Reparação de lesões provocadas na artéria femoral do cão com implante de veia femoral superficial autógena ou veia do cordão umbilical humano. Estudo experimental Este trabalho tem a fmalidade de comparar arterioplastias femorais bilaterais no cão com implantes de veia femoral superficial autógena (V.F.S.A.) e veia do cordão umbilical humano (V.C.U.H.). Os cães foram distribuídos em dois grupos de 12 animais cada um. Para o primeiro grupo foi realizado estudo cicatricial no 7" P.O. e para o segundo grupo estudo cicatricial no 300 P.O .. Foram feitas observações macroscópicas e microscópicas para análise estatística dos resultados da integração dos dois materiais em comparação com as arterioplastias femorais dos cães. A integração semelhante, tanto macroscópica quanto microscópica, dos materiais em estudo, nos cães, sugere que a veia femoral superficial autógena pode ser substituída pela veia do cordão umbilical. Unitermos: Artéria femoral, veia femoral, veia umbilical, implante. acientes com ferimentos vasculares precisam ser submetidos à cirurgia de emergência e, muitas vezes, é necessário o uso de substituto vascular para que se evite a perda de todo ou parte do segmento irrigado pelo vaso. A veia safena autógena (S.A.) é, atualmente, o substituto vascular de escolha nas reparações arteriais, desde os estudos realizados por De WEESE e. ROB (1977). DEUTCH (1985) concorda com afIrmações de DE WEESE e ROB (1977) e estabelece que a S.A. é o melhor substituto vascular porque possui as seguintes qualidades: biocompatibilidade, resistência à tensão das suas paredes, resistência à infecção, tamanho e calibre variáveis, fácil manuseio e não é trombogênica. A S.A. às vezes tem comprimento ou diâmetro insufIcientes, já foi extirpada ou utilizada para revascularização do miocárdio, e, por isso, não pOde mais ser usada como substituto vascular. Nesse caso. a V.C.U.H., conservada P em glutaraldeído e mantida em álcool 60%, pode ser empregada como substituto do vaso lesado. Esse material é considerado inerte, tem diâmetro e comprimento variáveis, é de fácil manipulação, não é cancerigeno e pode ser aplicado como substituto vascular em artérias localizadas abaixo do joelho, segundo ARAUJO, ANACLETO, BRAILE, BILAQUI, CORTEZ e BÓSCULO (1981). A V.C.U.H. foi utilizada por DARDIK e DARDIK (1973), pela primeira vez, para substituir a aorta de macaco com o objetivo de verifIcar se era um substituto vascular adequado, já que os implantes, até então utilizados, apresentavam defeitos tardios: fenômenos tromboembólicos, hiperplasia da íntima e degeneração aneurismática. Estes dois tipos de implantes, S.A. e V.C.U.H., são utilizados para substituir vasos arteriais obstruidos por doenças degenerativas, inflamatórias e tromboembólicas a fIm de restaurar as lesões teciduais irreversíveis e evitar necrose Carlos Henrique de Alvarenga Bernardes Mestre pelo Curso de Pós-Graduação em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da Escola Paulista de Medicina. Amaury José Teixeira Nigro Prot. Adjunto da Disciplina de Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da Escola Paulista de Medicina. Resumo da Tese de Mestrado em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da Escola Paulista de Medicina. Aprovada em 1992. Orientador Professor Amaury Teixeira Nigro. das áreas isquêmicas. O objetivo deste trabalho é comparar, no cão, arterioplastias femorais bilaterais realizadas com implantes de V.F.S.A. eV.C.U.H. Foram utilizados 24 cães (Canis familiaris) adultos, 11 fêmeas e 13 machos. O peso dos animais variou de 4 a 12 Kg. Os cães foram separados em dois grupos de estudo com 12 animais cada um. O grupo I foi observado até o 7°P.0. e o grupo 11 até o 30° P.O .. Após o preparo dos cães, estes foram anestesiados com tiobarbiturato-etil-sódico na dose de I ml/kg de peso, por via endovenosa, a qual foi complementada quando se fez necessário. A delimitação do campo operatório foi realizada com panos esterilizados. As vias de acesso às artérias femorais direita e esquerda foram feitas praticando-se incisões, com bisturi, da pele e tela subcutânea, nas regiões inguinais respectivas, no sentido longitudinal e por extensão de 7 em. Foram realizados implantes de V.F.S.A. e V.C.U.H. nas artérias femorais que eram submetidos os cães às cirurgias (Fig. 1). As peças retiradas nas datas pré-determinadas para estudo foram avaliadas macroscopicamente e encaminhadas pa- Carlos Henrique de Alvarenga Bernardes e col. Veia