Supremo Tribunal Federal Revista Trimestral de Jurisprudência Volume 197 – Número 2 Julho / Setembro de 2006 Páginas 371 a 724 Diretoria-Geral Sérgio José Américo Pedreira Secretaria de Documentação Altair Maria Damiani Costa Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência Nayse Hillesheim Seção de Preparo de Publicações Neiva Maria de Moura Ludwig Seção de Padronização e Revisão Kelly Patrícia Varjão de Moraes Seção de Distribuição de Edições Margarida Caetano de Miranda Diagramação: Manoel Vieira Santana Capa: Patrícia Weiss Martins de Lima Edição: Supremo Tribunal Federal (Supremo Tribunal Federal — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal) Revista Trimestral de Jurisprudência / Supremo Tribunal Federal, Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência. — ano 1, n. 1 (abr./jun. 1957) -. – Brasília: Imprensa Nacional, 1957Trimestral A partir de 2002 até março de 2005, foi editada pela Editora Brasília Jurídica. ISSN 0035-0540 1. Direito - Jurisprudência - Brasil. I. Supremo Tribunal Federal (STF). CDD 340.6 Solicita-se permuta. Pídese canje. On demande l'échange. Si richiede lo scambio. We ask for exchange. Wir bitten um Austausch. STF/CDJU Anexo I, 2º andar Praça dos Três Poderes 70175-900 – Brasília-DF [email protected] Fone: (0xx61) 3217-3573 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Ministra Ministro Ministro Ministro Ministro Ministro Ministro Ministro Ministro Ministro Ministra ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000), Presidente GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002), Vice-Presidente José Paulo SEPÚLVEDA PERTENCE (17-5-1989) José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989) MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990) Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003) CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO (25-6-2003) JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003) EROS Roberto GRAU (30-6-2004) Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (9-3-2006) CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha (21-6-2006) COMISSÃO DE REGIMENTO Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE Ministro GILMAR MENDES Ministra CÁRMEN LÚCIA Ministro EROS GRAU – Suplente COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA Ministro MARCO AURÉLIO Ministro CEZAR PELUSO Ministro JOAQUIM BARBOSA COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO Ministro CELSO DE MELLO Ministro CARLOS BRITTO Ministro RICARDO LEWANDOWSKI COMISSÃO DE COORDENAÇÃO Ministro GILMAR MENDES Ministro CEZAR PELUSO Ministro EROS GRAU PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA Doutor ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA COMPOSIÇÃO DAS TURMAS PRIMEIRA TURMA Ministro Ministro Ministro Ministro Ministra José Paulo SEPÚLVEDA PERTENCE, Presidente MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO Enrique RICARDO LEWANDOWSKI CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha SEGUNDA TURMA Ministro Ministro Ministro Ministro Ministro José CELSO DE MELLO Filho, Presidente GILMAR Ferreira MENDES Antonio CEZAR PELUSO JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes EROS Roberto GRAU SUMÁRIO Pág. ACÓRDÃOS ................................................................................................ 371 ÍNDICE ALFABÉTICO ................................................................................... I ÍNDICE NUMÉRICO .............................................................................. XXIII ACÓRDÃOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA QUESTÃO DE ORDEM NA AÇÃO CAUTELAR 738 — SP Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello Embargantes: Primo Schincariol Indústria de Cervejas e Refrigerantes S.A. e outro — Embargada: União Ação cautelar — Embargos de declaração na questão de ordem — Ausência de formal publicação do acórdão consubstanciador do julgamento em causa — Impugnação prematura — Intempestividade do recurso — Embargos não conhecidos. — A interposição de recurso que se antecipe à própria publicação formal do acórdão revela-se comportamento processual extemporâneo e destituído de objeto. O prazo para interposição de recurso contra decisão colegiada só começa a fluir, ordinariamente, da publicação da súmula do acórdão no órgão oficial (CPC, art. 506, III). Por isso mesmo, os pressupostos de cabimento dos embargos de declaração — obscuridade, contradição ou omissão — hão de ser aferidos em face do inteiro teor do acórdão a que se referem. A simples notícia do julgamento efetivado não dá início ao prazo recursal. Precedentes. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, não conhecer dos embargos de declaração, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie. Brasília, 17 de maio de 2005 — Celso de Mello, Presidente e Relator. 374 R.T.J. — 197 RELATÓRIO O Sr. Ministro Celso de Mello: Esta colenda Segunda Turma, ao apreciar questão de ordem suscitada na Ação Cautelar n. 738/SP, referendou, integralmente, por seus próprios fundamentos, a decisão do Relator que deferiu, em parte (fls. 522/ 526), o pedido de medida cautelar formulado pela parte ora embargante. Embora ainda não publicado o acórdão consubstanciador desse julgamento, os ora recorrentes opuseram embargos de declaração a tal decisão colegiada (fls. 576/ 582). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Não conheço dos presentes embargos de declaração, eis que deduzidos extemporaneamente. É que — tal como acentuado no Relatório — o acórdão consubstanciador do julgamento em causa sequer foi objeto de formal publicação. Isso significa, portanto, que o recurso em questão foi interposto prematuramente, pois deduzido sem que ainda existisse, formalmente, o acórdão que a parte recorrente deseja impugnar. Cabe assinalar, por necessário, que a intempestividade dos recursos tanto pode derivar de impugnações prematuras (que se antecipam à publicação dos acórdãos), como sucede no caso, quanto resultar de oposições tardias (que se registram após o decurso dos prazos recursais). Em qualquer das duas situações — impugnação prematura ou oposição tardia —, a conseqüência de ordem processual é uma só: o não-conhecimento do recurso, por efeito de sua extemporânea interposição. No caso, como precedentemente referido, os embargos declaratórios foram deduzidos antes da publicação formal do acórdão consubstanciador do julgamento da questão de ordem que referendou a decisão que havia deferido, em parte, o pedido formulado pelos ora embargantes. Impende acentuar, neste ponto, que o prazo para interposição de recurso contra decisões colegiadas só começa a fluir da publicação da súmula do acórdão no órgão oficial (CPC, art. 506, III). Na pendência dessa publicação, qualquer recurso eventualmente interposto considerar-se-á intempestivo, além de destituído de objeto. Daí a orientação que tem prevalecido no âmbito desta Suprema Corte, cujas sucessivas decisões, no tema, proclamam que “o prazo para recorrer só começa a fluir com a publicação da decisão no órgão oficial, sendo prematuro o recurso que a antecede” (AI 437.126-AgR/RS, Rel. Min. Carlos Britto — grifei). Com efeito, a simples notícia do julgamento, além de não dar início à fluência do prazo recursal, também não legitima a interposição de recurso, por absoluta falta de objeto, conforme tem advertido o magistério jurisprudencial firmado pelo Supremo R.T.J. — 197 375 Tribunal Federal (RTJ 187/498, Rel. Min. Celso de Mello — AI 152.091-AgR/SP, Rel. Min. Moreira Alves — AI 286.562/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa — AI 406.483AgR/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes — HC 81.675-ED/SP, Rel. Min. Sydney Sanches — RE 194.090-ED/RS, Rel. Min. Ilmar Galvão — RE 232.115-ED-AgR/CE, Rel. Min. Ilmar Galvão — RE 320.440-AgR/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, v.g.): “O termo inicial do prazo para recorrer extraordinariamente pressupõe que o acórdão tenha sido lavrado, assinado e publicadas as suas conclusões, não bastando a simples publicação da notícia do julgamento, ainda que em minuciosa súmula do decidido.” (RTJ 88/1012, Rel. Min. Cordeiro Guerra — grifei) “Ação direta de inconstitucionalidade — Medida cautelar deferida — Acórdão não publicado — Embargos de declaração (...). A interposição de recurso que se antecipe à própria publicação formal do acórdão revela-se comportamento processual extemporâneo e destituído de objeto. O prazo para interposição de recurso contra decisão colegiada só começa a fluir, ordinariamente, da publicação da súmula do acórdão no órgão oficial. Por isso mesmo, os pressupostos de cabimento dos embargos de declaração — obscuridade (...), contradição ou omissão — hão de ser aferidos em face do inteiro teor do acórdão a que se referem. A simples notícia do julgamento efetivado não dá início ao prazo recursal.” (RTJ 143/718-719, Rel. Min. Celso de Mello) “Embargos de declaração. Oposição contra acórdão que não conheceu de idêntico recurso, porquanto interposto antes de publicado o acórdão que se pretendia impugnar. O acórdão embargado não conheceu dos embargos de declaração, por haverem se antecipado à publicação da decisão impugnada.” (RE 204.378-ED-ED/RS, Rel. Min. Ilmar Galvão — grifei) “O prazo para interposição de recurso conta-se a partir da publicação do acórdão. Não serve como termo inicial a mera notícia do julgamento.” (Pet 1.320-AgR-AgR/DF, Rel. Min. Nelson Jobim — grifei) Os fundamentos que dão suporte a essa orientação jurisprudencial põem em evidência a circunstância de que a publicação do acórdão gera efeitos processuais específicos, pois, além de formalizar a integração dessa peça essencial ao processo, confere-lhe existência jurídica e fixa-lhe o próprio conteúdo material. É mediante a efetiva ocorrência dessa publicação formal que se viabiliza, processualmente, a intimação das partes, inclusive para efeito de interposição, opportuno tempore, dos recursos pertinentes. Daí a advertência feita por Moacyr Amaral Santos (“Primeiras Linhas de Direito Processual Civil”, vol. 3/26, 21ª ed., 2003, Saraiva), cuja lição, na matéria ora em exame, ressalta que “É da publicação que se conta o prazo para interposição do recurso” (grifei). 376 R.T.J. — 197 Esse mesmo entendimento é perfilhado por José Frederico Marques (“Manual de Direito Processual Civil”, vol. 3/29, item n. 528, 9ª ed., 1987, Saraiva), que, em magistério irrepreensível, acentua ser, a publicação do pronunciamento jurisdicional do Estado, o fato relevante “que lhe dá qualidade de ato do processo”, passível, então, a partir dessa formal divulgação no órgão oficial, de todas as conseqüências autorizadas pelo ordenamento positivo, notadamente aquelas de natureza recursal. Igual percepção do tema é revelada por José Carlos Barbosa Moreira (“Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. V/693, item n. 377, 12ª ed., 2005, Forense), cujo comentário, a respeito da indispensabilidade da publicação do acórdão, enfatiza, presente o que dispõe o art. 506, III, do Código de Processo Civil, que é somente com a publicação do acórdão que “começa a correr o prazo de interposição de qualquer recurso porventura cabível (...)”. Sendo assim, pelas razões expostas, e considerando, sobretudo, os precedentes firmados por esta Suprema Corte, não conheço dos presentes embargos de declaração, porque extemporâneos e destituídos de objeto. É o meu voto. EXTRATO DA ATA AC 738-QO-ED/SP — Relator: Ministro Celso de Mello. Embargantes: Primo Schincariol Indústria de Cervejas e Refrigerantes S.A. e outro (Advogados: Waldir Luiz Braga e outro e Celso Renato D’Avila e outros). Embargada: União (Advogada: PFN – Lígia Scaff Vianna). Decisão: A Turma, por votação unânime, não conheceu dos embargos de declaração, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie. Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos Velloso, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto da Nóbrega. Brasília, 17 de maio de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador. EXTRADIÇÃO 931 — REPÚBLICA PORTUGUESA Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso Requerente: Governo de Portugal — Extraditando: Mário Sérgio Taborda Barata 1. Extradição. Passiva. Delito de associação criminosa. Art. 299º do Código Penal português. Inquérito em fase inicial de investigações. Indicações precisas sobre local, data, natureza e circunstâncias do fato. Ausência. Pedido indeferido quanto a tal imputação. Aplicação do art. 80, R.T.J. — 197 377 caput, da Lei n. 6.815/80. Não pode ser deferido pedido de extradição com base em imputação de delito, cuja apuração, em inquérito, encontra-se em fase inicial de investigações e, portanto, ainda carente de indicações precisas sobre o fato supostamente criminoso. 2. Extradição. Passiva. Delitos de burla qualificada e falsificação de documento. Arts. 217º, n. 1, 218º, n. 2, a, e 256º, n. 1 e 3, do Código Penal português, e 171 e 298 do Código Penal brasileiro. Contrafação de cheques depositados pelo acusado em sua conta corrente, e cujos valores foram sacados por ele em dinheiro após o creditamento. Falsum cuja potencialidade lesiva se exaure na fraude elementar da burla qualificada, ou estelionato. Absorção daquele por este. Aplicação do princípio da consunção. Inexistência de concurso formal. Pedido deferido apenas quanto ao crime de burla qualificada. Se a potencialidade lesiva da falsificação de cheques se exaure na fraude que figura o elemento constitutivo do delito de burla qualificada, ou estelionato, consistente na obtenção de vantagem indevida com o levantamento dos valores dos títulos depositados na conta do acusado, o primeiro crime é absorvido pelo segundo. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, conceder, em parte, o pedido de extradição, autorizando-a, tão-somente, com relação ao crime de burla qualificada, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Carlos Velloso, Ellen Gracie e Carlos Britto. Falou pelo extraditando o Dr. Paulo Guanabara Leal de Araújo. Brasília, 28 de setembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de pedido de extradição do cidadão português Mário Sérgio Taborda Barata, deduzido pelo Governo de Portugal, com aquiescência aos compromissos formais previstos no art. 91 da Lei n. 6.815/80. O parecer do Exmo. Sr. Procurador-Geral da República assim expõe o presente caso: “1. A República Portuguesa formaliza pedido de extradição do português Mário Sérgio Taborda Barata, contra quem foi expedido mandado de captura com eficácia internacional pela MM. Juíza de Instrução Criminal do Tribunal Central, Dra. Airisa Caldinho — fls. 6/7, pelo cometimento dos crimes de ‘burla qualificada, p.p. nos arts. 217º 1 e 218º/2ª) do CP com pena de dois a oito anos, falsificação, p.p. no art. 256º/1ª) e 3 do CP com pena de seis meses a cinco anos de prisão ou multa de sessenta a seiscentos dias, e associação criminosa, p.p. no 378 R.T.J. — 197 art. 299º/1 e 2 do CP com pena de um a cinco anos, consubstanciados no facto de, no âmbito de um grupo organizado de âmbito internacional, se haver apoderado de cheques emitidos a empresas italianas, e às mesmas remetidos por correio, sem que estas os chegassem a receber. Com os nomes dos respectivos beneficiários alterados e/ou endossados falsificados viriam tais cheques a ser depositados na conta bancária do arguido na CGD (Caixa Geral de Depósitos), ou apresentados pelo próprio a pagamento numa agência do BPN, em Lisboa. O montante global dos cheques contrafeitos ultrapassa os 80 mil euros, sendo que o arguido ainda conseguiu levantar cerca de 10.800 euros antes da intervenção do banco ao suspeitar da fraude (fls. 6/7). 2. O extraditando encontra-se preso, desde o dia 18 de outubro de 2004, no Quartel Central do Corpo de Bombeiros Militares do Estado do Ceará — fls. 158/ 163. 3. O extraditando foi devidamente interrogado às fls. 228/230, e apresentou defesa a fls. 252/274, na qual aduz a ausência de relato dos fatos, como exige o artigo 80, do Estatuto do Estrangeiro: “A inexistência de descrição da natureza e circunstância dos fatos, necessária à admissão e concessão do pedido extraditório, é patente, seja na peça judicial que embasa o pleito do Governo de Portugal, como já demonstrado, seja no próprio relatório da autoridade policial, composto de meras apreciações subjetivas. Veja-se, a propósito, que o citado relatório policial, elaborado para justificar o pedido de extradição, é constituído tão-somente de longas divagações sobre a postura do extraditando (...)” — fls. 259; os tipos penais pelos quais a extradição foi solicitada (‘burla qualificada’, associação criminosa e falsificação de documentos) não se subsumem à conduta descrita no instrumento extraditório: “Não há qualquer descrição de fatos que se ajustem à moldura do crime de quadrilha. A conduta de depositar cheques em conta bancária recebidos em pagamento de dívida, efetuando-se, depois, saque parcial não se ajusta, em absoluto, ao delito de burla, que corresponde ao estelionato em nosso sistema de direito penal. E, por último, no tocante à acusação por falsidade documental ocorre insuperável causa obstativa do atendimento do pedido extradicional, qual seja, a ausência do pressuposto da dúplice incriminação. É que no nosso modelo jurídicopenal, não há crime de falsificação em concurso material com o crime de estelionato, o delito que corresponde ao crime de burla” — fls. 260/273.” (fls. 278/279). O parecer conclui pelo deferimento parcial da extradição. É que não estaria observado o disposto no art. 80 da Lei n. 6.815/80, por falta de indicações precisas sobre um dos fatos (local, data, natureza e circunstâncias), ante a circunstância de que as investigações, cujo resultado poderia levar à configuração do crime de associação para cometimento de delitos, estão em fase inicial de apuração (fl. 284). Neste ponto, o pedido não mereceria conhecimento. É o relatório. R.T.J. — 197 379 VOTO O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. O pedido de extradição é oriundo de mandado de detenção internacional extraído do Processo de Inquérito n. 378/03.4 JFLSB, que corre pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal. Conforme a motivação constante do referido mandado: “- Evidenciam os autos indícios da prática pelo arguido Mário Sérgio Taborda Barata de crime de burla qualificada, p.p. nos arts. 217º/1 e 218º/2ª) do CP com pena de dois a oito anos, falsificação, p.p. no art. 256º/1º) e 3 do CP com pena de seis meses a cinco anos de prisão ou multa de sessenta a seiscentos dias, e associação criminosa, p.p. no art. 299º/1 e 2 do CP com pena de um a cinco anos, consubstanciados no facto de, no âmbito de um grupo organizado de âmbito internacional, se haver apoderado de cheques emitidos a empresas italianas, e às mesmas remetidos por correio, sem que estas os chegassem a receber. Com os nomes dos respectivos beneficiários alterados e/ou endossos falsificados viriam tais cheques a ser depositados na conta bancária do arguido na CGD, ou apresentados pelo próprio a pagamento numa agência do BPN, em Lisboa. O montante global dos cheques contrafeitos ultrapassa os 80 mil euros, sendo que o arguido ainda conseguiu levantar cerca de 10.800 euros antes da intervenção do banco ao suspeitar da fraude. - A força dos indícios advém da análise da prova documental e por declarações reunida (sic) já na investigação, sendo que o próprio arguido já tem conhecimento da pendência do inquérito uma vez que já foi interrogado pela autoridade policial. Nem por isso deixou de se ausentar para parte incerta, suspeitando-se que presentemente se encontrará no estrangeiro, juntamente com sua família, o que inviabilizou a execução dos mandados de detenção anteriormente emitidos nos autos na sequência do despacho de fls. 173. - Em cumprimento do despacho judicial de 06/05/2003, foram emitidos, contra o arguido, mandados de detenção para apresentação ao Juiz e subsequente aplicação de medida de coacção, configurando-se séria possibilidade de lhe ser aplicada a medida de prisão preventiva. - A necessidade de proceder à extradição activa da pessoa a deter ao abrigo do disposto nos arts. 69º e seguintes da Lei n. 144/99 de 31 de agosto” (fls. 06/07). 2. O documento não atende, em parte, aos requisitos previstos no art. 80, caput, da Lei n. 6.815/80, que exige “indicações precisas” sobre o local, data, natureza e circunstâncias do fato criminoso. Resta examinar, pois, se tais indicações estariam alhures. No pedido de detenção, elaborado pela Polícia Judiciária (fls. 72/79), lê-se: “Trata-se aqui da contrafacção, já identificada, de cinco cheques, num montante global de 84.510 Euros, de Instituições de Crédito nacionais e estrangeiras, os quais foram integralmente depositados na conta bancária do argüido. De facto, o arguido Sérgio Barata surge, nos presentes autos, como o único titular da conta bancária através da qual se consumou a fraude bancária, com recurso à contrafação dos títulos de crédito. 380 R.T.J. — 197 Não demonstrou possuir uma actividade profissional definida, sendo notório que não tem meio de subsistência certo e estável, razão pela qual o arguido surge conotado com inúmeros esquemas negociais pouco claros e sempre na dependência do seu pai - cfr. fls. 160 a 163. Os títulos de crédito em apreço correspondem a cheques autênticos, com o mesmo número, os quais - três dos cinco cheques - foram expedidos por empresas portuguesas para empresas italianas, destinando-se ao pagamento de dívidas do trato comercial, sem lograrem contudo - os cinco cheques - chegar ao seu destino final. Surgiram então os cheques contrafeitos, juntos agora aos presentes autos, semelhantes aos documentos autênticos que lhes serviram de referência de referência em muitos elementos - número, titular, etc. - e diferindo, p. ex., no montante, o qual foi fraudulentamente empolado. Efectivamente, os cinco cheques contrafeitos e constantes dos autos foram depositados, na sua totalidade, naquela conta, sendo que, o arguido, após creditação, procedeu desde logo a levantamentos, em cash, no montante de 10.800 Euros - vd. fls. 62 a 65 e 84 a 89. Não fora o bloqueamento, em tempo oportuno, da referida conta bancária, efectuado pela Caixa Geral de Depósitos, ao dar-se conta do modus operandi em curso, e provavelmente a totalidade do montante indevidamente creditado ao arguido teria o mesmo destino. Na presente investigação urge apurar a eventual intervenção de outros comparticipantes, cuja função e grau de intervenção, em caso afirmativo, importa ainda delimitar” (fls. 72/73. Grifos nossos). Nesse mesmo documento, a Polícia Judiciária reconhece “o facto de o presente inquérito se apresentar ainda numa fase inicial das suas investigações” (fl. 76). Quanto à imputação dos crimes de falsificação de documento e de burla, constam indicações precisas acerca do local, data, natureza e circunstâncias dos fatos criminosos, não, porém, no que concerne à imputação da prática de associação criminosa. Este o tipo penal da associação criminosa: “Artigo 29. Associação criminosa 1. Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação cuja finalidade ou actividade seja dirigida à prática de crimes, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos. 2. Na mesma pena incorre quem fizer parte de tais grupos, organizações ou associações ou quem os apoiar, nomeadamente fornecendo armas, munições, instrumentos de crime, guarda ou locais para as reuniões, ou qualquer auxílio para que se recrutem novos elementos” (fl. 99). Volto aos elementos apresentados com o pedido, quanto a esse delito. Deles já grifei: R.T.J. — 197 381 “Na presente investigação urge apurar a eventual intervenção de outros comparticipantes, cuja função e grau de intervenção, em caso afirmativo, importa ainda delimitar” (fl. 73). Vê-se logo, pois, a ausência absoluta da precisão exigida do art. 80 da Lei n. 6.815/80, sem a qual é impossível exercer qualquer juízo sobre a dupla tipicidade dos fatos e a ocorrência, ou não, de prescrição da pretensão punitiva. Daí, entende-se que, quanto ao delito de associação, o pedido não cumpre os requisitos legais, impondo-se-lhe o indeferimento. 3. Presente o requisito da precisa indicação do fato no que toca aos outros crimes, analiso a questão da absorção do delito de falsificação pelo de burla qualificada. E, nesse ponto, tem razão a defesa quando sustenta: “Se há acusação por burla, não pode haver acusação por falsificação de documentos. A jurisprudência nacional, desde os tempos da Judicatura de Adalício Nogueira (RTJ 52/18) e de Victor Nunes Leal (RTJ 46/667), tem consagrado a tese de que a falsidade é praticada para alcançar o estelionato, aquela é crime-meio, que é absorvido por este, crime-fim, não ocorrendo o concurso material” (fl. 267). O documento da Polícia Judiciária, já transcrito, assim descreve os fatos: “Os títulos de crédito em apreço correspondem a cheques autênticos, com o mesmo número, os quais - três dos cinco cheques - foram expedidos por empresas portuguesas para empresas italianas, destinando-se ao pagamento de dívidas do trato comercial, sem lograrem contudo - os cinco cheques - chegar ao seu destino final. Surgiram então os cheques contrafeitos, juntos agora aos presentes autos, semelhantes aos documentos autênticos que lhes serviram de referência de referência em muitos elementos - número, titular, etc. - e diferindo, p. ex., no montante, o qual foi fraudulentamente empolado. Efectivamente, os cinco cheques contrafeitos e constantes dos autos foram depositados, na sua totalidade, naquela conta, sendo que, o arguido, após creditação, procedeu desde logo a levantamentos, em cash, no montante de 10.800 Euros - vd. fls. 62 a 65 e 84 a 89” (fls. 72/73). Está claro, pois, que, diversamente do que professa a douta Procuradoria-Geral, teria havido volição única, a de falsificar os cheques para obter vantagem patrimonial ilícita (art. 171 do CP) ou com a “intenção de obter para si enriquecimento ilegítimo” (art. 217º, 1, do CP Português), donde não poder excogitar-se concurso formal homogêneo (cf. fl. 285), senão mero concurso aparente de normas, que leva à absorção do falsum pelo estelionato, ou burla, neste caso. A Corte já teve oportunidade de enfrentar casos semelhantes, admitindo a absorção de uma figura típica por outra, em pedidos de extradição. Assim sucedeu na Ext n. 543 (Rel. Min. Moreira Alves), em que o Plenário, na esteira do voto do Relator, resolvendo concurso aparente de normas pela via do princípio da subsidiariedade tácita, indeferiu a extradição pelo crime de constrangimento ilegal, porque figurava elemento constitutivo do crime de roubo (RTJ 138/428). 382 R.T.J. — 197 Na Ext n. 654 (Rel. Min. Néri da Silveira), o Plenário, por maioria, entendeu que as acusações de um incêndio de primeiro grau e de quatro homicídios de primeiro grau deveriam ser reduzidas a um só crime, o do art. 250, caput, cc. art. 258 do CP brasileiro. Posto não seja incontroverso o tratamento do tema da absorção do falsum pelo estelionato na Corte, não há negar, neste caso, a imperiosidade da aplicação do princípio da consunção, com base no saudoso Francisco de Assis Toledo: “O mesmo ocorre com certas modalidades de falsum e estelionato, quando aquele se exaure na fraude, que constitui elemento essencial deste último. Isso acontece, por exemplo, na falsificação de um documento que, usado como fraude para obtenção de lucro patrimonial indevido, se esgota em sua potencialidade lesiva, permanecendo sem qualquer outra finalidade ou possibilidade de uso (ex.: alguém falsifica a assinatura do correntista em um cheque e obtém, no banco sacado, o pagamento indevido). Como o cheque esgotou-se na consumação do estelionato, não podendo mais ser utilizado para outros fins, o crime-fim de estelionato absorve o falsum” (Princípios básicos de direito penal. 5ª ed., 10ª tir. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 53). Retomo, aqui, a descrição dos fatos dada pela Polícia Judiciária portuguesa: “Efectivamente, os cinco cheques contrafeitos e constantes dos autos foram depositados, na sua totalidade, naquela conta, sendo que, o arguido, após creditação, procedeu desde logo a levantamentos, em cash, no montante de 10.800 Euros - vd. fls. 62 a 65 e 84 a 89.” (Fls. 72/73). Não há dúvida, portanto, de que a potencialidade lesiva dos cheques falsificados pelo extraditando se esgotou ao serem depositados na conta do ora extraditando, sem nenhuma possibilidade de voltarem a ser usados para quaisquer outros fins. A tese do concurso formal de crimes somente poderia ser acolhida se não se caracterizasse a exaustão da potencialidade lesiva dos instrumentos falsificados. Valho-me, uma vez mais, daquele ilustre penalista: “Assim, porém, não ocorre na falsificação de certos documentos que, utilizados na prática do estelionato, continuam com a potencialidade lesiva para o cometimento de ouros delitos da mesma ou de variada espécie. Nesta hipótese verifica-se o concurso formal de crimes (falso e estelionato), como ocorre, por exemplo, com a falsificação de um instrumento de mandato para a emissão de cheque do pretenso mandante e seu recebimento no Banco sacado. Consumado o estelionato, a procuração, se contiver poderes para outros saques ou para outros fins, não se exaure na fraude daquele delito” (op. e loc. cits.). Por tais razões, indefiro o pedido de extradição, no que diz respeito ao crime de falsificação, previsto no art. 256º, n. 1 e 3, do Código Penal português. 4. Resta por analisar o pedido no que tange à burla qualificada, objeto dos arts. 217, n. 1, e 218, n. 2, alínea a, do Código Penal português: R.T.J. — 197 383 “Art. 217. Burla 1. Quem, com a intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo através de erro ou engano sobre factos, que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízos patrimoniais, será punido com prisão até 3 anos. (...) Art. 218. Burla qualificada 2. A pena é de prisão de 2 a 8 anos se: a) o prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado; (...).” Quanto a esse fundamento, tenho por coexistentes todos os requisitos de deferimento do pedido. O fato típico, como já visto, é igualmente punido pela legislação nacional, no art. 171 do Código Penal, e a pena cominada autoriza a extradição (reclusão de um a cinco anos e multa). Os fatos encontram-se precisamente descritos na documentação que instrui o pedido. Os cheques falsificados (fls. 13/14) foram depositados na conta-corrente do extraditando, e os valores, sacados em espécie (fls. 18/19), tudo no mês de dezembro de 2002 (fls. 18/19). Entre a data dos fatos e a presente, não ocorreu prescrição, quer perante a legislação nacional (doze anos, art. 109, CP), quer em face da lei portuguesa (dez anos, art. 118º, I, b, CP). 5. Isso posto, voto pelo deferimento parcial do pedido de extradição, autorizando-a tão-somente com relação ao crime de burla qualificada. EXTRATO DA ATA Ext 931/República Portuguesa — Relator: Ministro Cezar Peluso. Requerente: Governo de Portugal. Extraditando: Mário Sérgio Taborda Barata (Advogados: Renato Guanabara Leal de Araújo e Paulo Guanabara Leal de Araújo). Decisão: O Tribunal, por unanimidade, concedeu, em parte, o pedido de extradição, autorizando-a, tão-somente, com relação ao crime de burla qualificada, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Carlos Velloso, Ellen Gracie e Carlos Britto. Falou pelo extraditando o Dr. Paulo Guanabara Leal de Araújo. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim. Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza. Brasília, 28 de setembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário. 384 R.T.J. — 197 EXTRADIÇÃO 944 — ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto Requerente: Governo dos Estados Unidos da América — Extraditando: William Henry Howard Ogle ou Pierre Jacques Dellannoy ou Pierre Jacques Dallanoy ou Pierre Jacques Hernandes Delamoy ou Pierre Jacques Hernandes Delannoy ou Pierre Delanoy ou Henry Ogle Extradição. Tráfico internacional de drogas. Alegação de que o indictment não é documento apto a viabilizar a concessão do pedido, além do que a pena máxima para o crime é de prisão perpétua, o que impediria a extradição. Pedido extradicional que atende às exigências do Tratado Bilateral de Extradição Brasil/Estados Unidos, bem como às da Lei n. 6.815/80. O indictment é instituto equiparável à pronúncia, e o Supremo Tribunal Federal já se manifestou pela suficiência desse ato formal para legitimar pedidos extradicionais (Ext 542). O Extraditando responde a processo no Brasil, razão pela qual é de se adiar a entrega até o desfecho da ação penal. Em face da possibilidade de cominação da pena de prisão perpétua, é de se observar a atual jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal para exigir do Estado requerente o compromisso de não aplicar esse tipo de reprimenda, menos ainda a pena capital, em caso de condenação do réu (Ext 855). Extradição deferida com as mencionadas restrições. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir o pedido de extradição, nos termos do voto do Relator. Brasília, 19 de dezembro de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: O Governo dos Estados Unidos da América pediu a extradição do nacional norte-americano William Henry Howard Ogle ou Pierre Jacques Delannoy, processado por crimes de tráfico de drogas. Para tanto, encaminhou os documentos formalizadores e de justificação do pedido (fls. 4/160). 2. Pois bem, segundo a Nota Verbal, o extraditando “trabalhou como piloto das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colômbia) (‘FARC’), pilotando pequenas aeronaves, carregadas de cocaína da Colômbia para outros países da América do Sul, incluindo o Brasil, e para a América Central, sendo que parte da cocaína era destinada aos Estados Unidos. R.T.J. — 197 385 3. Deu-se que, em 24 de setembro de 2003, Willian Henry Howard Ogle foi preso pela polícia brasileira após haver sido pego fazendo transporte aéreo de uma carga de 200 quilos de cocaína, proveniente da Colômbia para Itú, no Brasil. De acordo com um informante do DEA, Willian Henry Howard Ogle trabalhou para as Farc durante muitos anos, tempo em que transportava cocaína de propriedade das Farc da Colômbia para o México e outros países da América Central e América do Sul, parte da qual era destinada aos Estados Unidos. 4. Os documentos encaminhados pelo governo requerente dão conta de que foi expedido mandado de prisão contra o extraditando, tendo por base o Indictment (pronúncia) n. 04-212, proferido pela Corte Distrital dos Estados Unidos para o Distrito de Columbia, no dia 29 de abril de 2004, nos seguintes termos (fls. 70/71): “A partir de 2001, ou em alguma ocasião nesse ano, a data exata sendo desconhecida pelo Grande Júri, e continuando depois disso até a data do registro desta pronúncia, inclusive na República da Colômbia e em outros lugares, os réus (...), William Henry Howard Ogle t.c.c. ‘Pierre Jacques Dellanoy’ e (...), de forma propositada e intencional combinaram, conspiraram, confederaram e concordaram com outros conhecidos e desconhecidos pelo Grande Júri, incluindo os coconspiradores não indiciados na presente, para cometer os seguintes delitos contra os Estados Unidos: propositadamente e intencionalmente fabricar e distribuir cinco quilogramas ou mais de uma mistura e substância que continha uma quantidade detectável de cocaína, uma substância controlada da Lista II, com a intenção e o propósito de que tal substância fosse ser importada ilegalmente para os Estados Unidos, em violação ao Título 21 do Código dos Estados Unidos, Seções 959 e 960". 5. Ante esse panorama, e tendo por fundamento o art. 81 da Lei n. 6.815/80, c/c o art. VIII do Tratado de Extradição firmado entre o Brasil e os Estados Unidos da América (Decreto n. 55.750/65), decretei a prisão do extraditando. 6. Avanço neste relato para anotar que, por meio do Aviso n. 4.249, o Exmo. Sr. Ministro da Justiça informou quanto à notificação do extraditando sobre o mandado de prisão preventiva para fins de extradição, como informou ainda, S. Excelência, que o estrangeiro já se encontrava preso em razão de processo-crime a que também responde perante a Justiça brasileira. 7. Na seqüência do processo, deu-se o interrogatório do extraditando, que, apesar de intimado, deixou de constituir advogado. Razão por que lhe foi nomeada defensora ad hoc, substituída, em seqüência, por agente dos quadros da Defensoria Pública da União. Defensoria que de logo sustentou que o artigo 1º do Decreto 55.750/65 só prevê o instituto da entrega recíproca para os indivíduos que “tenham sido processados ou condenados” por qualquer dos crimes ou delitos especificados no artigo II do Tratado de Extradição. Daí aduzir que tanto a pronúncia quanto o mandado de prisão preventiva são requisitos formalizadores do pedido de extradição, mas não extinguem o processo. Mais: argumenta que “o indictment, ou melhor, a pronúncia somente possui o condão de dar início à ação penal”, de sorte a concluir pela impossibilidade do deferimento da extradição, já que o tratado exige que o extraditando já esteja em situação de processado ou condenado. 386 R.T.J. — 197 7. Já em outra linha de fundamentação, argumenta a defesa que a pena máxima pelo crime praticado pelo extraditando é de prisão perpétua, fato impeditivo da extradição, nos termos da alínea b do inciso XLVII do art. 5º da Constituição de 1988. Daí requerer o indeferimento do pedido. 8. A seu turno, a douta Procuradoria-Geral da República, em parecer do seu ilustre titular, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, opinou pela procedência do pedido extradicional. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Feito o relatório, passo ao voto. Fazendo-o, começo por dizer que a instrução do processo me parece atender às exigências do artigo IX do Tratado Bilateral de Extradição Brasil/Estados Unidos, bem como as do art. 80 da Lei n. 6.815/80. Também tenho como preenchido o requisito da dupla tipicidade, uma vez que o extraditando é acusado de “conspiração” para fabricar e distribuir cinco quilos ou mais de cocaína, com o propósito de que a droga fosse introduzida ilegalmente nos Estados Unidos. Isso em ofensa à legislação penal daquele País (USC, Título 21, Seções 963, 959, 960 (a) (3) e 960 (b) (1) (B) (ii) e Título 18, Seções 2 e 3.551 e seguintes (fls. 61/68))1. Delitos que correspondem, no Brasil, aos crimes descritos nos arts. 12, 13 e 14 da Lei n. 6.368/76, inclusive com a incidência do art. 18 da mesma lei, que prevê o aumento de pena para o “caso de tráfico com o exterior ou de extraterritorialidade da lei penal”. 12. Nesse rumo de idéias, acrescento que o Tratado de Extradição prevê como extraditáveis os autores dos “crimes ou delitos contra as leis relativas ao tráfico, uso, ou produção ou manufatura de narcóticos ou ‘canabis';” (item 27 do art. II). 13. De outra banda, tanto pela legislação brasileira como pela lei estadunidense, há que se considerar a pretensão punitiva quanto aos crimes imputados ao extraditando, ocorridos entre os anos de 2001 e 2003. E, segundo a legislação do Estado requerente, só não são puníveis os crimes cuja pronúncia (indictment) ocorrer após cinco anos da respectiva conduta (Título 18, seção 3.282, do Código dos Estados Unidos — fl. 66). Já pelo Ordenamento Jurídico brasileiro, a prescrição se dá em 20 anos (inciso I do art. 109), o que significa a legítima persistência da pretensão punitiva do Estado, dado que houve prática de crimes até o ano de 2003. 1 “Título 21, do código dos Estados Unidos, Seção 959 — Posse, fabricação ou distribuição de substâncias controladas (a) Fabricação ou distribuição com a finalidade de importação ilegal Será ilegal para qualquer pessoa a fabricação ou distribuição de uma substância controlada da Lista I ou II (...) (1) com intuito de que tal substância ou substância química seja ilegalmente importada para os Estados Unidos ou para águas a uma distância de 12 metros da costa dos Estados Unidos (2) com o propósito de que tal substância ou substância química seja ilegalmente importada para os Estados Unidos ou para águas a uma distância de 12 metros da costa dos Estados Unidos” R.T.J. — 197 387 14. No tocante à competência do Estado requerente para processar e julgar o extraditando, cumpre transcrever a manifestação da douta Procuradoria-Geral da República: “(...) 15. O Estado requerente dispõe de competência jurisdicional para processar e julgar o extraditando, ainda que o suposto delito não tenha ocorrido em seu território. É que, nos termos do art. 4º do Tratado celebrado entre o Brasil e os Estados Unidos, quando o crime tiver sido cometido fora da jurisdição territorial do Estado requerente, o pedido de extradição poderá não ter andamento quando ‘as leis do Estado requerente e as do Estado requerido não autorizam a punição de tal crime ou delito’, o que não ocorre na hipótese. 16. De fato a competência dos Estados Unidos para o julgamento dos fatos relatados no pedido extradicional resulta da própria análise da redação do Título 21, do Código dos Estados Unidos, seção 959, segundo o qual ‘será ilegal para qualquer pessoa a fabricação ou distribuição de uma substância controlada da Lista I ou II (...) (1) com intuito de que tal substância ou substância seja ilegalmente importada para os Estados Unidos (...)’ (fl. 61). 17. Ademais, o delito imputado ao requerente destinava-se à introdução ilegal de substância entorpecente nos Estados Unidos. Com a associação para a introdução de cocaína nos Estados Unidos, o resultado visado pela prática delituosa ocorreria em território americano, estando configurada, portanto, a competência do Estado requerente para o julgamento do delito.” 15. Prossigo no voto para averbar que também não procedem os fundamentos levantados pela defesa como óbice ao deferimento da extradição. É que não se revela prestimosa a assertiva de que o Tratado de Extradição exige que o extraditando já tenha sido processado ou condenado. A se admitir tal afirmação, seria necessário que esta Suprema Corte desconsiderasse a existência da extradição instrutória. É dizer, não mais se atenderia o pleito extradicional cujo objeto fosse a entrega do indivíduo para responder a processo perante o Estado requerente. Não é esse o sentido do dispositivo do Tratado invocado pela douta defesa, porquanto seria uma repetição inútil estabelecer-se a necessidade da entrega de sujeitos somente quando “já tenham sido processados ou condenados”. Isso porque, quanto aos já processados, só há interesse na extradição se o possível resultado for a condenação. Ademais, conforme se vê do próprio Tratado, tanto no art. II quanto no art. IX, há previsão da extradição para as pessoas na condição de acusados do crime ou delito em que se baseia o pedido. “Título 21, do Código dos Estados Unidos, Seção 963 — Tentativa de conspiração Qualquer pessoa que tentar ou conspirar para cometer qualquer delito definido neste capítulo estará sujeita às mesmas penalidades previstas para o delito cujo cometimento foi objeto da tentativa ou conspiração” “Título 18, do Código dos Estados unidos, Seção 2 — Principais (a) Aquele que cometer um delito contra os Estados Unidos ou ajudar, participar, aconselhar, comandar, induzir ou encomendar o seu cometimento é punível como principal” 388 R.T.J. — 197 16. Acresce que esta Suprema Corte já se manifestou pela suficiência do indictment para legitimar pedidos extradicionais, pois o instituto é equiparável à pronúncia e “constitui título jurídico hábil que legitima, nos pedidos extradicionais instrutórios, o ajuizamento da ação de extradição passiva” (Ext 542, Rel. Min. Celso de Mello). 17. O que me cabe, agora, é analisar o fato de o extraditando estar respondendo a processo no Brasil. A esse respeito, os autos noticiam que, entre nós, ele já se encontrava preso, em razão de processo-crime por tráfico de drogas (fl. 176). Sendo o caso de aplicação do disposto no artigo XIV do Tratado de Extradição, que determina o adiamento da entrega do extraditando até que a “ação penal ou sentença termine por qualquer das seguintes razões: rejeição da ação, absolvição, expiração do prazo da sentença ou do prazo em que tal sentença tiver sido comutada, indulto, livramento condicional ou anistia”. 18. Finalmente, importa considerar que, na legislação estadunidense, a pena máxima pelo cometimento do crime de conspiração é a de prisão perpétua. Em face dessa possibilidade cominatória, é de se ver que a jurisprudência desta Suprema Corte, a partir da Ext 855, da relatoria do Min. Celso de Mello, mudou, para exigir do Estado requerente o compromisso de não aplicar esse tipo de reprimenda, menos ainda a pena capital, em caso de condenação do réu. Pelo que, por ocasião do julgamento daquela extradição, votei pela necessidade de o Supremo Tribunal Federal, ao deferir o pedido, condicionar a efetivação do ato de entrega do extraditando ao compromisso formal de o Estado estrangeiro comutar a prisão perpétua em pena privativa de liberdade não superior a trinta anos. 19. Diante de tudo isso, presentes os requisitos para o atendimento do pleito, defiro o pedido extradicional, com as restrições aqui vocalizadas; ou seja, ao término do processo penal e do eventual cumprimento da pena imposta pela Justiça brasileira, o extraditando somente será entregue ao Estado requerente se este assumir, em caráter formal, o compromisso de comutar a possível pena de prisão perpétua em pena de prisão com o prazo máximo de 30 anos. É o meu voto. EXTRATO DA ATA Ext 944/Estados Unidos da América — Relator: Ministro Carlos Britto. Requerente: Governo dos Estados Unidos da América. Extraditando: William Henry Howard Ogle ou Pierre Jacques Dellannoy ou Pierre Jacques Dallanoy ou Pierre Jacques Hernandes Delamoy ou Pierre Jacques Hernandes Delannoy ou Pierre Delanoy ou Henry Ogle (Advogado: Defensor Público-Geral da União). Decisão: O Tribunal, por unanimidade, deferiu o pedido de extradição, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Eros Grau. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim. R.T.J. — 197 389 Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza. Brasília, 19 de dezembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário. RECLAMAÇÃO 1.013 — RJ Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Nelson Jobim Reclamante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS — Reclamado: Juiz de Direito da 2ª Vara da Comarca de Três Rios Constitucional. Norma legal que, declarada constitucional, gera eficácia contra todos e efeito vinculante. Desrespeito a essa decisão. Cabimento da reclamação. Ação julgada procedente. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Carlos Velloso, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, julgar procedente a reclamação, vencido o Relator. Brasília, 7 de junho de 2000 — Nelson Jobim, Relator para o acórdão. RELATÓRIO O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ao proceder ao exame do pedido de concessão de medida acauteladora e indeferi-la, assim retratei a espécie: O Instituto Nacional do Seguro Social evoca o que decidido, no campo precário e efêmero da liminar, na Ação Declaratória n. 4-6, para sustentar o cabimento desta reclamação. O pano de fundo é único e diz com o deferimento, pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Três Rios, da tutela antecipada, restabelecendo, assim, o pagamento de benefício previdenciário. O Reclamante assevera que tal providência judicial conflita com o preceito do artigo 1º da Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997, cuja constitucionalidade foi proclamada, liminarmente, na citada declaratória, e pleiteia, destarte, seja concedida liminar para suspender a eficácia do ato judicial referido, ou seja, afastar-se do cenário jurídico a tutela. O Ministro Carlos Velloso, no exercício da Presidência, despachou à folha 30, determinando a requisição de informações, diante das quais seria apreciado o pedido de suspensão liminar da tutela. 390 R.T.J. — 197 Aos autos vieram as informações de folhas 38 a 41, no sentido da impertinência do que articulado. Consoante se afirma, o artigo 1º da Lei n. 9.494/97 remete ao artigo 1º da Lei n. 5.021/66, e este último é estranho aos benefícios previdenciários, apenas vedando a concessão de liminar ligada a vencimentos e vantagens pecuniárias requeridas pelos servidores públicos. Em passo seguinte, argumenta-se não haver sido esgotado, no deferimento da tutela, o objeto da ação ajuizada, isso tendo em conta as parcelas vencidas (folha 47). A Procuradoria-Geral da República emitiu o parecer de folhas 50 a 54, no sentido da improcedência da reclamação. Em síntese, a peça revela que não se tem, na espécie, a incidência do disposto no artigo 1º da Lei n. 9.494/97 e, portanto, não se configurou o desrespeito ao pronunciamento desta Corte, no âmbito da liminar, ao apreciar a Ação Declaratória n. 4/DF. De acordo com o Ministério Público Federal, enquanto em jogo proventos, o óbice previsto à concessão da tutela antecipada diz respeito à reclassificação, equiparação, aumento ou extensão de vantagem, ou mesmo pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias a servidor público. À folha 58, despachei, determinando fossem solicitadas informações sobre a situação em que se encontra o processo no qual implementada a tutela. Aos autos veio o ofício de folhas 71 e 72, noticiando que o processo acha-se na fase de especificação de provas. Os autos voltaram-me conclusos em 29 de setembro de 1999, sendo que neles lancei visto no dia 2 de outubro imediato. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Ao indeferir a liminar, assim me expressei: Em primeiro lugar, ressalte-se a pertinência do agravo contra decisões prolatadas em antecipação de tutela. O recurso é cabível para o tribunal a que esteja vinculado o autor do citado ato judicial, podendo este deferir o efeito suspensivo. Em um segundo passo, vale registrar que esta Corte, julgando a Questão de Ordem na Declaratória n. 1, assentou, fiel ao texto do § 2º do artigo 102 da Constituição Federal, que o efeito vinculante, relativamente aos provimentos nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, está jungido às decisões definitivas de mérito, com as quais não se confunde mera providência acauteladora. Acresce, ainda, que, como bem salientado pelo Juízo, o artigo 1º da Lei n. 9.494/97 não alberga controvérsia sobre benefício previdenciário. Aliás, a premência que cerca tal espécie de pleito direciona a considerar-se a adequação da tutela (folhas 47 e 48). A par dos aspectos supra, consentâneos com o ordenamento jurídico constitucional, tem-se que o próprio Instituto, antes de ingressar com esta medida reclamatória, interpôs agravo de instrumento perante o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, atacando, na via própria, a tutela deferida. Entrementes, veio a utilizar nova via, escolhendo o Órgão para exercer crivo, ou seja, o Supremo Tribunal Federal. O agravo foi interposto em 17 de dezembro de 1998, sendo que esta reclamação foi formalizada em fevereiro de 1999 — folha 68. Vê-se o paradoxo a que levou a R.T.J. — 197 391 concessão da liminar na Declaratória n. 4. Jurisdicionados passaram a contar com a possibilidade de escolher não só a medida a ser intentada — agravo de instrumento ou reclamação — mas também o Órgão de atuação — o Tribunal Regional Federal ou o Supremo Tribunal Federal. Acresce a isso que não se trata sequer de hipótese coberta pela liminar da Declaratória n. 4. Conforme ressaltado no parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República Dr. Flávio Giron, a Lei n. 9.494/97, que, ao que tudo indica, precisou do endosso desta Corte para tornar-se obrigatória no território nacional, versa tão-somente sobre os servidores públicos, não apanhando o artigo 1º o reconhecimento de proventos, de benefício previdenciário. Eis o que disposto no artigo 1º da Lei n. 9.494/97: Art. 1º Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto no arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei n. 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei n. 5.021, de 09 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei n. 8.437, de 30 de junho de 1992. Ora, na espécie, sem cogitar-se da liquidação de parcelas atrasadas, o que bem comprova que não se esgotou o objeto da ação intentada, determinou-se, apenas, o restabelecimento de quadro que vinha sendo observado há dezessete anos e que revelava o pagamento de proventos, tendo em conta a satisfação de benefício previdenciário. Por tais razões, julgo improcedente esta reclamação. VOTO O Sr. Ministro Nelson Jobim: Sr. Presidente, o STF, na ADC 4/DF, por votação majoritária, “(...) (...) deferiu, em parte, o pedido de medida cautelar, para suspender, com eficácia ex nunc e com efeito vinculante, até final julgamento da ação, a prolação de qualquer decisão sobre pedido de tutela antecipada, contra a Fazenda Pública, que tenha por pressuposto a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei n. 9.494, de 10-9-97, sustando, ainda, com a mesma eficácia, os efeitos futuros dessas decisões antecipatórias de tutela já proferidas contra a Fazenda Pública (...) (...)” Em face dessa decisão, está vedada a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública — CPC, arts. 273 e 461. No Supremo, a Reclamação é o remédio “(...) (...) para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões. (...)” (CF, art. 102, I, l). 392 R.T.J. — 197 No caso, ao conceder a tutela antecipada, o juízo contrariou a decisão proferida na ADC 4, que tem efeito vinculante e eficácia contra todos (CF, art. 102, § 2º). Em face do exposto, conheço da Reclamação para julgá-la procedente. EXTRATO DA ATA Rcl 1.013/RJ — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão: Ministro Nelson Jobim. Reclamante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS (Advogado: Ayres Antonio Pereira Carollo). Reclamado: Juiz de Direito da 2ª Vara da Comarca de Três Rios. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo. Votou o Presidente. Ausentes, justificadamente, os Ministros Néri da Silveira, Sydney Sanches, Ilmar Galvão e, neste julgamento, o Ministro Moreira Alves. Plenário, 1º-6-2000. Retificação de decisão: O Tribunal, por unanimidade, decidiu retificar a proclamação da decisão proferida na Rcl n. 1.013-9/RJ, constante da Ata da Décima Quinta Sessão Extraordinária, realizada em 1º de junho de 2000, que passa a ser a seguinte: “O Tribunal, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio (Relator), julgou procedente a reclamação. Votou o Presidente”. Redigirá o acórdão o Ministro Nelson Jobim. Ausentes, justificadamente, os Ministros Sepúlveda Pertence e Ilmar Galvão. Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão os Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Octavio Gallotti, Celso de Mello, Marco Aurélio, Maurício Corrêa e Nelson Jobim. Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro. Brasília, 7 de junho de 2000 — Luiz Tomimatsu, Coordenador. AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO ORIGINÁRIA 1.056 — MS Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso Agravante: AMATRA XXIV – Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 24ª Região — Agravada: União Constitucional. Administrativo. Magistrado: remuneração: verba de representação: cálculo. I - A verba de representação incide sobre o vencimento básico e não sobre a soma dele com “parcela autônoma de equivalência”. Resolução Administrativa do STF adotada na Sessão Administrativa de 10-2-1993. II - Precedentes do STF. III - Agravo não provido. R.T.J. — 197 393 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Gilmar Mendes e, neste julgamento, o Ministro Carlos Britto. Brasília, 24 de novembro de 2005 — Carlos Velloso, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de agravo regimental, com pedido de reconsideração, fundado no art. 317 do RI/STF, interposto pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da Vigésima Quarta Região – AMATRA XXIV, na qualidade de substituta processual dos magistrados da Justiça do Trabalho da 24ª Região, da decisão (fls. 213-216) que, em sede de ação originária, negou seguimento ao pedido e determinou seu arquivamento, sob o fundamento de que, nas ADIs 2.098/AL e 2.107/DF, esta Corte decidiu que a “parcela autônoma de equivalência”, decorrente da Lei 8.448/92, integra os vencimentos de seus Ministros para todos os efeitos legais, exceto para o cálculo da representação, a qual leva em conta tão-somente o vencimento básico. Sustenta a agravante, em síntese, o seguinte: a) a peculiaridade da situação dos magistrados da Justiça do Trabalho que, por força do decidido pelo STF na ADI 1.899/DF, tinham seus vencimentos “fixados diretamente pela Constituição Federal, em razão da regra que impedia o recebimento de vencimentos inferiores, entre os magistrados integrantes de cada uma das instâncias, ao valor equivalente de 5%” (fl. 221); b) a “parcela autônoma de equivalência” foi instituída tão-somente para evitar desigualdade de vencimentos dos membros do Supremo Tribunal Federal com os membros do Poder Legislativo; c) se o STF decidiu, na ADI 1.899/DF, que os magistrados da Justiça do Trabalho têm seus vencimentos fixados por resolução, visando observar o art. 93, V, da CF, a verba de representação deve incidir sobre esses vencimentos, que não consideram a existência de “parcela autônoma de equivalência”. Ao final, requer a agravante a reconsideração da decisão impugnada, para que, dando seguimento à ação, seja o feito incluído em pauta de julgamento ou, caso assim não entenda, seja o agravo provido para julgar procedente o pedido. É o relatório. 394 R.T.J. — 197 VOTO O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Tem este teor a decisão agravada, ora sob exame: “(...) Em caso semelhante, AO 657/DF, escrevi: ‘(...) A questão aqui debatida foi solucionada, em termos definitivos, pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIs 2.098/AL e 2.107, ambas relatadas pelo Ministro Ilmar Galvão (DJ de 14-12-2001). No seu voto, registrou o Ministro Ilmar Galvão, com o apoio dos seus pares: ‘(...) O Supremo Tribunal Federal, na 1ª Sessão Administrativa de 1993, realizada em 10 de fevereiro, assentou o entendimento de que ‘a natureza jurídica da parcela autônoma correspondente à diferença decorrente da Lei n. 8.448/92 (art. 1º, parágrafo único) (parcela autônoma de equivalência) é a de vencimento, que, somado ao vencimento básico e à representação, compõe os vencimentos dos Ministros do STF, para todos os efeitos legais, exceto para cálculo da representação, que leva em conta apenas o vencimento básico’, sendo a remuneração da magistratura como um todo calculada tendo em vista essa posição. Não poderia ser diferente, considerado que, com a fixação de uma cifra para a remuneração de Deputados e Senadores, por meio do Decreto Legislativo n. 7 (DO de 23-1-95), os vencimentos de Ministro do Supremo Tribunal Federal foram-lhe equiparados, por força do mencionado dispositivo legal, com reflexo para os demais magistrados dos diversos graus, estando compreendidas no respectivo quantum, por óbvio, todas as parcelas compreendidas no conceito de vencimentos, notadamente a gratificação de representação, permanecendo excluído de seu âmbito, por isso, apenas o adicional por tempo de serviço, que constitui vantagem de natureza pessoal. (...)’. (DJ de 27-8-2002) Assim posta a questão, nego seguimento ao pedido e determino o seu arquivamento.’ No mesmo sentido foram as decisões proferidas na Ações Originárias 757/SC, 773/MG, 946/RS, 989/SP, DJ de 9-6-2003, 30-4-2003, 29-10-2003 e 1º-8-2003, por mim relatadas. Do exposto, reportando-me aos precedentes, nego seguimento ao pedido e determino o seu arquivamento, condenada a vencida no pagamento da verba honorária de R$ 500,00 (quinhentos reais), corrigida monetariamente. (...)” (Fls. 213-216). R.T.J. — 197 395 A decisão é de ser confirmada, por seus fundamentos, porque assentada na jurisprudência da Casa, conforme nela mencionado. Além dos precedentes indicados na decisão agravada, há outros. Na AO 786-AgR/DF, Relator o Ministro Maurício Corrêa, decidiu o Supremo Tribunal Federal: “Ementa: Agravo regimental. Juízas do trabalho. Base da verba de representação. Recálculo. Sessão administrativa do STF, de 10-2-93. Medidas cautelares e decisões de mérito em ações diretas de inconstitucionalidade. Superveniência da Lei 10.474, de 27-6-02. Perda do objeto: não-ocorrência. 1. Esta Corte pacificou exegese de que o cálculo da verba de representação deve ser feito apenas sobre o vencimento básico, excluindo-se o complementar. 2. Lei 10.474, de 27-6-02, que dispõe sobre a remuneração da magistratura da União. Não há falar em perda do objeto se entre a data da propositura da ação e a edição da nova lei o alegado direito ao recálculo da verba de representação deveria ser examinado à luz da legislação anterior. Agravo regimental a que se nega provimento.” (DJ de 7-2-2003) No mesmo sentido: AO 755/PR, Ministro Sydney Sanches, DJ de 25-4-2003; AO 719/SC, Ministro Maurício Corrêa, DJ de 16-5-2003; AO 867/DF, Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 13-9-2002; AO 785/MG, Ministra Ellen Gracie, DJ de 7-2-2003. Do exposto, nego provimento ao agravo. EXTRATO DA ATA AO 1.056-AgR/MS — Relator: Ministro Carlos Velloso. Agravante: AMATRA XXIV – Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 24ª Região (Advogados: Alberto Pavie Ribeiro e outro). Agravada: União (Advogado: Advogado-Geral da União). Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Gilmar Mendes e, neste julgamento, o Ministro Carlos Britto. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim. Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos. Brasília, 24 de novembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário. 396 R.T.J. — 197 AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO ORIGINÁRIA 1.160 — SP Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso Agravantes: Suzana de Camargo Gomes e outro — Agravados: Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Márcio José de Moraes, Anna Maria Pimentel, Diva Prestes Marcondes Malerbi, Marli Marques Ferreira, Ramza Tartuce Gomes da Silva, Maria Salette Camargo Nascimento, Newton de Lucca, Otávio Peixoto Júnior, Fábio Prieto de Souza, Cecília Maria Piedra Marcondes, Therezinha Cazerta, Nery da Costa Júnior, Mairan Gonçalves Maia Júnior, Alda Maria Basto Caminha Ansaldi, Luis Carlos Hiroki Muta, Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida, Luís Antonio Johonsom Di Salvo, Pedro Paulo Lazarano Neto, Nelton Agnaldo Moraes dos Santos, Sérgio do Nascimento, Leide Polo Cardoso Trivelato, Eva Regina Turano Duarte da Conceição, Vera Lucia Rocha Souza Jucovsky, Regina Helena Costa, André Custódio Nekatschalow, Nelson Bernardes de Souza, Carlos André de Castro Guerra, Jediael Galvão Miranda, Walter do Amaral, Luiz de Lima Stefanini, Luís Paulo Cotrim Guimarães, Maria Cecília Pereira de Mello, Marianina Galante, José Eduardo Barbosa Santos Neves, Vesna Kolmar e Antonio Carlos Cedenho Competência originária. Supremo Tribunal Federal. Não-caracterização. Mandado de segurança. Ato administrativo. Impetração contra eleição do Presidente e do Corregedor-Geral de Tribunal Regional Federal. Impedimento ou suspeição dos membros votantes. Não-ocorrência teórica. Interesse direto ou indireto deles ou da magistratura. Inexistência. Competência do próprio Tribunal Regional. Pedido não conhecido. Agravo improvido. Aplicação das Súmulas 623 e 624 do STF. Inteligência do art. 102, I, n, da CF. Voto vencido. 1. O Supremo Tribunal Federal não tem competência para conhecer, originariamente, de mandado de segurança impetrado contra eleição para cargos de direção de outro Tribunal, na qual não há interesse direto nem indireto da magistratura. 2. O fato de os membros do Tribunal terem participado da votação da eleição, impugnada em mandado de segurança, não os torna a priori impedidos ou suspeitos, nem interessados diretos ou indiretos na solução da causa jurisdicional. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria, negar provimento ao agravo, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Brasília, 17 de agosto de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Cezar Peluso, Relator. R.T.J. — 197 397 RELATÓRIO O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão de fls. 89/93, do seguinte teor: “Decisão: 1. Trata-se de ação originária (mandado de segurança), com pedido de liminar, movida por Suzana de Camargo Gomes e André Nabarrete Neto, contra ato do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que, em sessão administrativa, procedeu à eleição do novo Corpo Diretivo da Casa, para o biênio 2005/2007. Alegam os impetrantes que, ao eleger a Desembargadora Federal Diva Malerbi para a presidência daquele Tribunal Federal, teria sido ofendido o art. 102, caput, da Loman, por ter ela exercido cargos de direção por quatro anos ininterruptos (Corregedora-Geral, no biênio 2001/2003, e Vice-Presidente, no biênio 2003/2003). E, quanto à eleição da Desembargadora Marli Ferreira para o cargo de Corregedora-Geral, argúem inobservância do requisito da antiguidade, pois teria antigüidade inferior à dos impetrantes. Daí aduzem violação ao direito líquido e certo de serem elevados a cargo de direção. Requerem concessão de liminar, para sustar as posses das Exmas. Desembagadoras Federais Diva Malerbi e Marli Ferreira, designando-se, para responderem provisoriamente pelas atribuições da Presidência e da CorregedoriaGeral, os dois Desembargadores Federais de maior antigüidade, excetuando-se os ora impetrantes e os eleitos. No mérito, pedem a concessão da segurança, para o fim de se anular a eleição, determinando-se que outra se realize com observância do art. 102 da Loman. No que respeita à competência deste Tribunal, invocam o art. 102, I, n, da CF, afirmando desnecessária a oitiva dos magistrados para declararem, expressamente, seu interesse na causa, pois, ao votar, teriam viabilizado a prática ora atacada. 2. Incompetente esta Corte. A norma do art. 102, I, n, da Constituição Federal é de alcance estrito, não incidindo quando se não configure interesse de todos ou de mais da metade dos membros da magistratura, ou não haja efetiva declaração de impedimento por parte deles (cf. AO n. 520, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 14-5-1999; AO n. 465, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 25-4-1997). Não é consistente a alegação de que todos os membros do Tribunal tido por coator estariam impedidos em razão do interesse revelado na só participação na sessão administrativa em que se realizaram as eleições impugnadas, porque tal participação em si não faz presumir suspeição nem impedimento que fosse capaz de atrair o feito à órbita de competência desta Corte. 398 R.T.J. — 197 Em casos de todo semelhantes, em que excogitou o mesmíssimo argumento básico, já deu esta Corte por sua incompetência (AO n. 813-AgR, Rel. Min. Sepulveda Pertence, DJ de 31-8-2001; AO n. 1.132, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 1º-2-2005; MS n. 25.143-MC, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 14-122004. Cf. ainda, neste último, liminar indeferida pelo Min. Nelson Jobim, DJ de 2-12-2004). E, de um deles, é, para resumir, muito expressiva a ementa, que reza: “Constitucional. Competência originária do STF. Eleição de tribunal. Mandado de segurança impetrado contra ato do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. CF, art. 102, I, n. I - Mandado de segurança impetrado contra ato do Tribunal de Justiça que, quebrando a regra da antigüidade, prevista no art. 102 da Loman, preencheu, por eleição, o cargo de vice-presidente da corte. A competência para o julgamento do writ é do próprio Tribunal, dado que a competência para o julgamento de mandado de segurança impetrado contra ato de Tribunal é do próprio Tribunal. II - Os pressupostos do impedimento e da suspeição, impedimento e suspeição que gerariam a competência do Supremo Tribunal Federal, na forma da alínea n do inc. I do art. 102 da Constituição, devem ser apreciados pelo Tribunal competente, em princípio, para o julgamento da causa. Precedentes do STF. III - A regra de competência inscrita no art. 102, I, n, da Constituição, pressupõe, ademais, um procedimento de natureza jurisdicional no Tribunal de origem. IV - Mandado de segurança não conhecido. Remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul” (AO n. 176, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 18-61993). Os elementos típicos de hipótese de suspeição ou impedimento, cuja configuração possa desencadear a competência desta Corte, devem ser estimados, em primeira mão, pelo Tribunal competente para o julgamento da causa, ou seja, na espécie, o mandado de segurança. É que, doutro modo, em todos os casos de deliberação administrativa de que participam os membros de Tribunal ou de órgão especial, jamais se poderia pensar na própria competência deste ou daquele, cujo reconhecimento teórico está hoje fora de dúvida (Súmula 624). Mas, como é óbvio, a mera participação em decisão administrativa e, até, jurisdicional não implica suspeição nem impedimento automático, porque a presunção é, antes, de que os magistrados participantes têm, em princípio, isenção para rever, em sede jurisdicional, o que eles mesmos hajam deliberado alhures. Só quando, por motivos sérios, previstos nas hipóteses normativas (arts. 134 e 135 do Código de Processo Civil), não se sintam ou, objetivamente, não possam considerar-se isentos, é que devem declarar-se tais ex officio ou provocados mediante argüição simples ou exceção ritual, cuja dedução será indispensável para gerar a causa de eventual deslocamento da competência para esta Corte. Está aí a razão por que a Corte assentou o entendimento de inaplicabilidade imediata da regra especial de competência objeto do art. 102, I, n, da Constituição da República, quando a alegação de interesse dos membros do Tribunal de R.T.J. — 197 399 origem diga respeito a procedimento de caráter administrativo, desprovido de conteúdo jurisdicional, pois não há nisso presunção de suspeição nem de impedimento (AO n. 968-QO, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 4-4-2003; AO n. 474, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 3-2-1997; AO n. 1.108, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 7-4-2005; MS n. 21.016, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ de 26-101990; MS n. 21.735, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 11-3-1994; MS n. 21.306, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 12-2-1993; AO n. 146, Rel. Min. Octavio Galloti, DJ de 25-4-1997; AO n. 813-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 31-8-2001). É o que se petrificou na Súmula 623: “Não gera por si só a competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer do mandado de segurança com base no art. 102, I, n, da Constituição, dirigir-se o pedido contra deliberação administrativa de Tribunal de origem, da qual haja participado a maioria ou a totalidade de seus membros”. 3. Diante do exposto, não conheço da presente ação originária, determinando a remessa dos autos ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região.”. Os agravantes insistem no conhecimento do pedido, alegando, em suma, que, tendo sido violado seu direito subjetivo de serem alçados a cargo de direção (fl. 105), o caso implicaria interesse direto da totalidade dos quarenta e dois desembargadores do Tribunal Regional Federal, os quais seriam parte na causa a título de litisconsortes passivos, donde a situação prevista no art. 102, I, n, da Constituição da República (i). Criticam a jurisprudência deste Tribunal e aduzem que os precedentes não guardariam identidade com a matéria do feito (ii). Sustentam que seria ingenuidade supor que os membros do Tribunal Regional Federal teriam isenção para decidir o caso (iii) e, por fim, que a decisão agravada se apartara do julgamento do MS n. 20.911 (iv). A Procuradoria-Geral da República é pelo improvimento do agravo regimental (fls. 118/122). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. A decisão agravada invocou e resumiu os fundamentos do entendimento invariável da Corte, cujo teor subsiste intacto aos argumentos do recurso, os quais, a rigor, pouco ou nada acrescentaram à compreensão e ao desate da quaestio iuris nevrálgica da espécie. Não se caracteriza aqui nenhuma situação em que seriam interessados, diretos ou indiretos, na solução da causa, todos os membros da magistratura. Argúem os ora agravantes injúria a direito subjetivo próprio, em decorrência de suposta nulidade de eleição para os cargos de Presidente e Corregedor-Geral de Tribunal Regional Federal, donde ser óbvio que interesse jurídico, direto ou indireto, na causa, esse adscreve-se aos impetrantes e aos litisconsortes passivos cuja eleição seria nula, e apenas a estes. De modo algum pode dizer-se que também o teriam os demais membros do tribunal e, muito menos, todos os integrantes da magistratura, cujas esferas jurídicas não sofrem 400 R.T.J. — 197 com a resposta que, no mérito, se dê ao pedido, qualquer que ela seja. Em caso análogo, se não idêntico do ponto de vista jurídico, já proclamou esta Corte, em ementa exemplar: “(...) 4. No mandado de segurança em que juiz de determinado Tribunal pleiteia ser declarado eleito para um dos cargos de sua direção, em detrimento do litisconsorte — cuja eleição para o mesmo posto pretende nula —, o interesse direto na causa a ambos se adstringe. 5. Com relação aos demais membros do Tribunal, o fato de haverem participado com seus votos da formação dos atos administrativos questionados não lhes acarreta, por si só, nem interesse direto ou indireto na solução do mandado de segurança, nem impedimento para julgá-lo” (AO n. 813-AgR, Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 31-8-2001). Nem é lícito dizer que seriam litisconsortes passivos os demais membros daquela corte que votaram, porque de nenhum modo são destinatários dos efeitos jurídicos de eventual sentença de procedência, os quais gravariam apenas o ato administrativo do tribunal, não a condição jurídico-pessoal de seus integrantes. A identificação das partes ordinariamente legitimadas ad causam opera-se — já ninguém o contesta — por via de hipótese, discernindo-se quais as pessoas que, em caso de procedência ou improcedência, suportariam os efeitos jurídicos da sentença como ato final (cf. Elio Fazzalari, Istituzioni di Diritto Processuale, Padova, Cedam, 1975, pp. 28-33). De modo que os demais membros do Tribunal, metê-los todos a fórceps na qualidade processual de litisconsortes passivos é expediente artificioso e frágil para tentar criarlhes suspeição ou impedimento que a priori não existe. E não existe, porque, como já acentuou a decisão agravada, a só participação na formação da vontade orgânica inerente ao ato administrativo da eleição, que, como escolha pessoal, não se guia por lei, mas por livre preferência, não induz, de per si, suspeição nem impedimento dos componentes do órgão, enquanto institutos que concernem ao exercício da função jurisdicional. No julgamento suso aludido, notou esta Corte, em tópico não menos curial da ementa: “(...) 6. Do princípio do juiz natural, não cabe inferir a presunção de parcialidade dos magistrados que hajam votado na eleição discutida, para a decisão jurisdicional de sua legitimidade jurídica: de bem pouco valeria a isenção juramentada dos juízes, se o fato de haver sufragado um ou outro candidato, em determinada eleição, tolhesse a cada um dos eleitores a imparcialidade para julgar — à luz dos princípios e não da preferência eleitoral — da validade do pleito” (AO n. 813-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence). Tampouco colhe a crítica de que se não ajustariam nem acomodariam ao caso os precedentes que invocou a decisão agravada, quase todos pertinentes à impugnação de eleições de cargos de direção em Tribunal, como o demonstra exame desapaixonado e breve das referências. R.T.J. — 197 401 E, no que respeita à decisão, isolada e velha, do MS n. 20.911 (Rel. Min. Octavio Gallotti, Pleno, j. 10-5-1989, in RTJ 128/1141), a que se aferram os agravantes, não deixa de ser isso, ou seja, velha e isolada, como faz muito advertiu a Corte: “É certo que o Supremo Tribunal Federal, como se vê do precedente colacionado na impetração (RTJ 128/1141), chegou a afirmar a sua própria competência originária para processar e julgar, com fundamento no art. 102, I, n, da Constituição, causas mandamentais que versassem matéria como a de que ora se cuida. Tratava-se, no entanto, de decisão proferida em momento de indefinição jurisprudencial, quando ainda se esboçava, no seio desta Suprema Corte, a fixação de uma diretriz norteadora da posição do STF a propósito dessa especial regra de competência originária proclamada pelo texto da Carta da República. Veio a prevalecer nesta Corte, afinal, o entendimento mais restritivo de que, mesmo em face da previsão excepcional da letra n do art. 102, I, da Carta Política, permanecia vigente a regra consubstanciada no art. 21, VI, da Loman, que atribui originariamente aos Tribunais o processo e o julgamento dos mandados de segurança impetrados contra seus próprios atos. (...) Demais disso, é preciso ter presente que as hipóteses referidas na norma constitucional supõem a natureza jurisdicional do ato impugnado. O ato aqui questionado, contudo — eleição para preenchimento de cargo diretivo em Tribunal judiciário —, emergiu de procedimento eleitoral, de natureza eminentemente administrativa, instaurado no âmbito do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná. A participação dos Juízes desse Tribunal no procedimento eleitoral de escolha do novo titular da Presidência da Corte não se revela apta a induzir, só por si, a competência originária do Supremo Tribunal Federal, visto que esta supõe, para os fins e efeitos da alínea n do inciso I do art. 102 da Constituição, a existência, atual e concreta, de uma causa no Tribunal de origem, vale dizer, de um procedimento de natureza jurisdicional instaurado perante o Tribunal impetrado. É por essa razão que este Supremo Tribunal, na interpretação criteriosa da nova regra de competência, tem acentuado a inaplicabilidade do art. 102, I, n, da Constituição a situações jurídicas que, como a exposta pelo impetrante, resultam de procedimentos revestidos de caráter meramente administrativo: “(...) a Constituição atual — assim como a anterior — não atribui ao Supremo Tribunal Federal competência para o processo e julgamento de mandado de segurança contra ato administrativo de qualquer Tribunal, e mesmo na hipótese do art. 102, I, n, da CF de 1988, pressupõe que o processo jurisdicional tenha origem noutro Tribunal, hipótese que aqui não ocorre.” (RTJ 129/596, 610, Rel. Min. Sydney Sanches — grifei). Subsiste, desse modo, em toda a sua plenitude, a competência dos próprios Tribunais para apreciarem, originariamente, os mandados de segurança impetrados contra as suas deliberações administrativas, inclusive aquelas tomadas em procedimentos destinados a preencher cargos diretivos. Nesse sentido, cf. a decisão desta Corte na AO 179/PA, Rel. Min. Celso de Mello, que recusou ao Supremo Tribunal Federal competência originária, para, com fundamento no art. 102, I, n, da Carta Política, decidir em sede mandamental — e em face, precisamente, do art. 402 R.T.J. — 197 102 da Loman —, sobre a validade da escolha, por deliberação plenária do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, do Presidente daquele colégio judiciário local. Cumpre invocar, ainda, por sua substancial identificação com a quaestio suscitada na presente causa, decisão unânime do Plenário do Supremo Tribunal Federal, proferida no julgamento da AO 176/MS, Rel. Min. Carlos Velloso, cujo acórdão foi assim ementado (RTJ 152/3): “Constitucional. Competência originária do STF. Eleição de dirigentes de Tribunal. Mandado de segurança impetrado contra ato do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. CF, art. 102, I, n. I - Mandado de segurança impetrado contra ato do Tribunal de Justiça que, quebrando a regra da antigüidade, prevista no art. 102 da Loman, preencheu, por eleição, o cargo de vice-presidente da Corte. A competência para o julgamento do writ é do próprio Tribunal, dado que a competência para o julgamento de mandado de segurança impetrado contra ato de Tribunal é do próprio Tribunal. II Os pressupostos do impedimento e da suspeição, impedimento e suspeição que gerariam a competência do Supremo Tribunal Federal, na forma da alínea n do inc. I do art. 102 da Constituição, devem ser apreciados pelo Tribunal competente, em princípio, para o julgamento da causa. Precedentes do STF. III - A regra de competência inscrita no art. 102, I, n, da Constituição pressupõe, ademais, um procedimento de natureza jurisdicional no Tribunal de origem. IV - Mandado de Segurança não conhecido. Remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. “Não se revela passível de dúvida, portanto, que permanecem na esfera de competência originária dos Tribunais o processo e o julgamento das ações de mandado de segurança ajuizadas contra suas próprias deliberações administrativas, notadamente em face do que preceitua o art. 21, VI, da Loman, não derrogado, neste ponto, pela Constituição de 1988 (RTJ 70/645 — RTJ 78/87 — RTJ 117/65 — RTJ 120/73 — RTJ 128/101 — RTJ 129/1070 — RTJ 132/706 — RTJ 141/1025 — AO 197/RS, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.)” (AO n. 474-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 3-2-1997). Tais são as razões por que não seria despropositado observar, ainda uma vez, que o disposto no art. 557 do Código de Processo Civil desvela o grau da autoridade que o ordenamento jurídico atribui, em nome da segurança jurídica, às súmulas e, posto que não sumulada, à jurisprudência dominante, sobretudo desta Corte, as quais não merecem controvertidas sem graves razões jurídicas capazes de lhes autorizar revisão ou reconsideração. 2. Isso posto, nego provimento ao agravo. VOTO O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhor Presidente, um dado que me impressionou, na leitura de algumas peças, foi que a decisão do Tribunal me pareceu, gritantemente, salientemente, contrária ao art. 102 da Lei Complementar n. 35, de 14-3-79, e esse aspecto de direito material afigurou-me imbricado com o lado processual da causa. Mas, agora, ouvi, atentamente, o voto do eminente Relator e me dobro à lógica do pensar de S. Exa. para acompanhá-lo. R.T.J. — 197 403 O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): À ponderação de V. Exa., noto que me abstive e me abstenho de fazer qualquer consideração a respeito do mérito do pedido, até para que não se alegue prejulgamento desta Corte em caso de eventual recurso. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, não está em jogo — e já salientou o Ministro Carlos Ayres Britto — o tema de fundo, a eleição, em si, dos dirigentes do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. A questão é instrumental, ligada à competência para o julgamento do mandado de segurança. O ajuizamento dessa ação, de envergadura maior, que é o mandado de segurança, ocorreu no âmbito do Supremo Tribunal Federal, objetivando afastar do cenário jurídico ato do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que discreparia — e não estamos, aqui, a adotar entendimento sobre a matéria — da Lei Orgânica da Magistratura Nacional quanto à clientela que é formada na Corte, para ter-se a escolha dos dirigentes. Ninguém desconhece que a Lei Orgânica da Magistratura revela, no artigo 21, inciso VI, competir ao próprio Tribunal julgar mandado de segurança impetrado contra ato que haja a Corte formalizado. A articulação é outra, todavia. No agravo com o qual nos defrontamos, busca-se definir a competência do Supremo Tribunal Federal não a partir dessa norma que, de início, revela incumbir ao Regional Federal o julgamento do mandado de segurança, mas a partir da cláusula abrangente que está ao término da alínea n do inciso I do artigo 102 da Constituição Federal. O que tivemos e temos como pano de fundo? Uma divisão substancial da Corte de origem, uma disputa que desaguou na prevalência, obviamente, da corrente majoritária, considerados os dois ou, talvez, mais segmentos existentes no Tribunal, e, aí, deu-se a eleição. Indaga-se: aqueles que sufragaram os nomes dos atuais dirigentes não têm interesse indireto — contenta-se a alínea n com interesse indireto — na permanência, na intangibilidade do ato de eleição praticado? A resposta para mim é desenganadamente positiva. Os eleitos, diria que têm interesse direto, e o preceito constitucional refere-se a duas espécies de interesse: direto e indireto. Votei já sobre a matéria, mas costumo dizer que não tenho compromisso com os meus próprios erros e estou sempre pronto, porque não sou um juiz turrão, a evoluir, tão logo convencido de assistir maior razão à tese inicialmente repudiada. Cogitar-se de impetração na Corte de origem é assentar-se a remessa dessa impetração para as calendas gregas, porque a história tem demonstrado que os mandados de segurança não resultam em concessão de medida acauteladora e, geralmente, não têm julgamento antes de expirados os mandatos para os cargos de direção, já que tais mandatos têm prazo exíguo de dois anos. A alínea n enseja ao Supremo Tribunal Federal um campo muito largo para pinçar este ou aquele processo que entenda deva sair do clima, geralmente apaixonado, existente na Corte que o apreciaria. A cláusula primeira referese ao fato de mais da metade dos membros do Tribunal de origem estarem impedidos. Não cogito, aqui, de impedimento, porque não mesclo a atuação administrativa com a jurisdicional. Não há preceito de lei a revelar que os integrantes da Corte, após a eleição, estejam impedidos para julgar qualquer controvérsia sobre essa mesma eleição. Não obstante, a cláusula final viabiliza a atuação, presentes as características do conflito de interesse envolvido no processo, ou seja, a alusiva aos interesses diretos e indiretos. O interesse, aqui, não é patrimonial ou individualizado, mas está ligado à manifestação quanto à escolha deste ou daquele colega para presidir a Corte. 404 R.T.J. — 197 Peço vênia, e não estou aqui a ser incongruente, para fazer, tendo em conta as especificidades do caso concreto, uma nova leitura da parte final da alínea n do inciso I do artigo 102 da Constituição Federal, e dizer que, considerada até mesmo uma sadia política judiciária, esse mandado de segurança deve ser apreciado pelo Supremo Tribunal Federal, e penso que o será antes de extintos os mandatos em curso. É como voto, provendo o agravo, e aceito a ponderação que pretende fazer — já ia me esquecendo — o Ministro Cezar Peluso. O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Agradeço a gentileza de V. Exa. A ponderação é que o raciocínio de V. Exa., como sempre muito brilhante e fundamentado, revoga as Súmulas n. 623 e 624, porque todas as vezes em que houver mandado de segurança contra ato praticado pelo Plenário de qualquer tribunal, nem a Súmula n. 623 nem a n. 624 serão aplicadas. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não chego a essa visão abrangente. O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): O fato de ter participado da formação da vontade administrativa do órgão, com voto neste ou naquele sentido, não importa a matéria em discussão, implica sempre o mesmo tipo de interesse dos votantes. E, mais, parece-me decisivo que o interesse por descobrir e apurar, em relação a cada um dos participantes da votação, só pode ser visto de duas maneiras: ou interesse irrelevante do ponto de vista jurídico, ou interesse relevante do ponto de vista jurídico. Se juridicamente relevante, importaria sempre suspeição, nos termos do artigo 135, V, do Código de Processo Civil: é suspeito “o interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes”. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não chego a tanto. O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Se o Tribunal houver de reconhecer que exista interesse jurídico dos desembargadores, que participaram da votação, na solução deste mandado de segurança, terá também de reconhecer que, embora não haja impedimento, há suspeição. O Sr. Ministro Marco Aurélio: A Constituição não define o interesse; contenta-se com os interesses direto e indireto. O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Em qualquer deles haveria suspeição no cargo, e o Tribunal teria de reconhecê-lo. O Sr. Ministro Marco Aurélio: É mesmo difícil cogitar-se do interesse jurídico indireto! O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Sim, mas interesse jurídico indireto, qualquer que seja, torna os participantes suspeitos. O Tribunal teria de, reconsiderando toda a sua jurisprudência, reconhecer que, automaticamente, o fato de ter participado da decisão induziria sempre interesse jurídico dos participantes. E isso levar-me-ia a repetir — achei muito importante a observação do Ministro Sepúlveda Pertence — que de pouco valeria o juramento dos juízes de obedecerem à lei e à sua consciência, se o fato de terem participado de votação administrativa os tornasse suspeitos, como interessados, no julgamento do mandado de segurança. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não chego a tanto. R.T.J. — 197 405 O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): V. Exa. não chega, mas eu chego, a partir raciocínio de V. Exa. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não colo essa pecha aos meus Colegas integrantes do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Senhor Presidente, peço vênia para divergir do eminente Relator e dar provimento ao agravo regimental. O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, antecipei minha dificuldade em separar o lado puramente formal ou processual da questão de fundo. Deixei-me impressionar exatamente pela questão de fundo. O Tribunal questionado elegeu para a nova mesa diretora do colegiado o presidente e o corregedor e, parece-me, em chapada violação — vou repetir o adjetivo do Ministro Sepúlveda Pertence que é tão apropriado, tão carregado de sentido —, em chapada rota de colisão com a Lei Orgânica da Magistratura, o que me parece suscitar um embricamento inafastável e caracterizar o interesse, pelo menos indireto, do Tribunal que está a responder pelo mandado de segurança. Já disse o Ministro Marco Aurélio, a Constituição não se contenta com o interesse direto, vai além e cataloga o interesse indireto para justificar, atrair a competência desta egrégia Corte. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Revelando que o interesse não é jurídico, pelo menos sob o ângulo substancial. O Sr. Ministro Carlos Britto: Aí eu até me perguntaria: o que sobraria para caracterizar o interesse indireto? Que matéria remanesceria? O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Embora não sendo parte numa determinada causa, a questão jurídica nela a ser decidida influi necessariamente sobre a situação dos juízes. O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Situação jurídica dos juízes. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não há interesse direto, porque senão seria impedido. O Sr. Ministro Carlos Britto: Certo, e o indireto? O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O indireto é isto: o interesse na questão jurídica, cuja solução se reflete, necessariamente, na sua posição individual. O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, como esse período de discussão é propício para o aprofundamento dos debates e o amadurecimento das idéias, também não me pejo em reformular meu voto. Peço vênia ao eminente Ministro Relator e acompanho o voto do Ministro Marco Aurélio para dar provimento ao agravo. VOTO O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, se se entende que há interesse dos juízes, que poderia levar à suspeição desses, é necessário que, no tribunal de origem, seja argüida a suspeição do magistrado; recusada essa suspeição, o Supremo Tribunal Federal a apreciará e julgará. 406 R.T.J. — 197 Ora, se se afirma que há interesse indireto, que possa gerar suspeição, então que se argúa essa suspeição; o juiz dirá se aceita ou não. Se não a aceitar, a questão é deslocada para o Supremo Tribunal Federal, se abranger mais da metade dos juízes da Corte. Peço licença aos eminentes Ministros que divergem, para acompanhar o voto do Sr. Ministro Cezar Peluso, Relator. VOTO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, também peço vênia para, na conformidade dos precedentes e dos argumentos agora trazidos pelo eminente Ministro Relator, negar provimento ao agravo regimental. A letra n do inciso I do artigo 102 da Constituição Federal é regra excepcionalíssima que, com a devida vênia, não pode ser barateada, sob pena de ser mais um fator a inviabilizar a tarefa do Supremo Tribunal Federal naquilo que lhe é próprio e na qual ele é insubstituível: a guarda da Constituição. Notou, com razão, o eminente Ministro Cezar Peluso que a considerar-se haver impedimento ou suspeição, “interesse indireto”, enfim, para usar da locução constitucional, no ter participado de uma eleição, com mais razão haveria esse interesse nos atos administrativos do Tribunal, resultantes de decisões que envolvem questões jurídicas, cujas soluções, partindo de um Tribunal, há de presumir-se fundada juridicamente. Ao contrário, na eleição distingue-se claramente um ato de vontade, que é a escolha entre os candidatos registrados, e uma questão jurídica, que depois se lhe submeta da validade daquele pleito. Senão, repito a brincadeira feita por mim: a Justiça Eleitoral estaria inviável, ou todos os seus juízes estariam impedidos de exercer o direito de voto. É claro que a solução de os próprios tribunais julgarem os mandados de segurança contra os seus atos causa preocupação. Está na origem, para os casos extremos, provavelmente, da letra n. Isso, às vezes, preocupa. Mas, hoje, há de preocupar menos. O Supremo Tribunal tem de desvestir-se daquela condição que, às vezes, mais ou menos implicitamente assumiu, de corregedoria nacional do Poder Judiciário. Hoje, na vizinhança do meu gabinete, há um órgão instituído para isso: o Conselho Nacional de Justiça. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Que não haja contaminação. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Exato. Tenho medo. É preciso aprofundar quais as competências contidas na primeira das missões confiadas ao Conselho Nacional de Justiça, que é a de zelar pelo Estatuto da Magistratura. VOTO O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, em relação à ponderação que se faz sobre eventuais atrasos no julgamento, até levar a uma prejudicialidade, isso reclama, talvez, normas de organização e procedimento, mais do que uma redefinição, uma recompreensão do artigo 102, I, n, da Constituição Federal. Com essas achegas, acompanho o voto do eminente Ministro Relator para dar provimento ao agravo. R.T.J. — 197 407 EXTRATO DA ATA AO 1.160-AgR/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravantes: Suzana de Camargo Gomes e outro (Advogados: Sergio Ferraz e outro). Agravados: Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Márcio José de Moraes, Anna Maria Pimentel, Diva Prestes Marcondes Malerbi, Marli Marques Ferreira, Ramza Tartuce Gomes da Silva, Maria Salette Camargo Nascimento, Newton de Lucca, Otávio Peixoto Júnior, Fábio Prieto de Souza, Cecília Maria Piedra Marcondes, Therezinha Cazerta, Nery da Costa Júnior, Mairan Gonçalves Maia Júnior, Alda Maria Basto Caminha Ansaldi, Luis Carlos Hiroki Muta, Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida, Luís Antonio Johonsom Di Salvo, Pedro Paulo Lazarano Neto, Nelton Agnaldo Moraes dos Santos, Sérgio do Nascimento, Leide Polo Cardoso Trivelato, Eva Regina Turano Duarte da Conceição, Vera Lucia Rocha Souza Jucovsky, Regina Helena Costa, André Custódio Nekatschalow, Nelson Bernardes de Souza, Carlos André de Castro Guerra, Jediael Galvão Miranda, Walter do Amaral, Luiz de Lima Stefanini, Luís Paulo Cotrim Guimarães, Maria Cecília Pereira de Mello, Marianina Galante, José Eduardo Barbosa Santos Neves, Vesna Kolmar e Antonio Carlos Cedenho. Decisão: O Tribunal, por maioria, negou provimento ao agravo, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza. Brasília, 17 de agosto de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário. AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO ORIGINÁRIA 1.230 — DF Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso Agravante: ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho — Agravada: União Constitucional. Subsídio de Ministro do Supremo Tribunal. Associação de juízes trabalhistas: ilegitimidade ativa. I - Ilegitimidade ativa de associação de juízes trabalhistas para pleitear majoração da remuneração dos Ministros do Supremo Tribunal. II - Ação julgada extinta sem julgamento do mérito. Agravo não provido. 408 R.T.J. — 197 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e Gilmar Mendes. Brasília, 24 de novembro de 2005 — Carlos Velloso, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de agravo regimental, com pedido de reconsideração, interposto pela ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, da decisão (fls. 427-434) que, em sede de ação originária, julgou extinto o feito sem julgamento do mérito, sob o fundamento de que uma associação de juízes trabalhistas não tem legitimidade nem interesse direto para pleitear, por equiparação aos membros do Poder Legislativo, a incorporação de dois subsídios adicionais à remuneração dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, ainda que citada majoração beneficie a magistratura trabalhista. Sustenta a agravante, em síntese, o seguinte: a) os magistrados da Justiça do Trabalho, como os demais servidores, possuem interesse direto na fixação da equivalência da remuneração dos membros dos Poderes, pois a própria Lei 8.884/92 afirmou que os valores poderão ser utilizados para os fins previstos na lei e como teto máximo de remuneração; b) a “parcela autônoma de equivalência” não foi instituída exclusivamente para os Ministros do Supremo Tribunal Federal, mas constitui dispositivo a ser utilizado por todos os servidores públicos alcançados pela Lei 8.884/92; c) legitimidade e interesse de agir, porquanto, “da mesma forma como esse eg. STF reconheceu à Ajufe”, na AO 630/DF, “legitimidade para impugnar judicialmente a omissão relativa à não inclusão do auxílio-moradia, haveria de reconhecer à Anamatra a legitimidade para impugnar judicialmente a omissão relativa à não inclusão de qualquer outra verba remuneratória paga aos membros do Poder Legislativo que não tivesse sido considerada por esse eg. STF quando da fixação da parcela autônoma de equivalência” (fl. 452). Ao final, requer a agravante a reconsideração da decisão impugnada para que se dê seguimento à ação ou, caso assim não entenda, seja o agravo provido para julgar procedente o pedido. Autos conclusos em 30-8-2005 e mandados à Mesa em 17-10-2005. É o relatório. R.T.J. — 197 409 VOTO O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Assim a decisão agravada, ora sob exame: “(...) Destaco do parecer da Procuradoria-Geral da República, fls. 416-422, lavrado pelo ilustre Procurador-Geral, Dr. Antônio Fernando de Souza: ‘(...) 13. Analisando os autos, observa-se que a associação autora pretende obter a incorporação de dois subsídios adicionais, por ela denominados de 14º e 15º subsídios, à remuneração dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, posto que tais espécies remuneratórias encontram-se garantidas aos membros do Congresso Nacional, nos termos do Decreto Legislativo n. 007/95, e que, por via de conseqüência, também seriam devidas aos membros do Poder Judiciário, em atenção à equivalência promovida pelo artigo 1º, parágrafo único, da Lei 8.448/92. 14. Inicialmente, cabe destacar que esse Supremo Tribunal Federal constitui o órgão competente para a apreciação e julgamento do feito, nos termos do artigo 102, inciso I, alínea n, da Constituição Federal de 1988, haja vista o interesse da magistratura no que tange à matéria discutida nos autos. 15. Entretanto, ainda em sede de análise preliminar, impende ressaltar a falta de legitimidade da associação autora. É que a pretensão deduzida na presente ação consiste justamente na percepção de dois subsídios adicionais pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal. 16. Com efeito, o artigo 1º, parágrafo único, da Lei 8.448/92, mencionado pela demandante como fundamento de sua pretensão, assegurava, ao tempo de sua vigência, o direito à equiparação entre a remuneração dos membros do Congresso Nacional e a percebida pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, e não com a de todos os membros do Poder Judiciário. 17. Nesse sentido, o interesse da magistratura trabalhista no feito dá-se apenas de maneira reflexa e indireta, eis que, de fato, o acréscimo de mais dois subsídios à remuneração dos Ministros do STF acarretará o aumento na remuneração dos magistrados substituídos, em observância ao escalonamento estabelecido pelo constituinte no artigo 93, inciso V, do texto constitucional. 18. No entanto, verifica-se que o direito à percepção dos subsídios adicionais pleiteados, caso existente, pertenceria aos Ministros do STF, e não aos magistrados trabalhistas. No caso em exame, não se afigura possível à associação autora pleitear verbas remuneratórias eventualmente pertencentes a Ministros do Supremo Tribunal Federal, razão pela qual há de ser decretada a extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 267, inciso VI, do CPC, por falta de legitimidade ativa da demandante. 410 R.T.J. — 197 19. No mérito, o pleito formulado pela demandante não merece prosperar. 20. Em primeiro lugar, importa esclarecer que a equivalência da remuneração sustentada pela associação autora não possui previsão constitucional. O artigo 37, inciso XI, da Carta Magna, mesmo em suas redações anteriores, não previu a fixação de subsídios equivalentes entre os Ministros do Supremo Tribunal Federal e os membros do Congresso Nacional. 21. Na verdade, tal equiparação foi promovida, sem afronta ao texto constitucional, pela legislação ordinária, por ocasião da regulamentação do dispositivo constitucional acima mencionado. 22. De fato, a Lei 8.448/92, em seu artigo 1º, parágrafo único, dispôs, à época de sua vigência, que: ‘Art. 1º (...) Parágrafo único. Os valores percebidos pelos membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal, sempre equivalentes, somente poderão ser utilizados para os fins previstos nesta lei e como teto máximo de remuneração’. 23. A redação desse dispositivo, atualmente revogado pela Lei n. 10.593, de 6-12-2002, levou o Supremo Tribunal Federal a estabelecer, administrativamente, a chamada ‘parcela autônoma de equivalência’, objetivando o cumprimento da equiparação promovida pela referida lei ordinária. 24. No entanto, atualmente a questão perdeu o seu objeto. Com o advento da Lei n. 10.474/2002, que dispôs sobre a remuneração da magistratura da União, não mais subsiste o fundamento da equivalência, eis que esse novo diploma legal estabeleceu, no parágrafo 3º do artigo 1º de seu texto que: Art. 1º (...) § 3º A remuneração decorrente desta Lei inclui e absorve todos e quaisquer reajustes remuneratórios percebidos ou incorporados pelos Magistrados da União, a qualquer título, por decisão administrativa ou judicial, até a publicação desta Lei. 25. Com o advento desse novo diploma legal, dispondo a respeito da remuneração dos membros da Magistratura da União, não mais passou a subsistir a regra da equivalência. Tanto é assim que o próprio Supremo Tribunal Federal editou, em seguida, as Resoluções n. 235 e 236, também do ano de 2002, tornando pública a nova tabela remuneratória dos membros da magistratura. 26. Acrescente-se ainda o fato de que, em razão disso, o próprio artigo 1º, parágrafo único, da Lei 8.448/92 foi revogado pela Lei n. 10.593/2002. 27. Esse foi o entendimento adotado pelo Ministro Nelson Jobim, por ocasião da análise da AO 630/DF, na qual a AJUFE pleiteava a concessão de R.T.J. — 197 411 auxílio-moradia, também sob o fundamento da equivalência. Segue abaixo transcrito trecho da decisão proferida nos referidos autos: ‘(...) Em 28 de junho de 2002, adveio a Lei 10.474. Dispõe sobre a remuneração dos Ministros do STF e das repercussões quantos aos demais membros da magistratura da União. A alteração procedida no vencimento básico dos Ministros do STF repercutiu na composição da remuneração dos demais membros da Magistratura da União (CF, art. 93, V, redação original). Tal alteração legal atingiu o fundamento do pedido formulado na inicial — a equivalência — e as razões jurídicas de concessão da liminar. (...) Em decorrência da alteração legislativa, o Senhor Ministro Presidente do STF, através da Resolução n. 235, de 10-7-2002, republicada no DO de 23 de julho, tornou Art. 1º. (...) pública a tabela, (...), dos valores a serem observados, a título de remuneração da magistratura, com vigência a partir de junho de 2002. Por outro lado, em 19 de julho, o Senhor Ministro Presidente do STF editou a Resolução n. 236 que dispôs ‘(...) sobre a remuneração de Ministro do Supremo Tribunal Federal.’ (...) A legislação subseqüente à presente ação e à liminar de 27 de fevereiro de 2000 modificou, substancialmente, a situação de fato que dava, até então, substância e plausibilidade ao pedido então formulado. A novel legislação, para o futuro, desqualificou os fundamentos da demanda e as razões da liminar. Não mais subsiste o fundamento da equivalência. A novel legislação obviou o problema. (...) Aliás, a novel legislação sobre a remuneração da magistratura curva-se, como não podia deixar de ser, à transparência, jurídica e moralmente exigível, dos procedimentos administrativos dos tribunais. Foi o norte da formulação legislativa. Tal é o que a Nação espera dos Tribunais. Por tudo que se afirmou, o pedido perdeu objeto. Está atendido nas Leis 10.474/2002 e 10.527/2002 e, ainda, nas Resoluções n.s 235 e 236/2002 (...)’ (AO 630/DF, Relator: Ministro Nelson Jobim, DJ 27-8-2002, p. 67, grifo nosso). 28. Desse modo, não mais subsistindo atualmente o direito à equiparação postulada na petição inicial, não há que se falar em direito à incorporação de dois subsídios mensais, na forma percebida pelos membros do Congresso Nacional. 29. Também não há direito à percepção retroativa dos mencionados subsídios, correspondente ao período anterior ao advento da Lei 10.474/ 2002. 30. Com efeito, a pretensão da associação autora somente poderia ser acolhida caso houvesse lei concedendo aos seus associados o benefício pretendido, de forma específica, o que não ocorre na hipótese dos autos. O que se verifica, em realidade, é a pretensão de majoração da remuneração, com o acréscimo de dois subsídios adicionais por ano, sob o fundamento da 412 R.T.J. — 197 isonomia, por meio de ato do Poder Judiciário, em flagrante afronta ao Princípio da Independência dos Poderes da União, bem como à orientação contida na Súmula n. 339 do STF: ‘Não cabe ao Poder Judiciario, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores publicos sob fundamento de isonomia.’ 31. Convém ressaltar que todas as vantagens específicas concedidas aos magistrados encontram-se previstas na Lei Complementar 35/79, de forma taxativa, sendo que em referido diploma legal não se faz alusão à percepção dos subsídios pleiteados pela autora. Desse modo, observa-se que, mesmo na data do ajuizamento da ação, não existia qualquer situação jurídica que possibilitasse o acolhimento da pretensão ora deduzida, não havendo que se falar, desse modo, em eficácia retroativa da equiparação postulada na petição inicial. 32. Desse modo, eventual concessão do direito pleiteado não poderia revestir-se de eficácia retroativa, à semelhança do tratamento conferido por essa Corte ao ‘auxílio-moradia’. Nesse sentido, ante os argumentos acima expostos, manifesta-se o Ministério Público Federal pela extinção do processo sem julgamento do mérito ou pela improcedência do pedido.’ (Fls. 418-422) O que pretende a autora é a incorporação de dois subsídios adicionais à remuneração dos Ministros do Supremo Tribunal, por isso que esses subsídios teriam sido concedidos aos membros do Congresso Nacional. Assim, seriam eles devidos aos Ministros do Supremo, tendo em vista a equivalência inscrita no art. 1º, parágrafo único, da Lei 8.448/92. Todavia, como sustenta o Ministério Público Federal, a autora, uma associação de juízes trabalhistas, não tem legitimidade para pleitear majoração da remuneração dos Ministros do Supremo Tribunal. É verdade que, concedida fosse citada majoração, a magistratura trabalhista acabaria beneficiada. Tem-se, no entanto, interesse indireto, reflexo, que não seria capaz de conferir à associação dos magistrados trabalhistas legitimidade para a causa. É que não representa ela os Ministros da Corte Suprema. Do exposto, julgo extinto o feito sem julgamento do mérito (CPC, art. 267, VI). (...).” (Fls. 429-434) A decisão é de ser mantida. É que, conforme ficou esclarecido, o que pretende a autora é a incorporação de dois subsídios adicionais à remuneração dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, por isso que esses dois subsídios teriam sido concedidos aos membros do Congresso Nacional. Assim, seriam tais subsídios devidos aos Ministros do Supremo Tribunal, tendo em vista a equivalência inscrita no art. 1º, parágrafo único, da Lei 8.448/92. Ora, uma associação de juízes trabalhistas não tem legitimidade para pleitear majoração da remuneração dos Ministros do Supremo Tribunal. Nego provimento ao agravo. R.T.J. — 197 413 EXTRATO DA ATA AO 1.230-AgR/DF — Relator: Ministro Carlos Velloso. Agravante: ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Advogados: Alberto Pavie Ribeiro e outro). Agravada: União (Advogado: Advogado-Geral da União). Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim. Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos. Brasília, 24 de novembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.231 — DF Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso Requerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil — Requeridos: Presidente da República e Congresso Nacional Constitucional. Anistia: lei concessiva. Lei 8.985, de 7-2-95. CF, art. 48, VIII, e art. 21, XVII. Lei de anistia: norma geral. I - Lei 8.985/95, que concede anistia aos candidatos às eleições gerais de 1994, tem caráter geral, mesmo porque é da natureza da anistia beneficiar alguém ou um grupo de pessoas. Cabimento da ação direta de inconstitucionalidade. II - A anistia, que depende de lei, é para os crimes políticos. Essa é a regra. Consubstancia ela ato político, com natureza política. Excepcionalmente, estende-se a crimes comuns, certo que, para estes, há o indulto e a graça, institutos distintos da anistia (CF, art. 84, XII). Pode abranger, também, qualquer sanção imposta por lei. III - A anistia é ato político, concedido mediante lei, assim da competência do Congresso e do Chefe do Executivo, correndo por conta destes a avaliação dos critérios de conveniência e oportunidade do ato, sem dispensa, entretanto, do controle judicial, porque pode ocorrer, por exemplo, desvio do poder de legislar ou afronta ao devido processo legal substancial (CF, art. 5º, LIV). IV - Constitucionalidade da Lei 8.985, de 1995. V - ADI julgada improcedente. 414 R.T.J. — 197 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria, conhecer da ação, vencidos os Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Sepúlveda Pertence e, no mérito, julgar improcedente, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Carlos Britto e Sepúlveda Pertence. Votou o Presidente, o Ministro Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Eros Grau. Brasília, 15 de dezembro de 2005 — Carlos Velloso, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Carlos Velloso: O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, com fundamento nos arts. 102, I, a, e 103, VII, da Constituição Federal, propõe ação direta de inconstitucionalidade, da Lei 9.985, de 7 de fevereiro de 1995, que “concede, na forma do inciso VIII do art. 48 da Constituição Federal, anistia aos candidatos às eleições de 1994, processados ou condenados com fundamento na legislação eleitoral em vigor, nos casos que especifica” (fl. 28). Sustenta o autor, em síntese, o seguinte: a) a natureza da anistia, como instituto humanizador do direito e da política, tem por finalidade a paz pública e, como motivação, o interesse público, não devendo existir, pois, anistia que contrarie o interesse coletivo; b) violação aos princípios constitucionais da moralidade administrativa e da impessoalidade, previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal, dado que a Lei 9.985/95 “não concede ‘na forma do inciso VIII, do art. 48, da Constituição Federal’ a anistia ali referida” (fl. 8); c) configuração de desvio de poder, pois o autor, reportando-se à doutrina, corrobora o entendimento de que “o ‘poder’ de anistiar que assiste ao Congresso (art. 48, VIII, da Constituição) obviamente não foi previsto na Lei Magna para que congressistas se livrem de sanções judiciais. Isto é: a anistia não foi suposta para ser utilizada em proveito próprio e com a finalidade de elidir sanções judiciais que atingiram congressistas por terem violado a ordem jurídica” (fl. 10); d) afronta ao art. 1º, in fine, da Constituição Federal, uma vez que, “na vigência do Estado Democrático e de Direito, impõe-se a regra proibitória de leis específicas e direcionadas para casos concretos, como no caso em foco”. Ademais, aduz que “a missão constitucional conferida pelo corpo eleitoral ao Congresso Nacional cifra-se na competência legislativa para a elaboração de leis que consultem aos interesses coletivos e públicos” (fl. 14); e) inconstitucionalidade da denominada “anistia especial”, porquanto a anistia, segundo o texto constitucional, é sempre genérica e decorre da competência conferida ao Congresso Nacional “para realizar, por uma lei, um interesse público, vale dizer, de toda a sociedade” (fls. 16-17). R.T.J. — 197 415 Ao final, requer o autor que “seja julgada procedente a presente ação, para o fim de, em definitivo, ser declarada a inconstitucionalidade da Lei n. 9.985/95” (fl. 21). À fl. 32, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil aditou a inicial a fim de informar a republicação da lei ora impugnada, que passou a vigorar sob o número 8.985/95, todavia, sem qualquer alteração em seu conteúdo. Requisitaram-se informações (fls. 36 e 38). O Senador José Sarney, então Presidente do Congresso Nacional, às fls. 40-190, sustentou, preliminarmente, o seguinte: a) impossibilidade jurídica do pedido, haja vista possuir o ato atacado efeitos concretos já exauridos, não sendo, pois, suscetível de controle concentrado de constitucionalidade; b) ilegitimidade ativa da OAB, tendo em vista que não há pertinência temática a compatibilizar as finalidades legais da OAB e o objeto da norma impugnada. No mérito, alega, em síntese: a) constitucionalidade da lei impugnada, dada a inexistência de quaisquer vícios formais ou materiais. Ademais, “a Constituição de 1988, no art. 48, inciso VIII, eliminou a distinção e hoje todos os tipos de anistia estão compreendidos nessa clássica palavra grega, sem qualquer adjetivação em nosso texto constitucional” (fl. 65); b) a concessão de anistia a pessoas determinadas e inclusive nominadas no decreto de perdão é comum na legislação de todos os países, inclusive no Brasil. Logo, nada obsta a que a lei de anistia se volte para certos fatos e pessoas determinadas que os praticaram; c) impossibilidade de revisão do ato legislativo da anistia pelo Poder Judiciário, porquanto este Poder não pode se ater ao exame de mérito da lei impugnada, o que constitui conseqüência lógica da própria sistemática do princípio da separação dos Poderes. Por sua vez, o Senhor Presidente da República, às fls. 192-202, sustenta, em síntese, o seguinte: a) constitucionalidade do ato de anistia ora impugnado, uma vez que legitimado pelo processo de votação; b) competência do Poder Legislativo para conceder anistia, mediante lei, ex vi do art. 48, VIII, da Constituição Federal. O então Advogado-Geral da União, Dr. Geraldo Magela da Cruz Quintão, apresentando defesa do texto impugnado, requereu a improcedência do pedido (fls. 207210). Às fls. 218-219, o eminente Ministro Marco Aurélio, então Relator, determinou o cumprimento de providências ali elencadas, destacando-se a formação, em autos apartados e em segredo de justiça, do agravo regimental interposto da decisão que determinou que fossem riscadas, nos termos do art. 15 do CPC, as expressões tomadas como 416 R.T.J. — 197 injuriosas, contidas nas informações do Congresso Nacional, sendo certo que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 28-3-96 (fl. 226), negou provimento ao citado agravo regimental. O então Procurador-Geral da República, Prof. Geraldo Brindeiro, opinou pelo não-conhecimento da ação e, se conhecida, pela improcedência do pedido (fls. 228234). Autos conclusos em 21-6-2001. É o relatório, do qual serão expedidas cópias aos Exmos. Srs. Ministros. VOTO O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Examino as preliminares argüidas. a) Ilegitimidade ativa da OAB. Assim se pronunciou, no ponto, o eminente Procurador-Geral da República, Prof. Geraldo Brindeiro: “(...) A necessidade de haver pertinência temática entre o objeto da norma questionada e as finalidades do ente legitimado a propor a ação direta de inconstitucionalidade tem sido reiteradamente afirmada pela jurisprudência do colendo Supremo Tribunal Federal com relação a confederações sindicais ou a entidades de classe de âmbito nacional (Informativos 121, 136, 101, 40) e também é exigida com relação a Governador de Estado (ADI QO n. 1526, DJ de 21/2/97). Entretanto, incorreta se afigura a assertiva de que somente o ProcuradorGeral da República possui legitimidade ativa universal para propor a ação direta de inconstitucionalidade, pois a tem os Partidos Políticos com representação em qualquer das casas do Congresso Nacional (ADI n. 2069, Informativo 186), e tampouco se pode negá-la ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, vez que a advocacia é uma função essencial à justiça (art. 133 da Constituição Federal), constituindo objetivos da Ordem dos Advogados do Brasil ‘defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.’(art. 44, I, da Lei n. 8906/94). (...).” (Fl. 231) Correto o parecer. A Ordem dos Advogados do Brasil, pelo seu Conselho Federal, tem legitimidade ativa, no caso, por isso que, entre o objeto da norma questionada e as finalidades desta há pertinência temática. É que, além de a advocacia constituir-se em função indispensável à administração da Justiça (CF, art. 133), compete à OAB “defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas” (Lei n. 8.906/94, art. 44, I). R.T.J. — 197 417 Rejeito a preliminar. b) Impossibilidade jurídica do pedido. Sustenta-se que a norma objeto da ação é de efeitos concretos já exauridos, não sendo, pois, suscetível de controle concentrado de constitucionalidade. Assim o parecer da Procuradoria-Geral da República, no ponto: “(...) Por outro lado, assiste razão ao Congresso Nacional quando defende o descabimento da presente ação, pois, de fato, o ato normativo atacado não possui a característica de abstração e generalidade que o tornaria passível de ser examinado em sede de jurisdição constitucional. Com efeito, a anistia, conceituada na lição de Ruy Barbosa1 como ‘um ato político pelo qual se faz esquecer o delito cometido contra a ordem, o atentado contra as leis e as instituições nacionais’, não detém a generalidade própria de norma legal, pois destina-se unicamente a perdoar determinados delitos praticados por um grupo certo de pessoas. Seu alcance é, assim, restrito a destinatários determinados, o que a qualifica como ‘norma individual plúrima’2 insuscetível de ser objeto de controle concentrado de constitucionalidade. Ressalte-se haver vasta jurisprudência desse colendo Supremo Tribunal Federal no sentido de afastar do controle direto de constitucionalidade aqueles atos que, embora revestidos com forma de lei, possuam efeitos concretos, fazendose oportuna a transcrição do artigo publicado no informativo 174 que bem ilustra esse entendimento: ‘Não se conhece de ação direta de inconstitucionalidade contra atos normativos de efeitos concretos, ainda que estes sejam editados com força legislativa formal (...) Precedentes citados: ADI (AgRg) n. 203-DF (DJU de 20-4-90); ADI n. 1716-DF (DJU de 27-3-98).’ (ADI n. 2057, Rel. Maurício Corrêa, 9.12.99, DJ de 31/3/2000) (...).” (Fls. 231-232) Não tenho como acertado o parecer, no ponto. A Lei 8.985, de 7-2-95, objeto da causa, concede, na forma do art. 48, VIII, da Constituição Federal, anistia aos candidatos às eleições de 1994, processados ou condenados com fundamento na legislação eleitoral em vigor, nos casos que especifica. Tem este teor a citada Lei 8.985, de 7-2-95: “Art. 1º É concedida anistia especial aos candidatos às eleições gerais de 1994, processados ou condenados ou com registro cassado e conseqüente declaração de inelegibilidade ou cassação do diploma, pela prática de ilícitos 1 Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: 1933, v. II, p. 402. 2 ADI n. 1.716, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, Pleno, DJ de 27-3-98. 418 R.T.J. — 197 eleitorais previstos na legislação em vigor, que tenham relação com a utilização dos serviços gráficos do Senado Federal, na conformidade de regulamentação interna, arquivando-se os respectivos processos e restabelecendo-se os direitos por eles alcançados. Parágrafo único. Nenhuma outra condenação pela Justiça Eleitoral ou quaisquer outros atos de candidatos considerados infratores da legislação em vigor serão abrangidos por esta lei. Art. 2º Somente poderão beneficiar-se do preceituado no caput do artigo precedente os membros do Congresso Nacional que efetuarem o ressarcimento dos serviços individualmente prestados, na conformidade de tabela de preços para reposição de custos aprovada pela Mesa do Senado Federal, excluídas quaisquer cotas de gratuidade ou descontos. Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, aplicando-se a quaisquer processos decorrentes dos fatos e hipóteses previstos no art. 1º desta lei. Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.” Tem-se, no caso, norma geral e não norma individual. É concedida anistia aos candidatos às eleições gerais de 1994, processados ou condenados ou com registro cassado e conseqüente declaração de inelegibilidade ou cassação do diploma, pela prática de ilícitos eleitorais previstos na legislação em vigor, que tenham relação com a utilização da gráfica do Senado, na conformidade da legislação interna. Na lição de Kelsen, sempre atual, a norma pode ter caráter individual ou geral. Ela tem caráter individual, “se uma conduta única é individualmente obrigada”. E tem caráter geral, “se uma certa conduta universalmente é posta como devida”. Acrescenta Kelsen, lição do agrado do Ministro Sepúlveda Pertence, que “o caráter individual ou geral de uma norma não depende de se a norma é dirigida a um ser humano individualmente determinado ou a várias pessoas individualmente certas ou a uma categoria de homens, ou seja, a uma maioria não individualmente, mas apenas de certas de modo geral”. E conclui: “Também pode ter caráter geral uma norma que fixa como devida a conduta de uma pessoa individualmente designada, não apenas uma conduta única, individualmente determinada, é posta como devida, mas uma conduta dessa pessoa estabelecida em geral. Assim quando, por exemplo, por uma norma moral válida — ordem dirigida a seus filhos — um pai autorizado ordena a seu filho Paul ir à Igreja todos os domingos ou não mentir.” Tem-se, aí, norma geral. Todavia, se se tem “um mandamento a uma maioria de sujeitos individualmente determinados e apenas é imposta uma certa conduta individualmente — como, porventura, no fato de um pai que ordenou a seus filhos Paul, Jugo e Friedrich felicitarem seu professor Mayer pelo 50º aniversário — então há tantas normas individuais quantos destinatários de norma”. (H. Kelsen, Teoria Geral das Normas, tradução de José Florentino Duarte, Sérgio Fabris Editor, Porto Alegre, RS, 1986, pp. 10-11). R.T.J. — 197 419 Ora, a norma, no caso, concede anistia aos candidatos às eleições gerais de 1994, indistintamente. E mesmo que assim não fosse, é dizer, se dirigisse a norma a apenas um indivíduo, também aí ela teria caráter geral. É que é da natureza da anistia beneficiar alguém ou um grupo de pessoas, “mesmo porque”, bem disse, nas informações, o ilustre Procurador Miguel Pró de Oliveira Furtado, “não se haverá de dizer (...) que o ato foi praticado no interesse exclusivo dos beneficiados. Que o foi também no interesse deles é fora de qualquer dúvida, mesmo porque só academicamente existe anistia sem interesse do beneficiado” (fl. 194). Também esta preliminar é de ser rejeitada. Vamos ao mérito. A anistia, segundo Rui Barbosa, “é um ato político, pelo qual se faz esquecer o delito cometido contra a ordem, o atentado contra as leis e as instituições nacionais” (Rui Barbosa, Comentários à Constituição Federal Brasileira, II/402). Pinto Ferreira cita lição de W. Y. Elliot, que escreve: “A anistia, um conceito do direito público, vem do grego amnistia, o que significa esquecimento e implica ato do soberano legal, concedendo pela graça uma extinção voluntária da memória de certos crimes cometidos contra o Estado” (Pinto Ferreira, Comentários à Constituição Brasileira, Saraiva, 1990, 2º volume, p. 518). A anistia, de regra, é para os crimes políticos, as infrações políticas, já que para os crimes comuns há o indulto e a graça — ambos estes institutos distintos da anistia — esta a graça, referida na Constituição, como “comutar penas”, ambos da competência do Presidente da República (CF, art. 84, XII). Já a anistia somente pode ser concedida mediante lei (CF, art. 48, VIII, c.c. art. 21, XVII). Segundo João Barbalho, a anistia pode ser “plena, para todos os efeitos; geral, para todas as pessoas; limitada, com exclusão de algumas; restrita, quanto a seus efeitos, sendo dela excluídos certos crimes, e quanto a determinados lugares; absoluta, se é dada sem condições; condicional, se fica dependente de se verificarem cláusulas estabelecidas no ato da concessão” (João Barbalho, Constituição Federal Brasileira de 1891, ed. fac-similar, Senado Federal, 1992, p. 132). A anistia consubstancia ato político, tem natureza política. Nesse sentido a lição de Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967, Ed. RT, 1970, Tomo II, p. 46). Pinto Ferreira esclarece que “geralmente a anistia é concedida aos crimes políticos; assim foi a sua origem no mundo antigo. Muitos textos repudiaram a concessão da anistia aos crimes comuns. Entretanto, hoje em dia, ela é estendida inclusive, em alguns casos, a estes crimes. Assim pensam Manzini em seu ‘Tratado’, Nelson Hungria em estudo publicado na ‘RF' (87:583), Aloysio Carvalho Filho nos ‘Comentários ao Código Penal' (p. 118, n. 44) e Georges Vidal no Curso de direito criminal e de ciência penitenciária'. Este adverte que, malgrado a opinião dominante, ela tem sido aplicada também nos crimes comuns” (Pinto Ferreira, ob. cit., p. 532). É dizer, a anistia, num primeiro estágio, tinha por finalidade perdoar delitos de natureza política. O conceito, entretanto, evoluiu com o tempo, para abranger, também, delitos comuns, em casos especiais, e atos punitivos de modo geral. Na Rep 696/SP, Relator para o acórdão o Ministro Aliomar Baleeiro, decidiu o Supremo Tribunal Federal: 420 R.T.J. — 197 “Anistia a funcionários civis e a elementos da força pública estadual. I - No Direito brasileiro, a palavra ‘anistia’ foi ampliada de sua acepção clássica e etmológica para abranger também o cancelamento de débitos fiscais e de faltas disciplinares. II - Não há cláusula na Constituição que impeça ao Legislativo estadual regular os casos de anistia de penas disciplinares impostas aos servidores públicos, embora aplicada pelo Executivo dentro da lei.” O Ministro Celso de Mello leciona, no seu excelente Constituição Federal Anotada, Saraiva, 1986, p. 68, que “A anistia constitui uma das expressões de clemência do Estado. Seus efeitos em matéria penal são radicais, incidindo retroativamente sobre o próprio fato delituoso. Conseqüentemente, não pressupõe sentença penal condenatória, que, no entanto, se houver, não impedirá a incidência da lei concessiva da anistia, apta a desconstituir a própria autoridade da coisa julgada”. É dizer, hoje, qualquer sanção, qualquer pena, aplicada com fundamento na lei, é anistiável. Com propriedade, escreve o advogado Saulo Ramos, na peça de defesa que ofereceu em nome do Congresso Nacional: “(...) 8.1. Toda a sanção aplicada com fundamento na lei pode ser objeto de anistia, desde que concedida igualmente pelo legislador que editou norma punitiva. Não há, no direito e na tradição, nenhuma reserva contra o ato de perdão legislativo, que substituiu o medieval ato do príncipe, porque, no mundo moderno, é de competência do príncipe dos príncipes, o parlamento que representa o povo — ‘Beneficium imperatoris quod a divina scilicet indulgentia proficiscitur, quam plenissime interpretari debemus'. (Joveleno, no D., Liv. I, tít. 4º). 8.2. Nas alterações constitucionais provocadas pelos militares, no recente passado brasileiro, distinguiu-se, no próprio texto, entre anistia comum e anistia especial. A comum destinava-se a perdoar infrações penais em geral, sanções administrativas, tributárias, trabalhistas, contratuais, e a especial apenas os crimes políticos. A distinção criada pela doutrina foi levada para o texto constitucional para reservar-se ao Presidente da República a iniciativa exclusiva dos projetos de lei propondo anistia de crimes políticos, a anistia especial. A proposta de anistia comum era de competência concorrente, tanto os parlamentares, como o Presidente, tinham a iniciativa do projeto respectivo. 8.3. A Constituição de 1988, no art. 48, inciso VIII, eliminou a distinção e hoje todos os tipos de anistia estão compreendidos nessa clássica palavra grega, sem qualquer adjetivação em nosso texto constitucional. (...).” (Fl. 65) Posta assim a questão, examinemos a argüição aqui posta. Opina o Ministério Público Federal: “(...) De fato, a alegação de que a lei em questão foi editada com abuso de poder não merece acolhida, vez que o Congresso Nacional detém a competência cons- R.T.J. — 197 421 titucional para conceder anistia, inclusive aos seus membros, pois a Constituição da República não impôs restrição alguma quanto aos destinatários dessa espécie de ‘graça’. Destarte, se a Constituição não restringe a possibilidade de concessão desse privilégio, descabe ao intérprete restringi-la. Ademais, merece destaque o art. 2º da lei impugnada que estabelece, com condição para ser agraciado com a anistia, ‘o ressarcimento dos serviços individualmente prestados’, revelando que o ato questionado não foi editado com a finalidade única de beneficiar congressistas, mas sim, a par de permitir que o povo possa ver seus representantes reeleitos, a de garantir o ressarcimento ao erário. Como dito, a mencionada lei não foi editada com o intuito exclusivo de beneficiar uma pessoa específica, não se constituindo, por tal razão, em ofensa ao princípio da impessoalidade que deve reger a atividade administrativa. De outra parte, frágil se revela, na hipótese, a alegação de ofensa ao princípio da moralidade administrativa, até mesmo em decorrência da aplicação do princípio constitucional da legalidade. A respeito desse princípio traz-se à colação os ensinamentos doutrinários de Diógenes Gasparini3: ‘Diz Hauriou, seus sistematizador, que o princípio da moralidade extrai-se do conjunto de regras de conduta que regulam o agir da Administração Pública; tira-se da boa e útil disciplina interna da Administração Pública. O ato e a atividade da Administração Pública devem obedecer não só a lei, mas à própria moral, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme afirmavam os romanos. Para Hely Lópes Meirelles, apoiado em Manoel Oliveira Franco Sobrinho, a moralidade administrativa está intimamente ligada ao conceito do bom administrador, aquele que, usando de sua competência, determina-se não só pelos preceitos legais vigentes, como também pela moral comum, propugnando pelo que for melhor e mais útil para o interesse público.’ Não há, pois, a alegada ofensa ao princípio da moralidade administrativa (na verdade dirigido ao administrador, não ao legislador), pois o ato normativo em tela, editado pelo Congresso Nacional no exercício de sua competência legislativa (Constituição Federal, art. 48, inciso VIII), busca, em última análise, o interesse público, vez que, apesar de anistiar os delitos eleitorais cometidos por candidatos às eleições gerais de 1994 relacionados com a utilização dos serviços gráficos do Senado Federal, impõe, como condição necessária para recebimento do benefício, o pagamento pela utilização desses serviços. (...).” (Fls. 232-234) Correto o parecer, no ponto. A uma, porque sendo a anistia um ato político, concedida mediante lei, assim da competência do Congresso Nacional com a sanção do Presidente da República, corre 3 Direito Administrativo. 4. ed. Editora Saraiva, 1995, p. 7. 422 R.T.J. — 197 por conta dos Poderes Legislativo e Executivo a avaliação dos critérios de conveniência e oportunidade do ato, sem dispensa, entretanto, do controle judicial, porque pode ocorrer, por exemplo, desvio do poder de legislar ou afronta ao princípio da razoabilidade, assim com afronta ao devido processo legal substancial (CF, art. 5º, LIV). A duas, porque, se não se pode negar ao Judiciário o exame da constitucionalidade da lei de anistia, não se pode afirmar, no caso, que a lei objeto da causa seria afrontosa aos princípios da moralidade e da impessoalidade. É que não está o Congresso impedido, pela Constituição, de conceder anistia aos seus membros. Não há falar, portanto, em violação do princípio da moralidade administrativa, não obstante reconhecermos que o ato legislativo objeto da causa merece reprovação sob o ponto de vista da ética geral. Mas o princípio da moralidade administrativa tem seus contornos próprios, convindo esclarecer que a anistia, no caso, ficou condicionada ao “ressarcimento dos serviços individualmente prestados, na conformidade de tabela de preços para reposição de custos aprovada pela Mesa do Senado Federal, excluídas quaisquer cotas de gratuidade ou descontos” (art. 2º). Também não há falar em ofensa ao princípio da impessoalidade, por isso que a anistia não visou beneficiar um ou dois candidatos, mas “aos candidatos às eleições gerais de 1994, processados ou condenados ou com registro cassado (...) pela prática de ilícitos eleitorais (...)”, tendo o projeto de lei sido submetido ao processo legislativo constitucional e regimental. A três, também não há falar em desvio de poder de legislar. Conforme vimos, linhas atrás, a anistia abrange qualquer sanção imposta por lei. Sua natureza é política. Daí, conforme já foi dito, ser da competência do Legislativo e do Executivo a avaliação da conveniência e oportunidade do ato, sem dispensa, entretanto, do controle judicial. Aos demais fundamentos da ação — afronta ao art. 1º, in fine, da Constituição Federal e alegação de inconstitucionalidade da denominada “anistia especial” — reporto-me, para rejeitá-los, ao que disse linhas atrás. Do exposto, julgo improcedente a ação e declaro a constitucionalidade da Lei 8.985, de 7-2-1995. É o voto. VOTO O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, peço vênia para declarar a extinção do processo, sem julgamento de mérito. Trata-se de norma de caráter concreto e individual. Concreto, porque, na verdade, se refere a uma situação histórica determinada e absolutamente irrepetível, isto é, não há outro caso que possa ser de candidatos daquela data; é situação que se exauriu na história, não pode ser repetida, não é, enfim, nenhum tipo ao qual possa outra ação histórica vir a corresponder: é a situação daquele ano, naquela data. E de caráter individual, porque se refere especificamente a um grupo determinado de pessoas, e, portanto, nenhuma outra pessoa é capaz de se inserir na órbita de incidência dessa norma. É regra tipicamente concreta e de caráter individual, que não é susceptível de ser objeto de ação declaratória de inconstitucionalidade. Não conheço do pedido. R.T.J. — 197 423 O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, acompanho, quanto às preliminares, o voto do Relator. Faço-o, reconhecendo à Ordem dos Advogados do Brasil um papel histórico, a dispensar, na defesa da sociedade, a pertinência temática quanto à eficácia de lei. É certo que o móvel poderá ter sido uma situação individualizada, impactante — à época, fui Relator do caso no Tribunal Superior Eleitoral. Veio o diploma ordinário — no bom sentido — a dispor de maneira abstrata, aludindo, no artigo 1º, àqueles que foram processados, condenados e tiveram registro cassado, e, no artigo 2º, referindo-se — de forma que reconheço com absoluta fidelidade quanto aos fatos — aos membros do Congresso Nacional, compelindo-os, no entanto, a efetuar o ressarcimento aos cofres públicos. Por isso, penso que o diploma desafia o controle concentrado de constitucionalidade. Não vislumbro o nome deste ou daquele parlamentar. Quanto ao tema de fundo, peço vênia ao Relator para divergir. Presente a Constituição Federal, não empolga, pelo menos a mim, o enquadramento do conteúdo da norma como político. Há de se fazer, de qualquer modo, o cotejo com os princípios explícitos e implícitos da Carta da República. Cumpre levar em conta que a lei em jogo se antecipou até mesmo a uma lei complementar que criou, no âmbito da Justiça Eleitoral, a ação rescisória, fazendo-o de forma muito limitada, considerados os pronunciamentos judiciais acerca da inelegibilidade, e jungindo a propositura ao prazo de decadência de cento e vinte dias. Aqui tivemos uma rescisória abrangente, que ganhou contornos de algo contrário aos princípios inseridos na Carta da República, não só quanto à autoridade e segurança jurídica dos pronunciamentos judiciais, como também no tocante à sinalização, sob o ângulo da busca de preservação de princípios, para eleições futuras. Não consigo perceber que, praticamente — não estou generalizando os beneficiários da norma — em causa própria, possa se partir, como se partiu, para uma anistia, desautorizando-se — e, aí, colocando em plano secundário a primazia do Judiciário — o Judiciário Eleitoral. A anistia versou sobre a existência de títulos eleitorais, no sentido da jurisdicionalização, já devidamente formalizados. Por isso, peço vênia para julgar procedente o pedido. O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Essa questão não é inevitável? É índole da anistia fatos criminosos que, eventualmente, ainda não foram judicializados ou até aqueles que já foram judicializados. Não consigo captar esta idéia de afronta à coisa julgada ou à independência dos Poderes, pois é da índole do próprio processo da anistia a superação. Na verdade, aqui, até a idéia dos Poderes implícitos teria de ser chamada à colação. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Insisto na preliminar suscitada pelo eminente Ministro Cezar Peluso. Fui até chamado à colação, porque já, várias vezes, me referi a esta passagem de Kelsen, cujos exemplos são expressivos. Diz ele: é norma individual a norma paterna — a norma baixada pelo pai — que disponha: todos os meus filhos terão de ir à missa no próximo domingo; ao contrário, é norma geral aquela dirigida a 424 R.T.J. — 197 um filho, destinatário único, estabelecendo que, todos os domingos, ele deve visitar o seu padrinho, porque regula atos repetíveis e indeterminados, embora de uma única pessoa. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Que talvez não esteja mais entre nós. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Aí teríamos uma lei de eficácia exaurida. Agora, parece-me ser um caso típico de lei de efeitos concretos, porque não atinge mais ninguém, nunca mais, senão n — seja um, sejam vários — candidatos às eleições de 1994 que estivessem processados ou condenados pela Justiça Eleitoral em razão da utilização indevida da gráfica do Senado. O Sr. Ministro Cezar Peluso: Permita-me, Excelência. A lei quis ser tão individual que, no parágrafo único, dispõe que nenhuma outra condenação ou quaisquer outros atos de candidatos serão por ela regidos. São apenas os indicados e individualizados. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não há isonomia ou analogia; não há nada. É para determinados — ou determinado — cidadãos; e exclui a ilicitude de um ato único, irrepetível. VOTO O Sr. Ministro Gilmar Mendes: A presente ação direta de inconstitucionalidade está amparada, basicamente, em quatro fundamentos. Nenhum deles, Senhor Presidente, me impressiona. O primeiro deles diz respeito à ofensa ao princípio da separação dos Poderes (art. 2º da CF). Alega o requerente que a anistia teria sido concedida como “resposta, retaliação ou represália de um dos Poderes da República contra decisão incontrastável de outro desses poderes”. Ora, a anistia, na medida em que, necessariamente, interfere em decisões tomadas pela Administração ou pelo Judiciário, é, logicamente, uma relativização do princípio da separação dos Poderes. Essa relativização é levada a efeito pela própria Constituição, ao prever, em seu art. 48, VIII, a competência do Congresso Nacional para conceder anistia. Entender de outra forma nos levaria a também considerar o controle de constitucionalidade das leis, realizado por este Tribunal, como uma afronta à harmonia entre os Poderes da República. Aliás, quero lembrar que essa competência extraordinária do Congresso Nacional para conceder anistia foi inaugurada pela Constituição de 1891 (art. 34), a nossa primeira Constituição republicana, cuja inspiração maior adveio justamente do princípio da divisão e harmonia entre os Poderes. Nesse sentido, também não vejo ofensa ao princípio republicano, consubstanciado nos princípios da isonomia e da impessoalidade, como quer fazer crer o requerente em seu segundo argumento. A anistia, como perdão concedido excepcionalmente a determinados atos, praticados por pessoas específicas, produz, por sua própria natureza, efeitos concretos e limitados no tempo. Também parece um tanto óbvio que o Congresso Nacional possa conceder anistia a seus próprios membros. Entender o contrário seria negar qualquer eficácia ao art. 48, inciso VIII, da Constituição. Outro não foi o entendimento desta Corte no julgamento R.T.J. — 197 425 da ADI n. 2.306 (Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 31-10-2002), no qual foi reafirmada a competência do Congresso Nacional para conceder anistia, inclusive a seus membros. De toda forma, creio que o ponto que merece uma reflexão pormenorizada do Tribunal diz respeito à alegada violação ao princípio da moralidade. O requerente sustenta que “o ato normativo agride o senso comum de moralidade (...)”. Quero enfatizar que as “reações de repúdio por parte do senso comum, da moralidade pública e da consciência jurídica” não podem servir, isoladamente, de parâmetro de controle em abstrato da constitucionalidade dos atos normativos emanados do legislador democrático. Alio-me, neste ponto, ao entendimento de Sepúlveda Pertence, já declarado em outras ocasiões neste Tribunal, de que a moralidade pura e simples não pode ser condição determinante da inconstitucionalidade de uma lei. Certamente, o Tribunal não pode se ater unicamente à fluidez do conceito de moralidade para anular atos do Poder Legislativo. Evidente, por outro lado, que o tema pode ser devidamente densificado, tendo em vista outros parâmetros, como o princípio da proporcionalidade, o princípio da nãoarbitrariedade da lei e o próprio princípio da isonomia. O princípio da moralidade, portanto, para funcionar como parâmetro de controle em abstrato de constitucionalidade, deve vir aliado a outros princípios fundamentais, dentre os quais assumem relevância aqueles que funcionam como diretriz para a atuação da Administração Pública. No tocante ao tema da anistia, lembro as lições de João Barbalho, em comentários ao art. 34, 27, da Constituição de 1891: “Decretando anistia, o Congresso Nacional exerce atribuição sua privativa, de caráter eminentemente político, e nenhum dos outros ramos do poder público tem autoridade para entrar na apreciação da justiça ou conveniência e motivos da lei promulgada consagrando tal medida, que é um ato solene de clemência autorizada por motivos de ordem superior.” (Cavalcanti, João Barbalho Uchoa. Constituição Federal Brasileira (1891). Brasília: Senado Federal; 2002, p. 133). Deixe-se claro, todavia, que não quero com isso defender uma rígida separação entre Direito e Moral, própria de um positivismo formalista. Desde seu primeiro incurso na doutrina administrativista de Maurice Hauriou (Précis de Droit Administratif et de Droit Public. Paris: Sociétè Anonyme du Recueil Sirey; 1927), o princípio da moralidade traduz a idéia de que sob o ato jurídico-administrativo deve existir um substrato moral, que se torna essência de sua legitimidade e, em certa medida, condição de sua validade. Intento apenas alertar o Tribunal para o problema da declaração de nulidade de uma norma sob o único argumento de que é imoral ou, melhor dizendo, de que afronta uma indefinida moral pública. Entendo que, neste caso, estaríamos a penetrar indevidamente no juízo político e ético do legislador e, conseqüentemente, a estabelecer uma indesejável vinculação do Direito à Moral, que seria muito cara à própria democracia, cuja essência está no pluralismo de valores éticos; pluralismo este declarado como “valor supremo” no preâmbulo da Carta de 1988. Com essas breves considerações, voto pela improcedência da ação. 426 R.T.J. — 197 VOTO (Aditamento) O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Como instrumento de política judiciária — já tivemos oportunidade de discutir isso aqui — entendo, também, essa ressalva à qual, de vez em quando, adiro. Tenho a impressão de que, diante da importância da questão, não do caso, mas da controvérsia — até tenho sugerido a superação desta reserva do ato concreto, pelo menos quando se refira à lei —, o texto constitucional é claro quando recomenda o cabimento da ADI. Por isso tenho sustentado a conveniência de, nesses casos, superarmos a jurisprudência do ato concreto, pelo menos no referente à lei. Aqui também temos — e basta a perplexidade que perpassa o Plenário — a dificuldade da definição. Nós mesmos, a toda hora, defrontamo-nos com o exemplo. Claro que, para isso, temos explicações das leis que criam municípios, mas que, na verdade, revelam um propósito amplo de institucionalização, que nós tradicionalmente aceitamos e para o qual nunca levantamos o caráter de efeito concreto. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Uma série de efeitos, a partir da criação de um ordenamento jurídico, o do novo município. O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sim, cria um ordenamento jurídico, se quisermos. Eu ponderaria que arrostássemos o mérito, tendo em vista exatamente essas considerações. Vejo que se agitam aí considerações. Vi, por exemplo, com alguma preocupação, a colocação suscitada da bancada pelo Ministro Sepúlveda Pertence, nesses dias, quanto à invocação da moralidade como princípio básico para eventual parâmetro de controle. Eu também, de acordo com Sua Excelência, tenho dificuldade de simplesmente começar a declarar a inconstitucionalidade de lei em face do princípio da moralidade, porque podemos chegar a situações de alta subjetividade e, talvez, a resultados fortemente abstrusos. Por isso, parece-me recomendável julgar-se a questão. Nesse sentido, tenho um curto voto escrito, no qual rejeito — e o estou juntando — todas essas considerações constantes da impugnação, porque me parece que qualquer lei de anistia vai ter essa repercussão na relação de dependência ou interdependência dos Poderes, com todos os seus reflexos. Eventualmente, terá de arrostar a questão da coisa julgada; portanto, não penso que estejamos a falar nenhuma novidade. Parece-me tratar de um típico ato político, quer dizer, podemos sempre discordar, mas, daí a discutir sob este aspecto é algo um tanto quanto hiperbólico, um tanto quanto exagerado. Senhor Presidente, com essas considerações, acompanho o voto do Ministro Relator. VOTO O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, entendo que os dois artigos centrais da lei impugnada na ADI estão funcionalmente imbricados; são interdependentes. O art. 1º, que consubstancia a própria concessão da anistia, ficou condicionado ao preenchimento de requisitos do art. 2º. Este, condicionador da eficácia daquele, tem por destinatários humanos — por endereçados ou por âmbito pessoal de incidência — pessoas que, a priori, não se pode determinar, porque não se pode dizer quem preencherá essas condições, mas não é só. R.T.J. — 197 427 O Sr. Ministro Cezar Peluso: Essas condições já estão preenchidas. O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas não é só. O Sr. Ministro Cezar Peluso: É só uma questão de se verificar, saber quem era candidato naquela data. Não há nada mais a perquirir. O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Permitam-me, Excelências, saliento o que disse o Ministro Gilmar Mendes: é da maior importância a Corte Constitucional apreciar uma lei de anistia, certo que qualquer lei de anistia incorrerá nisso que o Ministro Cezar Peluso aponta. Ora, algo da maior importância na ordem jurídico-constitucional, a Corte Constitucional, a pretexto de se ter caráter individual, não examinaria? O Sr. Ministro Carlos Britto: Perfeito. Quero completar. Há um outro destinatário, um outro endereçado normativo do art. 2º: uma instituição pública; o Senado Federal, que vai editar uma tabela de custos. A coisa não é tão simples assim. Contento-me, para conferir o caráter de generalidade à lei — para não dizer de impessoalidade, de abstratividade —, com a renovabilidade da hipótese de incidência, não apenas com a perenidade. Veja o caso da Lei Orçamentária, que é editada para vigorar em um ano. Temos dito aqui que ela desafia, sim, conhecimento por meio da ADI. Por quê? Porque, no período de um ano, os pressupostos de incidência da Lei Orçamentária serão renovados, plurimamente renovados. Essa renovabilidade da hipótese de incidência da norma me basta, não apenas a perenidade do descritor da norma. O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas aqui isso é absolutamente impossível, Excelência. Quem foi candidato em 1994, foi candidato em 1994, e tal situação não se repete em relação a candidatos de outros anos. A norma respeita apenas a quem foi candidato em 1994 e, assim mesmo, processado e condenado! O Sr. Ministro Carlos Britto: Sim, mas condicionadamente ao preenchimento de condições que estão no art. 2º. Então, pelo imbricamento dos dois relatos normativos — o art. 1º e o art. 2º —, peço vênia à divergência iniciada pelo Ministro Cezar Peluso, para acompanhar o voto do Ministro Relator. VOTO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Peço vênia para acompanhar o Ministro Marco Aurélio. Reporto-me à fundamentação do meu voto no caso das multas eleitorais (ADI 2.306). EXTRATO DA ATA ADI 1.231/DF — Relator: Ministro Carlos Velloso. Requerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (Advogados: Jose Roberto Batochio e Marcelo Mello Martins). Requeridos: Presidente da República e Congresso Nacional (Advogados: Jose Saulo Pereira Ramos e Luiz Carlos Bettiol). 428 R.T.J. — 197 Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu da ação, vencidos os Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Sepúlveda Pertence, e, no mérito, julgou-a improcedente, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Carlos Britto e Sepúlveda Pertence. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Eros Grau. Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza. Brasília, 15 de dezembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário. RECLAMAÇÃO 2.123 — MA Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence Reclamante: Damião Benicio dos Santos — Reclamado: Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão Reclamação: procedência, em parte: descumprimento da decisão do HC 71.551 (1ª T, 6-12-94, Celso de Mello, DJ de 6-12-96), cujos efeitos só cessaram com a extinção do mandato do ex-Prefeito, co-réu, que prejudicou a questão pendente sobre a competência originária do Tribunal de Justiça (Rcl 636-QO, Pertence, RTJ 181/829): nulidade dos atos decisórios praticados no interregno dos diversos processos envolvidos. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, julgar procedente, em parte, a reclamação, nos termos do voto do Relator. Brasília, 23 de agosto de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Julgam-se, nesta assentada, as Reclamações 2.190 e 2.123 (em apenso). I Na primeira delas (Rcl 2.190), colhe-se a descrição dos fatos pelo il. patrono do reclamante: R.T.J. — 197 429 “Em 18 de outubro de 1993, perante o juízo reclamado, foi oferecida denúncia contra o reclamante e outros, autuada sob o n. 150/93 (Documento n. 1). Houve desmembramento do feito, dando origem à autuação sob o n. 155/93 [onde o reclamante está sendo processado]. Tendo o MP, posteriormente, oferecido denúncia também contra Salvador Rodrigues de Almeida e outros, foi ela autuada sob o n. 193/94 (Documento n. 2). Como Salvador Rodrigues de Almeida era Prefeito Municipal de Imperatriz, o Juiz que presidia o feito proferiu despacho, em 13 de abril de 1994, nos autos do processo 193/94 (fls. 135/9), declinando da competência e determinando a remessa dos autos dos três processos (150/93, 155/93 e 193/94), ao Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão (Documento n. 3). (...) A requerimento do Procurador Geral de Justiça do Estado (Documento n. 5), que ratificou a denúncia contra o então Prefeito Municipal, Salvador Rodrigues de Almeida, o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão decidiu, em 04 de maio de 1994, na Ação Penal n. 00089/94, ali instaurada, no sentido da sua competência para julgar apenas o réu Salvador Rodrigues de Almeida, mandando que os demais fossem julgados pelo Tribunal do Júri da Comarca (Documento n. 6). Julgando o Habeas Corpus n. 71.551, em 6 de dezembro de 1994, esse Supremo Tribunal Federal anulou aquela decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, restando assim ementado o v. Acórdão: ‘Habeas corpus — Direito de defesa — Sustentação oral — Desrespeito — Julgamento realizado sem prévia publicação da pauta respectiva — Acórdão desprovido de fundamentação — Nulidade — Necessidade de realização de novo julgamento — Concessão de liberdade aos pacientes — Pedido deferido. É nulo o julgamento de causa penal, em Segunda instância, sem prévia intimação, ou publicação da pauta, salvo em habeas corpus (Súmula 431/ STF). A realização dos julgamentos pelo Poder Judiciário, além da exigência constitucional de sua publicidade (CF, art. 93, IX), supõe, para efeito de sua válida efetivação, a observância do postulado que assegura ao réu a garantia da ampla defesa. A sustentação oral constitui ato essencial à defesa. A injusta frustração dessa prerrogativa qualifica-se como ato hostil ao ordenamento constitucional. O desrespeito estatal ao direito do réu à sustentação oral atua como causa geradora da própria invalidação formal dos julgamentos realizados pelos Tribunais. Precedentes.’ (Rel. Min. Celso de Mello) (Documento n. 7). Na conclusão do voto do Eminente Relator, ficou assim decidido: ‘(...) defiro o pedido de habeas corpus, para o efeito de anular o julgamento ora impugnado, realizado na sessão de 4-5-94 (Ação Penal n. 430 R.T.J. — 197 00089/94 - Imperatriz - fls. 46), a fim de que outro venha a ser proferido pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, publicando-se, previamente, a pauta respectiva e dela sendo intimadas as partes, assegurando-se a todos os sujeitos parciais da relação processual, inclusive aos ora pacientes, nos termos do Regimento Interno daquela Corte Judiciária (art. 281), o direito à sustentação oral, expedindo-se, em favor dos que se acham privados de sua liberdade individual, alvará de soltura, se por al não estiverem presos. Como conseqüência desta decisão, ficam invalidados todos os atos processuais, que, subseqüentes ao julgamento ora impugnado, tenham sido praticados em primeira ou em segunda instâncias’ (Documento n. 7 pág. 427).” Não cumprida essa decisão, foi ajuizada a Reclamação 636, julgada prejudicada por esta Primeira Turma, nos termos do voto que proferi, verbis (fls. 68/69): “É induvidoso que se deixou de dar cumprimento — imediato, como se impunha — à decisão do HC 71.551, do Supremo Tribunal. Há, no entanto, fato superveniente que tornaria ociosa, hoje, a procedência da reclamação. Com efeito. O julgamento de 4-5-94 que — por afronta à defesa dos interessados — o acórdão do HC 71.551 declarou nulo e cuja renovação determinou, teve por objeto a questão de saber se, incluído entre os denunciados, mediante aditamento, o então Prefeito do Município de Imperatriz, que sucedera à vítima, morta no exercício do mandato em 6-10-93, a competência originária do Tribunal de Justiça para julgá-lo, por força do art. 29, VIII, da Constituição, seria de estender-se aos co-réus, entre os quais, o reclamante. Decidiu, então, o Tribunal de Justiça que não (aliás, o que não está em causa, na conformidade da orientação do Supremo Tribunal, invocada pelo Ministério Público — HC 69.325, 17-6-92, M. Aurélio, RTJ 143/925). De qualquer sorte, a questão decidida tinha por pressuposto a atualidade da competência do Tribunal de Justiça, para julgar o então Prefeito, por fato anterior à assunção do mandato. É competência, no entanto, que cessa com a investidura, posterior ao fato criminoso, que a tenha determinado (...) Por isso mesmo, extinto — é de supor que em 1º de janeiro de 1997 — o mandato do Prefeito denunciado, os autos foram devolvidos ao Juízo de primeiro grau, como informa o seu titular (fl. 115). Esse fato extintivo da competência originária do Tribunal de Justiça para a ação penal contra um dos co-réus, o único que a determinava, por prerrogativa de função, que é superveniente ao julgamento do HC 71.551, ocorrido em 6-12-94, faz sem objeto a indagação sobre se, ao tempo, aquela competência atraía ou não as ações penais contra os co-réus. R.T.J. — 197 431 Logo, não faz sentido devolver a questão a uma nova decisão do Tribunal local. Esse o quadro, julgo prejudicada a reclamação, a fim de que prossigam os diversos processos relativos ao mesmo homicídio, incluído aquele a que responde o reclamante: é o meu voto.” Comunicada a decisão, o Juiz de primeiro grau assim decidiu (Ação Penal 155 — fl. 72): “Considerando a decisão do STF acerca da Reclamação n. 636-1 Maranhão, de 4.12.01, julgando-a prejudicada, com a extinção do mandato do Prefeito Salvador Rodrigues de Almeida, para restabelecer a competência do Tribunal do Júri desta Comarca para julgamento (fls. 2.912 a 2.922) e já tendo transitado em julgado a sentença de pronúncia, dê-se vista ao Ministério Público para libelo acusatório no prazo legal”. Oferecido o libelo, em 18-7-02 (fls. 73/74), o Reclamante peticionou àquele Juízo, para que, em cumprimento à decisão do HC 71.551, fossem repetidos todos os atos posteriores a 4 de maio de 1994 (fls. 75/89), sob o fundamento de que, desde então, até o julgamento da Rcl 636, em 4-12-01, aquele Juízo era incompetente. Decidiu o Juiz de primeiro grau no sentido de que, julgada prejudicada a Rcl 636, “a decisão do Habeas Corpus 71.551-6 deixou de existir e de produzir os efeitos de nulidade do julgamento do TJ/MA e dos atos posteriores”, não havendo, pois, nulidade a ser reconhecida (fls. 90/96). Donde a primeira das reclamações, na qual se impugna esta decisão e a que dera vista ao Ministério Público para o libelo, nestes termos: “O Acórdão prolatado no HC 71.551 contém três decisões. A primeira: anulou a decisão do Tribunal de Justiça e mandou fosse outra proferida; por dois fundamentos, a saber, falta de fundamentação e ausência de intimação das partes. A segunda: em conseqüência da primeira, foi concedida liberdade aos pacientes. A terceira, também por conseqüência da primeira: anular todos os atos praticados, em primeira e em segunda instâncias, em todos os processos, que tiverem sido praticados posteriormente à decisão do TJMA, de 04.05.94. Logo, tudo quanto se praticou a partir daquela data, não tem qualquer valor. O Acórdão prolatado na Reclamação 636, ao julgá-la prejudicada, determinou, em 04 de dezembro de 2001, o prosseguimento dos processos, afirmando, só aí, a competência do Tribunal do Júri para julgar todos os acusados. Esta última decisão do STF limitou-se a considerar desnecessária (...) a realização de novo julgamento no TJMA acerca da competência, tendo em conta a superveniência da extinção do mandato de Salvador Rodrigues de Almeida, e, de conseqüência, a afirmar a competência do Tribunal de Júri. Nada mais que isso. Cingiu-se a julgar prejudicado apenas o pedido de renovação do julgamento na Corte Estadual, e afirmar a competência do Tribunal do Júri. 432 R.T.J. — 197 Tal decisão, por essa razão, não modificou, em nada, aquela decisão proferida no HC 71.551, nem no ponto em que concedeu a liberdade aos pacientes, nem tampouco na parte que declarou nulos todos os atos processuais após o dia 04 de maio de 1994. Ao julgar prejudicada a reclamação, o STF não revalidou os atos processuais declarados nulos, nem podia fazê-lo, à evidência. Senão vejamos. (...) Com o julgamento da Reclamação 636, o Supremo Tribunal Federal dispensou o TJMA de renovar o julgamento, em face de fato superveniente, e só aí (...) afirmou a competência do Tribunal do Júri para julgar todos os réus, determinando o prosseguimento de todos os processos. A conclusão, óbvia, portanto, é a de que, enquanto não tinha sido julgada a Reclamação 636, não se podia afirmar a competência do Tribunal do Júri. Enquanto o STF não decidiu a Reclamação 636, os processos não poderiam ter tido seqüência no juízo de primeiro grau, porque no HC 71.551, aquela decisão do TJMA já fora declarada nula, bem assim todos os atos subseqüentes.” Dentre os atos que defende devam ser anulados, aponta a decisão de pronún- cia. O Ministério Público Federal, em parecer do Il. Subprocurador-Geral da República Wagner Natal Batista, opinou nestes termos: “(...) Temos que ao contrário do que entende o reclamante a ordem concedida não se aplicaria a ele e nem ao processo que responde por uma razão bem simples, não foi ele parte no habeas corpus que foi impetrado pelos réus dos autos 193 e não se referia aos autos 155. Os impetrantes do HC 71.551 como se pode ler às fls. 46 foram: Damião Benício dos Santos, Ronaldo Machado Arantes, Salvador Rodrigues de Almeida, e Saulo Antônio Gomes. Entretanto, mesmo que tal não ocorresse entendemos que a decisão tomada na reclamação 636 de julgá-la prejudicada aqui também se justifica pelos mesmos argumentos o que nos leva a manifestar pelo seu indeferimento.” II Por prevenção, foi-me distribuída a Rcl 2.123 — em apenso —, na qual o co-réu Damião Benício dos Santos — paciente no HC 71.551 — requer seja anulado o processo principal a partir da decisão proferida naquele habeas corpus. Deferida a liminar, para sustar a realização do júri designado (fl. 318), oficiou o então Procurador-Geral Cláudio Fonteles, pela improcedência da reclamação (fls. 336/ 339 do apenso). É o relatório. R.T.J. — 197 433 VOTO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): I Malgrado o reclamante da Rcl 2.190 não tenha figurado como paciente no HC 71.551, a decisão nele proferida alcançou todos os co-réus das ações penais 150/96, 155/93 e 193/94. Por isso, conheço da reclamação. II No mérito, estou convencido de que as reclamações procedem em parte. Com o julgamento do HC 71.551 — em 6-12-94 —, foram invalidados não só o julgamento do Tribunal local — realizado no dia 4-5-94 — mas também todos os atos processuais subseqüentes “praticados em primeira ou em segunda instâncias” (fls. 58/59). Determinou-se, ainda, a expedição de alvará de soltura para os réus que eventualmente estivessem presos, bem como a realização de novo julgamento pelo Tribunal de Justiça. Ocorre que, mesmo com o julgamento do HC 71.551, apenas os autos em que o Prefeito era parte permaneceram no Tribunal local, continuando o curso das demais ações penais no Juízo de primeiro grau, incluindo a prática de atos decisórios. Estes atos, contudo, dependiam da solução da controvérsia relativa à competência do Tribunal de Justiça, solucionada apenas em 1º de janeiro de 1997, com a extinção do mandato do Prefeito, o que — tal como mencionado na Rcl 636 — fez sem objeto a “indagação sobre se, ao tempo, aquela competência [por prerrogativa de função do Prefeito] atraía ou não as ações penais contra os co-réus”. É o que basta para — apesar de inexistente declaração formal do restabelecimento da competência do Juízo de primeiro grau — considerar válidos os atos praticados após a extinção do mandato do Prefeito, em 1º de janeiro de 1997, tendo em vista que, a partir de então, manifesta a competência do Juízo local. Daí, contudo, não resulta a validade dos atos decisórios praticados entre 4-5-94 e 1º-1-97, nem os que decorreram deles. Certo, na parte dispositiva do voto-condutor que proferi na Rcl 636 — no que me acompanhou a Turma —, determinei o prosseguimento dos “diversos processos relativos ao mesmo homicídio, incluído aquele a que responde o reclamante”, não em razão de suspensão deles pelo HC 71.551, mas por decisão nesse sentido do Juízo de primeiro grau em 12 de abril de 1999 (fl. 92). Entre 4-5-94 e 1º-1-97, pois, impedida estava a prática de quaisquer atos processuais em relação não só ao reclamante, mas também a todos os co-réus. 434 R.T.J. — 197 III Julgo, pois, em parte procedentes as reclamações, para anular os atos decisórios praticados entre 4-5-94 e 1º-1-1997 e os que deles dependam, em relação aos reclamantes e a todos os co-réus das Ações Penais 150/93, 193/94, 155/93, que ainda não tenham sido julgados ou condenados com pena ainda não extinta, salvo quanto ao então Prefeito, Salvador Rodrigues de Almeida, em relação ao qual, no período entre 4-5-94 e 1º-1-97, nenhum ato foi praticado no Juízo local: é o meu voto. VOTO O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, estão bem discriminadas, por esse período, as diversas competências do juiz singular e do tribunal. Acompanho Vossa Excelência. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, a decisão, no habeas corpus, foi categórica quanto à incompetência do Juízo. Àquela altura, considerado o crime de um prefeito — apenas para refletir e ver se percebi bem a situação —, havia o envolvimento de atos judiciais de um juiz. Inobservado o que decidido pelo Tribunal, apresentou-se a Reclamação n. 636/MA, para tornar prevalecente o pronunciamento da Turma. Essa reclamação, tendo em conta um fato novo, ou seja, o término do mandato do prefeito, foi declarada prejudicada. Indaga-se sobre a eficácia, a concretude do que assentado pela Corte no Habeas Corpus n. 71.551/MA — o acórdão que se aponta como descumprido refere-se a esse habeas corpus. Tal decisão continuou sendo olvidada até que veio a cessar a competência do Tribunal de Justiça. É possível simplesmente balizar-se, a esta altura, o que decidido no habeas e entender-se que, no caso, o descumprimento seria bastante a gerar certos efeitos, efeitos posteriores, quanto aos atos posteriores, ao término do mandato? O Direito Processual é, acima de tudo, documentação e visa à liberdade, em seu sentido maior, a poder-se contar com segurança jurídica quanto a atos a serem praticados. O que se nota — e, pelo menos, na minha visão — é que incumbia atender-se ao que decidido no habeas corpus e, aí, ter-se-ia o deslocamento do processo, desmembrado, para o Tribunal de Justiça, o que não se verificou. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Mas não foi o que decidiu a Turma. O Sr. Ministro Marco Aurélio: No habeas? O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): No habeas corpus, sim. Mas, depois, julgou-se prejudicada a Reclamação, porque entendeu a Turma que não teria sentido devolver o caso ao Tribunal de Justiça, chamando todos os processos que estavam em primeiro grau, dado que um fato superveniente ao habeas corpus, a extinção do mandato, alterara inteiramente a equação jurídica. R.T.J. — 197 435 O Sr. Ministro Marco Aurélio: Essa premissa realmente tem um peso maior, quer dizer, a própria Turma que prolatara o acórdão no habeas veio, como que, a estabelecer limites quanto a essa decisão, ao se pronunciar na reclamação. E, aí, lançou, como fundamento da declaração de prejudicialidade, a cessação do mandato do prefeito que estaria a gerar a competência do Tribunal. Mas surge a problemática colocada — penso que numa ortodoxia maior — pelo advogado da tribuna. Esse fundamento seria suficiente, por si só, a ter-se a legitimidade dos atos praticados pelo Juízo sem que se observasse o acórdão do habeas corpus, e sem que o Tribunal de Justiça, diante da cessação do mandato, viesse a declinar da competência? O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Ministro, mal ou bem, foi o que decidiu esta Turma. A reclamação não é contra a decisão desta Turma; é contra a decisão do outro juiz. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vou ficar com uma premissa: a decisão proferida no habeas foi definitiva, de eficácia imediata, não foi uma decisão condicionada. Incumbia respeitá-la. O Tribunal sinalizou na reclamação, declarando o prejuízo — a competência do Tribunal de Justiça teria cessado com o término do mandato do prefeito. Todavia, ao pronunciar um simples prejuízo, em si, teria mitigado a eficácia do acórdão proferido no habeas? Por mais que se queira adentrar o campo do pragmatismo, entendo que cumpre observar as balizas em jogo; cumpre observar que a decisão no habeas foi descumprida e continuou a sê-lo. O processo-crime deveria ter sido deslocado para o Tribunal de Justiça, e não o foi. O Tribunal de Justiça poderia, sim, com a cessação do mandato do prefeito, declinar da competência para o Juízo, mas não o fez. Havendo permanecido o processo, revelador da ação penal, em primeiro grau, essa permanência, a meu ver inicialmente equivocada, ficou comprometida, até mesmo considerado o período — e a decisão proferida pela Turma no habeas corpus — posterior à cessação do mandato. Peço vênia para julgar procedente o pedido formulado na reclamação em maior extensão, ou seja, tal como formulado na inicial da medida. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Sem nenhum amor pela correção da decisão que proferi na reclamação, vejo-me constrangido a manter meu voto, porque não estou julgando reclamação contra a decisão proferida por esta Turma na reclamação anterior. Estou julgando reclamação contra decisão do juiz que obedeceu à decisão desta Turma, e releio o final do meu voto: “Por isso mesmo, extinto — é de supor que em 1º de janeiro de 1997 — o mandato do Prefeito denunciado, os autos foram devolvidos ao Juízo de primeiro grau, como informa o seu titular. Esse fato extintivo da competência originária do Tribunal de Justiça para a ação penal contra um dos co-réus — o único que a determinava, por prerrogativa de função —, que é superveniente ao julgamento do HC 71.551, ocorrido em 6-1294 —, faz sem objeto a indagação sobre se, ao tempo, aquela competência atraía ou não as ações penais contra os co-réus. 436 R.T.J. — 197 Logo, não faz sentido devolver a questão a uma nova decisão do Tribunal local. Esse o quadro, julgo prejudicada a reclamação, a fim de que prossigam os diversos processos relativos ao mesmo homicídio, incluído aquele a que responde o reclamante: é o meu voto.” O Sr. Ministro Marco Aurélio: Na primeira instância? O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Sim. Onde eles estavam. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Agora, pergunto a Vossa Excelência, a retirada do mundo jurídico dos atos primeiros, anteriores à cessação do mandato, não repercute nesses atos subseqüentes? O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Salva-se alguma coisa. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, o argumento de Vossa Excelência é irresistível. Realmente, a Turma, mesmo declarando prejudicada a reclamação, e talvez tenha sido pedagógica, foi além para assentar, em que pese ao prejuízo, que a competência seria, a partir de 1º de janeiro de 1997, do Juízo. Acompanho Vossa Excelência. EXTRATO DA ATA Rcl 2.123/MA — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Reclamante: Damião Benicio dos Santos (Advogados: José Lamarck de Andrade Lima e outro). Reclamado: Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Decisão: A Turma julgou procedente, em parte, as Reclamações n. 2.123 e 2.190, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira. Brasília, 23 de agosto de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador. INQUÉRITO 2.154 — DF Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio Autor: Ministério Público Federal — Indiciado: Jorge dos Reis Pinheiro ou Pastor Jorge Difamação — Tipicidade. A tipicidade do crime contra a honra que é a difamação há de ser definida a partir do contexto em que veiculadas as expressões, cabendo afastá-la quando se tem simples crítica à atuação de agente público, revelando-a fora das balizas próprias. R.T.J. — 197 437 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, rejeitar a denúncia, nos termos do voto do Relator. Brasília, 17 de dezembro de 2004 — Nelson Jobim, Presidente — Marco Aurélio, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Procurador-Geral da República aponta configurado o crime de difamação, aludindo ao disposto no artigo 21, combinado com o artigo 23, inciso II, ambos da Lei n. 5.250/67. Transcreve notícia de entrevista do denunciado ao Jornal de Brasília, na qual teria acusado a vítima Kátia Christina Lemos, promotora pública, de abuso de poder. No trecho reproduzido às folhas 3 e 4, grafa em negrito as seguintes frases tomadas como ofensivas: “Secretário acusa promotora de abuso.” “O secretário reclama que o ofício pediu ‘algo ilegal’ já que o processo está subjudice (sic)”. “Ela não pode fazer isso, criando uma série de coações para conseguir o processo e, através de um ofício altamente intimidador, reclama”. “Foi uma ação isolada dela”. “O secretário de Meio Ambiente, Jorge Pinheiro, diz que a promotora Kátia Christina Lemos agiu como ‘oficial de justiça’(...)” “O secretário de Meio Ambiente frisou ao Jornal de Brasília que ‘considera ser uma ação isolada dela (promotora), não se estendendo aos outros membros do Ministério Público’, diz. ‘O que ela fez é ilegal’, completa”. Aponta-se que o denunciado “referiu-se a fatos claramente ofensivos à reputação da ofendida (...)”. E que teve “a clara determinação intencional de ferir a reputação da ofendida”. Em síntese, consta do item 10 da peça primeira que o denunciado colocou a ofendida como “praticante de atos ilegais, abusivos, coercitivos e de intimidação”, agredindo a atuação profissional da promotora de justiça. Vieram ao processo, com a inicial, as peças de folhas 7 a 88. Notificado, o acusado apresentou a defesa de folhas 101 a 106. Em suma, baseiase na óptica segundo a qual, de forma inapropriada, a promotora, sem mandado judicial, buscara fossem-lhe entregues documentos. O denunciado, ocupando à época o cargo de Secretário do Meio Ambiente do Distrito Federal, simplesmente reagira, como lhe cumpria fazer, não deixando que processos e documentos daquela Secretaria fossem alvo de violação ou mesmo extravio. Ademais, o integrante do Ministério Público deveria dirigir-se ao Judiciário para obtê-los. Teria o acusado disponibilizado os processos para obtenção de cópias, o que não foi aceito, sentindo-se a promotora ofendida, passando a atacá-lo por meio da imprensa, conforme peça anexada. Na 438 R.T.J. — 197 publicação referida na inicial, não há, consoante as razões expendidas, declarações ofensivas, mas apenas a revelação dos acontecimentos. A documentação trazida à colação concerniria às obras da Ponte JK, nada tendo a ligá-la aos fatos que estariam a consubstanciar a difamação. São evocados precedentes e doutrina. À folha 114, ante a juntada de documento à resposta, abri vista ao ProcuradorGeral da República. Então, veio a manifestação do Procurador-Geral da República, Dr. Claudio Fonteles, segundo a qual os documentos juntados pelo denunciado não se contrapõem à peça inicial, deixando de revelar elo com as afirmações, veiculadas no Jornal de Brasília de 8 de maio de 2004, ofensivas à vítima. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A atuação pública faz-se, é certo, presentes certas balizas, descabendo a perda da urbanidade. Por vezes, surgem ópticas antagônicas, e aí a recusa em proceder-se desta ou daquela forma não pode gerar, por si só, a conclusão sobre a prática de crime contra a honra de quem quer que seja. É sabença geral que o Ministério Público, em defesa da própria sociedade, vem atuando com desassombro, especialmente na área da preservação do meio ambiente. Por vezes, alguns enfoques extravasam o campo simplesmente administrativo para ganhar as páginas de periódicos, não se mostrando incomum que a matéria extravasada seja alvo de exacerbação. Há de se buscar sempre a compreensão. Ora, conforme dados anexados à defesa, idas e vindas ocorreram nas obras da via expressa referente à Ponte JK. A seqüência de tal via somente se tornou possível quando o conflito chegou ao Superior Tribunal de Justiça, que autorizou a continuidade das obras. Então, constata-se que a atividade desenvolvida pelo Ministério Público fez-se no sentido de cobrar certa postura do então Secretário de Meio Ambiente. Vieram à balha as expressões tomadas como ofensivas, tendo em conta a busca de elementos pelo Ministério Público. Todavia, tais expressões fizeram-se no âmbito da razoabilidade, senão vejamos cada qual, presentes os grifos contidos na inicial: “Secretário acusa promotora de abuso”. O que assacado há de ser considerado no contexto. Tudo teria resultado da tentativa de se lograr a retirada de certo processo do setor competente; “O Secretário reclama que o ofício pediu ‘algo ilegal’ já que o processo está subjudice”. Mais uma vez, nota-se o desempenho de atividade própria à Secretaria. O fato de se enquadrar postulação como a revelar ilegalidade não pode ser potencializado a ponto de se chegar à conclusão sobre a difamação. “(...) ela não pode fazer isso, criando uma série de coações para conseguir o processo e através de um ofício altamente intimidador (...)”. Também aqui tem-se insurgimento relativo a pleito do Ministério Público que se circunscreve ao âmbito do exercício da própria cidadania, resistindo-se ao que pretendido. “Foi uma ação isolada dela (...) O Secretário de Meio Ambiente Jorge Pinheiro diz que a promotora Kátia Christina Lemos agiu como um ‘oficial de justiça’(...)”. Onde a R.T.J. — 197 439 existência de expressões capazes de ser tomadas como difamatórias? Tem-se a apreciação de ato, lançando-se, no campo da retórica, paralelo com atividade que seria própria do oficial de justiça, munido, este último, de ordem judicial. “O Secretário de Meio Ambiente frisou ao Jornal de Brasília que ‘considera ser uma ação isolada dela (promotora), não se estendendo aos outros membros do Ministério Público’, diz. ‘O que ela fez é ilegal’, completa (...)”. O que consignado anteriormente serve ao enquadramento da frase. Deve-se observar que a tomada de ato de terceiro como ilegal — gênero — não beira as raias do crime contra a honra. As pessoas que atuam como agentes públicos hão de se acostumar com a liberdade de expressão, não potencializando suscetibilidades que não podem sequer ser admitidas, considerado o campo privado. O que se observa é que, com o tempo, visões exacerbadas sofrem o temperamento da couraça criada e da percepção das circunstâncias do momento vivido, dando-se ao que veiculado a cabível temperança. O importante é que cada qual haja na respectiva área de atuação com desassombro, afastando-se crivos que possam de alguma forma ressoar como intimidadores. Não tenho como alcançado o perfil da atuante promotora Kátia Christina Lemos, razão pela qual excluo a possibilidade de ter como configurado o tipo difamação. Rejeito a denúncia. EXTRATO DA ATA Inq 2.154/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Autor: Ministério Público Federal. Indiciado: Jorge dos Reis Pinheiro ou Pastor Jorge (Advogados: Erik Franklin Bezerra e outros). Decisão: O Tribunal, por unanimidade, rejeitou a denúncia, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim. Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles. Brasília, 17 de dezembro de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário. INQUÉRITO 2.170 — DF Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto Autor: Ministério Público Federal — Indiciado: Carlos Eduardo Torres Gomes Inquérito. Deputado Federal. Omissão de gastos na prestação de contas de campanha. Denúncia. Recebimento. Proposta, aceita, de suspensão condicional do processo. Homologação. 440 R.T.J. — 197 É de ser recebida a denúncia quando atendidos os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal. Contudo, em face da concordância do denunciado com as condições propostas pelo Ministério Público para a suspensão do processo, defere-se a sustação do feito, nos termos em que se deu a transação. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, sustar o feito, nos termos do voto do Relator. Brasília, 30 de junho de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Cuida-se de denúncia contra o Deputado Federal Carlos Eduardo Torres Gomes, na qual se lhe imputa a prática do crime descrito no caput do artigo 350 da Lei n. 4.737/65, in verbis: “Art. 350. Omitir em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais: Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa, se o documento é particular”. 2. De início, anoto que faz parte da inicial acusatória a seguinte descrição dos fatos: “Conforme consta na inclusa notícia criminal (fls. 01/03) o denunciado, no dia 05 de novembro de 2002 (fls. 47), omitiu, livre e voluntariamente, em documento particular (prestação de contas), para fins eleitorais (documento apresentado ao Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Tocantins), os seguintes gastos efetuados na campanha eleitoral realizada para o cargo de Deputado Federal no ano de 2002, hoje ocupado pelo mesmo, que nele deveriam constar, conforme bem explicita o artigo 33 da Lei 9.096/95: a) o valor de R$ 31.249,00 (trinta e um mil duzentos e quarenta e nove reais) efetuado com camisetas e adesivos confeccionados pela empresa Girassol Indústria e Comércio de Confecções e Representações Ltda., conforme demonstra as propostas de serviços e a autorização juntada a fls. 04/15, constatando-se que o valor declarado na prestação de contas foi de R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais) fls. 54; b) o valor de R$ 224.400,00 (duzentos e vinte e quatro mil e quatrocentos reais) gastos em sua estrutura de campanha em Araguaína - TO, conforme planilha a fls. 16/18, produzida pelo Partido da Social Democracia Brasileira. Verifica-se R.T.J. — 197 441 que o valor declarado na prestação de contas foi de R$ 182.569,83 (cento e oitenta e dois mil, quinhentos e sessenta e nove reais e oitenta e três centavos) (fls. 54); c) o valor de R$ 10.760,00 (dez mil e setecentos e sessenta reais) efetuado com camisetas “silkadas” pela empresa Girassol Indústria em Comércio e Confecções e Representações Ltda. (fls. 19/25); d) os gastos que foram realizados em conjunto com a candidata a Deputada Estadual Leonilda Barros, constantes da planilha de despesas assinada pelos dois candidatos (fls. 29); e) o valor de 28.258,00 (vinte e oito mil duzentos e cinqüenta e oito reais) relativos a confecções de painéis e banners confeccionados pela empresa VOX Publicidade Ltda., além de caracterização de veículos, constante da relação apresentada pelo diretor da empresa, Carlúcio Carvalho (fls. 27), além do valor de 24.010,65 (vinte e quatro mil e dez reais e sessenta e cinco centavos) de serviços executados durante a campanha eleitoral (fls. 26 e fls. 28).” 3. Diante de tais acusações, e tendo em vista que a pena mínima do crime imputado ao denunciado é igual a um ano de reclusão, o presentante do Parquet federal requereu fosse providenciada a respectiva folha de antecedentes criminais, com o objetivo de verificar a possibilidade de suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/95). 4. Na seqüência, o acusado alega, em resposta prévia, que a denúncia não merece acolhimento. É que sua prestação de contas foi aprovada pela unanimidade dos membros do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins, já havendo transitado em julgado. Ademais, argumenta que já estava eleito quando da apreciação das referidas contas, motivo pelo qual não se configurou o elemento subjetivo “finalidade eleitoral”, exigido pelo tipo do art. 350. Por fim, sustenta que os documentos trazidos aos autos não são aptos a provar a caracterização do crime. Termos em que pediu o arquivamento da peça acusatória. 5. Prossigo neste relato, para consignar que, diante da inexistência de antecedentes criminais (fls. 159/175), o Procurador-Geral da República ofereceu proposta de suspensão condicional do processo, mediante o cumprimento das condições seguintes: “(...) a) seu comparecimento pessoal, trimestral, durante 2 (dois) anos, em escolas da rede pública de ensino do Estado do Tocantins, para testemunhar aos jovens estudantes, proferindo palestras sobre o sistema democrático e o processo eleitoral, devendo comprovar a realização das referidas palestras perante o Juízo da Execução competente. b) depósito na quantia de R$1.000,00 (mil reais) em benefício do programa Fome Zero (Banco do Brasil, agência 1.607-1, conta corrente 100.2003-9).” 6. Finalmente, intimado a se manifestar, o denunciado declarou sua concordância com a proposta oferecida (fl. 195). É o relatório. 442 R.T.J. — 197 VOTO O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): 8. Como sabido, o recebimento da denúncia constitui mero juízo de admissibilidade, não havendo espaço para se enfrentar o mérito do pedido inserto na inicial acusatória. Pelo que passo a analisar os requisitos para o recebimento da peça denunciativa. E, ao fazê-lo, anoto que a conduta narrada se amolda, em tese, ao delito imputado, estando descritos os elementos configuradores da suposta prática do ilícito penal. Além do mais, não se faz presente a manifesta atipicidade da conduta que se increpa ao agente sob o torniquete da persecução penal. 9. Daqui se deduz que foram atendidos os requisitos exigidos pelo artigo 41 do Código de Processo Penal, não se constatando, in casu, nenhuma das hipóteses de rejeição a que se refere o art. 43 do mesmo diploma legal. 10. Recebo a denúncia, portanto. Contudo, em face da concordância do denunciado com as condições propostas pelo Ministério Público para a suspensão do processo, defiro a sustação do feito, nos termos em que se deu a transação. 11. É como voto. EXTRATO DA ATA Inq 2.170/DF — Relator: Ministro Carlos Britto. Autor: Ministério Público Federal. Indiciado: Carlos Eduardo Torres Gomes (Advogado: Edson Domingues Martins). Decisão: O Tribunal, por unanimidade, sustou o feito, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, o Ministro Carlos Velloso e, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim. Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega. Brasília, 30 de junho de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.514 — SC Relator: O Sr. Ministro Eros Grau Requerente: Procurador-Geral da República — Requerida: Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 11.366/2000, do Estado de Santa Catarina. Ato normativo que autoriza e regulamenta a criação e a exposição de aves de raça e a realização de “brigas de galo”. A sujeição da vida animal a experiências de crueldade não é compatível com a Constituição do Brasil. Precedentes da Corte. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente. R.T.J. — 197 443 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, julgar procedente a ação direta, nos termos do voto do Relator. Brasília, 29 de junho de 2005 — Eros Grau, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Eros Grau: O Procurador-Geral da República propõe ação direta, com pedido de medida cautelar, na qual questiona a constitucionalidade da Lei n. 11.366/2000, do Estado de Santa Catarina, que tem o seguinte teor: “Art. 1º Fica normatizada a criação, a exposição e a realização de competições entre aves das raças combatentes “Galus-Galus”, nos termos da presente Lei. Art. 2º As atividades esportivas do galismo inerentes à preservação de aves de raças combatentes, serão realizadas em recintos e/ou locais próprios nas sedes das entidades denominadas “rinhadeiros”. Art. 3º A autorização para realização das competições, será outorgada por órgão do poder público estadual, mediante o recolhimento de taxa. Art. 4º Os locais onde serão realizados os eventos, deverão ser vistoriados anualmente pela autoridade competente para que possa ser fornecido o alvará, como medida de segurança e proteção dos freqüentadores. Art. 5º Um médico veterinário e/ou um assistente capacitado, atestará antes das competições, o estado de saúde das aves que participarão do evento. Art. 6º Fica proibida a prática desta atividade em locais próximos a Igrejas, Escolas e Hospitais, devendo ser respeitada a distância mínima de oitenta metros para preservar o silêncio, a ordem e o sossego público. Art. 7º Nos locais onde se realizam as competições, é vedado o ingresso ou permanência de menores de dezesseis anos, a não ser quando acompanhados dos pais ou responsáveis diretos. Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 9º Revogam-se as disposições em contrário.” 2. O requerente sustenta que a lei hostilizada afronta o artigo 225, § 1º, inciso VII1, da Constituição do Brasil, já que possibilita a prática de competição que submete os animais a crueldade, ao contrário de buscar proteger a fauna como medida hábil a tornar efetivo o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e observar a 1 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 444 R.T.J. — 197 expressa vedação, na forma da lei, de atos que submetam os animais a tratamento impiedoso. 3. A Assembléia Legislativa aduz que “vive arraigado na cultura popular o tradicional combate entre galos da espécie criada unicamente para esse fim”. Acrescenta que as aves “detém carga cromossômica orientada para a luta”, e que “não se prestam ao abate para consumo humano”. Alega que não há que se “falar em crueldade quando lutam entre si. O esforço físico a que se submetem é igual ao imposto aos cavalos puro sangue inglês de corrida” [fls. 125/129]. 4. Em face da relevância da matéria, o Ministro Nelson Jobim, Relator à época, determinou, na forma do artigo 12 da Lei n. 9.868/99, a oitiva do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República [fl. 136]. 5. O Advogado-Geral da União, invocando precedentes desta Corte, manifesta-se pela procedência do pleito. 6. O Procurador-Geral da República, ratificando os termos da inicial, opina pela procedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade. É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para envio aos Senhores Ministros [RISTF, artigo 172]. VOTO O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Trata-se de ação direta na qual se pleiteia a declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 11.366/2000, do Estado de Santa Catarina, que autoriza e regulamenta a criação, a exposição e a realização de “brigas de galo”. 2. O pedido merece acolhimento. 3. Com efeito, ao autorizar a odiosa competição entre galos, o legislador estadual ignorou o comando contido no inciso VII do § 1º do artigo 225 da Constituição do Brasil, que expressamente veda práticas que submetam os animais à crueldade. 4. Em situações análogas, este Tribunal afirmou a preservação da fauna como fim a ser prestigiado, banindo a sujeição da vida animal a experiências de crueldade. Nesse sentido: “Constitucional. Meio-ambiente. Animais: proteção: crueldade. “Briga de galos”. I - A Lei 2.895, de 20-3-98, do Estado do Rio de Janeiro, ao autorizar e disciplinar a realização de competições entre “galos combatentes”, autoriza e disciplina a submissão desses animais a tratamento cruel, o que a Constituição Federal não permite: CF, art. 225, § 1º, VII. II - Cautelar deferida, suspendendo-se a eficácia da Lei 2.895, de 20-3-98, do Estado do Rio de Janeiro.” [ADI n. 1.856/MC, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 22-9-2000] § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...) VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. R.T.J. — 197 445 5. Outro precedente deve ser citado. Refiro-me ao RE n. 153.5311, no qual se discutiu a polêmica “farra do boi”, oriundo do mesmo Estado de Santa Catarina. O Ministro Marco Aurélio, Relator para o acórdão, ressaltou que: “[...] é justamente a crueldade o que constatamos ano a ano, ao acontecer o que se aponta como folguedo sazonal. A manifestação cultural deve ser estimulada, mas não a prática cruel. Admitida a chamada “farra do boi”, em que uma turba ensandecida vai atrás do animal para procedimentos que estarrecem, como vimos, não há poder de polícia que consiga coibir esse procedimento. Não vejo como chegar-se à posição intermediária. A distorção alcançou tal ponto que somente uma medida que obstaculize terminantemente a prática pode evitar o que verificamos neste ano de 1997. O Jornal da Globo mostrou um animal ensangüentado e cortado invadindo uma residência e provocando ferimento em quem se encontrava no interior. Entendo que a prática chegou a um ponto a atrair, realmente, a incidência do disposto no inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal. Não se trata, no caso, de uma manifestação cultural que mereça o agasalho da Carta da República. Como disse no início de meu voto, cuida-se de uma prática cuja crueldade é ímpar e decorre das circunstâncias de pessoas envolvidas por paixões condenáveis buscarem, a todo custo, o próprio sacrifício do animal.” 6. Os mesmos argumentos constantes desse precedente bastam para elidir as alegações da Assembléia Legislativa catarinense. Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado nesta ação direta e declaro a inconstitucionalidade da Lei n. 11.366/00, do Estado de Santa Catarina. EXTRATO DA ATA ADI 2.514/SC — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Procurador-Geral da República. Requerida: Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação direta, nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente. Ausentes, justificadamente, o Ministro Nelson Jobim (Presidente) e, neste julgamento, os Ministros Carlos Velloso e Marco Aurélio. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente). Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente). Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. SubprocuradorGeral da República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega. Brasília, 29 de junho de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário. 1 DJ de 13-3-1998. 446 R.T.J. — 197 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.836 — RJ Relator: O Sr. Ministro Eros Grau Requerente: Partido Social Liberal – PSL — Requeridas: Governadora do Estado do Rio de Janeiro e Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro — Interessada: Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 106/03. Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Artigo 9º, § 1º, alínea c, e artigo 165. Desincompatibilização dos candidatos ao cargo de Procurador-Geral de Justiça. 1. O artigo 9º da lei exige a desincompatibilização dos candidatos ao cargo de Procurador-Geral de Justiça que estejam ocupando qualquer outro cargo ou função de confiança. 2. A argumentação do requerente de que o aludido preceito permitiria o exercício de cargos e funções não-afetos à área de atuação do Ministério Público não merece acolhida. 3. O artigo 165 da Lei Orgânica do MP do Estado do Rio de Janeiro é mera reprodução do artigo 29, § 3º, do ADCT da Constituição do Brasil. Aos integrantes do Parquet admitidos antes da CB/88 aplicam-se as vedações do texto constitucional. 4. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado improcedente. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, julgar improcedente a ação, nos termos do voto do Relator. Brasília, 17 de novembro de 2005 — Eros Grau, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Eros Grau: O Partido Social Liberal – PSL propõe ação direta, com pedido de medida cautelar, na qual questiona a constitucionalidade da alínea c do § 1º do artigo 9º e do artigo 165 da Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro — Lei Complementar n. 106/03. 2. Os preceitos impugnados têm o seguinte teor: “Art. 9º São inelegíveis para o cargo de Procurador-Geral de Justiça os Procuradores de Justiça e os Promotores de Justiça que: (...) R.T.J. — 197 447 § 1º É obrigatória a desincompatibilização, mediante afastamento, pelo menos 60 (sessenta) dias antes da data da eleição, para os que, estando na carreira: a) ocuparem cargo eletivo nos órgãos de administração do Ministério Público; b) ocuparem cargo na Administração Superior do Ministério Público; c) ocuparem qualquer outro cargo ou função de confiança. Art. 165. Aos membros do Ministério Público, admitidos anteriormente à promulgação da Constituição da República de 1988, fica assegurado o que dispõe o § 3.º do artigo 29 do respectivo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.” 3. O requerente sustenta que o artigo 9º, § 1º, alínea c, da Lei Complementar n. 106/03 viola o disposto no artigo 128, § 5º, inciso II, alínea d1, da Constituição do Brasil, já que contempla a hipótese de exercício, por membro do Ministério Público estadual, de cargo ou função de confiança fora da instituição. Quanto ao artigo 165 da mesma lei, afirma que a opção facultada pelo § 3º do artigo 29 do ADCT2 só poderia ocorrer até 14 de fevereiro de 1993, data anterior à promulgação da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público — Lei n. 8.625/93. 4. A Assembléia Legislativa afirma que “é possível concluir que, havendo autorização de cada Conselho Superior do Ministério Público, pode o membro do Parquet ocupar cargo em comissão em órgão ou entidade afeta à área de atuação do Ministério Público” e que o artigo 165 da lei “é correlato com as disposições contidas no art. 75 da Lei Federal n. 8.625/933” [fls. 57/64]. 1 Art. 128. O Ministério Público abrange: (...) § 5º Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros: (...) II - as seguintes vedações: (...) d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério; 2 Art. 29. Enquanto não aprovadas as leis complementares relativas ao Ministério Público e à Advocacia-Geral da União, o Ministério Público Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as Consultorias Jurídicas dos Ministérios, as Procuradorias e Departamentos Jurídicos de autarquias federais com representação própria e os membros das Procuradorias das Universidades fundacionais públicas continuarão a exercer suas atividades na área das respectivas atribuições. (...) § 3º Poderá optar pelo regime anterior, no que respeita às garantias e vantagens, o membro do Ministério Público admitido antes da promulgação da Constituição, observando-se, quanto às vedações, a situação jurídica na data desta. 3 Art. 75. Compete ao Procurador-Geral de Justiça, ouvido o Conselho Superior do Ministério Público, autorizar o afastamento da carreira de membro do Ministério Público que tenha exercido a opção de que trata o art. 29, § 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para exercer o cargo, emprego ou função de nível equivalente ou maior na Administração Direta ou Indireta. 448 R.T.J. — 197 5. A Governadora do Estado do Rio de Janeiro entende que o disposto na alínea c do § 1º do artigo 9º da LC n. 106/93 permite, como o faz o artigo 10, inciso IX, alínea c, da Lei n. 8.625/934, a participação de membros do Ministério Público em organismos estatais afetos à sua área de atuação. Destaca que o artigo 165 da lei limita-se a fazer remissão ao art. 29, § 3º, do ADCT [fls. 112/117]. 6. Determinei, nos termos da decisão de fl. 127, fosse aplicada ao caso a regra do artigo 12 da Lei n. 9.868/99. 7. O Advogado-Geral da União manifesta-se pela improcedência do pleito, ressaltando que o artigo 9º, § 1º, alínea c, da Lei Complementar carioca não autoriza o livre exercício de outros cargos ou funções, limitando-se a fixar regra pertinente à concorrência ao cargo de Procurador-Geral; e que o artigo 165 da mesma lei em nada afronta o art. 29, § 3º, do ADCT [fls. 129/136]. 8. O Procurador-Geral da República opina pela improcedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade, sustentando que o primeiro preceito atacado não permite “que o membro do Ministério Público exerça qualquer outro cargo ou função de confiança no âmbito da Administração Pública”, e que, para os membros dos Ministérios Públicos estaduais, a opção prevista no artigo 29, § 3º, do ADCT pode ser feita a qualquer tempo, uma vez que nem a Constituição do Brasil nem a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público fixam qualquer prazo [fls. 139/147]. É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para envio aos Senhores Ministros [RISTF, artigo 172]. VOTO O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Trata-se de ação direta na qual é objetivada a declaração de inconstitucionalidade de preceitos contidos na Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. 2. O primeiro preceito atacado é o seguinte: “Art. 9º São inelegíveis para o cargo de Procurador-Geral de Justiça os Procuradores de Justiça e os Promotores de Justiça que: (...) § 1º É obrigatória a desincompatibilização, mediante afastamento, pelo menos 60 (sessenta) dias antes da data da eleição, para os que, estando na carreira: (...) c) ocuparem qualquer outro cargo ou função de confiança”. 4 Art. 10. Compete ao Procurador-Geral de Justiça: (...) IX - designar membros do Ministério Público para: (...) c) integrar organismos estatais afetos a sua área de atuação; R.T.J. — 197 449 3. O requerente afirma que essa disposição permite que membros do Ministério Público exerçam cargos ou funções de confiança, o que é vedado pelo artigo 128, inciso II, alínea d. 4. Sobre essa afirmação, ponderou o Procurador-Geral da República [fl. 145]: “Como se pode perceber, o dispositivo normativo atacado não permite, como afirma o requerente, que o membro do Ministério Público exerça qualquer outro cargo ou função de confiança no âmbito da Administração Pública, como as [de] Secretário de Estado. A norma prescreve que, para os casos em que os membros do Ministério Público estejam ocupando qualquer outro cargo ou função de confiança e desejem se eleger ao cargo de Procurador-Geral de Justiça, é obrigatória a desincompatibilização, mediante afastamento, pelo menos sessenta dias antes da data da eleição. Essa norma é aplicável àqueles membros que já ocupem cargo ou função de confiança, no caso, aqueles que estão ocupando cargos ou funções de confiança na administração do próprio Ministério Público e em seus órgãos auxiliares ou em órgãos estatais afetos à área de atuação da Instituição”. 5. Com razão o Procurador-Geral. O preceito atacado não está a permitir o exercício de outros cargos ou funções de confiança, mas apenas determina que aqueles que ocupem esses cargos e que desejem concorrer à eleição de Procurador-Geral de Justiça deles se afastem, pelo menos 60 (sessenta) dias antes do pleito. 6. E ainda como apontado pelo Chefe do Ministério Público Federal, o artigo 119 da Lei Complementar carioca repete a vedação constitucional: “Art. 119. Aos membros do Ministério Público se aplicam as seguintes vedações: (...) IV - exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério; (...) Parágrafo único. Constituem funções do Ministério Público, não se lhes aplicando o inciso IV deste artigo, as atividades exercidas em organismos estatais afetos a área de atuação da Instituição e o exercício de cargos e funções de confiança na sua administração e nos órgãos auxiliares”. 7. Também é questionada a constitucionalidade do artigo 165 da mesma Lei Complementar, segundo o qual: “Art. 165. Aos membros do Ministério Público admitidos anteriormente à promulgação da Constituição da República de 1988, fica assegurado o que dispõe o § 3º do art. 29 do respectivo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”. 8. O requerente afirma que esse artigo é inconstitucional, porque permite que membros do Ministério Público exerçam cargo ou função de confiança em organismos estatais fora do âmbito da própria instituição, sem que o membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, admitido antes de 5-10-1988 (vigência da CF/88), tenha exercido a opção pelo regime anterior até 14-2-1993 (data anterior à publicação da LONMP), já que, no seu entendimento, após essa data, o artigo 29 do ADCT teria perdido eficácia. Transcrevo, por sua relevância, o citado preceito transitório: . 450 R.T.J. — 197 “Art. 29. Enquanto não aprovadas as leis complementares relativas ao Ministério Público e à Advocacia-Geral da União, o Ministério Público Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as Consultorias Jurídicas dos Ministérios, as Procuradorias e Departamentos Jurídicos de autarquias federais com representação própria e os membros das Procuradorias das Universidades fundacionais públicas continuarão a exercer suas atividades na área das respectivas atribuições. (...) § 3º Poderá optar pelo regime anterior, no que respeita às garantias e vantagens, o membro do Ministério Público admitido antes da promulgação da Constituição, observando-se, quanto às vedações, a situação jurídica na data desta.” 9. Anota José Afonso da Silva1: “O § 3º procura resolver situação regida pela ordem constitucional anterior e a ordem nova, dando ao membro do Ministério Público admitido antes da promulgação da Constituição a oportunidade de optar pelo regime anterior, quando às garantias e vantagens — o que, na verdade, envolvia a opção pela possibilidade de exercício ou não de atividades políticas, que a Constituição vedou”. 10. No julgamento da ADI n. 2.0842, ficou firmado, mediante interpretação conforme à Constituição, que os membros do Ministério Público só podem exercer cargo ou função de confiança na Administração Superior da própria instituição, entendimento reiterado no julgamento da ADI n. 2.5343. 11. E isso se justifica porque o § 3º do artigo 29 do ADCT4 estatui que, quanto às vedações, observar-se-á a situação jurídica na data da promulgação da Constituição — “data desta”. Assim, mesmo aos integrantes do Parquet admitidos antes de 5 de outubro de 1988 aplicam-se as vedações inseridas no novo texto constitucional, ou seja, o texto da ordem constitucional vigente. 1 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. Malheiros: São Paulo, 2005. p. 912. 2 ADI n. 2.084, Relator o Ministro Ilmar Galvão, DJ de 14-9-2001. 3 ADI n. 2.534/MC, Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 13-6-2003. 4 Art. 29. Enquanto não aprovadas as leis complementares relativas ao Ministério Público e à Advocacia-Geral da União, o Ministério Público Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as Consultorias Jurídicas dos Ministérios, as Procuradorias e Departamentos Jurídicos de autarquias federais com representação própria e os membros das Procuradorias das Universidades fundacionais públicas continuarão a exercer suas atividades na área das respectivas atribuições. (...) § 3º Poderá optar pelo regime anterior, no que respeita às garantias e vantagens, o membro do Ministério Público admitido antes da promulgação da Constituição, observando-se, quanto às vedações, a situação jurídica na data desta. R.T.J. — 197 451 12. Inexiste, contudo, qualquer disposição concernente ao prazo em que a opção deve ser feita, circunstância que leva a crer que, enquanto estiver na atividade, o membro do Ministério Público estadual admitido antes da promulgação da Constituição de 1988, pode optar pelo regime anterior. O Procurador-Geral da República manifestou-se nesse sentido [fl. 146]: “Quanto ao art. 165 da Lei Complementar n. 106, de 3 de janeiro de 2003, do Estado do Rio de Janeiro, não se pode vislumbrar qualquer inconstitucionalidade, visto que apenas reproduz o disposto no art. 29, § 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988. Ademais, para o Ministério Público dos Estados, não se aplica a norma do parágrafo único do artigo 281 da LC n. 75/935, válida somente para o Ministério Público da União. No âmbito dos Estados, a opção prevista no art. 29, § 3º, do ADCT pode ser feita a qualquer tempo, pois nem a Constituição da República nem a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público,que estabelece normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados (Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993), fixam qualquer prazo”. Ante o exposto, julgo improcedente o pedido formulado nesta ação direta. EXTRATO DA ATA ADI 2.836/RJ — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Partido Social Liberal – PSL (Advogado: Wladimir Sérgio Reale). Requeridas: Governadora do Estado do Rio de Janeiro e Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Interessada: Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP (Advogado: Aristides Junqueira Alvarenga). Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou improcedente a ação, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Falaram, pelo requerente, o Dr. Wladimir Sérgio Reale e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, Vice-Procurador-Geral da República. Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos. Brasília, 17 de novembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário. 5 Art. 281. Os membros do Ministério Público da União, nomeados antes de 5 de outubro de 1988, poderão optar entre o novo regime jurídico e o anterior à promulgação da Constituição Federal, quanto às garantias, vantagens e vedações do cargo. Parágrafo único. A opção poderá ser exercida dentro de dois anos, contados da promulgação desta lei complementar, podendo a retratação ser feita no prazo de dez anos. 452 R.T.J. — 197 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.938 — MG Relator: O Sr. Ministro Eros Grau Requerente: Procurador-Geral da República — Requeridos: Governador do Estado de Minas Gerais e Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 13.454/2000 do Estado de Minas Gerais. Juiz de Paz. Eleição e investidura. Simultaneidade com as eleições municipais. Princípio majoritário. Previsão no art. 117 da Constituição do Estado de Minas Gerais. Ausência de impugnação. Inviabilidade da ação direta. 1. A viabilidade da ação direta reclama a impugnação conjunta dos preceitos que tratam da matéria, sob pena de inocuidade da própria declaração de inconstitucionalidade. 2. A ausência de impugnação do teor de preceitos constitucionais repetidos na lei impugnada impede o conhecimento da ação direta. Precedentes [ADI n. 2.132/MC, Relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 5-4-2002; ADI n. 2.242, Relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 19-122001 e ADI n. 2.215, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 26-4-2001]. Juiz de Paz. Eleição e investidura. Aplicação subsidiária do Código Eleitoral e da legislação federal específica. Inconstitucionalidade. Norma cogente. 