmã de
sete anos. Duas décadas mais tarde, Petra também se torna atriz e embarca para Nova York
em busca de Elena. Tem apenas pistas. Filmes
caseiros, recortes de jornal, um diário, cartas.
Em todo momento Petra espera encontrar Elena caminhando pelas ruas. Pega o trem que
Elena pegou, bate na porta de seus amigos,
percorre seus caminhos. E acaba descobrindo
Elena num lugar inesperado. Aos poucos, os
traços das duas irmãs se confundem, já não se
sabe quem é uma, quem é a outra. A mãe
pressente. Petra decifra. Agora que finalmente
encontrou Elena, Petra precisa deixá-la partir.
35
luz câmera ação
Fotos: Krishna Schmidt
A última estação
“U
ma história emocionante,
cheia de sentimento, com
muito amor, conflitos, mas
acima de tudo um relato fiel de como
aconteceu a adaptação de muitos dos imigrantes que vieram para o Brasil”. Assim
o diretor brasiliense Márcio Curi apresenta o filme, por ele dirigido, que será exibido para 1.200 convidados na abertura do
45º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, dia 17, às 21 horas , na Sala Martins
Penna do Teatro Nacional.
Filmado em formato digital no Brasil
e no Líbano, com roteiro original de Di
Moretti, A última estação é uma coprodução das brasilienses Cinevideo e Asacine
e da libanesa Day Two Pictures, de Beirute. No Brasil, 60% das cenas foram filmadas no Polo Cinematográfico de Paulínea
e o restante em Santos, Anápolis, Brasília,
Ilhéus e Belém.
Festivalzinho
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Curtas de animação e ficção com
temática infantil e classificação indicativa
livre, especialmente dedicados às crianças.
É o Festivalzinho, realizado em parceria
com a Mostra de Cinema Infantil de
Florianópolis, oferecendo programação
gratuita de qualidade para alunos de
escolas previamente agendadas. Os filmes
serão exibidos entre os dias 18 e 21 na
Sala Martins Pena do Teatro Nacional,
dias 22 e 23 no CCBB e, em outros
horários, também na Candangolândia,
Ceilândia, Taguatinga, Cruzeiro, Gama,
No elenco, os brasilienses Klarah Lobato, João Antonio, Chico Santana, Narciza Leão, Sérgio Fidalgo e Adriano Siri
se juntam a Elisa Lucinda e ao ator e diretor libanês Mounir Maasri para contar a
história de imigrantes libaneses que deixaram sua terra natal em busca de uma
vida melhor do outro lado do mundo.
O personagem principal é o libanês
Tarik, que em 1950, ainda adolescente, se
vê obrigado a vir para o Brasil junto com
o irmão mais novo, Karim. No navio, os
dois fazem amizade com outros meninos
árabes e sírios, que ao desembarcarem no
porto de Santos, em São Paulo, seguem
caminhos distintos. Os anos se passam
e, em setembro de 2001, após perder a esposa, o velho Tarik entra em profunda
depressão, tem uma espécie de surto psicológico, cisma de reencontrar os companheiros da viagem de 51 anos atrás e sai a
Guará, Núcleo Bandeirante, Park Way,
Riacho Fundo II, Samambaia e Sobradinho.
Entre os filmes programados, dois
destaques: O filho do vizinho, produção
de 2011 do Coletivo Casa 30, de Brasília,
dirigido por Alex Vidigal, que recebeu o
Troféu do Júri Popular no Festival Nacional
de Curtas do Vale do são Francisco,
e Traz outro amigo também, divertida
investigação sobre um amigo imaginário
da infância, dirigida pelo gaúcho Frederico
Cabral, que recebeu no CinePE os prêmios
de Melhor Curta do Júri Oficial e do Júri
Popular, além de vários outros prêmios
técnicos, como o de melhor roteiro.
percorrer o país, na companhia da filha
Samia, em busca dos “meninos”.
