Avaliação do Efeito Degradante da Água nos Ensaios de Cántabro em uma Mistura de Concreto Asfáltico para Aplicação em Barragem Charles Silva de Aguiar, Paulo Roberto Farias Falcão, Alexandre Gil Batista Medeiros Laboratório de Engenharia Rodoviária (LER), CEFTRU/UnB, Brasília, Distrito Federal. RESUMO: O presente trabalho apresenta os resultados de ensaios de desgaste Cântabro em uma mistura de concreto betuminoso usinado a quente (CBUQ) projetada para apliação em Barragens. A mistura foi confeccionada utilizando como ligante o CAP 20, sendo dosadas para três teores de ligante e utilizando como agregado mineral uma brita de origem granítica oriunda da britagem do enrocamento da barragem de Serra da Mesa. Para todos os teores estudados foram realizados ensaios de desgaste Cántabro em condições secas e úmidas. Os valores de desgaste Cántabro para todos os teores ensaiados nas condições seca e úmida apresentaram-se bastante baixos sugerindo um bom desempenho da mistura projetada. PALAVRAS-CHAVE: CBUQ, Barragens, Cântabro Seco, Cântabro Úmido. 1 INTRODUÇÃO A principal fonte geradora de energia do Brasil ao longo dos anos tem sido de natureza hidrelétrica. Sendo um país de dimensões continentais, o Brasil, possui uma variedade enorme de condições de fundações, conformidades de vales e diferentes tipos de agregados que podem ser utilizados na construção de Barragens. Esta realidade possibilita a opção de diferentes soluções de projeto que podem ser técnica e economicamente viáveis na construção de novos empreendimentos hidrelétricos. Uma opção que ainda não tem sido adotada no âmbito nacional tem sido a utilização de misturas asfálticas como único elemento de vedação em barragens de terra ou enrocamento. Entretanto, o uso de misturas betuminosas em barragens tem sido prática corrente em muitos países europeus, principalmente na Alemanha, Noruega, Itália, além de Japão, Estados Unidos, Africa do Sul e outros. A mistura que tem sido utilizada é um concreto betuminoso aplicado externamente, na face de montante, ou como núcleo interno de barragens de terra ou de enrocamento. O uso de misturas asfálticas para aplicação em barragens teve inicio na década de 1930 na Alemanha onde foram executadas as primeiras lajes asfálticas. A eficiêcia deste tipo de solução serviu de incentivo para o projeto e construção de diversas outras barragens deste tipo na Alemanha e no mundo. Em 1962, foi construída a barragem Duhn Outer, na Alemanha, sendo esta a primeira barragem que utilizava um núcleo de concreto asfáltico como único elemento de vedação. A Noruega também acumulou grande experiência na construção de barragens com núcleo de concreto asfáltico, sendo lá construída o mais alto núcleo de concreto asfáltico do mundo, a barragem Storglovant com 125 m de altura. Apesar de existir uma grande quantidade de referências sobre pesquisas sobre o assunto no exterior, muitos dos ensaios executados em misturas asfálticas para a utilização em barragens tem sido realizado a temperaturas muito baixas, variando entre 5 e 10 ºC (Weibiao & Hoeg 2002 e Lorh & Feiner 1970). Esta faixa de valores não representa as temperaturas usuais em países de clima tropical como o Brasil. O potencial de aplicação deste tipo de solução, dentro do contexto nacional, serviu de motivação para um projeto financiado pela ANEEL coordenado por Furnas Centrais Elétricas SA em parceria com a Universidade de Brasília, o qual result ou no desenvolvimento das primeiras pesquisas no âmbito nacional a cerca do assunto (Falcão 2003 e Jacinto 2005). Apesar do projeto Furnas x UnB ter legalmente chegado ao final ainda em 2005, os trabalhos supracitados não conseguiram esgotar a necessidade de maiores aprofundamentos a cerca do assunto. Assim, as pesquisas tiveram continuidade e atualmente vem sendo realizadas no seio da Universidade de Brasília. Os ensaios apresentados no presente artigo foram realizados no Laboratório de Engenharia Rodoviária (LER) do CEFTRU/UnB e tiveram como objetivo avaliar o grau de degradação devido a ação da água em uma mistura de concreto asfáltico projetada para aplicação em barragens. 2 MATERIAIS E MÉTODOS 2.1 Materiais Utilizados O agregado mineral utilizado para compor o as misturas analisadas foi uma brita de origem granítica proveniente da britagem do enrocamento da barragem de Serra da Mesa. O agregado foi britado de forma a atender as quantidades necessárias para a correta composição granulométrica de acordo com a proposição de Fuller e Tompson Foram realizados ensaios para determinação de adesividade, absorção, porosidade, abrasão Los Angeles e massa específica real dos grãos segundo as normas vigentes para aplicações rodoviárias. Vale ressaltar que a solicitação de carregamento e a agressão física e química sofridas por misturas asfálticas para aplicação em barragens é diferente da situação ocorrida em um pavimento rodoviário sendo, portanto, necessário uma maior atenção e flexibilidade quando da análise dos resultados dos ensaios supracitados e suas respectivas restrições. 