3. Não há falar-se, no que tange à legislação atinente à criação da Justiça de Paz, em aplicação subsidiária do Código Eleitoral [Lei n. 4.737/65], bem como da legislação federal específica, de observância obrigatória em todo o território nacional. Juiz de Paz. Eleição e investidura. Filiação partidária. Obrigatoriedade. Procedimentos necessários à realização das eleições. Constitucionalidade. Art. 14, § 3º, e 98, II, da CB/88. Competência federal. 4. A obrigatoriedade de filiação partidária para os candidatos a Juiz de Paz [art. 14, § 3º, da CB/88] decorre do sistema eleitoral constitucionalmente definido. 5. Lei estadual que disciplina os procedimentos necessários à realização das eleições para implementação da Justiça de Paz [art. 98, II, da CB/88] não invade, em ofensa ao princípio federativo, a competência da União para legislar sobre Direito Eleitoral [art. 22, I, da CB/88]. Juiz de Paz. Eleição e investidura. Fixação de condições de elegibilidade para concorrer às eleições. Inconstitucionalidade. Competência da União. Art. 14 e art. 22, I, da CB/88. 6. A fixação por lei estadual de condições de elegibilidade em relação aos candidatos a Juiz de Paz, além das constitucionalmente previstas no art. 14, § 3º, invade a competência da União para legislar sobre Direito Eleitoral, definida no art. 22, I, da Constituição do Brasil. R.T.J. — 197 453 Juiz de Paz. Competências funcionais. Arrecadar bens de ausentes ou vagos. Funcionar como perito. Nomear escrivão ad hoc. Constitucionalidade. Matéria meramente administrativa. Competência federal. Art. 98, II, da CB/88. 7. Lei estadual que define como competências funcionais dos juízes de paz a arrecadação provisória de bens de ausentes e vagos, nomeando escrivão ad hoc, e o funcionamento como perito em processos não invade, em ofensa ao princípio federativo, a competência da União para legislar sobre direito processual civil [art. 22, I, da CB/88]. Juiz de Paz. Competências funcionais. Processar auto de corpo de delito. Lavrar auto de prisão. Recusa da autoridade policial. Inconstitucionalidade. Processo penal. Competência da União para legislar. Art. 22, I, da CB/88. 8. Lei estadual que define como competências funcionais dos juízes de paz o processamento de auto de corpo de delito e a lavratura de auto de prisão, na hipótese de recusa da autoridade policial, invade a competência da União para legislar sobre Direito Processual Penal [art. 22, I, da CB/88]. Juiz de Paz. Competências funcionais. Prestar assistência ao empregado nas rescisões de contrato de trabalho. Inexistência dos órgãos previstos no art. 477 da CLT. Inconstitucionalidade. Direito do Trabalho. Competência da União para legislar. Art. 22, I, da CB/88. 9. Lei estadual que define como competências funcionais dos juízes de paz, na ausência dos órgãos previstos no art. 477 da CLT, a prestação de assistência ao empregado nas rescisões de contrato de trabalho, invade a competência da União para legislar sobre Direito do Trabalho [art. 22, I, da CB/88]. Função já assegurada pelo § 3º do mesmo preceito legal. Juiz de Paz. Competências funcionais. Zelar pela observância das normas relativas à defesa do meio ambiente e vigilância ecológica sobre as matas. Providências necessárias ao seu cumprimento. Constitucionalidade. Art. 225 e 98, II, da CB/88. 10. Lei estadual que define como competência funcional do Juiz de Paz zelar, na área territorial de sua jurisdição, pela observância das normas concernentes à defesa do meio ambiente e à vigilância sobre as matas, rios e fontes, tomando as providências necessárias ao seu cumprimento, está em consonância com o art. 225 da Constituição do Brasil, desde que sua atuação não importe em restrição às competências municipal, estadual e da União. Juiz de Paz. Prerrogativas. Prisão especial. Inconstitucionalidade. Processo penal. Competência da União para legislar. Art. 22, I, da CB/88. Direito assegurado pelo art. 112, § 2º, da Loman [LC 35/75]. 454 R.T.J. — 197 11. Lei estadual que prevê, em benefício dos juízes de paz, o recolhimento a prisão especial invade a competência da União para legislar sobre Direito Processual Penal [art. 22, I, da CB/88]. Direito já assegurado pelo art. 112, § 2º, da Loman [LC n. 35/75]. 12. Ação direta julgada parcialmente procedente. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, preliminarmente, por unanimidade, não conhecer do pedido formulado na ação quanto à expressão “simultaneamente com as eleições municipais”, contida no caput do artigo 2º, e quanto à expressão “segundo o princípio majoritário”, constante do caput do artigo 3º, ambos da Lei n. 13.454, de 12 de janeiro de 2000, do Estado de Minas Gerais. Votou a Presidente. Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria, quanto aos artigos 2º e 3º da norma impugnada, conheceu do pedido formulado na ação e julgou-a improcedente, exceto quanto ao vocábulo “subsidiária”, constante no caput do artigo 2º. Votou a Presidente. Prosseguindo no exame dos dispositivos impugnados na Lei n. 13.454, de 12 de janeiro de 2000, do Estado de Minas Gerais, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação quanto ao artigo 4º. Por unanimidade, deu pela inconstitucionalidade integral do artigo 6º, nos termos do voto do Relator. Em relação aos artigos 5º, 7º, 8º, 9º e 10, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação. Quanto ao inciso VII do artigo 15, julgou, por maioria, improcedente a ação. Por unanimidade, julgou inconstitucional a expressão “e lavrar auto de prisão”, constante do inciso VIII do artigo 15, nos termos do voto do Relator; e, por maioria, inconstitucional o remanescente do dispositivo. Em relação ao inciso IX do mesmo artigo, o Tribunal, por unanimidade, julgou inconstitucional a ação. Por maioria, julgou improcedente a ação em relação ao inciso X do artigo 15, assim como, também por maioria, improcedente a ação quanto ao seu inciso XII. Em relação ao § 2º do artigo 15, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação. E, quanto ao artigo 22, o Tribunal, por maioria, julgou procedente a ação e declarou a inconstitucionalidade da expressão “e garante direito a prisão especial, em caso de crime comum, até definitivo julgamento”. Brasília, 9 de junho de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Eros Grau, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Eros Grau: O Procurador-Geral da República propõe a presente ação direta, em que pleiteia a declaração de inconstitucionalidade do Capítulo II [arts. 2º a 10]; dos incisos VII, VIII, IX, da expressão “tomando as providências necessárias ao seu cumprimento” no inciso X, da expressão “funcionar como perito em processos” no inciso XII e do § 2º, todos do art. 15; e da expressão “e garante direito a prisão especial, em caso de crime comum, até definitivo julgamento” no artigo 22, preceitos da Lei n. 13.454, de 12 de janeiro de 2000, do Estado de Minas Gerais, cujo teor é o seguinte: R.T.J. — 197 455 “Capítulo II Da Eleição e da Investidura Art. 2º As eleições para Juiz de Paz serão realizadas simultaneamente com as eleições municipais, na forma estabelecida por esta lei e mediante a aplicação subsidiária do Código Eleitoral e da legislação federal específica. Parágrafo único. O processo eleitoral de que trata este artigo será presidido pelo Juiz Eleitoral competente. Art. 3º O Juiz de Paz é eleito segundo o princípio majoritário, para mandato de quatro anos, pelo voto direto, universal e secreto do eleitorado do distrito ou do subdistrito judiciário respectivo, permitida a reeleição. Parágrafo único. O mandato do Juiz de Paz coincidirá com o de Vereador. Art. 4º Os candidatos a Juiz de Paz e seus suplentes serão escolhidos nas mesmas convenções partidárias que deliberarão sobre as candidaturas às eleições municipais, observadas as normas estabelecidas na legislação eleitoral e no estatuto dos respectivos partidos políticos. Art. 5º Cada partido político poderá registrar, na Justiça Eleitoral, candidatos ao cargo de Juiz de Paz em número correspondente ao de vagas existentes em cada município. § 1º O registro de candidato a Juiz de Paz far-se-á com dois suplentes, em chapa única, com indicação da suplência em ordem crescente. § 2º Não é permitido o registro do mesmo candidato para mais de uma circunscrição nem para mais de um cargo na mesma circunscrição. Art. 6º Para concorrer às eleições, o candidato atenderá às exigências constitucionais e legais de elegibilidade e compatibilidade, especialmente aos seguintes requisitos: I - ser brasileiro nato ou naturalizado; II - estar em pleno exercício dos direitos civis e políticos; III - estar em dia com as obrigações eleitorais; IV - estar quite com as obrigações militares, se do sexo masculino; V - ter domicílio eleitoral no distrito ou subdistrito pelo qual se candidatar pelo prazo de, pelo menos, um ano antes da data da eleição; VI - ter sua filiação deferida pelo partido pelo menos um ano antes da data da eleição; VII - ter idade mínima de vinte e um anos; VIII - comprovar idoneidade moral mediante atestado de autoridade judiciária ou policial; IX - ser alfabetizado. Art. 7º Será considerado eleito Juiz de Paz o candidato que obtiver a maioria dos votos, não computados os votos em branco e os nulos. 456 R.T.J. — 197 § 1º A eleição do Juiz de Paz importará na dos candidatos a suplente com ele registrados, na ordem de suplência a que se refere o § 1º do art. 5º desta lei. § 2º Em caso de empate na votação, considerar-se-á eleito o candidato mais idoso. Art. 8º A diplomação dos eleitos far-se-á de conformidade com as normas estabelecidas na legislação eleitoral. Art. 9º O Juiz de Paz eleito e diplomado tomará posse na mesma data da posse do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, perante o Juiz de Direito Diretor do Foro da comarca a que pertencer o distrito ou subdistrito. Art. 10. A Justiça Eleitoral expedirá as instruções necessárias à execução desta lei e definirá os locais de votação correspondentes a cada distrito ou subdistrito judiciário. § 1º Para fins de definição do número de vagas a serem preenchidas em cada município, o Tribunal de Justiça do Estado fornecerá ao Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, no momento oportuno, a relação de distritos e subdistritos de que trata o art. 1º. § 2º Nos municípios abrangidos por mais de uma zona eleitoral, se o número de vagas para o cargo de Juiz de Paz for inferior ao número de zonas, caberá à Justiça Eleitoral delimitar o eleitorado apto a votar, observado o disposto no art. 1º. [...] Capítulo IV Da Competência Art. 15. Compete ao Juiz de Paz: [...] VII - arrecadar bens de ausentes ou vagos, até que intervenha a autoridade competente; VIII - processar auto de corpo de delito, de ofício ou a requerimento da parte, e lavrar auto de prisão, em caso de ausência, omissão ou recusa da autoridade policial; IX - prestar assistência ao empregado nas rescisões de contrato de trabalho, quando inexistirem na localidade os órgãos previstos no art. 477 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT X - zelar, na área territorial de sua jurisdição, pela observância das normas concernentes à defesa do meio ambiente e à vigilância ecológica sobre matas, rios e fontes, tomando as providências necessárias ao seu cumprimento; [...] XII - funcionar como perito em processos e exercer outras atividades judiciárias não defesas em lei, de comum acordo com o Juiz de Direito da comarca. R.T.J. — 197 457 [...] § 2º A nomeação de escrivão ad hoc é obrigatória em caso de arrecadação provisória de bens de ausentes ou vagos. [...] Art. 22. O exercício efetivo da função de Juiz de Paz constitui serviço público relevante e garante direito a prisão especial, em caso de crime comum, até definitivo julgamento.” [Grifei] 2. O requerente alega que os preceitos em exame ferem os comandos dos artigos 22, I, e 121 da Constituição do Brasil. Alega violação da competência privativa da União para legislar sobre Direito Eleitoral, uma vez que o ato normativo impugnado regula a eleição e a investidura para o cargo de Juiz de Paz. 3. Sustenta a afronta ao art. 121 da Constituição, visto que a organização e a competência dos tribunais eleitorais é matéria de lei complementar. Por outro lado, à luz do art. 22, I, do texto constitucional, é defeso aos Estados legislar sobre Direito Processual Penal e trabalhista. 4. Aduz, por fim, que o ato normativo impugnado não pode atribuir aos juízes de paz funções administrativas baseadas no poder de polícia, bem como atribuir-lhes competências que ofendam a legislação processual civil. 5. Em face da relevância da questão, e tendo em vista a sua repercussão na ordem pública do Estado de Minas Gerais, o então Ministro Presidente Maurício Corrêa requisitou informações à Assembléia Legislativa e determinou fossem ouvidos o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, sucessivamente, para que se pronunciassem, nos termos do art. 12 da Lei n. 9.868/99. 6. A Assembléia Legislativa sustenta que o ato normativo atacado, elaborado dentro dos limites da competência dos Estados-Membros, não possui vício de iniciativa, visto que o projeto de lei enviado àquela casa partiu do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. 7. O Advogado-Geral da União confirma a competência dos Estados-Membros para legislar sobre a Justiça de Paz, cabendo à União somente a disciplina quanto ao Distrito Federal e aos Territórios. Com esteio no precedente da ADI n. 903, Relator o Ministro Celso de Mello [DJ de 24-10-97], admite a existência de um nicho para a atuação legislativa do Estado-Membro, enquanto não houver legislação de caráter nacional. Assim, a matéria eleitoral prevista no inciso I do art. 22 da Constituição do Brasil diz respeito somente aos cargos eletivos do Poder Executivo e do Poder Legislativo. 8. Assevera que as atividades conferidas aos juízes de paz pela lei mineira observam o parâmetro constitucional do art. 98, II, de modo que nenhuma delas trata da solução de conflitos de interesses próprios da atividade jurisdicional. Segundo o art. 15, XII, da lei impugnada, o funcionamento do Juiz de Paz em processos judiciais depende de acordo comum com o juiz de direito da comarca. Do mesmo modo, a lavratura de auto de prisão somente ocorreria na hipótese de omissão, ausência ou recusa da autoridade policial. 458 R.T.J. — 197 9. A determinação legal de que os juízes de paz deveriam zelar pela observância das normas concernentes à defesa do meio ambiente não configuraria a outorga de poder de polícia, restringindo a sua atividade somente à comunicação das questões aos órgãos públicos responsáveis, o que também é franqueado a qualquer cidadão brasileiro. 10. Por fim, aponta a inconstitucionalidade do art. 22 da lei impugnada, ao garantir a prisão especial aos juízes de paz por invasão da competência privativa da União para legislar sobre Direito Processual Penal. 11. O Governador do Estado reafirma a constitucionalidade do Capítulo II, visto que o próprio Código Eleitoral regula as eleições para Juiz de Paz, submetendo-as ao poder dos Tribunais Regionais Eleitorais. Quanto à filiação partidária dos candidatos ao cargo, os argumentos da inicial afrontariam o art. 14, § 3º, da Constituição do Brasil, bem como todo o histórico da Justiça de Paz no Direito brasileiro. 12. Anota que os arts. 2º e 3º, que determinam a adoção do sistema majoritário para a escolha dos juízes de paz e a coincidência com as eleições municipais, encerram normas já previstas no texto constitucional mineiro, que não foi impugnado. 13. Quanto às competências determinadas no art. 15, VII, VIII, IX, X, XII e § 2º, aduz que as atividades atribuídas aos juízes de paz possuem natureza meramente procedimental, as quais guardam relação com a organização judiciária do Estado de Minas Gerais, consubstanciando matéria de competência legislativa estadual por força dos arts. 24, XI, e 96, II, c, da CB/88, reproduzidos nos arts. 10, XV, l, e 104, IV, da Constituição mineira. 14. O Procurador-Geral da República, em parecer de fls. 98/105, reitera os argumentos expendidos na inicial, opinando pela total procedência do pedido. É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para envio aos Ministros (RISTF, artigo 172). VOTO O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): As impugnações oferecidas pelo ProcuradorGeral da República à Lei do Estado de Minas Gerais podem ser sintetizadas nos seguintes pontos: I - violação do art. 22, I, da CB/88, por legislar sobre matéria eleitoral, quanto aos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º e 10; II - violação do art 121, I, da CB/88, por legislar sobre atribuições e competências dos juízes eleitorais, quanto aos artigos 2º, 8º, 9º e 10; III - violação do art. 22, I, da CB/88, por legislar sobre matéria processual civil, quanto ao inciso VII; a expressão “funcionar como perito em processos” do inciso XII e o § 2º, todos do art. 15; IV - violação do art. 22, I, da CB/88, por legislar sobre matéria processual penal, quanto ao artigo 15, VIII e a expressão “e garante direito a prisão especial, em caso de crime comum, até definitivo julgamento”, do art. 22; V - violação do art. 22, I, da CB/88, por legislar sobre matéria trabalhista, quanto ao artigo 15, IX; e R.T.J. — 197 459 VI - violação do art. 225 da CB/88, por conceder poder de polícia e fiscalização aos juízes de paz, quanto à expressão “tomando as providências necessárias ao seu cumprimento” do artigo 15, X; 2. A instituição da Justiça de Paz no Brasil a partir da ordem constitucional de 1988 ainda é uma questão pouco analisada por esta Corte. De outra banda, é escassa legislação sobre o tema, dispersa em alguns artigos da Constituição do Brasil [art. 14, § 3º, VI, c; art. 98, II, e art. 30 do ADCT], da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN [art. 112] e do Código Eleitoral [art. 30, IV, e art. 186, § 1º, VIII]. 3. Prevista nos artigos 161 e 162 da Constituição do Brasil de 1824, a Justiça de Paz foi regulamentada pela Lei de 15 de outubro de 1827, que estabelecia a eleição dos juízes de paz para cada freguesia, concedendo-lhes amplos poderes, inclusive jurisdicionais. 4. Por força do Ato Institucional n. 11, de 14 de agosto de 1969, foram extintas as eleições para os novos juízes de paz, os quais passariam a ser nomeados pelos Governadores dos Estados-Membros, permanecendo os então ocupantes dos cargos até o término de seus mandatos. 5. Com o advento da Constituição de 1988, atribuiu-se aos Estados-Membros e à União, esta com relação ao Distrito Federal e aos Territórios, competência para a criação da Justiça de Paz, restituindo-lhe o caráter eletivo e as funções de natureza meramente conciliatória. 6. É inegável a importância dessa parcela da magistratura nacional, como ressaltado pelo Ministro Celso de Mello na ADI n. 2.082 [DJ de 4-4-2000]. Não se pode, no entanto, sobrepassar as competências definidas no texto constitucional para a sua implementação. Passo à análise das impugnações oferecidas pelo Procurador-Geral da República. 7. Os artigos 2º a 10 da lei mineira, ao disporem sobre a eleição e a investidura para o cargo de Juiz de Paz naquele Estado-Membro, invadem a competência da União, constitucionalmente definida no art. 22, I, para legislar sobre Direito Eleitoral. Quanto aos arts. 2º, 8º, 9º e 10, há ainda violação do art. 121, I, da CB/88, ao dispor sobre matéria afeta a lei complementar. 8. De fato, o art. 30, IV, do Código Eleitoral [Lei n. 4.737/65] define a competência privativa dos Tribunais Regionais Eleitorais para fixar a data das eleições para Juiz de Paz, quando não definida por preceito constitucional ou legal. 9. Note-se bem não se tratar, aqui, de competência concorrente, na acepção conferida pelo Governador do Estado em suas informações. 10. A redação do preceito é clara, no sentido de que às assembléias estaduais incumbe a criação da Justiça de Paz dentro de seus limites territoriais. À União, por fim, caberia a competência para legislar sobre o tema no âmbito do Distrito Federal e dos Territórios. 11. Trata-se de competência organizacional própria a cada ente federativo, sem concorrência quanto à matéria a ser legislada. Os atos normativos provenientes das respectivas casas legislativas não podem, no entanto, avançar sobre matérias de competência privativa da União, previstas no art. 22 da Constituição do Brasil. 460 R.T.J. — 197 12. A capacidade legislativa plena franqueada pelo § 3º do art. 24 do texto constitucional, por outro lado, não deve extrapolar os limites materiais definidos nos incisos daquele artigo. 13. Observo, no entanto, que o sistema majoritário e a simultaneidade das eleições para a Justiça de Paz com o pleito municipal são previstos no art. 117 da Constituição do Estado de Minas Gerais, que não foi impugnado pelo Procurador-Geral da República na inicial. A coincidência dos pleitos, aliás, é prevista no art. 186, § 1º, VIII, do Código Eleitoral [Lei n. 4.737/65]. 14. A viabilidade da ação direta reclama a impugnação conjunta dos preceitos que tratam da matéria, sob pena de inocuidade da própria declaração de inconstitucionalidade. 15. Esse o entendimento desta Corte (ADI 2.132/MC, Ministro Moreira Alves, DJ de 5-4-02; ADI 2.242, Ministro Moreira Alves, DJ de 19-12-01), conforme se infere do precedente abaixo transcrito: “(...) Controle normativo abstrato de constitucionalidade e efeito repristinatório. A questão do efeito repristinatório indesejado. Necessidade, em tal hipótese, de formulação de pedidos sucessivos de declaração de inconstitucionalidade tanto do diploma ab-rogatório quanto das normas por ele revogadas, desde que também eivadas do vício da ilegitimidade constitucional. Ausência de impugnação, no caso, do diploma legislativo cuja eficácia restaurar-se-ia em função do efeito repristinatório. Hipótese de incognoscibilidade da ação direta. Precedentes”. (ADI 2.215-MC, Ministro Celso de Mello, DJ de 26-4-01) 16. Assim, não conheço da ADI quanto às expressões “simultaneamente com as eleições municipais”, do caput do art. 2º, e “segundo o princípio majoritário”, do caput do art. 3º. 17. A questão da filiação partidária dos candidatos a Juiz de Paz, por sua vez, merece algumas considerações. Em que pese os argumentos expendidos pela Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais, a filiação partidária, obrigatória nas eleições de membros do Poder Legislativo e do Executivo, não é compatível com as funções de um membro do Poder Judiciário. Embora desprovido de funções de caráter jurisdicional, as atribuições conciliatórias dos juízes de paz chocam-se com a idéia de partidarismo obrigatório. 18. Aduzem os defensores do texto impugnado o histórico da Justiça de Paz no direito brasileiro, que desde o Império evidenciava a vinculação partidária de seus integrantes. 19. A análise histórica, todavia, é permeada por rupturas, às quais se seguem novos modelos jurídicos. Assim, a vinculação partidária dos juízes de paz deixa de existir com a promulgação da Loman. Esta, no § 1º do art. 112, neste ponto recebido pela ordem constitucional vigente, veda a participação em órgãos de direção ou de ação de partidos políticos aos candidatos a Juiz de Paz. Passo à análise das competências atribuídas pelo art. 15 da lei mineira. 20. A arrecadação de bens de ausentes ou vagos é determinada, respectivamente, nos arts. 1.160 e 1.170 do Código de Processo Civil. R.T.J. — 197 461 21. O vocábulo “juiz”, em ambos os casos, no contexto do CPC, designa o magistrado togado, que, além de arrecadar os bens, tem o poder de publicar editais e nomear curador, funções defesas ao Juiz de Paz por força do preceito constitucional do art. 98, II. 22. Por outro lado, não há possibilidade de nomeação, pelo Juiz de Paz, de escrivão ad hoc para lavratura do termo de arrecadação. Para os casos de bens de ausentes, o escrivão da serventia judicial acompanhará o juiz de direito na diligência de arrecadação dos bens, como preconiza o art. 1.145 do CPC. No caso dos bens vagos, a lavratura do auto cabe à autoridade policial ou ao juiz de direito que recebeu a coisa. 23. Nada impede, no entanto, que o curador nomeado pelo juiz de direito para a guarda dos bens seja o Juiz de Paz do distrito, o que será decidido oportunamente pelo magistrado. 24. A função do Juiz de Paz como perito judicial, do mesmo modo, não é infensa à legislação processual, permitida a livre escolha pelo juiz togado, na forma do art. 145, § 3º, do CPC. 25. Vê-se, no entanto, que todos os preceitos da lei mineira tratam de matéria processual civil, de competência privativa da União. Daí a necessária declaração de inconstitucionalidade do inciso VII, da expressão “funcionar como perito em processos” do inciso XII e do § 2º, todos do artigo 15 da Lei n. 13.454/2000. 26. O inciso VIII do mesmo art. 15 atribui competência à Justiça de Paz para processar auto de corpo de delito e lavrar auto de prisão, em caso de ausência, omissão ou recusa da autoridade policial. 27. O Governo do Estado de Minas Gerais alega que os autos de prisão e de corpo de delito integram o inquérito policial, que não consubstancia processo, mas mero procedimento, para o qual o Estado-Membro teria competência para legislar, à luz do art. 24, XI, da CB/88. 28. Note-se, porém, que a competência para a realização do inquérito policial é constitucionalmente definida no art. 144, § 4º, o que todavia não exclui as demais modalidades de inquérito previstas no ordenamento. O modo como se dará a instauração e instrução do inquérito policial vem definido nos arts. 4º a 23 do Código de Processo Penal. Seu art. 5º, § 2º, estabelece porém que, na hipótese de recusa de abertura do inquérito por parte da autoridade policial, caberá recurso ao Chefe de Polícia, que tomará as providências cabíveis como superior hierárquico. 29. Quanto ao exame de corpo de delito, os arts. 159 e 160 do Código de Processo Penal determinam que a elaboração do laudo de corpo de delito seja procedida por dois peritos oficiais. Já o auto de prisão é lavrado pelo escrivão do distrito policial ou, na sua ausência ou impedimento, por quem vier a ser designado pela autoridade competente [art. 305 do CPP]. 30. O art. 22 da lei mineira garante a prisão especial aos membros da Justiça de Paz em caso de crime comum, até o definitivo julgamento. Uma vez mais aventura-se a lei mineira em seara reservada à União. Anoto, não obstante, que o preceito apenas repete o teor do art. 112, § 2º, da Loman [LC 35/79]. 31. Tanto o inciso VIII do art. 15 como o art. 22 versam matéria de Direito Processual Penal, eivados, portanto, à luz do art. 22, I, da Constituição do Brasil, de vício de inconstitucionalidade formal. 462 R.T.J. — 197 32. O inciso IX do art. 15 do texto impugnado invade a competência da União para legislar sobre Direito do Trabalho ao prever a assistência do Juiz de Paz ao empregado, nas rescisões de contrato de trabalho, na falta de representante do Sindicato ou de autoridade do Ministério Público do Trabalho. Veja-se, ademais, que o suprimento da assistência das autoridades trabalhistas locais pelo Juiz de Paz está previsto no art. 477, § 3º, da CLT, na redação dada pela Lei n. 5.584/70. 33. Por fim, merece destaque a impugnação do inciso X do art. 15 da lei mineira, que permite aos membros da Justiça de Paz zelar pela observância das normas concernentes à defesa do meio ambiente, tomando as providências necessárias ao seu cumprimento. 34. Não vejo, neste ponto, desde que conferida ao preceito interpretação conforme o art. 225 da Constituição do Brasil, atribuição fundada no poder de polícia, de modo que as atividades do Juiz de Paz ficariam adstritas à comunicação de violação da lei às autoridades ambientais competentes, que tomarão as medidas necessárias à preservação do bem jurídico. 35. A demora na elaboração de legislação nacional sobre a Justiça de Paz impede a sua plena implementação nos Estados-Membros, que buscam formas alternativas para o provimento dos cargos que surgem na medida em que os atuais juízes deixam suas funções, em idade bastante avançada, por morte ou aposentadoria, sem o efetivo cumprimento do art. 98, II, da Constituição do Brasil. 36. Embora louvável a iniciativa do Estado de Minas Gerais na reestruturação da Justiça de Paz em seus limites territoriais, não há como criar normas de caráter eleitoral, processual ou de direito trabalhista, em ofensa ao art. 22, I, da CB/88, sob pretexto de conferir efetividade a norma constitucional. Ante o exposto, quanto aos preceitos impugnados da Lei n. 13.454/2000, do Estado de Minas Gerais: I - não conheço do pedido quanto às expressões “simultaneamente com as eleições municipais” do caput do art. 2º e “segundo o princípio majoritário” do caput do art. 3º; II - conheço do pedido e julgo procedente a ADI quanto ao restante dos arts. 2º e 3º; III - conheço do pedido e julgo procedente a ação direta quanto ao inteiro teor dos arts. 4º a 10, bem como quanto aos incisos VII, VIII, IX, à expressão “funcionar como perito em processos” do inciso XII e ao § 2º, todos do art. 15; IV - conheço do pedido e julgo procedente a ADI quanto à expressão “e garante direito a prisão especial, em caso de crime comum, até definitivo julgamento”, do art. 22; e V - conheço do pedido e julgo parcialmente procedente a ação direta quanto ao inciso X do art. 15, para conferir-lhe interpretação conforme o art. 225 do texto constitucional, de modo que a expressão “providências necessárias” compreenda a comunicação aos órgãos públicos competentes para solucionar violação ao ordenamento jurídico em matéria ambiental, bem como todos os meios de que dispõem os cidadãos para defesa e proteção ao meio ambiente, sem atribuição de poder de polícia aos juízes de paz. R.T.J. — 197 463 VOTO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sra. Presidente, quanto ao “segundo o princípio majoritário”, tenho dúvidas. Não há condições verificar os precedentes agora, mas me parece que se afirmou que não haveria interesse para o requerimento de medida cautelar, porque, se a questão é de competência da União ou dos Estados, pouco importa que no momento coincidam ou não a norma federal e a norma estadual. Basta cogitar-se que a norma federal pode ser revogada e alterada. O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Relator apontou que não houve ataque a esses dispositivos. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas por que, quanto ao dispositivo idêntico, S. Exa. não conhece? O Sr. Ministro Marco Aurélio: Aí, não. Aí temos refutado. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, porque está-se discutindo se é competência federal ou estadual e uma série de questões, por exemplo, prisão especial. Se a competência é privativa da União, o dispositivo é inconstitucional, independentemente de coincidir ou não com o dispositivo federal. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Ministro Sepúlveda Pertence, perdoe-me, vamos separar as partes — como diziam os esquartejadores — vamos aos pedaços. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Vossa Excelência pode interpretar as “tiras”. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Depois vamos chegar à questão da prisão especial. Nesse primeiro momento, seriam essas duas questões, o que não vai me impedir, depois, de manifestar-me especificamente sobre as demais questões. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Estou me lembrando. realmente o assunto vai ter de ser destacado ponto a ponto. Mas me prendi em um: prisão especial. A Loman diz o mesmo. Isso não torna constitucional, ou melhor, não elide a discussão sobre a competência do Estado para legislar a respeito. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Perdoem-me, não quero absolutamente ser impertinente. Mas, em seguida, direi que conheço do pedido e julgo procedente a ADI quanto ao restante dos artigos 2º e 3º. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Quais os pontos em que V. Exa. não conhece? A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): No caput do artigo 2º, a expressão “simultaneamente com as eleições municipais”, e, no caput do artigo 3º, “segundo o princípio majoritário”. São essas duas expressões. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Porque essas estão na Constituição estadual. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Exatamente. E não foram impugnadas. É só isso agora. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Aí concordo com V. Exa., porque realmente são normas estaduais. Quanto às questões, por exemplo, repetidas na Loman, V. Exa. não está deixando de conhecer? O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Por enquanto não estou me manifestando. Só não conheço essas duas; são seis ADIs. 464 R.T.J. — 197 O Sr. Ministro Carlos Britto: Estamos discutindo a cabeça do artigo 2º? A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Do artigo 2º e do artigo 3º, mas só estas duas expressões: “simultaneamente, com as eleições” e “segundo o princípio majoritário”. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: São reproduções da Constituição estadual. Aí estou de acordo. VOTO (Antecipação) O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sra. Presidente, quanto à expressão: “será presidido pelo juiz eleitoral competente”, de logo antecipo a minha discordância com o voto do eminente Ministro Relator, nesse ponto. Ao referir-se ao Juiz de Paz, no artigo 14, § 3º, c — ainda que incidentemente, só para fixar-lhe a idade mínima de elegibilidade —, a Constituição incluiu a eleição do Juiz de Paz no sistema eleitoral, cuja direção, a partir daí, só pode incumbir à Justiça Eleitoral: não é preciso que venha uma lei complementar a dizer que a eleição de um cidadão para um mandato, com condições de elegibilidade fixadas na Constituição, é da competência da Justiça Eleitoral. O Sr. Ministro Carlos Britto: Qual artigo da Constituição está sendo citado? O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O artigo 14, § 3º, inciso VI, alínea c. Confesso que é a primeira vez que leio com olhos de prestar atenção essa referência a Juiz de Paz, no artigo 14 — depois de toda a nossa antiguidade no Tribunal Eleitoral. A mim me bastaria isso para inserir a eleição do Juiz de Paz no sistema eleitoral global, e não há outra autoridade, no sistema brasileiro, que possa dirigir eleições, compreendidas no âmbito do artigo 14, que não seja a Justiça Eleitoral. Isso foi discutido, salvo engano, quando se deslocou da União para os Estados a lei de criação de municípios. E discutiu-se quem vai fazer referendo, quando se entendeu, independentemente de ter perdido vigência a velha Lei Complementar n. 1, que a competência só podia tocar à Justiça Eleitoral. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Perdoe-me, Ministro, não estou entendendo o porquê da nossa divergência. Estou conhecendo e julgando procedente. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas estou julgando-a improcedente. Isso não é matéria de Direito Eleitoral; prescrever que uma eleição compreendida no âmbito do sistema eleitoral — de que tratam os artigos 14 e seguintes da Constituição — é da competência da Justiça Eleitoral, pode-se dizer que é uma norma inócua, mas ela é absolutamente constitucional, porque não poderia dispor de outro modo. A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Mesmo quando diz que se aplica, subsidiariamente, o Código Eleitoral? O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, esse, subsidiariamente, aplica-se ao Código Eleitoral. O Sr. Ministro Carlos Britto: É norma com a qual ou sem a qual tudo permanece tal e qual. R.T.J. — 197 465 O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas ela podia até ser “sem a qual”, mas não podia ser diferente da qual, porque aí, sim, seria inconstitucional. Causa-me certo prurido a previsão de aplicação “subsidiária” do Código Eleitoral. A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Inverte a hierarquia, manda aplicar essa lei e, subsidiariamente, o Código Eleitoral. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É uma eleição majoritária, municipal. Julgo improcedente a ação com relação aos arts. 2º e 3º; mas, procedente quanto à expressão “subsidiária”, constante do art. 2º. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro Eros Grau, que a matéria é eleitoral todos estamos de acordo; o que estou dizendo é que não poderia deixar de ser. Quer dizer, a competência da Justiça Eleitoral e a aplicação, conseqüentemente, da legislação eleitoral federal decorrem do sistema da Constituição. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Agora, e essa disciplina prevendo a reeleição em mandato coincidente com o do vereador? O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Aí, acho que é matéria estadual mesmo. O Sr. Ministro Carlos Britto: E já está na Constituição também. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Porque, vejam, aí não há competência concorrente. O art. 98 manda obedecer a legislação, que, no ponto, há de ser estadual. O Sr. Ministro Carlos Velloso: Veja, Ministro Celso de Mello, a lei estadual não discrepa do que dispõe o Código Eleitoral, que manda registrar no juízo eleitoral. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Será que a reeleição é harmônica? Porque o preceito constitucional não prevê, é silente, não há vedação. Faço a pergunta no sentido invertido: a lei estadual poderia vedar a reeleição? O Sr. Ministro Carlos Britto: Inverto o raciocínio: como o princípio republicano se caracteriza pela temporariedade no exercício do mandato e rotatividade no exercício do poder, se a Constituição não prevê a reeleição, é porque ela não é admissível. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não vamos ficar tão republicanos assim, porque, senão, diremos que tudo no Brasil é republicano, menos o Chefe de Estado, que pode ser reeleito. O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas aqui é elemento conceitual da República. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A Constituição estabeleceu alguns casos de inelegibilidade ou elegibilidade e remeteu todo o resto à lei complementar. Acho que realmente a matéria seria desta lei complementar, que não tem uma só palavra a respeito dos juízes de paz, mas isso já é matéria infraconstitucional. O Sr. Ministro Carlos Velloso: E não há discrepância, porque está se fixando sem alteração de tempo de mandato. O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas, Excelência, continuo achando que, no silêncio da Constituição quanto à possibilidade de reeleição, esse silêncio é eloqüente, opera como vedação, mas data venia de entendimento contrário. 466 R.T.J. — 197 O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, Ministro, como a Constituição não prevê a reeleição de deputado, ela seria inconstitucional? O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas aí a Constituição, ao falar de eleições gerais, estabelece o período quadrienal. Então, a reeleição já está implícita. O Sr. Ministro Carlos Velloso: Mas não diz que o deputado é reelegível. O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas como essa matéria foi tratada em apartado pela sua especificidade, a Constituição lhe conferiu um tratamento normativo absolutamente em separado, acho que seria necessária a previsibilidade de reeleição, porque não é norma geral, é especial. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Quando não se concebia a reeleição de Chefe do Poder Executivo, havia um único caso, além do Legislativo, de reeleição na tradição brasileira, a do Juiz de Paz. O Supremo agora vai decidir que “não”? O Sr. Ministro Carlos Britto: Ao conferir esse tratamento constitucional à matéria, o legislador constituinte rompeu com essa tradição. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Esqueceu-se de falar que deputado pode ser reeleito. Vossa Excelência está se apegando a uma ruptura realmente histórica, porque a reeleição dos chefes do Executivo era a única inelegibilidade prevista na primeira constituição republicana e mantida em todos os textos constitucionais posteriores. Por isso, teve de vir a emenda, para afirmar especificamente a reelegibilidade. Agora, dizer que, da República, se tira a irreelegibilidade, então temos de responder por que os membros do Poder Legislativo podem ser reeleitos. O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas aí a Constituição já fala dos períodos quadrienais. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas período quadrienal não quer dizer irreelegibilidade, data venia. Período marca a temporariedade de cada mandato. Não a possibilidade ou impossibilidade de concorrer ao seguinte. Só se Vossa Excelência acha que da temporariedade nasce a irreelegibilidade, como a borboleta da crisálida... O Sr. Ministro Carlos Britto: O Ministro Marco Aurélio colocou essa matéria para votação, não é? VOTO (Sobre divergência) O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presidente, peço vênia ao Ministro Relator para acompanhar a divergência. VOTO (Sobre divergência) O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, peço vênia ao Ministro Relator para acompanhar a divergência. VOTO (Sobre divergência) O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sra. Presidente, peço vênia ao Ministro Relator para acompanhar a divergência. R.T.J. — 197 467 VOTO (Sobre divergência) A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Peço vênia ao eminente Relator para acompanhar a divergência iniciada pelo Ministro Sepúlveda Pertence. DEBATES O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Sra. Presidente, apenas para relembrar — se Vossa Excelência me permitir —, grande parte do vício aqui está relacionada à filiação partidária do Juiz de Paz. Estou votando no sentido de que não se admita a filiação partidária. Mas verifico que vou ficar vencido, dada a alusão ao art. 14, § 3º. O Sr. Ministro Carlos Britto: Filiação partidária e exercício da judicatura são como água e óleo, não se misturam. Aí, acho que Vossa Excelência tem toda razão. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Mas, se nós acabamos de votar com base no § 3º do art. 14, seria uma incoerência. O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ministro Eros Grau, veja que as funções exercidas não são propriamente funções jurisdicionais. O Sr. Ministro Carlos Britto: Filiação partidária não é uma demasia? Porque ali, quando se exige, é para eleições em geral, a filiação partidária é coerente, mas aqui... O Sr. Ministro Carlos Velloso: A nossa democracia representativa faz-se por meio de partidos políticos. É difícil excepcionar. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Temos, na verdade, nesses artigos, um novo Código Eleitoral. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Tenho a maior dificuldade em afastar a incidência do art. 14 da Constituição, relativo às condições de elegibilidade. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Estamos diante de uma situação de exceção. Nos casos de exceção, a norma se aplica desaplicando-se. Para mim é muito claro que se trata de atividade jurisdicional. É muito complicado admitir a coexistência de uma função desse caráter com a filiação partidária. O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ministro Eros Grau, que função jurisdicional importante há aqui? “Art. 15. (...) VII - arrecadar bens de ausentes ou vagos, até que intervenha a autoridade competente;” Quem nasceu no interior sabe. Morre um cidadão; não tem juiz na comarca. Ele vai lá e arrecada até que intervenha o juiz de direito. “VIII - Processar auto de corpo de delito, de ofício ou a requerimento da parte, e lavrar auto de prisão, em caso de ausência, omissão ou recusa da autoridade policial; IX - prestar assistência ao empregado...” Isso o sindicato faz. 468 R.T.J. — 197 O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Se o sindicato não for, ele supre a ausência. Isso é matéria de Direito Trabalhista. O Sr. Ministro Carlos Velloso: “X - zelar, na área territorial de sua jurisdição, pela observância das normas concernentes à defesa do meio ambiente e à vigilância ecológica sobre matas, rios e fontes, (...)” Todo cidadão é competente para fazer isso, deve fazer isso. “XII - funcionar como perito em processo e exercer outras atividades judiciárias não defesas em lei, de comum acordo com o Juiz de Direito da comarca.” Não há exercício, na verdade, de atividade jurisdicional em termos materiais. É um auxiliar da Justiça. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Ele não é um auxiliar da Justiça. Não está escrito na Loman que ele seja um auxiliar da Justiça. Ele está incluído na categoria. O Sr. Ministro Carlos Britto: Mesmo sendo a Justiça de Paz, está subjacente a neutralidade, a imparcialidade, o que é incompatível com partido político, que, por definição, é parte, facção. VOTO (Sobre o inciso VI do art. 6º) O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presidente, voto no sentido da incompatibilidade. VOTO (Sobre o inciso VI do art. 6º) O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sra. Presidente, peço licença para divergir. Conforme disse, a democracia representativa brasileira realiza-se por meio de partidos políticos. O Juiz de Paz é eleito. A Constituição, expressamente, afirma: “Art. 98. (...) II - (...) cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto (...)” Se se tem representação à base de partidos políticos, não vejo como excluir o Juiz de Paz do seu registro mediante partido político. Aliás, é o que consta do Código Eleitoral. “Art. 87. Somente podem concorrer às eleições candidatos registrados por partidos.” Ao dispor sobre o registro: “Art. 89. Serão registrados: I - no Tribunal Superior Eleitoral os candidatos a presidente e vice-presidente da República; II - nos Tribunais Regionais Eleitorais os candidatos a senador, deputado federal, governador e vice-governador e deputado estadual; R.T.J. — 197 469 III - nos Juízos Eleitorais os candidatos a vereador, prefeito e vice-prefeito e Juiz de Paz.” Destarte, a lei estadual em debate simplesmente repete o que está no Código Eleitoral. E vejam Vossas Excelências que, se se declarar inconstitucional esse dispositivo, continua a exigência do Código Eleitoral de candidato a Juiz de Paz integrar partido político. Não me impressiona a afirmativa no sentido de que o juiz não deve ter filiação partidária. Penso que não pode e não deve ter filiação partidária o juiz, o magistrado, o ministro dos tribunais superiores, o juiz de direito, etc, que exercem efetivamente função jurisdicional. O Juiz de Paz, entretanto, conforme se vê de suas atribuições, não exerce função jurisdicional, senão de auxílio ao juiz de direito, à justiça togada. E da experiência que tenho como homem do interior — meu pai foi juiz de direito no interior de Minas — posso afirmar que os serviços que esses homens prestam é inestimável. Em muitas comarcas, não existe juiz de direito. Morre alguém. Quem vai arrecadar os bens? Outras providências precisam ser adotadas. É o Juiz de Paz quem as adotará. Do exposto, meu voto é no sentido de dar pela constitucionalidade desse dispositivo, mesmo porque, se dermos pela inconstitucionalidade, ter-se-á uma decisão inócua, porque a norma permanecerá no Código Eleitoral. DEBATE (Sobre o inciso VI do art. 6º) O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Só para esclarecer, vou reler três linhas do meu voto, dizendo que: “A análise histórica, todavia, é permeada por rupturas, às quais se seguem novos modelos jurídicos. Assim, a vinculação partidária dos juízes de paz deixa de existir com a promulgação da Loman. Esta, no § 1º do art. 112, neste ponto recebida pela ordem constitucional vigente, veda a participação em órgãos de direção ou de ação de partidos políticos aos candidatos a Juiz de Paz.” O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Logo, permite a filiação partidária, Excelência. O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas o que eu quero dizer, a filiação como condição de elegibilidade? O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sim, se é eleito. O Sr. Ministro Carlos Britto: Acho que a demasia está nisso, exigir como condição de elegibilidade. A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): A não ser assim, todos os candidatos teriam que ser avulsos. Alguém, necessariamente, tem que apresentar candidatos a eleição, e quem o faz são os partidos políticos. VOTO (Sobre o inciso VI do art. 6º) O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sra. Presidente, estamos em vias de declarar inconstitucional o artigo 112, § 1º, da Loman, o qual só não permite a investidura na 470 R.T.J. — 197 função de Juiz de Paz a quem pertença a órgão de direção ou de ação de partido político e, conseqüentemente, lhe permite a simples filiação. Estamos, talvez, a reclamar que, na composição da lista dos jurados, os quais exercem, sim, verdadeira jurisdição — e brava: são até trinta anos de reclusão —, se vá exigir certidão negativa de filiação partidária. Mas fico na exegese pedestre: o Juiz de Paz está compreendido no sistema do artigo 14 e, por isso, a meu ver, tem como condição de elegibilidade — como todos os cidadãos eleitos pelo voto secreto, universal e direto — a filiação partidária. VOTO (Sobre o inciso VI do art. 6º) (Retificação) O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presidente, vou reformular o meu voto, para acompanhar a divergência. VOTO (Sobre o inciso VI do art. 6º) (Retificação) O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Sra. Presidente, estou há um ano neste Tribunal e aprendi que o Plenário forma convicção. Vossa Excelência, Ministro Sepúlveda Pertence, acabou de me convencer. Vou retificar o meu voto para acompanhá-lo. Vossa Excelência está certo e não tenho nenhum pudor em, finalmente, encontrar a solução que me parece mais correta. VOTO (Sobre o inciso VI do art. 6º) A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Com a vênia dos Colegas, acompanho a divergência aberta pelo Ministro Sepúlveda Pertence, especialmente, porque leio, no inciso II do artigo 98 da Constituição Federal, quando trata da descrição da Justiça de Paz e da forma como é composta, especificamente, que sua atividade não tem caráter jurisdicional. Esse é o motivo por que, do meu ponto de vista, ela se exime da vedação colocada a todos os magistrados stricto sensu, aqueles que exercem efetivamente função jurisdicional e não podem ter filiação partidária. EXTRATO DA ATA ADI 2.938/MG — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Procurador-Geral da República. Requeridos: Governador do Estado de Minas Gerais e Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais. Decisão: Preliminarmente, o Tribunal, por unanimidade, não conheceu do pedido formulado na ação quanto à expressão “simultaneamente com as eleições municipais”, contida no caput do artigo 2º, e quanto à expressão “segundo o princípio majoritário”, constante do caput do artigo 3º, ambos da Lei n. 13.454, de 12 de janeiro de 2000, do Estado de Minas Gerais. Votou a Presidente. Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria, quanto aos artigos 2º e 3º da norma impugnada, conheceu do pedido R.T.J. — 197 471 formulado na ação e julgou-a improcedente, exceto quanto ao vocábulo “subsidiária”, constante no caput do artigo 2º, vencidos os Ministros Eros Grau (Relator) e Marco Aurélio, que a julgavam procedente. Votou a Presidente. Após os votos dos Ministros Eros Grau (Relator), Joaquim Barbosa, Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence e Ellen Gracie, que julgavam improcedente a ação quanto ao artigo 4º, e dos votos dos Ministros Carlos Britto, Marco Aurélio e Celso de Mello, julgando-a procedente, o julgamento foi suspenso para colher os votos dos Ministros ausentes neste julgamento, por não atingir o quorum necessário para declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade. E, quanto aos demais artigos, o julgamento foi adiado em virtude do adiantado da hora. Ausentes, justificadamente, o Ministro Cezar Peluso e, neste julgamento, os Ministros Nelson Jobim (Presidente) e Gilmar Mendes. Falou pelo requerido, Governador do Estado de Minas Gerais, o Dr. Carlos Bastide Horbach. Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente). Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza. Brasília, 8 de junho de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário. VOTO (Sobre o art. 4º) O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, também pedindo vênia à divergência que se instalou, vou acompanhar o voto do eminente Relator, entendendo, portanto, que não existe, no sistema, a vedação a essa filiação partidária. VOTO (Sobre o art. 4º) O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Também acompanho o voto do eminente Ministro Relator. EXPLICAÇÃO (Sobre os arts. 5º a 10) O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Senhor Presidente, eu gostaria apenas de lembrar que, no meu voto originário — depois aperfeiçoado, na medida em que acompanhei o Ministro Sepúlveda Pertence —, eu levantava uma questão em relação aos arts. 5º a 10, atinentes a uma inconstitucionalidade formal. Essa é uma matéria de Direito Eleitoral, Processual Civil e Processual Penal. Então estou, no meu voto, em seqüência, conhecendo e julgando procedente a ação direta quanto ao inteiro teor dos arts. 5º a 10, os quais questiono por vício formal. DEBATE (Sobre os arts. 5º a 10) O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Diz o artigo 5º: “Art. 5º Cada partido político poderá registrar, na Justiça Eleitoral, candidatos ao cargo de Juiz de Paz em número correspondente ao de vagas existentes em cada município. 472 R.T.J. — 197 § 1º O registro de candidato a Juiz de Paz far-se-á com dois suplentes, em chapa única, com indicação da suplência em ordem crescente. § 2º Não é permitido o registro do mesmo candidato para mais de uma circunscrição nem para mais de um cargo na mesma circunscrição. Art. 6º Para concorrer às eleições, o candidato atenderá às exigências constitucionais e legais de elegibilidade e compatibilidade, especialmente aos seguintes requisitos:” - que são as condições de elegibilidade: “I - ser brasileiro nato ou naturalizado; II - estar em pleno exercício dos direitos civis e políticos; III - estar em dia com as obrigações eleitorais; IV - estar quite com as obrigações militares, se do sexo masculino; V - ter domicílio eleitoral no distrito ou subdistrito pelo qual se candidatar pelo prazo de, pelo menos, um ano antes da data da eleição; VI - ter sua filiação deferida pelo partido pelo menos um ano antes da data da eleição; VII - ter idade mínima de vinte e um anos; VIII - comprovar idoneidade moral mediante atestado de autoridade judiciária ou policial; IX - ser alfabetizado. Art. 7º Será considerado eleito Juiz de Paz o candidato que obtiver a maioria dos votos, não computados os votos em branco e os nulos. § 1º A eleição do Juiz de Paz importará na dos candidatos a suplente com ele registrados, na ordem de suplência a que se refere o § 1º do art. 5º desta lei. § 2º Em caso de empate na votação, considerar-se-á eleito o candidato mais idoso. Art. 8º A diplomação dos eleitos far-se-á de conformidade com as normas estabelecidas na legislação eleitoral. Art. 9º O Juiz de Paz eleito e diplomado tomará posse na mesma data da posse do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, perante o Juiz de Direito Diretor do Foro da comarca a que pertencer o distrito ou subdistrito. Art. 10. A Justiça Eleitoral expedirá as instruções necessárias à execução desta lei e definirá os locais de votação correspondentes a cada distrito ou subdistrito judiciário. § 1º Para fins de definição do número de vagas a serem preenchidas em cada município, o Tribunal de Justiça do Estado fornecerá ao Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, no momento oportuno, a relação de distritos e subdistritos de que trata o art. 1º. § 2º Nos municípios abrangidos por mais de uma zona eleitoral, se o número de vagas para o cargo de Juiz de Paz for inferior ao número de zonas, caberá à R.T.J. — 197 473 Justiça Eleitoral delimitar o eleitorado apto a votar, observado o disposto no art. 1º.” Senhor Ministro Eros Grau, Vossa Excelência entende que seria competência da União? O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Isso é matéria de Direito Eleitoral, portanto não de competência do Estado-Membro. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Seria Direito Eleitoral? Quem vai disciplinar, se a eleição diz respeito a questões estaduais? O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ora, se a Constituição é expressa no conferir à Justiça estadual a competência para criar a Justiça de Paz... O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Tem de se disciplinar como se cria; se cria, tem de se dizer como se faz. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Eu me reservaria a ver o problema se e quando a lei eleitoral federal viesse a dispor de forma contrária. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): E, suplementarmente, o que fosse contraditado. O Sr. Ministro Carlos Velloso: E, pelo que vimos, não há divergência com a lei estadual. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): As explicitações, não é? O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Perdoe-me, foi o que observei no meu voto, chamando a atenção, inclusive, quanto à importância do Juiz de Paz e a circunstância de que não há legislação federal. Mas cumpre ver até que ponto o Estado-Membro, na omissão do legislador federal, pode supri-la. Essa é a questão fundamental. O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Essa seria uma situação como, por exemplo, a ADI estadual. Claro que o legislador estadual poderá disciplinar essas matérias. O Sr. Ministro Carlos Britto: No caso, a Constituição usa até do substantivo “legislação” em duas oportunidades, a mostrar que há uma confluência legislativa estadual e federal. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, quanto às outras funções não jurisdicionais, na parte final do art. 98, II, CF, a alusão genérica a “legislação” não se restringe obviamente à lei federal; à lei federal refere-se o parágrafo, porque relativo à organização judiciária da União. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vereadores? O Sr. Ministro Gilmar Mendes: De quando é essa decisão? O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Senão, não vai ter como fazer essa eleição. Penso que, se tem o poder de criar, tem que regulamentar a forma pela qual isso pode ser feito. Tanto é que admitimos, há pouco, a exigência da filiação partidária. São todas razoáveis. Aliás, os mineiros são sempre razoáveis quando concordam com a gente. 474 R.T.J. — 197 O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Realmente, isso vai depender da legislação estadual, fatalmente: pode haver vários distritos de juizado de paz em cada município. O Sr. Ministro Carlos Britto: É natural isso. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A criação vai dividir em distritos e subdistritos. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Mas aqui é muito mais do que isso. Por exemplo: o art. 5º diz que cada partido poderá registrar, na Justiça Eleitoral, seus candidatos; quer dizer, é matéria eleitoral pura, perdoem-me. Posso até vir a acompanhar o Pleno, mas que é matéria eleitoral, é. O Sr. Ministro Carlos Velloso: Isso consta do Código Eleitoral. O Sr. Ministro Carlos Britto: E não estaria mais no plano do procedimento do que no do processo? O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O que diz o art. 30 do Código Eleitoral? O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Agora, realmente, o Código Eleitoral, no art. 30, IV, prudentemente, ressalva, da competência dos TREs, a hipótese de a data da eleição estar fixada na Constituição ou, também, na lei. O Sr. Ministro Carlos Britto: Um espaço. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim: quantos candidatos e eventualmente a data serão previstos na legislação estadual. O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sim, e o art. 98 da Constituição Federal diz que: “Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: (...) II - Justiça de Paz”(...) O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Quer dizer, o que for da União, sim. O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Nessa atividade de criar está, obviamente, a possibilidade de disciplinar. VOTO (Sobre os arts. 5º a 10) O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, peço vênia ao Ministro Eros Grau para divergir. Entendo que a disciplina da matéria pelo Estado está dentro dos parâmetros conferidos pela Constituição federal ao Estado-Membro para disciplinar a eleição à constituição do Juizado de Paz na esfera estadual. VOTO (Sobre os arts. 5º a 10) O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, também entendo que essa matéria é de confluência legislativa em termos federais e estaduais. Há de haver mesmo um espaço de normatividade reservada para o Estado, que tem poderes para criar o Juizado de Paz. R.T.J. — 197 475 VOTO (Sobre os arts. 5º a 10) O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, também acompanho a divergência. VOTO (Sobre os arts. 5º a 10) A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, também acompanho a divergência, acrescentando, apenas, que a legislação mineira em nada contrasta a legislação eleitoral federal. De modo que, realmente, não há motivo para aqui encontrar inconstitucionalidade. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, sob o ângulo formal, creio que não cabe distinguir se a norma é consentânea, ou não, com a lei federal. Ou bem se tem o vício, ou não, e é possível a regulamentação da matéria no nível em que ocorreu. Assim tem decidido o Plenário. No mais, verifico que os artigos versam sobre tema estritamente eleitoral. De acordo com o artigo 5º: Cada partido político poderá registrar, na Justiça Eleitoral, candidatos ao cargo de Juiz de Paz em número correspondente ao de vagas existentes(...) Segue-se o § 1º, revelando a forma, em si, de se apresentar candidato à eleição, em chapa única, contendo a indicação de suplente. O § 2º volta, também, a adentrar o campo eleitoral, obstaculizando o registro do mesmo candidato em mais de uma circunscrição. O artigo 6º impõe o domicílio eleitoral e, no inciso VI, também está imposta a filiação, a precedência, considerado o pleito, de filiação partidária. No artigo 7º, tem-se que a eleição do Juiz de Paz importa a eleição dos candidatos a suplente; há regra para o desempate no § 2º, e que está ligada à eleição verificada. O artigo 8º cogita da diplomação dos eleitos. Poderia continuar examinando os demais artigos, Presidente, mas vislumbro o que contido nos diversos dispositivos como a versar sobre matéria eleitoral, que deve ser tratada, a meu ver, de forma linear, sem distinguir-se — muito embora seja favorável a uma ênfase maior à Federação — esta ou aquela unidade da Federação. Por isso, peço vênia aos colegas que dissentiram, para acompanhar o voto do Relator, Ministro Eros Grau. VOTO (Sobre os arts. 5º a 10) O Sr. Ministro Carlos Velloso: Senhor Presidente, com a vênia dos Srs. Ministros Marco Aurélio e Relator, fico com a divergência. 476 R.T.J. — 197 VOTO (Sobre os arts. 5º a 10) O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, a rigor, numa análise ortodoxa desses dispositivos, exigiria examiná-los palavra por palavra. Há coisas aqui que, por exemplo, no artigo 6º, são condições de elegibilidade e, aí, não há dúvida, a Constituição Federal esgotou a matéria. Eu diria que é preciso uma análise laboratorial. Por exemplo, se vai ou não haver suplente de Juiz de Paz, não é matéria federal. Conseqüentemente, se haverá candidatos a suplente ou não. O artigo 5º, creio que decorre da organização local do Juizado de Paz. O artigo 7º é efetivamente condição de elegibilidade e, nisso, até para afirmar a filiação partidária, nós, ontem, argumentamos com ele para mostrar que a eleição do Juiz de Paz tinha de se adequar àquelas disposições da Constituição. Creio que, para o rigor técnico que temos de ter, a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 6º, 7º e 8º é praticamente inócua, mas, na verdade, aqui, sim, é legislação eleitoral. Recordem-se os Colegas que ontem votamos por eliminar a expressão “subsidiária” do artigo 2º, exatamente porque não cabe dizer que, em matéria tipicamente eleitoral, a legislação eleitoral se aplicaria subsidiariamente. O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sim, mas o artigo 7º dispõe, exatamente, no caput: “Art. 7º Será considerado eleito Juiz de Paz o candidato que obtiver a maioria dos votos, não computados os votos em branco e os nulos.” É um critério, mas poderia ser “maioria absoluta”, ou outro critério segundo a forma. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas acho que temos de reconhecer que isso é evidente, gritantemente eleitoral: o critério da proclamação da eleição. Isso é Direito Eleitoral puro. Aí, ter-se-á de criar a partir da legislação eleitoral. Deveria até ficar expresso no acórdão. O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Daí a proposta do Ministro Celso de Mello de que deixasse isso, que também pareceria um pouco heterodoxo, para a disciplina da Justiça Eleitoral in totum. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Estou, inclusive, propondo que se ressalve, quer dizer, que se mantenha o artigo 10, que torna explícito o poder normativo da Justiça Eleitoral. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Acho que a solução proposta pelo Ministro Sepúlveda Pertence é a melhor. Mas não todos, Ministro, apenas os artigos 6º, 7º e 8º. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Realmente, isso é tecnicamente insustentável, quer dizer, ver se há alguma ilegalidade para declarar constitucional ou não a lei local, porque o problema é de competência constitucional da União. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vossa Excelência sugere, então, os artigos 6º, 7º e 8º? R.T.J. — 197 477 O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O 5º não, porque é decorrente da própria organização. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ou seja, declara a inconstitucionalidade do art. 6º, porque define condições de elegibilidade. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O 7º, o critério de eleição; e o 8º, a diplomação se fará de acordo com a Justiça Eleitoral: não poderia, também, dizer o contrário. VOTO (Sobre os arts. 5º a 10) O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, não estou convencido da proposta do Ministro Sepúlveda Pertence. Não consigo entender a sua argumentação, especialmente com relação ao caput do artigo 7º, porque, se pode, na regra do artigo 98, o Estado criar e definir, portanto, como será, poderia adotar um outro critério que não este. Aqui, estamos diante de uma lei, no mínimo, de caráter híbrido. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, ao mesmo tempo de composição e de eleição. O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Veja, o artigo 7º é chave para essa definição. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Seria uma opção, maioria absoluta. O artigo 7º da Lei n. 13.454/2000 do Estado de Minas Gerais não se refere ao mais votado, mas à maioria absoluta, não computados os brancos e os nulos; ou seja, a maioria dos que votaram “sim” ou “não”; que votaram em alguém; para isso, precisa-se da maioria absoluta, tendo em vista a natureza da competência do Juiz de Paz. Isso é razoável. O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sim, poder-se-ia adotar um outro critério que não o da maioria simples. VOTO (Sobre os arts. 5º a 10) O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, fico com o comando do inciso II do artigo 98 da Constituição Federal. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Até a condição de elegibilidade? Essa nós utilizamos ontem. O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ministro, que condição de elegibilidade contida na lei estadual que esteja contrariando condição de elegibilidade da Constituição Federal ou do Código Eleitoral? O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Data venia, por isso é que a minha preocupação aqui é puramente técnica. Não importa, numa questão de competência, que a lei local seja a cópia da lei federal, no caso, cópia da Constituição Federal. Se, amanhã, a Constituição Federal eliminar ou aumentar o requisito “domicílio eleitoral”, prevalece a lei estadual? O Sr. Ministro Carlos Velloso: Estou indagando o seguinte: no que diverge essa legislação estadual da federal? 478 R.T.J. — 197 O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não é preciso lembrar. Vossa Excelência, Ministro Carlos Velloso, está cansado de saber disso. Se a questão é de competência, o conteúdo não importa. E o artigo 6º é um rol de condições de elegibilidade. O Sr. Ministro Carlos Velloso: O inciso II do artigo 98 da Constituição entrega aos Estados a atribuição ou a competência para criar a Justiça de Paz. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro, criar, de acordo. Assim como é o Estado que cria município. Mas a Constituição e a lei federal que regem a eleição do prefeito e dos vereadores. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Permita-me, criar de acordo com as regras que sejam compatíveis com a federação. A questão que o Ministro Pertence levanta não é técnica, em termos de competência. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A questão de elegibilidade não é nem da lei eleitoral, é da Constituição Federal. O Sr. Ministro Carlos Velloso: Em que está incompatível? O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Está incompatível em ter legislado sobre este assunto. Só pode ser candidato quem satisfaz as condições de elegibilidade. E estas, para todos os cargos — do Presidente da República ao suplente do Juiz de Paz — estão no artigo 14, § 3º. Ninguém mais pode legislar sobre isso. A Sra. Ministra Ellen Gracie: Ministro Carlos Velloso, foi exatamente esse raciocínio que nos levou a afastar aquelas expressões dos artigos 2º e 3º. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O artigo 8º é de inocuidade total: será diplomado na forma da Justiça Eleitoral. Eu fico até no artigo 6º. Mas parece-me grave ficar, amanhã, na jurisprudência do Supremo, que, para Juiz de Paz, quem fixa condições de elegibilidade é o Estado. Fico só no artigo 6º, porque o outro já é misto. O Sr. Ministro Carlos Velloso: Apenas o artigo 6º. Com tal limitação, adiro ao voto. DEBATE (Sobre o art. 15, incisos VII, VIII e IX) O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Entendo que se trata de matéria de legislação processual. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O Relator está declarando a inconstitucionalidade do inciso “VII”. O Sr. Ministro Carlos Velloso: Vossa Excelência está declarando a inconstitucionalidade porque entende que isso é matéria processual? O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Processo Civil. Está regulado nos artigos 1.160 e 1.170 do Código de Processo Civil. Eu digo no meu voto: “O vocábulo “juiz” em ambos os casos, no contexto do CPC, designa o magistrado togado que, além de arrecadar os bens, tem o poder de publicar editais R.T.J. — 197 479 e nomear curador, funções defesas ao Juiz de Paz por força do preceito constitucional do art. 98, II.” Atividade tipicamente jurisdicional essa de arrecadação, publicação de editais. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vossa Excelência não está decidindo lide nenhuma? O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Como? O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A decisão é de natureza administrativa. O Sr. Ministro Carlos Britto: Tem a ressalva: até que intervenha a autoridade competente. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Ministro Carlos Velloso, estou sendo extremamente federativo, tentando levar ao extremo o sentido dessas regras de competência. Agora, numa interpretação mais complacente, não tenho dúvida nenhuma... O Sr. Ministro Carlos Velloso: Acho que devemos acreditar na Federação. Veja Vossa Excelência que o procedimento em matéria processual é de legislação concorrente. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Aqui, a arrecadação é no sentido material da coisa, físico. É não deixar “o boi fugir”. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Como é que ele faria? Nomearia um escrivão ad hoc para lavrar o auto? O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Ele funciona como escrivão ad hoc. O Sr. Ministro Carlos Velloso: O § 2º fala em escrivão ad hoc. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Ministro Sepúlveda Pertence, fico muito preocupado com a Federação. Não podemos dar elastério à regra de competência do artigo n. 22. Isso é muito sério, é muito grave. O Sr. Ministro Carlos Velloso: Vossa Excelência tem que compreender que o artigo 22 há de ser interpretado em consonância com o artigo 24, que cuida da competência concorrente. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Eu sei disso. Por isso antecipei, já que seria vencido. O Sr. Ministro Carlos Velloso: Precisamos atentar para os problemas que surgem. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Para preservar um julgamento histórico, estamos elastecendo a Federação. O Sr. Ministro Carlos Velloso: Não. Estamos justamente acolhendo a autonomia estadual. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Queria observar o seguinte: o que diz o preceito? Diz que compete ao Juiz de Paz, quer dizer, o Juiz de Paz passa a ter um poder que, na verdade, é dever, passa a ter o dever de arrecadar bens de ausentes ou vagos até que intervenha a autoridade competente, nomeando um escrivão. Que fique claro que isso não é um poder, é um dever. O Sr. Ministro Carlos Britto: Como toda competência. 480 R.T.J. — 197 VOTO (Sobre o art. 15, inciso VII) O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, eu divirjo. Considero constitucional o dispositivo nesse sentido que estamos dando. Ou seja, é um mister supletivo que o Juiz de Paz exerce na ausência da autoridade competente. Acho que a realidade brasileira recomenda isso. Há municípios no Brasil em que o juiz aparece a cada quinze ou vinte dias. VOTO (Sobre o art. 15, inciso VII) O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, acompanho a divergência. Até porque, no âmbito da Federação, a descentralização de poder, de competência, sempre que possível, é de ser afirmada. Entre duas interpretações possíveis, deve-se optar por aquela que fortalece os entes federativos periféricos. VOTO (Sobre o art. 15, inciso VIII) O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, entendo que aqui se trata de atividade puramente material, ou seja, lavrar o auto. O Sr. Ministro Carlos Britto: Não é dar voz de prisão. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: É funcionar como espécie de escrivão. EXPLICAÇÃO (Sobre o art. 15, inciso VIII) O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Sr. Presidente, eu queria lembrar que o Código de Processo Penal estabelece que o laudo de corpo de delito será procedido por dois peritos oficiais. E o auto de prisão é lavrado pelo escrivão ou, na sua ausência, por quem vier a ser designado. Quer dizer: não é apenas o fato de dar voz de prisão. Arts. 305, 159 e 160 do Código de Processo Penal. Matéria típica do art. 22 da Constituição da República, que diz competir privativamente à União legislar sobre ela. Mais uma vez, permito-me enfatizar a necessidade do acatamento que devemos prestar ao princípio federativo. VOTO (Sobre o art. 15, inciso VIII) O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, penso que o Ministro Sepúlveda Pertence já se manifestou no sentido de admitir. Não vejo nenhum problema. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não tem sentido. R.T.J. — 197 481 O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Advirto apenas, se formos declarar a inconstitucionalidade a partir do Código de Processo Penal, que esse Código, quando diz que a perícia será sempre oficial por dois peritos oficiais etc., prevê, também, que, nos grotões, pode não ser possível, donde a previsão do auto de corpo de delito indireta. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Exatamente. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Obviamente isso não será uma prova pericial. Agora, atestar que realmente o homem estava morto e que o cadáver não podia esperar a chegada do Instituto de Criminalística, que provavelmente estaria a oitocentos quilômetros, é um bom começo do auto de corpo de delito indireto, não de perícia. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Autoriza a formalização de documento que não é tratado como tal, mas tratado meramente como instrumento, considerando essa realidade nacional. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Havia um cadáver. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Imagine lá em Sergipe. O Sr. Ministro Carlos Britto: Em Sergipe, as autoridades policiais, judiciárias e do Ministério Público são mais atentas, cobrem o Estado todo, pois ele é menor. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Imaginem Santa Rosa do Acre, então. DEBATE (Sobre o art. 15, inciso XII) O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Só está dizendo que, havendo necessidade de prova pericial — óbvio —, à altura da capacidade do Juiz de Paz, que eventualmente não tenha como remunerar uma outra pessoa, o Juiz de Direito pode nomear um Juiz de Paz para fazer a perícia. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Claro, para fazer a peritagem. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É isso que está dito aí com essa palavra pomposa. É claro que funcionar como perito de acordo com o juiz é ser nomeado pelo juiz para funcionar como perito. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): É o que o juiz nomeia, e aí não tem remuneração, porque está incluído na remuneração dele. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Não está dito aqui que não há remuneração. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O quê? O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Aqui não está dito isso. A Sra. Ministra Ellen Gracie: É um perito oficial. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas, se ele é remunerado pelo serviço, se consta dele a função remuneratória, isso se faz remunerado. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O que está me chamando a atenção neste caso — e acho que isso é muito importante — é que normalmente o ordenamento jurídico dispõe sobre as regras, não sobre as exceções. E, se os Colegas verificarem bem, estamos raciocinando sempre com a exceção aqui. É muito bom que o ordenamento seja capaz de alcançar também as exceções. 482 R.T.J. — 197 O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Excelência, é óbvio que Juiz de Paz nos Jardins de São Paulo é um ser absolutamente dispensável: são funções do Juiz de Paz dos grotões. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Mas a legislação é mineira, não é paulista, nem gaúcha. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vossa Excelência não quer dizer com isso que a paz é ineficaz em São Paulo. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Exato. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Eu disse, no meu voto — apenas para lembrar o que falei ontem —, nada impedir que o Juiz de Paz seja nomeado perito, à luz do 145, § 3º. Não estou aceitando é que isso venha na legislação estadual, em homenagem ao art. 22 da Constituição. Só isso. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Isso só pode ter o sentido de que, aí, será função do cargo dele, e será o perito não remunerado quando puder ele fazer o que qualquer outro cidadão minimamente qualificado poderia, mas com direito à remuneração. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Exato. Quem designa o perito é o juiz. É uma questão, inclusive, de economia. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Eu preferia um parágrafo a mais no art. 145 do Código de Processo Civil. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Então Vossa Excelência mantém? O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Mantenho. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Apenas desrespeitando, data venia, em amor ao art. 22, o art. 98, uma das poucas reservas explícitas de lei estadual que encontro nesta Constituição “Federal”, quando nela se diz que, salvo funções jurisdicionais, o juiz funcionará no casamento e na habilitação de casamento e exercerá outras funções que lhe der a legislação. Nesse contexto, legislação é legislação estadual. O Sr. Ministro Carlos Britto: Aliás, a Constituição usa o substantivo “legislação” quase que invariavelmente nesse sentido de convergência federativa. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim. Ela exige quando é lei federal, assim como está no parágrafo, referente a Juiz de Paz no Distrito Federal e na Justiça Federal. DEBATE (Sobre o art. 15, inciso X) O Sr. Ministro Carlos Velloso: Quer dizer, as pessoas estão cortando as árvores, e ele não pode impedir? O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ele é autoridade, tem o dever. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Qualquer um pode tentar impedir isso. R.T.J. — 197 483 O Sr. Ministro Carlos Velloso: A interpretação conforme restringe a atuação dessa autoridade. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Aceito a observação, mas não no sentido de alterar meu voto, até por coerência. Porque há uma linha de coerência nele, desde o início. O que me preocupa é a interpretação complacente do art. 22. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Matéria ecológica não é competência concorrente? O Sr. Ministro Carlos Britto: Parece-me que não briga com a competência constitucional outorgada ao Ministério Público; não briga para promover o inquérito civil e a ação civil pública para defesa do meio ambiente. Não está brigando com essa norma. É uma instância a mais para zelar pelo meio ambiente. Não há uma contradição entre essa atividade e a do Ministério Público. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Quais são as providências que ele poderá tomar? O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Só a presença dele já inibe a situação. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Quais são as providências diversas em relação às que qualquer pessoa poderá tomar numa situação como essa? Ele passa a ser uma espécie de novo fiscal do Ibama? Ele passa a exercer atividade funcional do Ibama? O Sr. Ministro Carlos Velloso: Não, Ministro, quer que ele tome conta da área, apenas. O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Na competência administrativa do art. 23, inciso VI, ressalta-se que a competência é comum. “Art. 23. (...) VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;” O Sr. Ministro Carlos Velloso: A competência é comum? O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É. E no artigo 24. O Sr. Ministro Carlos Britto: Competência material comum. O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É. É a legislação concorrente ao artigo 24, inciso VI. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Quando houver necessidade de coerção, o problema dele será provocar o juiz, promotor, delegado ou escrivão. Na verdade, praticamente todo cidadão pode fazer isso, mas, dando-lhe a incumbência, ele fica com o dever de fazê-lo. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Ele fará por dever, não em virtude de um direito. VOTO (Sobre o art. 15, inciso X) O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, fico com a divergência, para considerar constitucional na íntegra o dispositivo. 484 R.T.J. — 197 VOTO (Sobre o art. 22, caput) O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, considero constitucional o dispositivo, porque já consta da Loman. VOTO (Sobre o art. 22, caput) O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, fico com a divergência. EXTRATO DA ATA ADI 2.938/MG — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Procurador-Geral da República. Requeridos: Governador do Estado de Minas Gerais e Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais. Decisão: Prosseguindo no exame dos dispositivos impugnados na Lei n. 13.454, de 12 de janeiro de 2000, do Estado de Minas Gerais, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação quanto ao artigo 4º, vencidos os Ministros Carlos Britto, Marco Aurélio e Celso de Mello. Por unanimidade, deu pela inconstitucionalidade integral do artigo 6º, nos termos do voto do Relator. Em relação aos artigos 5º, 7º, 8º, 9º e 10, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação, vencidos os Ministros Eros Grau (Relator), Marco Aurélio e Celso de Mello. Quanto ao inciso VII do artigo 15, julgou, por maioria, improcedente a ação, vencidos os Ministros Eros Grau (Relator) e Marco Aurélio. Por unanimidade, julgou inconstitucional a expressão “e lavrar auto de prisão”, constante do inciso VIII do artigo 15, nos termos do voto do Relator; e, por maioria, inconstitucional o remanescente do dispositivo, vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim. Em relação ao inciso IX do mesmo artigo, o Tribunal, por unanimidade, julgou inconstitucional a ação. Por maioria, julgou improcedente a ação em relação ao inciso X do artigo 15, vencidos os Ministros Eros Grau (Relator) e Marco Aurélio, que davam interpretação conforme, assim como, também por maioria, improcedente a ação quanto ao seu inciso XII, vencidos os Ministros Eros Grau (Relator) e Marco Aurélio. Em relação ao § 2º do artigo 15, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação, vencidos os Ministros Eros Grau (Relator) e Marco Aurélio. E, quanto ao artigo 22, o Tribunal, por maioria, julgou procedente a ação e declarou a inconstitucionalidade da expressão “e garante direito a prisão especial, em caso de crime comum, até definitivo julgamento”, vencidos os Ministros Joaquim Barbosa e Carlos Velloso. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Redigirá o acórdão o próprio Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro Cezar Peluso. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim. Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza. Brasília, 9 de junho de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário. R.T.J. — 197 485 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.069 — DF Relatora: A Sra. Ministra Ellen Gracie Requerente: Governador do Distrito Federal — Requerida: Câmara Legislativa do Distrito Federal Ação direta de inconstitucionalidade. Lei distrital 3.083, de 7-1002. Dia do Comerciário. Data comemorativa e feriado para todos os efeitos legais. Alegação de ofensa ao art. 22, I. Competência privativa da União para legislar sobre Direito do Trabalho. Inconstitucionalidade formal. 1. Preliminar de não-conhecimento afastada. Norma local que busca coexistir, no mundo jurídico, com lei federal preexistente, não para complementação, mas para somar nova e independente hipótese de feriado civil. 2. Inocorrência de inconstitucionalidade na escolha, pelo legislador distrital, do dia 30 de outubro como data comemorativa em homenagem à categoria dos comerciários no território do Distrito Federal. 3. Implícito ao poder privativo da União de legislar sobre Direito do Trabalho está o de decretar feriados civis, mediante lei federal ordinária, por envolver tal iniciativa conseqüências nas relações empregatícias e salariais. Precedentes: AI 20.423, Rel. Min. Barros Barreto, DJ de 24-6-59, e Representação 1.172, Rel. Min. Rafael Mayer, DJ de 3-8-84. 4. Ação direta cujo pedido é julgado parcialmente procedente. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, julgar procedente, em parte, a ação, para declarar a inconstitucionalidade da expressão “e feriado para todos os efeitos legais”, contida no artigo 2º da Lei n. 3.083, de 7 de outubro de 2002, do Distrito Federal, nos termos do voto da Relatora. Brasília, 24 de novembro de 2005 — Ellen Gracie, Relatora. RELATÓRIO A Sra. Ministra Ellen Gracie: Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Governador do Distrito Federal em face da Lei 3.083, de 7-10-02, que passa a considerar, naquela unidade da Federação, o dia 30 de outubro data comemorativa (Dia do Comerciário) e feriado para todos os efeitos legais.1 1 Lei 3.083, de 7-10-02, do Distrito Federal: 486 R.T.J. — 197 Alega que a Câmara Legislativa do Distrito Federal, ao instituir novo feriado, atingiu as relações de emprego e de salário, tendo invadido, portanto, a competência privativa da União para legislar sobre Direito do Trabalho (CF, art. 22, I). Aponta, ainda, a existência de legislação federal disciplinando a matéria (Lei 9.093/95), “que não deixou margem aos Estados para editarem normas instituindo outros feriados além da data magna estadual e dos religiosos em número não superior a quatro” (fl. 04). Pede, ao final, a declaração de inconstitucionalidade do Diploma impugnado. Aplicado o procedimento disposto no art. 12 da Lei 9.868/99 (fl. 10), o Presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal prestou informações (fls. 16/21), nas quais sustenta pretender-se, por meio desta ação, a análise de possível descompasso entre a lei ordinária distrital e a lei federal que rege o assunto. Aduz, assim, a inadequação do controle abstrato para a averiguação de ofensa a normas infraconstitucionais. A Advocacia-Geral da União, em sua manifestação (fls. 23/30), salientou que a criação, por si só, de uma data comemorativa local que represente uma homenagem à categoria dos comerciários não afronta a Carta Magna, sendo certo que tal iniciativa está inserida na autonomia que possuem os entes da Federação de “prestar homenagens a tudo que se revele especial”, havendo, nesse sentido, várias datas que festejam fatos ou personagens históricos, direitos fundamentais, categorias profissionais, pessoas, coisas, instituições etc. Afirma, todavia, que a fixação de data de comemoração não se confunde com a criação de feriado, iniciativa esta que “ocasiona reflexos nas relações de trabalho devido à obrigatoriedade do pagamento de salários” (fl. 28), além de provocar a interrupção de outras atividades públicas e privadas. Conclui, dessa forma, que a expressão “e feriado para todos os efeitos legais”, contida no art. 2º do ato normativo ora em exame, invade a competência privativa da União para legislar sobre Direito do Trabalho. Pelas mesmas razões expostas pela AGU, opinou a Procuradoria-Geral da República pela procedência parcial do pedido formulado e pela declaração de inconstitucionalidade da expressão “e feriado para todos os efeitos legais”, presente no art. 2º da Lei distrital 3.083/02 (fls. 32/34). É o relatório. Distribuam-se cópias aos Senhores Ministros. VOTO A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): 1. Examino, inicialmente, a preliminar de conhecimento levantada nas informações prestadas pela Câmara Legislativa do Distrito Federal, que sustenta a presença, nesta ação, de um mero questionamento sobre a Art. 1º O Dia do Comerciário será comemorado no território do Distrito Federal no dia 30 de outubro de cada ano. Art. 2º A data de que trata o artigo anterior será considerada comemorativa, e feriado para todos os efeitos legais. Art. 3º Esta Lei entre em vigor na data de sua publicação. Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário. R.T.J. — 197 487 conformação do ato normativo atacado ao teor da lei federal que dispôs sobre feriados, pretensão inviável em sede de controle concentrado de constitucionalidade de normas. A Lei 9.093, de 12-9-95, definiu quais são os feriados brasileiros, divididos entre civis (i - os declarados em lei federal; ii - as datas magnas dos Estados, fixadas em lei estadual; e iii - os dias do início e do término do ano do centenário de fundação do município, fixados em lei municipal) e religiosos (dias de guarda, declarados em lei municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-Feira da Paixão). Note-se que o referido Diploma representa a instituição das hipóteses de feriado, exaustivamente enumeradas pelo legislador federal, que delegou à lei estadual, no caso da data magna, e à lei municipal, nos casos do ano do centenário e dos dias de guarda, tão-somente a fixação dos dias em que deverão recair aqueles feriados previamente concebidos. Estaríamos no campo da ilegalidade, por exemplo, se em discussão a eleição deste ou daquele dia do ano como a data magna do Distrito Federal. Não é o caso dos autos. Aqui, há a instituição de um novo feriado civil por meio de lei distrital, com todos os efeitos daí decorrentes. É norma local que busca coexistir, no mundo jurídico, com lei federal preexistente, não para complementação, mas para somar nova e independente hipótese de feriado civil. Rejeito, portanto, a preliminar ora tratada. 2. No tocante ao mérito, não verifico inconstitucionalidade alguma na escolha, pelo legislador distrital, do dia 30 de outubro como data comemorativa em homenagem à categoria dos comerciários do Distrito Federal. Aliás, desde 1932 esta data é nacionalmente considerada dia do comerciário, por coincidir com a publicação no Diário Oficial do Decreto-Lei 4.042, que reduziu a jornada diária de trabalho da referida categoria de doze para oito horas e regulamentou o funcionamento do comércio. 3. Por outro lado, ainda sob a égide das Constituições anteriores, o Supremo Tribunal Federal já assentava que implícito ao poder privativo da União de legislar sobre Direito do Trabalho estava o de “decretar feriados civis, mediante lei federal ordinária” (AI 20.423, Rel. Min. Barros Barreto, DJ de 24-6-59), por envolver tal iniciativa “conseqüências nas relações empregatícias e salariais” (Representação 1.172, Rel. Min. Rafael Mayer, DJ de 3-8-84). A Constituição Federal de 1988, em continuidade a esta sistemática, estabelece a competência privativa da União para legislar sobre temas de Direito do Trabalho, aí incluído, segundo a jurisprudência apontada, a criação de feriado civil, pois este, como bem ressaltou o parecer da douta PGR, “institui um dia de descanso remunerado para os trabalhadores, fazendo surgir obrigações para os empregadores” (fl. 33). 4. Diante do exposto, detectada a presença de vício formal pela invasão de competência privativa da União pelo legislador distrital, julgo procedente, em parte, o pedido para declarar a inconstitucionalidade da expressão “e feriado para todos os efeitos legais”, contida no art. 2º da Lei 3.083/02, do Distrito Federal. É como voto. 488 R.T.J. — 197 EXTRATO DA ATA ADI 3.069/DF — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Requerente: Governador do Distrito Federal (Advogados: PGDF – Maria Dolores Serra de Mello Martins e outro). Requerida: Câmara Legislativa do Distrito Federal. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente, em parte, a ação, para declarar a inconstitucionalidade da expressão “e feriado para todos os efeitos legais”, contida no artigo 2º da Lei n. 3.083, de 7 de outubro de 2002, do Distrito Federal, nos termos do voto da Relatora. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Ausentes, justificadamente, os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e Gilmar Mendes. Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos. Brasília, 24 de novembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.114 — SP Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto Requerente: Governador do Estado de São Paulo — Requerida: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo Ação direta de inconstitucionalidade. Impugnação do parágrafo único do artigo 25 e do caput do artigo 46 da Lei Complementar n. 836, de 2 de dezembro de 1997. Diploma normativo que instituiu o Plano de Carreira, Vencimentos e Salários dos servidores públicos inegrantes do quadro do magistério da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Alegação de desrespeito aos incisos IV e VI do artigo 84 da Constituição Federal de 1998, bem como ao princípio da separação de Poderes (art. 2º da CF). — As normas constitucionais de processo legislativo não impossibilitam, em regra, a modificação, por meio de emendas parlamentares, dos projetos de lei enviados pelo Chefe do Poder Executivo no exercício de sua iniciativa privativa. Essa atribuição do Poder Legislativo brasileiro esbarra, porém, em duas limitações: a) a impossibilidade de o parlamento veicular matérias diferentes das versadas no projeto de lei, de modo a desfigurá-lo; e b) a impossibilidade de as emendas parlamentares aos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 166, implicarem aumento de despesa pública (inciso I do art. 63 da CF). No caso, a Lei Complementar n. 836/97 é fruto de um projeto de lei de autoria do próprio Governador do Estado de São Paulo, e o impugnado parágrafo único do artigo 25, embora decorrente R.T.J. — 197 489 de uma emenda parlamentar, não acarreta nenhum aumento da despesa pública. Vício de inconstitucionalidade que não se verifica. — O artigo 46 da Lei Complementar n. 836/97 dispõe que, na hipótese de o deslocamento do servidor público ocorrer sem prejuízo remuneratório, caberá ao Município ressarcir ao Estado os valores pagos ao agente estatal cedido, bem como os encargos sociais correspondentes. Tudo a ser feito com recursos provenientes do repasse do Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental. Caso em que se reconhece ofendida a autonomia municipal para aplicar livremente as suas rendas (CF, art. 18). — Ação direta julgada parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade da expressão “Na hipótese de o afastamento ocorrer sem prejuízo de vencimentos, o Município ressarcirá ao Estado os valores referentes aos respectivos contracheques, bem como encargos sociais correspondentes, com recursos provenientes do repasse do Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental”, constante do art. 46 da Lei Complementar n. 836/97, do Estado de São Paulo. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, julgar improcedente a ação quanto ao parágrafo único do artigo 25 da Lei Complementar n. 836/97. Também por unanimidade, julgar parcialmente procedente a ação quanto ao inciso X do artigo 64, acrescentado pelo artigo 46 da Lei Complementar n. 836, de 2 de dezembro de 1997, à Lei Complementar n. 444, de 27 de dezembro de 1985, ambas do Estado de São Paulo, restando declarada a inconstitucionalidade da seguinte expressão: “Na hipótese de o afastamento ocorrer sem prejuízo de vencimentos, o Município ressarcirá ao Estado os valores referentes aos respectivos contra-cheques, bem como aos encargos sociais correspondentes, com recursos provenientes do repasse do Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental”, tudo nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente. Brasília, 24 de agosto de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: O Governador do Estado de São Paulo ajuíza a presente ação direta de inconstitucionalidade. Ação, essa, que impugna o parágrafo único do art. 25 e o art. 46, caput, da Lei Complementar paulista de n. 836, de 2 de dezembro de 1997, que instituiu o Plano de Carreira, Vencimentos e Salários dos servidores públicos integrantes do Quadro do Magistério da Secretaria de Educação. 2. Os dispositivos questionados exibem a seguinte redação: 490 R.T.J. — 197 “Art. 25. (...) Parágrafo Único. A Comissão de Gestão da Carreira referida no caput de este artigo será composta de forma paritária com representantes indicados pela Secretaria da Educação e das entidades representativas dos integrantes do magistério, a ser regulamentada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias. (...) Art. 46. Inclua-se no artigo 64 da Lei Complementar n. 444, de 27 de dezembro de 1985, o inciso X, com a seguinte redação: X - exercer atividades docentes ou de suporte pedagógico, junto a Municípios conveniados com o Estado para municipalização do ensino, sem prejuízo de vencimentos e sem prejuízo das demais vantagens do cargo ou com prejuízo de vencimentos com expressa opção do servidor. Na hipótese de o afastamento ocorrer sem prejuízo de vencimentos, o Município ressarcirá ao Estado os valores referentes aos respectivos contra-cheques, bem como aos encargos sociais correspondentes, com recursos provenientes do repasse do Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental.” (Sem destaques no original) 3. Pois bem, sustenta o requerente que os dispositivos normativos em vitrine foram inseridos, pela Assembléia Legislativa paulista, no projeto de Lei Complementar n. 38/97; inserção que, na ótica do autor, estaria a vilipendiar a competência constitucional do Chefe do Poder Executivo para deflagrar, com privatividade, o processo de elaboração de leis que versem sobre o regime jurídico dos servidores públicos e a respeito da estrutura de órgãos da Administração Pública (art. 61, § 1º, II, c e e, da Lex Legum). Aduz que o texto normativo sob censura desrespeita os incisos IV e VI do art. 84 da Carta-cidadã, bem como o Princípio da Separação dos Poderes (CF, art. 2º). 4. Já em sede de informações, o Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo salienta que o caso dos autos não autoriza a instauração do processo objetivo de constitucionalidade. Isso porque o embate jurídico sobre eventual invalidade dos dispositivos impugnados seria travado em face da Constituição paulista e, apenas de forma reflexa, frente à Norma Normarum. Diz, por outro lado, que o art. 61 da Constituição Federal cinge-se à iniciativa de leis do Presidente da República, não sendo aplicável, portanto, aos Governadores de Estado. Nessa marcha batida, o requerido também esgrime a tese de que os dispositivos hostilizados não dispõem sobre servidor público e seu regime jurídico, tampouco referindo-se à criação de órgãos da Administração Pública. 5. A seu turno, o digno Advogado-Geral da União manifestou-se pela improcedência dos pedidos articulados na inicial, enquanto que a douta Procuradoria-Geral da República opinou pela procedência da pretensão autoral. É o relatório. R.T.J. — 197 491 VOTO O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): 7. Vê-se que o Governador do Estado de São Paulo pugna pela declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 25 e do caput do artigo 46 da Lei Complementar n. 836/97. Para tanto, sustenta violação às alíneas a e c do inciso II do § 1º do artigo 61 da Lei Maior do País. 8. Pois bem, com os olhos postos no caso concreto, observo que o parágrafo único do art. 25 da Lei Complementar n. 836/97 dispõe sobre a composição da chamada “Comissão de Gestão da Carreira do Magistério”, órgão, esse, que deverá ser paritariamente constituído por representantes da Secretaria da Educação e das entidades de representação. Mais: do exame do caput desse mesmo art. 25, infere-se que o préfalado comitê foi instituído para auxiliar o Poder Público no estabelecimento de critérios garantidores da evolução funcional dos funcionários que integram a carreira do magistério público1. 9. Bem vistas as coisas, é do meu pensar que o desate da controvérsia em torno da validade do parágrafo único do art. 25 da Lei Complementar n. 836/97 dispensa qualquer estudo que vise a detectar se esse dispositivo legal realmente tratou sobre qualquer das matérias arroladas nas letras a e c do inciso II do § 1º do art. 61 da Lex Legum. Assim me posiciono porque, segundo noticiou o próprio requerente (fl. 03), o diploma normativo sob comento resultou de Projeto de Lei Complementar de autoria do Poder Executivo paulista. 10. De outra banda, as normas constitucionais de processo legislativo não impossibilitam, em regra, a modificação, por meio de emendas parlamentares, dos projetos de lei enviados pelo Presidente da República no exercício constitucional de sua iniciativa exclusiva. Essa atribuição do Poder Legislativo brasileiro esbarra, porém, em duas limitações: a) a impossibilidade de o parlamento veicular matérias diferentes da tratada no projeto de lei, de modo a desfigurá-la, e, b) a impossibilidade de as emendas parlamentares aos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 166, implicarem aumento de despesa pública (CF, art. 63, I). 11. Seja como for, o fato é que não diviso qualquer inconstitucionalidade no parágrafo único do art. 25 da Lei Complementar n. 836/97, do Estado de São Paulo. Primeiro, porque esse diploma legal é fruto de um projeto de lei de autoria do Poder Executivo e, segundo, porque o impugnado parágrafo único do art. 25, embora decorrente de uma emenda parlamentar, não acarreta nenhum aumento da despesa pública. 12. Debruço-me, agora, sobre a argumentação manejada para impugnar o art. 46 da multi-referida Lei Complementar n. 836/97, do Estado de São Paulo. Esse dispositivo legal, repise-se, introduziu o inciso X no art. 64 da Lei Complementar n. 444, de 27 de dezembro de 1985, do Estado de São Paulo, cujo teor é seguinte: 1 “Art. 25. Fica instituída, na Secretaria da Educação, Comissão de Gestão da Carreira, com a atribuição de propor critérios para a Evolução Funcional e demais providências relativas ao assunto, na forma a ser estabelecida em regulamento”. 492 R.T.J. — 197 “Art. 64. O docente e/ou especialista de educação poderão ser afastados do exercício de seu cargo, respeitado o interessa da Administração Estadual, para os seguintes fins: (...) X - exercer atividades docentes ou de suporte pedagógico, junto a Municípios conveniados com o Estado para municipalização do ensino, sem prejuízo de vencimentos e sem prejuízo das demais vantagens do cargo ou com prejuízo de vencimentos com expressa opção do servidor. Na hipótese de o afastamento ocorrer sem prejuízo de vencimentos, o Município ressarcirá ao Estado os valores referentes aos respectivos contra-cheques, bem como encargos sociais correspondentes, com recursos provenientes do repasse do Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental; (...)” (Sem destaque no original) 13. Nesse particular, Senhor Presidente, penso assistir razão ao acionante. É que o art. 46 da Lei Complementar n. 836/97 dispõe que, na hipótese de o deslocamento do servidor público ocorrer sem prejuízo remuneratório, caberá ao Município ressarcir ao Estado os valores pagos ao agente estatal cedido, bem como os encargos sociais correspondentes — tudo a ser feito com recursos provenientes do repasse do Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental. 