A última estação veio enriquecer o portfólio da produtora brasiliense Cinevideo,
que, após forte atuação na África, onde
mantém escritório há cinco anos, passou a
investir no mercado árabe, estabelecendo
parceria com a rede de TV Al Jazeera e
com ela produzindo uma série de documentários. Durante a produção do filme,
que será distribuído no Brasil pela Polifilme, a Cinevideo cuidou da seleção do ator
principal e das negociações com uma distribuidora libanesa. “Foi um trabalho muito prazeroso que realizamos no Líbano até
chegar ao Mounir Maasri, que faz o imigrante Tarik. Graças ao relacionamento da
Cinevideo com esse mercado, conseguimos também fechar uma importante parceria de distribuição local”, conta Monica
Monteiro, presidente da produtora.
Mostra Brasília
O Troféu Câmara Legislativa chega
à sua 17ª edição com formato renovado,
prêmios mais volumosos e produções
selecionadas por uma comissão formada
por cineastas, produtores, críticos e
professores de cinema. Do total de 94
filmes inscritos, 18 foram indicados
para disputar R$ 200 mil em prêmios –
dois longas e 16 curtas, sendo seis
documentários e 12 ficções. Os filmes
serão exibidos na Mostra Brasília,
dias 22 e 23, na Sala Martins Penna
do Teatro Nacional, com entrada franca. Zé Filho
O diretor Márcio Curi: história emocionante
sobre a adaptação de imigrantes no Brasil.
A última estação
Brasil/Líbano, 2012, 114min. Direção: Márcio
Curi. Roteiro: Di Moretti. Com Mounir Maasri,
Elisa Lucinda e Klarah Lobato. Elenco de
apoio: Roula Hamadeh, Narciza Leão, João
Antônio, Chico Sant’Anna, Sérgio Fidalgo,
Edgard Navarro, Iberê Cavalcanti, Adriano
Siri, José Charbel, Mohamad Rabah e Braheim
Abu Nassif. Classificação indicativa: 12 anos.
Ao longo de 16 anos, a CLDF premiou
52 filmes, investindo um total de R$ 1,2
milhão no cinema brasiliense. "É nosso
dever apoiar a produção cinematográfica
da cidade. E acho que podemos contribuir
com muito mais, além da premiação", diz
o presidente da CLDF, deputado Patrício.
Sérgio Fidalgo, coordenador do festival,
diz que é com muito prazer que acolhe a
Mostra Brasília: "O Troféu Câmara Legislativa
está consolidado e é fundamental para o
nosso cinema". O cineasta Kleber Machado,
da Associação Brasiliense de Cinema e
Video, concorda: "O momento é de pensar
o cinema brasiliense".
Entrevista com o coordenador do festival, Sérgio Fidalgo
“A separação entre documentários e filmes
de ficção se fazia naturalmente necessária.”
O que você gostaria de destacar no
festival deste ano em relação às edições anteriores?
Em primeiro lugar, eu destacaria a importância que nós estamos dando ao
documentário. A separação entre esse
gênero e a ficção se fazia naturalmente
necessária pela qualidade e quantidade de ótimos filmes de não-ficção que,
nos últimos anos, vinham sendo submetidos à comissão de seleção da
principal mostra do nosso festival.
Como apenas seis longas podiam
concorrer ao Candango de melhor filme, criava-se um impasse. Este ano,
os documentários terão direito a uma
premiação bastante significativa. O
melhor longa documental receberá a
quantia de 100 mil reais, valor menor
do que os 250 mil concedidos aos filmes de ficção, em virtude desses filmes terem um custo muito menor de
produção. Entretanto, as outras premiações – como melhor fotografia, roteiro, direção etc – terão direito a
quantias idênticas.
Que outro aspecto você considera
marcante na edição deste ano?
É algo ocasional, mas o fato de o festival deste ano ter como sede principal a Sala Villa-Lobos não deixa de
ser interessante. Destaco também a
inclusão do Gama como uma das cidades satélites que receberão a exibição simultânea da Mostra Competitiva. Gostaria também de fazer menção ao fato de todas as produções
concorrentes ao Candango deste ano
serem inéditas, apesar de o critério
de ineditismo não mais existir desde
o ano passado.