aut6gena VS. cordão umbilical Cães dos grupos I (72 P.O.) e " (30 2 P.O.) segundo a presença de trombose da artéria femoral do implante autólogo e no implante heterólogo. Trombose Grupo Presença AusêncIa Total "4 Presença I 1 11 12 8.3"4 11 4 8 12 33.3"4 TOTAL 5 19 24 20.8"4 Teste exato de FISHER P",O.1S83 ou 15.8"4 Para o tamanho das amostras estudadas, a porcentagem de presenças de trombose da artéria femoral abaixo dos implantes autólogo e heterólogo, nos Tabela 1: Trombose da artéria lemoral ao nlvel do Implante Cães do grupos I (72 P.O.) e " (302 P.O.), segundo o número de monócitos e neutrófilos (n 2/100 células) observadas nos implantes autólogos e heterólogos das arterioplastias femorais dos cães. (Lado direito e lado esquerdo e grupo I + grupo 11) Monõcltos Neutrónlos Autólogo HeterÓlogo AutÓlogo Heterólogo 10 40 90 60 30 35 70 6S 15 40 95 40 45 50 55 50 40 35 60 6S 50 80 50 20 90 50 10 50 10 30 90 70 10 20 90 80 30 50 70 50 20 30 80 70 70 50 30 50 70 80 60 20 80 50 40 50 20 70 40 30 50 40 40 60 95 90 80 20 . 5 10 20 80 90 40 10 60 60 95 40 5 60 40 40 60 60 30 40 70 95 69 5 40 40 40 60 60 MÉDIA 50.4 49.3 59.0 55.0 Teste de Wllcoxon (Autólogo x HeterÓlogo) T. Críllco:73 MONÓCITOS NEUTRÓFILOS T.Calculado = 135.5 T.Calculado=I37.li Para o tamanho das amostras estudadas, o Teste de Wilcoxon não mostrou diferença significante entre os implantes autólogos e heterólogos, nem para os monócitos e nem para os neutrófilos. Tabela 2: Presença de monootos e neutrónlos nos Implantes autÓlogos e heterólogos. CIR. VASCo ANG. 9 1) 16 19, 1993 ra O anátomo-patologista para estudo histológico. As observações macroscópicas visaram o aspecto dos implantes quanto a sua vitalidade e integração nas artérias femorais receptoras (Fig 2). As observações microscópicas foram realizadas no sentido de avaliação qualitativa e quantitativa das variáveis utilizadas como parâmetros. Os resultados obtidos foram submetidos a testes estatísticos nãoparamétricos de WILCOXON, MANN-WHITNEY, teste do qui-quadrado e Mc NEMAR. O nível para rejeição da hipótese de nulidade foi de 0,05 , ou 5%. RESULTADOS A evolução pós-operatória foi considerada sem anormalidades para o tipo de operação a que os animais foram submetidos. A observação macroscópica das peças extirpadas permitiu-nos constatar que a trombose e a rejeição ao nível dos implantes utilizados foram raras e não houve diferenças estatisticamente significantes pelos métodos utilizados nos grupos I e 11 (Tabela I). No estudo anátomo-patológico da análise quantitativa da presença de neutrófilos e monócitos, observou-se que não houve diferença significante entre os implantes utilizados (fabela 2). Estudo histológico da presença de endotelização nas arterioplastias femorais dos cães mostra que não houve diferença significante entre os implantes (Tabela 3). A avaliação da presença de neovascularização, que exprimiu a boa adaptação dos materiais utilizados nas artérias femorais dos cães, resultou que não houve diferença significante entre eles (Tabela 4). DISCUSSÃO A comparação da técnica de implantes de V.F.S.A. e de V.C.U.H. na artéria femoral do cão parece ser pioneira, visto que, na literatura consultada, não foi encontrado nenhum trabalho experimentai semelhante. Em estudo clínico, SCHULMAN, BADHEY, YATCO (1987), constataram que o implante com V.F.S.A. apre- Vela aut6gena VI. cordão umbilical Carlos Henrique de Alvarenga 8ernardel e col. Cães do Grupo 11 (3011 P.O.), segundo a presença de endotelização no implante autólogo e no implante heterólogo. Heter6l0g0 Aut6l0g0 Presença Pr..."ça 8 Austnela 4 TOTAL Austnela Total o o o 12 8 4 12 Teste de McNEMAR P=0,0625 ou 6,25% Porcentagem de Presença no Autólogo= ,0 = 0,00% 2 Porcentagem de Presença no Heterólogo = ,~ = 33,33010 Para o tamanho das amostras estudadas, o Teste de McNEMAR não mostrou diferença significante na endotelização entre os implantes autólogos e heterólogos, embora o valor calculado sugira maior presença entre os heterólogos. Tabela 3: EndotellzaçOo no Implante aut6l0g0 e no heter6l0g0 no. co. do Grupo 11 (3()2 P.O.) Cães do grupo 11 (3011 P.O.), segundo a presença de neovascularização ao nível do implante autólogo e heterólogo. Heter6lQgo Aut6logo Presença Aul6ncla Presença 11 O 11 Aul6ncla 1 O 1 TOTAL 12 O 12 Tabela 4: Neovaacularlz~o (30 2 P.O.) ao nlvel do Implante aut6logo e senta resultados equivalentes ao da S.A., em uma reparação arterial femoro-poplítea; daí o nosso interesse na utilização da V.F.S.A. neste