2.2 Dosagem da Mistura Varias publicações internacionais recomendam a utilização da curva granulométrica para misturas densas proposta por Fuller (Equação 1), de forma a obter uma mistura impermeável o bastante para utilização como elemento de vedação em estruturas hidráulicas. Misturas enquadradas dentro dos limites da curva de Fuller, com a adição de uma percentagem de filer (finos) tem como principal característica o baixo teor percentual de volume de vazios, sendo um valor menor que 3% indicado como um percentual adequado para aplicação de concretos asfálticos como elemento impermeabilizante em estruturas hidráulicas como constatado em (Höeg 1993 e Saxegaard 2000). O diâmetro máximo do agregado utilizado para compor as misturas ensaiadas no presente trabalho foi de 19 mm. A partir deste valor calculou-se a curva granulométrica de modo a atender às imposições da curva de Fuller. Vale ressaltar que o diâmetro máximo adotado na pesquisa (19 mm) é um pouco superior aos valores de 16 e 18 mm, recomendados em Strabag (1990) e Höeg (1993). n ⎛ d ⎞ Pi = ⎜ i ⎟ × 100% ⎝ Dmax ⎠ (1) Onde: Pi : Porcentagem em peso menor que o tamanho equivalente dos grãos de dimensão di . Dmax : Tamanho nominal máximo dos grãos e n : Geralmente sugerido com o valor de 0,41 para aplicação em estruturas hidráulicas (Hoeg ,1993). A dosagem da mistura foi realizada empregando a metodologia Marshall, seguindo as recomendações da norma rodoviária NBR 12891 - Dosagem de Misturas pelo Método Marshall (ABNT 1993), no que diz respeito às condições de temperatura e energia de compactação das misturas, temperaturas de compactação do ligante e agregado. A temperatura de compactação dos corpos de prova foi estabelecida como sendo 150 ºC, baseada em experiências anteriores (Falcão et al 2006). Para a execução deste procedimento foi utilizado um compactador mecânico automático sendo aplicada uma energia de compactação de 75 golpes em cada face do corpo de prova (CP). Os teores de betume inicialmente adotados foram de 4,5, 5,0 e 5,5%, sendo estes não distantes de valores usualmente adotados em projetos de misturas de concreto asfáltico para aplicação em barragens (Höeg, 1993). A influência da água sobre a durabilidade das misturas ensaiadas foi avaliada realizando- se ensaios de desgaste Cántabro em condições Tabela 2. Caracterização dos Agregados Minerais. Resultados seca e úmida para todos os teores de betume Ensaio Método Granito utilizados. Abrasão Los NBR - 6465/84 22% Para cada ensaio realizado foram utilizados 3 Ângeles (%) corpos de prova conforme apresentado na Absorção (%) NBR – 9937/87 0,6 Tabela 1. Porosidade (%) NBR – 12766/92 1,7 Os corpos de prova para o ensaio na condição úmida foram submetidos à aplicação de banho maria na temperatura de 60 °C por 24 horas. Após este período, a temperatura foi reduzida para 25 °C, assim permanecendo por 2 horas antes da realização dos ensaios. O grupo de corpos-de-prova para os ensaios na condição seca teve sua temperatura mantida a 25 ºC em estufa por um período de 2 horas antes da realização dos ensaios. O ensaio Cántabro foi realizado segundo o procedimento prescrito pela norma DNER 383/1999 e permite avaliar o desgaste por abrasão sofrido por um corpo-de-prova “Marshall” de uma mistura betuminosa quando o mesmo é submetido a trezentas rotações no interior da máquina “Los Angeles”, desprovida das esferas de aço e girando a uma velocidade de 30 a 33 rpm. O desgaste Cántabro é definido pela razão entre a diferença de peso inicial e o peso final do corpo-de-prova depois de executadas às rotações sobre o peso inicial do corpo-de-prova. Para cada teor foram ensaiados três corpos-de-prova sendo o valor de desgaste obtido pela média dos três valores. 