Outra mudança importante foi a introdução de uma seleção para os
participantes da Mostra Brasília.
Por que?
Nós introduzimos uma seleção porque isso já era uma demanda da classe. Todos achavam que a produção
não estava mais cabendo no formato
Divulgação
Com 19 anos de atuação, a outra produtora brasiliense – a Asacine, de Márcio
Curi, diretor do filme – tem participação
destacada no desenvolvimento da indústria audiovisual da capital brasileira. Sua
produção está focada em filmes de longa-metragem, documentários para TV, institucionais, séries educativas, videoclipes,
coberturas e registros de eventos empresariais, científicos, técnicos e culturais. É a
única produtora de cinema da cidade a
exibir no currículo a conquista dos mais
importantes prêmios do júri do Festival
de Brasília nas três categorias principais:
melhor longa-metragem 35mm, em 1994,
com Louco por cinema, de André Luiz Oliveira; melhor curta-metragem 35mm, em
2000, com Sinistro, de René Sampaio; e
melhor filme 16mm, em 2006, com Passageiros da segunda classe, de Luiz Eduardo
Jorge e Kim Ir Sen.
da mostra, que, de início, era no sábado e no domingo, e depois se estendeu para praticamente todos os dias
da semana, tendo que ser acomodada, ano passado, no Museu da República. Agora voltou a ser sábado e domingo, em duas sessões, uma às 14 e
outra às 16h, na Sala Martins Pena.
Por que apenas dois longa-metragens foram selecionados?
Essa não era a intenção inicial. Em
princípio, seriam quatro longas, mas
a comissão achou por bem selecionar
apenas dois e uma quantidade muito
maior de curtas porque daria um panorama ao mesmo tempo mais amplo e variado do cinema de Brasília.
Você mencionou a Sala Villa-Lobos
como uma das singularidades da
edição deste ano do festival. Que
adaptações vocês fizeram para receber o evento?
Bem, nós tivemos que adaptar uma
praça de alimentação, semelhante
àquela que já se tornou uma tradição
no Cine Brasília. A nossa praça de
alimentação vai ser feita lá fora, no
gramado, na lateral do teatro. Vai ser
um pouco menor, mas terá tendas e
tudo o mais. Vamos juntar todas as
empresas que ganharam a licitação
do governo para montar a praça e pedir para os bares ambientarem sua
área de acordo com a especificidade
de cada um.
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luz câmera ação
As bem-amadas
Divulgação
Por Reynaldo Domingos Ferreira
C
omo se fora um conto de fadas
moderno, que não dispensa os
sapatinhos de cristal, Christophe Honoré narra, na comédia dramática As bem-amadas, a história dos amores e das desventuras de duas mulheres,
mãe e filha, cobrindo o período entre a
invasão da Tchecoslováquia pelas forças comunistas e o ataque terrorista às
torres gêmeas do World Trade Center
de Nova York. Implícita está no argumento, escrito por Honoré, a observação de ordem moral de que a juventude
de hoje, talvez porque criada sob excessivo desvelo, mostra-se mais vulnerável
aos duros embates da vida – procurando, por exemplo, o escapismo da droga
ou até mesmo o suicídio – do que a geração sofrida vinda do pós-guerra ou da
Guerra Fria.
Sob esse aspecto, percebe-se que,
na primeira fase da película, a linguagem, impulsionada pela força da ilusão
do amor, seja viva e espontânea, e as canções de Alex Beaupain, que pontuam as sequências, sejam melódicas, de charme e
de encanto, como Prague e Les chiens ne
font pas des chats. Além disso, os dois intérpretes – Ludivine Sagnier (Madeleine
jovem) e Radivoje Bukvic (Jaromil jovem) – são de aparência vistosa, cantam e
atuam com bastante desenvoltura.
