Arte sobre foto: Yan Desidério/Editoria de Arte 6 / São José do Rio Preto, 21 de agosto de 2011 DIÁRIO DA REGIÃO Relacionamento Caia fora desta furada Gisele Bortoleto [email protected] Um texto atribuído ao poeta e dramaturgo inglês Willian Shakespeare (1564-1616) diz assim: “Aprendi que não posso exigir o amor de ninguém. Posso apenas dar boas razões para que gostem de mim. E ter paciência para que a vida faça o resto. Eu aprendi que ignorar os fatos não os altera; que quando você planeja se nivelar com alguém, apenas está permitindo que essa pessoa continue a magoar você.” Deveríamos tirar disso uma lição quando o assunto é relacionamento, em que os parceiros não são peças que se encaixam como num quebra-cabeças: “Eu aprendi que não posso escolher como me sinto, mas posso escolher o que fazer a respeito”, diz o autor sobre como devemos agir se alguma coisa está nos fazendo mal. Uma infinidade de parceiros, mesmo sabendo que o roteiro do filme não irá garantir um bom final, ainda hoje vive às voltas com separações e reconciliações e se contentam com migalhas. Na verdade, isso acontece porque esperamos que a simples condição de estar juntos - casados ou namorando - resolva de modo mágico os problemas que aparecerem nos nossos relacionamentos, e que o final será feliz como nos romances. Pois saiba que não precisamos viver assim, podemos nós mesmos escrever o roteiro da vida que vamos levar. Para isso, o primeiro passo é nossa autovalorização, nos afastando da zona de conforto emocional que tanto nos faz sofrer, mesmo que não tenhamos consciência disso. O psiquiatra e escritor Augusto Cury, recordista brasileiro de leitura entre os anos de 2001 e 2010, autor de livros como “Dez Leis para Ser Feliz” e “Nunca Desista de Seus Sonhos” (ed. Sextante), diz que nada é tão belo quanto cultivar relações saudáveis, e nada é mais deprimente do que construir relações doentias. Isso não exige solução mágica: é necessário, segundo ele, educar a emoção, equipar o intelecto. “Nada é tão belo quanto construir relações sociais saudáveis, fundamentadas em amor inteligente, elogio, apoio, diálogo, tranquilidade, generosidade, investimento em sonhos e reconhecimento dos erros”, diz Cury. Nada é tão angustiante quanto construir relações saturadas de atritos, discórdias, cobranças, ansiedade, ciúme, controles ou medo da perda e insistir em se manter em uma relação assim. O medo do desconhecido é o que mantém unidas as pessoas em relações falidas. “Elas preferem ficar em uma relação ruim, mas conhecida, do que uma desconhecida que poderá ser melhor”, afirma o psiquiatra e psicanalista Luiz Alberto Py, autor de livros como “A Felicidade é Aqui”, “Saber Amar” e “Olhar Acima do Horizonte”, (ed. Rocco). O resultado disso fatalmente será o sofrimento e a infelici- O medo do desconhecido é o que mantém unidas as pessoas em relações falidas. “Elas preferem ficar em uma relação ruim, mas conhecida, do que uma desconhecida que pode ser melhor”, diz psiquiatra DIÁRIO DA REGIÃO São José do Rio Preto, 21 de agosto de 2011 / 7 dade. É certo que uma situação ruim obstrui e ocupa o espaço de uma possível relação boa. “Tenha coragem de correr o risco, já que ele existe”, diz Py. Mas se avaliarmos corretamente o risco de forma racional, não haverá problemas. Eles irão ocorrer se a pessoa lidar com a situação de forma emocional. Os problemas do coração tendem a ser vistos emocionalmente, o que muitas vezes é um erro se consideramos que a emoção engana. Thiago de Almeida, psicólogo especialista em relacionamentos amorosos, autor do livro “A Arte da Paquera: Inspirações à Realização Afetiva (ed. Letras do Brasil), diz que, quando estamos num relacionamento amoroso e as coisas não dão muito certo - no sentido de o outro não corresponder às nossas expectativas -, o que muitas vezes acontece é que a presença e aproximação do parceiro não se torna um fator benéfico - à medida que reforça essa aproximação intermitente. Se você se enquadra em uma relação assim, saiba que está fazendo mais mal a si mesmo do que pode imaginar. Um relacionamento que não dá certo mas que ambas as partes insistem em perpetuar, pode causar danos psicológicos e ter até um impacto físico. Quando estamos em uma relação assim, várias ideias se formam em nossa cabeça. Há “preguiça” de seguir para outro relacionamento ou mesmo ficar sozinho, por medo de sair da nossa zona de conforto psicológico que se forma. “Avalie os prós e contras