3 RESULTADOS OBTIDOS A Tabela 2 apresenta os resultados dos ensaios realizados no agregado mineral utilizado para compor a mistura ensaiada. Os resultados do ensaio de abrasão Los Angeles para ambos os agregados utilizados se encontram abaixo do limite de 50% estabelecido pela NBR 7211. Densidade dos grãos Adesividade com CAP 20 NBR - 9937/87 2,673 DNER ME 078/94 Insatisfatório A Tabela 3 apresenta o resultado dos ensaios realizados no CAP 20. Tabela 3. Ensaios no Ligante Ensaio Viscosidade (190 °c) Anel e Bola Recuperação Elástica CAP 20 47 cPoise 49,8 °C 9,5 % A Figura 1 apresenta a média aritmética dos parâmetros volumétricos dos corpos-de-prova da mistura ensaiada. Parâmetros Volumétricos 85,6% Valores Médios Tabela 1- Quantidade de corpos-de-prova moldados para cada mistura. Teor Desgaste. Cántabro Ligante Seco Úmido 4,5% 3 3 5,0% 3 3 5,5% 3 3 50,0% 40,0% 30,0% 20,0% 10,0% 0,0% 87,4% 78,3% 90,0% 80,0% 70,0% 60,0% % Vazios V.A.M 13,8% 3,0% 4,5% 14,1% 2,0% 5,0% 15,0% R.B.V. 1,9% 5,5% Teor de Betume Figura 1. Média dos parâmetros volumétricos da mistura. Um critério bastante utilizado avaliar o potencial de aplicação de misturas de concreto asfáltico em estruturas hidráulicas é baseado na análise do volume de vazios (Vv) dos corpos de prova para cada teor de betume ensaiado. São considerados como teores potenciais para os ensaios mecânicos e hidráulicos, todos aqueles que forneceram corpos de prova com valores de Vv inferiores a 3%. Como pode ser verificado na Figura 1, todos os teores ensaiados apresentaram, em média, Vv inferiores a 3%, o que torna qualquer um destes potencialmente aplicáveis, sendo, portanto, necessários outros ensaios para a determinção de um teor ótimo para a mistura. É importante observar que apesar de várias recomendações de publicações estrangeiras sobre o valor restritivo do Vv inferior a 3%, ensaios de permeabilidade em corpos de prova de concreto asfáltico utilizando agregado mineral micaxisto e CAP 20 apresentados por Falcão (2003), mostram que misturas que foram moldadas com valores em torno de 3,5% de Vv também forneceram coeficientes de permeabilidade compatíveis com o mínimo sugerido para aplicação em estruturas hidráulicas. A Figura 2 apresenta a média aritmética dos resultados do ensaio Cántabro para os corposde-prova na condição seca e úmida para a mistura ensaiada. Pode-se observar que não houve aumento significativo do desgaste Cántabro da condicação seca para a condição úmida para o grupo de corpos de prova nos teores de 5,0 e 5,5% de betume, entretanto, para o teor de 4,5%, houve uma maior de desgaste do grupo de corpos de prova que foram submetidos ao banho maria. Em valores absolutos, pode-se dizer que os valores de desgaste para ambas as condições foi bastante pequeno, sugerindo um bom desempenho para a mistura nos teores ensaiados. Desgsate da Mistura Asfáltica - Ensaio Cantabro Desgaste Médio (%) 14,0% 12,0% 10,0% 8,0% 6,0% Úmido 4,0% Seco 2,0% 0,0% 4,5% 5,0% 5,5% Teor de Betume Figura 2. Desgaste Cântaro para as condições Secas e Úmidas. 4 CONCLUSÕES Os valores de desgaste Cántabro para todos os teores ensaiados nas condições seca e úmida apresentaram-se bastante baixos. Isto sugere um bom desempenho da mistura que já apresentava um volume de vazios menor que 3% já para o teor de betume de 4,5%. É importante ressaltar que apesar dos baixos valores de desgaste para as condições secas e úmidas, os autores sugerem um maior aprofundamento do estudo realizado por meio da execução do outros ensaios utilizando a aplicação água sob pressão na fase de condicionamento dos corpos de prova para o ensaio de Cántabro úmido, garantindo a total saturação dos mesmo. Serão realizados ainda ensaios de Resitência a Tração nas condições seca e úmida. Além da utilização de mais dois tipos de agregados minerais (Micaxisto e Calcário). AGRADECIMENTOS Agradecemos ao Laborátorio de Engenharia Rodoviária (LER) do CEFTRU/UnB pela disponibilidade dos equipamentos para execução dos ensaios. REFERÊNCIAS Falcão, P.R.F. (2003). Aplicação de Misturas Asfálticas em Barragens de Terra e Enrocamento. Dissertação de Mestrado, Depto de Engenharia Civil e Ambiental ,Universidade de Brasília, DF, Brasil, 106 p. Falcão, P.R.F, Farias, M.M, Roseno, J.L., Guimarães (2006). Influência do Tipo de Agregado na Resistência e Degradação de Concretos Asfálticos Porosos Aplicação de Misturas Asfálticas em Barragens de Terra e Enrocamento. 37 Reunião Anual de Pavimentação, Goiania, Goiais. Hoeg, K. (1993). Asphaltic Concrete Core for Embankment Dams. StikkaTrykk, Norway 88 p. Lorh, A. & Feiner, A. (1970). Asphalt concrete blankets and cores for fill dams and pumped-storage reservoirs. X International Congress on Large Dams, ICOLD, Canada, Q36 R39: 661 – 678. Saxegarrd, H. (2000) Asphalt core for embankment dams. International Journal of Water Power & Dams Construction, 2: 26-27. Saxegarrd, H. (2002) Asphalt core dams: increased productivity to improve speed of construction. Int. Journal of Hydropower & Dams, 6:72-74. Strabag (1990) – Asphaltic Concrete Cores for Earth and Rockfill Dams. STRABAG Tiefbau Gmbh, Brochure n° 45, German, 150 p. Weibiao, W. & Höeg, K. (2002). Effects of compaction method on the properties of asphalt concrete for hydraulic structure. International Journal of Hydropower & Dams Construction, 6: 63-70.