Na segunda fase, o brilho da narrativa de Honoré já não é o mesmo, pela
dramaticidade em que se dá o desenvolvimento da temática, a do desgaste físico
e amoroso das criaturas. Decrescem nela
também o ritmo e o vigor, enquanto a
música ganha um tom melancólico, como J’en passerai, Jeunesse se passe ou Je ne
peux vivre sans t’aimer. O agravamento
vem com a posterior substituição dos intérpretes, quando do envelhecimento das
personagens.
Naturalmente, isso poderia ser evitado
pelo uso da maquiagem, que opera, nos
dias de hoje, verdadeiros milagres na mudança de fisionomias. Mas se esse recurso
fosse posto em prática, não haveria a possibilidade de Catherine Deneuve (Madelei-
ne) contracenar com a filha Chiara Mastroianni (Vera), o que foi o objetivo mais
do que claro do filme. Os que chegam em
cena, trazendo diferentes estilos de atuação
– como o do realizador tcheco Milos Forman (Jaromil ), criador de Amadeus (1984)
e de outras obras memoráveis –, não se
ajustam ao ideal criativo de Honoré.
A exceção, nesse ponto, talvez seja o
ator americano Paul Schneider, que encarna Henderson, baterista homossexual,
mais tarde soropositivo, que Vera conhece, na noite londrina, e por ele se apaixona. Que se passa em seguida? Para superar
a falta de ajuste das interpretações, Honoré lança mão de eficiente recurso teatral.
Reproduz, ao final da película, a cena do
passado, quando principiou o romance entre Madeleine e Jaromil, um sedutor médico tcheco que estava em Paris participando
de um congresso de medicina. Com isso,
ele traz de volta os dois atores do início.
Anteriormente, em flashback, Honoré
mostra que Jaromil, então casado com
Madeleine, fora localizado por ela, na
noite em que houve a sangrenta ocupação de Praga pelos soviéticos, cometendo
adultério. Madeleine se separa dele e volta
a Paris com a filha
ainda criança. Ela conhece François Gouriot (Gillaume Denaiffe), um militar com
quem passa a viver,
mas sem deixar de ter
encontros esporádicos e fortuitos com Jaromil. Mais tarde,
após a morte da filha,
no cemitério de Reims, cidade onde passou a residir, ainda
em companhia de
François (Michel Delpech), Madeleine diz
para Clément (Louis
Garrel), amante de
Vera: “O melhor presente que ela lhe deu
foi a negativa de se casar com você. Só por
isso seu amor por ela
dura até hoje. Nada há que destrua o
amor como a vida em comum!”.
Em termos estéticos, o trabalho de Honoré é, como sempre, marcado por sua inegável intenção de aproximar ao máximo a
cena dramática da pintura, ou, melhor dizendo, da pintura teatral, seguindo a linha
de Jacques Démy, impulsionador do musical francês na década de 60. E ele o faz, dessa vez, pelas magníficas imagens de Rémy
Chavrin, que dirigiu La Deneuve, contracenando com a irmã Françoise Dorléac em
Les demoiselles de Rochefort (1967). Mas é de
outra obra anterior dele – Os guarda-chuvas
do amor (1964), também interpretada por
Deneuve – que Honoré faz, como tributo,
ligeira citação. Nos créditos finais, ele presta
ainda homenagem à memória de Marie-France Pisier, encontrada morta, em abril
do ano passado, na piscina de sua residência, em Saint-Cyr-sur-Mer.
As bem-amadas (Les bien-aimées)
França/Reino Unido/República Tcheca/2011,
139min. Roteiro e direção: Christophe
Honoré. Com Chiara Mastroianni, Catherine
Deneuve, Ludivine Sagnier, Louis Garrel,
Milos Forman, Paul Schneider, Rdivoje
Bukvic, Michel Delpech, Guillaume Denaiffe
e Clara Couste.