do parceiro e da relação”, diz Almeida. Afaste os pensamentos negativos que irão surgir automaticamente, como: “Só existe essa pessoa.” “Estou velho demais para procurar uma coisa melhor.” “O que os outros irão dizer se eu me separar”, entre outros tantos que fazem com que você se sabote e se mantenha em uma relação infeliz. A psicanalista e escritora Beth Valentim, autora de livros como “Essa Tal Felicidade” (ed. Elevação) e “Mequiel - O Caçador de Sonhos”, da editora Dunya, acredita que alguns casais insistem em ficar juntos porque possuem “acertos” que não os deixa buscar a “liberdade”. São pessoas que muitas vezes carregam o fardo do “buraco afetivo” que, vazio, é preenchido com discórdia, brigas e reconciliações, e como algumas vezes, nesses casos, o sexo é bom quando fazem as pazes, “vivem um relacionamento neurótico, entre tapas e beijos, que os fazem se sentir vivos”, explica Beth. Essa sensação de agonia interior, segundo a psicanalista, pode levar a situações de desespero. Quem convive dessa maneira chega ao ponto de não mais se reconhecer. Perde a identidade e o objetivo de ser feliz é ínfimo perto do desejo de autodestruição. “As doenças aparecem, as dores são até físicas, há problemas de estresse e uma melancolia profunda”, diz. Certos casais terminam um namoro dessa maneira, por exemplo, e permanecem se encontrando vez por outra para discutir o passado. Precisam criar essas ciladas e inventam motivos para repassar essa doença, que só pode ser tratada em um consultório de psicoterapia. “Trato de uma pessoa assim. Depois de seis meses que terminou o relacionamento os dois se esbarram e criam motivos de ciúme, coisas inventadas e fantasias para discutir uma relação que já passou”, explica Beth. E depois de “aliviados”, e de maneira fantasiosa, alimentados por essa “droga”, se despedem e descansam. “O amor acontece em condições interpessoais, mas antes de amar alguém é preciso primeiro se amar”, diz a psicóloga Maria Amélia Mussi, terapeuta de casais e família. Essa é a condição para estabelecermos um relacionamento íntimo, estável e de boa qualidade. O amor é um sentimento que traz sensação boa, de paz e aconchego. “Muitas vezes, as pessoas que não têm boa autoestima tendem a amar o oposto e a qualidade deste tipo de relação é duvidosa, ao passo que aquela que tem boa autoestima tende a construir relacionamentos amorosos melhores encaixados e mais gratificantes”, explica Maria Amélia. Em vez de pedir amor, dê amor. Se não o receber de volta, significa que a relação afetiva acabou e não há o que fazer. “Não nos casamos pensando em separação, mas quando isso acontece não devemos perder a esperança de encontrar um parceiro mais adequado”, diz. Pense nisso Para a psicóloga Maria Amélia Mussi, no mundo de hoje, só um tipo de casamento pode dar certo. É aquele em que os parceiros são extremamente parecidos em todos os sentidos: gostos, objetivos e temperamento. Nesse caso, viver junto não implica em concessões e sim na preservação da identidade, sem ter de modificar sua rotina e aproveitamento do aconchego romântico. Não é preciso optar. É possível ter as duas coisas, e ser feliz diante de uma escolha mais adequada Avalie se é hora de abandonar o barco Esgote todas as possibilidades de estar junto. Veja se realmente você está fazendo a sua parte. O problema pode estar justamente em você e mudar suas atitudes pode não ser tão difícil assim Avalie os prós e contras do parceiro e da relação. Por mais que tenha uma visão mistificada dele e o considere funcional para a relação, afaste ideias automáticas e negativas que irão surgir, como a que só existe essa pessoa no mundo ou que está velho demais para procurar uma coisa melhor Tenha em mente que é possível se reabilitar e reabilitar suas opções de conhecer outras pessoas Não se preocupe com que os outros vão dizer. Sua “cara metade” pode estar em outro lugar e o medo de deixar a zona de conforto pode impedi-lo de enxergar essa possibilidade Busque o autoconhecimento Estruture-se emocionalmente e financeiramente para encarar o que vem pela frente se decidir colocar fim à relação Pare de frequentar os ambientes viciados que está acostumado. Faça alguma coisa que lhe dê prazer, como um esporte. Passe a frequentar, por exemplo, uma academia. Isso irá ampliar seu repertório social e você irá se sentir melhor física e emocionalmente Tenha coragem para tomar a decisão e mantenha o foco nela ■ Fonte: Reportagem