trabalho. A característica da V.C.V.H., constituída por tecido conjuntivo frouxo, é pouca musculatura na camada média, pelo que a estrutura da parede vascular é fraca. Por isso, foi necessário preparála com glutaraldeído e álcool, que a tornam mais resistente. Estes resultados podem ser observados nos estudos experimentais feitos por BAIER, AKERS, PERLMUTER, DARDIK, WODKA (1976). A avaliação macroscópica nós permitiu observar que não houve diferença significante entre os implantes autólogos e heterólogos quanto a trombose e rejeição que pudessem estar presentes. Estes dados coincidem com os estudos da utilização da veia do cordão umbilical humano feito por DARDIK, IBRAHIM, DARDIK (1975). Mas estes Total no heter6l0g0 nos co.. do grupo 11 autores não fizeram estudo comparativo da V.C.V.H. com outro material. Estudo quantitativo de presença de monócitos e neutrófilos na microscopia óptica não mostrou diferença significan- 1 1 1'1'1'1' 11'1 2 Rgura 1: Desenho esquemállco demonslratlvo da .eq06nçla da arterloplastlca. te nos implantes autólogos e heterólogos utilizados, o que demonstrou um comportamento semelhante dos dois materiais utilizados quanto a este aspecto. Não encontramos avaliação semelhante nos autores consultados. Em relação à endotelização que, de acordo com o resultado estatístico, sugeriu uma maior presença no implante heterólogo do que no autólogo no estudo cicatricial tardio (300 P.O.), explica-se pela boa homogeneidade encontrada por BAIER e col. (1980) na superficie interna da V.C.V.H. em estudo de microscopia eletrônica. A boa integração dos dois materiais utilizados foi observada no estudo da neovascularização nas arterioplastias. Não houve diferença significante entre eles quanto a esta variável. Não encontramos relato semelhante na literatura 1 1'1 1'1'1'1 1' 11'1' ·. 3 Figura 2: Peça com Implante de vela lemoral superftclal aut6gena do lado esquerdo e peça com vela do cordOo umbilical humano do lado dlrelto. CIR. VASCo ANG. 9(1) 16 19 1993 Carlos Henrique de Alvarenga 8emardes e col. Vela aut6gena VS. cordllo umbilical consultada. Mesmo DARDIK e DARDIK (1973) e DARDIK e col. (1975) não fizeram este tipo de avaliação microscópica, e deixaram deestudar a rejeição ou integração do cão hospedeiro aos materiais utilizados. Nossos resultados permitem supor que, futuramente, em circunstâncias es. peciais, como por exemplo na impossibilidade de usar segmentos heterólogos de V.C.U.H. como substituto arterial no próprio homem. DARDIK (1989), no entanto, recomenda que a manipulação da V.C.U.H. deva ser feita por cirurgião experiente para que o resultado cirúrgico seja bom. E-i1nI UJâ1 REPAIR OF INDUCED LESIONS OF THE FEMORAL ARTERY WITH AUTOGENOUS VEIN OR HUMAN UMBILICAL VEIN. AN EXPERIMENTAL STUDY. The objective of this experiment is to compare anastomotic femoral 'arterioplasty on both sides realized in dogs with patches of superficial femoral autogenousve.in and human umbilical cord vein. The dogs were distributed in two groups, one for studying cicatricial aspects at seven days w.ith 12 ani- mais, and another one for studying at thirty days with 12 animais. Macroscopic and microscopic observations for statistic analysis of the results of the integration of two materiais in studying of anastomotic femoral artery of the dogs were done. The similar macroscopic and microscopic aspects suggest that the superficial femoral autogenous vein can be substituted by the human umbilical vein. Uniterms: Femoral artery, femoral vein, umbilical vein, implant. o implante de V.C.U.H. integrou-se à artéria femoral do cão de maneira semelhante ao da V.F.S.A. i;~3h;)3HA4\J;ji:!!(·WtiUíM. 1. ARAÚJO JD, ANACLETO JC, BRAILE DM, BILAQUI A, CORTEZ IN & BÓSCOLLO R - O uso da veia do cordão umbilical humano com enxerto arterial. Rev Col Bras Circ, 8:73, 1981. 2. BAIER RE, CK, PERLMUTTER S, DARDIK H, DARDIK I & VOL M - Processed human umbilical cord vein for vascular reconstructed surgery. Trans Am Soc ArtifIntém Organs,22:31-42,1976. 3. BAIERRE, AKERS CK, NATIELLA JR, MEENEGHAN MA & WIRTH J - Physiochemical properties of stabilized umbilical vein. Angiol Res Found, 14: 145-57,1980. 4. DARDIK H, IBRAHIM IM & DARDIK I - Modified and unmodified umbilical vein allografts and xenografts as arterial substitutes: morphologic assessment. Surg Forum, 26:286-7,1975. 5. DARDIK H, ffiRAHIM IM, SUSSMAN B, TURNER RJ, ISRAEL M, KHAN M & DARDIK I - Clinical CIR. 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