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luz câmera ação
Intocáveis
Por Reynaldo Domingos Ferreira
O
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tema da valoração da amizade,
abordado em Intocáveis, de Olivier Nakache e Éric Toledano, é
recorrente, no cinema francês, nos dias
que correm. No caso dessa comédia dramática, é improvável o tipo de afeição que,
tal como está exposto, surge do relacionamento entre um culto e milionário tetraplégico desde 1993 – a lembrar talvez o
protagonista de O escafrando e a borboleta
(2007), de Julian Schnabel – e um jovem
pobre e imigrante, originário do Senegal e
recém-saído da prisão.
O roteiro de Nakache e Toledano é,
contudo, inspirado em fatos reais, no livro autobiográfico editado entre nós sob o
título Segundo suspiro, de Philippe Pozzo
Di Borgo. A obra é constituída não de
uma narrativa, mas de esparsas reflexões
do autor, até de cunho religioso, sobre sua
angústia após perder a mulher, que lhe
deixou uma filha, e de sofrer uma queda
ao se lançar de parapente do pico de uma
das montanhas de Crest-Voland, município da Savoia, nos Alpes franceses.
No intróito, pontuado pelo tema musical de Ludovico Einaudi, os roteiristas
usam, como condão para dar início a um
longo flashback, desabalada corrida, à noite, pelas ruas de Paris, de uma Maserati
quatro portas. Ela é dirigida por Driss
(Omar Sy), que, sem se importar com a
perseguição policial, e tendo Philippe
(François Cluzet), o proprietário, no banco do passageiro, comete todas as imprudências no trânsito até ser detido num
ponto quase à saída da cidade.
Para se livrar da punição, Driss alega
aos policiais, com a conivência de Philippe, que sua pressa é causada pelo fato
de estar a caminho de uma emergência
hospitalar, pois seu patrão, que se encontra ao seu lado, babando, além de ser tetraplégico acaba de sofrer um AVC, necessitando de urgentes cuidados médicos.
Os policiais acolhem a justificativa dada
por ele e, compadecidos, lhe oferecem escolta até o próximo hospital. Ele saberá,
porém, escapulir antes da dar ingresso no
pronto-socorro, para, em disparada, tomar
destino ignorado, que só ao final da película será conhecido pelos espectadores.
Os bons conhecedores do cinema
francês não deixarão de identificar, nessa
e em outras situações criadas por Nakache
e Toledano, estreitas semelhanças com
as de Mon pote (2004), de Marc Esposito.
O filme narra a história da amizade, que se
consolida, entre o dono de uma concessionária de automóveis, Victor (Édouard Baer), e Bruno (Benoît Magimel), um ex-presidiário – grande admirador, como declara,
de Ayrton Senna – que lhe pede emprego.
Ou então com as de Meu melhor amigo
(2006), de Patrice Leconte, que mostra a
desesperada procura de um comerciante de
antiguidades, François Coste (Daniel Auteil), por um amigo, qualquer que seja, pois
não tem nenhum, a fim de vencer o desafio
que lhe foi proposto por sua secretária,
Catherine (Julie Gayet). É um motorista de
táxi, também chamado Bruno (Dany Boon), que vai salvar sua situação, isto é, a
carência de ter um amigo verdadeiro.
O que confere mais categoria ao filme
de Nakache e Toledano em relação à dos
anteriormente citados – e que fez dele o
mais visto na história cinematográfica da
França – é o seu aspecto político, relacio-
Intocáveis (Intouchables)
França/2011, 113 min. Roteiro e direção:
Olivier Nakache e Éric Toledano. Com François
Cluzet, Omar Sy, Anne Le Ny, Audrey Fleurot,
Clotilde Mollet, Alba Gaia e Cyril Mende.
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nado com o problema da imigração europeia. Nesse sentido, é preciso compreender que Driss é um imigrante como o garoto curdo (Firat Ayverd) vindo do Iraque
que, no drama Bem-vindo (2009), de Philippe Lioret, enternece a alma de um professor de natação (Vincent Lindon) em
Calais, ao lhe deixar evidente seu intento
de atravessar a nado o Canal da Mancha
para ir se encontrar com a namorada, cuja
família se mudou para Londres.