14. Nesse ponto, é do meu pensar que restou ofendida a autonomia municipal (CF, art. 18) para aplicar livremente as suas rendas, como leciona Hely Lopes Meirelles, in Direito Municipal Brasileiro, Ed. Malheiros, p. 93, in verbis: “(...) A atual Constituição da República, além de inscrever a autonomia como prerrogativa intangível do Município (...), enumera, dentre outros, os seguintes princípios asseguradores dessa mesma autonomia: a) poder de auto-organização (elaboração de lei orgânica própria); b) poder de auto-governo, pela eletividade do prefeito, do vice-prefeito e dos vereadores; c) poder normativo próprio, ou de autolegislação, mediante a elaboração de leis municipais na área de sua competência exclusiva e suplementar; d) poder de auto-administração: administração própria para criar, manter e prestar os serviços de interesse local, bem como legislar sobre seus tributos e aplicar suas rendas. (...)” (Sem destaque no original) 15. Nesse mesmo sentido, arremata o saudoso administrativista (pp. 111/112, ob. cit.): “(...) Outro princípio assegurador da autonomia municipal é a garantia que a Constituição da República oferece ao Município de decretar e arrecadar os R.T.J. — 197 493 tributos de sua competência e aplicar suas rendas sem tutela ou dependência de qualquer poder (...)” (Sem destaque no original) 16. Com esses fundamentos, Senhor Presidente, o meu voto é pela procedência parcial do pedido, declarando tão-somente a inconstitucionalidade da expressão: “Na hipótese de o afastamento ocorrer sem prejuízo de vencimentos, o Município ressarcirá ao Estado os valores referentes aos respectivos contra-cheques, bem como encargos sociais correspondentes, com recursos provenientes do repasse do Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental”, constante do art. 46 da Lei Complementar n. 836/97, do Estado de São Paulo. 17. É como voto. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, o Relator ressaltou dois aspectos fundamentais. O parágrafo inserido tem a ver com a cabeça do artigo, que resultou de projeto do Executivo e não gera, em si, aumento de despesa. A concluir-se que a norma da iniciativa é peremptória, chegaremos ao ponto de entender que, tramitando o projeto, não pode haver qualquer modificação na Casa Legislativa, a quem cabe tãosomente placitar o que fora enviado pelo Executivo. Sob o ângulo da razoabilidade, a boa procedência da inserção salta aos olhos, porque, ao se disciplinar a Comissão de Gestão da Carreira sem definir-se o número de participantes, versou-se sobre a integração de representantes do magistério. Algo salutar e que observamos na vida administrativa em geral, ou seja, quando se imagina um trabalho para melhor se estruturar a carreira, para melhor se implementar a carreira, conta-se com a participação dos diretamente interessados, e incumbirá à Administração Pública definir o número de representantes na regulamentação, no prazo razoável de sessenta dias. Acompanho o Relator, julgando improcedente o pedido formulado. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A controvérsia proposta é que o caput do artigo estabelecia: “Art. 25. Fica instituída, na Secretaria da Educação, Comissão de Gestão da Carreira, com a atribuição de propor critérios para a Evolução Funcional e demais providências relativas ao assunto, na forma a ser estabelecida em regulamento.” Ou seja, no projeto, é reservado ao regulamento a definição da composição dessa gestão de carreira. O Relator e o Min. Marco Aurélio sustentam que o parágrafo meramente estabeleceu a composição e não estaria fora da atribuição de emendas. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Observando até a ordem natural das coisas, a natureza da comissão a ser constituída. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Apenas se impôs uma limitação na sua composição. 494 R.T.J. — 197 O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Que seria paritária, porque a Constituição Federal consagra o princípio da gestão paritária do ensino no inciso VI do art. 206, expressamente. O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Além do que, nesse caso, a cláusula do art. 25 estava totalmente aberta. Não tinha, na verdade, uma delegação. Segundo a ortodoxia, mais declamado na doutrina do que na prática constitucional, essas fórmulas, na verdade, contêm delegação indevida. De modo que até nesse sentido parece dar um mínimo de parâmetros. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Chamaria a atenção para a primeira vez que isso surgiu no Tribunal. Lembrem-se da antiga Súmula n. 05 do Supremo Tribunal Federal, que estabelecia aquele problema da sanção do projeto, supre a falta de iniciativa, etc. Essa orientação do Tribunal acabou sendo alterada na Representação n. 890, Relator Oswaldo Trigueiro, de 27 de março de 1974, porque, naquele momento, já estava em vigor a Constituição de 1967, que havia reproduzido uma norma surgida no Ato Institucional n. 2 determinando, pura e simplesmente, a proibição de emendas parlamentares que aumentassem despesa. Então, entendeu-se que a sanção do Executivo não superava a proibição ao Poder, estabelecida na Constituição de 67. Curiosamente, tive oportunidade de fazer uma pesquisa — e não recorri ao Ministro Sepúlveda Pertence, que tem a memória do Tribunal —, e, depois, essa tese, que se restringia exclusivamente à questão relativa à despesa, acabou se estendendo a todas as outras sanções do Presidente sobre alterações que fossem feitas em projeto de sua iniciativa, mesmo quando não importassem em aumento de despesa. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O critério mais presente à jurisprudência do Tribunal é o da pertinência, sem a qual seria inócua a própria regra de iniciativa reservada. O Sr. Ministro Marco Aurélio: De iniciativa, com uma modificação substancial. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Se uma proposta de regra sobre vantagens de servidores públicos, de iniciativa reservada ao Executivo, fosse dado emendar para criar órgãos novos, obviamente estaria esvaziada a iniciativa, também privativa do Executivo, para projetos de criação de órgãos administrativos. No caso, o que se tem? A iniciativa da criação do órgão é do Executivo, com uma delegação ampla ao Governo para regulamentá-lo como bem entender. Impôs-se, por emenda parlamentar, um caráter paritário à composição dessa comissão. Não vejo nenhuma inconstitucionalidade. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Duas palavras apenas: apanhou bem o Ministro Sepúlveda Pertence. Retifico o que lancei no voto, quanto ao número de integrantes. A composição é paritária. A paridade visa ao equilíbrio. A comissão só tem a atribuição de propor. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não é vinculante. Há um aspecto também a ser suscitado, que foi levantado da tribuna, em relação ao parágrafo único na parte final. O caput do artigo diz: “na forma a ser estabelecida em regulamento”. R.T.J. — 197 495 E o parágrafo único diz: “a ser regulamentada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias”. Tem de examinar separadamente esse pedido formulado na ADI, da imposição de prazo ao governador de Estado. O Sr. Ministro Marco Aurélio: É razoável. O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Acho razoável. É o tipo de norma sem sanção. O Sr. Ministro Marco Aurélio: E o período de sessenta dias? Se não se conseguir constituir uma comissão em sessenta dias, há algo errado. O Sr. Ministro Gilmar Mendes: : Essa questão do prazo da Constituição de 67/69 já foi objeto de consideração de Pontes de Miranda, dizendo que pode haver até lesão à divisão de Poderes se houver uma imposição de prazo extremamente curto. Mas, na hipótese, parece-me absolutamente razoável, guarda pertinência com a própria proposta do Executivo, que teria de regulamentar a matéria. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Está no caput. O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Também, não se trata de um prazo tão curto para regular uma matéria importante. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): E resolve um conflito político. Se fica sem prazo, como o parágrafo foi impugnado, acaba não regulamentando a comissão, tendo em vista que isso foi produto de emenda parlamentar. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Nesta ação direta de inconstitucionalidade, houve concessão de liminar? Porque a lei complementar é de 97. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Esse afastamento é dependente da autorização administrativa? O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Como está o caput do artigo? O Sr. Ministro Marco Aurélio: Na cabeça do artigo, prevê-se “respeitado o interesse da Administração Estadual”. A Administração Estadual definirá a cessão. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O que diz a cabeça do artigo 64? O Sr. Ministro Marco Aurélio: De acordo com o artigo 64: Artigo 64. O docente e/ou especialista de educação poderão ser afastados do exercício de seu cargo, respeitado o interesse da Administração Estadual, para os fins: (...) Aqui se estabelece um regime de cooperação. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O Estado celebra convênios em que se compromete a ceder funcionários, com ou sem ônus para o Município. O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): E dispondo, inclusive, sobre o modo de o Município, eventualmente, ressarcir as despesas do Estado. 496 R.T.J. — 197 O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Obviamente, se isso é convênio, é se o Município assentir em receber o servidor. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Claro, não há invasão. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Por essa regra o servidor só poderá exercer a atividade docente, se o Município ressarcir o Estado. O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Já indicando os fundos. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): É o efeito, diz assim: “Na hipótese de o afastamento ocorrer sem prejuízo de vencimentos, o Município ressarcirá ao Estado os valores referentes aos respectivos contracheques, bem como aos encargos sociais correspondentes, com recursos provenientes do repasse do Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental.” Então, condiciona que o convênio só será admitido se houver o ressarcimento. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas é interessante. O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Inclusive com indicação da fonte de suprimento de recursos para o Município. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O que me intriga um pouco é essa cláusula de expressa opção do servidor. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Eu sei, mas aí exige-se a expressa opção do prestador dos serviços, porque, deixando ele de receber dos cofres públicos, do próprio Estado ao qual vinculado, haverá uma modificação substancial na relação jurídica. Por isso é que se cogitou da opção expressa do prestador dos serviços. A regra qual é? A cessão, e o órgão cedente satisfaz a remuneração do prestador dos serviços e, depois, reembolsa-se mediante o convênio. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Agora, mesmo que o titular, o docente, opte no sentido de ir trabalhar no Município com prejuízo dos vencimentos, tem que concordar; se não concordar, irá sem prejuízo dos vencimentos, mas, nessa hipótese, o Município terá de ressarcir, o convênio não ficará aberto no sentido de que o Estado não seja ressarcido. O Sr. Ministro Marco Aurélio: O risco passa a ser dele. O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Isso não tinha sido proposto, inicialmente, pelo Governador, foi por inovação completa do projeto. O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Foi por emenda. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas visando à colaboração; é uma opção políticolegislativa. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Aqui, é uma restrição da norma imposta ao Governador, que fica proibido de mandar servidores sem prejuízo dos vencimentos e sem que haja ressarcimento pelos Municípios. Os Municípios têm a obrigação de ressarcir. A cessão de servidores fica restrita a essa condição. O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Isso entra na questão da pertinência. R.T.J. — 197 497 O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Tematicamente, essa emenda parlamentar é novidadeira. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Se a emenda não é novidadeira, não é emenda. O que importa é se ela tem a ver com o objeto do processo. O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): É novidadeira de modo substancial, a ponto de acarretar despesa. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ela tem a ver com o objeto do processo. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O governador não pode ceder sem acertar o ressarcimento. A parte final diz: “Na hipótese de o afastamento ocorrer sem prejuízo de vencimentos, o Município ressarcirá ao Estado (...)” O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro, acho que Vossa Excelência está levando o problema da pertinência a uma linha muito estreita. O Sr. Ministro Marco Aurélio: O ressarcimento é na hipótese de o Estado continuar satisfazendo a remuneração. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Exatamente. Há duas hipóteses de convênio dos Municípios com os Estados. Ou o Estado manda servidores para os Municípios, sem a exigência do ressarcimento pelas despesas com os vencimentos, e nesse caso o Estado está ajudando o Município, ou o Estado envia servidores com a previsão do ressarcimento das despesas com os vencimentos. Aqui, essa norma obriga o ressarcimento, proíbe a primeira fórmula, a primeira alternativa, quando diz: “Na hipótese de o afastamento ocorrer sem prejuízo de vencimentos, o Município ressarcirá”. Como a lei estadual não pode criar a obrigação para o Município, significa que esse convênio que o Governador faça só é admissível se, e somente se, na hipótese de permanecer pagando o vencimento do servidor cedido, houver o respectivo ressarcimento. Aí, está se restringindo uma decisão que possa ser do Governo, por conveniência ou por necessidade da educação, porque temos Municípios com absoluta impossibilidade de atender as finalidades da educação. Aqui, há uma restrição à discricionariedade típica do Estado no convênio. Não é verdade? O Sr. Ministro Marco Aurélio: De qualquer forma, a Administração Estadual é senhora da cessão. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Para decidir se o Governo cederá. E se o servidor opta por manter a remuneração, o governo só pode ceder se o Município ressarcir. Agora, se o Município não tem condição de ressarcir, não pode haver cessão, criando-se um problema para os Municípios mais necessitados. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não seria o caso de cortar-se o dispositivo? O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Aí, sim, concordaria, porque deixava em aberto ao Governador a escolha. O Sr. Ministro Marco Aurélio: E fica a critério das partes convenentes. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: 498 R.T.J. — 197 “X - exercer atividades docentes ou de suporte pedagógico, junto a Municípios conveniados com o Estado para municipalização do ensino, sem prejuízo de vencimentos e sem prejuízo das demais vantagens do cargo ou com prejuízo de vencimentos (...)” Até aqui não vejo nenhuma inconstitucionalidade, porque pertinente ou impertinente não é o exemplo que dei, que é uma forma indireta de fraudar a iniciativa do Governador: o Governador propõe uma questão sobre carreira e cria-se uma Secretaria de Estado. O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Aí, vulnera a competência do Governador para dispor sobre órgãos. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Agora, se é uma hipótese a mais em que se permita o afastamento do servidor por convênio do Estado, não é obrigatório? O Sr. Ministro Marco Aurélio: É salutar. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Se dissesse que o servidor poderia escolher o Município no qual queria prestar serviço, sim, mas não, cria para o Estado a possibilidade de um convênio de municipalização. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Para viabilizar a cessão sem ônus. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Por convencimento, não por opção do servidor. O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): A proposta do Ministro Sepúlveda Pertence secciona o dispositivo, salva a primeira parte. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Secciono, paro em “ou com prejuízo de vencimentos”, e declaro inconstitucional o restante. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Por expressa opção do servidor? Deixa ou tira? O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Tira fora. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Também concordo. Porque aí fica a alternativa possível, e o Governador resolve. O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Adiro. E toda a parte sobejante fica afastada; concordo. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Fica de acordo com o convênio. Apenas possibilita ao Governo criar convênios com esse tipo de auxílio à municipalização do ensino. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Senão está restringindo o convênio. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não restringe nada, porque se eu não quero assinar convênio, pronto. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Aí fica em aberto, o que já é permitido. O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Adiro, comodamente. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Tenho uma preocupação e volto à premissa de meu voto: por que o preceito exige a expressa opção do servidor? R.T.J. — 197 499 O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Porque fica a alternativa. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Porque a relação jurídica dele é com o Estado. Para se afastar o ônus do Estado à contraprestação pelo serviço prestado, e se essa contraprestação ficar a cargo do Município, é que se exige a opção do servidor. É salutar e seria mais, muito embora saindo o requerente um pouco chamuscado, se se afastasse a segunda parte. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Porque aí fica mais explícito, embora o desejo, a aceitação de servir seja opção do servidor; mas é bom deixar explícito. EXTRATO DA ATA ADI 3.114/SP: Relator: Ministro Carlos Britto. Requerente: Governador do Estado de São Paulo (Advogado: PGE/SP – Elival da Silva Ramos). Requerida: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou improcedente a ação em relação ao parágrafo único do artigo 25 da Lei Complementar n. 836/97. Também por unanimidade, o Tribunal julgou parcialmente procedente a ação em relação ao inciso X do artigo 64, acrescentado pelo artigo 46 da Lei Complementar n. 836, de 2 de dezembro de 1997, à Lei Complementar n. 444, de 27 de dezembro de 1985, ambas do Estado de São Paulo, tendo declarado a inconstitucionalidade da seguinte expressão: “Na hipótese de o afastamento ocorrer sem prejuízo de vencimentos, o Município ressarcirá ao Estado os valores referentes aos respectivos contra-cheques, bem como aos encargos sociais correspondentes, com recursos provenientes do repasse do Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental”, tudo nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Falou pelo requerente o Dr. Marcos Ribeiro de Barros, Procurador do Estado. Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza. Brasília, 24 de agosto de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário. AGRAVO REGIMENTAL NA PETIÇÃO 3.422 — DF Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto Agravante: José Laerte R. da Silva Neto — Agravado: Luiz Inácio Lula da Silva Ação popular contra o Presidente da República, ajuizada no Supremo Tribunal Federal. Art. 102 da Magna Carta. Incompetência. Agravo regimental contra decisão que negou seguimento ao pedido, na forma do § 1º 500 R.T.J. — 197 do art. 21 do RISTF. Remessa dos autos ao juízo competente. Inaplicabilidade do § 2º do art. 113 do CPC. Descabe a declinação da competência, por não ser ambígua a matéria (MS 24.700-AgR, Relator para o acórdão Ministro Marco Aurélio). De outra parte, esta egrégia Corte não pode se transformar em órgão de orientação e consulta das partes, “resolvendo, em caráter definitivo, irreversível, questão sobre a competência de um Juízo ou Tribunal, sem que aquele ou este tenha tido oportunidade de admiti-la ou rejeitá-la” (Embargos de Declaração na Petição 3.326, Relator Ministro Celso de Mello). Agravo regimental desprovido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Brasília, 6 de outubro de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de agravo regimental contra decisão que, baseada na parte final do § 1º do art. 21 do RI/STF, negou seguimento à ação popular ajuizada originariamente, nesta egrégia Corte, contra o Presidente da República. 2. A inicial, em resumo, reporta-se às notícias da imprensa, acerca da suposta “existência de um esquema denominado ‘mensalão', mesada de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) que seria distribuída a parlamentares pelo tesoureiro do ‘Partido dos Trabalhadores', senhor Delúbio Soares”. 3. Esclareço que neguei seguimento ao pedido porque, segundo a jurisprudência da Casa, o processo e o julgamento de ações populares não se incluem, em regra, na esfera de competência originária do Supremo Tribunal Federal, mesmo que o ato alvejado seja imputável ao primeiro mandatário do País. 4. Pois bem, no presente agravo o autor popular vale-se do art. 113 do CPC para requerer a definição do Juízo competente e, em conseqüência, a remessa a este dos respectivos autos. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Sem razão o agravante, conforme se depreende da notável decisão do Ministro Celso de Mello, lançada em 22-3-2005, nos Embargos de Declaração na Petição n. 3.326, in verbis: R.T.J. — 197 501 “(...) Não cabe, ao Relator da causa, considerados os limites fixados no art. 21, § 1º, do RISTF, em se registrando a hipótese de incompetência do Supremo Tribunal Federal, indicar qual o magistrado ou o Tribunal a quem possa incumbir o exercício da respectiva competência jurisdicional. Cabe assinalar, neste ponto, por necessário, que esse entendimento encontra apoio em orientação jurisprudencial firmada pelo Supremo Tribunal Federal, cujas decisões, no tema, têm proclamado a inaplicabilidade, no âmbito desta Corte, do art. 113, § 2º, do CPC (AO 175-AgR-ED/RN, Rel. Min. Octavio Gallotti — Inq 1.793-AgR/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno — MS 23.621AgR/RS, Rel. Min. Moreira Alves, Pleno — MS 24.261/DF, Rel. Min. Celso de Mello — Pet 2.160/SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 19-3-2001): “(...) quanto ao envio dos autos ao Tribunal, que ao Relator parecer competente, por força do disposto no art. 113, § 2º, do Código de Processo Civil, não é de ser determinado, por inaplicável tal norma no STF, pois, nos termos do § 1º do art. 21 de seu Regimento Interno, deve o Relator, em caso de incompetência da Corte, limitar-se a negar seguimento ao pedido, como se fez no caso. Vários julgados do STF explicam a razão por que tal providência (remessa dos autos, pelo Relator, ao Juízo ou Tribunal, que lhe parecer competente) não será, necessariamente, tomada: é que, se o fizer, acabará resolvendo, em caráter definitivo, irreversível, questão sobre a competência de um Juízo ou Tribunal, sem que aquele ou este tenha tido oportunidade de admiti-la ou rejeitá-la e sem ensejar às partes interessadas a discussão do tema nas instâncias próprias e nas subseqüentes, inclusive na extraordinária. Com esse entendimento, ademais, procura a Corte evitar que, mediante ações ou petições, a ela originariamente apresentadas, seja convertida em orientadora da parte sobre qual seja o Juízo ou Tribunal competente, quando tenha dúvida a respeito (...)”. (MS 22.313-AgR-ED/BA, Rel. Min. Sydney Sanches, Pleno — grifei) “Medida cautelar — Incompetência do Supremo Tribunal Federal — Pretendido encaminhamento do processo ao juízo competente — Inaplicabilidade do art. 113, § 2º, do CPC — Incidência, na espécie, do art. 21, § 1º do RISTF — Recurso de agravo improvido. — Revela-se inaplicável, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, o art. 113, § 2º, do CPC, eis que o art. 21, § 1º do RISTF estabelece que o Relator da causa, na hipótese de incompetência deste Tribunal, deve limitar-se a negar seguimento ao pedido, sem ordenar, contudo, o encaminhamento dos autos ao juízo competente, sob pena de o Supremo Tribunal Federal converter-se, indevidamente, em órgão de orientação e consulta das partes, em tema de competência, quando estas tiverem dúvida a respeito de tal matéria. Precedentes. 502 R.T.J. — 197 — A norma consubstanciada no art. 21, § 1º do RISTF foi recebida, pela vigente Constituição, com força e eficácia de lei (RTJ 167/51), porque validamente editada com fundamento em regra constitucional que atribuía, ao Supremo Tribunal Federal, poder normativo primário para dispor sobre o processo e o julgamento dos feitos de sua competência originária ou recursal (CF/69, art. 119, § 3º, c). Esse preceito regimental — destinado a reger os processos no âmbito do Supremo Tribunal Federal — qualifica-se, por isso mesmo, como lex specialis e, nessa condição, tem precedência sobre normas legais, resolvendo-se a situação de antinomia aparente, quando esta ocorrer, pela adoção do critério da especialidade (lex specialis derogat generali).” (Pet 2.653-AgR/AP, Rel. Min. Celso de Mello) Impende ressaltar, finalmente, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recente julgamento, reafirmou essa orientação, enfatizando ser inaplicável, a esta Corte, em situações como a ora versada nesta causa, a determinação constante do art. 113, § 2º, in fine, do CPC (MS 24.615-ED/SP, Rel. Min. Nelson Jobim). (...)” 7. Em face de tais fundamentos, que adoto, nego provimento ao agravo regimental. 8. É como voto. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, normalmente, declino, não do voto, e determino a remessa do processo ao juízo competente. Em se tratando de situação concreta em que não temos sequer o problema que ocorre no mandado de segurança, o prazo decadencial exíguo, acompanho o Relator, desprovendo, porquanto o Regimento Interno autoriza a simples negativa de seguimento — artigo 21, § 1º. EXTRATO DA ATA Pet 3.422-AgR/DF — Relator: Ministro Carlos Britto. Agravante: José Laerte R. da Silva Neto (Advogado: Jovenor R. da Silva Neto). Agravado: Luiz Inácio Lula da Silva. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Eros Grau. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim. Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza. Brasília, 6 de outubro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário. R.T.J. — 197 503 MANDADO DE SEGURANÇA 24.544 — DF Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio Impetrante: João Cyrino Filho — Impetrados: 3ª Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União e Diretor do Departamento de Pessoal da Câmara dos Deputados Legitimidade — Mandado de segurança — Ato do Tribunal de Contas da União. Imposição de valor a ser ressarcido aos cofres públicos e previsão de desconto, considerado o que percebido pelo servidor, geram a legitimidade do Tribunal de Contas da União para figurar no mandado de segurança como órgão coator. Proventos — Desconto — Leis n. 8.112/90 e 8.443/92. Decorrendo o desconto de norma legal, despicienda é a vontade do servidor, não se aplicando, ante o disposto no artigo 45 da Lei n. 8.112/90 e no inciso I do artigo 28 da Lei n. 8.443/92, a faculdade de que cuida o artigo 46 do primeiro diploma legal — desconto a pedido do interessado. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria, conhecer da segurança, vencido o Ministro Joaquim Barbosa, e, por unanimidade, indeferi-la nos termos do voto do Relator. Brasília, 4 de agosto de 2004 — Nelson Jobim, Presidente — Marco Aurélio, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Marco Aurélio: Insurge-se o impetrante contra desconto efetuado nos respectivos proventos, considerada a glosa do Tribunal de Contas e ato do Diretor do Departamento de Pessoal da Câmara dos Deputados. Argumenta com o disposto no artigo 45 da Lei n. 8.112/90. Informa estar aguardando a propositura da execução fiscal para ajuizar embargos à execução. Sob o ângulo da competência, evoca a alínea d do inciso I do artigo 102 da Constituição Federal. Pleiteia a concessão de liminar quanto à suspensão dos descontos, requerendo o deferimento da segurança em definitivo para ter como intangível o que percebido (folhas 2 a 5). À inicial juntaram-se os documentos de folhas 6 a 16. À folha 19, o Ministro Maurício Corrêa, a quem sucedi na Relatoria deste processo, deferiu a medida acauteladora, consignando o concurso do sinal do bom direito e do risco de manter-se com plena eficácia o quadro, tendo em conta a natureza alimentar dos proventos. Aos autos vieram as informações de folhas 29 a 33, asseverando o Diretor do Departamento de Pessoal da Câmara dos Deputados que, na oportunidade da comuni- 504 R.T.J. — 197 cação da liminar, a primeira parcela do débito já havia sido descontada. Sustenta que apenas deu cumprimento à decisão da Segunda Câmara do Tribunal de Contas da União, razão pela qual não teria praticado ato autônomo que o caracterizasse como autoridade coatora. Alude às disposições da Lei n. 8.112/90, valendo-se da melhor doutrina quanto à responsabilidade patrimonial do servidor público, quer se encontre na atividade, quer aposentado. Cita Maria Sylvia Zanella Di Pietro. À folha 37, tem-se ofício do Tribunal de Contas, mediante o qual se encaminharam os documentos de folhas 38 a 76. Aponta-se que a 3ª Secretaria de Controle Externo apenas endereçou à Câmara dos Deputados ofício, dando-lhe ciência da decisão proferida pela Corte. Sob tal ângulo, não se chega a articular a impropriedade de a Secretaria haver sido apontada como órgão coator. Em passo seguinte, busca-se demonstrar a inexistência de ato impositivo dos descontos, cuja feitura pela Câmara dos Deputados, a teor do item 9.5, teria-se simplesmente autorizado, em face do disposto no artigo 46 da Lei n. 8.112/90. Analisa-se o sentido vernacular do vocábulo “autorizar”, tecendo-se considerações sobre a incompetência desta Corte para julgar o mandado de segurança, no que, em última análise, direcionado contra ato do Diretor do Departamento de Pessoal da Câmara dos Deputados. Afirma-se que o Tribunal de Contas da União não procurou executar a própria decisão. Evoca-se a Lei n. 8.443/92, ressaltando-se mais uma vez a inexistência de determinação da Corte. Alega-se não haver surgido dúvida quanto ao débito envolvido na espécie, citando-se precedentes sobre a responsabilidade do Estado e informando-se não se ter hipótese enquadrável no precedente decorrente do julgamento do Recurso Extraordinário n. 223.037. A Corte, repita-se o que consignado, não estaria a executar a própria decisão. Menciona-se a postura adotada pelo impetrante, no que requereu a prorrogação do prazo para o recolhimento da dívida aos cofres do Tesouro Nacional. Apregoa-se o indeferimento da liminar. Anexaram-se documentos. A Procuradoria-Geral da República, mediante peça subscrita pelo ProcuradorGeral, Professor Claudio Fonteles, preconiza a conclusão sobre a ilegitimidade passiva do Tribunal de Contas da União e, em conseqüência, a extinção do feito sem exame do mérito. Ultrapassada a preliminar, o parecer é pela concessão da ordem. Eis a síntese do que lançado: Decisão do TCU autorizando o desconto do valor de indenização ao erário diretamente sobre a folha de pagamento de servidor inativo. Ato implementado por Diretor da Câmara dos Deputados sem a anuência do particular. Alegação de ofensa ao art. 45 da Lei 8.112/90. Julgado do TCU que não se reveste de natureza impositiva. Ato subseqüente do agente público dotado de autonomia, configurando o verdadeiro “ato coator”. Ilegalidade passiva do TCU e conseqüente extinção do feito sem exame do mérito, Sobre a questão de fundo, a Corte de contas não pode executar seus julgados diretamente. O desconto pede a autorização do particular, pois não possui previsão legal (folha 79). Em 15 de setembro, declarei-me habilitado a proceder ao relato deste mandado de segurança e a proferir voto (folha 89). É o relatório. R.T.J. — 197 505 VOTO O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A questão sobre a natureza do ato do Tribunal de Contas está diretamente vinculada à competência desta Corte para julgar o mandado de segurança. Coloco em plano secundário a circunstância de, no intróito da peça inicial, haver-se aludido a atos da 3ª Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União. No arrazoado apresentado, alude-se à decisão do Tribunal que, nas informações, após haver consignado o fato, concluiu pela inexistência de prejuízo maior ao exame da impetração. Assim, a ausência de autonomia da Secretaria é conducente a ter-se a impetração como direcionada contra ato do próprio Tribunal de Contas da União, que, inclusive, prestou as informações. Cumpre, então, definir a natureza do ato praticado. Nas informações, o diretor do Departamento de Pessoal da Câmara afirmou haver simplesmente cumprido a determinação do Tribunal de Contas. Realmente, o item 9.5 do acórdão proferido consigna a autorização para o imediato desconto das importâncias devidas, observado o disposto no artigo 46 da Lei n. 8.112/90 (folha 40). Na verdade, em que pese haver-se utilizado o vocábulo “autorizar”, tem-se determinação da Corte de Contas, que condenou o impetrante solidariamente a satisfazer certo valor — item 9.4 (folha 40) — para, a seguir, versar sobre o desconto. Ora, é a própria Lei n. 8.443/92, disciplinadora da atuação do Tribunal de Contas, que prevê, no inciso I do artigo 28, caber-lhe “determinar o desconto integral ou parcelado da dívida nos vencimentos, salários ou proventos do responsável, observados os limites previstos na legislação pertinente”. Em síntese, a literalidade do que contido no acórdão cede lugar à definição legal do ato praticado pelo Tribunal de Contas. Concluo, portanto, estar-se diante de ato concreto do Tribunal de Contas da União, muito embora lançado sob o eufemismo da simples autorização. Na verdade, por força de lei, deu-se a determinação do desconto, entendendo-se a cláusula 9.6 do acórdão como a encerrar simples possibilidade — excepcionalíssima, na espécie — de a forma do desconto não surtir efeitos, quando, então, ter-se-ia a cobrança judicial da dívida, prevista no inciso II do artigo 28 da Lei n. 8.443/92, como passível, esta sim, de autorização pelo Tribunal de Contas. Admito-o como autoridade coatora e firmo a competência da Corte. No mais, improcede o inconformismo do impetrante. A Lei n. 8.112/90 autoriza o desconto, quer se tenha o envolvimento de remuneração, quer de proventos ou de pensão. A tanto equivale a referência, na cabeça do artigo 45, a remuneração ou provento e, no artigo 46, a pensionista. Pois bem, a espécie está enquadrada na previsão de lei acerca do desconto, conforme visto, contemplado no inciso I do artigo 28 da Lei n. 8.443/92, sendo dispensável, por isso mesmo, a manifestação de vontade de servidor ativo, inativo, ou de pensionista. Indefiro a segurança. EXTRATO DA ATA MS 24.544/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Impetrante e Advogado: João Cyrino Filho. Impetrados: 3ª Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União e Diretor do Departamento de Pessoal da Câmara dos Deputados. 506 R.T.J. — 197 Decisão: Após o voto do Ministro Marco Aurélio, Relator, que conhecia do mandado de segurança para reconhecer a Corte como competente para apreciar o ato do Tribunal de Contas da União e indeferir a segurança, pediu vista dos autos o Ministro Joaquim Barbosa. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Ministros Celso de Mello, Carlos Velloso, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Gilmar Mendes. Presidência do Ministro Maurício Corrêa. Presidência do Ministro Maurício Corrêa. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Nelson Jobim, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. ProcuradorGeral da República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles. Brasília, 17 de março de 2004 — Luiz Tomimatsu, Coordenador. VOTO (Vista) O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: O parecer da Procuradoria-Geral da República (fls. 79-87), que adoto como relatório, bem sintetizou a controvérsia: “Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por João Cyrino Filho em face de ordem que determina o desconto em seus proventos diretamente na folha de pagamento, ato tido por ilegal e atribuído ao Tribunal de Contas da União e ao Diretor do Departamento de Pessoal da Câmara dos Deputados. Segundo informa o impetrante no arrazoado inicial, detém ele a condição de servidor aposentado da Câmara dos Deputados. Teve seus proventos atingidos por desconto em atenção a ordem do Diretor do Departamento de Pessoal daquela Casa Parlamentar ante a sua condenação em feito promovido no âmbito do Tribunal de Contas da União. Indicando que não houve de sua parte autorização para a implementação do desconto, o impetrante invoca o preceito do art. 45, da Lei n. 8.112/90. Pede, além do deferimento da medida liminar que suste a ordem de desconto, a concessão do writ para tornar sem efeito o ato do segundo impetrado. Recebido no Supremo Tribunal, o feito foi levado ao exame do Eminente Ministro Maurício Corrêa. O pedido de cautela foi deferido, afastando-se a ordem de desconto até o final julgamento desta. Foram prestadas informações pelas autoridades impetradas a fls. 29-33 e 38-49. Os autos foram distribuídos a Vossa Excelência, em substituição ao Relator original - fls. 77.” O feito foi chamado a julgamento perante o Plenário em 17-3-2004. Naquela assentada, o ilustre Relator, Ministro Marco Aurélio, após conhecer da impetração, indeferiu a segurança, nos seguintes termos: “No mais, improcede o inconformismo do impetrante. A Lei n. 8.112/90 autoriza o desconto, quer se tenha o envolvimento de remuneração, quer de proventos ou de pensão. A tanto equivale a referência, na cabeça do artigo 45, a remuneração ou provento e, no artigo 46, a pensionista. Pois bem, a espécie está enquadrada na previsão de lei acerca do desconto, conforme visto, contemplado R.T.J. — 197 507 no inciso I do artigo 28 da Lei n. 8.443/92, sendo dispensável, por isso mesmo, a manifestação de vontade de servidor ativo, inativo, ou de pensionista.” Pedi vista dos autos, para melhor refletir sobre o assunto. À guisa de preliminar, peço vênia ao Ministro Marco Aurélio, para dele discordar. É que, a meu sentir, o ato do Tribunal de Contas da União não se reveste de caráter impositivo a ponto de tornar o seu subscritor autoridade coatora neste mandado de segurança. Eis o teor do ato do Tribunal de Contas da União (fl. 10): “Senhor Diretor-Geral [do Senado], Encaminho a Vossa Senhoria, para conhecimento, cópia do Acórdão n. 259/2003, aprovado na Sessão Extraordinária da 2ª Câmara, realizada em 25/02/ 2003, inserido na Ata n/2003, acolhendo proposta do Ministro Relator Adylson Motta, referente ao processo de Tomada de Contas Especial relativa a recursos de subvenção e auxílio financeiro concedidos à Cooperativa do Congresso Ltda., nos exercícios de 1986 e 1987. Atenciosamente, Secretário de Controle Externo” O acórdão encaminhado ao Senado Federal contém o seguinte dispositivo (fls. 34-35): “Acórdão: (...) Acordam os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão da Segunda Câmara, em: (...) 9.3 Rejeitar os novos elementos de defesa apresentados pelos responsáveis Sres. João Cyrino Filho, Oton Queiroz Mendes e Walter Sotero Franco uma vez que não lograram elidir a irregularidade caracterizada pela omissão no dever legal de prestar contas dos recursos cedidos pelo Senado Federal, a título de auxílio, no exercício de 1987, à Cooperativa do Congresso Ltda; 9.4 com fundamento nos arts. 1º, inciso I; 16, inciso III, alínea a da Lei 8443, de 16 de julho de 1992, c/c arts. 19 e 23, inciso III da mesma lei, julgar irregulares as contas dos Sres. João Cyrino Filho, Walter Sotero Franco e Oton Queiroz Mendes e condenar os responsáveis solidariamente ao pagamento da quantia de CZ$800.000,00 (oitocentos mil cruzados), com a fixação do prazo de quinze dias, a contar da notificação, para comprovar, perante o Tribunal (art. 214, inciso III, alínea a do Regimento Interno), o recolhimento da dívida aos cofres do Tesouro Nacional, atualizada monetariamente e acrescida dos juros de mora calculados a partir de 02/12/1987 até a data do recolhimento, na forma prevista na legislação em vigor; 9.5 autorizar, desde logo, o desconto das respectivas dívidas nas remunerações dos servidores, observado o disposto no art. 46 da Lei 8112, de 11 de novembro de 1990; e 508 R.T.J. — 197 9.6 caso a medida determinada no item 9.3 não surta efeito, autorizar, desde logo, nos termos do art. 28, II, da Lei 8443, de 1992, a cobrança judicial da dívida, atualizada monetariamente, a partir do dia seguinte ao término do prazo ora estabelecido, até a data do recolhimento, caso não atendida a notificação, na forma da legislação em vigor;” Deve-se ressaltar, portanto, que o ato praticado pela Corte de Contas consiste em mero encaminhamento, ao Senado, de cópia do citado acórdão proferido em procedimento de tomada de contas especial, a fim de que a autoridade administrativa do Legislativo tomasse ela própria as providências necessárias para o ressarcimento ao Erário, promovendo os descontos nos vencimentos ou proventos dos servidores responsáveis. Extraio inicialmente a conclusão de que o Tribunal de Contas da União não praticou diretamente ato lesivo ao interesse do impetrante, a partir do simples exame do trâmite administrativo observado entre a Corte de Contas e o Congresso Nacional. De fato, nota-se que o ofício do TCU, inserido à fl. 10, foi endereçado ao Diretor-Geral do Senado. Isso porque os recursos públicos cuja não-prestação de contas deu ensejo à tomada de contas especial do TCU consistiram em subvenção e auxílio financeiro recebido do Senado Federal, recursos esses destinados à Cooperativa do Congresso Ltda., da qual o impetrante era um dos responsáveis. Ocorre que o impetrante não é funcionário do Senado Federal, mas integrante do quadro de inativos da Câmara dos Deputados (fl. 12). Por esse motivo, não tendo os responsáveis pelos débitos quitado suas dívidas (fl. 12), o Senado levou o fato ao conhecimento da Câmara dos Deputados (fl. 09). Esta, por intermédio de sua Coordenadoria de Pessoal, iniciou o desconto nos proventos do impetrante, na importância de R$ 12.318,97, em 17 parcelas de R$ 759,65. Concordo, assim, com o parecer do ilustre Procurador-Geral da República quando S. Exa. assim se manifesta: “Conforme enaltecem as informações prestadas pelo Diretor do Departamento de Pessoal da Câmara dos Deputados, a ordem de desconto não decorre diretamente da decisão promovida pelo Tribunal de Contas da União. A conduta da direção de pessoal da Câmara baixa se reveste de suficiente autonomia para inviabilizar raciocínio que envolva a Corte de Contas na ordem de desconto. O teor da deliberação da Segunda Câmara do Tribunal de Contas serve de substrato ao comando emitido pelo Diretor de Pessoal, mas a coerção, efetivamente, está cingida ao ato desse último. Veja-se, nessa linha, breve trecho das informações prestadas pelo segundo impetrado: ‘Tomando conhecimento das decisões proferidas no Acórdão n. 259/2003 da Segunda Câmara do TCU, e tendo em vista os mencionados artigos da Lei n. 8.112/1990, o Diretor do Departamento de Pessoal da Câmara dos Deputados determinou que os órgãos competentes providenciassem o quanto necessário para se realizarem os descontos sobre a remuneração do Impetrante...’ - fls. 31. Exame do ofício emitido pelo Tribunal de Contas da União, juntado pelo impetrante a fls. 10, bem demonstra que a sua decisão foi apenas levada ao R.T.J. — 197 509 conhecimento da autoridade administrativa interessada, sem imposição de ordem alguma. Diante da comunicação, movimentou-se a Secretaria de Controle Interno da Câmara dos Deputados, que então determinou, por sua conta, o encaminhamento do débito então constatado para o ajuizamento de execução fiscal, nos termos do art. 46, da Lei 8.112/90, e ainda, o desconto em folha. A recomendação da assessoria da Secretaria de Controle Interno foi acolhida pelo seu Diretor, sendo então executada pelo Departamento de Pessoal. A menção do TCU ao desconto em folha não foi recebida pelos órgãos competentes da Câmara dos Deputados como uma ordem. Foi interpretada como singela alternativa, mera eventualidade, conforme se lê do Ofício n. 027/2003SAC/SCINT/SF, quando alude: ‘Entre os responsáveis condenados a ressarcir aos cofres públicos estão os servidores João Cyrino Filho (...), pertencentes ao quadro dessa Câmara dos Deputados, razão pela qual estamos encaminhando a V.Sª cópia do ofício supracitado, bem como do acórdão n. 259/2003-TCU 2ª Câmara, para as providências pertinentes ao assunto, inclusive quanto ao eventual desconto em folha de pagamento, conforme autoriza o Tribunal de Contas da União no Acórdão em tela’ - fls. 9, sublinhado para destacar. Em síntese, a decisão do TCU serviu de indicativo. Seu papel, portanto, na edição do ato tido por coator é limitado, não alcançando feição impositiva. Observe-se que as informações prestadas pelo segundo impetrado expressamente mencionam o substrato legal da ordem de desconto, apontando para o comando da Lei n. 8.112/90, que em seus arts. 45 e 46, em seus §§ 1º, 2º e 3º, admitiria o procedimento adotado pelo Departamento de Pessoal. Ou seja, o Diretor da Câmara buscou substrato em diploma legal, vez mais indicando que não se limitou a cumprir decisão do TCU, mas, de próprio punho, promoveu a ordem de desconto.” O autor do ato supostamente lesivo, portanto, é o segundo impetrado, isto é, o diretor de pessoal da Câmara dos Deputados, razão por que o Supremo Tribunal Federal é incompetente para julgar o presente mandado de segurança, devendo os autos ser encaminhados à Justiça Federal de 1ª Instância de Brasília, que é o órgão jurisdicional competente. É como voto, preliminarmente, Sr. Presidente. No mérito, Sr. Presidente, acompanho o Ministro Relator, para indeferir a segurança. Com efeito, insurge-se o impetrante contra “a autorização para proceder descontos em sua folha de pagamento (...) por ordem da 3ª Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União”. Afirma que foi informado dessa autorização pelo Departamento de Finanças da Câmara dos Deputados em 13-5-2003 e que, de acordo com o art. 45 da Lei 8.112/1990, qualquer desconto em folha de pagamento sem a autorização do servidor é ilegal e injusto. Inicialmente, analisando os autos, verifico que a autorização emanada do Tribunal de Contas da União para efetuar, no pagamento do impetrante, os descontos referentes à reposição ao Erário de valores por ele devidos é decorrência de procedimento de tomada 510 R.T.J. — 197 de contas especial, em que houve plena garantia ao direito de ampla defesa do impetrante, tendo este atuado no referido procedimento também como advogado. A garantia à ampla defesa pode ser verificada no acórdão do TCU, publicado no Diário Oficial da União em 18 de março de 2003 (fls. 34-35). Confira-se: “Ementa: Tomada de Contas Especial. Auxílio e Subvenção Social repassados pelo Senado Federal. Cooperativa do Congresso Ltda. Omissão na prestação de contas. Apresentação de novos elementos de defesa. Rejeição da defesa apresentada por um dos responsáveis. Recolhimento do débito pelos gestores de 1986. Contas irregulares. Quitação, Rejeição da defesa apresentada pelos gestores de 1987. Contas irregulares. Débito solidário. Autorização para desconto das dívidas da remuneração dos responsáveis. (...) Relatório (...) 4. Em atendimento às citações realizadas, os responsáveis apresentaram alegações de defesa (vol. II dos autos). (...) 5.1 Na mesma oportunidade foram rejeitadas as alegações de defesa apresentadas pelos responsáveis Sres João Cyrino Filho, Oton Queiroz Mendes e Walter Sotero Franco, uma vez que não lograram elidir a irregularidade caracterizada pela omissão no dever legal de prestar contas e, por conseqüência, a irregular aplicação dos recursos concedidos pelo Senado Federal, a título de subvenção social e auxílio financeiro, no exercício de 1987, à Cooperativa do Congresso Ltda. (...) 6.1 Também inconformados, os Sres João Cyrino Filho, Oton Queiroz Mendes e Walter Sotero Franco apresentaram documentação intitulada “reconsideração” (vol. 6), que foi recebida como novos elementos de defesa, com fulcro no disposto nos §§ 1º e 2º do art. 23 da Resolução TCU. (...) Voto: (...) Quanto aos responsáveis pela gestão e prestação de contas dos recursos concedidos pelo Senado Federal no exercício de 1987, não havendo os mesmos obtido êxito em justificar a ausência de prestação de contas dos recursos nem apresentação de documentos que demonstrassem seu correto emprego, cabível o julgamento pela irregularidade de suas contas, bem como a condenação ao ressarcimento solidário do débito.” Por outro lado, o mencionado acórdão trouxe, em seu dispositivo, autorização expressa para que fossem adotadas as medidas cabíveis visando ao ressarcimento ao R.T.J. — 197 511 Erário, entre as quais a possibilidade de desconto na folha de pagamento do impetrante (item 9.3 do acórdão — fl. 35). Extrai-se, portanto, da decisão do Tribunal de Contas da União que o impetrante teve efetiva ciência do procedimento de tomada de contas e de seu desfecho, e, conseqüentemente, estava ciente de que havia a possibilidade de serem adotadas as providências para o desconto dos valores devidos em seus vencimentos. E mais. Em 4 de abril de 2003, o impetrante protocolou requerimento junto ao TCU solicitando a “prorrogação de prazo para recolhimento da dívida aos Cofres do Tesouro Nacional” (fl. 50). Ora, ao solicitar prorrogação de prazo para recolhimento do débito ao Tesouro, implicitamente o impetrante reconheceu a existência do débito. Não pode ele agora se recusar a pagar o que deve — diga-se de passagem, de forma bastante generosa, em 17 parcelas. Deve-se ressaltar ainda que a exigência de notificação prévia do mencionado desconto ao servidor ou pensionista, conforme determinação do art. 46 da Lei 8.112/ 1990, foi observada, em 13 de maio de 2003, quando o próprio impetrante tomou conhecimento de que os descontos seriam processados na folha de pagamento daquele mês. Frise-se que o ofício expedido para a Coordenação de Pagamento de Pessoal foi encaminhado em 9 de maio daquele ano, uma sexta-feira (fl. 14), e o impetrante obteve a informação dos descontos na terça-feira seguinte, 13 de maio. Por fim, cumpre consignar que o art. 28, I, da Lei 8.443/1992 expressamente determina que, em caso de descumprimento da determinação emanada da Corte de Contas para o pagamento de dívidas decorrentes de contas julgadas irregulares, pode aquele Tribunal “determinar o desconto integral ou parcelado da dívida nos vencimentos, salários ou proventos do responsável, observados os limites previstos na legislação pertinente”. Há, assim, dupla base legal para o ato impugnado. Indefiro a segurança. O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhor Presidente, duas palavras apenas, não vou sustentar nem reiterar as razões do meu voto. O Tribunal de Contas atuou a partir do inciso I do artigo 28 da Lei n. 8.443/92, que disciplina a respectiva atividade e dispõe que compete a ele, Tribunal de Contas, determinar o desconto integral ou parcelado da dívida nos vencimentos, salários ou proventos do responsável, observados os limites fixados na legislação pertinente. Mais do que isso, o inciso II daquele artigo 28 versa sobre a cobrança judicial da dívida quando não possível o desconto — hipótese raríssima — e prevê também que essa cobrança se dá a partir de manifestação da Corte de Contas. É certo que, no ofício, ou talvez mesmo no acórdão, utilizou-se vocábulo um pouco impróprio: que estaria o Tribunal de Contas da União a “autorizar” o desconto. Porém, tal autorização decorreu do inciso I referido; em última análise, mostrou-se uma verdadeira determinação. Daí admitir o Tribunal de Contas da União como parte legítima. 512 R.T.J. — 197 O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O Tribunal de Contas determinou que fosse cobrado; autorizou fosse descontado em folha pela forma de executar a determinação. O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Então, o impetrado, diretor do Departamento de Pessoal da Câmara dos Deputados, disse haver se limitado a cumprir a determinação, como não poderia deixar de fazê-lo. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Joaquim Barbosa, o Ministro Relator faz referência à determinação para a cobrança dos valores pagos indevidamente e, ao mesmo tempo, autorizou-se o meio pelo qual deveria ser cumprida: o desconto em folha. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: É a lei que autoriza. O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A Lei n. 8.443/92 é clara quanto a essa glosa do Tribunal de Contas, revelando que lhe compete: Art. 28. (...) I - determinar o desconto integral ou parcelado da dívida nos vencimentos, salários ou proventos do responsável, observados os limites previstos na legislação pertinente; O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Isso é tomada de contas especial. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Exatamente. Não é o caso. Parece que é o pagamento a maior de vencimentos. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vossa Excelência tem a lei do artigo 46? O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): É a Lei n. 8.112/90. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É o pagamento a maior ao funcionário; não é a multa penal. O Sr. Ministro Carlos Britto: Pela Lei n. 8.112/90, as reposições e as indenizações ao erário são acertadas entre a Administração pagadora e o servidor remunerado. Neste caso, não caberia ao Tribunal de Contas fazer a imposição. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Nesse dispositivo, até pelo uso da expressão “dívida do responsável”, será tomada de contas. O Sr. Ministro Carlos Britto: É típico de processo de tomada de contas. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): E não para a execução de redução. VOTO O Sr. Ministro Carlos Britto: Peço vênia ao Ministro Marco Aurélio, para acompanhar o voto do Ministro Joaquim Barbosa. EXTRATO DA ATA MS 24.544/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Impetrante e Advogado: João Cyrino Filho. Impetrados: 3ª Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União e Diretor do Departamento de Pessoal da Câmara dos Deputados. R.T.J. — 197 513 Decisão: Após o voto do Ministro Marco Aurélio, Relator, conhecendo do mandado de segurança para reconhecer a Corte como competente para apreciar o ato do Tribunal de Contas da União e indeferindo a segurança, e do voto do Ministro Joaquim Barbosa, não conhecendo da segurança, pediu vista dos autos o Ministro Cezar Peluso. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Carlos Velloso. Presidência, em exercício, do Ministro Nelson Jobim, Vice-Presidente. Presidência do Ministro Nelson Jobim, Vice-Presidente. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. ProcuradorGeral da República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles. Brasília, 27 de maio de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário. VOTO (Vista) O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. A divergência representada pelos votos dos Ministros Joaquim Barbosa e Carlos Britto, que acompanharam o parecer da Procuradoria-Geral da República, dando pela ilegitimidade passiva do Tribunal de Contas da União, radica na interpretação da natureza da eficácia do dispositivo do acórdão do TCE que, em processo de tomada de contas especial (art. 8º, caput, da Lei federal n. 8.443, de 16 de julho de 1992), reconhecendo “a irregularidade caracterizada pela omissão no dever legal de prestar contas dos recursos concedidos pelo Senado Federal, a título de auxílio, no exercício de 1987, à Cooperativa do Congresso Ltda.”, condenou, entre outros, o ora impetrante, solidariamente, a pagar o valor da dívida apurada e comprovar-lhe, em quinze dias, o pagamento, e deliberou “autorizar, desde logo, o desconto das respectivas dívidas nas remunerações dos servidores, observado o disposto no art. 46 da Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990” (fl. 56), caso, é óbvio, não feita a prova do recolhimento espontâneo (art. 28, caput, da Lei n. 8.443, de 1992). Tenho que, a despeito do uso menos correto, mas de todo irrelevante, do verbo “autorizar”, o dispositivo guarda evidente caráter mandamental, dirigido à Câmara dos Deputados, a cujo quadro de servidores inativos pertence o ora impetrante. É que tal decisão corresponde à precisa hipótese prevista no art. 28, inciso I, da Lei n. 8.443, de 1992, o qual, em não menos precisa conformidade com o disposto no art. 70, inciso VIII, da Constituição da República, estatui: “Art. 28. Expirado o prazo a que se refere o caput do art. 25 desta lei, sem manifestação do responsável, o Tribunal poderá: I - determinar integral ou parcelado da dívida nos vencimentos, salários ou proventos do responsável, observados os limites previstos na legislação pertinente.” Ou seja, apurando, em tomada de contas especial, instaurada diante de omissão no dever de as prestar, por parte de servidor que gerenciou ou administrou valores públicos (art. 8º, caput, cc. os arts. 5º, inciso I, e 1º, inciso I, da Lei n. 8.443, de 1992), o TCU aplicou, como lho autoriza a Constituição da República (art. 70, inciso VIII), a responsável por irregularidade de contas, uma das sanções previstas em lei e que consiste no desconto da dívida aos proventos (art. 45 da Lei n. 8.112, de 1990), mas para cuja 514 R.T.J. — 197 execução, imputável apenas ao órgão pagador, não está legitimado. Não existe outra hipótese legal a que se amolde a decisão do TCU, porque nenhuma há que, para este caso, preveja apenas ato de mera recomendação, de modo que o teor literal do dispositivo do acórdão só pode ser interpretado como ato de “determinar”. Aliás, se fora “autorizar”, tampouco seria diversa a conseqüência, porque, se o cumprimento de dever legal de agente da administração pública depende de autorização de outra autoridade, o ato desta não lhe confere alternativa alguma: obriga aquele a cumprir o dever. A circunstância de a execução da ordem competir ao órgão pagador é, como se sabe, inconseqüente para efeito de definição da legitimidade passiva ad causam, que, em mandado de segurança, recai, não sobre o agente executor, senão sobre o autor do ato lesivo, o qual, como órgão competente, figura a única autoridade capaz de o desconstituir. O agente ou autoridade que executa a ordem, em cuja emissão se situa o ato lesivo, esse, ainda quando seja, no caso, a Câmara dos Deputados, não tem competência para a expedir, nem a fortiori para a desfazer, donde não poder sofrer, em sua esfera jurídica, a eficácia de eventual sentença favorável ao impetrante, a quem a quitação da dívida só pode ser, aliás, expedida pelo TCU (art. 27 da Lei n. 8.443, de 1992). Não é, portanto, a Câmara, destinatária dos efeitos jurídicos da sentença e, como tal, é parte passiva ilegítima ad causam. 2. E, no mérito, também denego a segurança. É verdade que o caput do art. 45 da Lei n. 8.112, de 1990, preceitua, literalmente, que, salvo por imposição legal ou mandado judicial, nenhum desconto pode incidir sobre remuneração ou provento, e, no parágrafo único, subordina a consignação em folha de pagamento a terceiro à autorização do servidor. Mas, aqui, há expressa previsão legal para o desconto (art. 28, I, da Lei n. 8.443, de 1992), e a consignação não é a favor de terceiro, mas do órgão pagador mesmo, que é União, ou seja, do erário federal. Esta é a razão por que não delira o Decreto n. 3.297, de 17 de dezembro de 1999, que, regulamentando o art. 45 da Lei n. 8.112, de 1990, reputa, no art. 3º, como consignações compulsórias, entre outras, “reposição e indenização ao erário” (inciso V), “decisão judicial ou administrativa” (inciso VII) e “outros descontos compulsórios instituídos por lei” (inciso X). O que se exige é apenas que a dívida seja líquida e que tenha sido apurada em procedimento administrativo regular, com estrita observância dos poderes do contraditório e da ampla defesa, inerentes ao justo processo da lei (due process of law), segundo, aliás, pode a contrario sensu inferir-se a precedente da Corte (cf. AI n. 241.428-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 18-2-2000). Ambos esses requisitos foram cumpridos na espécie. EXTRATO DA ATA MS 24.544/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Impetrante e Advogado: João Cyrino Filho. Impetrados: 3ª Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União e Diretor do Departamento de Pessoal da Câmara dos Deputados. R.T.J. — 197 515 Decisão: O Tribunal, por maioria, vencido o Ministro Joaquim Barbosa, conheceu da segurança e, por unanimidade, indeferiu-a nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim. Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles. Brasília, 4 de agosto de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário. MANDADO DE SEGURANÇA 24.742 — DF Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio Impetrante: Sonia Irsai Azevedo — Impetrado: Tribunal de Contas da União Aposentadoria — Regência. A aposentadoria é regida pelas normas constitucionais e legais em vigor na data em que o servidor preenche as condições exigidas — Verbete n. 359 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. Aposentadoria em cargo civil — Militar reformado. A Carta da República de 1967 bem como a de 1988, na redação primitiva, anterior à Emenda Constitucional n. 20/98, não obstaculizavam o retorno do militar reformado ao serviço público e a posterior aposentadoria no cargo civil, acumulando as vantagens respectivas. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, conceder a segurança, nos termos do voto do Relator, vencido, parcialmente, o Ministro Joaquim Barbosa. Brasília, 8 de setembro de 2004 — Nelson Jobim, Presidente — Marco Aurélio, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ao apreciar o pedido de concessão de medida acauteladora, assim resumi os parâmetros deste processo: Este mandado de segurança está dirigido contra decisão do Tribunal de Contas da União que resultou na declaração de ilegalidade do ato que implicara a reforma do marido da impetrante, falecido em 1998. Aponta-se que, durante trinta e seis anos, serviu o militar à Força Aérea Brasileira, havendo alcançado a reforma 516 R.T.J. — 197 no posto de Coronel da Aeronáutica em 13 de março de 1982, passando a receber os proventos respectivos. Decorrido um mês da reforma, veio a ser contratado, sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho, pelo Centro Técnico Aeroespacial – CTA, para o cargo de Pesquisador Sênior, ocupado por onze anos, após o que ocorreu a transformação do emprego em cargo público, no qual acabou se aposentando, com a conseqüente percepção de proventos. Em 6 de novembro de 2002, o CTA recebeu expediente do Tribunal de Contas da União para que a pensionista, ora impetrante, optasse entre as pensões civil e militar. O próprio Diretor do CTA buscara obter melhores esclarecimentos, à luz das orientações da Corte de Contas e das instruções normativas. Afirma-se que o cancelamento da pensão relativa à vinculação com a Aeronáutica não se fez precedido do devido processo legal, ressaltando-se o longo período mediante o qual foram satisfeitos os proventos. Alude-se a ofício-circular sobre a concessão das aposentadorias, permitindo-se a cumulação até o pronunciamento do Advogado-Geral da União. Menciona-se o Verbete n. 105 da Súmula do Tribunal de Contas da União, segundo o qual a modificação posterior da jurisprudência não atinge aquelas situações constituídas sob critério interpretativo anterior. Para corroborar a propriedade desse enfoque, remete-se aos Verbetes n. 146 e 204 da Súmula da Corte de Contas, acerca da pertinência da percepção cumulativa das vantagens. Pleiteia-se o deferimento de liminar que viabilize o pagamento da pensão militar, admitindo-se, em caráter sucessivo, que se venha a afastar, até a decisão final deste mandado de segurança, a pensão civil, julgando-se, alfim, procedente o pedido para restabelecer-se a pensão militar. À inicial juntaram-se os documentos de folhas 9 a 27. À folha 29, despachei, consignando a necessidade de contar-se com as informações para, então, examinar-se o pedido de medida acauteladora. À folha 33, está o ofício do Presidente do Tribunal de Contas da União com o qual encaminhado o parecer da Consultoria Jurídica daquela Corte. Na peça, aponta-se a improcedência do que articulado, salientando-se a impossibilidade da acumulação de aposentadorias quando vedada a cumulação dos cargos em atividade. Impróprios seriam os enunciados 105, 146 e 204 da Súmula do Tribunal de Contas da União, Corte que agira com base no artigo 71, inciso III, da Constituição Federal e nos artigos 1º, inciso V, e 39, inciso II, da Lei n. 8.443/92. Assegura-se que a revisão judicial das decisões do Tribunal de Contas da União pressupõe irregularidade formal grave ou manifesta ilegalidade, remetendo-se a precedente publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência n. 43, à página 51. Sob o ângulo do devido processo, do contraditório e da ampla defesa, evoca-se o disposto nos artigos 34 e 48 da Lei n. 8.443/92. Segundo tal parecer, apenas após a apreciação da legalidade do ato concessório de aposentadoria é que se tem oportunidade para impugnação, por meio de embargos declaratórios e de pedido de reexame, de resto não implementada pela interessada, que somente teria se dirigido ao Comando da Aeronáutica – Coordenadoria de Recursos Humanos para renunciar à pensão civil. A seguir, reproduz-se o voto condutor do julgamento que resultou no cancelamento da reforma, no qual ressaltada a circunstância de R.T.J. — 197 517 a Constituição de 1967 haver vedado a acumulação de proventos decorrentes de reserva ou reforma com a remuneração de cargo público, reportando-se ao que decidido por esta Corte no Recurso Extraordinário n. 163.204-6/SP, em 9 de novembro de 1994, quando afastada a acumulação de proventos de policial civil com remuneração de cargo de professor. A Constituição de 1988 não teria viabilizado a acumulação de cargos por militar, deixando de repetir, até mesmo, o texto da Emenda Constitucional n. 1/69 quanto à possibilidade de um militar da reserva acumular, considerado cargo de magistério. A Emenda Constitucional n. 20/98 tornara expressa a vedação de acumulação de cargos e proventos de servidores civis, convalidando as admissões ocorridas desde que realizado concurso público ou verificado o ingresso mediante forma contemplada na Carta Federal. A teor do § 10 do artigo 37 da Constituição Federal, ter-se-ia a impossibilidade de percepção simultânea de proventos de aposentadoria, embora não expressa a Emenda n. 20/98 a respeito. Haveria de se levar em conta, na espécie, a simetria entre a atividade e a inatividade. Vedada a acumulação na primeira, por via de conseqüência, caberia igual tratamento quanto à segunda. Por estar o regime de previdência dos militares previsto em legislação ordinária é que não foram estes mencionados quando da promulgação da Emenda n. 20/98. Remetendo-se ao disposto na Lei n. 6.880/80, argumenta-se que a opção pelos proventos da reserva, enquanto exercido o cargo ou emprego público, conflita com o que decidido na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.541. Alfim, entende-se que, não configurado o vício formal grave ou manifesta ilegalidade, não estaria a impetração a merecer seguimento. Suplantada essa óptica, preconiza-se o indeferimento da segurança. Às folhas 53 e 54, o Vice-Presidente, no exercício da Presidência, Ministro Nelson Jobim, postergou para a reabertura dos trabalhos o exame do pedido de liminar, isso em 19 de janeiro do corrente ano. Em passo seguinte, aludi à jurisprudência da Corte sobre a desnecessidade de ter-se, no processo complexo de aposentadoria, a observância do contraditório, ressaltando que o tema de fundo, ou seja, a viabilidade da acumulação, seria tratado pelo Colegiado. Fiz ver mais, que o mandado de segurança não é veículo próprio à opção por esta ou aquela pensão. Por medida de cautela, determinei fossem solicitadas informações complementares ao Tribunal de Contas da União, para saber se o que decidido no Processo TC n. 009.021/2002-8 ficara restrito à homologação da reforma deferida ou se, ocorrida esta em data anterior, deu-se, na verdade, a cassação. Ao processo vieram as informações suplementares, com a notícia de o Tribunal de Contas da União haver apreciado, pela vez primeira, conforme acórdão proferido, a reforma do militar (folhas 68 e seguintes). A Procuradoria-Geral da República emitiu o parecer, de folhas 92 a 101, pela concessão parcial da ordem. Eis a síntese da peça: Mandado de segurança. Acumulação de duas pensões, uma de origem militar, outra de natureza civil, refutada pelo TCU, visto que representaria violação à CF/88, a qual impede práticas dessa espécie, salvo diante de cargos que seriam acumuláveis na ativa. Decisão que rejeita o registro da aposentadoria 518 R.T.J. — 197 militar, pois a civil, ainda que oriunda de vínculo posterior com a Administração, já havia sido registrada. Regularidade do ato atacado em referência à impossibilidade de cumulação diante da orientação da Suprema Corte sobre o tema. Contudo, a impropriedade desse mesmo ato quando refuta a legalidade da aposentação, pois a acumulação se deu em momento posterior ao desligamento do militar. A ilegalidade reside no segundo laço com a Administração, e, por conseqüência, no segundo pedido de aposentadoria, ainda que examinado em primeiro lugar pelo TCU. Impossibilidade lógica do primeiro benefício ser o ilegal, pois a acumulação vedada pela Carta da República se deu com o reingresso do militar reformado aos quadros da Administração. Nulidade da pensão civil, que deverá ser revista. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Os dados cronológicos são incontroversos. O finado marido da impetrante veio a ser reformado no cargo de Coronel da Aeronáutica em 13 de março de 1982. Em 14 do mês imediato, foi contratado, sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho, pelo Centro Técnico Aeroespacial – CTA, permanecendo como pesquisador sênior por onze anos, havendo ocorrido, nesse espaço de tempo, a transformação do emprego em cargo público. Em 25 de outubro de 1998, faleceu, passando a viúva a receber as duas pensões, ou seja, a militar e a civil. Sob o ângulo do contraditório, registre-se a natureza do processo concernente à reforma do militar, que é idêntica à do relativo à aposentadoria do servidor civil. Mostra-se complexo, com o implemento da aposentadoria pelo órgão de origem, a fim de não haver quebra de continuidade da satisfação do que percebido pelo servidor, seguindo à homologação pelo Tribunal de Contas da União. Vale dizer que não se tem o envolvimento de litigantes, razão pela qual é inadequado falar-se em contraditório para, uma vez observado este, vir o Tribunal de Contas da União a indeferir a homologação. Nesse sentido é o precedente desta Corte: Mandado de Segurança n. 24.784, relatado pelo Ministro Carlos Velloso, perante o Plenário, cujo acórdão foi publicado em 25 de junho de 2004. Na espécie, ficou devidamente esclarecido que não houve a cassação de reforma deferida e homologada anteriormente, mas a continuidade do processo, visando ao exame da respectiva legalidade. No mais, o marido da impetrante alcançou a reforma sob a regência da Constituição Federal de 1967 e, aí, viu-se contratado e depois guindado a cargo público, para prestar serviços técnicos, ou seja, como Pesquisador Sênior do Centro Técnico Aeroespacial – CTA, onde permaneceu por onze anos, vindo a lograr aposentadoria em 1993. A Carta de 1967 preceituava no artigo 93, § 9º: A proibição de acumular proventos de inatividade não se aplicará aos militares da reserva e aos reformados, quanto ao exercício de mandato eletivo, quanto ao de função de magistério ou de cargo em comissão ou quanto ao contrato para prestação de serviços técnicos ou especializados. R.T.J. — 197 519 O retorno ao trabalho após reforma em relação à qual não foi articulado qualquer defeito fez-se ao abrigo do citado § 9º. Regra semelhante é dado encontrar relativamente aos servidores civis, no que estabelecia o § 4º do artigo 99 que: A proibição de acumular proventos não se aplica aos aposentados quanto ao exercício de mandato eletivo, quanto ao de um cargo em comissão ou quanto a contrato para prestação de serviços técnicos ou especializados. A distinção entre os servidores civis e militares, beneficiando estes últimos, diz respeito apenas à acumulação de proventos, tendo em vista cargo de magistério, mas, mesmo assim, é mitigada pela premissa de que, possível acumulação em atividade, inexiste óbice à de proventos. A Carta de 1988, na redação primitiva, nada dispôs a respeito, em si, da acumulação de proventos. Com a Emenda Constitucional n. 20, deu-se disciplina interpretativa para viabilizar a acumulação de proventos e vencimentos considerados aqueles que, à época, haviam reingressado no serviço público por concurso público de provas ou de provas e títulos e pelas demais formas previstas na Constituição Federal, vedando-se, isso em 1998, a percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência a que se refere o artigo 40 da Constituição Federal, aplicando-se o limite fixado no § 11 do artigo 40, na redação imprimida: “§ 11. Aplica-se o limite fixado no art. 37, XI” — limites gerais —, “à soma total dos proventos de inatividade, inclusive quando decorrentes da acumulação de cargos ou empregos públicos, bem como de outras atividades sujeitas a contribuição para o regime geral de previdência social, e ao montante resultante da adição de proventos de inatividade com remuneração de cargo acumulável na forma desta Constituição, cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, e de cargo eletivo.” No campo da aplicação da lei no tempo é dado, então, proclamar: a) a reforma do falecido marido da impetrante ocorreu sob a égide da Constituição de 1967, e a legitimidade, em si, não se faz em jogo; b) o falecido marido da impetrante retornou ao serviço público em data anterior à Carta de 1988, isto é, quando o § 9º do artigo 93 do Diploma Maior, de 1967, o permitia; c) aplica-se à reforma a Lei Básica de 1967 e à aposentadoria subseqüente no campo civil a Constituição de 1988, na forma primitiva. Descabe, portanto, chancelar a glosa procedida pelo Tribunal de Contas da União, ante as peculiaridades da regência da matéria. Também não é o caso de conceder-se a ordem parcialmente, quer consideradas as balizas objetivas da impetração — não está em jogo a aposentadoria como civil —, quer a circunstância de esta última haver ocorrido sem a incidência de óbice constitucional, tendo em conta a data em que contratado o servidor falecido e aquela alusiva à jubilação, isso para efeito da incidência do teto previsto no § 11 do artigo 40 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional n. 20/1998. Concedo a segurança para assentar o direito da impetrante ao recebimento da pensão militar deixada pelo falecido marido, o coronel Dorotthy Silveira Azevedo. 520 R.T.J. — 197 VOTO O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, acompanho o Relator quanto à primeira parte, mas faço a ressalva sugerida pelo Ministério Público em seu parecer, quanto à segunda aposentadoria, aposentadoria civil, de não haver nenhuma manifestação, permitindo, assim, que o Tribunal de Contas examine sua regularidade. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas a dificuldade é que ele registrou a segunda, não é? A Sra. Ministra Ellen Gracie: Registrou a segunda, e não só isso: ao momento em que ele ingressou nessa relação trabalhista com o CTA, a acumulação não era proibida. Não havia qualquer proibição. Durante onze anos em que prestou serviço ao CTA, contribuiu para o PSS regularmente. Então, não há realmente nenhum motivo para o Ministro Joaquim Barbosa fazer ressalva. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Mantenho meu entendimento. O Sr. Ministro Eros Grau: É correto o que disse a Ministra Ellen Gracie, mas, além disso, o art. 11 da Emenda n. 20 ainda permitiria, reconheceria esse direito. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Sim, porque é fato anterior. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas nele se proíbe a acumulação dos proventos. Acho que realmente não temos de tratar deste assunto; isso rigorosamente não está em causa — se pode ser revisto ainda, se não pode. O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senão ia tornar o mandado de segurança — como eu disse — uma ação processual, como se fosse uma rescisória de mão dupla. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Sim, mas o tema tem uma questão preliminar, suscitada pelo Ministro Sepúlveda Pertence e pela Ministra Ellen Gracie, de que a segunda não está sendo objeto da discussão neste Mandado de Segurança, mas, sim, a primeira. A segunda não é caso de análise. Não estamos analisando autonomamente a segunda, porque ele mostra que o problema está restrito à primeira. O Sr. Ministro Carlos Britto: Melhor ainda. Nem se questiona. E quanto à primeira, se por outro motivo não fosse impossível ao Tribunal de Contas cancelar, o devido processo legal realmente não foi observado. Uma coisa é o Tribunal de Contas — eu e o Ministro Sepúlveda Pertence temo-nos manifestado assim — não ouvir o servidor público quando da primeira fase de apreciação. Ele não foi ouvido na primeira fase, nem podia. A Sra. Ministra Ellen Gracie: Ministro Carlos Britto, mesmo que tivéssemos o maior rigor em não aplicar esse precedente, ainda assim, o caso concreto, pelos dados que nos alcançou o eminente Relator, permitiu-me verificar que todo esse longo processamento se fez inteiramente à revelia, quer do servidor falecido, quer da sua viúva. Veja, ele trabalhou até 1993 nessa segunda relação de emprego — o CTA; faleceu em 1998. Apenas em 2003 é que se considerou ilegal o ato de reforma, aquele que tinha acontecido em 1982. O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O primeiro. O Sr. Ministro Carlos Britto: É, perfeito. R.T.J. — 197 521 A Sra. Ministra Ellen Gracie: Tudo isso sem qualquer comunicação e ao contrário disso. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas, nisso, realmente temos considerado que não se faz necessária a audiência do aposentado, para o aperfeiçoamento do procedimento administrativo da transferência para a inatividade, com o julgamento de sua legalidade e o registro pelo Tribunal de Contas. O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Depois de vinte anos vem-se pronunciar. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Diante da circunstância em questão, não devemos dizer uma palavra a respeito. O Sr. Ministro Carlos Britto: Nesse primeiro momento, não. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Esse é o meu ponto de vista. O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): De qualquer forma, nem sempre a demora corre à conta do TCU, porque, às vezes, o órgão de origem é que retarda o encaminhamento. A Sra. Ministra Ellen Gracie: O curioso é que o Tribunal de Contas registrou a aposentadoria civil. Aí, não podendo mais fazer nada com relação à aposentadoria civil, ele cassou a militar. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas essa, se ainda pode ser revista, há de ser, obviamente, mediante processo administrativo com audiência do aposentado. O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Sim, porque essa já foi registrada. O Sr. Ministro Carlos Britto: Uma vez registrada, abre-se para o beneficiário a possibilidade do direito ao devido processo legal, uma vez registrado o seu benefício. Aqui, não é o caso. EXTRATO DA ATA MS 24.742/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Impetrante: Sonia Irsai Azevedo (Advogados: Zeina Maria Hanna e outro). Impetrado: Tribunal de Contas da União. Decisão: O Tribunal, por maioria, concedeu a segurança, nos termos do voto do Relator, vencido, parcialmente, o Ministro Joaquim Barbosa. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim. Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles. Brasília, 8 de setembro de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário. 522 R.T.J. — 197 MANDADO DE SEGURANÇA 25.006 — DF Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio Impetrantes: Espólio de João Ribas representado pela inventariante Edna Bennett Alves Fernandes Ribas e outro — Impetrado: Presidente da República Desapropriação — Reforma agrária — Produtividade do imóvel. O mandado de segurança não é meio próprio a chegar-se à insubsistência de laudo do Incra revelador de se tratar de imóvel improdutivo. Desapropriação — Reforma agrária — Invasão do imóvel — Óbice à vistoria. Se a vistoria é anterior à vigência do preceito que veio a obstaculizá-la, tem-se como improcedente a causa de pedir da impetração. O Decreto n. 2.250, de 11 de junho de 1997, mostrou-se simples orientação administrativa, não gerando direito subjetivo. Desapropriação — Reforma agrária — Ação declaratória em curso. O fato de estar em curso ação declaratória para elucidar a produtividade do imóvel não é óbice à tramitação de processo administrativo voltado à desapropriação. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir a segurança, nos termos do voto do Relator. Brasília, 17 de novembro de 2004 — Nelson Jobim, Presidente — Marco Aurélio, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Marco Aurélio: Eis a síntese do processo, lançada quando do indeferimento da medida acauteladora: Este mandado de segurança está dirigido contra decreto do Excelentíssimo Senhor Presidente da República de 31 de março de 2004, publicado no Diário da União do dia seguinte, que implicou a declaração de interesse social, para efeito de reforma agrária, do imóvel denominado Floresta I, situado no Município de Promissão/São Paulo. Três são as causas de pedir constantes da inicial. A primeira está ligada ao ajuizamento de ação ordinária declaratória de produtividade, na qual se formulou pedido de tutela antecipada. Consoante as razões expendidas, a improcedência revelada em sentença fora impugnada mediante apelação, seguindo-se o empréstimo, a esse recurso, dos efeitos devolutivo e suspensivo. São tecidas considerações a respeito, partindo-se da premissa de que deveria ser aguardado o desfecho da ação. A segunda causa de pedir concerne à invasão do imóvel por sem-terras. R.T.J. — 197 523 Ter-se-ia, na dicção dos impetrantes, o óbice do Decreto n. 2.250, de 11 de junho de 1997, no que veio a afastar a vistoria de imóveis invadidos, enquanto não cessada a ocupação — artigo 4º. Por último, diz-se da produtividade do imóvel. A inicial envolve pedido de concessão de liminar que suspenda a eficácia do decreto desapropriatório, vindo-se, alfim, a declará-lo insubsistente. À inicial juntaram-se os documentos de folhas 29 a 357. Impetrado o mandado de segurança no curso das férias coletivas de julho, ou seja, em 27 do citado mês, o Presidente desta Corte despachou, à folha 359, no sentido de que fossem solicitadas informações. À folha 366, já distribuído o processo, determinei se aguardasse a manifestação, que restou consubstanciada na Mensagem n. 477, de folha 368, acompanhada de documentos. Em síntese, aponta-se que não cabe, na via do mandado de segurança, definir a produtividade do imóvel. No que tange à invasão, ressalta-se haver ocorrido a vistoria em data anterior ao óbice introduzido pelo artigo 2º, § 6º, da Lei n. 8.629/93, com a redação imprimida pela Medida Provisória n. 2.183-56, de 24 de agosto de 2001. De qualquer forma, argumenta-se que a parte invadida, ínfima, fora excluída dos levantamentos efetuados. Registra-se ainda que a sentença prolatada pela 2ª Vara de Bauru/São Paulo, no Processo n. 1999.61.00.032579-7, resultou na conclusão sobre a improdutividade. À folha 586, despachei, concedendo ao impetrante prazo para regularizar a representação processual, o que ocorreu conforme se depreende do documento de folha 593. O parecer da Procuradoria-Geral da República é no sentido do indeferimento da ordem, estando assim resumido: Mandado de Segurança. Desapropriação. Alegações de existência de ação declaratória em curso, de produtividade do imóvel e de ocorrência de invasão. Ação judicial em curso não impede a edição de decreto expropriatório, máxime quando a sentença em primeiro grau é contrária aos interesses dos impetrantes. Alegações de produtividade não cabíveis na via estreita do writ. Não aplicabilidade do § 6º do artigo 2º da Lei n. 8.629/93, por ser posterior ao fato combatido. Parecer pela denegação da ordem. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): As causas de pedir não subsistem a exame. Inicialmente, é de consignar a impertinência de se discutir a produtividade do imóvel na via do mandado de segurança, presente até mesmo a existência de laudo do Incra em sentido contrário. Também deve ser salientado que não se pretendeu justificar, em si, a ausência de produtividade com a invasão, com o motivo enquadrável como estranho à vontade dos impetrantes. Articulou-se simplesmente a impropriedade da vistoria. Valho-me do que tive oportunidade de ressaltar ao indeferir a medida acauteladora: 524 R.T.J. — 197 Sob o ângulo da produtividade do imóvel, notam-se afirmações conflitantes na inicial. A um só tempo, assevera-se a produtividade e sustenta-se a impossibilidade da realização da vistoria em virtude da invasão. A assertiva primeira é conducente a concluir-se pela irrelevância da segunda. De toda sorte, a ocupação da área, tomada como mínima e mesmo assim excluída dos levantamentos verificados, aconteceu antes da lei que obstaculizou a feitura da vistoria. À época desta, somente se encontrava em vigor, ao que tudo indica, o Decreto n. 2.250, de 11 de junho de 1997, verdadeira orientação administrativa. No tocante ao processo em curso no Juízo, mostra-se neutro relativamente ao ato impugnado neste mandado de segurança, sendo certo ainda que, até aqui, julgou-se improcedente o pedido formulado. O empréstimo de eficácia suspensiva à apelação não tem o efeito sugerido na inicial — de impedir a continuidade dos atos desapropriatórios. Indefiro a ordem. EXTRATO DA ATA MS 25.006/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Impetrantes: Espólio de João Ribas representado pela inventariante Edna Bennett Alves Fernandes Ribas e outro (Advogados: Ademir Freire de Moura e outro). Impetrado: Presidente da República (Advogado: Advogado-Geral da União). Decisão: O Tribunal, por unanimidade, indeferiu a segurança, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro Sepúlveda Pertence. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim. Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles. Brasília, 17 de novembro de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário. MANDADO DE SEGURANÇA 25.194 — DF Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello Impetrante: Renata Rodrigues Tavares — Impetrado: Tribunal de Contas da União Justiça Eleitoral — Requisição de servidores (Lei n. 6.999/82) — Eficácia temporal dessa requisição administrativa — Cessação do afastamento dos servidores requisitados, por efeito da superação do prazo legal — Necessário e automático desligamento do servidor cedido, com a sua conseqüente devolução à repartição de origem — Inexistência, em tal situação, quanto ao servidor requisitado, de direito subjetivo à perma- R.T.J. — 197 525 nência no órgão eleitoral requisitante — Correta deliberação adotada pelo Tribunal de Contas da União, com apoio em competência constitucional que lhe confere a prerrogativa de exercer a fiscalização externa dos Poderes da República (CF, arts. 70 e 71) — Considerações em torno do poder constitucional de controle externo deferido, institucionalmente, aos Tribunais de Contas — Precedentes do Supremo Tribunal Federal — Mandado de segurança denegado. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar a segurança, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim. Brasília, 3 de agosto de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Celso de Mello, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Celso de Mello: O eminente Procurador-Geral da República, ao apreciar a controvérsia jurídica suscitada nesta sede processual, opinou pela denegação do mandado de segurança, invocando, para tanto, os fundamentos que expôs em causa idêntica (MS 25.193/DF) à que ora se examina nos presentes autos (fls. 206/214): “1. Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por Renata Rodrigues Tavares com o qual pretende o reconhecimento de ilegalidade inserta em decisão proferida nos autos do processo TC-011.992/2002-6, feito que teve curso no Tribunal de Contas da União. 2. Prestadas informações pela autoridade coatora (fls. 145-164) e indeferido o pedido de cautela (fls. 204), vieram à Procuradoria-Geral da República. 3. A controvérsia suscitada é idêntica à que examinei em parecer levado ao MS 25.193. Lá, como aqui, examinava-se suposta ilegalidade da decisão proferida pelo TCU no processo TC-011.992/2002-6 (Acórdão 2.060/2004) por pretensa violação ao devido processo legal, como também a Resolução do TSE. Os autos ora apreciados contam com a mesmíssima questão. Desta forma, rememoro minha primeira manifestação acerca dessa temática anexando cópia do parecer exarado no MS 25.193. 4. Ante o exposto (...), manifesta-se o Ministério Público Federal pela denegação da ordem. (...) Mandado de Segurança impetrado contra o Acórdão n. 521/2003 do Plenário do Tribunal de Contas da União, confirmado pelo Acórdão n. 2.060/2004 do mesmo órgão, que determinou o retorno aos órgãos de 526 R.T.J. — 197 origem de todos os servidores requisitados pelo TRE/PB cujos prazos de permanência naquele órgão estivessem em desacordo com o disposto pela Lei n. 6.999/82. - A relação levada a exame pelo TCU está afinada com a condução da coisa pública, no que é gerida pela Administração, sem adentrar imediatamente nas relações funcionais subjacentes. Não há razão, portanto, para se invocar suposta violação ao devido processo legal. - Resolução n. 21.412/03 do TSE, que garantiria ao impetrante o direito de permanecer a serviço do TRE/PB, estando em cabal divergência com a Lei n. 6.999/82, não pode subsistir, em face da hierarquia entre as normas. - Parecer pelo indeferimento do writ. Trata-se de mandado de segurança impetrado (...) em repulsa ao Acórdão n. 521/2003 do Plenário do Tribunal de Contas da União, confirmado pelo de n. 2.060/2004, que determinou o retorno aos órgãos de origem de todos os servidores requisitados pelo TRE/PB cujos prazos de permanência naquele órgão estivessem em desacordo com o disposto pela Lei n. 6.999/82. Em enxuto resumo das alegações do impetrante, argumenta que haveria afronta ao devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, visto que não teria sido chamado a se pronunciar no feito que lhe impôs o gravame; que seria possível, com esteio em decisões jurisdicionais e resoluções do Tribunal Superior Eleitoral - TSE, a requisição de servidores, não ocupantes de cargos em comissão, por mais de um ano, em contraposição ao que impõe a Lei n. 6.999/82; e que a decisão atacada viola os princípios da continuidade do serviço público, da razoabilidade, da eficiência, da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana. Apresentaram-se as informações (...). Em preliminar, suscita-se a ausência de interesse processual, uma vez que não restou demonstrado conflito de interesses entre as partes ou prejuízo ao impetrante, o que estaria a inviabilizar o exame do mandado de segurança. Sobre o mérito, argumenta-se que não houve lesão aos princípios da ampla defesa e do contraditório, de vez que o órgão agiu dentro de suas competências constitucional e legal; que não pode resolução do TSE contrariar dispositivo de lei, em face da hierarquia entre as normas; que recentemente foram nomeados novos servidores, concursados, para tomarem posse no TRE/PB; e que não existe direito de permanência de servidor requisitado no órgão para o qual foi cedido. Por fim, pleiteou-se o indeferimento da liminar, pela carência do fumus boni iuris e do periculum in mora, além da denegação da segurança. Recebidos os autos, Vossa Excelência houve por bem indeferir a liminar pleiteada. Vieram os autos, então, para esta Procuradoria-Geral da República, para manifestação. Não assiste razão ao impetrante. R.T.J. — 197 527 O próprio cabimento do presente mandamus é severamente questionável. Isso porque, do que se extrai do pronunciamento do TCU, restou apreciada uma relação administrativa adstrita à Administração do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, sem reflexos imediatos sobre o plexo de direitos dos servidores. A Corte de Contas crivou um comportamento, uma política, da gestão administrativa do Tribunal Eleitoral, dando-o por ilegal. Censurou, com precisão, a prática maciça identificada no âmbito do TRE-PB, que se vale da remoção para compor seus quadros funcionais, em detrimento do provimento de cargos públicos, instrumentos regulares para a consecução de tarefas usuais e permanentes do Poder Judiciário Eleitoral. Assim, a censura limitou-se ao âmbito da Administração Pública, sem resvalar em plexo de direitos subjetivos. Como já antecipam os Eminentes Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto em casos idênticos, ainda que em juízo meramente cautelar, o veículo da requisição não concede ao servidor um direito de manter-se vinculado a tal ou qual órgão. A requisição é prerrogativa do Poder Público, por necessidade do serviço. No indeferimento da cautela pleiteada no MS 25.224 o Eminente Ministro Marco Aurélio tratou de assinalar: ‘(...) A própria impetrante admite que espontaneamente o Tribunal Regional da Paraíba poderia devolvê-la ao órgão de origem, cumprindo ter presente também a possibilidade de este manifestar-se em tal sentido (...)’ (DJ de 17/2/2005, p. 9). Por sua vez, o Eminente Ministro Carlos Britto, ao questionar o cabimento de mandado de segurança na hipótese tratada, ponderou: ‘(...) a requisição se me afigura um mecanismo jurídico endo-administrativo, envolvendo, a princípio, exclusivamente o órgão de controle externo e o órgão controlado (...)’ (MS 25.209 MC, DJ de 4/3/2005, p. 41). A decisão do TCU, nessa ordem de idéias, retrata um provimento eminentemente afetado à Administração Pública. Tendo o próprio Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba aceitado a devolução do servidor a seu órgão de origem, falece o direito do impetrante, visto que não existe direito adquirido a requisição, isto é, direito à permanência no órgão pelo qual foi requisitado. Não há direito líquido e certo a ser preservado, no que resta prejudicado o exame da legalidade do ato dado por coator nesta estreita via processual. Ainda que se avance sobre o tema de fundo não é encontrada qualquer irregularidade na decisão do TCU. Inicialmente, sobre a suposta afronta ao devido processo legal, valem também aqui as previsões acima externadas. A relação levada a exame pelo TCU está afinada com a condução da coisa pública, no que é gerida pela Administração do TRE-PB, sem adentrar imediatamente nas relações funcionais subjacentes. Não há razão, portanto, para se invocar suposta violação ao devido processo legal, em especial no espectro da ampla defesa e do contraditório, pois os servidores requisitados não são titulares de direito subjetivo eventualmente posto em jogo. 528 R.T.J. — 197 É a prática desmedida, e sem substrato legal, da requisição, em detrimento da nomeação de servidores públicos a cargos já criados por lei, que é objeto de apreciação pelo TCU. Trata-se da mais típica função fiscalizatória externa, sem diretos influxos sobre o plexo de direitos dos requisitados, focada na atuação funcional dos administradores. Desnecessária a chamada dos servidores, portanto, quando instaurado o procedimento perante o TCU, sede na qual foi examinada uma política administrativa do TRE-PB, que teve plena possibilidade de externar suas razões em defesa da prática adotada, inclusive com o oferecimento de recurso próprio. As relações existentes entre TRE-PB e os requisitados não são postas sob exame, tanto assim que não há determinação nos acórdãos atacados voltada aos servidores, mas diretrizes direcionadas apenas ao equacionamento dos serviços do Tribunal Regional. Cai a argumentação central deduzida na impetração. Assim, tendo o Acórdão n. 521/2003 e Acórdão n. 2.060/2004, ambos do Plenário do Tribunal de Contas da União, respeitado o devido processo legal, passa-se ao exame de sua conformidade com a legislação a eles afeta. As manifestações da Corte de Contas se encontram fulcradas na Lei n. 6.999/82, que, em seus artigo 3º e 4º, assim dispõe: ‘Art. 3º No caso de acúmulo ocasional de serviço na Zona Eleitoral e observado o disposto no art. 2º e seus parágrafos desta Lei, poderão ser requisitados outros servidores pelo prazo máximo e improrrogável de 6 (seis) meses. § 1º Os limites estabelecidos nos parágrafos do artigo anterior só poderão ser excedidos em casos excepcionais, a juízo do Tribunal Superior Eleitoral. § 2º Esgotado o prazo de 6 (seis) meses, o servidor será desligado automaticamente da Justiça Eleitoral, retomando a sua repartição de origem. § 3º Na hipótese prevista neste artigo, somente após decorrido 1 (um) ano poderá haver nova requisição do mesmo servidor. Art. 4º Exceto no caso de nomeação para cargo em comissão, as requisições para as Secretarias dos Tribunais Eleitorais, serão feitas por prazo certo, não excedente de 1 (um) ano. Parágrafo único. Esgotado o prazo fixado neste artigo, proceder-se-á na forma dos §§ 2º e 3º do artigo anterior.’ Observada a norma legal, não resta dúvida de que, tendo sido o servidor requisitado para cargo diverso de cargo em comissão, sua requisição é ilegal e, como tal, deve deixar de produzir efeitos. Não merece acolhimento o argumento do impetrante de que a Resolução n. 21.412/03 do TSE lhe garantiria o direito de permanecer a serviço do TRE/PB, haja vista que, estando o ato em cabal divergência com o texto legal colacionado, não pode subsistir, em face da hierarquia entre as normas. R.T.J. — 197 529 Ademais, incensurável a percepção Eminente Ministro Walton Alencar Rodrigues na letra do Acórdão n. 2.060/2004 ao detectar o contundente abuso na prática da requisição pelo órgão controlado. A necessidade de adequação da prática administrativa do TRE-PB ao ditames legais é evidenciada no fato de estar o quadro funcional daquela Corte composto por servidores requisitados em mais da metade de seus integrantes, constatação que não é mais admissível em vista da crescente estruturação da Justiça Eleitoral. Assenta o julgado em questão - fls. 74: ‘No caso concreto, porém, o motivo do recurso do TRE/PB é a alegada dificuldade, ou ‘impossibilidade’, de submeter as requisições para a secretaria à disciplina do art. 4º do citado diploma legal. O Presidente do TRE/PB afirma que se instalaria o ‘caos’ na Corte, caso não ampliado o prazo das requisições feitas para a sua secretaria. Entende que tal ampliação não entraria em confronto com a Lei, se interpretada suas disposições em conjunto com os princípios constitucionais da eficiência e da economicidade. Com a devida vênia, não vejo como princípios jurídicos possam justificar a literal derrogação das disposições moralizadoras da Lei 6.999/ 1982 até o ponto de sua integral perda de eficácia. O preenchimento dos cargos públicos, destinados a suprir necessidades administrativas, com caráter de definitividade, é feita após a sua regular criação, por lei específica, e aprovação em concurso público. Ora, a requisição eleitoral não comporta a finalidade de eternizar o vínculo dos requisitados com a Justiça Eleitoral, mediante o provimento de cargos ou funções efetivas no âmbito da Justiça Eleitoral, a quem foi, parcimoniosamente, confiado o poder de requisitar, por tempo certo. Os instrumentos para o provimento efetivo de cargos são, como visto, os previstos na Constituição e no art. 8º da Lei 8.112/90, não se incluindo, dentre eles, a requisição eleitoral. Pela relação de funções desempenhadas pelos servidores requisitados no TRE/PB, materializada nos documentos encaminhados, o poder de requisitar foi utilizado, de forma extremamente ampla e pouco razoável. Os requisitados exercem todo tipo de atividades, mesmo que totalmente estranhas à matéria eleitoral. Há flagrante desvio na utilização do instituto, porquanto se pretende que os requisitados permaneçam definitivamente nos quadros da Justiça Eleitoral, o que é ilegal. A necessidade de servidores, em caráter definitivo, resolve-se pela criação de cargos, providos por concurso público, e não por requisições. Na verdade, a realidade que o recorrente diz ser óbice à aplicação da norma, é a mesma que a norma procurava expressamente limitar, por visível e indelével ânimo moralizador. A limitação imposta pela lei concretiza justamente o princípio da moralidade, impedindo que o instrumento possa ser empregado para acomodar situações individuais estranhas ao interesse público. 530 R.T.J. — 197 Da mesma forma, os princípios jurídicos, insculpidos na Constituição Federal, não podem elidir ou derrogar o conteúdo normativo do art. 4º da Lei 6.999/1982, pelo simples fato de ser ele restritivo da atividade administrativa. (...) O dispositivo apenas tornou claro ao administrador que não lhe é dado, no uso do poder de requisitar, fazê-lo por período indefinido. Note-se que nisso, o referido diploma não vai de encontro ao disposto no art. 30, inciso XIV, do Código Eleitoral, que ao dar vida ao instituto da requisição de servidores para as secretarias dos tribunais eleitorais, restringiu-o a situações de ‘acúmulo ocasional de serviço’. A aplicação do instituto revelou-se, portanto, irregular, em descompasso com os princípios atualmente abrigados no art. 37 da Carta de 1988, tais como o da moralidade e o da impessoalidade, e com os termos expressos da Lei 6.999/1982. Do ponto de vista prático, não há como dizer que o quadro geral de desconformidade em relação à Lei 6.999/1982 seja insuscetível de regularização, como dá a entender o recorrente. Pela magnitude da força de trabalho requisitada - mais da metade do efetivo total do TRE/PB, mesmo excluídos os 29 servidores comissionados, em conjunto com a pretensão de perenidade da atual situação, expõe-se o abuso no exercício do poder de requisitar. Deve ser lembrada a fragilidade de vínculos entre o servidor requisitado e o Órgão Eleitoral, com inquestionáveis reflexos no desempenho da função por parte daquele e no poder de exigibilidade e responsabilização por parte da administração. Há também os problemas funcionais que naturalmente surgem do convívio de funcionários com regimes legais tão díspares. A Corte Eleitoral não poderia, assim, transigir com a má operacionalidade resultante da utilização do instituto da requisição como forma de provimento, em completo desacordo com seu regime legal. Não se discute que, com a redemocratização do país, as atividades eleitorais ganharam impulso e abrangência. E a Justiça Eleitoral tem sabido responder ao desafio de assegurar o exercício de direitos eleitorais, básicos à cidadania, a todos os habitantes do vasto território nacional. A sociedade brasileira tem reconhecido também a contribuição dessa Justiça especializada para o inegável aperfeiçoamento das práticas democráticas. Mas tem oferecido, em contrapartida, o suporte financeiro necessário para que ela se desincumba de sua ingente missão. Hoje, a informatização das eleições atingiu patamar raramente visto entre as nações do mundo. Com isso, o fato eleitoral, da votação à proclamação do resultado, transcorre em pouquíssimos dias. R.T.J. — 197 531 A recente Lei 10.842/2004 prevê a criação, até 2006, de 5.748 cargos de analista e técnico judiciários, entre outros. Sem falar que a Lei 8.868/ 1994 já havia promovido expansão semelhante no quadro efetivo das Cortes Eleitorais. Com isso, não se pode admitir que as Cortes Eleitorais recorram continuamente ao instituto da requisição eleitoral, para recrutamento de servidores em número superior ao de servidores efetivos, para desempenho de tarefas estranhas à matéria eleitoral e inclusive em períodos distantes das eleições, tudo em desacordo não só com a Lei que criou o instituto, como também com a que, posteriormente, procurou discipliná-lo, por meio da explicitação de limites.’ A precisão das conclusões do TCU é eloqüente e demonstrada pelos fatos subseqüentes ao seu pronunciamento. Veja-se que, em seguida ao comunicado da decisão ora atacada, o TRE-PB, por seu Presidente, fez a convocação dos candidatos aprovados em concurso público em busca do preenchimento dos cargos criados com a Lei 10.842/2004 (...). Está demonstrada a viabilidade da execução dos serviços antes entregues aos esforços dos requisitados por servidores públicos regularmente investidos em cargos públicos, mediante a aprovação em concurso público. Por derradeiro, quanto aos demais princípios ventilados pelo impetrante, devem ser afastados, no que tange ao caso em tela, pela razão de não terem sido demonstrados na exordial. Ante o exposto, o Ministério Público Federal opina pelo indeferimento do writ.” (Grifei) É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): O Egrégio Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar situação em tudo idêntica à que se analisa na presente causa, proferiu decisão consubstanciada em acórdão assim ementado: “Administração Pública — Fiscalização — Servidores requisitados — Desnecessidade de participação no processo administrativo-fiscal. Tratando-se de atuação do Tribunal de Contas da União, considerado certo órgão da Administração Pública, não há como concluir pelo direito dos servidores requisitados de serem ouvidos no processo em que glosadas as requisições. Justiça Eleitoral — Cargos — Preenchimento — Servidores requisitados — Balizamento no tempo. Cumpre aos tribunais eleitorais preencher os cargos existentes no quadro funcional, fazendo cessar a prática das requisições, de modo a atender as balizas da Lei n. 6.999/82. O servidor não conta com o direito líquido e certo de permanecer no órgão cessionário, cabendo, isso sim, o retorno ao cedente.” (MS 25.198/DF, Rel. Min. Marco Aurélio — grifei) 532 R.T.J. — 197 Impende acentuar, por relevante, que essa orientação — em tudo aplicável ao presente caso — vem sendo observada em sucessivos julgamentos plenários proferidos a propósito da mesma controvérsia mandamental que ora se renova na presente sede processual (MS 25.213/DF, Rel. Min. Eros Grau — MS 25.206/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, v.g.): “Mandado de segurança. Tribunal de Contas da União. Interesse processual do impetrante. Ofensa ao princípio da ampla defesa e do contraditório. Inocorrência. Servidores requisitados. Limitação temporal. Art. 4º da Lei n. 6.999/82. Resolução n. 21.413 do Tribunal Superior Eleitoral. Direito adquirido. Inocorrência. Hierarquia entre as normas. 1. Há interesse processual do servidor público na impetração de mandado de segurança quando o ato do Tribunal de Contas da União afeta diretamente as suas relações jurídicas. Precedente [MS n. 25.209, Relator o Ministro Carlos Britto, DJ de 4-3-05]. (...) 3. A requisição de servidores públicos para serventias eleitorais justifica-se pelo acúmulo ocasional de serviço verificado no órgão cujo quadro funcional não esteja totalmente estruturado ou em número suficiente. Trata-se de procedimento emergencial, que reclama utilização parcimoniosa, sem a finalidade de eternizar o vínculo dos requisitados com o órgão para o qual foram cedidos. Daí a limitação temporal prevista no caput do art. 4º da Lei n. 6.999/82. 4. Por força da hierarquia entre as normas, a Resolução do TSE, que prorroga o prazo de requisição de servidores, em divergência com o art. 4º da Lei n. 6.999/82, não pode prevalecer. Não há falar-se, pois, em direito adquirido à permanência do servidor no órgão eleitoral. 5. Segurança denegada.” (MS 25.195/DF, Rel. Min. Eros Grau — grifei) Cabe acentuar, por necessário, que a postulação da parte impetrante não tem amparo na legislação, eis que, como se sabe, a Lei n. 6.999/82 dispõe, em seu art. 3º, que, “No caso de acúmulo ocasional de serviço na Zona Eleitoral e observado o disposto no art. 2º e seus parágrafos desta Lei, poderão ser requisitados outros servidores pelo prazo máximo e improrrogável de 6 (seis) meses”, e que, expirado tal prazo, o servidor requisitado deverá ser automaticamente desligado e devolvido à repartição de origem, podendo a cessão funcional ser renovada somente após decorrido um ano contado do término daquele lapso temporal (Lei n. 6.999/82, art. 3º, §§ 2º e 3º). Registre-se, ainda, que, “exceto no caso de nomeação para cargo em comissão, as requisições para as Secretarias dos Tribunais Eleitorais serão feitas por prazo certo, não excedente de 1 (um) ano” (grifei), findo o qual aplicar-se-ão, aos órgãos judiciários ora mencionados (“Secretaria de Tribunais Eleitorais”), as normas inscritas nos §§ 2º e 3º do art. 3º da Lei n. 6.999/82, consoante prescreve, de modo expresso, o parágrafo único do art. 4º desse mesmo diploma legislativo. R.T.J. — 197 533 Vê-se, desse modo, que inexiste a possibilidade de reconhecer-se, em favor dos servidores cuja requisição cessou por efeito de legítima determinação do Tribunal de Contas da União, qualquer parcela de direito líquido e certo amparável pela via constitucional do mandado de segurança, consoante vem acentuando a jurisprudência que o Plenário desta Suprema Corte firmou no exame da mesma matéria ora em análise neste julgamento (MS 25.217/DF, Rel. Min. Marco Aurelio, v.g.). A deliberação ora em exame fundou-se na inquestionável competência fiscalizadora de que se acha investido, ope constitutionis, o Tribunal de Contas, e que lhe confere a atribuição de exercer, de modo legítimo, em matéria contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, o controle externo dos atos dos Poderes da República, notadamente se se tiver presente a relevantíssima circunstância de que a nova Constituição Federal ampliou, de forma extremamente significativa, em tema de fiscalização estatal, a esfera de competência institucional das Cortes de Contas (RTJ 153/151-152, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.). Cabe enfatizar, ainda, que a presunção juris tantum de legitimidade dos atos do Poder Público não deve impedir que o Tribunal de Contas exerça, em plenitude, a ação fiscalizadora de que foi incumbido pela Lei Fundamental da República. Não se pode ignorar, neste ponto, que esse poder de fiscalização repousa em insuprimível atribuição que assiste às Cortes de Contas, no sistema de direito constitucional positivo vigente no Brasil, especialmente se se considerarem os paradigmas ético-jurídicos que devem pautar a atuação do Poder Público. É preciso ter a percepção de que a nova Constituição da República ampliou, de modo extremamente significativo, a esfera de competência dos Tribunais de Contas, os quais, distanciados do modelo inicial consagrado na Constituição republicana de 1891 — que limitava a sua atuação à mera liquidação das contas da receita e despesa e à verificação de sua legalidade (art. 89) — foram investidos, agora, de poderes mais extensos que ensejam, em tema de controle externo, a possibilidade de ampla fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial das pessoas estatais e das entidades e órgãos de sua administração direta e indireta. A essencialidade dessa Instituição — surgida nos albores da República com o Decreto n. 966-A, de 7-11-1890, editado, pelo Governo Provisório, sob a inspiração de Rui Barbosa (RTJ 132/1034) — foi acentuada, uma vez mais, com a inclusão, no rol dos princípios constitucionais sensíveis, da indeclinabilidade da prestação de contas da administração pública, direta e indireta (CF, art. 34, VII, d). A atuação do Tribunal de Contas, por isso mesmo, assume importância fundamental no campo do controle externo. Como natural decorrência do fortalecimento de sua ação institucional, os Tribunais de Contas tornaram-se instrumentos de inquestionável relevância na defesa dos postulados essenciais que informam a própria organização da Administração Pública e o comportamento de seus agentes, com especial ênfase para os princípios da moralidade administrativa, da impessoalidade e da legalidade. Nesse contexto, o regime de controle externo, institucionalizado pelo ordenamento constitucional, propicia, em função da própria competência fiscaliza- 534 R.T.J. — 197 dora outorgada aos Tribunais de Contas, o exercício, por esses órgãos estatais, de todos os poderes — inclusive os implícitos (MS 24.510/DF, Rel. Min. Ellen Gracie) — que se revelem inerentes e necessários à plena consecução dos fins que lhes foram cometidos. Cabe ter presente, neste ponto, a advertência feita por Pontes de Miranda (“Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1 de 1969”, tomo III/258, 3ª ed., 1987, Forense), cujo magistério, ao analisar o poder de controle outorgado ao Tribunal de Contas, enfatiza: “Todo ato, quer do Poder Executivo, quer do Poder Legislativo, ou do Poder Judiciário, de que resulte despesa, tem de ser conferido com as leis, para que se verifique se alguma das suas cláusulas viola regra de direito cogente.” (Grifei) Inquestionável, desse modo, a plena legitimidade da deliberação do E. Tribunal de Contas da União impugnada na presente sede mandamental. Sendo assim, em face das razões expostas e considerando, ainda, o douto parecer do eminente Procurador-Geral da República, denego o presente mandado de segurança, mantendo íntegra, em conseqüência, a deliberação emanada do E. Tribunal de Contas da União e consubstanciada em acórdão objeto de impugnação nesta sede processual, incidindo, ainda, na espécie, a Súmula 512/STF. É o meu voto. EXTRATO DA ATA MS 25.194/DF — Relator: Ministro Celso de Mello. Impetrante: Renata Rodrigues Tavares (Advogado: Stanislaw Costa Eloy). Impetrado: Tribunal de Contas da União. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou a segurança, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim. Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza. Brasília, 3 de agosto de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário. AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE SEGURANÇA 25.271 — DF Relatora: A Sra. Ministra Ellen Gracie Agravante: Maria Ângela Lemes Pereira — Agravados: Presidente da República e Superintendente Regional do Incra/MS Administrativo. Mandado de segurança. Desapropriação. Autoridade impetrada. Competência. R.T.J. — 197 535 Mandado de segurança interposto contra ato ilegal do Superintendente Regional do Incra referendado pelo Presidente da República. Competência desta Corte. Agravo improvido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao agravo, nos termos do voto da Relatora. Brasília, 27 de outubro de 2005 — Ellen Gracie, Presidente (art. 37, I, do RISTF) e Relatora. RELATÓRIO A Sra. Ministra Ellen Gracie: Eis o teor do despacho agravado: “Cuida-se de Mandado de Segurança, com pedido liminar, contra ato ilegal do Superintendente Regional do Incra referendado pelo Presidente da República e consubstanciado no Decreto de 21 de setembro de 2004, publicado no Diário Oficial da União de 22-9-2004, que declarou de interesse social, para fins de reforma agrária, imóvel rural denominado ‘Fazenda Morro Bonito', situado no Município de Campo Grande, no Estado de Mato Grosso do Sul. A impetrante, herdeira testamentária, busca sustar a eficácia do referido decreto e obstar o eventual ajuizamento de ação de desapropriação. Alega a existência de vícios no procedimento administrativo que antecedeu o decreto e requer seja determinada à Superintendência Regional do Incra que se abstenha de praticar qualquer ato de condução do processo expropriatório e a reabertura do prazo para que possa impugnar o relatório agronômico. Consoante o artigo 18 da Lei 1.533/51, o prazo para impetração do mandado de segurança esgota-se em 120 dias contados da ciência pelo interessado do ato impugnado. O Decreto Presidencial em questão, datado de 21-9-2004, foi publicado no Diário Oficial da União do dia 22-9-2004. No primeiro dia subseqüente iniciou-se a contagem do prazo legal. A impetrante ajuizou o mandamus no dia 25-2-2005, 156 dias após o ato impugnado, portanto, quando já decorrido o prazo decadencial. Ante o exposto, nos termos do art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, nego seguimento ao pedido, prejudicado pedido de liminar.” A agravante sustenta que o Presidente da República não é a autoridade coatora, mas, sim, o Superintendente do Incra/MS. O ato coator consistiu na negativa injustifi- 536 R.T.J. — 197 cada de atendimento ao pedido formulado em 6-12-2004, em que foi requerida manifestação sobre questão procedimental em expediente anteriormente protocolado na Superintendência pelo co-herdeiro Adolfo. Requer a agravante a reconsideração do despacho. É o relatório. VOTO A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Não tem razão a agravante. A petição inicial do writ distribuída perante esta Corte é explícita ao colocar, no pólo passivo, além do Superintendente Regional do Incra, o Presidente da República em razão do ato consubstanciado no Decreto de 21 de setembro de 2004, publicado no Diário Oficial da União de 22-9-2004, que declarou de interesse social, para fins de reforma agrária, imóvel rural denominado “Fazenda Morro Bonito”. Por ter manifestamente se insurgido também contra o referido decreto, e não apenas contra ato do Presidente do Incra, o impetrante distribuiu o writ perante esta Corte. Em razão da negativa de seguimento pelo decurso do prazo decadencial, o impetrante pretende, agora, em tentativa de verdadeira emenda à inicial, pela via do agravo, sustentar que só o Superintendente do Incra integra o pólo passivo. Mesmo que admitido, como sustenta o impetrante, que a autoridade impetrada seja apenas o Superintendente do Incra/MS e não o Presidente da República, ainda assim, o caso seria de negativa de seguimento ao pedido do mandamus, porque aquela autoridade (Superintendente do Incra) não faz por atrair a competência deste Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, d, da CF) para seu julgamento. Nego provimento ao agravo. EXTRATO DA ATA MS 25.271-AgR/DF — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Agravante: Maria Ângela Lemes Pereira (Advogado: Afrânio Alves Corrêa). Agravados: Presidente da República (Advogado: Advogado-Geral da União) e Superintendente Regional do Incra/MS. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo, nos termos do voto da Relatora. Ausentes, justificadamente, os Ministros Nelson Jobim (Presidente), Celso de Mello, Carlos Velloso e Cezar Peluso. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente). Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente). Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza. Brasília, 27 de outubro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário. R.T.J. — 197 537 MANDADO DE SEGURANÇA 25.460 — DF Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso Impetrante: Normíria Ferreira Pinho (Assistida pelo Sindicato dos Servidores Públicos Federais no Estado do Espírito Santo – SINDSEP/ES) — Impetrados: Tribunal de Contas da União e Coordenador-Geral de Recursos Humanos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA Constitucional. Servidor público. Vantagem deferida por sentença judicial transitada em julgado. Tribunal de Contas: determinação no sentido da exclusão da vantagem. Coisa julgada: ofensa. CF, art. 5º, XXXVI. I - Vantagem pecuniária incorporada aos proventos de aposentadoria de servidor público, por força de decisão judicial transitada em julgado: não pode o Tribunal de Contas, em caso assim, determinar a supressão de tal vantagem, por isso que a situação jurídica coberta pela coisa julgada somente pode ser modificada pela via da ação rescisória. II - Precedentes do Supremo Tribunal Federal. III - Mandado de segurança deferido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, conceder a segurança, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Eros Grau. Brasília, 15 de dezembro de 2005 — Carlos Velloso, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, fundado nos arts. 2º e 5º, XXXVI e LXIX, da Constituição Federal, impetrado por Normíria Ferreira Pinho, contra ato do Presidente da Primeira Câmara do Tribunal de Contas da União, consubstanciado no Acórdão 2.562/2004-TCU-1ª Câmara (fls. 22-23), proferido nos autos do TC 001.965/2001-7, que considerou ilegal a aposentadoria concedida e determinou ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA a cessação de todo e qualquer pagamento decorrente da decisão judicial transitada em julgado nos autos da Reclamação 962/ 1991, da 1ª Vara do Trabalho de Vitória/ES (fls. 34-72), que conferira à impetrante direito à incorporação do Plano Bresser (26,06%) e da URP de fevereiro de 1989 (26,05%). A presente impetração também indica como autoridade coatora o Coordenador-Geral de Recursos Humanos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos 538 R.T.J. — 197 Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, com intuito de que o mesmo não continue a cumprir a determinação do Tribunal de Contas contida no referido acórdão. Sustenta a impetrante em síntese: a) a incompetência do Tribunal de Contas da União para determinar a referida suspensão, porquanto amparada por decisão judicial transitada em julgado, consoante se infere da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (MS 23.665/DF, Plenário, Ministro Maurício Corrêa, DJ de 20-9-2002); b) a ocorrência de ofensa à coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI) e aos princípios da segurança jurídica e da irredutibilidade de vencimentos (CF, art. 37, XV); c) a existência do periculum in mora, ante a supressão, dos valores em questão, de seus vencimentos, a partir do mês de abril de 2005 (Ofício n. 159/05 — CGREH/Ibama — fl. 20), que afetou a qualidade de vida de sua família, colocando-a em dificuldades financeiras. Ao final, requer a impetrante, liminarmente, a imediata suspensão da eficácia do Acórdão 2.562/2004-TCU-1ª Câmara, para impedir que o Coordenador-Geral de Recursos Humanos do Ibama continue a cumprir a determinação nele contida. No mérito, pede a concessão da segurança para que lhe seja assegurado definitivamente o direito à inclusão das parcelas remuneratórias referentes às decisões judiciais transitadas em julgado em seus proventos. Requisitadas informações (fls. 94, 96 e 98), o Coordenador-Geral de Recursos Humanos do Ibama alegou, às fls. 101-111, em síntese: a) a sua ilegitimidade passiva, mormente porque apenas cumpriu a decisão proferida no Acórdão 2.562/2004-TCU-1ª Câmara, não detendo poder ou competência para rever ou cancelar o ato ora atacado; b) a inexistência de direito líquido e certo da impetrante; c) a constitucionalidade do ato de controle do Tribunal de Contas da União, nos termos do art. 71 da Constituição Federal; d) a inocorrência de ofensa à coisa julgada, porquanto sujeita às alterações fáticas e jurídicas subseqüentes, na medida em que a concessão dos referidos percentuais estava limitada à data-base, por não constar da sentença a sua extensão por tempo indeterminado; e) a ocorrência de ofensa ao princípio da isonomia, consubstanciada na continuidade do referido pagamento até os dias atuais, em completa disparidade com os outros servidores, certo que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a questão, entendeu que os servidores não teriam direito aos referidos reajustes; f) a inexistência de direito adquirido a regime jurídico. O ilustre Presidente do Tribunal de Contas da União, por sua vez, às fls. 113-126, sustentou em síntese: a) a inexistência de ofensa à coisa julgada, porquanto a concessão dos referidos percentuais não se incorporou aos vencimentos da impetrante, ante a sua natureza de R.T.J. — 197 539 antecipação salarial, limitada à data-base. Ademais, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que inexiste direito adquirido aos referidos reajustes; b) a existência de ilegalidade na aplicação desses reajustes, tendo em vista a mudança superveniente do regime jurídico da servidora, em que foi devidamente preservada a irredutibilidade de seus vencimentos; c) a ocorrência de coisa julgada inconstitucional, em flagrante ofensa aos princípios da constitucionalidade, da prevalência do interesse público sobre o particular, da legalidade e da moralidade, daí a necessidade de sua relativização à luz da moderna doutrina, bem como da revisão da atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal; d) a inexistência de direito adquirido e de ofensa ao princípio da segurança jurídica, ante o entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o ato de aposentação é um ato complexo, apenas se tornando perfeito quando devidamente registrado pela Corte de Contas; e) a ausência de periculum in mora, dado que “os fatos arrolados pela Impetrante não permitem concluir pela irreversibilidade da continuidade da decisão do TCU no mundo jurídico, não estando em risco a eficácia da prestação jurisdicional pretendida na presente ação mandamental. Não há irreversibilidade, por se tratar de um possível crédito em face de um sujeito solvente e certo, a União; a simples natureza alimentar e os compromissos assumidos também não permitem inferir estado de necessidade” (fl. 125). Em 3-8-2005, deferi a medida liminar (fls. 131-134). A Procuradoria-Geral da República, em parecer lavrado pelo eminente Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, opina pela denegação da ordem (fls. 148-150). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Em caso igual, MS 25.009/DF, por mim relatado, decidiu o Supremo Tribunal Federal: “Ementa: Constitucional. Processual. Mandado de segurança preventivo. Servidor público: vantagem deferida por sentença judicial transitada em julgado. Tribunal de Contas: determinação no sentido da exclusão da vantagem. Coisa julgada: ofensa. CF, art. 5º, XXXVI. I - A segurança preventiva pressupõe existência de efetiva ameaça a direito, ameaça que decorre de atos concretos da autoridade pública. Inocorrência, no caso, desse pressuposto da segurança preventiva. II - Vantagem pecuniária, incorporada aos proventos de aposentadoria de servidor público, por força de decisão judicial transitada em julgado: não pode o Tribunal de Contas, em caso assim, determinar a supressão de tal vantagem, por isso que a situação jurídica coberta pela coisa julgada somente pode ser modificada pela via da ação rescisória. 540 R.T.J. — 197 III - Precedentes do Supremo Tribunal Federal. IV - Mandado de Segurança preventivo não conhecido. Mandado de Segurança conhecido e deferido relativamente ao servidor atingido pela decisão do TCU.” (DJ de 29-4-2005) Destaco do voto que proferi quando do julgamento do citado MS 25.009/DF: “(...) Examino a segurança no ponto em que conhecida. Assim, nesta parte, o pronunciamento do eminente Procurador-Geral da República: ‘(...) 10. No mérito, razão assiste à impetração. Com efeito, o caso se amolda ao decidido por essa Egrégia Corte no julgamento do mandado de segurança n. 23.665, cuja ementa restou assim redigida: ‘Mandado de segurança. Tribunal de Contas da União. Aposentadoria. Registro. Vantagem deferida por sentença transitada em julgado. Dissonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Determinação à autoridade administrativa para suspender o pagamento da parcela. Impossibilidade. 1. Vantagem pecuniária incluída nos proventos de aposentadoria de servidor público federal, por força de decisão judicial transitada em julgado. Impossibilidade de o Tribunal de Contas da União impor à autoridade administrativa sujeita à sua fiscalização a suspensão do respectivo pagamento. Ato que se afasta da competência reservada à Corte de Contas (CF, artigo 71, III). 2. Ainda que contrário à pacífica jurisprudência desta Corte, o reconhecimento de direito coberto pelo manto da res judicata somente pode ser desconstituído pela via da ação rescisória. Segurança concedida.’ (MS 23665 - DF - TP - Rel. Min. Maurício Corrêa - DJU 20.09.2002 - p. 00089) 11. Cumpre registrar trechos do voto condutor do mencionado decisum, perfeitamente aplicáveis ao caso: ‘18. Vê-se, em conseqüência, que a decisão da Justiça Federal realmente discrepa da orientação definitiva desta Corte sobre o direito às diferenças salariais em debate, o que motivou, inclusive, o decisum do impetrado. Sem embargo da louvável intenção de resguardar-se o erário, não se pode perder de vista que a União deve obediência à condenação judicial a que foi submetida. 19. E nessa circunstância, o órgão da Administração a quem é oponível a sentença judicial tem obrigação de cumprir a decisão, mesmo na hipótese de não estar ela em conformidade com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, inclusive do Supremo Tribunal Federal. Essa é a força da coisa julgada material instituída em face de recursos R.T.J. — 197 541 possíveis ou da inércia da parte que não os utiliza, e que, alçada à garantia constitucional (CF, artigo 5º, XXXVI), não pode ser simplesmente descartada. 20. Dá-se, na hipótese, o que se denomina ‘efeito negativo da coisa julgada material, que consiste na proibição de outro juiz vir a decidir sobre o que já foi decidido em dispositivo de sentença de processo anterior entre as mesmas partes (...). Seus efeitos, por isso, projetam-se fora do processo, impedindo que se ajuíze nova demanda sobre o objeto da decisão, que somente pode ser desconstituída por ação rescisória.’ 12. Vê-se, nesse diapasão, que a ordem emanada pelo Tribunal de Contas da União, consubstanciada no item 9.3 do acórdão n. 1.157/2004-TCU-1ª Câmara, é flagrantemente ilegal por afrontar a coisa julgada relativa ao decidido na ação ordinária n. 89.0001705-5, já transitado em julgado (fls. 159). (...).’ (Fls. 280-281) Correto o parecer também nessa parte. O Tribunal de Contas da União não poderia afrontar a coisa julgada, dado que nem a lei pode fazê-lo (CF, 5º, XXXVI). E, no caso, o que ressai das informações é que procura o Tribunal encontrar justificativas para o seu ato, justificativas, entretanto, que esbarram na garantia constitucional inscrita no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS n. 23.665/DF, Relator o Ministro Maurício Corrêa, decidiu, registra a Procuradoria-Geral da República, no seu parecer, que não pode o Tribunal de Contas da União suspender ou suprimir ‘vantagem pecuniária incluída nos proventos de aposentadoria de servidor público federal, por força de decisão judicial transitada em julgado’, por isso que ‘o reconhecimento de direito coberto pelo manto da res judicata somente pode ser desconstituído pela via da ação rescisória’ (DJ de 20-9-2002). No mesmo sentido do decidido pelo Ministro Carlos Britto, no MS 24.939/DF (DJ de 21-6-04). No AI 471.430-AgR/DF, Relator o Ministro Eros Grau, decidiu o Supremo Tribunal, pela sua 1ª Turma, que é ‘pacífico o entendimento de que o Tribunal de Contas não possui atribuição para rever decisão judicial transitada em julgado’ (DJ de 17-9-2004). No MS 23.758/RJ, Relator o Ministro Moreira Alves, decidiu o Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário: ‘Ementa: Mandado de Segurança. - Determinação de suspensão de pagamento de vantagem pessoal aos impetrantes que fere a coisa julgada. - Mandado de segurança deferido, para tornar sem efeito a decisão do Tribunal de Contas da União com relação aos ora impetrantes.’ (DJ de 13-6-2003) No MS 22.891/RS, por mim relatado, decidiu o Supremo Tribunal Federal em Sessão Plenária: 542 R.T.J. — 197 ‘Ementa: Constitucional. Administrativo. Servidor público: adicional por tempo de serviço: servidor da Justiça do Trabalho: coisa julgada. ADCT, art. 17. I - O pressuposto para a aplicação do art. 17, caput, ADCT/1988, isto é, para a redução do vencimento, remuneração, vantagem e adicional, bem como de provento, é que estes estejam em desacordo com a Constituição de 1988. Ora, a Constituição de 1988 não estabeleceu limites ao critério do cálculo do adicional por tempo de serviço, em termos de percentuais. O que a Constituição vedou no art. 37, XIV, é o denominado ‘repique’, ou o cálculo de vantagens pessoais uma sobre a outra, assim em ‘cascata’. II - Situação jurídica coberta, no caso, pela coisa julgada, assim imodificável. III - Mandado de segurança deferido.’ (DJ de 7-11-2003) Um argumento sério foi utilizado pelo TCU, no caso, o de que a parcela da URP poderia ter sido absorvida num reajuste de vencimentos posterior. Cumpria ao TCU, entretanto, comprovar a ocorrência dessa alegada absorção, o que não fez. Limitou-se, no ponto, a presumir a ocorrência de tal fato. Do exposto, não conheço da segurança preventiva e, conhecendo do writ relativamente apenas ao servidor Fernando Avelino de Souza, representado pelo seu filho, Francisco de Souza Moura, defiro-a.” (DJ de 29-4-2005) Do exposto, defiro o mandado de segurança. EXTRATO DA ATA MS 25.460/DF — Relator: Ministro Carlos Velloso. Impetrante: Normíria Ferreira Pinho (Assistida pelo Sindicato dos Servidores Públicos Federais no Estado do Espírito Santo – SINDSEP/ES) (Advogados: Ana Izabel Viana Gonsalves e outro e Rogerio da Silva Venancio Pires). Impetrados: Tribunal de Contas da União e Coordenador-Geral de Recursos Humanos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, concedeu a segurança, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Eros Grau. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim. Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza. Brasília, 15 de dezembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário. R.T.J. — 197 543 HABEAS CORPUS 70.231 — SP Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello Paciente e Impetrante: Antonio Rodrigues Filho — Coator: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Habeas corpus — Crime de tráfico de entorpecentes — Alegada inépcia da denúncia — Inocorrência — Peça acusatória que atende, plenamente, às exigências legais — Suposta divergência quanto à quantidade de entorpecente apreendida — Irrelevância — Situação que, acaso existente, não afastaria a tipicidade penal — Ausência do Ministério Público aos atos de instrução penal — Formalidade cuja observância só à parte contrária interessa — Irregularidade processual que não enseja a nulidade do procedimento penal persecutório — Pretendido reconhecimento de cerceamento de defesa — Não-caracterização — Efetiva participação do defensor nos atos processuais — Ausência de fundamentação da sentença penal condenatória — Alegação improcedente — Sentença penal que apresenta fundamentação suficiente e adequada — Suposta ocorrência de flagrante preparado — Mera afirmação, desacompanhada da necessária comprovação — Menção à inexistência de provas suficientes para a condenação do paciente — Improcedência — Análise que exige exame aprofundado de provas e fatos — Impossibilidade em sede de habeas corpus — Pedido indeferido. — A denúncia, quando contém todos os elementos essenciais à adequada configuração típica do delito e atende, integralmente, às exigências de ordem formal impostas pelo art. 41 do CPP, não apresenta o vício nulificador da inépcia, pois permite, ao réu, a exata compreensão dos fatos expostos na peça acusatória, ensejando-lhe, desse modo, o pleno exercício do direito de defesa. A suposta divergência quanto à quantidade de entorpecente apreendida não descaracteriza a tipicidade penal, sendo irrelevante sua constatação, além de revelar-se insuscetível de apreciação na via sumaríssima do processo de habeas corpus. — A voluntária ausência do representante do Ministério Público a atos de instrução do processo, especialmente quando dela não resulta qualquer prejuízo ao réu, não pode ser invocada, pelo acusado, como causa de nulidade, eis que a legislação processual penal brasileira dispõe que nenhuma das partes poderá argüir nulidade referente à formalidade cuja observância só à parte contrária interessa (CPP, art. 565, in fine). — O fato de o Promotor de Justiça deixar de assinar o termo da audiência, longe de configurar qualquer hipótese de nulidade, caracteriza mera irregularidade processual, que não dá ensejo à invalidação formal do procedimento penal persecutório. 544 R.T.J. — 197 — Não há que se falar em defesa insuficiente ou omissa, quando se ensejou ao paciente, em plenitude, o efetivo exercício do direito de defesa, sem qualquer restrição ou obstáculo que pudesse afetar a cláusula constitucional que assegura, a todos os acusados, o contraditório e a amplitude de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. — Satisfaz, integralmente, a exigência constitucional de motivação dos atos decisórios, a condenação penal que, ao fixar a sanctio juris, o faz mediante fundamentação suficiente e adequada, discorrendo sobre a atividade criminosa do acusado e analisando, de forma minuciosa, ampla e precisa, o conjunto probatório existente nos autos. — A ação de habeas corpus constitui remédio processual inadequado, quando ajuizada com objetivo (a) de promover a análise da prova penal, (b) de efetuar o reexame do conjunto probatório regularmente produzido, (c) de provocar a reapreciação da matéria de fato e (d) de proceder à revalorização dos elementos instrutórios coligidos no processo penal de conhecimento. Precedentes. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Primeira Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Brasília, 30 de novembro de 1993 — Moreira Alves, Presidente — Celso de Mello, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de habeas corpus impetrado, em causa própria, por Antonio Rodrigues Filho, que se encontra preso e recolhido à Casa de Detenção de Presidente Prudente/SP, em virtude de haver sido condenado à pena de 5 anos de reclusão, e multa, que lhe foi imposta pela prática do delito de tráfico de entorpecentes (Lei n. 6.368/76, art. 12). Determinei o apensamento dos autos do HC 70.093/SP, também impetrado pelo ora paciente, eis que os fatos e fundamentos constantes desta impetração coincidem, em essência, com os mencionados naquele writ. Prestadas as informações pelo órgão apontado como coator, este assinalou que “todos os argumentos deduzidos na impetração guardam relação profunda com as provas existentes nos autos”, o que bastaria — segundo sustenta — para inviabilizar a utilização do remédio constitucional do habeas corpus (fls. 48/51). A douta Procuradoria-Geral da República, ao opinar pelo indeferimento do pedido (fls. 34/37), assim apreciou, no ponto, a impetração (fl. 35): “Sobre as teses das impetrações unificadas R.T.J. — 197 545 No HC n. 70.093-4/130, sustenta inicialmente o impetrante que a denúncia não pode subsistir, pois alude à apreensão de 43 quilos de cocaína, ao passo que a soma dos autos de apreensão daria conta da apreensão de 41 quilos e seiscentos e 19 gramas. Sustenta, ainda, que a instrução acusatória fora realizada sem a presença do Representante do Ministério Público. Argumenta ademais que o seu advogado não agiu com a necessária diligência, causando-lhe enorme prejuízo. Focaliza, ainda, a sentença, asseverando que não estaria assinada pelo Magistrado, que não teria individualizado a pena e, ainda, estaria a descoberto de fundamentação. No HC 70.231, o impetrante-paciente reitera as teses da impetração anterior, sustentando ademais, que, in casu, se estaria diante de flagrante preparado ou mesmo de processo sem prova suficiente para a condenação.” (Grifei) É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): O ora paciente, juntamente com outros cinco co-réus, foi condenado pelo magistrado de primeiro grau à pena de 5 anos de reclusão, e multa, pela prática do delito tipificado no art. 12 da Lei n. 6.368/76 (fls. 69/86). Inconformado com essa condenação, o paciente recorreu para o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que deu parcial provimento à apelação por ele interposta, para, tão-somente, reduzir o valor da multa, mantendo, no entanto, quanto ao mais, a sentença penal condenatória de primeiro grau. Objetiva o impetrante, com o presente writ, a nulidade do acórdão do Tribunal apontado como coator, alegando, para tanto, (a) inépcia da denúncia, (b) ausência do representante do Ministério Público a alguns atos de instrução processual, (c) cerceamento de defesa, (d) ausência de fundamentação da sentença condenatória, (e) falta de individualização da pena e (f) inexistência de provas suficientes para a sua condenação. Entendo não assistir razão ao impetrante. Improcede a alegação de inépcia da denúncia. É que a peça acusatória, formulada pelo Ministério Público, atendeu, plenamente, às exigências de ordem formal impostas pelo art. 41 do Código de Processo Penal. A simples leitura da denúncia ora questionada evidencia tratar-se de peça processual incensurável, posto que nela se contém, de modo preciso e objetivo, a correta descrição do fato delituoso (fls. 52/54 dos autos em apenso). Ademais, a análise da alegada inépcia da peça acusatória, nos termos em que proposta pelo ora paciente, refoge à mera discussão jurídica sobre os aspectos concernentes a esse vício formal, que, presente, revelar-se-ia apto a ensejar a invalidade da própria denúncia formulada pelo Ministério Público. O impetrante sustenta, ainda, que o vício da inépcia residiria no fato de o Promotor de Justiça haver apontado, na peça acusatória, que os réus tinham, em seu poder, 43 kg de cocaína, quando, na realidade, teria sido apreendida, pelas autoridades 546 R.T.J. — 197 policiais, quantidade ligeiramente inferior àquela constante da denúncia (cerca de 41 kg e meio de cocaína). O exame dessa circunstância supõe, no caso, apreciação de todo conjunto probatório existente nos autos do procedimento penal instaurado contra o ora paciente, o que é vedado na via angusta do habeas corpus, consoante orientação jurisprudencial prevalecente nesta Corte. Cumpre registrar, demais disso, a manifestação da douta Procuradoria-Geral da República, no ponto em que, ao pronunciar-se sobre esse fundamento da impetração, ressaltou (fl. 36): “Examinado-se as peças que instruem as informações, vê-se que a denúncia imputa ao ora paciente, com precisão, fatos típicos. (...) A alegação do réu de que o peso total da cocaína seria, aproximadamente, um quilo e meio a menos tem pouco significado processual, pois o transporte de menor quantidade não afastaria o tráfico.” A análise das peças processuais produzidas nesta sede heróica revela, contudo, que inexiste a divergência alegada pelo ora impetrante. Tal como ressaltou a douta Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, “A prova da materialidade é inconteste, diante do perfeito laudo de exame químico-toxicológido de fls. 97/99, não obstante a insistência inócua da defesa quanto à fictícia divergência de peso entre a denúncia e o que foi apreendido. O Dr. Promotor de Justiça não se enganou ao estabelecer que a apreensão foi de aproximadamente 43 (quarenta e três quilos) de entorpecente. Basta computar a apreensão de fls. 24/27. Vejamos: 01) 17.785 Kg; 02) 980g; 03) 2.315 Kg; 04) 2.530 kg; 05) 7.790 e 06) 11.635 kg = 43.035 kg. O Dr. Defensor foi muito infeliz na sua parcial contabilidade ‘de chegar’ para desmerecer a denúncia” (fl. 95). Em suma: a denúncia, quando contém todos os elementos essenciais à adequada configuração típica do delito e atende, integralmente, às exigências de ordem formal impostas pelo art. 41 do CPP, não apresenta o vício nulificador da inépcia, pois permite, ao réu, a exata compreensão dos fatos expostos na peça acusatória, ensejandolhe, desse modo, o pleno exercício do direito de defesa. E foi, precisamente, o que se registrou na espécie ora em exame. No que concerne à suposta ausência do representante do Ministério Público aos atos de instrução processual — especificamente à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação —, nenhuma razão assiste ao ora impetrante, eis que, além de o alegado não-comparecimento do Ministério Público não haver causado qualquer prejuízo à defesa (CPP, art. 563) ou à apuração da verdade real (CPP, art. 566), essa nulidade — acaso configurada — somente seria suscetível de invocação pelo próprio órgão da acusação penal, não, porém, pelo réu. A legislação processual penal brasileira dispõe que nenhuma das partes poderá argüir nulidade referente à formalidade cuja observância só à parte contrária interessa (CPP, art. 565, in fine). R.T.J. — 197 547 A presença do Ministério Público em todos os atos do processo é obrigatória. Traduz uma decorrência do princípio do contraditório consagrado pela Carta Federal. A falta do Parquet a qualquer dos atos a que deva comparecer constitui, por isso mesmo, nulidade processual que deverá ser proclamada (RT 331/302 — RT 445/440). Essa drástica conseqüência de ordem jurídico-formal, no entanto, somente deve ocorrer naquelas estritas hipóteses em que a falta de participação do Ministério Público tenha decorrido, não de sua própria vontade, mas, sim, de obstáculo processual criado por terceiros. A ausência do Ministério Público aos atos do processo, quando voluntária, não pode ter o condão de afetar a validade da prova penal produzida em juízo. Essa contumácia do órgão da acusação, contudo, não pode ser invocada pela Defesa como causa de nulidade processual, especialmente quando a ausência do Promotor de Justiça não ocasiona qualquer prejuízo ao réu. Essa causa nullitatis somente pode ser legitimamente invocada pelo próprio Ministério Público, desde que não derive — como já ressaltado — de omissão processual voluntariamente causada pelo Parquet. De qualquer maneira, porém, a leitura do termo da audiência em que foram inquiridas as testemunhas arroladas pela acusação evidencia a presença do Ministério Público, a quem, inclusive, se ensejou a possibilidade de formular reperguntas (fls. 19/ 26v.). Por mero lapso, o Promotor de Justiça deixou de assinar aquele termo. Essa situação, longe de configurar qualquer hipótese de nulidade, caracteriza mera irregularidade processual, que não dá ensejo à invalidação formal do procedimento penal persecutório. Também não procede a alegação de cerceamento de defesa. É que o ora paciente foi assistido por defensor legalmente constituído que o acompanhou e esteve presente aos atos de instrução. Esse defensor técnico assistiu aos depoimentos testemunhais, formulando reperguntas (fls. 129/135 — autos em apenso), ofereceu defesa prévia e apresentou alegações finais (fl. 73 — autos em apenso). Vê-se, daí, que não há que se falar em defesa insuficiente ou omissa. Pelo contrário, ensejou-se, ao ora paciente, em plenitude, o exercício do direito de defesa, sem qualquer restrição ou obstáculo que pudesse afetar a cláusula constitucional que assegura, a todos os acusados, o contraditório e a amplitude de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Não procedem, por igual, as objeções pertinentes à alegada ausência de fundamentação da sentença penal condenatória (mantida pelo Tribunal a quo) e à suposta falta de individualização da pena. O ato decisório ora questionado revestiu-se de suficiente e adequada fundamentação, havendo discorrido sobre a atividade criminosa do paciente e analisado, de forma minuciosa, ampla e precisa, a matéria probatória existente nos autos (fls. 71/86). O magistrado sentenciante expôs e examinou, em longo ato decisório, todas as teses deduzidas pela Acusação e pela Defesa, justificando, de modo claro, as razões que o levaram a emitir o provimento condenatório. 548 R.T.J. — 197 O Ministério Público Federal, ao repelir esses aspectos da impetração, corretamente salientou (fl. 36): “A sentença é minuciosa (fls. 71/86), justificando adequadamente a declaração de incidência do réu no crime objeto da denúncia. (...) De outra parte, a sentença justifica adequadamente o quantum da pena imposta.” A alegação do paciente de que teria sofrido flagrante preparado pela Polícia não se reveste de qualquer fundamento fático-jurídico. O impetrante, nesse ponto, limitouse, sem qualquer razão, a afirmar que o comportamento dos agentes policiais poderia, “mesmo que ligeiramente” (fl. 11), ter incidido na Súmula 145 do STF. Essa mera alegação, totalmente desacompanhada de um acervo mínimo de razões de fato e de direito, não autoriza a sua apreciação nesta via sumaríssima do habeas corpus. Finalmente, quanto à alegada inexistência de provas suficientes para a condenação do paciente, não vislumbro a possibilidade de apreciar esse aspecto da impetração, eis que a sua análise exigiria aprofundado exame da matéria de fato, o que se mostra vedado em sede de habeas corpus (RTJ 129/1199 — RTJ 134/1227). É conveniente assinalar, neste ponto, que a ação de habeas corpus constitui remédio processual inadequado, quando ajuizada com objetivo (a) de promover a análise da prova penal, (b) de efetuar o reexame do conjunto probatório regularmente produzido, (c) de provocar a reapreciação da matéria de fato e (d) de proceder à revalorização dos elementos instrutórios coligidos no processo penal de conhecimento. Pelas razões expostas, e nos termos do parecer da douta Procuradoria-Geral da República, indefiro o pedido de habeas corpus. É o meu voto. EXTRATO DA ATA HC 70.231/SP — Relator: Ministro Celso de Mello. Paciente e Impetrante: Antonio Rodrigues Filho. Coator: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidência do Ministro Moreira Alves. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e Ilmar Galvão. Ausente, justificadamente, o Ministro Sydney Sanches. Subprocurador-Geral da República, Dr. Miguel Frauzino Pereira. Brasília, 30 de novembro de 1993 — Ricardo Dias Duarte, Secretário. R.T.J. — 197 549 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EM HABEAS CORPUS 82.390 — SP Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence Embargantes: Elaine Cristina do Prado Brunheroto Pires, José Carlos Andrade Gomes e José Gallardo Dias ou José Gallardo Diaz — Embargado: Ministério Público Federal Embargos de declaração: ausência dos seus pressupostos: rejeição. 1. Embargos de declaração a acórdão que, na linha da decisão plenária do HC 81.611, Pertence, Informativo STF 333, deu provimento ao recurso de habeas corpus, para declarar a nulidade do processo, desde a denúncia, inclusive, sem curso, no entanto, a prescrição penal. 2. Manifesta improcedência dos embargos que não se prestam: a explicitar pretendida sinonímia entre a declaração de nulidade desde a denúncia, inclusive, e o chamado “trancamento da ação penal”; a cuidar da validade ou não da representação fiscal, da qual, declarada a nulidade do processo penal que provocou, nenhuma lesão ou ameaça resulta para a liberdade de locomoção do paciente; a declarar o fundamento do “trancamento da ação penal”, longamente deduzido na decisão embargada e a alterar o julgado quanto à suspensão da prescrição. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, rejeitar os embargos de declaração no recurso em habeas corpus e determinar à Secretaria do Tribunal a retificação da autuação, nos termos do voto do Relator. Brasília, 14 de dezembro de 2004 — Sepúlveda Pertence, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Trata-se de embargos de declaração contra acórdão desta Turma, que, por maioria de votos, deu provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, nos termos da ementa transcrita: “Ementa: Crime material contra a ordem tributária (Lei 8.137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo: precedente (HC 81.611, Pleno, 10-12-2003, Pertence, Informativo STF 333).” Este o voto-condutor por mim proferido após o pedido de vista (fls. 206/209): 550 R.T.J. — 197 “Os pacientes foram condenados — na forma dos arts. 29 e 71 do Código Penal — por infração do art. 1º, II, da Lei 8.137/90, que incrimina o fato de “fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal”. No dia 12-7-95 (fls. 194/212; 329/475 – apensos I e II) os pacientes recorreram administrativamente junto ao Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo, objetivando o cancelamento da ‘exigência fiscal' decorrente dos fatos objeto da denúncia. Antes do julgamento de referidos recursos, foi oferecida denúncia, recebida em 19-6-96 (fls. 2/3 e 481/482 — apensos 1 e 3), sobrevindo a sentença condenatória, na qual se sustentou que ‘o exaurimento da via administrativa não é necessária para obstar' a ação penal (fl. 576 — apenso 3). Na mesma linha, o acórdão da apelação interposta pela Defesa, verbis (fl. 663 — apenso 3): “(...) Nos crimes previstos na Lei n. 8.137/90, como é o caso dos autos, não há necessidade de representação da Fazenda Pública, uma vez que se trata de ação pública incondicionada. Também não há necessidade de o Ministério Público esperar o exaurimento da via administrativa para oferecimento da denúncia, bastando, para tanto, prova da materialidade e indícios suficientes da autoria.” Daí a impetração do habeas corpus perante o STJ, que denegou a ordem e manteve a condenação ao fundamento de que ‘a propositura da ação penal, envolvendo os delitos tipificados na Lei n. 8.137/90, independe do prévio esgotamento do procedimento administrativo-tributário instaurado', nem é necessária, para o oferecimento da denúncia, ‘prévia representação da Fazenda Pública', nos termos do art. 83 da Lei 9.430/96 (fls. 32/42). Donde o presente recurso ordinário, ao qual negou provimento o em. Relator — Ministro Moreira Alves — que após transcrever o acórdão do STJ, assim votou: ‘1. Não têm razão os recorrentes. Com efeito, quanto à questão de que o delito previsto no artigo 1º, II, da Lei n. 8.137/90, combinado com o artigo 83 da Lei n. 9.430/96, necessita de representação da Fazenda Pública, tratando-se de ação penal pública condicionada à representação do ofendido. Esta Corte, ao julgar a ADI 1.571-MC, entendeu que o artigo 83 da Lei n. 9.430/96 deve ser entendido no sentido de que não define condição de procedibilidade para a instauração da ação penal pública pelo Ministério Público. Daí, ambas as Turmas deste Tribunal, seguindo essa orientação, afirmarem que o artigo 83 da Lei 9.430/96 não estabelece condição de procedibilidade para a instauração da ação penal pública pelo R.T.J. — 197 551 Ministério Público, que pode antes mesmo de encerrada a instância administrativa, que é autônoma, propor a ação penal com relação aos crimes a que ele alude. Por outro lado, não é exato que a sentença de primeiro grau e o acórdão do Tribunal de Justiça não tenham analisado o envolvimento dos recorrentes no fato criminoso, como demonstrou o acórdão ora recorrido, transcrevendo, a propósito, os trechos dessas decisões que se encontram, respectivamente, a fls. 579/580 e 663/665 do apenso. É, aliás, de observar-se que, nos crimes de autoria coletiva ou conjunta, em especial nos delitos praticados em sociedade, não é necessária a especificação pormenorizada da conduta de cada agente (cfe. HC 71.788, 2ª Turma, com relação ao crime contra a ordem tributária). Note-se, ainda, que as penas privativas de liberdade foram fixadas no mínimo legal e, posteriormente, substituídas por duas penas restritivas de direitos. Finalmente, quanto à terceira alegação desse recurso, está correto o parecer da Procuradoria-Geral da República (...) (fl. 171). 2. Em face do exposto, nego provimento ao presente recurso.” II Após o pedido de vista, no julgamento do HC 81.611, Pleno, por mim relatado, j. 10-12-03, Informativo STF 333, esta Corte firmou entendimento no sentido de que, ‘nos crimes do art. 1º da Lei 8.137/90, que são materiais ou de resultado, a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia uma condição objetiva de punibilidade, configurando-se como elemento essencial à exigibilidade da obrigação tributária, cuja existência ou montante não se pode afirmar até que haja o efeito preclusivo da decisão final em sede administrativa’ ou, segundo outros votos que também compuseram a maioria, elemento essencial à tipicidade do fato. Este é o caso dos autos, pois a denúncia foi recebida antes de haver decisão definitiva no processo administrativo. Assim, dou provimento ao recurso de habeas corpus, para declarar a nulidade do processo, desde a denúncia, inclusive, sem curso, no entanto, a prescrição penal.” Donde os presentes embargos, com os quais se pretende: a) “fique entendido que a inclusão da denúncia na declaração de nulidade do processo tem o mesmo significado semântico do que trancamento da ação penal por falta de justa causa”; b) seja anulada, também, “a representação fiscal, sob pena, inclusive, de responsabilidade administrativa, civil e penal em face daqueles que de forma extemporânea deram causa ao constrangimento dos embargantes: Administração, Autoridade Administrativa, Ministério Público, Promotor de Justiça (...)”; 552 R.T.J. — 197 c) “seja declarado, expressamente, o fundamento legal que ensejou o trancamento da ação penal”; d) seja afastada a suspensão da prescrição, “já que falta justa causa até para acusação, ou subsidiariamente, que seja estipulado qual o período, início e fim, da suspensão, bem como fundamento legal”. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Manifesta a improcedência dos embargos de declaração que não se prestam: a) para explicitar a pretendida sinonímia entre a declaração de nulidade desde a denúncia, inclusive — conforme o dispositivo do acórdão — e o chamado “trancamento da ação penal”; b) para cuidar da validade ou não da representação fiscal, da qual, declarada a nulidade do processo penal que provocou, nenhuma lesão ou ameaça resulta para a liberdade de locomoção do paciente; c) para declarar o fundamento do “trancamento da ação penal”, longamente deduzido na decisão embargada; d) para alterar o julgado quanto à suspensão da prescrição. Rejeito os embargos: é o meu voto. Observe a Secretaria os pedidos relativos à autuação e às intimações formulados ao final dos embargos. EXTRATO DA ATA RHC 82.390-ED/SP — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Embargantes: Elaine Cristina do Prado Brunheroto Pires, José Carlos Andrade Gomes e José Gallardo Dias ou José Gallardo Diaz (Advogados: Raouf Kardous e outros e Rodrigo Pittas Yamashita). Embargado: Ministério Público Federal. Decisão: A Turma rejeitou os embargos de declaração no recurso em habeas corpus e determinou à Secretaria do Tribunal a retificação da autuação, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas. Brasília, 14 de dezembro de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador. R.T.J. — 197 553 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO HABEAS CORPUS 82.770 — RJ Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes Embargante: Rogério Costa de Andrade e Silva — Embargado: Superior Tribunal de Justiça Embargos de declaração no habeas corpus. 2. Crime hediondo — duplo homicídio qualificado. 3. Alegação de omissão no acórdão embargado quanto o fundamento da prisão preventiva decretada na sentença condenatória. 4. Discussão acerca do direito de apelar em liberdade. 5. Matéria em apreciação pelo Plenário desta Corte (Rcl 2.391). 6. Decreto da prisão preventiva devidamente fundamentado para garantia da ordem pública (CPP, art. 312) 7. Inocorrência de omissão, contradição ou obscuridade. 8. Efeitos infringentes. 9. Descabimento. 10. Embargos de declaração rejeitados. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, rejeitar os embargos de declaração, nos termos do voto do Relator. Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Gilmar Mendes, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ao apreciar o Habeas Corpus n. 82.770/RJ, de Relatoria do Min. Celso de Mello, em que fui o redator para o acórdão, esta Turma indeferiu a ordem, por maioria, estando o acórdão assim ementado: “Ementa: Habeas corpus. 2. Superior Tribunal de Justiça. 3. Duplo homicídio qualificado. 4. Crime hediondo. 5. Apelação em liberdade. 6. Repugna-se a fundamentação de prisão cautelar assente simplesmente em clamor público. 7. Da leitura do § 2º do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25-7-90, extrai-se que a regra é a proibição de se apelar em liberdade, que só pode ser afastada mediante decisão fundamentada do juiz. Precedentes. 8. Habeas corpus indeferido.” (fl. 174) Primeiramente, o então Vice-Presidente desta Corte, Min. Ilmar Galvão, no exercício da Presidência, apreciou o pedido de liminar no HC 82.770/RJ, indeferindo-o (fls. 37-38). Após a distribuição do feito ao Relator Min. Celso de Mello, houve pedido de reconsideração, sendo concedido o direito de apelar em liberdade (fls. 54-60). Por ocasião do julgamento, o Min. Celso de Mello votou pela concessão da ordem, por entender que o decreto da prisão preventiva não estava devidamente fundamentado, por caracterizar a prisão apenas com relação às hipóteses do art. 312 do Código de Processo Penal, sem fazer qualquer referência ao art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.072/90 (fls. 125-162). Abri divergência, acompanhando o entendimento da Corte sobre a 554 R.T.J. — 197 questão, que entendia que “da leitura do § 2º do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25-7-90, extrai-se que a regra é a proibição de se apelar em liberdade, que só pode ser afastada mediante decisão fundamentada do juiz” (fl. 174). O embargante, Rogério Costa de Andrade e Silva, opôs os embargos de declaração de fls. 179-190, com pedido de efeito modificativo, em que sustenta o direito de apelar em liberdade, pelas seguintes razões, verbis: “Concessa vênia, para assim decidir, a Eg. Segunda Turma do STF incidiu em grave equívoco e patente omissão, cujo suprimento ou sanação, por via dos presentes embargos declaratórios, importará na alteração do julgado, na linha de numerosos e expressivos precedentes da Suprema Corte, como se verá a seguir. Como por duas vezes ressaltou o eminente Ministro Celso de Mello, a controvérsia suscitada na impetração cinge-se ao fato de que o decreto de prisão preventiva e o acórdão do STJ que o convalidou negaram ao paciente o direito de recorrer em liberdade, sem fazer qualquer alusão, para tanto, à norma inscrita no art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.072/90, optando por invocar razões — fundadas, unicamente, no art. 312 do CPP — que lhe parecem pertinentes, embora destituídas de base empírica derivada da existência de fatos concretos reveladores da necessidade da adoção, no caso, da medida excepcional da privação cautelar da liberdade de locomoção física do paciente. Ocorre que, no voto condutor da decisão majoritária da Suprema Corte, o eminente Ministro Gilmar Mendes reconheceu que as decisões impugnadas não se sustentavam do ponto de vista da fundamentação que expenderam para a adoção e manutenção da medida excepcional constritiva da liberdade do paciente. A despeito disso, manteve a prisão do paciente mediante a invocação de fundamento que não integrou o decreto de prisão cautelar nem a decisão com que o STJ o convalidou — ou seja, mediante a invocação do art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.072/90. Evidente, pois, que o v. acórdão embargado omitiu-se em apreciar o fundamento nuclear da impetração, por mais de uma vez destacado pelo eminente Ministro Celso de Mello, no sentido de que, não tendo o art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.072/90 sido invocado como fundamento do decreto de prisão preventiva, a toda evidência não poderia incidir na espécie dos autos, a não ser com grave comprometimento do sistema de garantia jurídica, como em casos análogos reconhece a jurisprudência pacífica da Suprema Corte.” (fls. 185-186) É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Tal como relatado, discute-se nos presentes embargos o direito de apelar em liberdade. O paciente foi condenado à dezenove anos e dez meses de reclusão pela prática de duplo homicídio qualificado, tendo sido decretada sua prisão preventiva na sentença condenatória, com o fim de resguardar a ordem pública. R.T.J. — 197 555 Irresignado, interpôs apelação. Buscando apelar em liberdade, impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), sendo ambos indeferidos, pela inexistência de constrangimento ilegal. Após, impetrou habeas corpus perante esta Corte, tendo sido, primeiramente, indeferido o pedido de liminar, mas, depois do pedido de reconsideração, teve a cautelar deferida. Em 27-8-2003, a ordem de habeas corpus foi indeferida, por maioria, entendendo que o § 2º do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25-7-1990, dispõe como regra a proibição da apelação em liberdade. O Relator Min. Celso de Mello foi vencido, por entender que o decreto da prisão preventiva não se encontrava devidamente fundamentado em relação à Lei n. 8.072/90, mas apenas quanto ao art. 312 do Código de Processo Penal, concluindo, assim, que o paciente teria o direito de recorrer em liberdade. O recurso de embargos de declaração é cabível para demonstrar a ocorrência de omissão, contradição ou obscuridade da decisão embargada (arts. 619 e 620 do Código de Processo Penal). No presente caso, o embargante não indicou como o acórdão teria incorrido em uma das hipóteses que legitimam a oposição de embargos de declaração. Na verdade, busca-se, com a rediscussão da matéria decidida no acórdão recorrido, dar ao presente recurso efeito infringente, o que é inviável na via eleita. Nesse sentido, inúmeros precedentes: HC n. 84.793/SP, de minha Relatoria, DJ de 11-11-005; HC n. 84.420/PI, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 8-10-2004; HC n. 83.999/RS, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 17-4-04; HC n. 81.024/PR, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 26-3-04; HC n. 82138/ SC, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 14-11-2002. Quanto à matéria de fundo, a possibilidade de apelação em liberdade está sendo rediscutida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na Rcl 2.391. O entendimento que está a se firmar, inclusive com o meu voto, impõe que a prisão cautelar, anterior ao trânsito em julgado de sentença condenatória, seja fundamentada nos termos do art. 312 do CPP. À fl. 1882 do “Apenso-01”, constam as razões da negativa do direito de recorrer em liberdade, dentre as quais destaco o seguinte excerto, verbis: “É mais do que sabido que a Constituição da República consagra, dentre outros, o princípio irretocável do estado de inocência. Por isso, só em casos de extrema excepcionalidade e imperiosa necessidade é que se pode privar cautelarmente a liberdade de um indivíduo. No caso em tela, o que se tem verificado nesta longa jornada de julgamento é que a ordem pública de nosso Estado merece proteção, respeito, consideração e garantia. Não se pode admitir, sob pena de desmoralização da Justiça que merece o nosso país, que o ora condenado pelos dignos e corajosos representantes de nossa sociedade saia pelas portas deste Palácio da Justiça, acompanhado da corte que aqui o trouxe e que aqui o reverenciou todo o tempo, para continuar expondo a vida de outros, escudado no seu notório poder econômico, enxovalhando agentes públicos e, o 556 R.T.J. — 197 que é pior, levando insegurança e medo aos cidadãos que licitamente sobrevivem nesta cidade. Não se pode negar o óbvio. A justiça deste IV Tribunal do Júri tem por dever restaurar e, frise-se, garantir que a ordem pública seja restabelecida, como autoriza o art. 312 do CPP, que neste particular foi recepcionado pela Lei Maior. É bom lembrar que o conceito de ordem pública não se limita a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas também acautelar o meio social e a própria credibilidade da justiça, em face da gravidade do crime e de sua repercussão. A decisão dos Srs. Jurados merece respeito. O Tribunal do Povo merece respeito. Nossa cidade merece respeito. Nosso país merece respeito. Deixar Rogério Costa de Andrade e Silva solto seria desrespeito. Por isso, decreto a sua prisão cautelar, determinando a expedição do competente mandado.” Aliás conforme o próprio ora embargante reconhece expressamente, verbis: “como por duas vezes ressaltou o eminente Ministro Celso de Mello, a controvérsia suscitada na impetração cinge-se ao fato de que o decreto de prisão preventiva e o acórdão do STJ que o convalidou negaram ao paciente o direito de recorrer em liberdade, sem fazer qualquer alusão, para tanto, à norma inscrita no art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.072/90, optando por invocar razões — fundadas, unicamente, no art. 312 do CPP.” (fl. 185) No caso concreto, observo que o decreto prisional, de forma inequívoca, ressaltou a possibilidade de que os trâmites processuais fossem obstados pelo paciente de modo a comprometer a própria credibilidade da justiça. Nesse sentido, entendo que a custódia cautelar foi devidamente fundamentada com garantia da ordem pública, nos termos do art. 312 do Código de Processo penal. Ante o exposto, diante da inexistência de obscuridade, omissão ou contradição na decisão ora embargada, rejeito os presentes embargos. EXTRATO DA ATA HC 82.770-ED/RJ — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Embargante: Rogério Costa de Andrade e Silva (Advogado: Antonio Nabor Areias Bulhões). Embargado: Superior Tribunal de Justiça. Decisão: A Turma, por votação unânime, rejeitou os embargos de declaração, nos termos do voto do Relator. Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra Verônica Cureau. Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador. R.T.J. — 197 557 HABEAS CORPUS 83.658 — RJ Relator: O Sr. Ministro Joaquim Barbosa Paciente: César Andrade Lima Souto ou César Andrade de Lima Souto — Impetrantes: Antonio Carlos de Almeida Castro e outros — Coator: Superior Tribunal de Justiça Habeas corpus. Corrupção ativa. Condenação. Provas. Princípio da correlação entre acusação e sentença. Absolvição dos supostos corrompidos. Pena. Fixação. Circunstâncias judiciais e aumento de pena pela continuidade delitiva. Motivação. Hipótese de concessão da ordem de ofício rejeitada. Não procede o argumento de negativa de autoria, baseado na ausência de prova para a condenação, dado que o paciente, responsável pela contabilidade do esquema do jogo do bicho, foi identificado por testemunha e mediante perícia grafotécnica, realizada em diversos livros-caixa, como um dos autores do crime de corrupção ativa. As provas indicativas da autoria delituosa foram produzidas no curso da instrução processual, de sorte que não há como falar em ilicitude da condenação. O paciente foi acusado e condenado — por ser um dos mentores das operações criminosas do jogo do bicho — como partícipe no crime de corrupção ativa na modalidade “oferecer vantagem indevida”, do que não decorre violação do princípio da correlação entre acusação e sentença, afastando-se a hipótese de anulação do acórdão condenatório. A absolvição de um dos denunciados não exclui a condenação do paciente, em razão da existência de diversos outros agentes condenados por corrupção passiva, que receberam propina proveniente do fundo gerido pelo paciente. Rejeitada a tese da ausência de bilateralidade entre “oferecer” e “receber” vantagem indevida. As circunstâncias judiciais, enumeradas pelo art. 59 do Código Penal, foram todas criteriosamente analisadas pelo acórdão condenatório para a fixação da pena-base. O fato de o réu ter ou não maus antecedentes torna-se irrelevante para obstar a fixação da pena-base acima do mínimo legal, se todas as demais circunstâncias judiciais lhes são desfavoráveis e devidamente justificadas pela decisão condenatória. Mostra-se plenamente justificado o aumento de pena pela continuidade delitiva, em face da exaustiva demonstração, em cinco laudas e meia, de 143 lançamentos registrados em livros-caixa de propinas pagas a diversas autoridades, em que se aponta o número de crimes praticados, as datas e os valores correspondentes. Rejeitada a proposta de concessão de ofício da ordem. Habeas corpus indeferido. 558 R.T.J. — 197 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, indeferir o pedido de habeas corpus, vencido, em parte, o Ministro Cezar Peluso, que concedia de ofício o habeas corpus, para devolver o julgamento da impetração ao Superior Tribunal de Justiça, a fim de que fossem examinados os tópicos enumerados em seu voto. Brasília, 29 de junho de 2004 — Joaquim Barbosa, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de César Andrade Lima Souto, tendo por autoridade coatora a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que denegou a ordem requerida no HC 24.352. O paciente foi condenado pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, pela prática de corrupção ativa. Em face desse acórdão, impetrou-se habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça, que denegou a ordem. Por fim, impetrou-se o presente writ. O acórdão do Superior Tribunal de Justiça tem a seguinte ementa: “Habeas corpus. - O exame detalhado da prova não é próprio do habeas corpus. - Ordem denegada.” (Fl. 65) Os impetrantes alegam (i) ausência de ligação fática entre o paciente e os fatos que deram ensejo a sua condenação e (ii) impossibilidade de condenação do corruptor em face da absolvição do corrompido. Conseqüentemente, pedem a anulação do acórdão condenatório. As informações de praxe foram prestadas (fls. 65-85). A Procuradoria-Geral da República opina pela denegação da ordem, em virtude da impossibilidade da apreciação de matéria fática (fls. 88-103). É o relatório. VOTO (Preliminar) O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): A presente impetração submete à jurisdição da Corte duas questões: de um lado, a inexistência de prova da participação do paciente nos fatos que levaram a sua condenação; de outro, a impossibilidade de condenação de alguém por corrupção ativa na hipótese de absolvição dos supostos corrompidos. R.T.J. — 197 559 Preliminarmente, esclareço que o deslinde dessas questões exige profunda meditação sobre o material probatório. Certo, o entendimento contrário à análise fática em habeas corpus há de ser invocado com certa parcimônia, pois o julgamento da tese é indissociável do julgamento do fato (cf. HC 83.348, Rel. Min. Joaquim Barbosa; HC 82.405, Rel. Min. Maurício Corrêa; HC 80.639, Rel. Min. Nelson Jobim, e RHC 55.947, Rel. Min. Djaci Falcão). No entanto, na presente impetração o remédio de habeas corpus foi utilizado — como tem ocorrido freqüentemente — de forma indevida, ou seja, como se fosse mero recurso, a exigir do julgador a ponderação acerca das versões apresentadas e de todas as provas colhidas, e não sobre a legalidade do julgamento ou sobre eventual abuso nele praticado. Para a apreciação do mérito, é necessário — conforme se verá caso a presente preliminar não seja acolhida — exaustivo estudo e posterior valoração de fatos, o que sabidamente não é nem pode ser a função do habeas corpus. Ora, é inadmissível que o Supremo Tribunal Federal tenha, na via estreita do habeas corpus, de se travestir em juízo recursal, quando as instâncias ordinárias já se encontram esgotadas. Há, dessa forma, um distanciamento de sua missão de guardar a Constituição, para resolver, de forma tópica, questões probatórias. Assim, creio seja hipótese de não-conhecimento da impetração. É como voto, Senhor Presidente. EXTRATO DA ATA HC 83.658/RJ — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Paciente: César Andrade Lima Souto ou César Andrade de Lima Souto. Impetrantes: Antonio Carlos de Almeida Castro e outros. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Decisão: Após os votos dos Ministros Joaquim Barbosa, Relator, e Carlos Britto não conhecendo do pedido de habeas corpus, pediu vista dos autos o Ministro Cezar Peluso. Falou pelo paciente o Dr. Nélio Machado. Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto. Brasília, 20 de abril de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador. VOTO (Vista) Ementa: Ação penal. Competência originária do Tribunal de Justiça. Condenação. Impugnação mediante Habeas corpus. Alegação de questões de direito. Não-conhecimento pelo STJ, sob fundamento de necessidade de reexame de prova. Inadmissibilidade. HC concedido de ofício para cassação do acórdão. O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de pedido de habeas corpus, substitutivo de recurso ordinário, impetrado em favor de César Andrade Lima Souto ou César 560 R.T.J. — 197 Andrade de Lima Souto contra ato do Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu writ tendente a anular acórdão que condenou o ora paciente à pena de seis anos de reclusão e de sessenta dias-multa, pela prática do crime descrito no art. 333, c.c arts. 29 e 71, todos do Código Penal. Conforme o relatório do Min. Joaquim Barbosa: “Os impetrantes sustentam (i) a ausência de ligação fática entre o paciente e os fatos que ensejaram sua condenação e (ii) a impossibilidade de condenação do corruptor em face da absolvição do corrompido” (p. 2 do relatório). O Ministério Público é pelo indeferimento da ordem. O Ministro Relator, todavia, não conhece do pedido, porque sua apreciação envolveria aprofundado reexame de prova, inadmissível no âmbito do habeas corpus, verbis: “Preliminarmente, esclareço que o deslinde dessas questões exige, necessariamente, uma profunda meditação sobre o material probatório. Certo, o entendimento contrário à análise fática em habeas corpus há de ser invocado com certa parcimônia, pois o julgamento da tese é indissociável do julgamento do fato (cf. HC 83.348, de minha Relatoria; HC 82.405, Rel. Min. Maurício Corrêa; HC 80.639, Rel. Min. Nelson Jobim, e RHC 55.947, Rel. Min. Djaci Falcão). No entanto, na presente impetração, o remédio de habeas corpus foi utilizado — como tem ocorrido freqüentemente — de forma indevida, ou seja, como se fosse mero recurso, a exigir do julgador a ponderação sobre todas as provas colhidas e sobre as versões apresentadas, e não sobre a legalidade do julgamento ou sobre eventual abuso nele praticado. Para a apreciação do mérito, é necessário — conforme se verá caso a presente preliminar não seja acolhida — um exaustivo estudo e posterior valoração de fatos, o que, sabidamente, não é e nem pode ser a função do habeas corpus. Ora, é inadmissível que o Supremo Tribunal Federal tenha, na via estreita desse writ, de se travestir em juízo recursal, quando as instâncias ordinárias já se encontram esgotadas. Há, dessa forma, um distanciamento de sua missão a guardar a Constituição, para resolver, de forma tópica, questões probatórias. Assim, creio seja hipótese de não-conhecimento da impetração” (pp. 1-2 do voto). O Ministro Carlos Britto acompanha o Relator. 2. Este writ é substitutivo do recurso ordinário, previsto no art. 102, II, a, da Constituição Federal, que reza: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (...) II - julgar, em recurso ordinário: a) o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão”. R.T.J. — 197 561 Tal recurso é “impugnação equivalente à apelação, permitindo amplo reexame das questões decididas no tribunal a quo; assim, tanto a matéria de direito como eventuais questões de fato, dentro, é evidente, das limitações próprias do procedimento analisado, podem ser objeto de irresignação” (Grinover, Ada Pellegrini, Gomes Filho, Antonio Magalhães, Fernandes, Antonio Scarance. Recursos no processo penal. 3 ed. rev. atual. ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 382. Grifei). De modo que, diversamente do que sustenta o ilustre Ministro Relator, a Constituição da República atribuiu, sim, a esta Corte o poder de ampla cognição, horizontal e vertical, dos temas cabíveis no âmbito do recurso, previsto nela sob título de ordinário, para contrariar julgamento de habeas corpus denegado, em única instância, por Tribunal Superior. É o caso. Ora, se do julgamento do pedido de habeas corpus, pelo Superior Tribunal de Justiça, quadra, de um lado, recurso ordinário constitucional, com ilimitada cognição do material decisório, e, de outro, uso substitutivo de outro habeas corpus (cf. RHC n. 83.941, Min. Joaquim Barbosa; HC n. 80.103, Min. Sydney Sanches; HC n. 79.765, Min. Moreira Alves), a este não se pode deixar de reconhecer o mesmo espectro de cognição próprio da devolutividade do recurso substituído, nos limites do objeto do acórdão impugnado (HC n. 79.765, Min. Moreira Alves; HC n. 79.551, Min. Nelson Jobim; HC n. 77.807, Min. Moreira Alves). O objeto, assim do recurso ordinário, como do habeas corpus substitutivo, é delimitado pela decisão denegatória de habeas corpus proferida por Tribunal Superior, neste caso o Superior Tribunal de Justiça. A decisão aqui atacada denegou a ordem, sob fundamento de não caber em habeas corpus o exame minucioso da prova (HC n. 24.352, fl. 65). Logo, a presente impugnação deve ater-se à questão de saber se o pedido original visava, deveras, ao “exame detalhado da prova”. 3. Faço breve digressão neste ponto. Sigo de perto o entendimento reiterado do ilustre Presidente da Turma, Min. Sepúlveda Pertence, de que se deva emprestar ao remédio constitucional do habeas corpus o mais largo âmbito de admissibilidade. Ora, conquanto o acórdão impugnado não tenha descido ao exame da matéria posta no habeas corpus, a qual foi tida por incognoscível, conformou-se a respeito o impetrante, que se adscreve a reapresentar, nesta Corte, os argumentos deduzidos, mas não conhecidos, perante o Superior Tribunal de Justiça. Poderia eu invocar, então, precedente da Turma, que, expresso no RHC n. 80.110 (Rel. Min. Sepúlveda Pertence), assenta boa doutrina: “Somado à inexigibilidade do prequestionamento, o poder-dever da concessão do habeas corpus de ofício permite — quando manifesta a ilegalidade que o Tribunal coator se haja indevidamente recusado a examinar — que se sobreponha a decisão imediata e favorável do caso à ortodoxia da não supressão de instância”. Mas particularidade do caso parece recomendar-me outra solução. 562 R.T.J. — 197 É que, cuidando-se de sentença condenatória prolatada no exercício de competência originária do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, não lhe prevê, o ordenamento, recurso de devolutividade que, análoga à da apelação, permitisse cognição plena das questões de fato e de direito versadas na instância de origem. Ao ora paciente ficam-lhe apenas os recursos especial e extraordinário, ambos de admissibilidade e cognição restritas, e a ação de habeas corpus, de alcance não menos curto. Se se penetra no mérito das questões não decididas pelo Superior Tribunal de Justiça, subtrai-se-lhe ao paciente a possibilidade de sua discussão por mais uma instância: decisão desfavorável daquela Corte sempre autorizará impetração de habeas corpus para esta. Daí, afigurar-se-me gravoso ao status libertatis do paciente examinar desde logo aquelas questões, não obstante a aparência de graves nulidades que, desafiando ordem oficial de habeas corpus, maculariam o processo, designadamente: a) falta de correlação entre a acusação e a sentença: enquanto a denúncia imputa prática de corrupção ativa, consumada mediante comportamento integrativo de outrem (“mediante prepostos e intermediários”), a sentença condena por autoria direta do crime (“prática de atos de corrupção”); b) equivocada avaliação de duas circunstâncias judiciais: a consideração de duas ações penais, ainda em curso, como “maus antecedentes”, e o motivo invocado — “enriquecimento fácil à custa das economias exatamente das camadas mais pobres da sociedade, nas quais recrutam os apostadores do ‘jogo do bicho’ e outros semelhantes” (fl. 251) —, o qual se mostra estranho ao crime por que foi o paciente condenado, corrupção ativa, e não, como por erro considerou a sentença condenatória, promoção de “jogo do bicho”; c) falta de justificação do aumento de pena pela continuidade delitiva: a sentença, sem identificar nem sequer mencionar quantos crimes teriam sido praticados pelo paciente, aumentou-a de metade, exasperando o mínimo legal,1 sem fundamento adequado (“tendo em vista o grande número de crimes”). 4. Retomando o raciocínio, a impetração perante o Superior Tribunal de Justiça centrou-se na alegação de (a) “impossibilidade manifesta de se inocentar alguém acusado de corrupção passiva, na modalidade de recebimento de vantagem indevida, condenando-se o pretenso doador que nada concedeu” (Apenso 1, inicial do habeas corpus, fl. 21); (b) “não-comprovação do fato narrado na denúncia”; e (c) “imprestabilidade de elemento de prova obtido em fase extrajudicial, em contexto no qual restou inobservado o contraditório” (idem, fl. 27). Conquanto a segunda questão (b) — relativa à não-comprovação do fato narrado na denúncia — pudesse ou possa envolver, em tese, reexame da prova, igual coisa já não se pode dizer dos outros dois fundamentos submetidos ao Superior Tribunal de Justiça (a) e (c). 1 Código Penal, art. 71, caput: “Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços” (grifei). R.T.J. — 197 563 O primeiro deles (a) exige apenas o exame dos termos do acórdão condenatório, não das provas em que se baseou, à medida que corresponde a uma questão de direito (quaestio iuris), qual seja, a de que não poderia ser condenado por corrupção ativa o acusado de pagamento de “vantagem indevida a funcionário público” (art. 333 do Código Penal), quando, por falta de prova, a mesma decisão absolve o “funcionário público” que a teria recebido e praticado o crime de corrupção passiva (art. 317, Código Penal), bem como o terceiro que teria intermediado a entrega do numerário. Não se discutia, neste tópico do writ original, acerca da valoração da prova, de sua suficiência ou não, mas tão-só, à luz das motivações do próprio acórdão, sobre a hipotética ilegalidade de condenação que, pressupondo certeza do fato consistente na percepção da vantagem pecuniária indevida, o teve por incerto. O que ali se fustigava não era a condenação do paciente por deficiência da prova contra ele eventualmente produzida, senão a condenação associada à absolvição de quem que teria recebido a vantagem indevida por ele paga. Donde, vê-se logo que o deslinde da matéria não dependia em nada do reexame da prova, e, muito menos, de seu “exame detalhado”, mas só da análise de pressupostos lógicos e jurídicos da condenação. A mesma observação vale para o terceiro fundamento (c), vazado na argüição de ilicitude do uso de elemento de prova obtido em fase extrajudicial, não sujeito ao crivo do contraditório, como expresso suporte retórico da condenação. É que o tema não diz com necessidade de revisão do valor persuasivo do depoimento em si, senão com a sua validade à luz das normas constitucionais e processuais penais que disciplinam a admissibilidade, a produção e a valoração das provas. É, aliás, o que já notou esta Corte, em sede mesma de habeas corpus: “Prova. Princípio constitucional do contraditório. Condenação fundada exclusivamente no inquérito. Falta de justa causa para a condenação. É corolário inevitável da garantia da contraditoriedade da instrução criminal que a condenação não se pode fundar exclusivamente nos elementos informativos do inquérito policial, sequer ratificados no curso do processo, sobretudo, quando as investigação policiais não lograram fornecer nem a prova material do crime e da autoria e tudo se baseia em provas orais, desmentidas em juízo” (HC n. 67.917, Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Grifei). Equivocou-se, também aqui, o Superior Tribunal de Justiça, ao argumentar com inviabilidade de reexame pormenorizado da prova, para indeferir a ordem, quando disso não se tratava. Conforme já decidiu o Plenário desta Corte: “No procedimento sumário e documental do habeas corpus, não cabe inverter, mediante reavaliação de provas controvertidas, o suposto de fato que haja constituído a premissa menor do silogismo judicial da decisão condenatória que se pretenda carente de justa causa; nele, contudo, é lícito verificar — quando a verificação não reclama o deslinde de controvérsias sobre provas de significação equívoca —, a inexistência material de prova necessária à construção do suposto de fato da decisão coatora” (HC n. 71.161, Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Grifei. No mesmo sentido, cf. ainda, HC n. 72.500, Rel. Min. Sydney Sanches, e HC n. 83.542, Rel. Min. Sepúlveda Pertence). 564 R.T.J. — 197 Por todas essas razões, voto pelo não-conhecimento do pedido, mas concedo habeas corpus de ofício para, cassando o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, determinar a essa egrégia Corte que aprecie o mérito dos fundamentos enunciados, que não postulam reexame algum da prova. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência não conhece por quê? O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não quero adentrar o conhecimento dessas matérias, porque suprimiria uma instância, eventualmente em prejuízo do status libertatis. Supondo-se que o paciente lhe visse negados, desde logo, todos esses fundamentos, perderia o juízo de uma instância. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente) — Mesmo contra o “parecer” de Vossa Excelência? O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator) — Senhor Presidente, temos um problema sério: sou o Relator e não avancei sobre o mérito; o Ministro Cezar Peluso, porém, o esgotou. Então, creio, há de me ser concedida a oportunidade não só de manter o meu voto pelo não-conhecimento mas também de ler a parte relativa ao mérito. O Sr. Ministro Carlos Britto: É pelo não-conhecimento ou pelo indeferimento? O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não há divergência. Também não estou conhecendo da ação e concedendo o habeas corpus de ofício. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): E o Ministro Joaquim Barbosa? O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não concedo, pelas razões que vou expor no voto. O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, se Vossa Excelência me permite a ousadia, gostaria primeiro de ser esclarecido. O eminente Relator está reconsiderando o voto? Porque Sua Excelência não conhece do habeas corpus. A mim me parece que, agora, avança no exame das provas do processo. Se não conhece do habeas corpus e se não há divergência, porque também não conheço, não percebo bem como apreciar o mérito. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Falta colher os votos dos Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence. O Sr. Ministro Cezar Peluso: Vossa Excelência não conheceu do habeas corpus. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não conheci e fui acompanhado pelo Ministro Carlos Britto. O Sr. Ministro Cezar Peluso: O mesmo eu. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Já está formada a maioria pelo nãoconhecimento. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Seria interessante enfrentarmos a preliminar de não-conhecimento, porque Sua Excelência está indo, realmente, ao mérito, e, pelo visto, para indeferir o habeas corpus. R.T.J. — 197 565 O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exatamente. Noutras palavras, para não conhecer, Sua Excelência invocou o fundamento da impossibilidade da análise da prova e, agora, examina a prova para se encaminhar não sei bem para qual direção. Enfim, Sua Excelência precisaria, em primeiro lugar, que a Turma julgadora tivesse conhecido do habeas corpus para poder avançar no conhecimento do mérito. Como Sua Excelência manteve o não-conhecimento — assim também votamos o Ministro Carlos Britto e eu —, a menos que algum de nós reconsidere os votos, não se conhecerá do habeas corpus. O Sr. Ministro Carlos Britto: Processualmente, seria o caso de conhecer e indeferir; não se trata de não-conhecimento. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Acho que, ao seguir o raciocínio do Ministro Cezar Peluso, estaremos deixando de lado a fundamentação do habeas corpus e reexaminando in totum a sentença. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Ao que entendi, do Ministro Cezar Peluso, S. Exa., na linha principal do seu raciocínio, procurou demonstrar que os argumentos postos perante o Superior Tribunal de Justiça não eram questões de fato, mas de direito. O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exatamente, duas questões idênticas. Eram três fundamentos, dentre os quais, realmente o segundo poderia envolver uma questão de apreciação de prova; mas o primeiro e o terceiro, como tentei demonstrar, eram meras questões jurídicas, ou seja, de avaliação da juridicidade. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Mas acho que temos de concluir a preliminar. O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas, então, vamos voltar à preliminar; se conhecemos, ou não, do habeas corpus. PROPOSTA DE ADIAMENTO O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Senhor Presidente, vamos ter um fenômeno inusitado: o Relator terá de pedir vista para examinar esse ponto, porque, como disse Vossa Excelência, o Ministro Cezar Peluso deu um verdadeiro parecer. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): O Tribunal tem o seu cerimonial; não se diz que o Relator pediu vista. Em rigor, ele conheceu dos autos e indicou adiamento. EXTRATO DA ATA HC 83.658/RJ — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Paciente: César Andrade Lima Souto ou César Andrade de Lima Souto. Impetrantes: Antonio Carlos de Almeida Castro e outros. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Decisão: Prosseguindo o julgamento, após o voto do Ministro Cezar Peluso, que também não conhecia do pedido de habeas corpus, mas concedia a ordem de ofício para devolver a impetração a julgamento do Superior Tribunal de Justiça, o julgamento foi adiado por indicação do Ministro Joaquim Barbosa, Relator. 566 R.T.J. — 197 Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da República, Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira. Brasília, 25 de maio de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador. VOTO (Sobre preliminar) (Retificação) O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Senhor Presidente, trago novamente o presente habeas corpus para julgamento, a fim de evitar uma maior demora e, por conseqüência, possível prejuízo ao paciente. Antes mesmo de retomar a discussão de fundo, gostaria de fazer breve retrospecto do feito. A impetração traz como causas de pedir a ausência de vinculação entre o paciente e os fatos que deram ensejo a sua condenação, bem como a impossibilidade de condenação do corruptor ante a absolvição do corrompido. Na sessão de 20-4-2004, levei o feito para julgamento e sustentei, em preliminar, a impossibilidade de conhecimento da impetração, visto que, no caso concreto, a análise do mérito significaria nova valoração de fatos, provas e versões já decididos pelo Tribunal de Justiça por ocasião da condenação do paciente. Noutras palavras, o presente habeas corpus não visa à correção de ilegalidade ou abuso de poder, mas, sim, a novo julgamento, em favor do paciente. Acompanhou-me nesse entendimento o Ministro Carlos Britto. Em seguida, o Ministro Cezar Peluso pediu vista dos autos. Na sessão de 25-5-2004, o eminente Ministro Peluso, em seu voto-vista, não conhecia da impetração, por entender que, pelo fato de o Superior Tribunal de Justiça não ter conhecido do habeas corpus lá impetrado, o julgamento do mérito da causa por esta Turma implicaria subtração de instância em desfavor do paciente. Sua Excelência propôs, então, a concessão de habeas corpus de ofício, porquanto o Superior Tribunal de Justiça não poderia ter-se furtado ao julgamento de mérito do writ lá impetrado. Além disso, o Ministro mencionou três questões que deveriam ser apreciadas por aquela Corte, a saber: a falta de correlação entre a denúncia e a sentença, a equivocada avaliação de duas circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal e a falta de motivação do acórdão condenatório quanto ao aumento da pena por força da continuidade delitiva. Examino as propostas do Ministro Peluso. Quando trouxe o feito para julgamento, salientei que o deslinde das questões concernentes às causas de pedir exige profunda meditação sobre o material probatório. Não quis dizer com isso, conforme textualmente afirmei, que me oponho sistematicamente à análise de matéria fática, até porque isso é impossível dentro da atividade judicante. Por outro lado, o Ministro Peluso, na segunda assentada, afirmou que o Superior Tribunal de Justiça não julgou o mérito da impetração, de sorte que não se poderia conhecer do presente habeas corpus. R.T.J. — 197 567 De fato, a ementa do acórdão atacado nos dá essa impressão: “Habeas corpus O exame detalhado da prova não é próprio do habeas corpus. Ordem denegada.” (Fl. 54) Ocorre que da leitura dos votos proferidos cheguei a conclusão diversa. O voto do Ministro Relator no Superior Tribunal de Justiça, Fontes de Alencar, é pela denegação da ordem. São utilizadas como fundamentação as provas produzidas contra o paciente, notadamente o testemunho de Ronaldo Soares de Azevedo, colhido em ação cautelar de produção antecipada de prova, e o laudo pericial que confirma serem do paciente as assinaturas encontradas nos livros-caixa regularmente apreendidos. A observação de que o habeas corpus não é meio idôneo para apreciação de provas, portanto, foi incidental e não implicou o não-conhecimento da impetração. Veja-se que o voto do presidente da Sexta Turma daquele Tribunal, Ministro Paulo Gallotti, é enfático e sintetiza toda a questão do presente writ. Transcrevo-o parcialmente: “[...] nos termos em que posto o habeas corpus, ou seja, pretendendo demonstrar a impossibilidade da condenação do corruptor em face da absolvição do corrompido, penso, não obstante as minhas homenagens aos ilustres impetrantes, inclusive, pelas belíssimas intervenções no plenário no dia de hoje, não ser possível a concessão da ordem. Isto porque, como bem demonstrou o Ministro Fontes de Alencar, o que já havia sido sublinhado no parecer da Subprocuradoria-Geral da República, a condenação não se de deu tão-somente em razão do ato relacionado ao Juiz de Direito de Angra dos Reis que restou absolvido. Tanto a denúncia quanto a acusação enumeram uma série de fatos tidos como delituosos que teriam sido praticados em conluio por um número muito grande de pessoas, entre as quais o ora paciente. Diante dos termos em que posto o habeas corpus, não vejo como conceder a ordem. Denego o pedido.” (Fl. 72) Portanto, parece-me claro que o Superior Tribunal de Justiça examinou na sua inteireza a tese central da impetração, embora a ementa do acórdão nos leve a outra conclusão. Nesse aspecto, sem me vincular à tese da ampla cognição no âmbito do habeas corpus, preconizada pelo Ministro Peluso em seu voto vista, reformulo parcialmente meu voto, visto que o Superior Tribunal de Justiça efetivamente enfrentou o mérito do writ lá impetrado. Assim, afasto a preliminar de não-conhecimento tout court que suscitei na sessão de 20 de abril do corrente ano e conheço da tese central da impetração. Examino agora as demais propostas do Ministro Peluso. São três os argumentos ressaltados por Sua Excelência, a saber: (i) ausência de correlação entre acusação e sentença, (ii) equivocadas valorações das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal e (iii) falta de fundamentação do acórdão condenatório quanto à majoração da pena pela continuidade delitiva. 568 R.T.J. — 197 Quanto ao primeiro argumento, de ausência de correlação entre a imputação feita na denúncia e o acórdão condenatório, creio seja umbilicalmente ligado ao ponto central da impetração, de modo que deverá ser abordada por ocasião do julgamento do mérito. No que diz respeito aos outros dois argumentos, concernentes exclusivamente à fixação da pena (e não à condenação do paciente), por dizerem respeito apenas à matéria legal, creio seja possível levá-los em consideração no presente caso. E aqui cabe a seguinte ponderação: o Ministro Peluso concede a ordem de ofício apenas para determinar ao Superior Tribunal de Justiça a análise dessas duas teses, sem, no entanto, concedê-la no mérito, nos seguintes termos: “Daí, afigurar-se-me gravoso ao status libertatis do paciente examinar desde logo aquelas questões, não obstante a aparência de graves nulidades que, desafiando ordem oficial de habeas corpus, maculariam o processo [...]” Creio que a proposta de concessão de ofício feita por Sua Excelência não precisa ser previamente apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, por três motivos. Primeiro, por tratar de questão meramente jurídica; segundo, porque visa ao favorecimento do paciente; terceiro, porque os autos contêm toda a documentação necessária para o julgamento do mérito (a exemplo do HC 83.883, de que fui Relator e em cujo julgamento, em preliminar, ficaram vencidos os Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence). Assim, pedindo vênia ao Ministro Peluso, entendo ser caso de também se conhecer da impetração pelos fundamentos para cujo exame Sua Excelência entende necessário prévio julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça. Nesses termos, conheço da impetração em sua maior amplitude, ou seja, por seus fundamentos iniciais e também pelos fundamentos trazidos pelo Ministro Peluso. Submeto a questão ao crivo da Turma, para nova deliberação, visto que, na primeira assentada, o Ministro Britto me acompanhou quanto ao não-conhecimento da impetração e, na segunda, o Ministro Peluso também dela não conhecia, embora por outro fundamento, e devolvia o caso ao Superior Tribunal de Justiça. VOTO (Sobre conhecimento) (Retificação) O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhor Presidente, já havia retificado o meu ponto de vista para entender que o caso era de conhecimento. VOTO (Sobre conhecimento) (Retificação) O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, estou de acordo em indeferir o habeas corpus. Usamos o termo “não-conhecimento”, mas, tecnicamente, o eminente Relator, já na sessão anterior, indeferiu o habeas corpus, por entender que a questão demandava exame aprofundado da prova. Nada tenho a opor quanto à requalificação. R.T.J. — 197 569 EXPLICAÇÃO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Ministro Joaquim Barbosa, Vossa Excelência não chega ao indeferimento? O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não. Vou prosseguir no mérito. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Pelo que entendi, Vossa Excelência levou em conta, sobretudo, que os votos no STJ examinaram a questão. Dessa forma, embora o dispositivo tenha sido de não-conhecimento, cabe examinar, de logo, o mérito. VOTO (Sobre conhecimento) O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, admito o habeas corpus para julgamento amplo. VOTO (Sobre conhecimento) O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Também tenho conhecida posição no sentido de que, em princípio, as questões suscitadas em habeas corpus perante o tribunal a quo podem ser examinadas pelo Supremo Tribunal Federal, ainda que sobre elas não se tenha manifestado a decisão impugnada. Com maior razão, quando — embora concluindo pelo não-conhecimento — a Turma do STJ, conforme mostrou o Relator, examinou o mérito da questão posta. Por isso também conheço do habeas corpus. VOTO O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): A impetração originariamente submete à apreciação da Corte duas questões: de um lado, a inexistência de prova da participação do paciente nos fatos que levaram a sua condenação; de outro, a impossibilidade de condenação de alguém por corrupção ativa na hipótese de absolvição dos supostos corrompidos. Ao lado dessas questões, há outras três teses que, embora não tenham sido argüidas pelo impetrante, foram suscitadas de ofício pelo Ministro Cezar Peluso: uma referente à violação do princípio da correlação entre acusação e sentença e outras concernentes à fixação da pena imposta. Negativa de autoria, bilateralidade da corrupção ativa e passiva e violação do princípio da correlação No mérito, a primeira tese — da negativa de autoria — não procede. O paciente, sobrinho do bicheiro Castor de Andrade, era responsável por toda a contabilidade do esquema de jogo do bicho por aquele comandado. Mediante perícia grafotécnica, constatou-se em diversos livros-caixa (anexos referidos no volume 2 do apenso, fls. 7374-7379) o pagamento de valores a diversas delegacias de polícia do Rio de Janeiro. Há ainda prova testemunhal, de pessoa imediatamente subordinada ao paciente, que confirma a ocorrência de corrupção ativa por este praticada. 570 R.T.J. — 197 Transcrevo trecho do acórdão condenatório do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por considerá-lo elucidativo: “A regularidade com que se distribuíam propinas aos integrantes das unidades policiais com jurisdição em Angra dos Reis e localidades próximas, como Parati, Frade, Itacuruçá, Mambucaba e Muriqui, além de Rio Claro, está cabalmente documentada, como se acaba de mostrar, pelos respectivos registros nos livros de movimento do caixa escriturados por Ronaldo Soares de Azevedo. Essa escrituração, por sua vez, era realizada, como também se viu, com base em rascunhos previamente submetidos à aprovação do réu Cesar [paciente], o qual, de próprio punho, fazia as correções e adendos que lhe pareciam. Tudo isso demonstra, com absoluta segurança, a completa integração de César no esquema de corrupção de autoridades e agentes policiais engendrado pela ‘Cúpula’ da contravenção chefiada por Castor de Andrade, seu tio e sócio na exploração do ‘jogo do bicho’ em Guarapari e na ‘Seção’ integrada pelas cidades de Angra dos Reis, Mangaratiba e Rio Claro, segundo Ronaldo controlada pelo acusado. [...] Praticou Cesar, assim, reiteradamente, ao longo dos anos de 1991 a 1993, abrangidos pelos citados livros de movimento de caixa, atos de corrupção de funcionários públicos, com a finalidade de motivá-los a se omitirem no cumprimento dos deveres de suas funções, permitindo a livre prática da contravenção nos lugares em que lhes cabia reprimi-la.” (Apenso 2, fls. 7379-7380) Há ainda, relativamente às provas que deram ensejo à condenação do paciente, outro argumento apresentado pelos impetrantes. Eles alegam que a condenação do paciente se deve exclusivamente à prova colhida extrajudicialmente. Também nesse aspecto não merece acolhida a pretensão dos impetrantes. A condenação do paciente deveu-se à somatória de dois elementos essenciais. O primeiro refere-se à prova testemunhal produzida em juízo, em cautelar de antecipação de prova. Destaco trecho do acórdão condenatório que me parece elucidativo: “Informações semelhantes forneceu a testemunha [Ronaldo Soares de Azevedo] ao depor no procedimento de produção antecipada de prova testemunhal cujos autos constituem o Anexo 72” (Apenso 2, fl. 7369 — Grifei) Além da prova testemunhal, a condenação pautou-se em prova documental. A fim de escriturar toda as transações do jogo do bicho, o paciente contava com o auxílio de um contador (justamente a testemunha Ronaldo Soares de Azevedo). Após a apreensão de livros-caixa, constatou-se que o paciente supervisionava toda a atividade contábil levada a termo por Ronaldo Soares de Azevedo. Este entregou à Procuradoria-Geral de Justiça documentos que, após a devida perícia requerida pelo Parquet e realizada pelo Instituto de Criminalística, comprovaram o envolvimento do paciente nos fatos que lhe foram imputados. Por essas razões, não vejo como considerar indevida ou até mesmo ilícita a condenação do ora paciente. R.T.J. — 197 571 No que se refere à segunda tese — de que é inviável a condenação do paciente (por oferecer vantagem indevida), em virtude da absolvição dos supostos corrompidos (porque ninguém teria recebido a propina dada) —, tenho que não há como ela prosperar, pelo simples fato de que não se amolda à hipótese fática dos autos. Acrescento ainda a tese da violação do princípio da correlação entre a imputação feita na denúncia e o fato pelo qual o paciente foi efetivamente condenado. Esclareça-se, por primeiro, a imputação feita pelo Ministério Público ao paciente. Lê-se na denúncia: “[...] o denunciado Cesar Andrade (sobrinho do notório Castor de Andrade), contribuia para o fundo comum já mencionado e, especialmente, o modo pelo qual, a mando de Cesar, eram distribuidas propinas a autoridades e outros funcionários públicos na comarca de Angra dos Reis.” (Apenso 1, fl. 1635) Já o trecho do acórdão condenatório que isoladamente poderia suscitar alguma dúvida quanto ao fato pelo qual o paciente foi condenado é o seguinte: “Praticou Cesar, assim, reiteradamente, ao longo dos anos de 1991 a 1993, abrangidos pelos citados livros de movimento do caixa, atos de corrupção de funcionários públicos” (Apenso 2, fls. 7380) Assim, o paciente foi acusado e condenado como partícipe no crime de corrupção ativa (na modalidade “oferecer vantagem indevida”), porque era um dos mentores das operações criminosas do jogo do bicho. Noutras palavras, o paciente não foi denunciado como executor material dos delitos, mas porque geria “fundo” voltado à distribuição de propinas. Ora, a expressão “praticou atos de corrupção” não leva à conclusão de que o paciente teria sido condenado por execução material do crime do art. 333 do Código Penal — corrupção ativa. As expressões constantes do referido tipo legal são “oferecer” e “prometer”, não tendo o paciente se imputado, de forma direta, ou seja, como autor, nenhuma delas. Sua condenação se deve ao fato de que participava diretamente das atividades voltadas exclusivamente à corrupção de funcionários públicos, atividades essas consubstanciadas no referido fundo, cuja existência está largamente demonstrada nos autos. Somente com a retirada de contexto do voto condutor no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro é que se poderia chegar à conclusão de que o paciente fora o executor material, e não partícipe. Quando muito, creio eu, seriam cabíveis embargos de declaração, mas nunca a anulação do acórdão condenatório, de sorte que não procede a alegação de violação do princípio da correlação entre acusação e condenação. Afastada essa primeira tese, tenho que, na hipótese fática dos autos, não houve, como sustenta o impetrante, absolvição de todos os denunciados por corrupção passiva. Vale dizer, houve quem recebesse vantagem indevida dada pelo paciente. O que ocorreu foi o seguinte: os autos da ação penal em que o paciente foi condenado foram desmembrados. Os autos principais contaram com nada menos que 572 R.T.J. — 197 58 réus, dos quais cinco foram condenados por corrupção ativa e doze por corrupção passiva. Já nos autos em que o paciente figurou como réu, houve três condenações: duas por corrupção passiva e a do paciente, por corrupção ativa. Não são, pois, verdadeiras as assertivas dos impetrantes no sentido de que “ninguém foi condenado por corrupção ativa [...] à exceção do Paciente” (fl. 07) e de que “as pessoas apontadas na vestibular como destinatárias de propinas, na Comarca de Angra dos Reis, foram inocentadas” (fl. 09). Houve, sim, pessoas condenadas por receber propina oriunda do fundo gerido pelo paciente. Os impetrantes se agarram ao fato de que um dos denunciados por corrupção passiva (sob a modalidade “receber”), Nicolau Cassiano Neto, juiz da comarca de Angra dos Reis à época dos fatos, foi absolvido. De fato, se esse fosse o único réu denunciado por receber vantagem indevida dada pelo paciente, a tese aventada — de que haveria bilateralidade entre “oferecer” e “receber” — poderia até merecer um pouco mais de atenção. Mas não é o caso. Por ocasião do julgamento da ação penal pelo Tribunal de Justiça carioca, a tese ora suscitada foi repelida de forma motivada, nos seguintes termos: “[...] Em que pese não se ter conseguido provar o efetivo recebimento, pelos três co-réus que exerciam suas funções naquela cidade e imediações, das propinas referidas na denúncia (co-réus Nicolau Cassiano Neto, José Roberto da Silva Ferrari e Paulo Tarso Oliveira Leite) — sem que se tenha, como mostrado ao longo desta decisão, qualquer dúvida quanto à efetiva saída, para lhes serem entregues, das quantias escrituradas —, o certo é que os livros de movimento do caixa de Angra dos Reis estão repletos de registros de pagamentos de somas em dinheiro a funcionários públicos e a órgãos da Secretaria de Segurança Pública, podendo ser citados, a título de amostragem, os seguintes exemplos, selecionados pela maior legibilidade dos lançamentos respectivos: [segue extensa lista de delegacias e pessoas que teriam recebido vantagem por parte do paciente].” (Apenso 2, fls. 7373-7379) Em complemento, a fim de que se individualizasse quem teria recebido as propinas dadas pelo paciente, o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou outros dois co-réus do paciente por corrupção passiva (sob a modalidade “receber”), mediante análise minuciosa de prova documental, de prova testemunhal e ainda de interceptação telefônica. Paulo César Oliveira Santos, detetive-inspetor lotado na 28ª Delegacia de Polícia (apenso, v. 1, fls. 7139-7140, e v. 2, fls. 7393-7402), e Alan Cardeque Manoel Villela, detetive-inspetor lotado na Divisão de Repressão a Entorpecentes (fls. 7139-7140 e fls. 7402-7407), foram condenados justamente porque receberam diversas vezes vantagem econômica indevida, oriunda do “caixa” alimentado pelo paciente e pelos demais chefes do jogo do bicho. E — aqui é importante frisar — as condenações tomaram por base os mesmos livros contábeis que nortearam, entre inúmeras outras provas, a condenação do paciente. No Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Paulo Gallotti, presidente da Sexta Turma, destacou com precisão esse aspecto. Transcrevo trecho de seu voto: R.T.J. — 197 573 “[...] a condenação [do paciente] não se deu tão-somente em razão do ato relacionado ao Juiz de Direito de Angra dos Reis que restou absolvido. Tanto a denúncia quanto a acusação enumeram uma série de fatos tidos como delituosos que teriam sido praticados em conluio por um número muito grande de pessoas, entre as quais o ora paciente.” (Fl. 72) Assim, a tese apresentada sequer se amolda aos fatos contidos nos autos, de sorte que a rejeito. E há mais, Senhor Presidente. A impetração tem como um de seus sustentáculos o fato de que o juiz Cassiano Nicolau foi absolvido das acusações de corrupção passiva. Trago à Corte, unicamente à guisa de melhor esclarecimento de nossa deliberação, mas também insistindo na tese do descabimento do presente habeas corpus, trecho de um dos votos vencidos no Tribunal de Justiça, que condena de maneira veemente o magistrado. Esse voto, de lavra da eminente Desembargadora Áurea Pimentel, de um lado traduz a natureza polêmica da decisão do Tribunal de Justiça de absolver o juiz e, de outro, acrescenta um motivo para a denegação da ordem, uma vez que, para a concessão do habeas corpus, seria indispensável revolver o imenso acervo fático-probatório que levou à condenação do paciente. Transcrevo o voto da desembargadora: “Data Venia da douta maioria, julgava a ação penal procedente, também, em relação aos réus Antônio Petrus Kalil, Ailton Guimarães Jorge, Weber Stábile, José Roberto da Silva Ferrari, Nicolau Cassiano e Adilson Martins da Cruz. O exame das peças principais deste processo — que são, em substância, as mesmas da Ação Penal originária 10/94 — revela a existência de poderosa organização criminosa, formada por contraventores, engendrada para manter inerte e submisso o aparelho policial através de distribuição de propinas. Aliás, esse acerto de vontades, destinado a corromper a polícia neste Estado, já havia sido posto a calva quando do processo da 14ª Vara Criminal, presidido com desassombro e coragem pela eminente Juíza Dra. Denise Frossard, quando então apurou-se que a organização criminosa, formada pelos contraventores da chamada ‘cúpula do jogo do bicho’, desenvolvia atividades que desbordavam dos limites da mera exploração de jogos de azar, envolvendo contrabando de armas e tráfico de entorpecentes. Este leque de atividades dos contraventores explica, em certos casos, a razão pela qual — consoante apurou-se nesta ação penal — foram pagas propinas a policiais cujas delegacias não eram especializadas na repressão de contravenção penal. A existência de um fundo destinado à corrupção de policiais ficou nos presentes autos fartamente demonstrada, apurando-se que o mesmo era administrado pelo contraventor Castor de Andrade, já falecido. [...] Com referência aos réus José Roberto da Silva Ferrari, Nicolau Cassiano Neto e Adilson Martins da Cruz, por integrarem o mesmo esquema de corrupção, que agia em conjunto, tiveram, por mim, suas situações examinadas também em conjunto. 