A diretora de arte Olivia Bloch-Lainé,
ao decorar a rica mansão parisiense de
Philippe, suscita no espectador o aguçamento da percepção de detalhes que definem não só a personalidade dele como
também se torna meio de expressão de suas preferências artísticas. Vale destacar que
tem esse mesmo propósito a trilha sonora
de Einaudi, composta de peças de Chopin
(Noturno n. 9), Berlioz, Bach, Albinoni,
Vivaldi e, principalmente, Schubert.
É dele a Ave Maria que dá a Driss, ao
chegar, noção precisa do ambiente em
que vai viver durante o período de adaptação no emprego e do choque cultural que
enfrentará em seguida – na verdade, com
galhardia –, dada a sua autenticidade, que
acabará por cativar em definitivo o patrão.
É bom ressaltar, a propósito, que ele foi
escolhido entre vários candidatos, todos
portadores de credenciais aparentemente
mais apuradas do que as dele, a fim de servir como acompanhante de Philippe.
Mais do que qualquer outro fator, até
mesmo da convencional direção de Nakache e Toledano, são as interpretações de
François Cluzet, como Philippe, e de
Omar Sy, no papel de Driss, que dão à película o seu extraordinário poder de sedução. Os dois atores estão soberbos. Não há
como deixar de admitir, porém, que Omar
Sy, ganhador do Cesar de melhor ator do
ano, incorporou de tal forma as características de Driss em sua própria personalidade que se faz difícil identificar nele o que é
interpretação. É possível que, nas primeiras sequências, ele se mostre um tanto caricato, o que não seria desejável. Mas, se
isso acontece, é certamente porque os realizadores quiseram antecipar pela atuação
da personagem o tom de comédia que pretendiam (e conseguiram) imprimir na linguagem narrativa de um tema originalmente dramático.
My way,
o mito além da música
É
extraordinária a atuação do ator belga Jéremie Renier no papel do cantor e compositor Claude François,
no filme biográfico My way, o mito além da
música, de Florent Emilio-Siri, exibido durante o recente Festival Varilux do Cinema Francês e prestes a entrar em cartaz no
circuito comercial. Grande ídolo da juventude francesa nas décadas de 60 e 70, hoje
totalmente esquecido, François foi também o autor de, entre outras, a canção My
way (Comme d’habitude), que imortalizou
Frank Sinatra e se tornou uma das músicas mais ouvidas no mundo.
Com uma direção de ritmo frenético,
a espelhar a própria vida de Claude François (Jéremie Renier), Florent Emilo-Siri,
também autor do roteiro, em colaboração
com Jean Rappeneau, evoca com habilida-
de técnica as várias facetas do caráter do
artista, do homem de negócios, do chefe
de família autoritário, antipático, até mesmo odioso, e sedutor, como o pai, Aimé
François (Marc Barbé). Mas Claude era,
da mesma forma, afetuoso com os dois filhos e preocupado em se manter saudável,
pois pouco bebia, não fumava, muito menos usava droga. Sua animação nos shows
era, portanto, autêntica, genuína.
A película tem início no Canal de
Suez, no Egito, onde trabalha Aimé, como operador do mecanismo regulador
das comportas. Preocupado com o futuro
do filho, ainda criança (Tom Dufour), ele
o leva ao trabalho a fim de motivá-lo a
aprender seu ofício. Ao voltar para casa,
onde a mulher, Chouffa (Monica Scattini),
joga pôquer com amigas, ele, exigente, to-
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ma lições de violino de Claude, aluno do
conservatório local. Também não passam
despercebidos os olhares trocados por Aimé com uma das parceiras de jogo da mulher. Essa situação estável da família, contudo, sofre forte e definitivo abalo depois de
uma crise político-social no Egito, em decorrência da qual Aimé perde o emprego.