574 R.T.J. — 197 Os três, comprovadamente, estavam diretamente envolvidos, em Angra dos Reis com o conhecido Contraventor Cesar Andrade Lima Souto, com o qual mantinham estreitas relações, vergonhosa intimidade mesmo, sendo que, com relação aos dois últimos (Nicolau Cassiano Neto e Adilson Martins da Cruz) como se pode constar dos dados constantes de fls. 5647,5673, inúmeras foram as ligações telefônicas que fizeram entre si, o Juiz Nicolau Cassiano Neto, Cesar Andrade Lima Souto e Adilson Martins da Cruz. Com relação ao Juiz Nicolau Cassiano Neto, como se vê da lista de contabilidade do bicho (Anexos XXXVI e XXXIX) há o lançamento de diversas propinas, que de abril de 1993 a dezembro de 1993 foram registradas como ‘despesas políticas’ porque — explicou a testemunha Ronaldo, ouvida nestes autos — o Juiz à época já estava afastado de suas funções pelo Tribunal. A conduta do réu, Nicolau Cassiano Neto, profundamente desmoralizadora da magistratura deste Estado se encontra fielmente retratada no depoimento do Promotor Talma Prado Castelo Branco Júnior, às fls. 4346 a 4351, onde se revela como de comum acordo os três agiam; Adilson como apanhador do dinheiro para o Juiz e intermediário de Cesar, em favor do qual tentou interferir para o arquivamento de processo de homicídio no qual estava envolvido o contraventor Castor de Andrade. Dito depoimento pôs também a calva a intimidade que, para vergonha da Justiça, mantinha o Juiz Nicolau Cassiano Neto com o chefe do tráfico de drogas em Angra dos Reis, Henrique Vale. É profundamente lamentável que a douta maioria tivesse preferido ignorar tudo isto, em conseqüência, mantendo na magistratura do Estado um Juiz que maculou sua toga e enxovalhou a Justiça.” (Apenso 2, fls. 7441-7444). Em suma, denego a ordem quanto a seus fundamentos originais, pelas seguintes razões: (i) Há prova suficiente para a condenação do paciente pela participação em crime de corrupção ativa; (ii) O paciente geria “fundo” destinado à distribuição de propina, que era efetivada por intermediários; (iii) Houve a condenação de diversas pessoas por corrupção passiva, por haverem recebido propina proveniente do fundo gerido pelo paciente, e isso tanto nos autos principais como naqueles em que o paciente figurou como réu, o que invalida a tese da ausência de bilateralidade. Passo a examinar agora as demais questões suscitadas de ofício pelo Ministro Cezar Peluso. Teses do Ministro Peluso As outras duas teses apresentadas pelo Ministro Peluso, conforme já afirmei, dizem respeito à fixação da pena, e não à absolvição do paciente. Para conceder de ofício a ordem, argumenta Sua Excelência que houve má avaliação de duas circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal. Seriam elas a R.T.J. — 197 575 consideração de duas ações penais ainda em curso como maus antecedentes e o motivo invocado — “enriquecimento fácil à custa das economias exatamente das camadas mais pobres da sociedade, nas quais se recrutam os apostadores do ‘jogo do bicho’ e outros semelhantes” (Apenso 2, fls. 251) —, que seria estranho ao crime pelo qual fora o paciente condenado, a saber, corrupção ativa, e não — como por erro considerou a sentença condenatória — promoção de jogo do bicho. Pois bem, creio que não há violação do referido dispositivo do Código Penal. Em primeiro lugar, é importante destacar que o art. 59 do Código Penal exige, para fixação da pena-base, análise conjunta de todas as circunstâncias do fato concreto, bem como das condições pessoais do acusado. A redação do aludido dispositivo não deixa dúvidas a esse respeito: “Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime: [...]” E o que fez o acórdão condenatório? Analisou todos os itens do art. 59 do Código Penal e concluiu o seguinte: “As chamadas circunstâncias judiciais, enumeradas no art. 59 do Código Penal, mostram-se de todo desfavoráveis ao acusado, tornando imperiosa a fixação da pena-base consideravelmente acima do mínimo legal.” (Apenso 2, fl. 7380) A partir daí, houve minuciosa avaliação de todas as circunstâncias judiciais. Cito aleatoriamente o exame feito no acórdão condenatório de apenas duas das circunstâncias do art. 59 do Código Penal: a culpabilidade e as conseqüências do crime. Diz o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: “A culpabilidade não poderia ser mais intensa, afigurando-se sumamente reprovável o comportamento de quem, visando a garantir o livre desempenho de atividade ilícita como a exploração de jogos contravencionais, associa-se a outros contraventores para, de forma organizada e sistemática, desmoralizar o aparelho policial através da disseminação da corrupção entre os seus integrantes, da mais elevada à mais modesta hierarquia, sem a menor preocupação com os reflexos — desastrosos para a sociedade — da desmoralização dos órgãos incumbidos da manutenção da ordem e da apuração das infrações penais.” (Apenso 2, fl. 7381) E ainda: “As conseqüências do crime, finalmente, são de gravidade extrema, apresentando-se como a mais importante circunstância judicial a ser considerada. Como se observou ao fundamentar a fixação das penas do segundo réu, condenado pela prática do crime de corrupção passiva, a corrupção de um membro da Polícia, interagindo com a de outros integrantes do organismo policial, produz, ao longo do tempo, a desmoralização de todo o aparelho estatal de prevenção e repressão ao crime, tornando-o, cada vez mais, inoperante e inconfiável. O resultado direto e imediato é o aumento da criminalidade até níveis insuportáveis, a 576 R.T.J. — 197 insegurança em todos os setores da sociedade, a degradação da qualidade de vida, a deterioração das atividades produtivas e a resultante decadência econômica. A desmoralização e a inoperância da Polícia do Estado do Rio de Janeiro, fruto da corrupção de não pequena parte dos que a integram, é, nos dias que correm, verdade inconcussa. Para essa triste realidade, cujas manifestações diariamente experimentam todos os setores da sociedade, vem contribuindo, há decênios, os exploradores do ‘jogo do bicho’, com suas ‘listas’ de propinas oferecidas às autoridades e agentes com a regularidade e naturalidade de quem paga um segundo salário. O mal que esses semeadores de corrupção há décadas vêm causando à sociedade, enxovalhando a Polícia, transformando seus integrantes em serviçais solícitos, dando ordens nas Delegacias, usando os agentes como ‘seguranças’ e, não poucas vezes, como executores de empreitadas criminosas de muito maior gravidade que simples ilícitos contravencionais, fazendo-os sentirem-se outros tantos marginais, sem respeito próprio e sem o respeito da sociedade, certamente nunca será devidamente avaliado. A resposta penal a lhes ser infligida, correspondendo à gravidade objetiva de sua conduta, não pode deixar de ser intensa, para que seja efetiva do ponto de vista das finalidades da lei repressiva.” (Apenso 2, fls. 7382-7383) Quanto à motivação, parece-me óbvio que se trata de corrupção para impedir a atuação do Estado no combate ao jogo do bicho. A participação do paciente na qualidade de “financiador” de todo o esquema de corrupção evidentemente está associada à prática do jogo do bicho. Cuida-se de um dado concreto, devidamente demonstrado nos autos da ação penal e que não pode ser ignorado para os fins de fixação da pena (Apenso 2, fl. 7382). Já no tocante à consideração de duas ações penais ainda em curso como maus antecedentes, observo que o tema é polêmico. A Primeira Turma já entendeu que tal juízo de valor é incompatível com a presunção de inocência, de status constitucional (RHC 80.071, Rel. Min. Marco Aurélio). A Segunda Turma, por sua vez, tem entendimento diverso, no sentido de se admitirem como maus antecedentes tanto inquéritos como ações penais sem trânsito em julgado (RHC 83.705, Rel. Min. Ellen Gracie). Sem querer me prender a qualquer um desses entendimentos, o que me parece importante é que, independentemente de o paciente ter ou não maus antecedentes, tal circunstância, por si só, seria irrelevante. Ora, se todas as demais circunstâncias judiciais são desfavoráveis ao paciente, não há razão para anular o acórdão condenatório, pois a majoração da pena-base está devidamente motivada. Por fim, o Ministro Peluso concede a ordem por “falta de justificação do aumento da pena pela continuidade delitiva: a sentença, sem identificar nem sequer mencionar quantos crimes teriam sido praticados pelo paciente, aumentou-a de metade, exasperando o mínimo legal, sem fundamento adequado”. Também discordo desse argumento. O acórdão condenatório está vazado nos seguintes termos: “Praticou Cesar, assim, reiteradamente, ao longo dos anos de 1991 a 1993, abrangidos pelos citados livros de movimento do caixa, atos de corrupção de funcionários públicos, com a finalidade de motivá-los a se omitirem no cumpri- R.T.J. — 197 577 mento dos deveres de suas funções, permitindo a livre prática da contravenção nos lugares em que lhes cabia reprimi-la.” (Apenso 2, fl. 7380) Após elencar, em cinco laudas e meia, nada menos que 143 lançamentos de propinas pagas a diversas autoridades, todos documentalmente registrados em livroscaixa, o acórdão condenatório conclui: “A regularidade com que se distribuíam propinas aos integrantes das unidades policiais com jurisdição em Angra dos Reis e localidades próximas, como Parati, Frade, Itacuruçá, Mambucaba e Muriqui, além de Rio Claro, está cabalmente documentada, como se acaba de mostrar, pelos respectivos registros nos livros de movimento do caixa escriturados por Ronaldo Soares de Azevedo.” (Apenso 2, fl. 7379) Como se vê, o acórdão condenatório justificou adequadamente o aumento da pena pela continuidade delitiva, apontando o número de crimes praticados, as datas e os valores das propinas pagas aos membros do aparato policial. De todo o exposto, peço vênia ao Ministro Cezar Peluso e também denego a ordem que Sua Excelência concede de ofício. É como voto, Senhor Presidente. VOTO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): A minha dúvida é a seguinte: o Ministro Cezar Peluso chegou a conceder de ofício para esses fins que V. Exa. rejeita, ou apenas para remeter ao STJ? O Sr. Ministro Cezar Peluso: Só remetia. Não examinei nenhuma dessas questões. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Eu levantei essa preliminar e a submeti à Turma. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Não. V. Exa. conheceu quanto à questão principal, aí está perfeito, e toda a Turma concordou. Agora, quanto às outras questões, a não ser que um Ministro da Turma proponha a concessão de ofício, creio que V. Exa. está propondo a denegação de ofício. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Eu submeti novamente a questão à Turma quanto ao conhecimento da primeira questão, original. Sustentei, também, como se tratava de questão jurídica, que deveríamos examinar, já, a proposta do Ministro Peluso. Foi isso que submeti à Turma. O Sr. Ministro Carlos Britto: Parece que o Ministro Cezar Peluso remetia para o STJ, mas já avançava razões concessíveis do habeas corpus. O Sr. Ministro Cezar Peluso: Penso ser o melhor intérprete de mim mesmo. Eu apenas disse que havia, nos autos, alguns elementos que, eventualmente, poderiam sugerir nulidades — o verbo foi usado exatamente no condicional — que maculariam o processo. Não as examinei, todavia. A justificação era não transformar o habeas corpus em recurso da acusação, no qual se pudessem colher argumentos desfavoráveis ao paciente num caso marcado pela singularidade de a sentença ter sido prolatada em 578 R.T.J. — 197 processo de competência originária dos tribunais, o que suprimiria um grau de jurisdição. Daí por que não avancei nesse exame, para não prejudicar a situação do paciente. Minha postura permitiria que o Superior Tribunal de Justiça, se entendesse devido, examinasse ex officio essas questões. Se o fizesse, daria oportunidade, uma vez rejeitados os argumentos do paciente, de ele recorrer a esta Corte, para reexame da matéria, evitando o exame, que está sendo feito agora, em primeira mão, de questões antes não aventadas. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro Cezar Peluso, essas matérias foram colocadas na impetração perante o Superior Tribunal de Justiça? O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Então seria uma sinalização da possibilidade de concessão de habeas de ofício, talvez, pelo Superior Tribunal de Justiça? O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, apenas menção a matérias que não examino agora. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Entendi que havia questões postas, falta de justa causa — como argumento dessa falta de justa causa a bilateralidade, porque cuidar-se-ia de corrupção efetiva (dar e receber), e o recebedor teria sido absolvido. Quanto a isso o Ministro Cezar Peluso não conhecia, igualmente V. Exa., mas adiantava que, além disso, haveria outras questões. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Questões que gerariam, de início — penso que não podemos subestimar a defesa —, impetração originária no Superior Tribunal de Justiça, se houvesse uma omissão por parte daquela Corte. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Conceder habeas corpus de ofício é dever do Tribunal. Proposta de concessão de habeas corpus de ofício depende muito da confiança e do humor dos Colegas no dia, senão resulta em denegação, de ofício, de habeas corpus. O Sr. Ministro Cezar Peluso: Foi exatamente por isso que não propus. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Sr. Presidente, creio que fui mal interpretado. Vou recapitular o que disse em preliminar. No meu voto inicial, eu simplesmente não conhecia. Como eu disse, não conheço tout court, por implicar em exame de provas. Diante das propostas do Ministro Cezar Peluso, reexaminei o meu voto, reexaminei o acórdão do STJ e constatei que o acórdão realmente examinou o mérito. Então, reformulei para conhecer aquilo que eu não havia conhecido. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): E denegou. Até aí perfeito. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Até aí não deneguei. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Depois indeferiu o habeas corpus impetrado. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não, Sr. Presidente, examinei em seguida as propostas do Ministro Cezar Peluso e sustentei o ponto de vista de que elas deveriam ser examinadas. Vou ler o meu voto, novamente, nesse trecho. R.T.J. — 197 579 O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas eu não fiz proposta nenhuma sobre essa matéria, Ministro. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Fui seguido pela Turma. Vou ler o voto: “Creio que a proposta de concessão de ofício feita pelo Ministro Peluso não precisa ser previamente apreciada pelo STJ, tendo em vista três aspectos: primeiro, por tratar de questão meramente jurídica; segundo, porque visa a favorecer o paciente; e terceiro, porque os autos contêm toda a documentação necessária ao julgamento do mérito. (...) Assim, pedindo vênia ao Ministro Peluso, entendo ser caso também de se conhecer da impetração pelos fundamentos para cujo exame S. Exa. entende ser necessário o prévio julgamento por parte do STJ. (...) Submeto a questão ao crivo da Turma para nova deliberação, tendo em vista que na primeira assentada o Ministro Britto me acompanhou quanto ao nãoconhecimento da impetração e, na segunda assentada, o Ministro Peluso também não a conhecia, mas por outro fundamento, e devolvia o caso ao STJ.” Foi isso que submeti à Turma e fui acompanhado. Passamos, então, ao exame do mérito. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, quando votei, foi quanto à admissibilidade do habeas tal como impetrado. Compreendi a proposta do Ministro Cezar Peluso no sentido da devolução para o exame dessas matérias pelo Superior Tribunal de Justiça. Resta saber se essas questões, alvo da proposta, foram colocadas perante o Superior Tribunal de Justiça. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não foram. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Nós só podemos cogitar delas para conceder. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Para conceder a ordem e, mesmo assim, de ofício, porque não estão versadas na inicial. O Sr. Ministro Cezar Peluso: V. Exa. me permite? O eminente Ministro Relator examinou aquilo que eu não quis, com receio de que acontecesse o que está acontecendo: examinar em primeira mão. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas não devemos examinar para indeferir! O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exatamente. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Eu indefiro para que não seja remetido ao STJ. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): O Ministro Moreira Alves era radical. Lembro que muitas vezes o eminente Dr. Cláudio Fonteles aventava a concessão de ofício e o Ministro Moreira Alves dizia: Eu não, não posso sabê-lo; esses meus Colegas são muito maus. 580 R.T.J. — 197 EXTRATO DA ATA HC 83.658/RJ — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Paciente: César Andrade Lima Souto ou César Andrade de Lima Souto. Impetrantes: Antonio Carlos de Almeida Castro e outros. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Decisão: Prosseguindo o julgamento, após a retificação de votos dos Ministros Joaquim Barbosa, Relator, Carlos Britto e Cezar Peluso, a Turma, por unanimidade, conheceu do pedido de habeas corpus. No mérito, após o voto do Ministro Joaquim Barbosa, Relator, indeferindo o pedido de habeas corpus, pediu vista dos autos o Ministro Cezar Peluso. Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral da República, Dr. Maria Caetana Cintra Santos. Brasília, 15 de junho de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador. VOTO (Ratificação) O Sr. Ministro Cezar Peluso: Votei, sinteticamente, no sentido de concessão de habeas de ofício, para, cassando o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, determinar que este aprecie o mérito de dois fundamentos do habeas corpus impetrado naquela Corte, os quais, a meu ver, constituem apenas quaestiones iuris, assim resumidas: 1ª necessária bilateralidade entre os crimes de corrupção ativa e passiva, quando praticado o segundo na modalidade de “receber” vantagem indevida (Apenso I, inicial do habeas corpus impetrado perante o STJ, fl. 21); 2ª imprestabilidade de prova obtida em fase extrajudicial e não confirmada em juízo, com observância do contraditório (ibid., fl. 27). É que, como deixei consignado no voto vista, as questões, não conhecidas pelo STJ sob argumento de implicarem reexame de prova, não o implicavam, assim porque a primeira respeita a uma estrita questão de direito, como porque a segunda concerne à valoração teórica de elemento de prova para fins de sustentação de decreto condenatório. Por essa razão, pareceu-me, e continua parecendo, que não pode aquela Corte deixar de apreciá-las. O eminente Relator, que votou inicialmente pelo não-conhecimento do writ, porque postularia denso reexame da prova, reformulou o entendimento e entrou a conhecer das matérias suscitadas, sustentando que aquelas duas questões, não apreciadas segundo meu juízo, o teriam sido efetivamente. Daí, afirma a suficiência das provas para a condenação e a improcedência da tese da bilaterialidade (p. 17), e, em seguida, as “teses” que teria eu apresentado (pp. 18 e ss.). No que tange, especificamente, às razões pelas quais concedi habeas de ofício, diz o nobre Relator: “Ocorre que da leitura dos votos proferidos cheguei à conclusão diversa. O voto do Ministro Relator, Fontes de Alencar, é no sentido da denegação da ordem; são utilizadas como fundamentação as provas produzidas contra o paciente, R.T.J. — 197 581 notadamente o testemunho de Ronaldo Soares de Azevedo, colhido em ação cautelar de produção antecipada de prova, e o laudo pericial que confirma ser do paciente as assinaturas encontradas nos ‘livros-caixa’ regularmente apreendidos. A observação de que o habeas corpus não é meio idôneo à apreciação de provas, portanto, foi incidental e não implicou o não-conhecimento da impetração. Veja-se o voto do Presidente da 6ª Turma do STJ, Ministro Paulo Gallotti, é enfático e sintetiza toda a questão do presente writ (transcreve fl. 72).” Portanto, parece-me claro que o STJ examinou na sua inteireza a tese central da impetração, embora a ementa do acórdão leve a outra conclusão” (p. 4). E conclui: “Creio que a proposta de concessão de ofício feita pelo Ministro Peluso não precisa ser previamente apreciada pelo STJ, tendo em vista três aspectos. Primeiro, por tratar de questão meramente jurídica; segundo porque visa a favorecer o paciente; e terceiro porque os autos contêm toda a documentação necessária ao julgamento do mérito (...)” (p. 6). Reafirmo o voto. A questão da necessária bilateralidade entre os crimes de corrupção ativa e passiva, quando praticado o segundo na modalidade de “receber” vantagem indevida, deveras não foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça. Verdade é que o Min. Paulo Medina a versou, mas ficou vencido no ponto, precisamente porque os demais julgadores entenderam que o exame pormenorizado de prova não cabia no writ. Vejamos: Depois de transcrever longos trechos do acórdão condenatório do Tribunal de Justiça, sem nenhuma consideração especial sobre as questões, o voto vencedor do Min. Fontes de Alencar, Relator do habeas, consigna: “O exame detalhado da prova não é próprio do habeas corpus” (fl. 70, c/c fls. 68-69). Igual coisa está no voto vencedor do Min. Felix Fischer: “Parece-me que a impetração busca uma solução que exige o reexame aprofundado da prova, não de uma prova convergente, mas, sim, de um cotejo de provas. Entendo que a solução buscada escapa dos limites do habeas corpus no caso concreto” (fl. 80). E, sem nada adiantar sobre a correlação dos crimes, quando praticada a corrupção passiva sob a modalidade de “receber” vantagem indevida, remata: “E, como bem posto pelo Ministério Púbico Federal, não há uma vinculação direta, no nosso sistema, entre corrupção ativa e passiva. Se houvesse tal relação, digamos biunívoca, talvez a solução fosse outra. Mas, dentro do nosso sistema legal, pelos tipos penais discutidos, essa relação não existe” (ibid.). Não foi diferente, no ponto, a ratificação de voto do Min. Paulo Gallotti: “Acrescento que o pedido estabelece como premissa a necessidade da presença da chamada bilateralidade entre a corrupção ativa e a passiva. Não vejo, no âmbito do habeas corpus, como invalidar a conclusão a que chegou o acórdão, de ser possível reconhecer a corrupção ativa, mesmo absolvidos o magistrado e o apontado intermediário da trama criminosa, avaliação que só se mostrará plausível se operada incursão no material fático-probatório, inviável, nessa extensão, na sede eleita” (fl. 81). 582 R.T.J. — 197 Está claro, pois, com o devido respeito, que nada consta do acórdão sobre a específica questão jurídica suscitada (pactum sceleris), cuja especificidade está na existência, ou não, de correlação necessária entre corrupção ativa e passiva, quando seja esta cometida na modalidade de “receber” vantagem indevida. Não se trata de discutir correlação teórica absoluta entre os dois tipos, compreendendo todos os seus verbos nucleares, mas na moldura particular de dar e receber vantagem indevida (pactum sceleris). Quanto à segunda questão — imprestabilidade de prova obtida em fase extrajudicial, sem confirmação em juízo contraditório —, o Min. Fontes de Alencar efetivamente dela tratou em seu voto, posto que de forma lacônica, invocando trecho do acórdão condenatório, verbis: “Como se vê, o depoimento foi ratificado em sede de produção antecipada de provas. Assim, não há que se falar em violação ao princípio do contraditório” (fl. 68). Mas a questão guarda relevante singularidade no caso. É que, embora o acórdão do Tribunal de Justiça, no trecho transcrito, se reporte a procedimento de produção antecipada de prova testemunhal, cujos autos constituiriam o Anexo 72 (fls. 285-287, c.c. fls. 68), dele também consta, de maneira não menos expressa, a título de um dos fundamentos da absolvição do juiz Nicolau Cassiano Neto, o qual teria recebido o dinheiro, que: “Além da pouca credibilidade da palavra de Ronaldo, seu depoimento ressente-se, ainda, da circunstância de haver sido colhido sem a garantia do contraditório, não tendo sido possível a repetição em juízo em face do desaparecimento da testemunha, não mais localizada desde a época em que foi ouvida pelo Ministério Público” (fl. 7390 dos autos do acórdão. Grifos meus). Ora, da conjugação de ambas as afirmações do acórdão do Tribunal de Justiça, à luz da inicial deste habeas corpus, infere-se que ou haveria, aí, contradição grave, capaz de lhe comprometer a validez de certas conclusões, ou, como tudo indica, o procedimento de produção antecipada de prova testemunhal teria prescindido de citação do ora paciente, a quem, por falta das oportunidades garantidas do princípio do contraditório, não poderia ser oposto como prova emprestada, no processo de que se cuida. É que, como consta do acórdão mesmo, o ora paciente foi denunciado em aditamento, antes do qual foi tomado, pelo Relator, em produção antecipada de prova, o depoimento de Ronaldo Soares de Azevedo: “Quanto à impossibilidade das defesas dos réus incluídos no aditamento participarem da inquirição da testemunha Ronaldo Soares de Azevedo, cujo depoimento foi colhido antes do oferecimento da denúncia originária através da medida cautelar de produção antecipada de prova, a questão, suscitada pela defesa do réu Paulo Tarso Oliveira Leite, nada tem a ver com a da ocorrência ou não de quebra do princípio da indivisibilidade, dizendo respeito, exclusivamente, ao valor probatório que possa ter semelhante testemunho, como prova emprestada, em relação aos réus cujas defesas não tenham participado da inquirição” (fl. 7200 dos autos do acórdão. Cf., ainda, fls. 7188-1189. Grifos meus). R.T.J. — 197 583 Foi esta a razão por que, na justificação da absolvição de Humberto Chucri David e Weber Stabile, o mesmo acórdão aduziu: “Ainda aqui ressente-se a prova de acusação da impossibilidade da obtenção de maiores esclarecimentos por parte do desaparecido Ronaldo Soares de Azevedo, ouvido sobre os fatos em depoimento prestado a uma das partes do processo” (fl. 7366 dos autos do acórdão. Grifos meus). Por resumir, estava posta, diante dos próprios termos do acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a questão jurídica (quaestio iuris) do valor de prova emprestada, colhida sem citação do ora paciente e, portanto, sem observância do contraditório. O que disse a respeito, à luz, não do reexame da prova, mas dos próprios termos do acórdão do Tribunal de Justiça, o STJ? Nada. Mas penso que, por ser esse aspecto relevante da questão de direito sobre o alcance de prova obtida sem o contraditório, devera tê-lo apreciado. São as razões por que confirmo meu voto. EXTRATO DA ATA HC 83.658/RJ — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Paciente: César Andrade Lima Souto ou César Andrade de Lima Souto. Impetrantes: Antonio Carlos de Almeida Castro e outros. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Decisão: Prosseguindo o julgamento, após o voto do Ministro Cezar Peluso, que concedia o habeas corpus, de ofício, para devolver o julgamento da impetração ao Superior Tribunal de Justiça, a fim de que sejam examinados os tópicos enumerados em seu voto, e do voto do Ministro Carlos Britto, que acompanhava o voto do Relator, pediu vista dos autos o Ministro Marco Aurélio. Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida. Brasília, 22 de junho de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador. VOTO (Vista) O Sr. Ministro Marco Aurélio: Delimito as impetrações, ou seja, a ocorrida no Superior Tribunal de Justiça e nesta Corte. Naquele Tribunal, revela o apenso 1 que se apontaram três causas de pedir visando à concessão da ordem, a saber: a) Bilateralidade, no caso, do crime de corrupção. O raciocínio desenvolvido parte da premissa de que a peça acusatória versou sobre o fato de alguém haver solicitado vantagem pecuniária e tê-la alcançado, recebendo valores, imputando-se ao paciente o pagamento mediante interposta pessoa. b) Transgressão do princípio do juiz natural, levando em conta o fato de a ação penal haver sido julgada pelo Tribunal de Justiça, ante o envolvimento, como acusado, do magistrado Nicolau Cassiano Neto. No particular, mencionou-se o julgamento do Habeas Corpus n. 69.807/RJ, relatado pelo Ministro Néri da Silveira, quando a Corte, 584 R.T.J. — 197 o Supremo Tribunal Federal, procedera ao desmembramento do processo, submetendo os acusados que não gozavam de prerrogativa de foro ao Tribunal do Júri. c) Ofensa ao princípio do contraditório. A única prova existente contra o acusado César Andrade Lima Souto fizera-se na fase de inquérito e, mesmo assim, quando não era ele indiciado. No Superior Tribunal de Justiça, no voto condutor do julgamento, da lavra do Ministro Fontes de Alencar, proclamou-se, é certo, na ementa, a impossibilidade de examinar-se a prova no julgamento de habeas corpus. Nota-se, no que veiculado em termos de voto, que se aludiu à ratificação de depoimento em produção antecipada de provas. Transcreveu-se, no tocante à causa de pedir principal do habeas corpus, a óptica do Ministério Público Federal, segundo a qual a condenação do paciente não tivera como único suporte fático o oferecimento de vantagem indevida ao juiz Nicolau, mas incluíra a participação em esquema montado para corromper servidores públicos com vista a evitar importunações às atividades desenvolvidas no âmbito do jogo do bicho (folha 65 a 71). O voto que se seguiu, do Ministro Paulo Gallotti, fez-se firme na óptica da imputação abrangente, afastando, assim, o que alegado sobre a bilateralidade do crime de corrupção. Sua Excelência remeteu à denúncia, mencionando a série de fatos havidos como delituosos que teriam sido praticados com um número muito grande de pessoas, entre as quais o paciente (folha 72). Deu-se o voto do Ministro Paulo Medina, concedendo a ordem para absolver o paciente, fundamentado na absolvição de quem recebera valores e na impossibilidade de concluir-se, a um só tempo, pela condenação daquele que implementara a dação. Em síntese, Sua Excelência acolheu a principal causa de pedir do habeas, consignando a desnecessidade de reapreciação dos elementos probatórios e citando precedentes (folha 73 a 77). Ante o escore de dois a um, convocou-se integrante da Quinta Turma, em face do impedimento do Ministro Hamilton Carvalhido (folha 78). Convocado, o Ministro Felix Fischer, após dizer da leitura atenta dos votos já proferidos e remeter às sustentações da defesa e do Ministério Público, ao que tudo indica renovadas, deixou assentado: Parece-me que a impetração busca uma solução que exige o exame aprofundado de prova, não de uma prova convergente, mas, sim, de um cotejo de provas. Concluiu pela impropriedade da via eleita, asseverando que, em nosso sistema penal, não há vinculação direta consideradas as espécies de corrupção — ativa e passiva. Aduziu que, se houvesse a necessária duplicidade, “talvez a solução fosse outra. Mas, dentro do nosso sistema legal, pelos tipos penais discutidos, essa relação não existe” (folha 80). O Ministro Gallotti reafirmou a impossibilidade de invalidar a conclusão do Tribunal de Justiça, no que absolveu o magistrado, que teria recebido os valores, e condenou o paciente, mais uma vez salientando que o acolhimento do pedido demandaria o exame da prova (folha 81). Reiterou o voto o Ministro Paulo Medina (folhas 82 e 83). Diante desse quadro, concluo, então, que o Superior Tribunal de Justiça adentrou o tema que consubstanciava a causa principal de pedir da impetração, ou seja, no caso, a bilateralidade do crime, a exigir ou a condenação dos agentes ativo e passivo, ou a absolvição de ambos. R.T.J. — 197 585 Chega-se, agora, à impetração em julgamento. A causa de pedir mostra-se única — a insubsistência da condenação do paciente, a quem se imputou a prática de dar importâncias quando absolvidos o intermediário e também o beneficiário dos valores. Com a peça de folha 2 a 33, volta-se, a partir de precedente da lavra do Ministro Cordeiro Guerra e dos votos dos Ministros Leitão de Abreu e Eloy da Rocha, à tecla da bilateralidade, dados os parâmetros da peça acusatória. Ressalta-se que o paciente somente foi envolvido na ação penal quando do aditamento à denúncia, sustentandose haver sido ele o único condenado pela prática do crime de corrupção ativa. Também na impetração perante esta Corte, esclarece-se que o caso não diz com a questão de se saber se houve, ou não, pela autoridade administrativa, a prática de ato omissivo ou comissivo, deixando-se, assim, de se lançar, como base da impetração, o que decidido por este Tribunal no Inquérito n. 705, relatado pelo Ministro Ilmar Galvão. Peço vênia para cingir-me à impetração, mesmo porque o paciente é defendido por eméritos advogados — Doutor Nélio Roberto Seidl Machado, Doutor Wilson Lopes dos Santos e o Doutor Antonio Carlos de Almeida Castro. Passo, então, ao exame do pedido formulado. O acusado defende-se dos fatos narrados na denúncia. O aditamento constante do primeiro apenso e que acabou por incluir o ora paciente mostrou-se, quanto aos acontecimentos, abrangente. Aludiu-se a um certo “caixa” para fazer frente a propinas e, em uma segunda parte, mencionou-se que o denunciado Nicolau Cassiano Neto, Juiz de Direito na Comarca de Angra dos Reis, recebera do denunciado César Andrade Lima Souto, mediante a intermediação de Adilson Martins da Cruz, determinados valores, remetendo-se ao depoimento de Ronaldo Soares de Azevedo. Pois bem, fosse esta a única imputação, não teria a menor dúvida em conceder a ordem. É que, no caso, referiu-se, de forma expressa, ao recebimento e à conseqüente dação de valores. Ora, absolvidos aqueles que teriam incidido na corrupção passiva, recebendo valores, e também o intermediário, forçoso seria concluir, observada a ordem natural das coisas e a coerência, pela inexistência da dação das quantias. Todavia, asseverou-se que os oito primeiros denunciados, entre os quais o paciente, mantinham recursos para a distribuição a ocupantes de diversos cargos ou funções, formando um fundo comum. Depreende-se da denúncia que a acusação não se limitou à entrega de valores ao réu absolvido, englobando, também, a corrupção passiva quanto aos demais denunciados. No caso, pelo crime do artigo 317 do Código Penal — corrupção passiva —, foram condenados Paulo Cesar Oliveira Santos e Alan-Cardeque Vilela. Assim, não vinga a tese da bilateralidade que, se procedente, desaguaria na absolvição. O que se nota, às folhas 7367 a 7384 no acórdão proferido e que se encontra nos apensos, mais precisamente essa parte no apenso 2, é que o decreto condenatório fez-se lastreado na participação dita efetiva do paciente no fundo destinado ao suborno e, aí, teve-se a condenação de dois réus pela corrupção passiva. Em síntese, o que se proclamou é que ele próprio, paciente, contribuía para o fundo único, não sendo decisiva, dessa forma, a circunstância de os subornados atuarem em áreas diversas. Aliás, sob esse ângulo, apontou-se, no acórdão, que o objetivo era comum, tendo em conta remanejamentos de servidores. Concluindo, não procede a causa de pedir apontada no habeas corpus, valendo notar que, na fixação da pena, não se levou em conta o que seria a corrupção ativa de se haver entregue valores aos réus que acabaram absolvidos. Indefiro a ordem. 586 R.T.J. — 197 EXPLICAÇÃO O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, no caso, a premissa do acórdão condenatório é única: a existência do fundo comum, o fundo abrangente. Como consignei em voto, aludiu-se a essa parte da defesa segundo a qual seriam os envolvidos policiais de outra circunscrição que não aquela na qual estaria o paciente a atuar no jogo do bicho: Angra dos Reis e cidades próximas. Então, colocou-se em plano secundário o elo causal que decorreria, em si, não da entrega direta de valores, mas da contribuição, e discorreu-se sobre gerenciamento, com perícia realizada, da contribuição para o fundo. VOTO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Peço todas as vênias ao Ministro Cezar Peluso, para acompanhar o voto do eminente Relator. Já tenho sustentado aqui, até com muita insistência — embora reconheça que a jurisprudência da atual como da antiga Primeira Turma é um pouco fluida, vacilante —, que, suscitado o problema perante o STJ, caberia o seu exame aqui, se na causa de pedir suscitada perante o STJ, ainda que por ele não considerada, insiste o impetrante. Vejo uma opção clara dos impetrantes, que não atuam como qualquer do povo, mas como defensores do acusado, de só submeter ao Tribunal, entre os fundamentos do habeas corpus requerido ao STJ, um deles: a bilateralidade da corrupção ativa na modalidade dar a vantagem indevida com a corrupção passiva de receber a mesma vantagem, e dada absolvição do indigitado autor da corrupção passiva. Por isso, neste caso, deixo à defesa tomar a atitude que lhe parecer adequada para sanar o que parece ter sido uma omissão do STJ, dado que suscitada a questão. Quanto à bilateralidade, os votos dos eminentes Ministros Joaquim Barbosa, Carlos Britto e, agora, do Ministro Marco Aurélio, a meu ver, demonstraram, com muita clareza, que a questão não é tão simples. A condenação do paciente não se deveu exclusivamente, pelo menos, à suposta corrupção do Juiz de Direito. Por isso, indefiro a ordem. EXTRATO DA ATA HC 83.658/RJ — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Paciente: César Andrade Lima Souto ou César Andrade de Lima Souto. Impetrante: Antonio Carlos de Almeida Castro e outros. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Decisão: Prosseguindo no julgamento, a Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Vencido, em parte, o Ministro Cezar Peluso, que concedia o habeas corpus, de ofício, para devolver o julgamento da impetração ao Superior Tribunal de Justiça, a fim de que sejam examinados os tópicos enumerados em seu voto. Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto. Brasília, 29 de junho de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador. R.T.J. — 197 587 AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS 83.966 — SP Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello Agravantes: Advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Seccional de São Paulo, Federação das Associações dos Advogados do Estado de São Paulo – FADESP e outro — Agravado: Procurador-Geral da República Habeas corpus — Recurso de agravo — Inexistência de situação de litigiosidade que afete a imediata liberdade de locomoção física de qualquer indivíduo — Inviabilidade processual do remédio constitucional do habeas corpus para preservar a relação de confidencialidade que deve existir entre advogado e cliente — Impetração que não aponta a ocorrência de fatos concretos aptos a ensejar a adequada utilização da via do habeas corpus — Ausência de legitimidade passiva ad causam do Procurador-Geral da República Para figurar como autoridade coatora na presente impetração — Recurso improvido. Não cabe habeas corpus, quando impetrado com a exclusiva finalidade de preservar e proteger o direito à intimidade (relação de confidencialidade) dos advogados (e de seus eventuais clientes) vinculados às associações agravantes. — Com a cessação, em 1926, da doutrina brasileira do habeas corpus, a destinação constitucional do remédio heróico restringiu-se, no campo de sua específica projeção, ao plano da estreita tutela da imediata liberdade física de ir, vir e permanecer dos indivíduos, pertencendo, residualmente, ao âmbito do mandado de segurança, a tutela jurisdicional contra ofensas que desrespeitem os demais direitos líquidos e certos, mesmo quando tais situações de ilicitude ou de abuso de poder venham a afetar, ainda que obliquamente, a liberdade de locomoção física das pessoas. — O remédio constitucional do habeas corpus, em conseqüência, não pode ser utilizado como sucedâneo de outras ações judiciais, notadamente naquelas hipóteses em que o direito-fim (a proteção da relação de confidencialidade entre Advogado e cliente, no caso), não se identifica com a própria liberdade de locomoção física. — A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem salientado que, não havendo risco efetivo de constrição à liberdade de locomoção física, não se revela pertinente o remédio do habeas corpus, cuja utilização supõe, necessariamente, a concreta configuração de ofensa, atual ou iminente, ao direito de ir, vir e permanecer das pessoas. Doutrina. Precedentes. Impetração que deixa de indicar fatos concretos cuja efetiva ocorrência poderia ensejar a adequada utilização da via do habeas corpus. — Torna-se insuscetível de conhecimento o habeas corpus, quando o impetrante não indica qualquer ato concreto que revele, por parte da autoridade apontada como coatora, a prática de comportamento abusivo ou de conduta revestida de ilicitude. 588 R.T.J. — 197 — A ação de habeas corpus exige, para efeito de cognoscibilidade, a indicação — específica e individualizada — de fatos concretos cuja ocorrência possa repercutir na esfera da imediata liberdade de locomoção física dos indivíduos. — A ausência de precisa indicação de atos concretos e específicos, por parte da autoridade apontada como coatora, que revelem prática atual ou iminente de comportamento abusivo ou de conduta revestida de ilicitude, inviabiliza, processualmente, o ajuizamento da ação constitucional de habeas corpus. Doutrina. Precedentes. Ausência de legitimidade passiva ad causam do Procurador-Geral da República para figurar como autoridade coatora na presente impetração. — Não se mostra viável atribuir-se, ao Procurador-Geral da República, a responsabilidade por atos emanados dos demais membros do Ministério Público Federal, e que, por estes, hajam sido praticados no desempenho independente de suas atribuições funcionais. — A mera formulação, por representante do Ministério Público, de pedido de interceptação telefônica, para os fins a que se refere a Lei n. 9.296/96, por traduzir simples postulação dependente de apreciação jurisdicional (CF, art. 5º, XII), não importa, só por si, em ofensa à liberdade de locomoção física de qualquer pessoa, descaracterizando-se, desse modo, a possibilidade de adequada utilização do remédio constitucional do habeas corpus. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao agravo, nos termos do voto do Relator. Impedido o Dr. Cláudio Lemos Fonteles, Procurador-Geral da República. Ausente, justificadamente, o Ministro Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim. Brasília, 23 de junho de 2004 — Nelson Jobim, Presidente — Celso de Mello, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Celso de Mello: A douta Procuradoria-Geral da República, em parecer da lavra do Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza — ilustre substituto legal do eminente Chefe do Ministério Público da União, que ora figura como autoridade coatora —, assim sumariou e apreciou o recurso de agravo interposto pela Federação das Associações dos Advogados do Estado de São Paulo – FADESP (fls. 90/96): R.T.J. — 197 589 “Agravo regimental em habeas corpus. Só é admissível a impetração de habeas corpus para a proteção da liberdade de locomoção, não se prestando o remédio constitucional à tutela de quaisquer outros direitos. Não há como prosperar o recurso ante a falta de indicação de ato concreto que possa vir a violar o direito de locomoção dos pacientes. O Procurador-Geral da República não é a autoridade competente para, por ato próprio, determinar interceptação telefônica. Parecer pelo desprovimento do recurso. 1. Cuida-se de habeas corpus impetrado pela Federação das Associações dos Advogados do Estado de São Paulo e pelos advogados Ricardo Hasson Sayeg, Celso Renato D´Avila, Éverson Tobaruela e Luis Augusto Zanoni dos Santos apontando como pacientes todos os advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de São Paulo, os quais, segundo as alegações expendidas na exordial, vêm sofrendo constrangimento ilegal, caracterizado pela violação do direito de comunicação reservada com seus clientes, sendo esta decorrente de supostas interceptações telefônicas as quais seriam de iniciativa do Ministério Público Federal, razão pela qual indicam como autoridade coatora do Procurador-Geral da República. 2. Asseveram os impetrantes que a Constituição Federal determina a inviolabilidade dos atos e manifestações dos advogados no exercício de sua profissão, sendo desdobramento deste princípio a garantia inscrita no inciso III, do artigo 7º, da Lei n. 8.906/94, segundo o qual é direito do advogado comunicarse com seus clientes, pessoal e reservadamente. 3. Nessa linha de raciocínio, aduzem que o Ministério Público Federal, com o escopo de aparelhar futura ação penal, e em instruções processuais penais, requisita judicialmente a interceptação de linhas telefônicas que previamente sabe pertencer aos pacientes, o que, segundo entendimento dos impetrantes, violaria as garantias supramencionadas, haja vista a Lei n. 9.296/96, que disciplina a interceptação das comunicações telefônicas, não se aplicar à espécie, na medida em que ‘não interfere o direito-dever do advogado manter com seu cliente comunicação reservada, que, evidentemente, pode dar-se pela via da comunicação telefônica’. (fl. 12) 4. Em decisão acostada às fls. 35/43, o Min. Celso de Mello não conheceu da ação, razão pela qual restou prejudicada a análise do pedido de liminar. 5. Foi interposto, pelos impetrantes, agravo regimental, em que afirmam não ter o eminente Ministro observado os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, ‘que deveriam ter norteado a interpretação que se deu, na decisão recorrida, ao Princípio do Devido Processo Legal’. (fls. 56) 6. Vieram, então, os autos, a esta Procuradoria-Geral da República, para manifestação acerca do recurso interposto. 7. Não há como prosperar o presente recurso, porquanto, nos termos da decisão recorrida, revela-se incabível a impetração de habeas corpus cujo objeto é a proteção do direito à intimidade. 590 R.T.J. — 197 8. Depreende-se da leitura das razões recursais que buscam os impetrantes garantir interpretação extensiva às hipóteses de cabimento do presente remédio constitucional, sustentando, inclusive, a idêntica natureza entre o habeas corpus e o mandado de segurança, o que permitiria, ante o princípio da fungibilidade, o recebimento de um pelo outro. 9. Insuscetível de acolhimento tal pretensão, porquanto a Carta Constitucional de 1988, ao contrário do alegado pelos requerentes, não atribui caráter subsidiário ao mandado de segurança, determinando, de forma expressa, que este, e somente este, é o remédio hábil à proteção de direito líquido e certo ‘não amparado por habeas corpus’ - artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal. 10. Não há, portanto, possibilidade de, sob o argumento de observância do princípio da fungibilidade, receber o habeas corpus como se mandado de segurança fosse, conforme pretendido pelos agravantes, sobretudo na situação em tela, em que não há direito líquido e certo a ser tutelado. 11. O fato é que pretendem os impetrantes a garantia do direito à intimidade estabelecida entre o advogado e seu cliente, tutela que refoge o alcance do habeas corpus, nos termos destacados na decisão recorrida, a qual fora lavrada em absoluta consonância ao entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal: ‘Ementa: Constitucional. Processo Penal. Habeas Corpus. Cabimento. C.F., art. 5º, LXVIII. I - O habeas corpus visa a proteger a liberdade de locomoção — liberdade de ir, vir e ficar — por ilegalidade ou abuso de poder, não podendo ser utilizado para proteção de direitos outros. C.F., art. 5º, LXVIII. II - H.C. indeferido, liminarmente. Agravo não provido.’ ‘Ementa: Habeas Corpus. Finalidade: proteção ao Direito de Locomoção. CPI dos Títulos Públicos. Quebra de Sigilo Telefônico: Salvaguarda do direito à intimidade. Ausência de Ameaça à Liberdade de Ir e Vir. Via imprópria do writ. Objetivando as razões da impetração salvaguardar o direito à intimidade, sem demonstração de que a quebra do sigilo telefônico determinada por ato da CPI instituída para apurar irregularidades na emissão de títulos públicos constitua efetiva ameaça à liberdade de ir e vir do paciente, não é o habeas corpus a via adequada à cessação do imputado ato ilegal. Habeas corpus não conhecido.’ 12. O fato é que o requisito constitucional do habeas corpus é a violência ou coação à liberdade de locomoção do paciente, requisito este inexistente na presente situação, o que demonstra a impossibilidade de provimento do recurso. Em outras palavras, é impossível a utilização deste remédio constitucional como sucedâneo de outras ações judiciais, na medida em que, repita-se, o habeas corpus só é admitido nas hipóteses em que o direito-fim se identifica com a liberdade de locomoção física. R.T.J. — 197 591 13. Aliás, ainda que o presente H.C. tivesse como objeto a tutela da liberdade de locomoção, melhor sorte não assistiria aos impetrantes por ausência de demonstração de que todos os advogados inscritos na OAB - Seccional São Paulo, pudessem vir a sofrer, de maneira imediata, constrição em seu direito. 14. Nesse sentido, asseveram os impetrantes em sua petição recursal, que por se tratar de habeas corpus preventivo, não haveria a possibilidade de se fazer alusão a atos concretos ou a procedimentos penais específicos. 15. Ocorre, no entanto, que ainda quando se trate de procedimento preventivo, a exigência da indicação da situação onde, concretamente, poderá vir a ser desrespeitado o direito de locomoção, se faz presente, uma vez que não é possível o conhecimento de H.C. promovido contra ato do qual não resulte ofensa à liberdade de locomoção. 16. No caso em foco, o ato impugnado é a eventual requisição de autorização judicial para a quebra do sigilo telefônico, ou seja, pretendem os impetrantes, garantir que no bojo de investigação criminal, esteja o Ministério Público impedido de requerer autorização judicial para efetuar escutas telefônicas em linhas de advogados, sob a alegação de que o simples requerimento seria prática de constrangimento ilegal. 17. Ora, falaciosa a consideração expendida pelos agravantes, pois o simples pedido de autorização formulado pelo Parquet não é ato capaz de violar qualquer direito dos impetrantes, na medida em que sujeito à análise e deferimento pelo Poder Judiciário. 18. O fato é que, conforme destacado na decisão agravada, o chefe do Ministério Público não tem autoridade para determinar a realização de escuta telefônica lícita, cabendo-lhe somente, em determinadas situações, solicitar a necessária autorização da autoridade judiciária que, após a verificação do preenchimento dos requisitos estabelecidos na Lei 9.296/96, deferirá, ou não, o pedido. 19. Pretendem fazer crer os agravantes que as escutas telefônicas são realizadas de forma corriqueira, em qualquer investigação criminal. Isso não é verdade, uma vez que a citada Lei 9.296/96 impõe rígidos requisitos à concessão da autorização, dentre os quais se destaca a inexistência de outros meios de prova. 20. Ademais, é importante observar que a decisão deferitória do pedido de interceptação das comunicações telefônicas, há de ser fundamentada, razão pela qual, ao contrário do afirmado pelos agravantes, a prática só recairá sobre telefones de advogados quando em relação a estes houver indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal, pois em hipótese diversa não seria admitida a escuta, nos termos do inciso I, do artigo 2º, da supracitada Lei. 21. Cumpre destacar, ainda, que o princípio da proporcionalidade, invocado pelos recorrentes, revela-se suficiente à demonstração da impossibilidade de provimento deste agravo regimental. 592 R.T.J. — 197 22. Ora, patente é a desproporcionalidade entre a medida pleiteada no habeas corpus, isto é, a de que sejam banidas dos procedimentos penais as interceptações de linhas telefônicas pertencentes a advogados, e o ato eventualmente praticado pelo Ministério Público Federal que se limita a requisitar a medida perante o Poder Judiciário. 23. Uma vez que a requisição depende de autorização do Poder Judiciário para se tornar legítima, clara é a demonstração de que não pratica o Ministério Público Federal ato capaz de violar quaisquer direitos dos pacientes, que jamais terão suas ligações telefônicas interceptadas, senão quando a autoridade judiciária verificar a ocorrência das hipóteses elencadas na legislação disciplinadora da matéria. 24. Enfim, a decisão recorrida está em perfeita harmonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que, de modo uníssono, reconhece não ser admissível o habeas corpus em que o impetrante deixa de atribuir à autoridade apontada como coatora a prática de ato concreto efetivamente abusivo ou revestido de ilegalidade. 25. Não conseguem os recorrentes, em suas razões, indicar qual seria a ilegalidade praticada pelo Procurador-Geral da República. Ainda que o chefe do Parquet fosse o responsável por todos os pedidos de interceptação efetuados no âmbito do Ministério Público Federal, não haveria qualquer indício da prática de comportamento ilegal ou abusivo, pois tais requerimentos são feitos nos termos da lei que regulamenta a parte final do inciso XII, do artigo 5º, da Constituição Federal, comprovando o respeito aos princípios constitucionais que regem o tema. Assim sendo, ante a impossibilidade de impetração de habeas corpus para a tutela de direitos outros que não o direito de locomoção, e considerando-se não ser o Procurador-Geral da República autoridade competente para determinar a escuta lícita de conversações telefônicas, manifesta-se o Ministério Público Federal pelo desprovimento do recurso, mantendo-se, integralmente, a decisão recorrida.” (Grifei) Por não me haver convencido das razões invocadas pela parte ora recorrente, submeto, à apreciação do Egrégio Plenário do Supremo Tribunal Federal, o presente recurso de agravo. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Celso de Mello: (Relator): Trata-se de recurso de agravo, que, tempestivamente interposto pela Federação das Associações dos Advogados do Estado de São Paulo, insurge-se contra decisão, por mim proferida, que não conheceu da ação de habeas corpus ajuizada perante esta Corte pela entidade de classe em questão e, também, por ilustres Advogados. R.T.J. — 197 593 O ato decisório em questão apoiou-se, para tanto, em três (3) fundamentos: (a) o caráter absolutamente genérico da impetração, que não indicou qualquer ato concreto ou procedimento específico em cujo âmbito estariam sendo praticadas medidas caracterizadoras de injusto constrangimento ao status libertatis da totalidade dos Advogados inscritos na OAB/Seção de São Paulo; (b) a inviabilidade da ação de habeas corpus em causa, porque promovida com o objetivo de preservar a relação de confidencialidade entre os Advogados paulistas e seus clientes, protegendo-lhes, em conseqüência, não a sua liberdade de locomoção física, mas, sim, a integridade do seu direito à intimidade e (c) a ausência de legitimatio ad causam passiva do ProcuradorGeral da República, para figurar como autoridade coatora na relação processual em questão, eis que — além de não lhe haver sido atribuído qualquer ato específico de que pudesse derivar ofensa ao direito de ir, vir e permanecer dos Advogados inscritos na Seção paulista da OAB — também não se lhe pode imputar responsabilidade por eventual decretação judicial de interceptação de conversações telefônicas, pois não dispõe, para tanto, de competência constitucional para ordenar tão extraordinária providência de caráter probatório. A parte ora agravante, inconformada com tal decisão, veio a impugná-la no presente recurso, neste reproduzindo, essencialmente, os fundamentos constantes da impetração do pedido de habeas corpus, renovando a alegação de que “todos os membros da nobre classe dos advogados, sem exclusão de quem quer que seja (...)”, estariam sofrendo situação de constrangimento ilegal, decorrente “da violação ao direito-dever de comunicação reservada com seus clientes, em razão das constantes, inadmissíveis, inconstitucionais e ilegais interceptações de linhas telefônicas pertencentes sabidamente a advogados inscritos na OAB, no Estado de São Paulo, ocorridas sob a lacônica justificativa de investigação criminal, por iniciativa do Ministério Público Federal, com a complacência da autoridade coatora, o Senhor Procurador-Geral da República, Chefe e representante do Ministério Público Federal, a quem compete coibir os abusos cometidos pelos demais membros desse órgão” (fl. 51 — grifei). Afirma, ainda, a parte ora recorrente, que “os Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade (...) deveriam ter norteado a interpretação que se deu, na decisão recorrida, ao Princípio do Devido Processo Legal, a fim de que o Senhor Ministro Relator, em nome das garantias e salvaguardas maiores do Estado de Direito, houvesse por bem relevar e afastar qualquer óbice formal que, segundo seu entendimento (com o qual a Impetrante não concorda e cujo equívoco será abaixo demonstrado), estivesse a impedir a concessão da ordem de Habeas Corpus e o restabelecimento do direito da inviolabilidade da comunicação reservada entre advogado e cliente, usurpados pelo Ministério Público Federal, em todo o território nacional, com o beneplácito da autoridade apontada como coatora, no bojo de investigações criminais” (fl. 56). Passo a apreciar o presente recurso de agravo. E, ao fazê-lo, entendo assistir plena razão ao eminente Vice-Procurador-Geral da República, quando opina pelo improvimento desta impugnação recursal, em parecer assim ementado (fl. 90): 594 R.T.J. — 197 “Agravo regimental em habeas corpus. Só é admissível a impetração de habeas corpus para a proteção da liberdade de locomoção, não se prestando o remédio constitucional à tutela de quaisquer outros direitos. Não há como prosperar o recurso ante a falta de indicação de ato concreto que possa vir a violar o direito de locomoção dos pacientes. O Procurador-Geral da República não é a autoridade competente para, por ato próprio, determinar interceptação telefônica. Parecer pelo desprovimento do recurso.” (Grifei) Ao proferir a decisão ora recorrida, tive o ensejo de enfatizar que a parte ora recorrente, ao ajuizar o presente writ, com ele buscou resguardar e preservar, exclusivamente, como se evidencia da impetração, o direito à intimidade dos Advogados paulistas em geral, cuja esfera de privacidade — segundo ora sustentado nesta sede processual — estaria sendo desrespeitada pelo Ministério Público Federal, em sede de procedimentos penais, “com o beneplácito da autoridade apontada como coatora, no bojo de investigações criminais” (fl. 56). Na realidade, a própria parte impetrante, ao postular fossem “banidas, das investigações criminais e da instrução processual penal (...), as interceptações de linhas telefônicas (...)” (fl. 15) referentes a Advogados, expressamente apoiou o seu pleito na alegação de que, com tal prática — efetivada “independentemente de qualquer envolvimento na investigação criminal ou instrução criminal” (fl. 14 — grifei) —, atentou-se contra “a intimidade de todo o número infinito de pessoas que venham a procurar o advogado (...)” (fl. 14 — grifei). Vê-se, pois, considerados os específicos termos em que formulada a presente impetração, que se revela inadequado o meio processual ora utilizado, eis que o habeas corpus foi deduzido, na espécie, com a exclusiva finalidade de preservar e de proteger, unicamente, o direito à intimidade dos ilustres integrantes da classe dos Advogados e o de seus eventuais clientes, sem a necessária conexão com a tutela da liberdade de locomoção física dos ora pacientes. O conteúdo absolutamente genérico do pedido ora deduzido pela parte recorrente evidencia, por isso mesmo, tal como por mim já enfatizado, o pleno descabimento da ação de habeas corpus, pois não se demonstrou, na espécie, e de modo concreto, a possibilidade de “todos os Advogados” (fl. 2) inscritos na OAB/SP estarem sofrendo, ou virem a sofrer, de maneira imediata, injusto constrangimento em seu direito de ir, de vir e de permanecer. Cumpre rememorar, neste ponto, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem advertido, presente tal contexto, que não se revela pertinente o remédio constitucional do habeas corpus, quando utilizado, como sucede na espécie, sem que se evidencie a concreta configuração de ofensa imediata, atual ou iminente, ao direito de ir, vir e permanecer dos pacientes (RTJ 135/593, Rel. Min. Sydney Sanches — RTJ 136/1226, Rel. Min. Moreira Alves — RTJ 142/896, Rel. Min. Octavio Gallotti — RTJ 152/140, Rel. Min. Celso de Mello — RTJ 180/962, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.). R.T.J. — 197 595 Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que, com a Reforma Constitucional de 1926 — que importou na cessação da doutrina brasileira do habeas corpus — este writ passou a amparar, “única e diretamente, a liberdade de locomoção. Ele se destina à estreita tutela da imediata liberdade física de ir e vir dos indivíduos...” (RTJ 66/396 — RTJ 177/1206-1207 — RT 423/327 — RT 338/99 — RF 213/390 — RF 222/336 — RF 230/280, v.g.). Sabemos todos que o sentido abrangente da norma inscrita no art. 72, § 22, da Constituição republicana de 1891, na redação anterior à estabelecida pela Revisão Constitucional de 1926, elasteceu, sob o influxo da doutrina brasileira do habeas corpus, o âmbito de incidência desse instrumento formal de proteção às liberdades públicas. A doutrina brasileira do habeas corpus — como enfatiza, em preciso magistério, Roberto Rosas (Direito Processual Constitucional, pp. 85/86, 1983, RT) — ampliou o campo de utilização desse remédio constitucional, permitindo que, por meio dele, se defendessem outros direitos cujo gozo tivesse por suporte o exercício da liberdade de locomoção física. O habeas corpus, então, sob a decisiva influência das idéias sustentadas pelo notável magistrado desta Corte, Pedro Lessa (“Do Poder Judiciário”, pp. 337/ 339, 1915, Livraria Francisco Alves), passou a tutelar, no plano jurisdicional, não só o direito de ir, vir e permanecer — ainda quando este, na simples condição de direito-meio, pudesse vir a ser afetado de modo reflexo, indireto ou oblíquo (RF 22/306 — RF 34/505 — RF 36/192 — RF 38/213 — RF 45/183) —, mas, também, a viabilizar a proteção de quaisquer outras prerrogativas jurídicas, que, lesadas por comportamentos ilegais ou abusivos dos órgãos ou agentes da administração pública, tivessem, na liberdade de locomoção física, a sua condição de exercício (RF 13/148). Na realidade, a ampliação das funções do habeas corpus deveu-se à inexistência, em nosso ordenamento positivo, de um remédio processual, que, à semelhança da ação de mandado de segurança — que só viria a ser institucionalizada pela Constituição de 1934 —, atuasse como instrumento viabilizador da tutela pronta, imediata e eficaz de outros direitos e liberdades expostos à ação eventualmente arbitrária do Poder Público (Castro Nunes, “Do Mandado de Segurança e de outros meios de defesa contra atos do Poder Público”, pp. 1/2, item n. 1, 8ª ed., 1980, Forense; Seabra Fagundes, “O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário”, p. 258, item n. 105, nota n. 19, 4ª ed., 1967, Forense, v.g.). O fato irrecusável, no entanto, é que, após a Reforma Constitucional de 1926, “A proteção do habeas corpus não vai além do direito de locomoção. Por ele não se tutelam outros direitos, nem mesmo os que, na faculdade de ir e vir ou ficar, têm a sua condição de exercício” (RF 222/336 — RT 173/24 — RT 338/99). É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, em inúmeros julgamentos, tem realçado o caráter estrito da destinação constitucional do remédio de habeas corpus, como resulta claro das decisões a seguir transcritas: 596 R.T.J. — 197 “Após a Reforma Constitucional de 1926, e com a cessação da doutrina brasileira do habeas corpus, esse remédio processual passou a ter pertinência somente nos casos em que ocorrer situação de risco efetivo ou de dano potencial à liberdade de locomoção física do paciente (jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque). Precedentes.” (RTJ 180/962, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno) “A função clássica do habeas corpus restringe-se à estreita tutela da imediata liberdade de locomoção física das pessoas. — A ação de habeas corpus — desde que inexistente qualquer situação de dano efetivo ou de risco potencial ao jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque — não se revela cabível, mesmo quando ajuizada para discutir eventual nulidade do processo penal em que proferida decisão condenatória definitivamente executada. Esse entendimento decorre da circunstância histórica de a Reforma Constitucional de 1926 — que importou na cessação da doutrina brasileira do habeas corpus — haver restaurado a função clássica desse extraordinário remédio processual, destinando-o, quanto à sua finalidade, à específica tutela jurisdicional da imediata liberdade de locomoção física das pessoas. Precedentes.” (RTJ 186/261-262, Rel. Min. Celso de Mello) Desse modo, e tendo em vista que, da exposição feita pelos impetrantes, ora recorrentes, constata-se que estes buscam preservar, com o presente remédio heróico, a relação de confidencialidade que deve existir entre o Advogado e seu cliente (fls. 2, 7 e 12/14), torna-se evidente — considerando-se, estritamente, o que emerge do próprio conteúdo desta impetração — que inexiste, no caso, para efeito de incidência da norma inscrita no art. 5º, LXVIII, da Constituição, situação de litigiosidade que afete a imediata liberdade de locomoção física dos Advogados em geral (notadamente daqueles inscritos na OAB/SP) e que, acaso ocorrente, pudesse legitimar a utilização da ação de habeas corpus, consoante esta Suprema Corte tem advertido: “Objetivando as razões da impetração salvaguardar o direito à intimidade, sem demonstração de que a quebra do sigilo telefônico (...) constitua efetiva ameaça à liberdade de ir e vir do paciente, não é o habeas corpus a via adequada à cessação do imputado ato ilegal. Habeas corpus não conhecido.” (RTJ 178/1231, Rel. p/ o acórdão Ministro Maurício Corrêa — grifei) “Constitucional. Processual Penal. Habeas corpus: cabimento. CF, art. 5º, LXVIII. I - O habeas corpus visa a proteger a liberdade de locomoção — liberdade de ir, vir e ficar — por ilegalidade ou abuso de poder, não podendo ser utilizado para proteção de direitos outros. CF, art. 5º, LXVIII. II - HC indeferido, liminarmente. Agravo não provido.” (HC 82.880-AgR/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, Pleno) R.T.J. — 197 597 Daí o correto entendimento da douta Procuradoria-Geral da República, que, ao manifestar-se sobre esse específico aspecto da controvérsia, afirmou que “O fato é que o requisito constitucional do habeas corpus é a violência ou coação à liberdade de locomoção do paciente, requisito este inexistente na presente situação, o que demonstra a impossibilidade de provimento do recurso. Em outras palavras, é impossível a utilização deste remédio constitucional como sucedâneo de outras ações judiciais, na medida em que, repita-se, o habeas corpus só é admitido nas hipóteses em que o direito-fim se identifica com a liberdade de locomoção física” (fl. 93, item n. 12). A parte ora agravante, de outro lado, certamente consciente da inviabilidade do meio por ela utilizado, requer — consoante evidenciam as razões que acompanham o presente recurso de agravo (fls. 73/74) — que, mediante aplicação do princípio da fungibilidade das formas processuais, possa este Tribunal conhecer da ação de habeas corpus como mandado de segurança, em ordem a viabilizar o regular processamento do remédio constitucional. E, ao assim sustentar a sua pretensão, a parte recorrente salienta que “(...) o mandado de segurança e o Habeas Corpus possuem idêntica natureza mandamental, de maneira que, pelo princípio da fungibilidade, sem nenhum esforço doutrinário, mormente diante da relevância da questão ora enfrentada, poderiam ser tomados, um pelo outro” (fl. 73), de tal modo que se impunha, ao Relator desta causa, “determinar a emenda da petição inicial, na forma do artigo 284 do CPC (...), garantindo efetividade ao processo judicial em questão tão relevante ao Estado Democrático de Direito” (fl. 74). Não tem qualquer pertinência, na espécie, por incabível, a pretendida aplicação do postulado da fungibilidade, notadamente se se considerar que houve erro grosseiro na imprópria utilização da ação de habeas corpus, eis que absolutamente ausente, na exposição constante da impetração, qualquer referência a determinada situação de ofensa, atual ou iminente, ao jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque dos ilustres Advogados inscritos na Seção paulista da OAB. O eminente Vice-Procurador-Geral da República, ao opinar como custos legis na presente sede recursal, bem examinou — e repeliu — essa alegação (fls. 91/92): “7. Não há como prosperar o presente recurso, porquanto, nos termos da decisão recorrida, revela-se incabível a impetração de habeas corpus cujo objeto é a proteção do direito à intimidade. 8. Depreende-se da leitura das razões recursais que buscam os impetrantes garantir interpretação extensiva às hipóteses de cabimento do presente remédio constitucional, sustentando, inclusive, a idêntica natureza entre o habeas corpus e o mandado de segurança, o que permitiria, ante o princípio da fungibilidade, o recebimento de um pelo outro. 9. Insuscetível de acolhimento tal pretensão, porquanto a Carta Constitucional de 1988, ao contrário do alegado pelos requerentes, não atribui caráter subsidiário ao mandado de segurança, determinando, de forma expressa, que este, e somente este, é o remédio hábil à proteção de direito líquido e certo ‘não amparado por habeas corpus’ - artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal. 598 R.T.J. — 197 10. Não há, portanto, possibilidade de, sob o argumento de observância do princípio da fungibilidade, receber o habeas corpus como se mandado de segurança fosse, conforme pretendido pelos agravantes, sobretudo na situação em tela, em que não há direito líquido e certo a ser tutelado. 11. O fato é que pretendem os impetrantes a garantia do direito à intimidade estabelecida entre o advogado e seu cliente, tutela que refoge o alcance do habeas corpus, nos termos destacados na decisão recorrida, a qual fora lavrada em absoluta consonância ao entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (...).” (Grifei) Enfatize-se, no entanto, que, mesmo que se admitisse a utilização da via do habeas corpus, em tema de interceptação telefônica — o que tem sido reconhecido, em situações específicas, por esta Suprema Corte (RTJ 171/258, Rel. Min. Sepúlveda Pertence — RTJ 180/1001-1003, Rel. Min. Sepúlveda Pertence) —, ainda assim revelar-se-ia insuscetível de provimento o presente recurso de agravo. É que os impetrantes, ora recorrentes, não fizeram constar, de suas alegações, qualquer alusão a atos concretos ou a procedimentos penais específicos, em cujo âmbito estariam sendo praticadas medidas caracterizadoras da alegada situação de injusto constrangimento à liberdade de locomoção física dos Advogados de São Paulo. Com efeito, os ora recorrentes, em suas razões, limitaram-se a afirmar, de maneira genérica, sem qualquer especificação individualizadora — e sempre na perspectiva da defesa do direito à intimidade e da inviolabilidade da comunicação reservada entre Advogado e cliente —, que o “Ministério Público Federal, por todo o território nacional, vem, no bojo de investigações criminais (...), abusando de suas prerrogativas institucionais (...), requisitando judicialmente a inconstitucional, ilegal e inadmissível interceptação de linhas telefônicas que previamente sabia pertencer a advogados...” (fl. 11 — grifei). Os recorrentes, portanto, deixaram de indicar fatos concretos cuja efetiva ocorrência, desde que objetivamente demonstrada, poderia ensejar a adequada utilização da via do habeas corpus. Tanto é assim que os próprios impetrantes, em suas razões recursais — e na infundada tentativa de viabilizar a utilização do writ constitucional, mesmo quando ausente qualquer situação real e concreta que possa, ainda que eventualmente, configurar a alegada situação de injusto constrangimento —, afirmaram que “os esclarecimentos a respeito dos fatos relativos à impetração de Habeas Corpus não são de ônus da impetrante, mas, sim, da autoridade tida como coatora, que deve expor a verdade e tudo que sabe a respeito por ocasião da resposta da requisição de informações (...)” (fls. 78/79). O fato irrecusável, no entanto, é que, sem a precisa indicação, pelos autores do writ, de atos concretos e específicos que evidenciem, por parte da autoridade ora apontada como coatora, a prática, atual ou iminente, de comportamento abusivo ou de conduta revestida de ilicitude, não há como reputar processualmente viável o ajuizamento da ação constitucional de habeas corpus. R.T.J. — 197 599 Cabe rememorar, neste ponto, a advertência, constante da decisão ora recorrida, fundada no magistério de Julio Fabbrini Mirabete (“Código de Processo Penal Interpretado”, p. 1469, item n. 654.7, 7ª ed., 2000, Atlas), no sentido de que se impõe, ao impetrante, quando do ajuizamento da ação de habeas corpus, proceder à necessária referência individualizadora a fatos concretos: “A petição deve conter também a declaração da espécie de constrangimento ou, em caso de simples ameaça de coação, as razões em que funda o seu temor’. Devem ser expostas, pois, a natureza da coação, suas circunstâncias, causas, ilegalidade etc., bem como a argumentação de fato e de direito destinada a demonstrar a ilegitimidade do constrangimento real ou potencial (...).” Essa mesma orientação é perfilhada por Eduardo Espínola Filho (Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, vol. VII/277, item n. 1.372, 2000, Bookseller), em abordagem na qual enfatiza a imprescindibilidade da concreta indicação do ato coator: “A petição deve, pois, conter todos os requisitos de uma exposição suficientemente clara, com explanação e narração sobre a violência, suas causas, sua ilegalidade. Não se faz mister, porém, que a petição esteja instruída com o conteúdo da ordem pela qual o paciente está preso, porque esta falta não pode prejudicar, e é perfeitamente sanável. A petição, dando parte da espécie de constrangimento, que o paciente sofre, ou está na iminência de sofrer, deve argumentar no sentido de convencer da ilegalidade da violência, ou coação (...). É óbvio, há todo interesse, para o requerente, em precisar os fatos, tão pormenorizada, tão circunstancialmente, quanto lhe for possível, pois melhor se orientará a autoridade judiciária, a que é submetida a espécie (...).” (grifei) Daí a observação feita por Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes (“Recursos no Processo Penal”, p. 361, item n. 240, 1996, RT): “O Código exige, finalmente, a menção à espécie de constrangimento e, no caso de ameaça, as razões em que se funda o temor, ou seja, a indicação dos fatos que constituem a causa petendi.” (Grifei) Esse entendimento doutrinário — que repele a utilização do instrumento constitucional do habeas corpus, quando ausente, na petição de impetração, menção específica e concreta aos fatos ensejadores da alegada situação de injusto constrangimento (Fernando Capez, Curso de Processo Penal, p. 444, item n. 20.15.10, 2ª ed., 1998, Saraiva; Tales Castelo Branco, Teoria e Prática dos Recursos Criminais, p. 158, item n. 156, 2003, Saraiva) — reflete-se, por igual, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, a propósito do tema, assim se tem pronunciado: “Habeas corpus — Impetração que não indica qualquer comportamento concreto atribuído à autoridade apontada como coatora — Pedido não conhecido. 600 R.T.J. — 197 Torna-se insuscetível de conhecimento o habeas corpus em cujo âmbito o impetrante não indique qualquer ato concreto que revele, por parte da autoridade apontada como coatora, a prática de comportamento abusivo ou de conduta revestida de ilicitude.” (RTJ 159/894, Rel. Min. Celso de Mello) “Não há como admitir o processamento da ação de habeas corpus, se o impetrante deixa de atribuir à autoridade apontada como coatora a prática de ato concreto que evidencie a ocorrência de um específico comportamento abusivo ou revestido de ilegalidade.” (RTJ 164/193-194, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno) Vê-se, pois, na linha do magistério jurisprudencial desta Suprema Corte, que o presente recurso de agravo mostra-se insuscetível de provimento, eis que esta ação de habeas corpus revela-se destituída de qualquer referência individualizadora a fatos concretos, que, imputáveis ao eminente Procurador-Geral da República — autoridade ora apontada como coatora — pudessem caracterizar situação configuradora de real ameaça (ou de efetiva lesão) ao status libertatis daqueles em cujo favor foi deduzido este writ constitucional. Impende assinalar que, nesse sentido, pronunciou-se a douta ProcuradoriaGeral da República (fl. 93, item n. 15). Na realidade, cumpre reconhecer a integral correção do douto parecer do eminente Vice-Procurador-Geral da República, quando, no ponto, expende as seguintes considerações (fl. 94): “16. No caso em foco, o ato impugnado é a eventual requisição de autorização judicial para a quebra do sigilo telefônico, ou seja, pretendem os impetrantes, garantir que no bojo de investigação criminal, esteja o Ministério Público impedido de requerer autorização judicial para efetuar escutas telefônicas em linhas de advogados, sob a alegação de que o simples requerimento seria prática de constrangimento ilegal. 17. Ora, falaciosa a consideração expendida pelos agravantes, pois o simples pedido de autorização formulado pelo Parquet não é ato capaz de violar qualquer direito dos impetrantes, na medida em que sujeito à análise e deferimento pelo Poder Judiciário. 18. O fato é que, conforme destacado na decisão agravada, o chefe do Ministério Público não tem autoridade para determinar a realização de escuta telefônica lícita, cabendo-lhe somente, em determinadas situações, solicitar a necessária autorização da autoridade judiciária que, após a verificação do preenchimento dos requisitos estabelecidos na Lei 9.296/96, deferirá, ou não, o pedido. 19. Pretendem fazer crer os agravantes que as escutas telefônicas são realizadas de forma corriqueira, em qualquer investigação criminal. Isso não é verdade, uma vez que a citada Lei 9.296/96 impõe rígidos requisitos à concessão da autorização, dentre os quais se destaca a inexistência de outros meios de prova. R.T.J. — 197 601 20. Ademais, é importante observar que a decisão deferitória do pedido de interceptação das comunicações telefônicas, há de ser fundamentada, razão pela qual, ao contrário do afirmado pelos agravantes, a prática só recairá sobre telefones de advogados quando em relação a estes houver indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal, pois em hipótese diversa não seria admitida a escuta, nos termos do inciso I, do artigo 2º, da supracitada Lei.” (grifei) Cabe registrar, neste ponto, quanto ao outro fundamento que dá suporte à decisão agravada, que não se mostra viável atribuir-se, ao Procurador-Geral da República, a responsabilidade por atos emanados dos demais Procuradores da Republica e representantes do Ministério Público Federal, quando estes, no regular e independente desempenho de suas atividades funcionais (cuja prática não se subordina a determinações ou a instruções emanadas do Chefe do Ministério Público da União), apenas requerem, aos únicos órgãos estatais investidos de competência constitucional para decretá-la (que são os magistrados e os Tribunais judiciários), a interceptação de conversações telefônicas, considerada a norma inscrita no art. 5º, XII, da Constituição da República, que consagra o postulado constitucional da reserva de jurisdição. E a razão é simples: não assiste, ao Procurador-Geral da República, competência para ordenar, por autoridade própria, a interceptação de conversações telefônicas, posto que essa matéria está inteiramente regida pelo postulado da reserva constitucional de jurisdição, o que significa que, se abuso qualquer se registrar, será este imputável, unicamente, ao órgão judiciário de que emanou a decretação de medida tão excepcional. Foi por tal motivo que enfatizei, na decisão agravada, que, mesmo que a parte ora recorrente houvesse indicado, em sua petição, um específico pedido de interceptação de comunicações telefônicas, ainda que formulado pelo eminente ProcuradorGeral da República, mesmo assim a alegada situação de injusto constrangimento não seria imputável ao Chefe do Ministério Público da União. Cabe rememorar, neste ponto, a propósito do aspecto ora posto em destaque, pertinente à absoluta ausência de legitimação passiva ad causam do eminente Chefe do Ministério Público da União, para a ação de habeas corpus em referência, o que salientou, em sua correta manifestação, o Senhor Vice-Procurador-Geral da República (fl. 95): “21. Cumpre destacar, ainda, que o princípio da proporcionalidade, invocado pelos recorrentes, revela-se suficiente à demonstração da impossibilidade de provimento deste agravo regimental. 22. Ora, patente é a desproporcionalidade entre a medida pleiteada no habeas corpus, isto é, a de que sejam banidas dos procedimentos penais as interceptações de linhas telefônicas pertencentes a advogados, e o ato eventualmente praticado pelo Ministério Público Federal que se limita a requisitar a medida perante o Poder Judiciário. 23. Uma vez que a requisição depende de autorização do Poder Judiciário para se tornar legítima, clara é a demonstração de que não pratica o Ministério Público Federal ato capaz de violar quaisquer direitos dos pacientes, que jamais terão suas ligações telefônicas interceptadas, senão quando a autoridade judiciária verificar a ocorrência das hipóteses elencadas na legislação disciplinadora da matéria. 602 R.T.J. — 197 24. Enfim, a decisão recorrida está em perfeita harmonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que, de modo uníssono, reconhece não ser admissível o habeas corpus em que o impetrante deixa de atribuir à autoridade apontada como coatora a prática de ato concreto efetivamente abusivo ou revestido de ilegalidade. 25. Não conseguem os recorrentes, em suas razões, indicar qual seria a ilegalidade praticada pelo Procurador-Geral da República. Ainda que o chefe do Parquet fosse o responsável por todos os pedidos de interceptação efetuados no âmbito do Ministério Público Federal, não haveria qualquer indício da prática de comportamento ilegal ou abusivo, pois tais requerimentos são feitos nos termos da lei que regulamenta a parte final do inciso XII, do artigo 5º, da Constituição Federal, comprovando o respeito aos princípios constitucionais que regem o tema.” (Grifei) Não custa acentuar que a mera formulação (sequer comprovada) de pedido de interceptação de conversações telefônicas, ainda que deduzida pelo próprio Chefe do Ministério Público da União, não importa, só por si, enquanto medida de caráter simplesmente postulatório, em ofensa à liberdade de locomoção física de qualquer pessoa, pela razão de que o ato eventualmente configurador de lesão ao status libertatis, quando praticado no contexto de procedimentos de índole penal, somente pode advir de determinação emanada do Poder Judiciário, como resulta inequívoco da cláusula inscrita no art. 5º, XII da Constituição da República. É que a interceptação das comunicações telefônicas — que possui finalidade específica e que sempre depende, para efeito de sua autorização, em período de normalidade institucional, de ordem judicial (CF, art. 5º, XII, in fine) — está submetida ao postulado da reserva constitucional de jurisdição (RTJ 177/229, Rel. Min. Celso de Mello — RTJ 180/191-193, Rel. Min. Celso de Mello), circunstância esta que exclui, por completo, a possibilidade de membros do Ministério Público Federal, como o eminente Procurador-Geral da República, virem a determinar, por autoridade própria, a escuta lícita de conversações telefônicas. Na realidade, não há que se falar em situação de injusto constrangimento, seja ela imputável ao eminente Procurador-Geral da República, seja ela, ainda, atribuível a qualquer membro do Ministério Público Federal, eis que, nos termos do que dispõe a Lei n. 9.296/96 (art. 1º, in fine), “A interceptação de comunicações telefônicas (...) dependerá de ordem do juiz” (grifei), incumbindo, pois, ao Parquet, unicamente, quando for o caso, formular o pedido de escuta, que poderá, ou não, ser ordenado pela autoridade judiciária competente, e por esta apenas. O que não se mostra cabível, no entanto, mesmo no contexto de procedimentos penais, é considerar-se o Senhor Procurador-Geral da República responsável por todos os pedidos de interceptação telefônica, que, no âmbito do Ministério Público Federal, já tenham sido formulados — ou que venham a sê-lo — por Procuradores da República. Isso geraria, como conseqüência, a possibilidade de se imputar, ao Chefe do Parquet, responsabilidade por atos de outrem, tal como pretendido na espécie (fl. 15). R.T.J. — 197 603 A independência funcional dos membros do Ministério Público não admite que o Chefe da Instituição interfira na esfera de atuação de cada integrante do Parquet, mediante incabível determinação das medidas de persecução penal que cada qual deva adotar nos procedimentos em que oficie. O acolhimento da tese sustentada pela parte ora recorrente — que atribui, ao Procurador-Geral da República, para efeito de habeas corpus, a responsabilidade universal pela iniciativa dos pedidos de interceptação telefônica formulados por outros membros do Ministério Público Federal (fl. 15) — culminaria por deslocar, indevidamente, para o Supremo Tribunal Federal, a competência para apreciar atos emanados, não do eminente Procurador-Geral da República (CF, art. 102, I, d), mas, na realidade, praticados por outros integrantes do Parquet federal. A parte ora agravante postula, ainda, em seu recurso, que, “caso este Augusto Supremo Tribunal Federal venha eventualmente a entender que realmente a responsabilidade pelas inconstitucionais interceptações telefônicas é dos Magistrados, deve, diante da índole do Habeas Corpus e da relevância do tema, ser concedida ordem de ofício, em face de todos os Srs. Magistrados, membros do Poder Judiciário Nacional, com competência quanto à matéria criminal, neles compreendidos os Excelentíssimos Senhores Ministros deste Augusto Supremo Tribunal Federal, os Excelentíssimos Senhores Ministros do Superior Tribunal de Justiça, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Federais dos Tribunais Regionais Federais em todas as regiões da República Federativa do Brasil, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados Federados da República Federativa do Brasil, os Excelentíssimos Senhores Juízes de Alçada dos Tribunais de Alçada dos Estados Federados da República Federativa do Brasil, os Excelentíssimos Senhores Juízes Federais de todas as Seções Judiciárias de todas as regiões da República Federativa do Brasil, os Excelentíssimos Senhores Juízes de Direito de todas as Comarcas da Justiça Estadual de todos os Estados Federados da República Federativa do Brasil” (fls. 83/84 — grifei). Entendo que tal pedido, além de absolutamente descabido, apenas coloca em evidência todas as circunstâncias que venho de referir e que inviabilizam, por completo, a cognoscibilidade do presente writ constitucional, consistentes (1) no caráter absolutamente genérico da presente ação, que deixou de indicar qualquer ato concreto ou procedimento específico, em cujo âmbito estariam sendo praticadas medidas caracterizadoras de injusto constrangimento; (2) na inexistência de qualquer situação de injusto constrangimento imputável ao Ministério Público, eis que a mera formulação de pedido de interceptação telefônica (sequer comprovada na espécie) não importa, enquanto medida de índole simplesmente postulatória, em ofensa à liberdade de locomoção física de qualquer pessoa e (3) na absoluta ilegitimidade passiva ad causam da autoridade ora apontada como coatora, seja porque não determinou, a qualquer membro do Ministério Público Federal, fosse requerida a medida excepcional de interceptação de conversações telefônicas, seja, ainda, porque o Procurador-Geral da República não dispõe de competência constitucional para decretar, por autoridade própria, a adoção dessa extraordinária providência de natureza probatória. 604 R.T.J. — 197 Sendo assim, pelas razões expostas, e acolhendo, ainda, o parecer da douta Procuradoria-Geral da República, nego provimento ao presente recurso de agravo, mantendo, por seus próprios fundamentos, a decisão por mim proferida a fls. 35/43. É o meu voto. VOTO (Explicação) O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhor Presidente, o que os impetrantes chamam de intimidade, bem jurídico a preservar, na verdade, é privacidade. São coisas inconfundíveis. A intimidade significa uma relação do indivíduo consigo mesmo, é um monólogo ou solilóquio, é a pessoa humana, por exemplo, escrevendo o seu diário, falando de si para si; ao passo que a privacidade não, já implica uma comunicabilidade, embora en petit comité, mas a privacidade é sempre uma interação, é relacional. A intimidade não, ela não pressupõe essa interação. As duas figuras jurídicas devem ficar bem separadas, bem distintas. Não pode haver confusão porque são figuras técnicas que a Constituição bem separa. EXTRATO DA ATA HC 83.966-AgR/SP — Relator: Ministro Celso de Mello. Agravantes: Advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Seccional de São Paulo, Federação das Associações dos Advogados do Estado de São Paulo – FADESP e outro (Advogados: Ricardo Hasson Sayeg e outro). Agravado: Procurador-Geral da República. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo, nos termos do voto do Relator. Impedido o Dr. Cláudio Lemos Fonteles, Procurador-Geral da República. Ausente, justificadamente, o Ministro Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim. Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles. Brasília, 23 de junho de 2004 — Luiz Tomimatsu, Coordenador. HABEAS CORPUS 84.161 — RJ Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence Pacientes: Fernando Antônio da Câmara Freire, Eliane Magda de Souza Freire ou Eliane Magada de Souza Freire e Ricardo Canedo Cavalcanti ou Ricardo Canedo ou Ricardo Canedo Cavalcante — Impetrante: Sergio Geraldo Moreira Rodrigues Jr. — Coator: Superior Tribunal de Justiça R.T.J. — 197 605 Denúncia: venda de bem alienado fiduciariamente (Código Penal, art. 171, § 2º, I, c/c art. 1º, § 8º, do Dl. 911/6): ausência de descrição de circunstâncias aptas a demonstrar a presença do elemento subjetivo do tipo: inépcia. Não é apta a denúncia, tal como formulada no caso, por deixar de descrever dados de fato necessários à configuração do elemento subjetivo do tipo, quais sejam: que aqueles que adquiriram os bens ignoravam que a coisa pertencia a terceiro; ou que, com a venda, se inviabilizou o direito de a instituição financeira rever a coisa. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Brasília, 29 de junho de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Os pacientes respondem a ação penal por infringência ao art. 171, § 2º, I, Código Penal c/c o art. 1º, § 8º, do DL. 911/69, porque, em nome da sociedade anônima que geriam, teriam vendido a terceiro seis automóveis que, anteriormente, a empresa alienara fiduciariamente a instituição financeira em garantia de empréstimo. Historia a petição de habeas corpus: “Em 26 de maio de 1992, o Banco Pontual S.A. celebrou com a Brasita S.A. Comércio e Indústria um contrato de mútuo, no valor de Cr$ 1.400.000.000,00 (um bilhão e quatrocentos milhões de cruzeiros), convencionando-se o pagamento de uma única prestação, aprazada para o dia 23 de novembro de 1992. A tomadora do empréstimo não honrou a obrigação no prazo pactuado. Em conseqüência, as partes formalizaram um aditamento ao aludido contrato. Firmaram um instrumento de transação, confissão de dívida e outras avenças. Como garantia desse novo ajuste, a devedora alienou fiduciariamente os seis carros mencionados na denúncia. Sucede que se estabeleceu um litígio entre as partes, que não chegavam a um acordo sobre o montante da dívida. A divergência ensejou a propositura de três ações: uma de busca e apreensão, uma execução contra os avalistas e uma execução de penhor mercantil. Esse o contexto em que se insere a ação penal, contra cuja existência se insurge a impetração deste pedido. (...)” 606 R.T.J. — 197 Pretende o impetrante: a) ser abusiva a denúncia, que visa a compelir o devedor pela ameaça penal ao adimplemento da obrigação civil; b) inexistir, no fato nela descrito, a tipicidade criminal, por ausência de dolo penal, mas, quando muito, a presença de dolo civil; c) seja reconhecida a violação do art. 41 do Código de Processo Penal, pois além de a denúncia não especificar o ardil ou a fraude perpetrada, deixou de personalizar as responsabilidades dos sócios da empresa, à qual efetivamente se atribui o desvio; O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Il. Subprocurador-Geral Haroldo da Nóbrega, opinou pelo indeferimento da ordem, pois o art. 66, § 8º, da Lei de Mercado de Capitais (Lei 4.728/65) “reitera o caráter delituoso do fato”, ao afirmar que quem aliena “coisa que já alienara fiduciariamente em garantia ficará sujeito à pena prevista no art. 171, § 2º, I, do Código Penal” (fls. 90/95). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Colhe-se da denúncia a descrição do fato (fls. 18/23): “(...) No dia 13 de maio de 1993, (...) os denunciados Fernando, Ricardo e Elaine, consciente e voluntariamente, em comunhão de ações e desígnios, agindo os dois primeiros como representantes de direito e a terceira denunciada como representante de fato, todos da Brasita S/A, venderam como próprio, a José Antônio da Cunha Gaspar (...), o veículo usado Ford/Del Rey (...), de propriedade fiduciária do Banco Pontual S/A, sendo certo que os denunciados eram fiéis depositários do citado automóvel, o qual fora alienado fiduciariamente em garantia de parte da dívida contraída pela sociedade Brasita, junto ao Banco Pontual, através do contrato de mútuo n. 1.281 (...) Assim agindo obtiveram os denunciados, como representantes da Brasita S/A, vantagem econômica ilícita em prejuízo do Banco Pontual S/A, na medida em que alienaram como próprio o bem pertencente ao Banco Pontual, frustando assim, a medida judicial de busca e apreensão do veículo, intentada pelo lesado junto à 5ª Vara Cível da Comarca da Capital (processo n. 93.001.06857-5) — fls. 31/48. (...)” Relativamente ao mesmo contrato, segue a denúncia descrevendo outras cinco condutas idênticas, alterando-se apenas o dia e os veículos objeto das alienações. E, com relação aos dois últimos veículos que teriam sido alienados, não se afirma que tenha sido frustrada nenhuma medida judicial. R.T.J. — 197 607 Estou em que a denúncia, tal como formulada, deixou de descrever circunstâncias aptas a demonstrar a presença do elemento subjetivo do tipo, quais sejam: que aqueles que adquiriram os veículos dos pacientes ignoravam que a coisa pertencia a terceiro; ou que, com a venda, se inviabilizou o direito de a instituição financeira rever a coisa. Quanto à primeira das circunstâncias, porque, conforme assevera Cezar Roberto Bitencourt1, para a configuração do delito, exige-se “a má-fé do sujeito ativo versus a boa-fé do sujeito passivo”. Quanto à segunda circunstância se, em tese, puder a instituição financeira também ser considerada sujeito passivo do delito e, por isso, independentemente da existência de má-fé por parte daqueles que adquiriram os veículos, ainda assim restar configurado o delito2. Para tanto, contudo, não basta tenha sido frustrada uma busca e apreensão específica — tal como está na denúncia —, mas sim resultar a inviabilidade de perseguir a coisa, circunstância a que não se aludiu. É que ao lado do direito de disposição da coisa, possui o proprietário “o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha” (Código Civil, art. 1.228), como o seria o adquirente a non domino. Repita-se, ademais, que, quanto aos dois últimos veículos a denúncia sequer os indicou como objeto de busca e apreensão. Este o quadro, por ausência de descrição de dado de fato necessário à configuração do elemento subjetivo do delito, defiro a ordem, para anular o processo, a partir da denúncia, inclusive: é o meu voto. EXTRATO DA ATA HC 84.161/RJ — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Pacientes: Fernando Antônio da Câmara Freire, Eliane Magda de Souza Freire ou Eliane Magada de Souza Freire e Ricardo Canedo Cavalcanti ou Ricardo Canedo ou Ricardo Canedo Cavalcante. Impetrante: Sergio Geraldo Moreira Rodrigues Jr. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Unânime. Não participou deste julgamento o Ministro Cezar Peluso. Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Compareceu o Ministro Joaquim Barbosa a fim de julgar processos a ele vinculados. Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida. Brasília, 29 de junho de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador. 1 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 2. ed. Saraiva, 2004, p. 761. 2 FRAGOSO, Heleno C. Lições de Direito Penal. 2ª, Bushatsky, 1962, 2º/355. 608 R.T.J. — 197 HABEAS CORPUS 84.660 — SP Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto Paciente: Denísio Rodrigues de Morais ou Denísio Rodrigues de Moraes — Impetrantes: PGE/SP – Waldir Francisco Honorato Junior (Assistência Judiciária) e outro — Coator: Superior Tribunal de Justiça Habeas corpus. Revogação do sursis processual após o período de prova, mas por fatos ocorridos até o final daquele período. Pretensão de ser declarada extinta a punibilidade do paciente, que estaria consumada no momento em que se verifica o término do período de prova. A interpretação do § 5º do art. 89 da Lei n. 9.099/95 permite concluir pela inexistência de óbice a que o juiz decida acerca da revogação do sursis ou da extinção da punibilidade após o término do período de prova. Assim, pode haver a revogação mesmo depois de expirado o referido período, desde que motivada por fatos ocorridos até o seu término. Precedente: HC 80.747. Caso em que a revogação do benefício, embora requerida após ultimado o período de prova, se lastreou em fato ocorrido durante esse período, ensejando instauração de processo e condenação com trânsito em julgado, antes mesmo do fim do referido biênio probatório. Essa informação de julgamento condenatório definitivo afasta, inclusive, o exame da constitucionalidade do § 3º do art. 89 da Lei n. 9.099/95, à luz da presunção de não-culpabilidade. Habeas corpus indeferido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir o habeas corpus. Brasília, 15 de fevereiro de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de habeas corpus, impetrado contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça assim ementado (fl. 93): “Penal. Suspensão condicional do processo. Réu processado por novo crime no curso do período de prova. Revogação automática do sursis mesmo que ultrapassado o lapso probatório. Recurso provido. I - A suspensão condicional do processo é automaticamente revogada, se, no período probatório, o réu vem a ser processado pela prática de novo crime. R.T.J. — 197 609 II - Sendo a decisão revogatória do sursis meramente declaratória, não importa que a mesma venha a ser proferida somente depois de expirado o prazo de prova. III - Recurso provido, nos termos do voto do Relator.” 2. Com a decisão, reformou-se o entendimento firmado pelas instâncias ordinárias, que extinguiram a punibilidade do paciente, uma vez que, quando o pedido de revogação do benefício foi solicitado pelo membro do Ministério Público já havia expirado o período de prova (art. 89, § 5º, da Lei n. 9.099/95). Daí a presente impetração, na qual se alega que a decisão impugnada teria admitido uma ilegal prorrogação do sursis processual. Segundo o impetrante, “diante da inexistência de norma possibilitando a prorrogação é inquestionável que a extinção da punibilidade está consumada no momento em que se verifica o término do período de prova da suspensão condicional do processo” (fl. 9). E o que pedem os peticionários? Pedem a concessão da ordem para restabelecer o acórdão estadual que decretou a extinção da punibilidade. 