A família tem de se mudar para Marselha, onde passa a viver em condições
precárias, sem ter mesmo o que comer.
Claude, já rapazola, consegue ser contratado como baterista de um conjunto musical. Com seu salário, ele pensa poder ajudar a família, mas, ao falar com o pai, sua
ideia é por ele prontamente repelida. Aimé quer ver o filho trabalhando em um
banco. Os dois se desentendem e Claude
é expulso de casa, ganhando, assim, a liberdade de trilhar seu próprio caminho.
Contratado como baterista, ele também
canta e dança, conquistando o público.
Enquanto isso, sua irmã, Josette (Sabina
Seyecou), se casa com um homem de posses e melhora a vida dos pais.
Incentivado por amigos, Claude grava
um disco com suas canções para mostrá-lo
a empresários parisienses. De um deles recebe o conselho para ouvir, no Olympia, o
tipo de música de que os jovens gostam,
pois a dele, melódica, ao estilo da canção
tradicional francesa, está ultrapassada. Ele
vai a um show de Johnny Halliday (Arthur
Defays). Vê como a moçada se comporta,
animadamente, ao ritmo do rock. E se
convence de que tem condições de criar
música semelhante, ou até melhor, para se
lançar ao sucesso. É isso o que faz.
Depois de ser glorificado pelo público
e pela imprensa por suas aplaudidas audições em toda a França, François enriquece, restaura um casarão, leva a mãe a morar com ele – o pai morrera – e conhece a
cantora Janet Woollacott (Maud Jurez),
com quem, apaixonado, se casa. Ela, porém, fica pouco tempo em sua companhia,
pois logo o abandona para viver com o
também cantor e compositor Gilbert Bécaud (Emmanuel Rossefelder), autor de
Et maintenant... Foi a segunda esposa, Isabelle Forêt, quem lhe deu os dois filhos,
Claude Jr. e Marc François. Ele teve ainda
esporádicos casos amorosos com France
Gall (Josephine Japy) e Sophie Mister (Kathalyn Jones), sua última companheira,
que testemunhou sua morte, num acidente doméstico, aos 39 anos.
Foi por sentir saudade da rotina de vida que levava com uma delas – possivelmente France Gall – que François interrompeu sua fase de agradar ao público para agradar a si próprio: retomou o tradicional estilo da canção francesa para compor
Comme d’habitude, que gravou logo em se-
guida. O importante é confirmar, pelo
filme, que Frank Sinatra, embora tenha
conseguido obter com a canção – a letra
em inglês é de Paul Anka – o seu maior
sucesso, nunca mostrou interesse, em suas várias viagens à França, em conhecer
seu autor. E François, por timidez, mesmo
tendo encontrado Sinatra à porta de um
hotel, não conseguiu se apresentar a ele.
Sem esquecer a excelência da trilha sonora de Alexandre Desplat, o filme deve
ser avaliado principalmente pela soberba
atuação de Jéremie Renier como o protagonista. Por sinal, foi depois de conhecer o
ator e atestar sua impressionante semelhança física com François que os filhos
dele autorizaram o início da rodagem da
película, com locações na Bélgica e no
Marrocos. Foi Renier quem indicou Benoît Magimel para interpretar o empresário Paul Lederman. Irreconhecível pela
maquiagem e pelo sotaque judeu-marroquino, Magimel tem também brilhante
participação. E, de forma generalizada, o
elenco é muito bom.
My way – O mito além da música (Cloco)
França/2012, 148 min. Direção: Florent
Emilio-Siri. Roteiro: Florent Emilio-Siri e
Jean Rappeneau. Com Jéremie Renier, Benoît
Magimel, Monica Scattini, Maud Jurez, Ana
Girardot, Josephine Japy, Kathelyn Jones,
Sabina Seyecou, Robert Knepper, Tom
Dufour, Marc Barbé, Emmanuel Rossefelder,
Arthur Defays e Marie Legault.
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