3. A douta Procuradoria-Geral da República, a seu turno, opinou pelo indeferimento, reportando-se a precedente desta colenda Corte sobre o tema e ao pronunciamento do Parquet no STJ, lavrado nos termos seguintes (fl. 104): “(...) 5. O fato de o beneficiário vir a responder a outro feito criminal durante o período de prova do sursis processual acarreta na revogação do benefício, conforme preceitua o parágafo 3º do art. 89 da Lei n. 9.099/95, assim descrito: (...) 6. Mesmo que o reconhecimento da existência de processo criminal contra o beneficiário seja posterior ao período de prova, deve-se revogar a suspensão condicional do processo. Ex vi legis, a revogação do benefício, nessa hipótese, é automática, sendo a sentença revogatória de natureza meramente declaratória. Somente se cogita da extinção da punibilidade prevista no § 5º do mencionado artigo, assim, caso esteja comprovada — o que não acontece no caso sub judice — a perfeita adequação às condições legais (incisos I a IV e § 2º do mesmo artigo). 7. In casu, verifica-se que o beneficiário foi processado criminalmente durante o período de prova do sursis processual e que, antes da sentença de extinção da punibilidade, o benefício foi revogado. (...)” É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Feito o relatório, passo ao voto. 6. Ao apreciar medida liminar requerida no presente writ, consignei, in verbis (fl. 98): 610 R.T.J. — 197 “Em que pesem os bem lançados argumentos do combativo impetrante, os documentos juntados aos autos demonstram, à primeira vista, que a revogação da suspensão condicional do processo, embora posterior ao período de prova, fundou-se na prática de outro crime, cometido antes do término daquele período. Assim sendo, não haveria, a princípio, o propalado constrangimento ilegal. Nesse sentido, o HC 80.747, Rel. Min. Sepúlveda Pertence.” 7. Como apontado no despacho transcrito, a matéria não é nova, tendo sido apreciada por esta colenda Corte no precedente citado (HC 80.747). Naquela ocasião, o Relator do feito, em. Min. Sepúlveda Pertence, elaborou ementa explicativa sobre a questão, que pela clareza e precisão agora reproduzo: “(...) II - Suspensão condicional do processo. 1. Suspenso condicionalmente o processo, não cabe ao juiz, ainda no curso do período respectivo, declarar parceladamente cumpridas — com força decisória de sentença definitiva — cada uma das condições a cuja satisfação integral ficou subordinada a extinção da punibilidade: se antes não adveio revogação por motivo devidamente apurado, é que incumbe ao Juiz, findo o período da suspensão do processo, declarar extinta a punibilidade — aí, sim, por sentença — ou, caso contrário, se verifica não satisfeitas as condições, determinar a retomada do curso dele. 2. A decisão que revoga a suspensão condicional pode ser proferida após o termo final do seu prazo, embora haja de fundar-se em fatos ocorridos até o termo final dele.” (Sem destaque no original) 8. Pois bem, como mencionado quando da liminar, a revogação do benefício, embora requerida após o término do período de prova, fundou-se em fato ocorrido durante o biênio probatório, qual seja, a prática de outro crime, com nova ação penal contra o paciente (fl. 21). 9. Nesse contexto, aplicando o precedente citado ao caso concreto, não há falar-se em constrangimento ilegal, razão pela qual meu voto indefere o habeas corpus. 10. É como voto. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, a Lei n. 9.099/95 realmente contenta-se com o fato de vir o beneficiário da suspensão a ser processado por outro crime ou, então, deixar de reparar o dano causado com a ação delituosa que deu margem ao processo e à suspensão operada. Questiono-me quanto à harmonia desse texto com o teor da Carta da República, no que encerra o princípio da não-culpabilidade. Ora, a consideração do simples fato de estar sendo processado o beneficiário da suspensão não contraria esse princípio? O que pode ocorrer quando, por vezes, tem-se mesmo uma precipitação de fatos objetivando a simples estatística, dar solução a episódios criminosos, em que então se faz nascer processo que por vezes deságua na absolvição do processado? R.T.J. — 197 611 Imaginemos uma situação concreta em que se parta para a aplicação da regra tal como se contém no § 3º do artigo 89 e em que, posteriormente, mediante sentença transitada em julgado, venha a ser selada a absolvição do acusado. Há conformidade do sistema a levar-se a esse ponto o que está aludido no § 3º? Esse § 3º convive com o princípio da não-culpabilidade? A meu ver, quando se agasalha a cassação — que, para mim, no caso, surge com “ç”, não com “ss” — do benefício, a partir da existência de um simples processo, coloca-se em segundo plano o princípio da não-culpabilidade. Dá-se o prejuízo relativamente ao envolvido sem que a culpa ou o dolo, no processo subseqüente, esteja selada. PROPOSTA DE REMESSA AO PLENO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Creio ser caso de afetar o caso ao Pleno: o Ministro Marco Aurélio suscita a inconstitucionalidade da lei. O precedente referido por Sua Excelência dizia respeito à não-reparação de danos no período da suspensão. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Aí diz respeito ao próprio processo, em que ocorrida a suspensão. EXTRATO DA ATA HC 84.660/SP — Relator: Ministro Carlos Britto. Paciente: Denísio Rodrigues de Morais ou Denísio Rodrigues de Moraes. Impetrante: PGE/SP – Waldir Francisco Honorato Junior (Assistência Judiciária) e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Decisão: A Turma decidiu remeter o presente pedido de habeas corpus a julgamento do Tribunal Pleno, a fim de resolver questão de constitucionalidade suscitada pelo Ministro Marco Aurélio. Unânime. 1ª Turma, 31-8-2004. Decisão: Retirado da mesa do Plenário por indicação do Relator. Presidência do Ministro Nelson Jobim. Plenário, 22-9-2004. Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas. Brasília, 15 de fevereiro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador. HABEAS CORPUS 84.682 — SP Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso Paciente: Diego Rodrigues Batista — Impetrante: PGE/SP – Waldir Francisco Honorato Junior (Assistência Judiciária) — Coator: Superior Tribunal de Justiça Infância e juventude. Menor. Ato infracional. Representação. Procedência. Regime de semiliberdade. Execução socioeducativa. Nova 612 R.T.J. — 197 apreensão por ato infracional grave. Instauração de outra representação. Nova medida de semiliberdade. Substituição conseqüente do primeiro regime por internação sem prazo determinado. Aplicação extensiva do art. 113 do ECA (Lei n. 8.069/90). Inadmissibilidade. HC deferido. Inteligência dos arts. 110, 111 e 122 do ECA. Não é lícito, sobretudo em processo de execução socioeducativa, substituir medida de semiliberdade, imposta em processo de conhecimento, por internação sem prazo determinado, à conta de novo ato infracional do adolescente. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro Eros Grau. Brasília, 22 de março de 2005 — Cezar Peluso, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de Habeas Corpus impetrado em favor de Diego Rodrigues Batista, contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça que lhe denegou o HC n. 31.762. O ora paciente foi alvo de representação perante a 4ª Vara Especial da Infância e Juventude de São Paulo (Proc. n. 2581-2), pela prática de ato infracional equiparado ao roubo. Posto em regime de semiliberdade, instaurou-se a ação de execução socioeducativa n. 49.288/01, junto ao Departamento de Execuções da Infância e Juventude de São Paulo. No curso do regime, entretanto, sem retornar da escola, foi apreendido de novo pela prática de ato infracional grave (roubo) e objeto doutra representação, agora na 3ª Vara Especial da Infância e Juventude (Proc. n. 4433-7), sendo-lhe aplicada nova medida de semiliberdade. A juíza do Departamento de Execuções, ao tomar conhecimento do incidente, determinou a substituição do regime original de semiliberdade por internação-sanção prevista no inc. III do art. 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente (fl. 44). E, ao depois, à vista do laudo psicossocial, substituiu a internação-sanção por internação sem prazo certo (fl. 49). Impetrou-se, então, ordem de habeas corpus perante a Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sob alegação de constrangimento ilegal, consistente na regressão da medida para internação sem prazo. O writ foi denegado. R.T.J. — 197 613 O impetrante recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, aduzindo violação ao princípio da legalidade, por inobservância da regra inserta no § 1º do art. 122 do mesmo Estatuto. A Sexta Turma daquele tribunal denegou a ordem, em acórdão de cuja ementa consta: “Habeas Corpus. ECA. Internação. Reiteração na prática de ato infracional. Medida sócio-educativa. Substituição. Possibilidade (artigo 122, inciso II, do ECA). 1. ‘1. A disposição inserta no artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente não exclui, por óbvio, a substituição da medida de semiliberdade pela de internação, quando esta for a medida compatível com a situação do adolescente e aquela, demonstradamente, insuficiente, como é da letra do artigo 99, combinado com o artigo 113, do mesmo diploma legal. 2. A única exigência legal em casos tais é a de que o ato infracional, em natureza, admita a medida de internação ou haja reiteração no cometimento de outras infrações graves (ECA, artigo 122, incisos I e II). 3. Em se aplicando medida sócio-educativa diversa da internação, em razão da prática de ato infracional que a comporta, nada impede, e antes, determina, que o magistrado, exigindo a situação do menor, substitua a medida menos gravosa por aqueloutra permitida na lei’ (HC 29.263/SP, da minha Relatoria, in DJ 19-122003). 2. Ordem denegada”. Sustenta, agora, o impetrante que “não resta dúvida de que, ao preservar o acórdão estadual, a Turma do Superior Tribunal de Justiça violou o princípio da legalidade, uma vez que foi omisso com relação ao § 1º do artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece que ‘o prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a três meses’” (fl. 06). E requer “a concessão da ordem para determinar a observância do prazo estabelecido no § 1º do artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente” (fl. 11). O pedido liminar foi indeferido (fl. 100). O Ministério Público Federal manifestou-se pelo indeferimento da ordem (fl. 126). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Cezar Peluso: (Relator): 1. Observo, desde logo, que o disposto no art. 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente está em harmonia com as “Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude”, especialmente no que se refere ao caráter excepcional da institucionalização1, ao dispor: 1 Ponto 19.1. A internação de um jovem em uma instituição será sempre uma medida de último recurso e pelo mais breve período possível 614 R.T.J. — 197 “Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”. À sua luz devem interpretadas as condições a que se sujeita a internação, todas exaustivamente enumeradas no art. 122: “A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. § 1º O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a 3 (três) meses. § 2º Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada”. Da conjugação das duas primeiras hipóteses legais (incs. I e II), que pedem a apuração de ato qualificado pelos caracteres de grave ameaça ou violência contra a pessoa, ou da reincidência de quem, já tendo sofrido a aplicação dalguma medida, tenha voltado a cometer atos infracionais graves, vê-se que o momento processual para a aplicação da medida de internação é o do juízo de mérito que, na ação socioeducativa, esgota o ofício jurisdicional de conhecimento. A terceira hipótese (inc. III), essa pressupõe o descumprimento reiterado e injustificável de medida, sem a prática de novos atos infracionais, o que significa autêntica regressão ao regime de internação, determinada no âmbito do juízo executório. As duas primeiras não comportam prazo certo de internação, cuja subsistência deve reavaliar-se, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada 6 (seis) meses. E a aplicada no caso do inc. III não poderá exceder a 3 (três) meses. 2. O paciente, inicialmente posto no regime de semiliberdade, em razão da prática de ato infracional equiparado ao delito de roubo (Proc n. 2.581-2), ao não retornar da escola, foi de novo apreendido pela prática de ato infracional grave (roubo qualificado), em razão do qual submeteu-se a nova ação socioeducativa (Proc. n. 4.433-7), perante a 3ª Vara Especial da Infância e Juventude de São Paulo, que ao cabo do processo lhe aplicou nova medida de semiliberdade. Diante disso, a juíza do Departamento de Execuções da Infância e da Juventude ordenou-lhe internação-sanção, até que fosse ouvido em audiência (Proc. Ex. n. 49.288/01). Inquirido, o ora paciente informou: “permaneceu pouco tempo na semiliberdade, afirmando que teve problemas com outros adolescentes na unidade, de compleição física mais avantajada. Que passa muito tempo pelas ruas, inclusive dormindo fora de casa, praticando atos infracionais para sobreviver. Usa entorpecentes. Tem 13 anos de idade”. R.T.J. — 197 615 Foi daí prorrogada a internação-sanção, com apoio no inc. III do art. 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente, para realização de avaliação psicossocial, cujo laudo concluiu que “o paciente não apresenta juízo crítico satisfatório relativamente a sua conduta, bem como a imperiosidade de receber tratamento psicológico sistemático antes de sua reinserção social” (fl. 48). Diante desse quadro, decidiu o juízo pela substituição da internação-sanção por medida de internação com prazo indeterminado, no processo executivo. Tenho que nisso exorbitou. O juízo da execução transpôs os limites do título executório, a finalidade da execução e o alcance mesmo do art. 122 do ECA, em agindo como verdadeira instância de conhecimento, ao arrepio do devido processo legal (due process of law). Mauro Campello2 acentua: “A execução das medidas sócio-educativas caracteriza-se como uma função jurisdicional, uma vez que há necessidade de sua jurisdicionalização e conseqüente formação de um processo, para que o Estado-Juiz através de suas decisões possa conhecer e compor os denominados incidentes que venham a surgir na execução e garantir dessa forma o devido processo legal, propiciando a ampla defesa e o contraditório, ao adolescente a quem se aplicou a sanção sócio-educativa”. E conclui3: “Para a ação de execução sócio-educativa teremos como pressuposto básico para sua formação a existência de um título executivo, nascido de uma sentença proferida antes da formação da ação sócio-educativa, na hipótese de homologação da remissão por Juízo competente transacionada pelo Ministério Público com o adolescente em conflito com a lei, aplicando-se cumulativamente a este a medida(s) sócio-educativa(s), ou no curso da ação sócio-educativa, quando esta mesma transação ocorre antes da sentença final, ou ainda, na própria sentença final, que julga procedente o pedido condenatório contido na representação ministerial, aplicando medida sócio-educativa”. (...) “Do exposto, verificamos que a finalidade da ação de execução sócio educativa é o provimeno satisfativo da pretensão do Estado em aplicar ao adolescente em conflito com a lei medida(s) sócio-educativa(s), denominado provimento executivo sócio-educativo”. No caso, a aplicação da medida de internação por prazo indeterminado não decorreu da prática daquele segundo ato infracional, objeto de processo específico (Proc. n. 4.433-7), mas, sim, da só consideração dele como descumprimento do regime de semiliberdade, como pode confirmar-se à correspondente decisão: 2 CAMPELLO, Mauro. “Da Necessidade de uma Ação de Execução de Medida Sócio-Educativa”. Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina. Santa Catarina: v. 5, ano 4, p. 276. 3 Op. cit., p. 277. 616 R.T.J. — 197 “Em face do exposto, ficando evidenciado, de forma cristalina, a inaptidão do jovem, ao menos por ora, para permanecer no meio aberto/semi-aberto, bem como a manifesta inadequação da medida anteriormente estabelecida (semiliberdade) para lograr a sua recuperação, hei por bem, com espeque nos artigos 99, 100, e 113 da Lei 8.069/90, determinar a substituição da medida de semiliberdade pela de internação, por prazo indeterminado”. (Fl. 49) Leitura desconexa das normas invocadas pode sugerir a existência doutra espécie de internação legal, a título substitutivo, sob o pressuposto de que às medidas socioeducativas se aplicam as disposições convenientes às medidas de proteção, o que autorizaria, dentre outras, a substituição do regime de semiliberdade pela internação. Vejamos: “Art. 113. Aplica-se a este Capítulo4 o disposto nos arts. 99 e 100”. “Art. 99. As medidas previstas neste Capítulo5 poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo. Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários”. Convenceu-me, no julgamento recente do HC n. 84.603, o voto do Rel. Min. Sepúlveda Pertence, de não ser possível substituição de uma medida, seja de proteção, seja socioeducativa, por outra de internação (internação-substituição): “Também estou convencido de que não há falar-se em ‘internação-substituição’ com fundamento no art. 113 do ECA 8.069/90, tendo em vista que a substituição — na linha da tese adotada no HC 74.715, 2ª T., Maurício Corrêa, DJ de 16-5-97 — somente é aplicável quanto às medidas específicas de proteção (arts. 101; e 112, VII). A conclusão, além de reforçar-se pelo regime da medida de internação, ‘sujeita aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento’ (art. 121), advém da tipicidade estrita das hipóteses que a autorizam. É dizer, o art. 113 deve ser interpretado no sentido de que se aplica ao capítulo que trata das medidas sócio-educativas (IV) a substituição, a qualquer tempo, das medidas de proteção a que se referem os arts. 99 e 100: não é possível, pois, a substituição de uma medida — de proteção ou sócio educativa — por outra de internação. Assim, a prática de ato infracional ‘mediante grave ameaça ou violência a pessoa’ ou a reiteração ‘no cometimento de outras infrações graves’ (Art. 122, I e II, respectivamente), embora justifiquem, per si — após o procedimento de apuração do ato infracional, com as garantias previstas —, a aplicação da medida de internação de que trata o art. 121, não servem para fundamentar a substituição da medida já aplicada por uma de internação. 4 Esse capítulo se refere às “Medidas Sócio-Educativas”. 5 Esse capítulo se refere às “Medidas Específicas de Proteção”. R.T.J. — 197 617 Praticado ato infracional mediante violência ou grave ameaça à pessoa — como se afirma, apurado em procedimento diverso —, dele poderia resultar, eventualmente, a aplicação da medida internação (art. 122 do ECA). Mas esse fato, no caso, não poderia justificar, também, em procedimento diverso, a substituição por medida de internação disciplinada no 121 do ECA”. A Segunda Turma, no julgamento do HC n. 74.715 (Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 16-5-1997), por unanimidade, decidiu: “Habeas corpus. Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90). Regime de semiliberdade: descumprimento: fuga do adolescente: ausência do requisito da reiteração. Inaplicabilidade da medida de internação. Decisão ultra petita. 1. Na hipótese do art. 122, inciso III, da Lei n. 8.069/90, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), faltando reiteração injustificada no descumprimento da medida sócio educativa de inserção em regime de semiliberdade (art. 112, V), a internação não pode ser aplicada. 2. As medidas específicas de proteção, referidas nos artigos 99 e 100 do ECA, são as alinhadas nos incs. I a VIII do art. 101 do mesmo Estatuto, as quais poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente (mais de uma dentre as oito), bem como substituídas (uma por outra ou mais de uma por outras, mas sempre dentre as oito). 3. É certo que o art. 101 admite outras medidas além das oito específicas, mas da mesma natureza e mesmos objetivos, isto é, pedagógicas e que ‘visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários’, o que torna incabível a determinação de internação, por constituir medida sócio-educativa privativa da liberdade e não medida específica de proteção. 4. Considera-se decisão ultra petita o acórdão que diante do requerimento do representante do Ministério Público, objetivando a internação-sanção pelo prazo de três meses (§ 1º do art. 122), entendeu de afastar a aplicação do art. 122, III, e determinar, como incidente da execução, a regressão do adolescente ao regime de internação que pode durar até três anos (§ 3º do art. 121). 5. Habeas corpus deferido”. Tal inteligência está em harmonia com as diretrizes básicas de tutela do adolescente, à medida que atende ao caráter singular da institucionalização. A internação é medida excepcional e, como tal, deve aplicada nos casos específicos do art. 122 da Lei n. 8.069/90, donde não lhe quadrar aplicação extensiva do art. 113, em afronta ao princípio da tipicidade estrita das fattispecie que a autorizam. É que a medida privativa de liberdade, consoante preceitua o art. 110, somente poderá aplicada com a observância das garantias processuais previstas no art. 111. Ora, não se pode abstrair que a apuração do ato infracional atribuído ao ora paciente e a conseqüente aplicação da medida de semiliberdade reverenciaram as exigências do justo processo da lei (due process of law), em particular as do contraditório e da ampla defesa. De modo que, suposto admissível, em tese, internação pela prática de ato infracional mediante grave ameaça ou violência à pessoa, o locus processual para decidi-la é o juízo de mérito da ação socioeducativa, cujo procedimento seja governado por aquela garantia constitucional. Aplicado regime de semiliberdade 618 R.T.J. — 197 no processo de conhecimento, não é lícito ao juízo da execução substituí-la por internação sem prazo determinado. Ademais, se até para a aplicação da internação-sanção, prevista no inc. III do art. 121 do ECA, imperioso seria o “descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta”, um único descumprimento não bastaria, para a contrario sensu, justificar a regressão. 3. Ante o exposto, defiro a ordem, para restabelecer a medida de semiliberdade, sem prejuízo de se cumularem as medidas de proteção enumeradas nos incs. II, III, IV, e, especialmente, VI, do art. 101 da Lei n. 8.069/90. EXTRATO DA ATA HC 84.682/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: Diego Rodrigues Batista. Impetrante: PGE/SP – Waldir Francisco Honorato Junior (Assistência Judiciária). Coator: Superior Tribunal de Justiça. Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Unânime. Ausente, justificadamente, o Ministro Eros Grau. Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso e Carlos Britto. Ausente, justificadamente, o Ministro Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Delza Curvello Rocha. Brasília, 22 de março de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador. HABEAS CORPUS 84.738 — PR Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio Paciente e Impetrante: Ivanir Francisco Ogliari — Coator: Superior Tribunal de Justiça Ação penal — Ausência de justa causa — Trancamento. O trancamento da ação penal por órgão diverso do retratado como juiz natural pressupõe que os fatos na denúncia não consubstanciem crime, ou que haja incidência de prescrição ou defeito de forma, considerada a peça inicial apresentada pelo Ministério Público. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, indeferir o pedido de habeas corpus. Brasília, 14 de dezembro de 2004 — Marco Aurélio, Relator. R.T.J. — 197 619 RELATÓRIO O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ao proceder ao exame do pedido de concessão de medida acauteladora, assim sintetizei o caso: 1. A inicial revela haver a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná recebido denúncia contra o paciente e impetrante, prefeito do Município de Coronel Vivida, acusado de haver se utilizado de bem público para projeção pessoal. É que, segundo a denúncia, teria buscado emplacar veículo da prefeitura com as letras iniciais do próprio nome, o número do partido e aquele com o qual concorreu em certo ano à prefeitura. Na peça procura-se demonstrar o descompasso entre as iniciais do nome Ivanir Francisco Ogliari – IFO e as letras da placa — AIO. Relativamente aos números, sustenta-se que não compõem as dezenas, mas um milhar, ou seja, 1555 e não 15 e 55. Assevera-se que a denúncia resultou de insurgimento de opositores, em disputa relativa a eleições. Afirma-se ausente a antijuridicidade, citando-se precedentes, e requer-se a concessão de medida acauteladora que suspenda, até o julgamento final deste habeas, o trânsito do processo em curso. À inicial juntaram-se os documentos de folhas 7 a 38. A Procuradoria-Geral da República emitiu o parecer de folhas 47 a 50, pelo indeferimento da ordem. Lancei visto no processo em 6 de dezembro último, designando, como data do julgamento, a de hoje, isso com a finalidade de dar ciência ao representante processual do paciente. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A óptica inicialmente assentada serve ao indeferimento da ordem: “2. A ementa do acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça bem denota o entendimento sufragado pela Corte (folha 29): Habeas corpus. Denúncia. Inépcia. Ex-prefeito municipal. Crime de responsabilidade. Decreto-Lei n. 201/67. Ausência de justa causa para a ação penal. Exame aprofundado de provas. Em sede de habeas corpus, conforme entendimento pretoriano, somente é viável o trancamento de ação penal por falta de justa causa quando, prontamente, desponta a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou se acha extinta a punibilidade, circunstâncias não evidenciadas na espécie. Eventual capitulação errônea dos fatos narrados na denúncia não tem o condão de eivar de inépcia a peça acusatória, porquanto o réu defende-se dos fatos por ela objetivamente descritos e não da qualificação jurídica atribuída ao fato delituoso. Precedentes. A via estreita do writ é inviável para se pretender afastar a responsabilidade do ora paciente pelo suposto ilícito praticado, já que só a instrução criminal pode definir quem concorreu, quem participou ou quem ficou alheio à ação ilícita. Ordem denegada. 620 R.T.J. — 197 Conforme consignado pelo Tribunal de Justiça do Paraná, pretendeu-se emplacar veículo de passeio — Marea — da prefeitura — certamente, pela espécie, o que viria a servir ao paciente-impetrante — com certas letras e números. Para tanto, pagara-se, inclusive, determinado valor. Levou-se em conta que as letras IO revelam as iniciais do prenome e do nome do paciente, muito embora o prenome se mostre composto — Ivanir Francisco. A letra A, que antecedeu a IO, seria sempre precedente nas placas. No tocante ao número, empregara-se o mesmo do partido em eleição anterior — 15 — e aquele com o qual o paciente concorreu — 55. Então, considerou-se aparelhada a denúncia e fez-se ver que somente com a instrução penal seria dado concluir pela manobra utilizada e, portanto, pelo uso de bem público em proveito próprio. Eis o trecho do acórdão prolatado (folha 12): Se o acusado teve por objetivo a promoção pessoal ao escolher símbolos e marcas vinculados à sua pessoa, só a instrução deslindará. Está-se diante de situação concreta que não apresenta excepcionalidade maior a ditar a suspensão do processo em curso, pouco importando que se avizinhem eleições, e que possa repercutir na caminhada política do paciente. O momento de perceber-se essa circunstância há muito foi ultrapassado, valendo notar a alvissareira quadra ora vivida, com mudança cultural no que concerne à maneira de se lidar com a coisa pública.” Há de se aguardar a tramitação da ação penal, tal como consignou o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, cabendo ressaltar que o trancamento da ação somente é possível quando os fatos narrados na denúncia não consubstanciam tipo penal, haja incidido a prescrição ou se tenha defeito de forma quanto à peça primeira apresentada. Indefiro a ordem. EXTRATO DA ATA HC 84.738/PR — Relator: Ministro Marco Aurélio. Paciente e Impetrante: Ivanir Francisco Ogliari (Advogado: Reginaldo Fanchin). Coator: Superior Tribunal de Justiça. Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas. Brasília, 14 de dezembro de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador. R.T.J. — 197 621 HABEAS CORPUS 84.802 — SP Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio Paciente: Vicente de Paulo Almeida ou Vicente de Paula Almeida — Impetrante: Marcelo Rachid Martins — Coator: Superior Tribunal de Justiça Prisão — Pronunciamento condenatório — Impropriedade. A condenação, por si só, não respalda a prisão do agente. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Primeira Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, vencido o Ministro Carlos Britto, em deferir o habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Brasília, 19 de outubro de 2004 — Marco Aurélio, Presidente e Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ao apreciar o pedido de concessão de medida acauteladora, assim sintetizei este habeas: Colho da inicial, de folhas 2 a 7, que o paciente foi denunciado como incurso no tipo do artigo 149 do Código Penal — “reduzir alguém à condição análoga à de escravo”. O decreto condenatório vinculou a interposição do recurso — a apelação — ao recolhimento do acusado à cadeia. Articula-se com a transgressão do inciso LVII do artigo 5º da Carta da República, segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Insiste-se no direito de, sem a antecipação do cumprimento da pena, ver-se julgada a apelação e, portanto, aferido o merecimento da sentença. A liminar visa à expedição de contramandado. À peça primeira desta ação constitucional juntaram-se os documentos de folhas 8 a 344. Remetidos os autos à Procuradoria-Geral da República, pronunciou-se a Subprocuradora Dra. Delza Curvello Rocha pelo indeferimento da ordem. Lancei visto no processo em 3 de outubro, designando, como data do julgamento, a de hoje — 19 de outubro —, isso objetivando a ciência do impetrante. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Na sentença proferida, simplesmente determinou-se a expedição de mandado de prisão, sem lançar-se, sequer, as razões respectivas: Expeça-se mandado de prisão, remetendo-se cópias inclusive para o Estado de Minas Gerais (folha 130). 622 R.T.J. — 197 O Superior Tribunal de Justiça resumiu as razões pelas quais indeferiu a ordem na seguinte ementa (folha 342): Criminal. HC. Redução a condição análoga à de escravo. Apelação em liberdade. Gravidade do crime. Personalidade voltada para a prática de delitos. Fundamentação suficiente para a custódia. Réu solto durante a instrução do processo. Irrelevância. Necessidade de garantia da ordem pública. Dosimetria. Supressão de instância. Ordem parcialmente conhecida e denegada. I. Hipótese em que o paciente foi condenado por manter dez pessoas em condições análogas às de escravos, apoderando-se de seus documentos, obrigando-as a realizar trabalhos imoderados, em extensa jornada, e submetendo-as a péssimas condições de higiene, saúde, alimentação e moradia. II. Não há ilegalidade na decisão monocrática que não reconheceu, em favor do paciente, o benefício de apelar solto, bem como no acórdão confirmatório do encarceramento, quando sobressai suficiente fundamentação. III. A gravidade do crime praticado pelo sentenciado, em flagrante desencontro com as intenções do Estado Brasileiro, no sentido da erradicação do trabalho escravo, e também a personalidade voltada para a prática deste delito, pois, nem mesmo o início da ação judicial envolvendo os fatos praticados pelo réu impediu que ele continuasse a aliciar outras pessoas da região, submetendo-as às mesmas condições de trabalho das vítimas, mostram-se hábeis à manutenção da custódia. IV. Aspectos suficientes para impedir a revogação da prisão como garantia da ordem pública, extremamente abalada pelos delitos praticados pelo réu, encontrando amparo no art. 312 do Código de Processo Penal. V. O simples fato de o paciente ter permanecido solto durante a instrução criminal não obsta a negativa ao apelo em liberdade, se evidenciados, na ocasião em que proferida a sentença condenatória, os requisitos da segregação preventiva. VI. Precedentes desta Corte. VII. Pleito de reexame da dosimetria da pena. VIII. Alegação não apreciada pelo Tribunal a quo. IX. O exame da matéria por esta Corte ocasionaria indevida supressão de instância. X. Ordem parcialmente conhecida e denegada. Reitero o que tive oportunidade de consignar ao deferir a medida acauteladora: Observe-se a ordem natural das coisas, no que revela impertinente a execução provisória da sentença proferida. A liberdade é bem maior que, perdida no correr do tempo, não é passível de devolução. O paciente respondeu ao processo em liberdade. Eis que veio à balha sentença que consigna a necessidade de a punição ser exemplar e, aí, fazendo referência, é certo, à periculosidade, à repetição de fatos, o Juízo caminhou para a concretude imediata, a execução precoce e, portanto, conflitante com a ordem jurídica. Nem mesmo o receio latente, em R.T.J. — 197 623 qualquer caso, de o condenado deixar o distrito da culpa é suficiente, sob o ângulo jurídico-constitucional, a ditar a providência drástica retratada no pronunciamento judicial, já confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e pelo Superior Tribunal de Justiça. Reitero que a fuga é um direito natural, exercitado por quem se sinta, mesmo mediante óptica improcedente, alvo de uma injustiça. A fundamentação da sentença serve, a rigor, a qualquer processo que deságüe em condenação e, aí, o mencionado princípio da não-culpabilidade como que se torna algo simplesmente formal, meramente lírico, e não uma garantia, como realmente é, do cidadão. Atente-se para a premissa de que, em Direito, o meio justifica o fim e não este, aquele, devendo ser respeitada a organicidade e dinâmica que lhe são próprias. Do contrário, ter-se-ão parâmetros distanciados das peculiaridades que evidenciam o verdadeiro Estado Democrático de Direito, prevalecendo a força, e não a ciência jurídica. É como voto. VOTO O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Vou pedir vênia a Vossa Excelência para não acompanhar o voto tão bem formulado. Porém, impressionou-me muito a própria fundamentação do juiz, em determinada passagem, ao condenar o réu, ora paciente, dizendo que ele revelou personalidade e conduta social nada menos do que sórdidas, não havendo palavras para adjetivar a real dimensão de sua insensibilidade e crueldade, impondo observar que, além do quanto já acima disse, que entre as vítimas havia dois menores de idade. Ou seja, estamos diante de um caso de manutenção de trabalho escravo, que infelizmente no Brasil toma vulto. Logo a valorização do trabalho que a Constituição tem como fundamento da República, art. 1º, IV, e art. 170, caput, da Ordem Econômica. Aliás, a Constituição prestigia tanto o trabalho que chega a dizer, no art. 193, que o primado dele é a própria base da sociedade. O Ministério Público também me impressionou, na sua quota, no sentido de entender que a decisão judicial se encontra fundamentada nos precisos termos do art. 594 do Código de Processo Penal. Em suma, peço vênia a Vossa Excelência para não conceder a ordem, Senhor Presidente. O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Apenas ressaltaria que o título da prisão tem o seguinte teor: “expeça-se mandado de prisão, remetendo-se cópias inclusive para o Estado de Minas Gerais.” Tout court. Agora, na sentença, quanto ao texto condenatório, faz-se referência, realmente, ao denominado “trabalho escravo”. Ora, é possível se chegar à execução dessa mesma sentença sem se lançar premissas referentes à prisão preventiva, já que se respondeu ao processo em liberdade, quando não há ainda a cobertura da preclusão maior? Foi o que disse: o conteúdo do título serve a qualquer processo: “Expeça-se mandado de prisão, remetendo-se cópias inclusive para o Estado de Minas Gerais.” 624 R.T.J. — 197 Tem-se caso exemplar de expedição de mandado de prisão a partir apenas da condenação do acusado, condenação ainda não transitada em julgado. O Superior Tribunal de Justiça lançou razões, pinçando-as da fundamentação da sentença no tocante à condenação, mas olvidando que o Juízo não revelou as causas que poderiam, diante de certa periculosidade, ditar a expedição precoce do mandado de prisão. VOTO O Sr. Ministro Eros Grau: Quero dizer que me escandaliza a sordidez do caso. Isso, porém, não ultrapassa os aspectos que Vossa Excelência mencionou. Assim, eu o acompanho. O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, vou pedir vênia ao eminente Ministro Carlos Britto para acompanhar Vossa Excelência. O juízo não decretou a prisão preventiva. Limitou-se a dizer: em nada importando tenha o réu respondido solto o processo, comparecendo aos seus atos, mostra-se necessário seu imediato recolhimento como condição para apelar. Então, aplicou o art. 594, cujo exame está sub judice no Plenário, e que é incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência. O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): E, mesmo assim, consignouse isso já diante do próprio recurso, porque, na sentença, não há fundamentação, só se tem esse trecho que li: “expeça-se mandado de prisão”. E, para confirmar essa determinação, indeferiu-se a seqüência da apelação. O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exatamente, acho que é mais um caso típico de execução provisória. EXTRATO DA ATA HC 84.802/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Paciente: Vicente de Paulo Almeida ou Vicente de Paula Almeida. Impetrante: Marcelo Rachid Martins. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Decisão: Por maioria de votos, a Turma deferiu o habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Vencido o Ministro Carlos Britto, que o indeferia. Presidiu o julgamento o Ministro Marco Aurélio. Não participou deste julgamento o Ministro Sepúlveda Pertence. Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Maria Caetana Cintra Santos. Brasília, 19 de outubro de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador. R.T.J. — 197 625 HABEAS CORPUS 84.870 — SP Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence Paciente: Wilson Borges Pereira Neto — Impetrantes: David Teixeira de Azevedo e outro — Coator: Superior Tribunal de Justiça Habeas corpus: deferimento para anular o acórdão do STJ que, fundado em pressuposto de fato equivocado, julgou prejudicada impetração lá ajuizada pelo paciente, bem como determinar que prossiga aquele Tribunal no julgamento do pedido, como entender de direito. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Brasília, 19 de abril de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Insurge-se a impetração contra acórdão do STJ, assim ementado (fl. 28): “Penal. Habeas corpus. (...) Morte do paciente. Extinção da punibilidade. Perda de objeto. Writ julgado prejudicado. Extinto o processo na origem, em razão da morte do paciente, nos termos do art. 107, I, do Código Penal, tem-se por prejudicado o presente mandamus.” Alegam os impetrantes que a fundamentação do julgado está alicerçada em pressuposto de fato equivocado, em virtude da grande semelhança entre os nomes do paciente, Wilson Borges Pereira Neto, e de seu pai, Wilson Borges Pereira Filho, único co-réu em relação ao qual fora decretada a extinção da punibilidade do fato com fundamento no art. 107, I, do Código Penal. Objetiva-se a anulação do acórdão impugnado, para que o STJ prossiga no julgamento do habeas corpus. Deferida a liminar (fl. 42), sobreveio o parecer do Ministério Público Federal, da lavra do Il. Subprocurador Haroldo da Nóbrega, que opinou pelo deferimento da ordem (fls. 79/71). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Com razão os impetrantes: apenas foi decretada a extinção da punibilidade do fato (Código Penal, art. 107, I) em relação ao co-réu Wilson Borges Pereira Filho, pai do paciente (fls. 14; 34; e 66). 626 R.T.J. — 197 Este o quadro, defiro a ordem para anular o acórdão impugnado e determinar que o STJ prossiga no julgamento do habeas corpus lá ajuizado (fl. 63), como entender de direito: é o meu voto. EXTRATO DA ATA HC 84.870/SP — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Paciente: Wilson Borges Pereira Neto. Impetrantes: David Teixeira de Azevedo e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Unânime. Não participou deste julgamento o Ministro Marco Aurélio. Ausente, justificadamente, o Ministro Eros Grau. Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso e Carlos Britto. Ausente, justificadamente, o Ministro Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira. Brasília, 19 de abril de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador. HABEAS CORPUS 86.102 — SP Relator: O Sr. Ministro Eros Grau Paciente: Demétrio Carta — Impetrantes: José Roberto Leal de Carvalho e outro — Coator: Colégio Recursal Criminal Central da Capital do Estado de São Paulo Habeas corpus. Crime de imprensa. Incompetência do juizado especial. Competência territorial: definição. 1. O artigo 61 da Lei n. 9.099/95 é categórico ao dispor que não compete aos Juizados Especiais o julgamento dos casos em que a lei preveja procedimento especial. É a hipótese dos crimes tipificados na Lei n. 5.250/67. 2. A competência territorial é definida em razão do local onde é realizada a impressão do jornal ou periódico (Lei de Imprensa, artigo 42). Ordem concedida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Brasília, 27 de setembro de 2005 — Eros Grau, Relator. R.T.J. — 197 627 RELATÓRIO O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, em que se alega incompetência do Juizado Especial para julgar queixa-crime em que o banqueiro Daniel Valente Dantas atribui ao paciente a prática do delito tipificado no artigo 21 da Lei n. 5.250/67, consistente em matéria supostamente ofensiva publicada na edição n. 275 da revista CartaCapital, de circulação nacional, da qual o paciente é diretor. A queixa-crime foi distribuída ao Juízo de Direito da 3ª Vara da Comarca de Barueri, que, face à manifestação do Ministério Público, declinou da competência para o Foro Central da Capital, recaindo a distribuição na 28ª Vara Criminal, que também declinou da competência, desta feita para o Juizado Especial Criminal. 2. Os impetrantes sustentam que o artigo 61 da Lei n. 9.099/95 excepciona os crimes para os quais “a lei preveja procedimento especial”. 3. Esclarecem, ademais, que a audiência preliminar foi realizada, havendo as partes recusado a transação proposta. 4. Requerem a concessão de liminar a fim de suspender o Processo n. 050.04.046401-6, em trâmite no Juizado Especial da Família Central de São Paulo – JECRIFAM, até o julgamento final do habeas corpus. No mérito, postulam seja declarada a incompetência do Juizado Especial Criminal para o conhecimento e julgamento da causa e a conseqüente remessa dos autos ao Juízo de Direito da 3ª Vara da Comarca de Barueri, conforme regra do artigo 42 da Lei de Imprensa. 5. A liminar foi deferida. 6. O Ministério Público Federal opina no sentido da denegação da ordem. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Esclareço, de pronto, que o parecer da PGR pela denegação da ordem é contraditório, na medida em que afirma assistir razão aos impetrantes, para concluir, em seguida, “que os crimes de imprensa, cuja apuração é regida por procedimento especial, não se submetem à competência dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95, art. 61), devendo-se proceder à remessa da ação penal ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo”. 2. A questão não demanda maiores indagações. O artigo 61 da Lei n. 9.099/951 é categórico ao dispor que não compete aos Juizados Especiais o julgamento dos casos em que a lei preveja procedimento especial. É a hipótese dos chamados crimes de imprensa, cujo procedimento está contido na Lei 5.250/67. 1 Lei n. 9.099/95 Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial. 628 R.T.J. — 197 3. Esta Primeira Turma já se manifestou nesse sentido ao julgar o HC 85.814, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 2-4-4, cuja ementa é a seguinte: “Ementa: Juizado Especial: incompetência para o processo por crime de imprensa — cuja apuração é regida por lei especial (Lei 5.250/67) — da qual não resulta, no caso, a nulidade radical do processo, dada a ausência de infração relevante ao procedimento da Lei de Imprensa: ordem deferida, em parte, para declarar nulo o julgamento da Turma Recursal e determinar a remessa dos autos para o Tribunal de Alçada do Estado do Paraná (Constituição Estadual art. 103, III, p).” 4. Nesse precedente a Turma preservou a decisão do Juizado Especial e anulou o acórdão da Turma Recursal, para que o Tribunal de Alçada do Paraná julgasse o recurso. No caso sob exame o Juizado Especial ainda não sentenciou, vez que a queixacrime, além de estar suspensa pela liminar por mim deferida à fl. 83, encontra-se em fase incipiente. 5. O querelante ajuizou a queixa-crime na Justiça da Comarca de Barueri, em observância ao critério determinador da competência territorial, que é o local onde é realizada a impressão da revista, conforme definido no artigo 42 da Lei 5.250/672. Concedo a ordem para declarar a incompetência do Juizado Especial da Família Central de São Paulo – JECRIFAM — e determinar que os autos do Processo n. 050.04.046401-6 sejam remetidos ao Juízo de Direito da 3ª Vara da Comarca de Barueri. VOTO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Há decisão da Segunda Turma no sentido de que a Lei n. 10.259/2001, art. 2º, parágrafo único, teria revogado essa exclusão. O caso, literalmente, é relativo aos crimes de competência da Justiça Federal. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Considerou apenas a quantidade de pena, não a natureza. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): A Segunda Turma considerou que essa lei teria revogado a exclusão da competência dos Juizados Especiais dos crimes sujeitos a procedimento especial. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O art. 2º? O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Sim, estou apenas advertindo. Deve ser um caso recorrente. O Sr. Ministro Marco Aurélio: A Lei dos Juizados Federais não excepciona a competência dos juizados especiais. 2 Lei 5.250/67 Art. 42. Lugar do delito, para a determinação da competência territorial, será aquele em que for impresso o jornal ou periódico, e o do local do estúdio do permissionário ou concessionário do serviço de radiodifusão, bem como o da administração principal da agência noticiosa. R.T.J. — 197 629 O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Literalmente, só se aplica aos crimes federais. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas aí, quanto à Justiça, ela é especialíssima. Penso que não há disposição em contrário, presente a Lei n. 9.099/1995. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Diz o caput do art. 2º: “Art. 2º Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo. Parágrafo único. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa.” A egrégia Segunda Turma, no entanto, no HC 85.694, Informativo STF 391, deu a esses dispositivos interpretação ampla, abrangente dos Juizados da Justiça Estadual. Isso é decisivo para o caso? O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Parece ser. Não obstante, parece-me que o critério do art. 2º acaba sendo a cominação da pena máxima não superior a dois anos, ou multa, ao passo que o procedimento da Lei de Imprensa é especial. Aqui, eu voltaria à velha oposição entre a lei especial e a geral. O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Há uma longa discussão, quer dizer, uma robusta corrente jurisprudencial que, mesmo quanto ao máximo da pena mínima, entende que ele foi ampliado para dois anos também com relação aos Juizados Especiais estaduais. Todo o problema está aí. Se se entende que o “federal”, aqui, é ocioso, teria razão. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Mas, e a especialidade do procedimento? O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Sim, Ministro, é isso que se diz, quer dizer, quanto ao federal, não há dúvida; não há mais essa ressalva. Na Lei n. 9.099, relativa aos Juizados Especiais, o próprio dispositivo fixa em um ano o limite da pena máxima para a competência dos Juizados Especiais Criminais, “excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial.” (art. 61 da Lei n. 9.099). A Lei n. 10.259, como visto, definindo a competência dos Juizados Especiais Federais, não repetiu essa ressalva. A mim me parece que os dois dispositivos têm âmbitos materiais inconfundíveis. Cabia o legislador estabelecer se repetia, ou não, essa ressalva com relação aos Juizados federais; e não o fez. O Sr. Ministro Carlos Britto: Ou seja, o silêncio eloqüente. A intenção foi não reproduzir para adotar... O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Sim, agora, de que tenha havido aí o sentido da revogação da lei comum dos Juizados Especiais, com todas as vênias, não me convenci. O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Vossa Excelência entende que houve revogação? 630 R.T.J. — 197 O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Não; entendo que não houve. O que houve foi um critério especial para os Juizados Especiais federais, que não abrogou a lei do Juizado Especial comum, que é de um ano, com exclusão dos casos de rito especial. O meu voto acompanha o do eminente Relator. O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, para mim, a Lei dos Juizados Especiais Federais é, como disse, especialíssima, versa apenas sobre esses juizados. Não há disposição nesse diploma, porque específico a mais não poder, a revelar a revogação tácita que provoca esse entulho legislativo que temos, e dane-se o intérprete para saber o que está, ou não, revogado na Lei n. 9.099/95. Por isso, acompanho o Relator, apontando que a conclusão do parecer resultou de um erro material, talvez datilográfico. EXTRATO DA ATA HC 86.102/SP — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: Demétrio Carta. Impetrantes: José Roberto Leal de Carvalho e outro. Coator: Colégio Recursal Criminal Central da Capital do Estado de São Paulo. Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto. Brasília, 27 de setembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador. HABEAS CORPUS 86.276 — MG Relator: O Sr. Ministro Eros Grau Paciente: João Evangelista da Silva — Impetrantes: Négis M. Rodarte e outro — Coatora: Primeira Turma Recursal da Comarca de Lavras Habeas corpus. Crime do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro. Retificação para a Contravenção Penal do artigo 34 da LCP. Competência do Juizado Especial Criminal. Aplicação do artigo 384 do Código de Processo Penal. 1. A mudança de imputação, na fase das alegações finais, do crime tipificado no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro para a Contravenção Penal descrita no artigo 34 da LCP implica em mutatio libelli, atraindo a competência do Juizado Especial Criminal. R.T.J. — 197 631 2. Tendo sido a instrução criminal realizada com esteio na acusação inicial, resulta em prejuízo à defesa a não-aplicação do artigo 384 do Código de Processo Penal. Ordem concedida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, conhecer do pedido de habeas corpus e o deferir para anular o processo a partir das alegações finais da defesa, inclusive, para que se dê aplicação ao art. 384 do Código de Processo Penal, nos termos do voto do Relator. Brasília, 27 de setembro de 2005 — Eros Grau, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Eros Grau: Adoto como relatório a decisão proferida pela Ministra Ellen Gracie em medida cautelar, durante o recesso judiciário: “1. Trata-se de habeas corpus contra acórdão proferido pela 1ª Turma Recursal da Comarca de Lavras/MG (fl. 100). Colho dos autos que o paciente foi denunciado pela suposta prática do crime previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro1. A sentença (fls. 79-82), em clara aplicação do art. 383 do CPP (emendatio libelli), condenou-o à pena de 45 dias de prisão simples, convertida em limitação de fim de semana pelo prazo da condenação, pela prática da contravenção penal prevista no art. 34 do Decreto-Lei 3.688/412, sentença confirmada pela Turma Recursal. O impetrante alega a nulidade do feito por incompetência do Juizado Especial Criminal. Requer a concessão de liminar para suspender os efeitos da condenação. 1 CTB: Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial incolumidade de outrem: Penas: detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. 2 DL 3.688/41 Art. 34. Dirigir veículo na via pública, ou embarcações em águas públicas, pondo em perigo a segurança alheia: Pena: prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de trezentos mil réis a dois contos de réis. 632 R.T.J. — 197 Esta Corte já decidiu que ‘sendo a pena máxima do crime tipificado no art. 306, do CTB, de três anos, não se trata de crime de menor potencial ofensivo, razão pela qual falece ao Juizado Especial Criminal competência para o julgamento’ (HC 85.019, de minha Relatoria, Segunda Turma, unânime, DJ de 4-3-2005). E, em juízo prefacial, entendo que a aplicação do art. 383 do CPP para condenar o paciente em delito de menor potencial ofensivo não tem o condão para deslocar a competência para o juizado especial criminal. É o que se depreende de precedente da Corte: ‘Habeas corpus. Violação de domicílio. Tentativa de estupro. Turma recursal. Condenação por crime não previsto na denúncia. Competência. Segundo o art. 383 do CPP ‘o juiz poderá dar ao fato definição jurídica da que constar na denúncia, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave’, especialmente quando a denúncia descreve todos os elementos constitutivos do tipo penal a que foi condenado o paciente. O acusado se defende dos fatos imputados na peça acusatória e não do dispositivo legal citado. A tramitação do processo com o rito ordinário demonstra a investidura do juízo na competência comum ordinária, mesmo que a condenação tenha sido por crime de menor potencial ofensivo. A competência para o julgamento da apelação é do Tribunal de Alçada e não da Turma Recursal. Habeas corpus deferido. (HC 83.855, Rel. Min. Nelson Jobim, Segunda Turma, unânime, DJ de 28-5-2004).’ 3. Ante o exposto, defiro a liminar para suspender os efeitos da condenação proferida em desfavor do paciente nos autos do processo n. 416/03 — Vara Única da Comarca de Itumirim/MG.” 2. Os impetrantes requerem a anulação da ação penal, desde o recebimento da denúncia, ou que se declare nulo o acórdão da Turma Recursal a fim de que a apelação seja julgada pelo Tribunal de Justiça. 3. O Ministério Público Federal opina “pelo não-conhecimento do presente writ, e caso superada esta fase, pela sua concessão, deferindo-se, apenas, a anulação do acórdão proferido pela Turma Recursal da Comarca de Lavras/MG, com a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, para jugamento da apelação como entender de direito”. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O Ministério Público denunciou o paciente em 23-10-2003 como incurso no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro. Em face às provas testemunhais, retificou, em memorial, a acusação para a contravenção penal do artigo 34 da LCP (fls. 72/74). Tem-se, na verdade, nítida hipótese de mutatio libelli (CPP, art. 384). R.T.J. — 197 633 2. Afastada a imputação inicial, o paciente sustentou, no que tange à contravenção descrita no artigo 34 da LCP, que sua configuração somente ocorre quando a direção perigosa é praticada em via pública (fls. 76/77); negou, ademais, o elemento subjetivo do tipo, consistente em colocar a segurança alheia em perigo. 3. Sobreveio condenação à pena de 45 (quarenta e cinco) dias de prisão simples, convertida em limitação de fim de semana. 4. O paciente apelou, alegando cerceamento de defesa, já que não teve a oportunidade de defender-se da nova imputação. 5. A Turma Recursal negou provimento à apelação, mantendo a sentença condenatória pelos próprios fundamentos. 6. É improcedente o pedido para que se anule o acórdão proferido pela Turma Recursal, por incompetência, e a conseqüente remessa dos autos ao Tribunal de Justiça, vez que a competência para julgar a contravenção penal é do Juizado Especial Criminal. Daí porque, se a sentença for anulada por inobservância da norma do art. 384 do CPP, caberá ao Juizado Especial proferir novo julgamento e à Turma Recursal julgar eventual recurso. 7. A instrução penal foi realizada com fundamento na imputação pelo crime do artigo 306 da Lei n. 9.503/97 (Código de Trânsito). Como o Ministério Público não conseguiu provar que o paciente estava alcoolizado, alterou a definição jurídica do fato [mutatio libelli] para a de contravenção penal de direção perigosa (LCP, artigo 34), quando já encerrada a instrução pelo tipo proposto inicialmente. Daí o paciente ter sustentado, em alegações finais, que “[n]o que tange a contravenção de direção perigosa, essa em momento algum foi ventilada na peça de ingresso, dificuldade (sic), assim, a amplitude da defesa, principalmente porque nada foi ventilado como já referido, sendo o debate quando da instrução sobre a existência ou não da embriaguez” (fl. 76). 8. O prejuízo à defesa é manifesto na medida em que o paciente não foi ouvido em juízo e nem teve a oportunidade de ver inquiridas as testemunhas a propósito da nova imputação; testemunhas que, aliás, já haviam negado a circunstância elementar de estar ele alcoolizado, obrigando o Ministério Público a retirar a acusação pelo artigo 306. Ademais, o paciente suscitou a nulidade nas alegações finais, última e única oportunidade que teve. 9. De acordo com regra do artigo 384 do CPP, o juiz deveria ter baixado o processo e concedido o prazo de 8 (oito) dias para a defesa produzir provas e apresentar testemunhas. Defiro a ordem para anular a ação penal, a partir das alegações finais da defesa, a fim de que se aplique o artigo 384 do Código Penal. EXTRATO DA ATA HC 86.276/MG — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: João Evangelista da Silva. Impetrantes: Négis M. Rodarte e outro. Coatora: Primeira Turma Recursal da Comarca de Lavras. 634 R.T.J. — 197 Decisão: A Turma conheceu do pedido de habeas corpus e o deferiu para anular o processo a partir das alegações finais da defesa, inclusive, para que se dê aplicação ao art. 384 do Código de Processo Penal, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto. Brasília, 27 de setembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 247.593 — SP Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso Agravante: Ibsen Mesquita — Agravado: Banco Nacional S.A. (em liquidação extrajudicial) Constitucional. Fator de deflação “tablita”. Lei 8.177/91, art. 27: aplicabilidade aos contratos firmados antes do início de sua vigência. Legitimidade. I - O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 14-9-2005, ao apreciar o RE 141.190/SP, Relator para o acórdão Ministro Nelson Jobim, decidiu que a aplicação imediata do fator de deflação aos contratos celebrados antes da lei instituidora do referido fator não ofende o ato jurídico perfeito. II - Agravo não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello. Brasília, 29 de novembro de 2005 — Carlos Velloso, Presidente e Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de agravo regimental, interposto por Ibsen Mesquita, da decisão (fl. 290) que, com base no julgamento do RE 141.190/SP, pelo Plenário deste Supremo Tribunal Federal, conheceu do recurso extraordinário e deu-lhe provimento (art. 557, § 1º-A, do CPC), ao entendimento de que a aplicação imediata do fator de deflação aos contratos celebrados antes da lei instituidora do referido fator não ofende o ato jurídico perfeito. R.T.J. — 197 635 Sustenta o agravante, em síntese, contrariedade ao art. 5º, XXXVI, da Constituição, dado que o fator de deflação “tablita” não pode ser aplicado aos contratos firmados antes da lei que instituiu o mencionado fator. Salienta que “o contrato concluído se constitui em ato jurídico perfeito e goza da garantia de não estar atreito à lei nova (...). Precedentes do Plenário: Repr. n. 1.451/DF, RTJ 127/799; ADIn n. 493/DF, RTJ 143/721, etc.” (fl. 313). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): A decisão agravada, ora sob exame, tem este teor: “(...) O Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário, em 14-9-2005, ao julgar o RE 141.190/SP, Relator para o acórdão Ministro Nelson Jobim, decidiu que a aplicação imediata do fator de deflação aos contratos celebrados antes da lei instituidora do referido fator não ofende o ato jurídico perfeito. No mesmo sentido foram as decisões proferidas no RE 170.002/RJ e no RE 149.073/SP, Relator Ministro Eros Grau, DJ de 10-10-2005 e 7-10-2005, respectivamente; AI 213.705/SP e RE 228.704/SP, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 5-102005 e 13-10-2005, respectivamente; RE 164.775/RS e AI 206.881/SP, Relator Ministro Gilmar Mendes, DJ de 13-10-2005 e 6-10-2005, respectivamente. Do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento (art. 557, § 1º-A, do CPC), condenado o vencido ao pagamento da verba honorária no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) corrigida monetariamente. (...).” (Fl. 290) A decisão é de ser mantida, porque assentada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tomada no julgamento, pelo Plenário, em 14-9-2005, do RE 141.190/ SP, Relator para o acórdão Ministro Nelson Jobim. No mesmo sentido, menciono, inter plures: AI 182.290/SP, Relator Ministro Cezar Peluso, DJ de 20-10-2005; AI 248.995/ SP, Relator Ministro Gilmar Mendes, DJ de 7-10-2005; e AI 257.533/SP, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 30-9-2005. Nego provimento ao agravo. EXTRATO DA ATA RE 247.593-AgR/SP — Relator: Ministro Carlos Velloso. Agravante: Ibsen Mesquita (Advogados: Walfrido de Sousa Freitas e outro). Agravado: Banco Nacional S.A. (em liquidação extrajudicial) (Advogados: Moacyr Augusto Junqueira Neto e outros e Marisa Moura Sales). Decisão: Negou-se provimento, decisão unânime. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu este julgamento o Ministro Carlos Velloso. 636 R.T.J. — 197 Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão a Ministra Ellen Gracie e os Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega. Brasília, 29 de novembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 255.682 — RS Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso Agravante: União — Agravado: Leonel Domingos Bortoncello Constitucional. Tributário. IPI. Importação: pessoa física não comerciante ou empresário: princípio da não-cumulatividade: CF, art. 153, § 3º, II. Não-incidência do IPI. I - Veículo importado por pessoa física que não é comerciante nem empresário, destinado ao uso próprio: não-incidência do IPI: aplicabilidade do princípio da não-cumulatividade: CF, art. 153, § 3º, II. Precedentes do STF relativamente ao ICMS, anteriormente à EC 33/2001: RE 203.075/DF, Min. Maurício Corrêa, Plenário, DJ de 2910-1999; RE 191.346/RS, Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ de 2011-1998; RE 298.630/SP, Min. Moreira Alves, 1ª Turma, DJ de 9-112001. II - RE conhecido e provido. Agravo não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello, Presidente. Brasília, 29 de novembro de 2005 — Carlos Velloso, Presidente e Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de agravo regimental, interposto pela União, da decisão (fls. 201-206) que, reportando-se ao RE 272.230/SP, conheceu do recurso extraordinário e deu-lhe provimento, ao entendimento de que não incide o IPI na importação de veículo por pessoa física que não é comerciante nem empresário, destinado ao uso próprio. Sustenta a agravante, em síntese, o seguinte: R.T.J. — 197 637 a) inaplicabilidade à espécie dos arts. 21, § 2º, do RISTF e 557, § 1º-A, do CPC, dado que inexiste manifesto confronto entre o acórdão recorrido e a jurisprudência desta Corte; na verdade, todos os precedentes referidos na decisão agravada dizem respeito à incidência de ICMS na importação de bens sem finalidade comercial ou industrial e, todavia, a hipótese dos autos trata da exigência de IPI na importação de veículo para uso próprio. Ademais, não há falar em analogia entre os casos de ICMS e IPI, visto que as expressões “mercadoria” e “estabelecimento” contidas no art. 155, § 2º, XI, a, da CF (redação anterior à EC 33/2001) não constam do art. 153, § 3º, da Lei Maior, valendo salientar que “(...) ausente a identidade de norma fundante, ausente conseqüentemente a possível identidade de conseqüência hermenêutica” (fl. 209); b) o RE 203.075/DF (caso líder) e os julgados subseqüentes referentes ao ICMS são distintos da hipótese dos autos, haja vista o “(...) diferencial identificável entre os conceitos insertos na alínea a do inciso XI do § 2º do art. 155 da Constituição — na redação anterior à EC n. 33/2001 (conceitos estes que se caracterizam como fundamentos centrais do precedente contido no RE n. 203.075) e aqueles que compõem a disciplina constitucional do IPI (incisos I e II do referido § 3º do art. 153) (...)” (fl. 211). É o relatório. VOTO Ementa: Constitucional. Tributário. IPI. Importação: pesssoa física não comerciante ou empresário: princípio da não-cumulatividade: CF, art. 153, § 3º, II. Não-incidência do IPI. I - Veículo importado por pessoa física que não é comerciante nem empresário, destinado ao uso próprio: não-incidência do IPI: aplicabilidade do princípio da não-cumulatividade: CF, art. 153, § 3º, II. Precedentes do STF relativamente ao ICMS, anteriormente à EC 33/2001: RE 203.075/DF, Min. Maurício Corrêa, Plenário, DJ de 29-10-1999; RE 191.346/RS, Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ de 20-11-1998; RE 298.630/SP, Min. Moreira Alves, 1ª Turma, DJ de 9-11-2001. II - RE conhecido e provido. Agravo não provido. O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Assim a decisão agravada, ora sob exame: “(...) Em caso igual, RE 272.230/SP, proferi a seguinte decisão: ‘(...) A alegação de ofensa ao princípio da legalidade — CF, art. 5º, II — não autoriza a admissão do recurso extraordinário. É que cabe ao Judiciário aplicar a lei ao caso concreto, interpretando-a. Se essa interpretação é desarrazoada, a questão continua no campo infraconstitucional. A alegação de ofensa ao art. 5º, XXXV, perde-se no vazio, por isso que decisão contrária ao interesse da parte não constitui negativa de prestação jurisdicional. De outro lado, não há invocar o disposto no art. 93, IX, da Constituição, já que o acórdão está suficientemente fundamentado. 638 R.T.J. — 197 Sustenta o recorrente, finalmente, ofensa ao disposto no art. 153, § 3º, II, da Constituição. Essa questão constitucional não foi abordada no acórdão recorrido. Vinha ela sendo discutida, entretanto. Ela foi posta, por exemplo, nas razões de apelação (fls. 38-39). E foi objeto dos embargos de declaração. Suprido está, portanto, o prequestionamento, na forma do que dispõe a Súmula 356STF. Passo a apreciar o recurso sob tal aspecto. No julgamento do RE 203.075/DF, Relator o Ministro Maurício Corrêa, decidiu o Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário: ‘Ementa: Recurso extraordinário. Constitucional. Tributário. Pessoa física. Importação de bem. Exigência de pagamento do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro. Impossibilidade. 1. A incidência do ICMS na importação de mercadoria tem como fato gerador operação de natureza mercantil ou assemelhada, sendo inexigível o imposto quando se tratar de bem importado por pessoa física. 2. Princípio da não-cumulatividade do ICMS. Pessoa física. Importação de bem. Impossibilidade de se compensar o que devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. Não sendo comerciante e como tal não estabelecida, a pessoa física não pratica atos que envolvam circulação de mercadoria. Recurso extraordinário não conhecido.’ (DJ de 29-10-99) No voto que proferi por ocasião do citado julgamento, asseverei: ‘(...) Também peço licença aos Srs. Ministros Relator e Nelson Jobim para acompanhar o voto do Sr. Ministro Maurício Corrêa. O que me parece que deve ser tomado em consideração é o sistema do tributo, objeto deste recurso, o ICMS. O contribuinte do ICMS é o vendedor, não obstante tratar-se de um imposto que repercute e acaba sendo pago pelo comprador. Todavia, esse é um fato econômico que o Supremo Tribunal Federal entende que não tem relevância na relação jurídica contribuinte-fisco. Se o contribuinte é o vendedor, numa importação não haveria pagamento de ICMS, pelo simples motivo de o exportador estar no exterior. Foi preciso, portanto, que a Constituição estabelecesse, expressamente, a incidência desse tributo, na importação, e expressamente explicitou que o seu pagamento seria feito pelo comprador, ou seja, pelo importador. Ao estabelecer a incidência, no caso, o constituinte, entretanto, optou pelo comerciante, ou pelo industrial, é dizer, por aquele que tem um estabelecimento, certo que o particular que não é comerciante R.T.J. — 197 639 ou industrial tem simplesmente domicílio ou residência. E por que procedeu assim o constituinte? Porque o importador, assim o comprador, que é comerciante ou industrial, pode, na operação seguinte, utilizar o crédito do tributo que pagou no ato do desembaraço aduaneiro. O particular, que não é comerciante ou industrial, jamais poderia fazer isso. É dizer, caberia a ele o ônus total do tributo. Sensibilizou-me o argumento do Sr. Ministro Nelson Jobim, o argumento econômico no sentido de que a operação, nesses termos, poderia esvaziar as importadoras que comercializam o veículo. O argumento é, na verdade, relevante, que deve, entretanto, ser visualizado pelo legislador. Vale dizer, essa é uma questão de lege ferenda. Com essas breves considerações, peço licença aos Srs. Ministros Relator e Nelson Jobim para acompanhar o voto do Sr. Ministro Maurício Corrêa, motivo por que não conheço do recurso. (...).’ (DJ de 29-10-99) Para viabilizar a cobrança do ICMS, em caso tal, foi promulgada a EC 33, de 12-12-2001, que alterou a redação da alínea a do inc. IX do art. 155 da CF. Com relação ao IPI, entretanto, não há disposição igual. O que há, simplesmente, é o dispositivo constitucional que estabelece o princípio da não-cumulatividade, de obediência obrigatória, evidentemente, pelo legislador ordinário (CF, art. 153, IV, § 3º, II). No que toca ao ICMS, anteriormente à EC 33/2001, há inúmeros precedentes do Supremo Tribunal Federal pela não-incidência, tratando-se de veículo importado por pessoa física que não é comerciante, destinado ao uso próprio: RE 191.346/RS, Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ de 20-1198; RE 298.630/SP, Min. Moreira Alves, 1ª Turma, DJ de 9-11-01. Do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento. Sem verba honorária (Súmula 512-STF). Reporto-me à decisão acima transcrita para conhecer do recurso e provê-lo. Sem honorários advocatícios: Súmula 512-STF. (...).” (Fls. 202-206) A decisão é de ser mantida. A alegação de inaplicabilidade à espécie dos arts. 21, § 2º, do RISTF, e 557, § 1ºA, do CPC, perde-se no vazio, se atentar a agravante para os termos da decisão agravada. Aplicou-se, no caso, a jurisprudência atinente ao ICMS, no que toca ao princípio da não-cumulatividade. Tem-se, aqui, o denominado “argumento a pari, que estende o preceito formulado para um caso às hipóteses iguais, ou fundamentos semelhantes: ubi eadem ratio...” (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do Direito, Forense, 10ª ed., 1988, p. 245). Ora, onde existe a mesma razão, prevalece a mesma regra de Direito: “ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio”. Do exposto, nego provimento ao agravo. 640 R.T.J. — 197 EXTRATO DA ATA RE 255.682-AgR/RS — Relator: Ministro Carlos Velloso. Agravante: União (Advogado: PFN – Rodrigo Pereira de Mello). Agravado: Leonel Domingos Bortoncello (Advogados: Carlos Ademir Moraes e outro). Decisão: Depois do voto do Ministro Relator, negando provimento ao recurso de agravo, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista formulado pelo Ministro Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie. Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos Velloso, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto da Nóbrega. Brasília, 17 de maio de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador. VOTO (Vista) O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Trata-se de agravo regimental interposto de decisão monocrática que deu provimento a recurso extraordinário no qual se sustenta a não-sujeição da operação de importação de veículo automotor, para uso próprio, por pessoa física que não fosse comerciante nem empresária, ao Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, dado que o importador que não fosse industrial não poderia empregar os mecanismos de vedação à cumulatividade (art. 153, § 3º, II, da Constituição). Afirma a agravante que a orientação firmada pela Corte por ocasião do julgamento do RE 203.075 (Rel. para o acórdão Min. Maurício Corrêa, Pleno, DJ de 29-10-1999), pertinente à tributação das operações de importação com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, não se aplica ao caso em exame. Argumenta que, enquanto o regime constitucional do ICMS prevê a incidência do tributo somente sobre operações que envolvam a importação de “mercadorias” e pressupõe a entrada daqueles bens em “estabelecimento” (art. 155, § 2º, XI, em redação anterior à Emenda Constitucional 33/2001), tais circunstâncias não se fazem presentes para a tributação por IPI. A agravante sustenta ainda que, ao contrário do que ocorre com o ICMS, o regime constitucional do IPI não pressupõe que as operações tributáveis sejam de qualquer forma vinculadas à atividade empresarial do importador. Iniciado o julgamento na sessão de 17-5-2005, o eminente Relator, Ministro Carlos Velloso, votou pela negativa de provimento ao recurso, mantendo a decisão agravada. S. Exa. entendeu que a orientação fixada pela Corte quanto ao ICMS se aplicava à tributação das operações de importação de produtos industrializados a título de IPI, especificamente no que se referia ao princípio da não-cumulatividade. Pedi vista dos autos, para melhor analisar a questão. R.T.J. — 197 641 Tal como se dá com o ICMS, a validade da instituição do IPI pressupõe que a respectiva tributação seja amparada por mecanismos voltados à vedação da cumulatividade, como determina o art. 153, § 3º, II, da Constituição. Embora, consoante apontado pela agravante, as especificidades impostas pelos critérios e circunstâncias específicas de cada tributo e respectiva cadeia impositiva sejam diversas e, portanto, fundamentem a formatação dos mecanismos de créditos e débitos com características próprias a cada tributo, ambos os impostos se igualam na obrigatoriedade de previsão de tais mecanismos. A extensão, a determinada operação, da aplicabilidade dos instrumentos de vedação à cumulatividade, inclusive como condição de validade para cobrança do tributo, vincula-se à hipótese prevista no próprio art. 153, § 3º, II, da Constituição, qual seja, a acumulação da carga tributária, pela incidência do IPI em determinada operação ou em determinado ciclo produtivo. Esse ponto não foi impugnado pelo agravante. Por essa razão, a diferença entre os fatos geradores e as bases de cálculo tributáveis por ICMS e por IPI, bem como entre os respectivos regimes jurídicos, não é suficiente para, de pronto, afastar a aplicabilidade da orientação firmada pela Corte por ocasião do julgamento do RE 203.075 à tributação por IPI das operações de importação de bens industrializados por sujeito que não tenha acesso aos instrumentos de ponderação da carga tributária, assegurando a não-cumulatividade do tributo. Aplicável ao julgamento da questão, portanto, o disposto no art. 557, caput, do Código de Processo Civil, e no art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Do exposto, nego provimento ao agravo regimental, acompanhando o voto do Relator. É como voto. EXTRATO DA ATA RE 255.682-AgR/RS — Relator: Ministro Carlos Velloso. Agravante: União (Advogado: PFN – Rodrigo Pereira de Mello). Agravado: Leonel Domingos Bortoncello (Advogados: Carlos Ademir Moraes e outro). Decisão: Negou-se provimento, decisão unânime. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu este julgamento o Ministro Carlos Velloso. Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão a Ministra Ellen Gracie e os Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega. Brasília, 29 de novembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador. 642 R.T.J. — 197 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 338.681 — SP Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso Embargante: Mobil Oil do Brasil Indústria e Comércio Ltda. — Embargado: Estado de São Paulo Constitucional. Tributário. ICMS. Lubrificantes e combustíveis derivados do petróleo. Operações interestaduais. CF, art. 155, § 2º, X, b. I - Ao Estado do destino dos produtos em causa caberá ICMS sobre eles incidentes. II - Reconhecimento de contradição no acórdão. Acolhimento dos embargos de declaração. Não-conhecimento do RE do Estado de São Paulo. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, acolher os embargos de declaração, em ordem a não conhecer do recurso extraordinário interposto pelo Estado de São Paulo, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie. Brasília, 6 de dezembro de 2005 — Carlos Velloso, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Carlos Velloso: Tratam-se de embargos de declaração opostos por Mobil Oil do Brasil Indústria e Comércio Ltda. ao acórdão assim ementado: “Constitucional. Processual Civil. Embargos de declaração opostos à decisão do Relator: conversão em agravo regimental. ICMS. Lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos. Operações interestaduais. CF, art. 155, § 2º, X, b. I - Embargos de declaração opostos à decisão singular do Relator. Conversão dos embargos em agravo regimental. II - Ao Estado do destino dos produtos em causa caberá o ICMS sobre eles incidente. III - Embargos de declaração convertidos em agravo regimental. Agravo não provido.” (Fl. 393) Sustenta a embargante contradição no acórdão embargado. Alega, em síntese, o seguinte: R.T.J. — 197 643 a) a jurisprudência utilizada como paradigma (RE 211.580/SP) trata do regime de substituição tributária instituído pelo Decreto 35.386/92, em operações que tem como destinatários comerciantes ou consumidores finais com estabelecimento localizado no Estado de São Paulo, ao passo que no caso presente “trata-se de questionamento do ICMS incidente sobre saídas de mercadorias da unidade da Embargante localizada no Estado de São Paulo (origem) para outra unidade da própria Embargante situada no Estado de Minas Gerais (destino)” (fl. 397); b) não-incidência do ICMS, dado que se trata de transferência entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, e ainda que, nos termos da jurisprudência citada (RE 198.088/SP), é o Estado de Minas Gerais (destino) que pode vir a exigir o ICMS devido, e não o de São Paulo, que é Estado de origem (fl. 398). Requer, ao final, o acolhimento dos presentes embargos de declaração, com efeitos modificativos, reformando-se o acórdão recorrido. Instado a se manifestar (fl. 400), o embargado, Estado de São Paulo, às fls. 402405, sustenta a rejeição dos embargos, porquanto o acórdão está em consonância com precedente dessa Corte no RE 211.580/SP, “totalmente favorável ao Fisco paulista” (fl. 403). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Está no acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, do qual foi interposto o RE: “(...) As operações aqui discutidas envolvem transferência de produtos fabricados pela embargante, entre eles: Mobil ATF 200R, Mobilgrease MP, Mobilgrease 77, Mobiltherm 605, Mobil Solvac 1535G BSE 07K16, Mobiltemp 1, Mobil Met 451 BSC 25N316, Mobil Met 25BSE 21C16 (fls. 48 e ss.), produtos derivados de petróleo conforme comprovam as conclusões dos laudos, entre estabelecimentos da embargante, localizados em Santos, Estado de São Paulo, para o Município de Jacutinga, no Estado de Minas Gerais. Na linguagem comum são conhecidas como graxas e lubrificantes, mas ressalte-se: derivados de petróleo. Sem dúvida, são operações interestaduais, ou seja, envolvem de fato o deslocamento de mercadorias do Estado de São Paulo com destino ao Estado de Minas Gerais. (...).” (Fl. 335) A decisão que deu provimento ao RE do Estado de São Paulo, objeto do agravo regimental ao qual foi negado provimento, assenta-se na decisão proferida no RE 211.580/SP. Tem este teor a citada decisão: 644 R.T.J. — 197 “(...) Destaco da decisão que proferi no RE 211.580/SP: ‘(...) 2) RE do Estado de São Paulo: A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é favorável à tese sustentada pelo Estado de São Paulo. Com efeito. No julgamento do RE 198.088/SP, Relator o Ministro Ilmar Galvão, decidiu o Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário: ‘Ementa: Tributário. ICMS. Lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos, derivados do petróleo. Operações interestaduais. Imunidade do art. 155, § 2º, X, b, da Constituição Federal. Benefício fiscal que não foi instituído em prol do consumidor, mas do Estado de destino dos produtos em causa, ao qual caberá, em sua totalidade, o ICMS sobre eles incidente, desde a remessa até o consumo. Conseqüente descabimento das teses da imunidade e da inconstitucionalidade dos textos legais, com que a empresa consumidora dos produtos em causa pretendeu obviar, no caso, a exigência tributária do Estado de São Paulo. Recurso conhecido, mas desprovido.’ O RE do Estado de São Paulo é de ser provido, portanto. VII De todo o exposto, nego seguimento ao recurso interposto por Mobil Oil do Brasil Ind. e Com. Ltda. e conheço do RE do Estado de São Paulo e dou-lhe provimento, para indeferir o mandado de segurança (CPC, art. 557 e seu § 1º-A). (...).’ (DJ de 8-8-2002) No mesmo sentido: RE 392.055/SP, DJ de 28-11-2003. Do exposto, forte nos precedentes acima mencionados, conheço do recurso e dou-lhe provimento (art. 557, § 1º-A, do CPC), invertidos os ônus da sucumbência estabelecidos na sentença de fls. 296-301. (...).” (Fls. 371-372) Ora, a decisão invoca acórdão do Supremo Tribunal Federal — RE 198.088/SP — que afirma que a imunidade beneficia o Estado do destino dos produtos. Ora, o Estado do destino é o Estado de Minas Gerais. Deu-se provimento, entretanto, ao RE do Estado de São Paulo. Há, pois, no acórdão que decidiu o agravo regimental da ora embargante flagrante contradição. Do exposto, acolho os embargos para o fim de anular o acórdão embargado — acórdão de fls. 386-393 — e, em conseqüência, não conhecer do RE do Estado de São Paulo. R.T.J. — 197 645 EXTRATO DA ATA RE 338.681-AgR-ED/SP — Relator: Ministro Carlos Velloso. Embargante: Mobil Oil do Brasil Indústria e Comércio Ltda. (Advogados: Anna Maria da Trindade dos Reis e outro, Ricardo Quartim Barbosa Oliveira e Caio Lucio Moreira e outro). Embargado: Estado de São Paulo (Advogado: PGE/SP – José Maurício Camargo de Laet). Decisão: A Turma, por votação unânime, acolheu os embargos de declaração, em ordem a não conhecer do recurso extraordinário interposto pelo Estado de São Paulo, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie. Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos Velloso, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra Verônica Cureau. Brasília, 6 de dezembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 347.717 — RS Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello Agravante: Banco Bamerindus do Brasil S.A. (em liquidação extrajudicial) — Agravado: Município de Canoas Estabelecimentos bancários — Competência do município para, mediante lei, obrigar as instituições financeiras a instalar, em suas agências, dispositivos de segurança — Inocorrência de usurpação da competência legislativa federal — Alegação tardia de violação ao art. 144, § 8º, da Constituição — Matéria que, por ser estranha à presente causa, não foi examinada na decisão objeto do recurso extraordinário — Inaplicabilidade do princípio jura novit curia — Recurso improvido. — O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (CF, art. 30, I), com o objetivo de determinar, às instituições financeiras, que instalem, em suas agências, em favor dos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), equipamentos destinados a proporcionar-lhes segurança (tais como portas eletrônicas e câmaras filmadoras) ou a propiciar-lhes conforto, mediante oferecimento de instalações sanitárias, ou fornecimento de cadeiras de espera, ou, ainda, colocação de bebedouros. Precedentes. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das 646 R.T.J. — 197 notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie. Brasília, 31 de maio de 2005 — Celso de Mello, Presidente e Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de recurso de agravo, tempestivamente interposto, que se insurge contra decisão por mim proferida e que tem o seguinte teor (fls. 204/206): “O recurso extraordinário, a que se refere o presente agravo de instrumento, foi interposto contra decisão, que, proferida pelo E. Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fl. 35): ‘Ação anulatória de débito fiscal. Lei municipal. Legalidade. A lei municipal que determinou a instalação das portas de segurança no estabelecimento bancário apelante não afronta a Constituição Federal nem invade a competência da União, apenas estabelece regra de interesse local do Município de Canoas.’ (Grifei) A parte ora agravante sustenta, no apelo extremo, com apoio em alegada usurpação de competência privativa da União Federal, que o Tribunal a quo violou a Constituição da República, por haver considerado que o Município dispõe de atribuição para legislar sobre medidas de segurança em estabelecimentos bancários. A colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao examinar idêntica controvérsia, reconheceu que assiste competência ao Município, para, com fundamento no poder autônomo que lhe confere a Constituição da República (art. 30, I), exigir, mediante lei formal, a instalação, em estabelecimentos bancários, dos pertinentes equipamentos de segurança, tais como portas eletrônicas ou câmaras filmadoras. Esse entendimento acha-se consubstanciado em acórdão assim ementado: ‘Constitucional. Bancos: portas eletrônicas: competência municipal. CF, art. 30, I, art. 192. I - Competência municipal para legislar sobre questões que digam respeito a edificações ou construções realizadas no município: exigência, em tais edificações, de certos componentes. Numa outra perspectiva, exigência de equipamentos de segurança, em imóveis destinados ao atendimento do público, para segurança das pessoas. CF, art. 30, I. II - RE conhecido, em parte, mas improvido.’ (RE 240.406/RS, Rel. Min. Carlos Velloso — grifei) R.T.J. — 197 647 Não vislumbro, no texto da Carta Política, a existência de obstáculo constitucional que possa inibir o exercício, pelo Município, da típica atribuição institucional que lhe pertence, fundada em título jurídico específico (CF, art. 30, I), para legislar, por autoridade própria, sobre a instalação de dispositivos de segurança em geral (tais como portas eletrônicas e câmaras filmadoras) destinados a tornar efetiva a proteção dos próprios bancários, dos munícipes, dos freqüentadores e demais usuários dos estabelecimentos mantidos pelas instituições financeiras. Na realidade, o Município, ao assim legislar, apóia-se em competência material, que lhe reservou a Constituição da República, cuja prática autoriza essa mesma pessoa política a dispor, em sede legal, sem qualquer conflito com as prerrogativas fiscalizadoras do Banco Central, sobre tema que reflete assunto de interesse eminentemente local, seja aquele vinculado à segurança da população do próprio Município, seja aquele pertinente à regulamentação edilícia, vocacionada a permitir, ao ente municipal, o controle das construções, com a possibilidade de impor, para esse específico efeito, determinados requisitos necessários à obtenção de licença para construir ou para edificar, consoante reconhece o magistério da doutrina (José Nilo de Castro, ‘Direito Municipal Positivo’, p. 294, item n. 3.2, 3ª ed., Del Rey, 1996; Hely Lopes Meirelles, ‘Direito Municipal Brasileiro’, p. 464/465, item n. 2.2, 13ª ed., Malheiros, 2003, v.g.) e enfatiza, em igual sentido, a jurisprudência dos Tribunais, notadamente a desta Suprema Corte (RE 208.383/SP, Rel. Min. Néri da Silveira — RE 240.406/ RS, Rel. Min. Carlos Velloso — RE 385.398/MG, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.): ‘Estabelecimentos bancários. Competência do município para, mediante lei, obrigar as instituições financeiras a instalar, em suas agências, dispositivos de segurança. Inocorrência de usurpação da competência legislativa federal. RE conhecido e improvido. — O Município dispõe de competência, para, com apoio no poder autônomo que lhe confere a Constituição da República, exigir, mediante lei formal, a instalação, em estabelecimentos bancários, dos pertinentes equipamentos de segurança, tais como portas eletrônicas ou câmaras filmadoras, sem que o exercício dessa atribuição institucional, fundada em título constitucional específico (CF, art. 30, I), importe em conflito com as prerrogativas fiscalizadoras do Banco Central do Brasil. Precedentes.’ (RE 312.050/MS, Rel. Min. Celso de Mello) Em suma: entendo que o diploma legislativo do Município em referência reveste-se de plena legitimidade jurídico-constitucional, pois, longe de dispor sobre controle de moeda, política de crédito, câmbio, segurança e transferência de valores ou sobre organização, funcionamento e atribuições de instituição financeira, limitou-se, ao contrário, a disciplinar, em bases constitucionalmente legítimas, assunto de interesse evidentemente municipal, veiculando normas pertinentes à adequação dos estabelecimentos bancários a padrões destinados a propiciar melhor atendimento e proteção à coletividade local. 648 R.T.J. — 197 Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, nego provimento ao presente agravo de instrumento, eis que se revela inviável o recurso extraordinário a que ele se refere. 2. O pleito deduzido pela parte ora recorrente, protocolado, nesta Corte, sob n. 35.222/04, está prejudicado, em face da presente decisão. De qualquer modo, no entanto, inclua-se, na autuação, e sem prejuízo das anotações já efetuadas, o nome do Dr. Luiz Carlos Bettiol, ilustre Advogado da parte ora recorrente, que deverá produzir, nestes autos, o pertinente instrumento de mandato judicial, nos termos e para os fins a que se refere o art. 37, caput, in fine do CPC. (...) Ministro Celso de Mello Relator” Inconformada com esse ato decisório, a parte ora recorrente busca seja ele reformado, apoiando-se, para tanto, em síntese, nas seguintes razões (fls. 213/214): “O v. acórdão extraordinariamente recorrido, ao proclamar a competência da entidade federativa comunal para legislar sobre ‘segurança dos munícipes e dos prédios onde funcionam os estabelecimentos bancários’, deliberou, efetivamente, sobre matéria referente à segurança pública disciplinada pelo art. 144 da Carta Política da República. Reconhecer, portanto, que a decisão extraordinariamente impugnada, ao conceber possam os municípios expedirem leis dispondo sobre a ‘segurança pública municipal’, ofende o art. 144, § 8º, da Carta Magna, não está, data venia, fora dos limites temáticos do recurso extraordinário interposto. O mais recente magistério jurisprudencial dessa Egrégia Suprema Corte, formado no julgamento, em sessão plenária, dos RE n. 298.694/SP e RE n. 298.695/SP, relatados pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence (acórdãos pendentes de publicação), admite, salvo equívoco de interpretação, que pode o Colendo Supremo Tribunal Federal até transferir a base constitucional do dispositivo do acórdão recorrido, acaso errôneo, e do recurso conhecer e lhe dar provimento, se entender que a norma ordinária é incompatível com a Constituição.” Por não me convencer das razões expostas, submeto, à apreciação desta Colenda Turma, o presente recurso de agravo. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): A parte ora recorrente interpôs recurso extraordinário contra decisão, que, proferida pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fl. 35): R.T.J. — 197 649 “Ação anulatória de débito fiscal. Lei municipal. Legalidade. A lei municipal que determinou a instalação das portas de segurança no estabelecimento bancário apelante não afronta a Constituição Federal nem invade a competência da União, apenas estabelece regra de interesse local do Município de Canoas.” (Grifei) A parte ora agravante sustentou, em suas razões, no apelo extremo em questão, com apoio em alegada usurpação de competência privativa da União Federal, que o Tribunal a quo violou a Constituição da República, por haver considerado, erroneamente, que o Município dispõe de atribuição para legislar sobre medidas de segurança em estabelecimentos bancários. Não assiste razão à parte ora agravante. Cumpre assinalar, por relevante, que esta colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao examinar idêntica controvérsia (RE 240.406/RS), reconheceu que assiste competência ao Município, para, com fundamento no poder autônomo que lhe confere a Constituição da República (art. 30, I), exigir, mediante lei formal, a instalação, em estabelecimentos bancários, dos pertinentes equipamentos de segurança, tais como portas eletrônicas ou câmaras filmadoras. Esse entendimento acha-se consubstanciado em acórdão assim ementado: “Constitucional. Bancos: portas eletrônicas: competência municipal. CF, art. 30, I, art. 192. I - Competência municipal para legislar sobre questões que digam respeito a edificações ou construções realizadas no município: exigência, em tais edificações, de certos componentes. Numa outra perspectiva, exigência de equipamentos de segurança, em imóveis destinados ao atendimento do público, para segurança das pessoas. CF, art. 30, I. II - RE conhecido, em parte, mas improvido.” (RTJ 189/1150, Rel. Min. Carlos Velloso — grifei) Esta colenda Turma, quando firmou o precedente ora mencionado, reconheceu a competência legislativa do Município para determinar, às instituições financeiras, a instalação, em suas agências, de portas eletrônicas, com detector de metais, travamento e retorno automáticos e vidros à prova de balas, assim se pronunciando, sobre a matéria em análise, no douto voto proferido pelo eminente Ministro Carlos Velloso, Relator da causa (RE 240.406/RS): “No caso, examinaremos se compete ao Município, legislando sobre a segurança de sua população, impor aos Bancos a obrigação de instalar portas eletrônicas, com detector de metais, travamento e retorno automático e vidros à prova de balas. Abrindo o debate, deixo expresso que compete privativamente à União legislar sobre ‘política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores’. (CF, art. 22, VII). (...) 650 R.T.J. — 197 Indaga-se: será que se inclui na ‘política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores’ (CF, art. 22, VII) e no tema do sistema financeiro nacional, tal como vinha posto no art. 192 da CF e tal como está posto, hoje, pela EC 40/ 2003, a competência da União para legislar a respeito da obrigação de os prédios onde se situam as agências bancárias instalar portas eletrônicas, tendo em vista a segurança dos munícipes? Esta é a questão. Não há dúvida que à lei federal cabe dispor, bem registra o acórdão recorrido, sobre a segurança bancária específica, relativamente aos valores depositados nos estabelecimentos bancários. Todavia, no que concerne à segurança dos munícipes, vale dizer, dos usuários das agências bancárias, legisla o Município, porque tem-se, no caso, assunto de interesse local — CF, art. 30, I. Ademais, a matéria — colocação de porta eletrônica numa edificação local — é de interesse local: exigência, nas edificações, de certos componentes que, sem os quais, será negado o ‘habite-se’; ou, numa outra perspectiva, exigência de equipamentos de segurança, em certas edificações, em certos imóveis destinados ao atendimento do público — no que as agências bancárias aí se incluem — sem os quais ‘alvará de funcionamento’ não será fornecido. Ora, tudo isso situa-se na competência do município, pois constitui assunto de interesse local (CF, art. 30, I). Não há falar, portanto, que o acórdão recorrido haja ofendido o art. 30, I, ou o art. 192 da Constituição Federal.” Essa percepção do tema, que enfatiza a ocorrência, na espécie, de interesse específico e peculiar aos Municípios, na medida em que concerne à própria segurança dos munícipes, sem qualquer repercussão nacional que exigisse regulação normativa do tema pela União Federal, foi igualmente manifestada nos votos que então proferiram, em tal julgamento, os eminentes Ministros Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Nelson Jobim. Extraio, do douto voto proferido pelo eminente Ministro Gilmar Mendes, a seguinte e esclarecedora passagem: “Aqui, o tema da segurança, em sentido geral, das agências bancárias parece envolver, fundamentalmente, a questão das políticas urbanas e, aí, as atividades, talvez, de outros ramos de índole de serviço ou de ramos comerciais. Não consigo, portanto, vislumbrar a lesão à competência legislativa da União, na espécie.” Também o eminente Ministro Nelson Jobim, ao perfilhar esse entendimento, assim se manifestou: “(...) uma coisa é serviço bancário: outra, espaço físico onde esse serviço é prestado. Aqui, não estamos tratando de serviço bancário, mas de espaço físico de acesso ao público. A disciplina, no município de Porto Alegre, por força da Lei n. 7.494/94, é exatamente a forma pela qual deve dispor ou se encontrar esse espaço físico. Se não for assim, não poderia o município de Porto Alegre dispor, no seu Plano Diretor, sobre zoneamentos e áreas de ocupação urbana para prestação de serviços e instalação (...).” R.T.J. — 197 651 Também não vislumbro, no texto da Carta Política, ao contrário do que sustentado pela parte ora recorrente, a existência de obstáculo constitucional que possa inibir o exercício, pelo Município, da típica atribuição institucional que lhe pertence, fundada em título jurídico específico (CF, art. 30, I), para legislar, por autoridade própria, sobre a instalação de dispositivos de segurança em geral (tais como portas eletrônicas e câmaras filmadoras) destinados a tornar efetiva a proteção dos próprios empregados do banco, dos munícipes, dos freqüentadores e demais usuários dos estabelecimentos mantidos pelas instituições financeiras. Na realidade, o Município, ao assim legislar, apóia-se em competência material — que lhe reservou a Constituição da República — cuja prática autoriza essa mesma pessoa política a dispor, em sede legal, sem qualquer conflito com as prerrogativas fiscalizadoras do Banco Central, sobre tema que reflete assunto de interesse eminentemente local, seja aquele vinculado à segurança da população do próprio Município, seja aquele pertinente à regulamentação edilícia vocacionada a permitir, ao ente municipal, o controle das construções, com a possibilidade de impor, para esse específico efeito, determinados requisitos necessários à obtenção de licença para construir ou para edificar, consoante reconhece o magistério da doutrina (José Nilo de Castro, “Direito Municipal Positivo”, p. 294, item n. 3.2, 3ª ed., Del Rey, 1996; Hely Lopes Meirelles, “Direito Municipal Brasileiro”, p. 464/465, item n. 2.2, 13ª ed., Malheiros, 2003, v.g.) e enfatiza, em igual sentido, a jurisprudência dos Tribunais, notadamente a desta Suprema Corte (RTJ 189/1150, Rel. Min. Carlos Velloso — RE 208.383/SP, Rel. Min. Néri da Silveira — RE 312.050-AgR/MS, Rel. Min. Celso de Mello — RE 385.398-AgR/MG, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.). Cumpre enfatizar, por oportuno, que o Supremo Tribunal Federal também tem reconhecido a legitimidade constitucional de diplomas legislativos locais que veiculam regras destinadas a assegurar conforto aos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), tais como as leis municipais que determinam a colocação de cadeiras de espera nas agências bancárias (AI 506.487-AgR/PR, Rel. Min. Carlos Velloso) ou que ordenam sejam estas aparelhadas com bebedouros e instalações sanitárias (RE 208.383/SP, Rel. Min. Néri da Silveira — AI 347.739/SP, Rel. Min. Nelson Jobim). Entendo, na linha das razões precedentemente expostas, que a controvérsia ora em exame foi adequadamente resolvida com fundamento no princípio da autonomia municipal, que representa, como sabemos, no contexto de nossa organização políticojurídica, uma das pedras angulares sobre as quais se estrutura o edifício institucional da Federação brasileira. A nova Constituição da República, promulgada em 1988, prestigiou os Municípios, reconhecendo-lhes irrecusável capacidade política como pessoas integrantes da própria estrutura do Estado Federal brasileiro, atribuindo-lhes esferas mais abrangentes reservadas ao exercício de sua liberdade decisória, notadamente no que concerne à disciplinação de temas de seu peculiar interesse, associados ao exercício de sua autonomia. Cabe assinalar, neste ponto, que a autonomia municipal erige-se à condição de princípio estruturante da organização institucional do Estado brasileiro, qualificandose como prerrogativa política, que, outorgada ao Município pela própria Constituição 652 R.T.J. — 197 da República, somente por esta pode ser validamente limitada, consoante observa Hely Lopes Meirelles, em obra clássica de nossa literatura jurídica (“Direito Municipal Brasileiro”, pp 80/82, 6ª ed./3ª tir., 1993, Malheiros): “A Autonomia não é poder originário. É prerrogativa política concedida e limitada pela Constituição Federal. Tanto os Estados-membros como os Municípios têm a sua autonomia garantida constitucionalmente, não como um poder de autogoverno decorrente da Soberania Nacional, mas como um direito público subjetivo de organizar o seu governo e prover a sua Administração, nos limites que a Lei Maior lhes traça. No regime constitucional vigente, não nos parece que a autonomia municipal seja delegação do Estadomembro ao Município para prover a sua Administração. É mais que delegação; é faculdade política, reconhecida na própria Constituição da República. Há, pois, um minimum de autonomia constitucional assegurado ao Município, e para cuja utilização não depende a Comuna de qualquer delegação do Estado-membro.” (Grifei) Essa mesma orientação já era perfilhada por Sampaio Doria (“Autonomia dos Municípios”, in Revista da Faculdade de Direito de São Paulo, vol. XXIV/419-432, 1928), cujo magistério — exposto sob a égide de nossa primeira Constituição republicana (1891) — bem ressaltava a extração constitucional dessa insuprimível prerrogativa político-jurídica que a Carta Federal, ela própria, atribuiu aos Municípios. Sob tal perspectiva, e como projeção concretizadora desse expressivo postulado constitucional, ganha relevo, a meu juízo, no exame da controvérsia suscitada em sede recursal extraordinária, a garantia da autonomia fundada no próprio texto da Constituição da República. A abrangência da autonomia política municipal — que possui base eminentemente constitucional (só podendo, por isso mesmo, sofrer as restrições emanadas da própria Constituição da República) — estende-se à prerrogativa, que assiste ao Município, de “legislar sobre assuntos de interesse local” (CF, art. 30, I), tal como o fez, em benefício da segurança geral de sua população, o Município de Canoas/RS. Tenho para mim — ao reconhecer que existe, em favor da autonomia municipal, uma “garantia institucional do mínimo intangível” (Paulo Bonavides, “Curso de Direito Constitucional”, p. 320/322, item n. 7, 12ª ed., 2002, Malheiros) — que o art. 30, inciso I, da Carta Política não autoriza a utilização de recursos hermenêuticos cujo emprego, tal como pretendido pela instituição financeira recorrente, possa importar em grave vulneração à autonomia constitucional dos Municípios, especialmente se se considerar que a Constituição da República criou, em benefício das pessoas municipais, um espaço mínimo de liberdade decisória que não pode ser afetado, nem comprometido, em seu concreto exercício, por interpretações que culminem por lesar o mínimo essencial inerente ao conjunto (irredutível) das atribuições constitucionalmente deferidas aos Municípios. Em suma: entendo que o diploma legislativo do Município em referência reveste-se de plena legitimidade jurídico-constitucional, pois, longe de dispor sobre controle de moeda, política de crédito, câmbio, segurança e transferência de valores ou sobre organização, funcionamento e atribuições de instituições financeiras, limitou-se, ao R.T.J. — 197 653 contrário, a disciplinar, em bases constitucionalmente legítimas, assunto de interesse evidentemente municipal, veiculando normas pertinentes à adequação dos estabelecimentos bancários a padrões destinados a propiciar melhor atendimento e proteção à coletividade local, tudo em estrita harmonia com o magistério jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou na matéria ora em exame (RE 385.398-AgR/MG, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.): “Estabelecimentos bancários — Competência do município para, mediante lei, obrigar as instituições financeiras a instalar, em suas agências, dispositivos de segurança — Inocorrência de usurpação da competência legislativa federal — Recurso improvido. — O Município dispõe de competência, para, com apoio no poder autônomo que lhe confere a Constituição da República, exigir, mediante lei formal, a instalação, em estabelecimentos bancários, dos pertinentes equipamentos de segurança, tais como portas eletrônicas ou câmaras filmadoras, sem que o exercício dessa atribuição institucional, fundada em título constitucional específico (CF, art. 30, I), importe em conflito com as prerrogativas fiscalizadoras do Banco Central do Brasil. Precedentes.” (RE 312.050-AgR/MS, Rel. Min. Celso de Mello) Cumpre registrar, finalmente, que essa mesma orientação vem de ser expressamente acolhida em decisão na qual o eminente Ministro Eros Grau também reconheceu a competência dos Municípios para legislar, como sucede no caso ora em exame, sobre a instalação de portas eletrônicas em estabelecimentos bancários (RE 246.319/RS). Cabe analisar, agora, tema novo proposto pela parte ora agravante e consistente na alegada transgressão, pelo Município, da norma inscrita no § 8º do art. 144 da Constituição da República. A parte recorrente assim justifica a admissibilidade desse pretendido exame (fl. 213): “Reconhecer, portanto, que a decisão extraordinariamente impugnada, ao conceber possam os municípios expedir leis dispondo sobre a ‘segurança pública municipal’, ofende o art. 144, § 8º, da Carta Magna, não está, data venia, fora dos limites temáticos do recurso extraordinário interposto.” Essa pretensão, nos termos em que exposta pela parte ora recorrente, não se revela suscetível de conhecimento, pois a matéria em questão não foi debatida no acórdão recorrido, constituindo, por isso mesmo, tema estranho ao objeto da controvérsia suscitada em sede recursal extraordinária. Impende advertir, neste ponto, na linha da orientação jurisprudencial firmada pelo Supremo Tribunal Federal, que o recurso extraordinário apenas deve ser apreciado nos estritos limites temáticos em que a controvérsia constitucional haja sido examinada pelo Tribunal a quo, sem possibilidade de aplicação do princípio jura novit curia (RTJ 173/335, Rel. Min. Celso de Mello): 654 R.T.J. — 197 “Não se aplica ao julgamento do recurso extraordinário, pelo Supremo Tribunal Federal, o princípio jura novit curia.” (RTJ 147/994-995, Rel. Min. Celso de Mello) “No exame do recurso extraordinário, no Supremo Tribunal Federal, não é aplicável o princípio jura novit curia (...).” (RE 99.978-ED/PR, Rel. Min. Aldir Passarinho — grifei) Isso significa, portanto, que a atividade jurisdicional desenvolvida pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de recurso extraordinário, apresenta-se essencialmente limitada pela matéria constitucional, desde que esta, além de suscitada nas razões recursais deduzidas pela parte ora agravante (RTJ 90/516, v.g.), tenha sido efetivamente prequestionada (debatida, portanto, de modo expresso, pelo acórdão recorrido). Somente os temas de direito constitucional versados no acórdão impugnado (e igualmente veiculados no recurso extraordinário interposto) revelar-se-ão suscetíveis de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, cujo julgamento, no entanto, não poderá “exceder os limites da devolução, apreciando questões não ventiladas na decisão recorrida (...)” (Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes, “Recursos no Processo Penal”, p. 298, item n. 196, 1996, RT). Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, nego provimento ao presente recurso de agravo, mantendo, em conseqüência, por seus próprios fundamentos, a decisão ora agravada. É o meu voto. EXTRATO DA ATA AI 347.717-AgR/RS — Relator: Ministro Celso de Mello. Agravante: Banco Bamerindus do Brasil S.A. (em liquidação extrajudicial) (Advogados: Luiz Carlos Bettiol e outro) Agravado: Município de Canoas (Advogados: Francisco de Paula Figueiredo e outros). Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie. Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Compareceu à Turma o Ministro Nelson Jobim, Presidente do Tribunal, a fim de julgar processo a ele vinculado, assumindo, nesta ocasião, a Presidência da Turma, de acordo com o art. 148, parágrafo único, do RISTF. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto da Nóbrega. Brasília, 31 de maio de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador. R.T.J. — 197 655 AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 367.460 — DF Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes Agravantes: Ana Maria Batista de Souza e outro — Agravada: União Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Concurso Público. Fiscal do Trabalho. Aprovação na 1ª etapa. Não-convocação para a 2ª etapa. Prazo de validade não prorrogado. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Brasília, 6 de dezembro de 2005 — Gilmar Mendes, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ao apreciar o RE 367.460, proferi a seguinte decisão (fls. 264/266): “Decisão: Trata-se de recurso extraordinário fundado no art. 102, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão que entendeu ser ato discricionário da Administração a prorrogação ou não da validade de concurso público. Alega-se violação ao art. 37, IV, da Carta Magna; e que o acórdão recorrido divergiu da orientação firmada pela Segunda Turma desta Corte no julgamento do RMS 23.040, Rel. Néri da Silveira, DJ de 17-12-99: ‘Ementa: Mandado de segurança. Recurso ordinário. 2. Segurança requerida contra ato do Ministro de Estado do Trabalho, por candidatos aprovados na primeira fase do concurso de Fiscal do Trabalho. Direito a serem convocados para a segunda etapa do concurso, consistente no Programa de Formação, considerando regra contida no edital. 3. Previsão expressa, em segundo edital, de que os candidatos selecionados na primeira etapa poderiam participar da segunda fase do certame para fins de provimento de vagas também estabelecidas em “outros Editais que venham a ser publicados.”. 4. Não fica a Administração impedida de iniciar outro concurso público; não poderá, entretanto, preterir os candidatos já aprovados na primeira fase do anterior, quanto à convocação para a Segunda Etapa, observada a ordem de classificação. 5. Recurso ordinário conhecido e provido para deferir o mandado de segurança, ficando, em conseqüência, a autoridade coatora impedida de nomear candidatos aprovados em posterior concurso de Fiscal do Trabalho, enquanto não se concluir o primeiro concurso aludido com a convocação dos impetrantes à segunda etapa — Programa de Formação. Consoante o edital, a conclusão do concurso pressupõe a realização de sua segunda etapa’. 656 R.T.J. — 197 Ao contrário do que sustenta o recorrente, o acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte, conforme se depreende da leitura do acórdão do RMS 23.793, 1ª T., Rel. Moreira Alves, DJ de 14-12-01; e o RMS 23.788, 2ª T., Rel. Maurício Corrêa, DJ de 16-11-01, assim ementado: ‘Ementa: Recurso ordinário em mandado de segurança. Concurso público. Aprovação na primeira etapa e não-aproveitamento na segunda. Direito adquirido: inexistência. 1. Candidatos aprovados na primeira etapa de concurso público. Classificação além do número de vagas existentes para o segundo estágio. Hipótese não amparada pelas normas do edital. 2. Mera previsão de vagas para futuros concursos não constitui fato concreto gerador de direito líquido e certo. 3. A prorrogação do concurso é ato discricionário da Administração, a teor do inciso III do artigo 37 da Carta de 1988. Recurso não provido’. É relevante consignar que o Plenário desta Corte, no julgamento da AR 1.685, Rel. Ellen Gracie, sessão de 12-6-03, referendou a decisão da Relatora, a qual monocraticamente concedeu a antecipação de tutela em ação rescisória contra o acórdão do RMS 23.040 e da RCL 1.728, e assentou inexistir erro de fato no acórdão rescindendo em face do caráter regionalizado concurso público e pela difícil reversibilidade dos prejuízos administrativos e econômicos que seriam causado para a União com a nomeação dos candidatos. E, ainda, em caso idêntico, a Primeira Turma reafirmou este entendimento no RMS 23.696, Rel. Moreira Alves, DJ de 2-5-03, acórdão com o seguinte voto condutor, no que interessa: ‘É de notar-se que, recentemente, em 12-6-2002, o Tribunal Pleno referendou, por maioria de votos (entre os quais se incluiu o meu), cautelar deferida pela eminente Ministra Ellen Gracie na Ação Rescisória 1.685, que tem por objeto exatamente o decidido por esta Corte no RMS 23.040. Em seu douto voto, a eminente Relatora aprecia amplamente a matéria para sustentar a concessão da cautelar, observando tratar-se de concurso regionalizado, sendo que, a seguir a fundamentação do acórdão rescindendo, não seria possível realizar-se qualquer concurso para o provimento de tal função nas próximas quatro décadas; e de o novo concurso ter sido realizado depois do término do prazo de validade deste (o edital desse novo concurso é muito posterior ao término desse prazo) cujo termo inicial foi o da homologação da 1ª fase do concurso, pois o curso de formação profissional (segunda etapa) constitui apenas pré-requisito para a nomeação dos candidatos, para cujo acesso aliás os impetrantes não tinham sido classificados, inexistindo assim a preterição alegada. 2. Em face do exposto, nego provimento ao presente recurso ordinário’. Assim, nego seguimento ao recurso (art. 557, caput, do CPC).” R.T.J. — 197 657 Os agravantes, Ana Maria Batista de Souza e outros, interpuseram o agravo regimental de fls. 271/276, no qual sustentam: “Pode-se, pois, concluir que matéria sobre a qual não se tenha firmado uma jurisprudência remansosa, sobre a qual haja divergência, que não esteja alicerçada em harmônicos julgados, de tal sorte que não se possa considerar como ‘jurisprudência indiscutivelmente predominante’, esta matéria não pode ser rechaçada da apreciação do colegiado, exatamente para que coletivamente seja examinada e definido de forma consistente o entendimento da Corte. É, exatamente, o que acontece com a matéria que constitui o objeto do presente RE, de tal sorte que se faz necessária a submissão de seu julgamento ao colegiado, para que a decisão possa sinalizar qual é a orientação que se vai consagrando na Suprema Corte. [...] O v. despacho se fundamenta em alguns precedentes para negar seguimento ao RE. Deles os dois mais importantes são o decidido no RMS 23.696 e a ratificação pelo Plenário, de liminar concedida na AR 1.685. Os demais acórdãos citados são anteriores aos dois julgados mencionados no voto do MM. Ministro Moreira Alves acima transcritos. Passamos a analisar estas duas decisões para avaliar se é possível caracterizá-las como ‘jurisprudência predominante’ da C. Corte. Ocupar-nosemos, em primeiro lugar da decisão do Plenário ratificando a liminar concedida na AR 1.685. Esta decisão adotada por estreita maioria, ainda na composição anterior dessa C. Corte, manteve a cautelar proferida pela MM. Ministra Ellen Gracie, para suspender a eficácia da decisão proferida no RMS 23.040-9 DF, cujo cumprimento fora ratificado pela decisão proferida na Reclamação no 1.728-1. [...] Como se vê, nem poderia ser diferente, o referendo pelo Plenário, não aprecia o mérito, e apenas autorizou a Administração a não ser compelida a nomear os fiscais. É verdade que quanto ao fumus boni juris se admitiu ‘plausível’ a alegação da União. Todavia considerar uma alegação plausível para fins de cautelar e aprová-la em decisão de mérito há uma profunda diferença, como sabemos. Acresça-se que, é razoável a alegação de que a decisão na Reclamação 1.728, teria excedido o apreciado no RMS 23.040-9. Outro fundamento do v. despacho agravado é o próprio aresto proferido no RMS 23.696. Afastada a utilização da decisão na Ação Rescisória 1.685, como prova da mudança da orientação jurisprudencial, resta apenas um único julgado que é o proferido no RMS 23.696. A este poderíamos opor o julgado no RMS 23.6547-8, não mencionado no v. despacho ora agravado, em que a Segunda Turma dessa C. Corte, decidiu, em 21 de novembro de 2.000, acórdão publicado em 9 de novembro de 2001, transitado em julgado, favoravelmente à tese que aqui se esposa, sendo Relator o MM. Ministro Marco Aurélio.” É o relatório. 658 R.T.J. — 197 VOTO O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Os agravantes não trouxeram argumentos novos capazes de modificar o posicionamento deste Tribunal. A controvérsia versa sobre concurso público para Fiscal do Trabalho realizado em 1994. Os agravantes foram aprovados na primeira etapa, mas não obtiveram classificação para a segunda etapa. Impetraram, então, mandado de segurança, com pedido de liminar, para que fosse prorrogada a validade do concurso e para que fossem convocados para realização da segunda fase do concurso, tendo em vista a existência de vagas. A liminar foi indeferida (fl. 99-100) e a segurança foi denegada pela sentença nos seguintes termos (fl. 139-140): “Não há dúvidas de que o candidato, uma vez aprovado em todas as fases do concurso, tem direito à nomeação prioritariamente aos demais concursandos. Não há dúvidas ainda de que, não seria razoável que a administração convocasse novo concurso para provimento de cargos idênticos àqueles aos quais já existiriam candidatos definitivamente aprovados em concursos anteriores. Ocorre que isso não é o que ocorre no presente mandado de segurança. Por primeiro, os impetrantes não foram aprovados no referido concurso. Verifico, outrossim, que a segunda fase do certame tem caráter eliminatório, não sendo mero curso de preparação, como salientado pelo ilustre patrono dos impetrantes. Constitui, pois, etapa obrigatória do concurso. [...] Portanto, não se encontra consubstanciado o pressuposto do direito à nomeação, visto que não há aprovação no concurso.” O acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região restou assim ementado (fl. 183): “Administrativo. Concurso público. Fiscal do trabalho. Pedido de prorrogação da validade do certame formulado por candidatos aprovados na 1ª etapa da seleção. Convocação imediata para a 2ª fase. Impossibilidade. Discricionariedade do administrador. I - A prorrogação ou não do prazo de validade de um concurso público é ato discricionário da Administração, não constituindo direito subjetivo dos candidatos. II - Os candidatos aprovados na 1ª fase de um concurso público detêm, apenas, expectativa de direito quanto à convocação para a 2ª etapa do certame, por simetria, com a hipótese de candidato aprovado em concurso, em relação à nomeação. III - Os precedentes do Colendo STJ, trazidos à colação, pelos autores, não possuem pertinência com o caso em comento, pois, neste não há novo concurso com edital publicado, o que garantiria a prioridade dos aprovados em concurso anterior, se dentro do prazo da validade. IV - Apelação improvida.” R.T.J. — 197 659 A decisão agravada (fls. 264-266) negou seguimento ao recurso extraordinário com base na jurisprudência desta Corte. Ressalte-se o julgamento da AR-MC 1.685, Pleno, Rel. Ellen Gracie, DJ de 12-304, assim ementado: “Ação rescisória. Mandado de segurança. Recurso ordinário. Concurso público. Fiscal do trabalho. Medida cautelar concedida ad referendum do Plenário. Antecipação dos efeitos da tutela pretendida. Excepcionalidade do caso. Cabimento. [...] 4. Ademais, os elementos trazidos aos autos revelam a inocorrência da abertura de novo concurso público durante o prazo de validade daquele prestado pelos requeridos, além da não-obrigatoriedade da Administração Pública em convocar para a segunda etapa do certame (curso de formação), os candidatos que, embora aprovados na primeira etapa, não obtiveram classificação dentro do número de vagas previstas no edital. Precedentes: RMS n. 23.788, Maurício Corrêa, MS 21.915, Ilmar Galvão, e RMS n. 23.793, Moreira Alves. Cautelar deferida referendada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.” No mesmo sentido, o AgRRMS 23.489, 2ª T., Rel. Néri da Silveira, DJ de 14-9-01: “Ementa: Recurso ordinário em mandado de segurança. Agravo regimental. 2. Concurso Público. Delegado de Polícia Federal. Candidato aprovado na Primeira Etapa do concurso, sem obter classificação, suficiente para entrar na Segunda Etapa desse mesmo concurso. 3. Acórdão do STJ que indeferiu mandado de segurança contra atos do Ministro da Administração e Reforma do Estado e do Coordenador da Academia Nacional de Polícia. 4. Recurso ordinário em mandado de segurança a que se negou provimento. Ausência de direito adquirido de candidatos aprovados na primeira etapa de concurso, mas além do número de vagas existentes para a segunda etapa. Precedentes. 5. Inaplicáveis ao caso os precedentes invocados. Perda de validade do concurso. Não há como ver prorrogada a eficácia da aprovação do recorrente, na primeira fase do concurso, em ordem a pretender ser convocado no concurso novo ou já ingressar na segunda etapa do mesmo. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.” No presente caso, não houve prorrogação do prazo de validade do concurso, e não houve alegação de convocação para cadastro de reserva, não sendo possível a convocação dos agravantes para a realização da segunda fase do concurso. Assim, nego provimento ao agravo regimental. EXTRATO DA ATA RE 367.460-AgR/DF — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Agravantes: Ana Maria Batista de Souza e outro (Advogados: Marcello Lavenère Machado e outro). Agravada: União (Advogado: Advogado-Geral da União). 660 R.T.J. — 197 Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie. Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos Velloso, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Maria Caetana Cintra Santos. Brasília, 6 de dezembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 393.021 — SP Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello Agravante: Banco Itaú S.A. — Agravado: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC Recurso extraordinário — Caderneta de poupança — Contrato de depósito validamente celebrado — Ato jurídico perfeito — Intangibilidade constitucional (CF/88, art. 5º, XXXVI) — Lei superveniente à data da celebração do contrato de depósito — Inaplicabilidade desse ato legislativo, mesmo quanto aos efeitos futuros decorrentes do pacto negocial — Subsistência da decisão que não conheceu do recurso extraordinário. — Os contratos submetem-se, quanto ao seu estatuto de regência, ao ordenamento normativo vigente à época de sua celebração. Mesmo os efeitos futuros oriundos de contratos anteriormente celebrados não se expõem ao domínio normativo de leis supervenientes. As conseqüências jurídicas que emergem de um ajuste negocial válido são regidas pela legislação que se achava em vigor no momento da celebração do contrato (tempus regit actum): exigência imposta pelo princípio da segurança jurídica. — Os contratos — que se qualificam como atos jurídicos perfeitos (RT 547/215) — acham-se protegidos, inclusive quanto aos efeitos futuros deles decorrentes, pela norma de salvaguarda constante do art. 5º, XXXVI, da Constituição da República, cuja autoridade sempre prevalece, considerada a supremacia que lhe é inerente, mesmo que se trate de leis de ordem pública. Doutrina e precedentes. — A incidência imediata da lei nova sobre os efeitos futuros de um contrato preexistente, precisamente por afetar a própria causa geradora do ajuste negocial, reveste-se de caráter retroativo (retroatividade injusta de grau mínimo), achando-se desautorizada pela cláusula constitucional que tutela a intangibilidade das situações jurídicas definitivamente consolidadas. Precedentes. R.T.J. — 197 661 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Relator. Brasília, 25 de novembro de 2003 — Celso de Mello, Presidente e Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de recurso de agravo interposto contra decisão que não conheceu do recurso extraordinário deduzido pela parte ora recorrente. Eis o teor da decisão que sofreu a interposição do presente recurso de agravo (fls. 628/630): “O Tribunal a quo, em decisão impugnada na presente sede recursal, fazendo aplicação do princípio constitucional inscrito no art. 5º, XXXVI, da Carta Política, rejeitou a possibilidade de imediata aplicação de nova disciplina legislativa aos efeitos futuros de contratos de depósito em caderneta de poupança, celebrados ou renovados em momento anterior ao do início da vigência da MP n. 32/89, convertida na Lei n. 7.730/89. O recurso extraordinário interposto pela instituição financeira revela-se inacolhível, eis que o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ajusta-se à orientação jurisprudencial firmada pelo Supremo Tribunal Federal na análise da matéria objeto da presente controvérsia (RTJ 163/795, Rel. Min. Moreira Alves — RTJ 164/1145, Rel. Min. Celso de Mello — AI 215.249/SP, Rel. Min. Octavio Gallotti — AI 220.508-AgR/RJ, Rel. Min. Octavio Gallotti — AI 229.001-AgR/ SP, Rel. Min. Maurício Corrêa — AI 262.789/BA, Rel. Min. Celso de Mello — RE 198.304/RS, Rel. Min. Sydney Sanches, v.g.). O exame da presente causa evidencia não assistir razão à parte ora recorrente, eis que o acolhimento da postulação recursal por ela deduzida importaria em inaceitável transgressão ao princípio constitucional da intangibilidade do ato jurídico perfeito, tal como enunciado pelo art. 5º, XXXVI, da Lei Fundamental da República. Cumpre ter presente, neste ponto, que o contrato de depósito em caderneta de poupança, enquanto ajuste negocial validamente celebrado pelas partes, qualifica-se como típico ato jurídico perfeito, à semelhança dos negócios contratuais em geral (RT 547/215), submetendo-se, por isso mesmo, quanto ao seu estatuto de regência, ao ordenamento normativo vigente à época de sua estipulação. A pretensão jurídica manifestada pela instituição financeira conflita, de modo frontal, com a norma inscrita no art. 5º, XXXVI, da Carta Federal, que consagra princípio fundamental destinado a resguardar a incolumidade das situações jurídicas definitivamente consolidadas, consoante tem sido reiteradamente enfatizado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 163/802-803, Rel. Min. Celso de Mello): 662 R.T.J. — 197 ‘(...) A lei nova não pode reger os efeitos futuros gerados por contratos a ela anteriormente celebrados, sob pena de afetar a própria causa — ato ou fato ocorrido no passado — que lhes deu origem. Essa projeção retroativa da lei nova, mesmo tratando-se de retroatividade mínima, incide na vedação constitucional que protege a incolumidade do ato jurídico perfeito. — A cláusula de salvaguarda do ato jurídico perfeito, inscrita no art. 5º, XXXVI, da Constituição, aplica-se a qualquer lei editada pelo Poder Público, ainda que se trate de lei de ordem pública. Precedentes do STF. — A possibilidade de intervenção do Estado no domínio econômico não exonera o Poder Público do dever jurídico de respeitar os postulados que emergem do ordenamento constitucional brasileiro, notadamente os princípios — como aquele que tutela a intangibilidade do ato jurídico perfeito — que se revestem de um claro sentido de fundamentalidade (...).’ (AI 266.236/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 13-6-2000) Em suma: o Supremo Tribunal Federal, tendo presente a importância político-jurídica da norma inscrita no art. 5º, XXXVI, da Constituição — e considerando, ainda, a grave advertência da doutrina (Humberto Theodoro Júnior, ‘O Contrato e a Interferência Estatal no Domínio Econômico’, in Revista dos Tribunais, vol. 675/7, 13; Hely Lopes Meirelles, ‘Estudos e Pareceres de Direito Público’, vol. IX/258, 1986, RT, v.g.) — firmou orientação na matéria ora em exame, enfatizando, na perspectiva do princípio constitucional que protege o ato jurídico perfeito, que, ‘(...) nos casos de cadernetas de poupança cuja contratação ou (...) renovação tenha ocorrido antes da entrada em vigor da Medida Provisória n. 32, de 15-1-89, convertida na Lei n. 7.730, de 31-1-89, a elas não se aplicam, em virtude do disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, as normas dessa legislação infraconstitucional, ainda que os rendimentos venham a ser creditados em data posterior’ (RTJ 163/795, Rel. Min. Moreira Alves — grifei). Sendo assim, e tendo presentes as razões expostas, não conheço do presente recurso extraordinário, inclusive no que concerne à hipótese prevista no art. 102, III, b, da Constituição, pois ‘o acórdão recorrido, em momento algum, declarou a inconstitucionalidade da referida Lei’ (AI 249.048/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence). (...) Ministro Celso de Mello Relator” Inconformada com esse ato decisório, a parte ora agravante interpõe o presente recurso, postulando o conhecimento e o provimento do recurso extraordinário que deduziu (fls. 633/640). Por não me convencer das razões expostas, submeto, à apreciação desta Colenda Turma, o presente recurso de agravo. É o relatório. R.T.J. — 197 663 VOTO O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Não assiste razão à parte ora recorrente, eis que a decisão agravada ajusta-se, com integral fidelidade, à diretriz jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria ora em exame. Não obstante os vários precedentes desta Suprema Corte, é sempre importante reafirmar o entendimento de que os contratos submetem-se, quanto ao seu estatuto de regência, ao ordenamento normativo vigente à época de sua celebração. Mesmo os efeitos futuros oriundos de contratos anteriormente celebrados não se expõem ao domínio normativo de leis supervenientes. As conseqüências jurídicas que emergem de um ajuste negocial válido — consoante adverte o magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (RTJ 163/795, Rel. Min. Moreira Alves — RTJ 163/802803, Rel. Min. Celso de Mello — RTJ 164/1145, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.) — são regidas pela legislação que se achava em vigor no momento da celebração do contrato (tempus regit actum). Impende rememorar, bem por isso, que os contratos — que se qualificam como atos jurídicos perfeitos (RT 547/215) — acham-se protegidos, inclusive quanto aos efeitos futuros deles decorrentes, pela norma de salvaguarda constante do art. 5º, XXXVI, da Constituição da República, cuja autoridade sempre prevalece, considerada a supremacia que lhe é inerente, mesmo que se trate de leis de ordem pública. Tal asserção nada mais traduz senão conseqüência que emana, diretamente, do postulado da segurança jurídica. Isso significa, portanto, que a incidência imediata da lei nova sobre os efeitos futuros de um contrato preexistente, precisamente por afetar a própria causa geradora do ajuste negocial, reveste-se de caráter retroativo (retroatividade injusta de grau mínimo), achando-se desautorizada pela cláusula constitucional que tutela a intangibilidade das situações jurídicas definitivamente consolidadas. Vê-se, pois, que a pretensão jurídica deduzida pela instituição financeira recorrente revela-se inacolhível, razão pela qual mantenho, por seus próprios fundamentos, a decisão ora agravada, que não conheceu do recurso extraordinário em análise. É o meu voto. EXTRATO DA ATA RE 393.021-AgR/SP — Relator: Ministro Celso de Mello. Agravante: Banco Itaú S.A. (Advogados: André Vidigal de Oliveira e outro). Agravado: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC (Advogados: Dulce Soares Pontes Lima e outro). Decisão: A Turma, por votação unânime, não conheceu do recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos Velloso, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Gilmar Mendes. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra Verônica Cureau. Brasília, 25 de novembro de 2003 — Antonio Neto Brasil, Coordenador. 664 R.T.J. — 197 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 395.121 — PR Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto Embargante: Carlos Roberto de Macedo — Embargados: Luiz Henrique de Macedo e outro Embargos de declaração. Recurso extraordinário. Alegada contradição, consistente no “seccionamento da eficácia” do único voto proferido no Tribunal de origem que versou sobre o § 6º do art. 227 da Carta de Outubro. Alegação improcedente, visto que o aresto embargado apenas ressaltou a circunstância de o Ministro prolator do mencionado voto haver sido voz isolada no âmbito do Tribunal a quo no que diz respeito ao tema constitucional veiculado no apelo extremo. Ausência de prequestionamento reafirmada. Embargos de declaração rejeitados. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em rejeitar os embargos de declaração em recurso extraordinário; vencido o Ministro Marco Aurélio, que os recebia para conhecer do recurso extraordinário e lhe dar provimento. Brasília, 26 de abril de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Tendo em conta as alterações na composição desta Turma, ocorridas desde a prolação do acórdão embargado até a presente data, considero oportuno fazer um relatório mais detalhado da causa. 2. E, ao assim proceder, começo por registrar que em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná foram manejados recursos especial e extraordinário, este com alegação de afronta ao inciso XXXVI do art. 5º da Carta de Outubro. 3. Negado seguimento ao apelo extremo, em despacho irrecorrido, subiram os autos ao Superior Tribunal de Justiça, cuja Quarta Turma, por três votos a dois, não conheceu do recurso especial. 4. Inconformado, o ora embargante interpôs embargos de declaração, rejeitados, e recurso extraordinário, admitido. Neste sustentava-se que o acórdão recorrido violara, por aplicação retroativa a uma sucessão aberta em 23-6-76, a norma do § 6º do artigo 227 da Carta Magna, contrariando, ademais, a pacífica jurisprudência desta Corte. R.T.J. — 197 665 5. Na Sessão de 2-3-2004, trouxe o feito a julgamento e votei pelo não-conhecimento do recurso, sendo acompanhado pelos Ministros Joaquim Barbosa e Cezar Peluso. Ficou vencido o Ministro Marco Aurélio, que, em razão da ausência justificada do Ministro Sepúlveda Pertence, presidiu a sessão. 6. Do julgamento resultou a seguinte ementa: “Recurso extraordinário. Sucessão. Testamento. Filhos legítimos e filhos havidos fora do casamento. Constituição Federal de 1988. Art. 227, § 6º. Prequestionamento. Recurso que se ressente do indispensável prequestionamento, uma vez que apenas um dos cinco votos proferidos no Tribunal de origem versou efetivamente o tema constitucional tido por violado no apelo extremo. Dois outros não o fizeram de forma alguma, e os restantes apenas tangenciaram a Lei Maior, sem força decisória. Não houve, assim, debate sobre a matéria constitucional, patrocinado pela maioria dos julgadores. Recurso extraordinário não conhecido”. 7. No presente recurso, o embargante alega, em síntese, que o acórdão do Superior Tribunal de Justiça “também está apoiado em fundamento constitucional” e que “a circunstância de o fundamento ter sido deduzido em apenas um dos três votos majoritários, não tem o condão de justificar o seccionamento da eficácia do referido voto para, por um lado, atribuir relevância à sua conclusão, e, por outro lado, desprezar eficácia jurídica ao fundamento que a respalda” (sic). Nesse diapasão, propugna pelo acolhimento dos embargos a fim de que, sanada a contradição e superado o óbice relativo à ausência de prequestionamento, seja conhecido e provido o apelo extremo. 8. Por se tratar de embargos com efeitos modificativos, foi dada vista aos embargados pelo prazo legal. Decorrido o prazo sem que houvesse nenhuma manifestação, vieram-me os autos conclusos. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Como visto, apenas um dos cinco votos proferidos no Tribunal de origem versou efetivamente o tema constitucional tido por violado no apelo extremo, circunstância considerada insuficiente por esta Turma para satisfazer o requisito do prequestionamento. 12. Confira-se, por ser elucidativo, o seguinte trecho do voto de minha lavra, que conduziu ao resultado do julgamento: “(...) Esclareceu o Relator, Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, que “o recurso especial do autor invoca violação dos arts. 1.572, 1.577, 1.717 e 1.718 do Código Civil, 6º, caput e § 2º da Lei de Introdução, e 5º, XXXVI da Constituição, além de divergência jurisprudencial. Sustenta a aplicabilidade da lei vigente à época da abertura da sucessão e a irretroatividade da norma constitucional do art. 227, § 6º” (fl. 466). 666 R.T.J. — 197 18. No seu excelente voto, o emérito Relator recusou-se a analisar a questão constitucional e considerou não prequestionado o art. 6º da Lei de Introdução, bem como os arts. 1.572 e 1.577 do Código Civil então em vigor, fazendo incidir, no ponto, a Súmula 211/STJ. E, com relação aos outros dispositivos legais, invocou os enunciados 5 e 7 da mesma Corte, que repelem o recurso especial para reexame de prova e para simples interpretação de cláusula contratual. Daí o douto Relator não conhecer do recurso (no que foi acompanhado pelo Ministro Barros Monteiro). 19. Abrindo a divergência, porém, o Ministro César Asfor Rocha conheceu do recurso e lhe deu provimento. Para tanto, valeu-se de disposições do Código Civil, sobretudo do art. 1.666 — transcrito literalmente — para concluir que a vontade do testador, no caso, era agraciar somente a prole legítima do neto, na acepção dada pela legislação civil então vigente. Destaco do voto a seguinte passagem (fl. 492): ‘Devo gizar, ainda, que não paira nenhuma dúvida de que, no caso em exame, o testador explicitou, no testamento, que queria mesmo contemplar, no legado instituído, apenas e exclusivamente os filhos legítimos de seu neto, inclusive os que viessem a nascer.’ 20. A referência feita à Lei Fundamental foi de passagem e assintomática, apenas para “deixar assinalado que o testador faleceu antes de 1988, portanto em período anterior à Constituição Federal, quando só então deixou de haver discriminação entre filhos legítimos e ilegítimos.” Esta anotação, portanto, não exerceu influência na direção do voto, todo ele centrado na análise da vontade do testador, sem as amarras das Súmulas 5 e 7, citadas anteriormente. 21. Registre-se que a divergência encontrou companhia no voto do Ministro Aldir Passarinho Júnior, pelas mesmas razões, resumidas na seguinte passagem (fl. 495): ‘Não tenho dúvida nenhuma de que o avô quis restringir a herança aos netos havidos fora do casamento, exatamente para evitar que o filho deixasse a esposa. É uma disposição do testador; os bens eram dele e, data vênia, respeito a sua vontade. Encontro até uma razão plausível, mas nada me leva a entender que fosse um sentido equivocado, que o testador não estivesse sabendo o que dizia quando se expressou por “filho legítimo’. 22. Também aqui a menção à Magna Carta foi aligeirada e incidental, formulada nos seguintes termos (fl. 495): ‘A lei estava absolutamente em vigor, em consonância com o dispositivo constitucional. Senão ter-se-ia de ressuscitar todas as questões anteriores às Constituições.’ 23. O desempate, pelo não-conhecimento do recurso, é procedemente atribuído ao voto do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, o único que, acertadamente ou não, se louvou no Texto Magno para sentenciar (fl. 494): R.T.J. — 197 667 (...) ‘Não me parece, na circunstância dos autos, que se deva ter preocupação com a vontade do testador para interpretar e aplicar seu testamento. É que, no sistema constitucional vigente, não há mais a distinção entre filho legítimo e ilegítimo, nem a lei poderá estabelecê-la; a que assim dispunha se tem hoje por revogada. A força constitucional, penso, atua também sobre a vontade da parte, de forma que aquela distinção feita pelo testador — acredito que com a intenção manifesta de discriminar — hoje não prevalece. Não porque se deva interpretar o testamento de um modo ou de outro, mas porque a Constituição não faz a distinção, tornando-a ilícita.’ 24. Embora não mencionasse nenhum dispositivo da Carta de 1988, é clara a matriz constitucional que norteou este último pronunciamento. 25. O quadro que acabo de esboçar não sofreu alteração com o julgamento dos subseqüentes embargos declaratórios, rejeitados por unanimidade. 26. De todo o exposto, então, surge a pergunta-chave: houve, afinal, prequestionamento? 27. Começo por responder que, no seu trabalho Recurso Extraordinário — Aspectos Práticos, publicado na Revista Jurídica, de outubro/2003 (n. 312), Carlos Bastide Horbach, ao fazer um giro pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, lança claras luzes sobre o assunto, ajudando, com isso, a responder à indagação acima. Disse ele, com propriedade, às fls. 59/60: ‘Entretanto, não basta que a matéria constitucional seja debatida, é preciso ainda que seja adotada como razão de decidir, no caso dos colegiados, pelo voto vencedor. Não há, assim, prequestionamento se as questões constitucionais foram suscitadas no voto vencido, sendo necessária, pois, a adoção de tese pela maioria vencedora. Essa exigência pode ser também depreendida da idéia de “causa decidida”. Se não houve efetiva decisão sobre o ponto controverso, não há o requisito inicial para a admissão do extraordinário. São muitos os precedentes que expressam esse entendimento, tais como o RE 131.739, Rel. Min. Marco Aurélio, D.J. de 06.11.92; e o agravo regimental no RE 279.557, Rel. Min. Ilmar Galvão, D.J. de 16.03.2001; cujas ementas foram assim redigidas, respectivamente: “Recurso — Prequestionamento — Campo propício. O prequestionamento pressupõe a adoção de tese pelo Órgão prolator da decisão atacada. Há de ter origem em manifestação explícita do Colegiado sobre o tema jurígeno veiculado no recurso. A análise contida, unicamente, em voto vencido, mostra-se irrelevante. O silêncio da maioria não é passível de ser afastado pelo fato de o dissidente haver esgrimido o tema, isto na declaração de voto juntada aos autos. Entendimento diverso implica a consagração do prequestionamento implícito, presumindo-se refutada a matéria de defesa”. 668 R.T.J. — 197 “Voto vencido. Ausência de prequestionamento. Recurso extraordinário que se ressente do indispensável prequestionamento, posto que os temas constitucionais tidos por violados foram abordados apenas no voto vencido do acórdão recorrido. Voto condutor que teve fundamento constitucional independente, não suscitado nas razões recursais. Precedentes (Res 118.479 e 215.083). Agravo regimental a que se nega provimento.” Em 1993, entretanto, o julgamento do RE 141.788, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, pelo Tribunal Pleno suscitou na doutrina uma especulação acerca da superação desse entendimento. O julgado, em sua parte essencial, foi assim ementado: “I. Recurso extraordinário: prequestionamento: irrelevância da ausência da menção dos dispositivos constitucionais atinentes aos temas versados. 1. O prequestionamento para o RE não reclama que o preceito constitucional invocado pelo recorrente tenha sido explicitamente referido pelo acórdão, mas, sim, que este tenha versado inequivocamente a matéria objeto da norma que nele se contenha. 2. É de receber-se com cautela a assertiva de que a fundamentação do voto vencido é irrelevante para a satisfação do requisito do prequestionamento: quando é patente a identidade das questões constitucionais resolvidas, de modo diametralmente oposto, pelo acórdão recorrido, de um lado, e pelo voto vencido, de outro, a invocação expressa pelo voto dissidente dos dispositivos constitucionais pertinentes às indagações que também o acórdão enfrentou e resolveu é a melhor prova de que a maioria do Tribunal não fez abstração de ditas normas, mas, sim, que lhes deu inteligência diversa.” (D.J. de 18.06.93).’ 28. Temos, então, em resumo, que é irrelevante a questão de se saber de que fonte jorrou o tema constitucional: se do voto vencido, ou do vencedor. O fundamental é que tenha havido debate sobre a matéria, patrocinado pela maioria do Tribunal. 29. Isso não ocorreu no presente caso, conforme procurei demonstrar. A maioria do Tribunal recorrido ocupou-se, na verdade, da interpretação das disposições testamentárias. E neste papel, dois Ministros recusaram-se a esquadrinhar a vontade do testador, ao contrário de outros dois que a interpretaram restritivamente, ou seja, no sentido de beneficiar apenas o ora recorrente, filho de Rivadávia de Macedo Neto e Marilda de Macedo. É como dizer: as referências feitas à Lei Maior foram laterais ou periféricas. Não determinantes da decisão, portanto. R.T.J. — 197 669 30. É certo que o recorrente dá especial relevo ao voto do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, atribuindo-lhe importância ímpar no julgamento do recurso especial. Mas não é bem assim. Conquanto tenha brandido efetivamente a questão constitucional sediada no art. 227, § 6º, foi uma voz isolada o eminente Ministro. Não abriu nenhuma polêmica em torno do tema. Na formação da maioria, teve importância aritmética, mas não substantiva. Somou, mas não multiplicou. E o fato de ter-se manifestado eventualmente contra a orientação desta egrégia Corte, sobre o assunto, não configura heresia jurídica que, por si só, autorize o manejo do apelo extremo. 31. Concluo, assim, que a matéria constitucional apresentada pelo recorrente não se submeteu, de forma explícita e decisiva, ao crivo do Superior Tribunal de Justiça, carecendo o presente recurso, portanto, do requisito do prequestionamento, razão por que dele não conheço.” (Sem destaques no original). 13. Nessa ampla moldura, fica patente que não houve o alegado “seccionamento da eficácia” do voto do Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Houve, sim, constatação de que Sua Excelência foi voz isolada na abordagem do tema constitucional. Pelo exposto, reafirmando a ausência do requisito do prequestionamento e não vislumbrando nenhuma contradição no aresto embargado, rejeito os presentes embargos. É como voto. EXTRATO DA ATA RE 395.121-ED/PR — Relator: Ministro Carlos Britto. Embargante: Carlos Roberto de Macedo (Advogados: Reginaldo Oscar de Castro e outro). Embargados: Luiz Henrique de Macedo e outro (Advogado: Newton José de Sisti). Decisão: Após os votos dos Ministros Carlos Britto, Relator, Cezar Peluso e Eros Grau negando provimento aos embargos de declaração no recurso extraordinário, pediu vista dos autos o Ministro Marco Aurélio. Presidiu o julgamento o Ministro Marco Aurélio. Não participou deste julgamento o Ministro Sepúlveda Pertence. Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Marco Aurélio, de acordo com o art. 1º, § 1º, in fine, da Resolução n. 278/2003. Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso e Carlos Britto. Ausente, justificadamente, o Ministro Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira. Brasília, 19 de abril de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador. VOTO (Vista) O Sr. Ministro Marco Aurélio: Nos embargos declaratórios, busca-se ver examinado o fato de os votos vencidos dos ministros Cesar Rocha e Aldir Passarinho Júnior conterem análise do conflito de interesses sob o ângulo constitucional, havendo 670 R.T.J. — 197 ocorrido empate na votação, no que os dois votos anteriores — dos ministros Sálvio de Figueiredo, relator, e Barros Monteiro — levaram em conta a faticidade da matéria — a discussão em torno do alcance do testamento. Sustenta-se que o tema constitucional foi enfrentado, tanto assim que o voto do Ministro Ruy Rosado, de desempate, fez-se baseado unicamente no disposto no § 6º do artigo 227 da Constituição Federal de 1988, tido como aplicável à espécie. Daí pretender-se o conhecimento e provimento dos embargos declaratórios para, a eles emprestada eficácia modificativa, vir-se a conhecer e prover o extraordinário, proclamando-se prequestionada a questão constitucional. Pedi vista do processo, que deu entrada no meu Gabinete em 29 de março de 2005, sendo que nele lancei visto, declarando-me habilitado a votar, em 22 subseqüente, e assentando que o processo estaria em mesa para seqüência na sessão de hoje — 26 de abril —, isso objetivando a ciência, pelo Gabinete, quanto à devolução às partes. É certo que, no voto condutor do julgamento, desqualificou-se o fato de os ministros Cesar Rocha e Aldir Passarinho Júnior haverem aludido ao texto constitucional. Assim ocorreu, afirmando-se, quanto ao voto do primeiro, que “a referência feita à Lei Fundamental foi de passagem e assintomática, apenas para ‘deixar assinalado que o testador faleceu antes de 1988, portanto em período anterior à Constituição Federal, quando só então deixou de haver discriminação entre filhos legítimos e ilegítimos’”. O trecho compreendido entre o vocábulo “deixar” até a palavra “ilegítimos” compõe o voto divergente proferido no Superior Tribunal de Justiça, da lavra do Ministro Cesar Rocha, e está transcrito, à folha 534, no voto condutor do julgamento nesta Turma — item 20. Relativamente ao voto do ministro Aldir Passarinho Júnior, a desqualificação, no que tange apenas ao prequestionamento, fez-se da seguinte forma (folha 535): 22. Também aqui a menção à Magna Carta foi aligeirada e incidental, formulada nos seguintes termos (fls. 495): A lei estava absolutamente em vigor, em consonância com o dispositivo constitucional. Senão ter-se-ia de ressuscitar todas as questões anteriores às constituições. O Relator, Ministro Carlos Ayres Britto, reconheceu em passo seguinte que o voto de desempate — do ministro Ruy Rosado —, sem adotar o entendimento da irretroatividade do texto da Carta de 1988, fez-se baseado no Diploma Maior — item 23. A Turma é instada a pronunciar-se sobre o que se aponta, ante os termos do voto condutor do julgamento, como “seccionamento da eficácia” do voto do ministro Ruy Rosado, no que veio a implicar a decisão em torno do não-conhecimento do recurso especial, mostrando-se decisivo. Peço vênia para assentar que se tem, no caso, verdadeira contradição. A um só tempo, reconheceu-se que três votos versaram, de alguma forma e em sentidos opostos, sobre a Constituição Federal de 1988 e, mesmo assim, não restou configurado o prequestionamento. Esta Corte vem, até mesmo, flexibilizando, em alguns casos, o instituto, contentando-se com a interposição de embargos declaratórios que, no caso, foram protocolados, admitindo-se, por sinal como está no item II da ementa de folha 530, a discussão do tema: R.T.J. — 197 671 Processual Civil. Embargos de declaração. Contradição. Inexistência. Rejeição. I - A adoção de fundamento diferente do voto condutor do acórdão na apreciação de uma mesma questão por um dos integrantes da Turma julgadora não descaracteriza o julgamento majoritário. II - A aplicação ou não da Constituição de 1988 às sucessões abertas antes de sua vigência não é premissa de fato, mas diz respeito à aplicação do direito, tornando insuscetível de ser argumentada em sede de embargos declaratórios, cuja finalidade não se presta à modificação da ratio iuris do julgado. III - Sem haver as contradições apontadas nas razões dos embargos de declaração, impõe-se sua rejeição. Está-se diante não de caso concreto em que não tenha havido prequestionamento, mas de exacerbação deste último, no que se considerou a referência à Constituição Federal, no voto do ministro Cesar Rocha, como “de passagem assintomática” e, no voto do ministro Aldir Passarinho Júnior, como “aligeirada”, concordando-se, como já consignado, que o tema de envergadura maior foi a base do voto do ministro Ruy Rosado de Aguiar. Talvez a confusão decorra da circunstância de que Sua Excelência, embora procedendo à análise sob o ângulo constitucional, fê-lo não para aderir àqueles que dissentiram do Relator e do Ministro Barros Monteiro, mas a estes últimos. Entendo passível de elucidação, na via dos embargos declaratórios, a espécie, levando em conta a contradição. Provejo os declaratórios para afastá-la e aí ter como prequestionado o tema de fundo para, conhecendo do extraordinário, provê-lo, já que a jurisprudência anterior à Carta de 1988 era no sentido de se aceitar o tratamento diferenciado entre filhos legítimos e espúrios, quadro que alfim veio a ser afastado, em termos de normatividade maior, pela Carta de 1988. Provejo o extraordinário para assegurar ao recorrente o direito, com exclusividade, aos bens que lhe foram deixados pelo testador, seu bisavô. O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, com o devido respeito, vou manter o meu ponto de vista. Penso que, já antes da Constituição de 88, essa discriminação era inconstitucional. Para efeito de argumentação, ainda que reputasse configurado o prequestionamento, eu repeliria o recurso extraordinário, pois entendo que já na Constituição anterior, por força do princípio da igualdade, a discriminação era inconstitucional. O Sr. Ministro Marco Aurélio: O caso é residual e a jurisprudência do Supremo se fez pacificada quanto à ausência da igualdade. O Sr. Ministro Cezar Peluso: É o que sempre entendi, apesar do grande respeito que sempre tive à jurisprudência desta Casa. Penso que a discriminação sempre foi contrária ao princípio da igualdade. 672 R.T.J. — 197 EXTRATO DA ATA RE 395.121-ED/PR — Relator: Ministro Carlos Britto. Embargante: Carlos Roberto de Macedo (Advogados: Reginaldo Oscar de Castro e outro). Embargados: Luiz Henrique de Macedo e outro (Advogado: Newton José de Sisti). Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Marco Aurélio, de acordo com o art. 1º, § 1º, in fine, da Resolução n. 278/2003. 1ª Turma, 19-4-2005. Decisão: Por maioria de votos, a Turma rejeitou os embargos de declaração no recurso extraordinário; vencido o Ministro Marco Aurélio, que os recebia para conhecer do recurso extraordinário e lhe dar provimento. Não votou o Ministro Sepúlveda Pertence, Presidente, por não ter assistido ao relatório. Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Maria Caetana Cintra Santos. Brasília, 26 de abril de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador. RECURSO EXTRAORDINÁRIO 409.730 — PR Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio Recorrente: Carlos Eduardo Jung — Recorrido: Ministério Público Federal Ação penal — Adesão ao programa de recuperação fiscal – Refis — Lei n. 9.964/2000 — Artigo 15 — Denúncia já recebida — Suspensão da pretensão punitiva — Viabilidade. A interpretação do artigo 15 da Lei n. 9.964/2000 há de se fazer à luz da garantia constitucional da retroação da norma mais benéfica ao réu, afastando-se a cláusula final do artigo, no que impõe, como condição, o fato de se ter aderido ao Refis em data anterior ao recebimento da denúncia, quando esta o foi antes da vigência da nova norma legal. A condição impossível é tida como não escrita. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, conhecer do extraordinário e lhe dar provimento, nos termos do voto do Relator. Brasília, 1º de fevereiro de 2005 — Marco Aurélio, Relator. R.T.J. — 197 673 RELATÓRIO O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Superior Tribunal de Justiça negou acolhida a pedido formulado em recurso ordinário em habeas corpus, ante fundamentos assim sintetizados (folha 203): Direito penal. Omissão no recolhimento de contribuição previdenciária. Lei n. 9.964/2000 (artigo 15). Novatio legis in mellius. Incaracterização. 1. O que caracteriza a norma penal, enquanto norma jurídica, própria do sistema positivo de direito em vigor, é a generalidade do preceito, em nada se confundindo com as disposições concretas e particulares de certas e determinadas pessoas. 2. Não há, assim, falar em incidência do estatuto da retroatividade penal, que tem sede na Constituição da República (artigo 5º, inciso XL) e no Código Penal (artigo 2º), pertinente à eficácia temporal da norma penal e, certamente, estranha à indulgentia principis, cujos atos têm destinatários certos e determinados, subordinada que está, por inteiro, ao poder discricionário do Estado. 3. Esta, a natureza da disposição inserta no artigo 15 da Lei n. 9.964/2000, de iniciativa exclusiva do Presidente da Republica, que tem o poder do indulto (Constituição da República, artigo 61, inciso II, alínea b, e 84, inciso XII) e produzida em lei, pelo Congresso Nacional, que tem o poder da anistia (Constituição da República, artigo 48, inciso VIII). 4. Somente os contemplados pela indulgentia principis podem invocá-la, entre os quais não se inclui aquele, cuja denúncia, que contra ele se ofertou por delitos contra a ordem tributária, foi recebida antes da vigência da Lei n. 9.964/2000. 5. Recurso improvido. Seguiu-se a interposição de embargos de declaração, desprovidos pelo Colegiado (folhas 218 a 228). No extraordinário de folhas 290 a 319, interposto com alegada base na alínea a do permissivo constitucional, articula-se com a transgressão do artigo 5º, cabeça e inciso XL, da Carta Política da República. Sustenta-se, em suma, que o recorrente, acusado da prática do delito previsto nos artigos 95, alínea d, da Lei n. 8.212/91, 168-A e 71 do Código Penal, tem direito ao benefício de que trata o artigo 15 da Lei n. 9.964/2000, ante a aplicação dos princípios da isonomia e retroatividade da lei penal mais favorável. Salienta-se que a adesão ao Refis antes do recebimento da denúncia, que era requisito para ter-se jus ao favor, deixou de existir com a edição da Lei n. 10.684/2003. Afirma-se que a denúncia foi recebida em 18 de outubro de 1999 e, já na audiência de interrogatório, noticiou-se que a empresa Diretriz Veículos Ltda., da qual o recorrente é sóciogerente, aderira ao Programa de Recuperação Fiscal – Refis, em 20 de abril de 2000, circunstância que estaria a assegurar ao paciente a suspensão da pretensão punitiva, com a suspensão da ação penal. Ressalta-se que a Lei n. 9.964/2000, ao atrelar a suspensão da pretensão punitiva do Estado à prévia adesão ao Refis, criou situação inusitada, gerando injustiça, porquanto, antes da edição do diploma legal, a única hipótese de extinção da punibilidade era a quitação integral do débito. No entanto, quando já em curso a ação penal e, portanto, depois do recebimento da denúncia, criou-se nova possibilidade de extinção da punibilidade, à qual não poderia ter acesso o recorrente, porque já estava em tramitação a ação contra ele proposta. Nesse passo, assevera-se (folhas 297 e 298): 674 R.T.J. — 197 41. (...) salta aos olhos que a nova legislação (Lei 9.964/2000) configura hipótese de novatio legis in mellius, porquanto traz benefícios ao Réu e Paciente, os quais anteriormente não eram previstos, qual seja (repita-se à exaustão): a possibilidade de adesão ao REFIS, com o conseqüente parcelamento do débito (pois até então apenas era permitido o adimplemento integral em uma única parcela), suspensão da pretensão punitiva do Estado, até a final extinção da punibilidade (uma vez ocorrido o pagamento integral das parcelas do refinanciamento). 42. Por todo o exposto, tornam-se perfeitamente aplicáveis (exigíveis até) os princípios da isonomia e da retroatividade da lei mais benéfica, de forma inserida na norma supra transcrita. 43. Como decorrente corolário lógico, deve assim a hipótese abranger também os casos ocorridos previamente à vigência da lei mais branda, em outras palavras, aplicando-se o artigo 15 da Lei 9.964/2000 independentemente de já ter sido ou não recebida a denúncia. 44. Importante ressaltar que os referidos princípios objetivam precipuamente manter e assegurar a igualdade de tratamento a toda a coletividade, de modo a evitar privilégios em favor de determinados grupos de pessoas. Discorre-se, longamente, sobre a controvérsia, aludindo-se a ensinamentos doutrinários, a precedentes jurisprudenciais e aos conceitos de indulto e anistia. O Ministério Público Federal apresentou as contra-razões de folhas 351 a 355, apontando a falta de prequestionamento, a ausência de demonstração de ofensa direta à Carta e o acerto da conclusão adotada pela Corte de origem, uma vez que inexistentes, na espécie, os requisitos autorizadores da concessão do benefício. O procedimento atinente ao juízo primeiro de admissibilidade encontra-se às folhas 357 a 359. Em 2 de março passado, o recorrente peticionou, requerendo a concessão de habeas corpus de ofício, com fundamento no artigo 9º da Lei n. 10.684/2003, considerado o precedente revelado nos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário n. 357.029-3. Deferi o pedido mediante a decisão de folhas 402 a 404, do seguinte teor: Recurso extraordinário — Eficácia suspensiva ativa — Decreto condenatório — Afastamento temporário e precário. 1. O recorrente, com a peça de folhas 373 a 375, reportando-se ao que decidido em embargos declaratórios no Recurso Extraordinário n. 357.029-3 — quando concedido habeas de ofício para suspender o processo movido contra si, em curso na 2ª Vara Criminal de Curitiba, Seção Judiciária do Paraná, n. 99.0017699-5 — e evocando o artigo 9º da Lei n. 10.684, de 30 de maio de 2003, requereu idêntico tratamento, tendo em vista o processo que motivou a interposição do recurso ordinário em habeas corpus julgado pelo Superior Tribunal de Justiça. Então, despachei, visando a elucidar a demora na apresentação da peça, em face de audiência admonitória marcada para 17 de maio de 2004, isso presente o pedido formulado às folhas 384 e 385. Veio aos autos o esclarecimento de folha 387. R.T.J. — 197 675 Com nova manifestação, o recorrente noticia que a citada audiência foi transferida para 31 do corrente mês e insiste no pleito de suspensão. 2. O precedente mencionado pelo recorrente o envolveu, considerado processo diverso do que deu origem ao acórdão impugnado mediante este extraordinário. Então, como sucessor do Ministro Maurício Corrêa na Relatoria, fiz ver: No mérito, estes embargos declaratórios não estão a merecer acolhida. A decisão impugnada mostra-se completa, no que consigna a inaplicabilidade, à espécie, do artigo 15 da Lei n. 9.964, de 10 de abril de 2000, porquanto, à época da adesão ao programa de parcelamento do débito, já havia sido recebida a denúncia. Descabe dizer que não houve o exame, como apropriado, do texto constitucional relativo à retroatividade da lei benigna. O fenômeno ocorre nos termos da nova legislação e, no caso, a Lei n. 9.964/ 2000 condicionou a suspensão da pretensão punitiva do Estado à inclusão do parcelamento no Refis em data anterior ao recebimento da denúncia criminal. Eis o preceito do artigo 15: Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no Refis, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal. Resta a apreciação quanto à superveniência da Lei n. 10.684, de 30 de maio de 2003, no que veio a dispor sobre a matéria sem a condição temporal referida. Eis o preceito inovador: Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento. § 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. § 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios. O citado artigo 337A versa sobre a sonegação de contribuição previdenciária. Ora, a partir da interpretação sistemática dos textos e considerada a circunstância de que, no novo dispositivo, não se aludiu à necessidade de a integração ao Refis ocorrer em data anterior ao recebimento da denúncia, compreendo a nova ordem jurídica como a dar à expressão “pretensão punitiva do Estado” sentido amplo, equivalendo à suspensão do processo e apanhando não só a fase anterior à denúncia, como também 676 R.T.J. — 197 aquela superveniente que aconteça antes da decisão final da ação penal. Por isso, concluo que a hipótese enseja, a teor do § 2º do artigo 654 do Código de Processo Penal, a concessão de ordem de ofício. Saliento que a referência contida na norma a juízes e tribunais diz respeito ao órgão judicante competente para a análise do processo e, nesta fase o é o Relator, a quem cumpre julgar os embargos declaratórios interpostos contra ato monocrático. Concedo habeas corpus de ofício aos embargantes — Carlos Eduardo Jung e Roberto Luiz Jung para, nos termos do artigo 9º da Lei n. 10.684, de 30 de maio de 2003, determinar a suspensão do processo em curso na 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba — Seção Judiciária do Paraná — n. 99.0017699-5, com os consectários previstos no mencionado artigo 9º. Concedi o habeas de ofício, atuando, portanto, no campo singular, e, ante a normatividade advinda com o artigo 9º da Lei n. 10.684, de 30 de maio de 2003, determinei a suspensão do processo em curso na 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba — Seção Judiciária do Paraná — n. 99.0017699-5, com os consectários previstos no referido artigo 9º. A esta altura, diante até mesmo da possibilidade de concessão de habeas de ofício, outro pronunciamento não cabe. 3. Imprimo eficácia suspensiva ativa ao recurso extraordinário para suspender, até a decisão final deste, a tramitação do processo revelador da Execução Penal n. 2003.056891-3 — primeira condenação — da 1ª Vara Federal Criminal do Paraná, ficando alcançada, assim, a audiência admonitória designada para o dia 31 de maio de 2004, às quinze horas. 4. Juntado aos autos o relatório parcial, colha-se o parecer da Procuradoria Geral da República. 5. Publique-se. A Procuradoria-Geral da República, no parecer de folhas 422 a 439, preconiza o conhecimento e provimento do recurso. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Na interposição deste recurso, foram observados os pressupostos gerais de recorribilidade. A peça, subscrita por profissional da advocacia credenciado por meio do documento de folha 47, restou protocolada no prazo assinado em lei. O acórdão concernente aos embargos de declaração foi publicado no Diário de 18 de agosto de 2003, segunda-feira (folha 229), vindo à balha o inconformismo, mediante a utilização de fac-símile, em 1º de setembro imediato, segunda-feira (folha 230). A protocolação do original deu-se em 3 subseqüente, quartafeira (folha 290). Quanto ao tema de fundo, tem-se questionamento apaixonante. O recorrente viuse processado ante denúncia recebida em 1999. Em 2000, editou-se a Lei n. 9.964, que instituiu o Programa de Recuperação Fiscal – Refis e introduziu providências. No artigo 15, previu-se: R.T.J. — 197 677 Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no Refis, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal. § 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. § 2º O disposto neste artigo aplica-se, também: I - a programas de recuperação fiscal instituídos pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, que adotem, no que couber, normas estabelecidas nesta Lei; II - aos parcelamentos referidos nos arts. 12 e 13. § 3º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da denúncia criminal. Os parcelamentos versados nos artigos 12 e 13 dizem respeito a forma e alternativa de prazos no tocante aos débitos tributários inscritos em dívida ativa com vencimento até 29 de fevereiro de 2000, não tendo ligação com a controvérsia deste processo. Ora, é possível, à situação penal do recorrente, cuja denúncia, considerado o crime atinente a contribuições sociais, foi recebida em 1999, aplicar-se lei de 2000, afastando-se a cláusula final, que coloca como limite para ter-se a suspensão da pretensão punitiva do Estado a adesão ao Refis antes do recebimento da denúncia criminal? O Superior Tribunal de Justiça respondeu negativamente. Observem-se, no entanto, os parâmetros revelados pelo sistema jurídico constitucional bem como a interpretação teleológica do novo texto legal concernente à suspensão da pretensão punitiva, sem desprezar-se, ante a força inafastável da ordem natural das coisas, a ineficácia de cláusulas que encerrem condição impossível. Sob o ângulo do conflito de leis no tempo, conta-se, relativamente às de natureza penal, com regra a favorecer o réu. Consubstancia garantia constitucional do rol do artigo 5º do Diploma Maior que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” — inciso XL. Deve-se conferir a maior eficácia a esse preceito, submetendo a ele as de natureza ordinária. Vale dizer: na interpretação e na hermenêutica, levar-se-á em conta o que previsto na Carta da República, isso ao se voltarem para a elucidação do alcance de norma ordinária. O artigo 15 da Lei n. 9.964, de 2000, situado entre o trato embrionário da glosa penal, evoluindo o contribuinte, a partir da Lei n. 4.729/65, e o ápice até aqui atingido, Lei n. 10.684/03, há de merecer interpretação teleológica. Previu-se a suspensão da pretensão punitiva do Estado pela manifesta intenção de se liquidar o débito tributário, aderindo-se ao Refis. Aí, para se estimular tal adesão, consignou-se, ao término da cabeça do artigo, como condição para a suspensão da pretensão punitiva, a inclusão no Programa de Refinanciamento em data anterior à denúncia criminal. Extraio do artigo 15, 678 R.T.J. — 197 perquerindo o objetivo almejado, a regra-comando da suspensão da pretensão punitiva, em face da adesão ao Refis. Tomo a cláusula final, consoante já consignado, como a incentivar a inclusão imediata, levando aqueles em débito a buscarem a solução das pendências. Em outras palavras, não há campo para a observância do limite quando este não se mostra passível de surgir, ou seja, quando já recebida, em data anterior à própria lei, a denúncia. A não ser assim, ter-se-á dispositivo benéfico ao réu que, mediante lançamento de expressão, mostrar-se-á imune ao norte constitucional da retroação da lei penal mais favorável. Sendo pacífico que a segunda condição imposta jamais poderia ser preenchida pelo recorrente, porquanto recebida a denúncia em data pretérita, cumpre enquadrá-la como impossível e, aí, afastá-la do caso. Conheço e provejo o recurso extraordinário para conceder a ordem pleiteada, suspendendo a pretensão punitiva do Estado no processo em curso contra o recorrente na 1ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária de Curitiba, revelador da Ação Penal autuada sob o n. 99.0022105-2. É como voto na espécie. VOTO O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Também acompanho o Ministro Relator, sobretudo em função de que o limite processual da adesão ao Refis antes do recebimento da denúncia foi abolido pela Lei 10.684/2003. EXTRATO DA ATA RE 409.730/PR — Relator: Ministro Marco Aurélio. Recorrente: Carlos Eduardo Jung (Advogado: Mauricio Sagboni Montanha Teixeira). Recorrido: Ministério Público Federal. Decisão: A Turma conheceu do recurso extraordinário e lhe deu provimento, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida. Brasília, 1º de fevereiro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador. RECURSO EXTRAORDINÁRIO 422.941 — DF Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso Recorrente: Destilaria Alto Alegre S.A. — Recorrida: União Constitucional. Econômico. Intervenção estatal na economia: regulamentação e regulação de setores econômicos: normas de intervenção. Liberdade de iniciativa. CF, art. 1º, IV; art. 170. CF, art. 37, § 6º. R.T.J. — 197 679 I - A intervenção estatal na economia, mediante regulamentação e regulação de setores econômicos, faz-se com respeito aos princípios e fundamentos da Ordem Econômica. CF, art. 170. O princípio da livre iniciativa é fundamento da República e da Ordem econômica: CF, art. 1º, IV; art. 170. II - Fixação de preços em valores abaixo da realidade e em desconformidade com a legislação aplicável ao setor: empecilho ao livre exercício da atividade econômica, com desrespeito ao princípio da livre iniciativa. III - Contrato celebrado com instituição privada para o estabelecimento de levantamentos que serviriam de embasamento para a fixação dos preços, nos termos da lei. Todavia, a fixação dos preços acabou realizada em valores inferiores. Essa conduta gerou danos patrimoniais ao agente econômico, vale dizer, à recorrente: obrigação de indenizar por parte do poder público. CF, art. 37, § 6º. IV - Prejuízos apurados na instância ordinária, inclusive mediante perícia técnica. V - RE conhecido e provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por votação majoritária, conhecer do recurso extraordinário e dar-lhe provimento nos termos do voto do Relator. Vencido, em parte, o Ministro Joaquim Barbosa, nos termos do voto que proferiu. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie e o Ministro Gilmar Mendes. Brasília, 6 de dezembro de 2005 — Carlos Velloso, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Carlos Velloso: O acórdão recorrido, proferido pela Segunda Turma do Eg. Superior Tribunal de Justiça, está assim ementado: “Direito econômico. Intervenção do estado no domínio econômico. Tabelamento. Preço único. Setor sucro-alcooleiro. Congelamento de preços. Planos econômicos. IAA – Instituto do Álcool e do Açúcar. Apuração de custo de produção pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. Indenização pleiteada por prejuízo ocasionado por política de fixação de preços em desacordo com os critérios do art. 9º da lei n. 4.870/65. I - O exercício da atividade estatal, na intervenção no domínio econômico, não está jungido, vinculado, ao levantamento de preços efetuado por órgão técnico de sua estrutura administrativa ou terceiro contratado para esse fim 680 R.T.J. — 197 específico; isto porque há discricionariedade do Estado na adequação das necessidades públicas ao contexto econômico estatal; imprescindível a conjugação de critérios essencialmente técnicos com a valoração de outros elementos de economia pública. II - O tabelamento de preços não se confunde com o congelamento, que é política de conveniência do Estado, enquanto intervém no domínio econômico como órgão normativo e regulador do mercado, não havendo quebra do princípio da proporcionalidade ao tempo em que todo o setor produtivo sofreu as conseqüências de uma política econômica de forma ampla e genérica; III - Apesar de inviável, em sede de recurso especial, a quantificação dos danos sofridos pelas usinas e engenhos de açúcar — com a fixação de preços únicos para o setor sucroalcooleiro, decorrente de tabelamento de preço — porque implica em reexame de prova vedado pela Súmula n. 07/Colendo Superior Tribunal de Justiça, é possível a discussão da legalidade dos critérios exteriorizadores da defasagem do setor.” (Fl. 651) Rejeitaram-se os embargos de declaração opostos (fls. 734-747). Daí o recurso extraordinário, interposto pela Destilaria Alto Alegre S.A., fundado no art. 102, III, a, da Constituição Federal, com alegação de ofensa ao art. 37, § 6º, da mesma Carta, sustentando, em síntese, o seguinte: a) ocorrência, na hipótese, de responsabilidade objetiva da União, dado que o ato estatal que fixou os preços dos produtos sucroalcooleiros em valores inferiores ao levantamento de custos realizados pela Fundação Getúlio Vargas causou, consoante demonstrado nos autos e reconhecido pelo acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, dano à recorrente. Ademais, “ainda que os critérios da Lei n. 4.870/65 não fossem obrigatórios, como pretende o acórdão ora recorrido, serviram eles para o levantamento do preço que deveria ser fixado pelo IAA, à base dos estudos realizados pela Fundação Getúlio Vargas, contratada por aquele Instituto com tal finalidade” (fl. 753); b) o dano sofrido pela recorrente, a despeito de decorrer de legítima atividade estatal de intervenção no domínio econômico, deve ser indenizado, tendo em vista o disposto no art. 37, § 6º, da Constituição, valendo salientar que, para a configuração da responsabilidade objetiva, consoante entendimento desta Corte (RE 113.587/SP, RE 217.389/SP), basta a ocorrência do dano, da ação administrativa e do nexo causal entre o dano e a ação; c) o recurso especial sequer poderia ter sido conhecido, conforme a Súmula 126/ STJ, haja vista a ausência de interposição de recurso extraordinário para impugnar o fundamento constitucional do acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Admitido o recurso, subiram os autos. A Procuradoria-Geral da República, em parecer lavrado pelo ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira, opinou pelo provimento do recurso extraordinário. Autos conclusos em 3-3-2005. É o relatório. R.T.J. — 197 681 VOTO O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): A espécie é esta: a sentença de primeiro grau julgou procedente a ação ajuizada pela Destilaria Alto Alegre, para condenar a União a indenizar os prejuízos advindos da intervenção do Poder Público no domínio econômico, que resultou na fixação de preços, no setor sucroalcooleiro, abaixo dos valores apurados e propostos pelo Instituto Nacional do Açúcar e do Álcool. A União recorreu, mas o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Relator o eminente Juiz Tourinho Neto, negou provimento à apelação. Destaco do acórdão do Regional: “(...) Os preços dos produtos sucro-alcooleiros eram, de acordo com a Lei n. 4.870, de primeiro de dezembro de 1965, fixados pelo então Instituto do Açúcar e do Álcool. Lei esta que indicava os critérios a serem obedecidos, sendo que o art. 9º tratava do levantamento dos custos. Assim dispunha esse artigo: ‘O IAA, quando do levantamento dos custos de produção agrícola e industrial, apurará, em relação às usinas das regiões Centro-Sul e NorteNordeste, as funções custo dos respectivos fatores de produção, para vigorarem no triênio posterior. § 1º As funções custo a que se refere este artigo serão valorizadas anualmente, através de pesquisas contábeis e de outras técnicas complementares, estimados, em cada caso, os fatores que não possam ser objetos de mensuração física. § 2º Após o levantamento dos custos estaduais, serão apurados o custo médio nacional ponderado e custos médios regionais ponderados, observados, sempre que possível, índices mínimos de produtividade. § 3º O IAA promoverá, permanentemente, o levantamento dos custos de produção, para o conhecimento de suas variações, ficando a cargo do seu órgão especializado a padronização obrigatória da contabilidade das usinas de açúcar.’ O critério, portanto, para fixação dos preços era legal. Contratou o IAA a Fundação Getúlio Vargas para proceder os levantamentos e apurar o preço dos produtos do setor sucro-alcooleiro. A Fundação Getúlio Vargas apurava corretamente os preços, no entanto, o IAA os estabelecia em valores inferiores, que não davam para cobrir os custos de produção. O próprio Presidente desse instituto isto confessou, em ofício dirigido, em nove de abril de 1987, ao Ministro de Estado da Indústria e do Comércio (v. fl. 34): ‘Os preços da cana-de-açúcar, do açúcar e do álcool são fixados administrativamente, mediante atos que substituem a resultante da livre ação das forças de mercado. Por este motivo, os preços têm se constituído no ponto de permanente fricção entre o governo e o empresariado, fenômeno que se torna mais agudo nas épocas em que a inflação se exacerba, em 682 R.T.J. — 197 virtude de o impacto inflacionário que deriva dos preços daqueles produtos se contrapor à necessidade do estabelecimento de uma adequada remuneração aos produtores.’ E observava (fl. 35): ‘Explica-se, deste modo, o fato de os preços fixados para os produtos sucro-alcooleiros, nos últimos anos, situarem-se abaixo das indicações resultantes dos levantamentos de custos, realizados pela Fundação Getúlio Vargas, em conseqüência de contrato firmado com esse Instituto.’ (destaquei) E frisou (fl. 39): ‘Essa razão pela qual, neste ofício, o Instituto do Açúcar e do Álcool propõe que os preços dos produtos sucro-alcooleiros sejam fixados tão próximos quanto possível dos preços que o mercado estabeleceria, não estivesse o sistema produtor sob o controle governamental.’ A perícia isso comprovou. Ao responder o quinto quesito formulado pela autora, disse o perito, contador Sílvio Caracas de Moura Júnior (fl. 388): ‘No período abrangido pela inicial, os preços fixados para os produtos sucro-alcooleiros não correspondiam aos custos levantados pela Fundação Getúlio Vargas.’ E explicou, ao responder o primeiro quesito apresentado pela ré (fl. 393): ‘O que a Fundação Getúlio Vargas – FGV apurou, no período de março de 1985 a outubro de 1989, foi o custo de produção para o setor sucroalcooleiro. Ele foi apurado com base em pesquisas de campo, realizadas por amostragem estatística estratificada, assentada em grupos de empresas grandes, médias e pequenas, com diversos graus de produtividade, que permitiam aferir custo médio da região.’ E adiante, em resposta ao quarto quesito da ré, afirmou (fl. 396): ‘O índice de reajuste de preços apurado pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, período de março de 1985 a outubro de 1989, calcava-se no custo de produção do setor sucro-alcooleiro, em obediência ao disposto nos arts. 9º a 11 da Lei n. 4.870, de 1965.’ De tudo isto, resultou prejuízo para a autora. Respondendo o oitavo quesito da ré, foi o perito conclusivo (fl. 400): ‘Os balanços mostram a situação econômico-financeira da empresa numa certa data. No passivo, existe um grupamento de contas denominado Patrimônio Líquido, que é formado, também, pelos resultados obtidos pela empresa. Quando a empresa tem lucro, o Patrimônio Líquido é aumentado e, quando há prejuízo, o Patrimônio Líquido é diminuído. Os preços de venda dos produtos afetam o resultado obtido. Como se constatou no decorrer desta perícia, os níveis de preços fixados pelo Governo provocaram frustração de receita, independentemente dos níveis dos custos de produção da empresa. (destaquei) R.T.J. — 197 683 Segundo o perito, o prejuízo da autora, ‘a preços de setembro de 1993, com os valores atualizados pelo IGP d.i da Fundação Getúlio Vargas, é de três bilhões, trezentos e quarenta e nove milhões, novecentos e setenta e nove mil cruzeiros reais e setenta e seis centavos’ (v. fls. 392 e 422 a 425). Demonstrado está, portanto, o dano sofrido pela autora. Dano esse decorrente da atuação do Estado. Fixou os preços do setor sucroalcooleiro abaixo do preço de custo, contrariando a própria Lei n. 4.870, de 1965. Contratou a Fundação Getúlio Vargas para apurar os preços do produto desse setor e não atentou para os mesmos. Qual a finalidade, então, do contrato? Dinheiro jogado fora. Dispunha a cláusula terceira do contrato (fl. 24): ‘IAA pagará à Fundação pela execução dos serviços objeto da cláusula primeira deste contrato o preço de Cr$ 4.025.000,00...’ Isto em outubro de 1974. Será que o Tribunal de Contas da União apurou tal fato? O nexo de causalidade entre a ação da União e o prejuízo sofrido pela autora está mais do que evidenciado. Cabia à ré a fixação dos preços, fixou-os, de forma obrigatória, abaixo do preço de custo, impondo, de antemão, um dano para autora, e disso sabia porque não atentava para a apuração feita pela Fundação Getúlio Vargas. Demonstrou a autora o dano que efetivamente sofreu. (...).” (Fls. 524-529) É dizer, a instância ordinária, com base na prova dos autos, esclareceu e decidiu que a autarquia federal, deixando de lado o critério legal para apuração dos preços dos produtos sucroalcooleiros — Lei 4.870/65 —, “estabelecia” tais preços “em valores inferiores, que não davam para cobrir os custos de produção”, o que foi confessado pelo próprio presidente do Instituto do Açúcar e do Álcool, “em ofício dirigido, em nove de abril de 1987, ao Ministro de Estado da Indústria e Comércio”. O acórdão do Regional apóia-se, para as suas conclusões, inclusive, na perícia realizada nos autos. O acórdão do Regional ficou resumido na seguinte ementa: “Administrativo. Responsabilidade objetiva do Estado. Indenização. Preços dos produtos do setor sucro-alcooleiro fixados abaixo do preço de custo. Lei n. 4.870, de 1º de dezembro de 1965. 1. A União fixou os preços do setor sucro-alcooleiro abaixo do preço de custo, em desacordo com os preços encontrados pela Fundação Getúlio Vargas, e, assim, contrariou a Lei n. 4.870, de 1965. 2. O Governo não pode estabelecer uma política que cause prejuízos aos particulares, de tal maneira que possa levá-los à falência, e assim, o Estado responde pelos danos causados, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. 3. Inexistência na hipótese de subsídios à custear. 4. A correção monetária, já é ponto pacífico na jurisprudência, deve incidir a partir da ocorrência do dano, e não da data do ajuizamento da ação. 684 R.T.J. — 197 5. Os juros moratórios devem ter o início da contagem a data da verificação do dano, e não a partir da citação. É jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidada na súmula 54.” (Fl. 534) Acontece que, em recurso especial, o acórdão do Regional Federal foi reformado pelo Superior Tribunal de Justiça, assim ementado o acórdão: “Direito econômico. Intervenção do Estado no domínio econômico. Tabelamento. Preço único. Setor sucro-alcooleiro. Congelamento de preços. Planos econômicos. IAA – Instituto do Álcool e do Açúcar. Apuração de custo de produção pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. Indenização pleiteada por prejuízo ocasionado por política de fixação de preço em desacordo com os critérios do art. 9º da Lei n. 4.870/65. I - O exercício da atividade estatal, na intervenção no domínio econômico, não está jungido, vinculado, ao levantamento de preços efetuado por órgão técnico de sua estrutura administrativa ou terceiro contratado para esse fim específico; isto porque há discricionariedade do Estado na adequação das necessidades públicas ao contexto econômico estatal; imprescindível a conjugação de critérios essencialmente técnicos com a valoração de outros elementos de economia pública. II - O tabelamento de preços não se confunde com o congelamento, que é política de conveniência do Estado, enquanto intervém no domínio econômico como órgão normativo e regulador do mercado, não havendo quebra do princípio da proporcionalidade ao tempo em que todo o setor produtivo sofreu as conseqüências de uma política econômica de forma ampla e genérica. III - Apesar de inviável, em sede de recurso especial, a quantificação dos danos sofridos pelas usinas e engenhos de açúcar — com a fixação de preços únicos para o setor sucro-alcooleiro, decorrente de tabelamento de preço — porque implica em reexame de prova vedado pela Sumula n. 07/Colendo Superior Tribunal de Justiça, é possível a discussão da legalidade dos critérios exteriorizadores da defasagem do setor.” (Fl. 651) Rejeitaram-se os embargos de declaração. Daí o presente recurso extraordinário — CF, art. 102, III, a —, com alegação de ofensa ao art. 37, § 6º, da mesma Carta. Oficiando nos autos, assim se pronunciou a Procuradoria-Geral da República, fls. 782-787, parecer lavrado pelo ilustre Subprocurador-Geral, Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira: “(...) 5. Em síntese, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que fixação de preços, no setor sucro-alcooleiro, abaixo dos valores apurados e propostos pelo Instituto Nacional do Álcool e Açúcar não foi ilícita. Decorreu do poder que tinha o Estado de intervir no domínio econômico. Daí não ter a recorrente direito à indenização pelos prejuízos sofridos com tal medida. R.T.J. — 197 685 6. Mas tal exegese não é a que melhor se extrai do artigo 37, § 6º, da Lei Maior. Com efeito, Celso Ribeiro Bastos, discorrendo sobre o fundamento da responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público, ensina que: ‘(...) o Estado está sempre voltado para o atingimento de finalidades dirigidas ao bem-estar geral, e desse seu atuar pode derivar como subproduto indesejável a causação de danos. Danos esses que se tornam inevitáveis para o atingimento de certos fins. Ocorre que, por vezes, a realização destes implica o sacrifício de um direito particular que, embora deva ceder em nome do interesse público, não deixa de merecer indenização. Não seria hoje lícito fazer prevalecer o interesse particular sobre o interesse público. ‘Assim sendo, vê-se que a idéia da responsabilidade pelos danos causados, ou da responsabilidade patrimonial, ou, ainda, da responsabilidade extracontratual, não derivada dos contratos, e, portanto, decorrente da mera atuação administrativa, vincula-se à própria noção do Estado de Direito. Este impõe que o Estado seja responsável pelo resultado prejudicial dos atos que realize. ‘Portanto, torna-se de menor importância o saber se o ato foi praticado com culpa ou sem culpa, se era lícito ou ilícito; o que ocorre é que em decorrência do Estado de Direito, do Estado controlado e submetido ao direito, não resulta aceitável a causação de danos, a incidência de lesões sobre alguns, decorrentes do exercício de uma atividade estatal que procura o bem-estar de todos sem o preço da sobrecarga de alguns. ‘Em síntese, a ação estatal está hoje adstrita a esse dever de não ser produtora de danos aos particulares. Toda vez que isso ocorrer, dá-se um encargo do Estado consistente em recompor o prejuízo causado. São pois pressupostos fundamentais para a deflagração da responsabilidade do Estado: a causação de um dano e a imputação deste a um comportamento omissivo ou comissivo seu; é o denominado nexo de causalidade...’ 7. Como se percebe, a Administração pode ser responsabilizada por ato lícito, quando o demonstrado, como no caso, o nexo de causalidade entre a ação estatal e o prejuízo sofrido pelo particular. 8. Aliás, o TRF da 1ª região bem destacou que: ‘Demonstrado está, portanto, o dano sofrido pela autora. ‘Dano esse decorrente da atuação do Estado. Fixou os preços do setor sucro-alcooleiro abaixo do preço de custo, contrariando a própria Lei n. 4.870, de 1965. Contratou a Fundação Getúlio Vargas para apurar os preços do produto desse setor e não atentou para os mesmos. Qual a finalidade, então do contrato? Dinheiro jogado fora. Dispunha a cláusula terceiro do contrato (fl. 24): ‘O IAA pagará à Fundação pela execução dos serviços objeto da cláusula primeira deste contrato o preço de Cr$ 4.025.000,00...’ ‘Isto em outubro de 1974. Será que o Tribunal de Contas da União apurou tal fato? 686 R.T.J. — 197 ‘O nexo de causalidade entre a ação da União e o prejuízo sofrido pela autora está mais do que evidenciado. Cabia à ré a fixação dos preços, fixouos, de forma obrigatória, abaixo do preço de custo, impondo, de antemão, um dano para autora, e disso sabia porque não atentava para a apuração feita pela Fundação Getúlio Vargas. Demonstrou a autora o dano que efetivamente sofreu. ‘Não recebia, por outro lado, a autora subsídios. É a afirmativa do perito. ‘Os subsídios dados ao setor sucro-alcooleiro, no período 1985/ 1989, eram específicos para as unidades produtoras existentes nas regiões Norte/Nordeste’ (fl. 402). A autora é empresa paulista. A ré não fez, ademais, nenhuma prova de que tenha a autora recebido subsídio. ‘O Governo não pode estabelecer uma política que cause prejuízos aos particulares, de tal maneira que possa levá-los à falência. O Estado responde objetivamente pelos danos causados, nos termos do art. 37, § 6º da Constituição. E, in casu, o Governo desobedeceu a lei. Com prioridade, disse a autora (fl. 491): ‘A lei estabelece critérios a serem atendidos pelo ato administrativo de fixação de preços. Ao Executivo cabe cumprir as determinações da lei. O ato praticado é ato vinculado que não pode desatender aos ditames legais, se tal ocorrer, como no caso concreto ocorreu, o ato se torna ilícito e viciado, dando ensejo à responsabilidade civil do Estado.’ ‘Não deu a sentença pela indenização correspondente ao período de junho de 1987 a outubro de 1989, sob o seguinte fundamento (fl. 453): ‘Como se disse precedentemente, cabe à ré indenizar o prejuízo causado à autora. Mas somente no período de março/85 até maio/87, conforme os valores indicados pelo período no Anexo 5-A do laudo (fl. 422). Isto porque a partir de junho/87, diversas políticas de congelamento de preços foram adotadas no País, desvinculando, assim, a fixação dos preços do álcool e do açúcar pelo levantamento de custos de produção pela FGV.’ ‘A autora insurgiu-se contra essa afirmativa com justa razão. O art. 1º do Decreto-lei n. 2.335, de 12 de junho de 1987, estabeleceu o congelamento de preços pelo prazo de noventa dias, durante os meses de junho a agosto. Escoado esse prazo, cessou o congelamento, seguindo-se uma fase de flexibilização. Mas durante esse congelamento, os preços que deveriam vigorar seriam os encontrados pela Fundação Getúlio Vargas. Quanto aos preços sujeitos a controle oficial, como os do setor sucro-alcooleiro, o art. 6º desse Decreto-lei previa o seguinte: ‘Na fase de flexibilização, os preços sujeitos a controle oficial poderão ter reajuste, para mais ou para menos, em função das variações nos custos de produção e na produtividade.’ R.T.J. — 197 687 ‘Logo, nesse período de flexibilidade, o Governo deveria obedecer a Lei n. 4.870, de 1965, fixando de acordo com os critérios estabelecidos nos art. 9º a 11, não podendo nunca os preços serem inferiores aos custos.’ (fls. 528/531). 9. Em suma, segundo a jurisprudência do STF, é objetiva e funda-se na teoria do risco administrativo a responsabilidade civil do Estado. Assim, ressalvadas as hipóteses de abrandamento ou de exclusão por comprovada culpa concorrente ou exclusiva do particular, fica configurada a obrigação de indenizar quando a ação administrativa, mesmo sendo lícita, causou prejuízos ao administrado. 10. Desta forma, como o acórdão se afastou da mencionada orientação, eximindo a pessoa jurídica de direito público do dever de ressarcir os prejuízos causados ao particular, exsurge a ofensa ao preceito constitucional (art. 37, § 6º), que justifica sua reforma, através do provimento do recurso extraordinário interposto (art. 102, III, a, da CF). (...).” (Fls. 784-787) Está correto o parecer. O RE é de ser conhecido e provido. De fato, o texto constitucional de 1988 é claro ao autorizar a intervenção estatal na economia por meio da regulamentação e da regulação de setores econômicos. Entretanto, o exercício de tal prerrogativa deve se ajustar aos princípios e fundamentos da Ordem Econômica, nos termos do art. 170 da Constituição. Assim, a faculdade atribuída ao Estado de criar normas de intervenção estatal na economia (Direito Regulamentar Econômico, na lição de Bernard Chenot e Alberto Venâncio Filho, “Droit public économique”, Dictionnaire des Sciences Économiques, 1958, pp. 420-423 e A intervenção do Estado no domínio econômico. O direito econômico no Brasil, 1968, respectivamente) não autoriza a violação ao princípio da livre iniciativa, fundamento da República (art. 1º) e da Ordem Econômica (art. 170, caput). No caso, a fixação de preços a serem praticados pela Recorrente, por parte do Estado, em valores abaixo da realidade e em desconformidade com a legislação aplicável ao setor constitui-se em sério empecilho ao livre exercício da atividade econômica, em desrespeito ao princípio da liberdade de iniciativa. Ademais, o estabelecimento de regras bem definidas de intervenção estatal na economia e sua observância são fundamentais para o amadurecimento das instituições e do mercado brasileiros, proporcionando a necessária estabilidade econômica que conduz ao desenvolvimento nacional. No caso, o Estado, entendendo por bem fixar os preços do setor, elaborou legislação em que estabelecia parâmetros para a definição daqueles. Celebrou contrato com Instituição privada, para que essa fizesse levantamentos que funcionariam como embasamento para a fixação dos preços, nos termos da lei. Mesmo assim, fixava-os em valores inferiores. Essa conduta, se capaz de gerar danos patrimoniais ao agente econômico, no caso, a Recorrente, por si só, acarreta inegável dever de indenizar (art. 37, § 6º). 688 R.T.J. — 197 O dever de indenizar, por parte do Estado, no caso, decorre do dano causado e independe do fato de ter havido ou não desobediência à lei específica. A intervenção estatal na economia encontra limites no princípio constitucional da liberdade de iniciativa, e o dever de indenizar (responsabilidade objetiva do Estado) é decorrente da existência do dano atribuível à atuação do Estado. Em caso semelhante, RE 368.558/DF, por mim relatado, interposto contra decisão da Quarta Turma do Eg. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que deu provimento à apelação para estabelecer a responsabilidade objetiva do Estado pela fixação de preços do setor sucroalcooleiro abaixo do preço de custo e em desacordo com os preços encontrados pela Fundação Getúlio Vargas, acolhi o parecer da ilustre Subprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra Cureau, que mencionava a existência de evidente nexo de causalidade entre o dano e a conduta da Administração, “que, agindo contra a lei, fixou preços do setor em níveis incompatíveis com os custos de produção”. Nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição, as pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que causem a terceiros, decorrendo o dever de indenizar. No julgamento do RE 113.587/SP, por mim relatado, RTJ 140/636, citado, aliás, pela Procuradoria-Geral da República, decidiu esta 2ª Turma: “Ementa: Constitucional. Civil. Reponsabilidade civil do Estado. CF, 1967, art. 107. CF/88, art. 37, § 6º. I - A responsabilidade civil do Estado, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, que admite pesquisa em torno da culpa do particular, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade estatal, ocorre, em síntese, diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. A consideração no sentido da licitude da ação administrativa é irrelevante, pois o que interessa, é isto: sofrendo o particular um prejuízo, em razão da atuação estatal, regular ou irregular, no interesse da coletividade, é devida a indenização, que se assenta no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais. II - Ação de indenização movida por particular contra o Município, em virtude dos prejuízos decorrentes da construção de viaduto. Procedência da ação. III - RE conhecido e provido.” (Fl. 668) Destaco do voto que então proferi: “(...) Em trabalho doutrinário que escrevi sobre o Tema (Responsabilidade Civil do Estado, Rev. de Informação Legislativa, 96/233), lembrei que a teoria do risco administrativo fez surgir a responsabilidade objetiva do Estado. Segundo essa teoria, o dano sofrido pelo indivíduo deve ser visualizado como conseqüência do funcionamento do serviço público, não importando se esse funcionamento foi bom ou mau. Importa, sim, a relação de causalidade entre o dano e o ato do agente público. É que, segundo a lição de Caio Mário da Silva Pereira, com apoio em R.T.J. — 197 689 Amaro Cavalcanti, Pedro Lessa, Aguiar Dias, Orozimbo Nonato e Mazeaud et Mazeaud, positivado o dano, ‘o princípio da igualdade dos ônus e dos encargos exige a reparação. Não deve um cidadão sofrer as conseqüências do dano. Se o funcionamento do serviço público, independentemente da verificação de sua qualidade, teve como conseqüência causar dano ao indivíduo, a forma democrática de distribuir por todos a respectiva conseqüência conduz à imposição à pessoa jurídica do dever de reparar o prejuízo, e, pois, em face de um dano, é necessário e suficiente que se demonstre o nexo de causalidade entre o ato administrativo e o prejuízo causado.’ (Caio Mário da Silva Pereira, ‘Instituições de Dir. Civil’, Forense, 1961, I/466, n. 116). George Vedel leciona que o dano causado pela Administração ao particular ‘é uma espécie de encargo público que não deve recair sobre uma só pessoa, mas que deve ser repartido por todos, o que se faz pela indenização da vítima, cujo ônus definitivo, por via do imposto, cabe aos contribuintes.’ (G. Vedel e P. Delvolve, Droit Administratif, Presses Universitaires de France, 9ª ed., 1984, pp. 448-449). Para L. Duguit, a atividade do Estado se exerce no interesse de toda a coletividade; as cargas que dela resultam não devem pesar mais fortemente sobre uns e menos sobre outros. Se, da intervenção do Estado, assim da atividade estatal, resulta prejuízo para alguns, a coletividade deve repará-lo, exista ou não exista culpa por parte dos agentes públicos. É que o Estado é, de um certo modo, assegurador daquilo que se denomina, freqüentemente, de risco social, ou o risco resultante da atividade social traduzida pela intervenção do Estado. (L. Duguit, Las Transformaciones Del Derecho Publico, Madri, 2ª ed., pp 306 e ss.). Na linha das opiniões acima indicadas, as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello (‘Elementos de Direito Administrativo’, Ed. Revista dos Tribunais, 1980, ps. 252-253), Yussef Said Cahali (Responsabilidade Civil do Estado, Ed. Revista dos Tribunais, 1982) e Weida Zancaner Brunini (Da Responsabilidade Extracontratual da Administração Pública, Ed. Revista dos Tribunais, 1981). Pode-se afirmar, em síntese, que a responsabilidade civil do Estado, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, que admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade do Estado, ocorre, em síntese, vale repetir, diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. Ora, o acórdão recorrido deixa expresso que os requisitos acima indicados estão presentes, no caso. Todavia, negou a reparação do dano, assentando o entendimento sobre os fundamentos sintetizados à fl. 280, já transcritos neste voto e que são os seguintes: a) o prejuízo não decorreu de ato ilícito. O argumento, entretanto, não tem procedência. É que a responsabilidade objetiva do poder público, com base na teoria do risco administrativo, não exige que a ação administrativa causadora do dano seja ilícita. Celso Antônio Bandeira de Mello, ao examinar o fundamento da 690 R.T.J. — 197 responsabilidade do Estado, não obstante entender que ele se biparte - pois, ‘no caso de comportamentos ilícitos, comissivos ou omissivos, o dever de reparar o dano é contrapartida da violação da legalidade’ - deixa claro, no que concerne aos atos lícitos, que ‘o fundamento da responsabilidade estatal é a idéia de igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, repartindo-se os ‘ônus provenientes dos atos lesivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião do exercício de atividade desempenhada no interesse de todos.’(Celso Antônio Bandeira de Mello, ob. cit., p. 260). A lição, bem se vê, está na linha das opiniões anteriormente invocadas. Argumenta, ainda, o acórdão, que c) tendo o prejuízo ‘decorrido de atividade administrativa lícita, objetivou o interesse da coletividade, interesse presumido e ínsito ao tipo de conglomerado humano constituído no grande centro.’ O raciocínio esboroa-se, entretanto, data venia, frente às lições transcritas. Vale invocar Pedro Lessa: ‘desde que um particular sofre um prejuízo, em conseqüência do funcionamento (regular ou irregular, pouco importa) de um serviço organizado no interesse de todos, a indenização é devida. Aí temos um corolário lógico do princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais.’ (Pedro Lessa, Do Poder Judiciário, pp. 163 e 165). Diz mais o acórdão: d) o prejuízo não teria afetado ‘singularmente a uma pessoa ou a um pequeno grupo de pessoas’, que e) ‘não existe o menor indício de que a obra pudesse ser desnecessária ou que aquilo a que objetivava pudesse vir a ser obtido por outras vias menos onerosas’, que f) ‘não se constitui o prejuízo em fato anômalo no grande centro urbano, onde zoneamentos são modificados, bairros envelhecem rapidamente, moradias são derrubadas, novas zonas residenciais surgem, numa modificação contínua e incessante’ e que g) ‘não há conflito entre interesses privados, mas entre um interesse privado e um interesse público, com primazia para este.’ Os argumentos acima transcritos ou são irrelevantes, diante da doutrina da responsabilidade objetiva do Estado, com base na teoria do risco administrativo, ou provam demais. (...).” (Fls. 674-677) No caso, o acórdão recorrido ignorou os prejuízos causados à recorrida pelo poder público, prejuízos apurados na instância ordinária, inclusive mediante perícia. Ignorou, olimpicamente, os prejuízos, ao curioso argumento de que assiste ao Estado o poder discricionário “na adequação das necessidades públicas ao contexto econômico estatal”. É dizer, com base nessa discricionariedade inadmissível num Estado de Direito, é possível ao Estado, ao intervir no domínio econômico, desrespeitar liberdades públicas e causar prejuízos aos particulares, impunemente. Esclareça-se, ao cabo — quase em termos de repetição —, que não se trata, no caso, de submeter o interesse público ao interesse particular da Recorrente. A ausência de regras claras quanto à política econômica estatal, ou, no caso, a desobediência aos próprios termos da política econômica estatal desenvolvida, gerando danos patrimoniais aos agentes econômicos envolvidos, são fatores que acarretam insegurança e instabilidade, desfavoráveis à coletividade e, em última análise, ao próprio consumidor. Em face do exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento. R.T.J. — 197 691 EXTRATO DA ATA RE 422.941/DF — Relator: Ministro Carlos Velloso. Recorrente: Destilaria Alto Alegre S.A. (Advogados: Hamilton Dias de Souza e outro). Recorrida: União (Advogado: Advogado-Geral da União). Decisão: Depois do voto do Ministro Relator, conhecendo e dando provimento ao recuso extraordinário, o julgamento foi suspenso em virtude de pedido de vista formulado pelo Ministro Joaquim Barbosa. Falou, pela recorrente, o Dr. Hamilton Dias de Souza e, pela União, o Dr. Moacir Antônio Machado da Silva. Ausente, ocasionalmente, neste julgamento, o Ministro Gilmar Mendes. Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Compareceu à Turma o Ministro Nelson Jobim, Presidente do Tribunal, a fim de julgar processo a ele vinculado, assumindo, nesta ocasião, a Presidência da Turma, de acordo com o art. 148, parágrafo único, do RISTF. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto da Nóbrega. Brasília, 31 de maio de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador. VOTO (Vista) O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Trata-se de recurso extraordinário interposto por Destilaria Alto Alegre S.A. de acórdão do Superior Tribunal de Justiça acerca da responsabilidade da União por prejuízos decorrentes da diferença entre os valores dos preços fixados pelo governo federal para a indústria sucroalcooleira, diferença essa determinada pela Lei 4.870/1965, no período de março de 1985 a outubro de 1989, em montante inferior ao apurado pelo Instituto do Açúcar e do Álcool – IAA e pela Fundação Getúlio Vargas – FGV. Na ação de indenização, a autora argumenta que, naquele período, a indústria sucroalcooleira sofria rígida intervenção do governo federal em todas as etapas de produção, inclusive com a fixação do preço de venda do produto conforme critérios definidos em lei — tarefa que incluía a aferição periódica do custo da produção. Ocorre que o preço determinado pelo governo era bem inferior ao custo da produção, o que acarretou prejuízos financeiros à indústria. A autora fundamenta o pedido na responsabilidade objetiva do Estado, argumentando: “[...] o Poder Público, no Brasil, responde civilmente não apenas em razão da prática de atos ilícitos (vale dizer, contrários ao Direito) mas também se causar dano ao particular mediante atos lícitos desde que haja nexo causal entre eles e um prejuízo especial e anormal.” (Fls. 08-09) O pedido foi concedido tanto em primeira instância como pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. O Superior Tribunal de Justiça, contudo, conheceu do recurso especial da União e deu-lhe provimento. A Ministra Relatora ponderou que os critérios de fixação de 692 R.T.J. — 197 preços eram legais, todavia deveriam ser agregados a outros elementos não expressamente inseridos na Lei 4.870/1965, tais como os critérios de política econômica exigidos pela conjuntura. Eis a ementa dessa decisão (fl. 651): “Direito econômico. Intervenção do Estado no domínio econômico. Tabelamento. Preço único. Setor sucro-alcooleiro. Congelamento de preços. Planos econômicos. IAA – Instituto do Álcool e do Açúcar. Apuração de custo de produção pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. Indenização pleiteada por prejuízo ocasionado por política de fixação de preços em desacordo com os critérios do art. 9º da Lei n. 4.870/65. I - O exercício da atividade estatal, na intervenção no domínio econômico, não está jungido, vinculado, ao levantamento de preços efetuado por órgão técnico de sua estrutura administrativa ou terceiro contratado para esse fim específico; isto porque há discricionariedade do Estado na adequação das necessidades públicas ao contexto econômico estatal; imprescindível a conjugação de critérios essencialmente técnicos com a valoração de outros elementos de economia pública. II - O tabelamento de preços não se confunde com o congelamento, que é política de conveniência do Estado, enquanto intervém no domínio econômico como órgão normativo e regulador do mercado, não havendo quebra do princípio da proporcionalidade ao tempo em que todo o setor produtivo sofreu as conseqüências de uma política econômica de forma ampla e genérica. III - Apesar de inviável, em sede de recurso especial, a quantificação dos danos sofridos pelas usinas e engenhos de açúcar — com a fixação de preços únicos para o setor sucro-alcooleiro, decorrente de tabelamento de preço — porque implica em reexame de prova vedado pela Súmula n. 07/Colendo Superior Tribunal de Justiça, é possível a discussão da legalidade dos critérios exteriorizadores da defasagem do setor.” Os embargos de declaração foram rejeitados, em decisão cuja ementa tem o seguinte teor (fl. 747): “Processual Civil e Administrativo. Recurso especial. Embargos de declaração. Contradição, omissão e obscuridade. Preços do setor sucro-alcooleiro. Fixação. FVG – Fundação Getúlio Vargas. IAA – Instituto do Açúcar e do Álcool. 1. O Acórdão embargado, expressamente, adota o entendimento segundo o qual, ainda que tenha contratado os serviços da FGV para o levantamento dos custos de produção do setor sucro-alcooleiro, não ficou o Poder Público vinculado aos dados oferecidos, nada impedindo que fossem devidamente passados ao crivo do seu corpo técnico especializado, com larga experiência na área, ou ainda fazê-lo através de terceiro. 2. O voto-condutor do Acórdão embargado não restou omisso, obscuro ou contraditório, eis que decidiu a questão de direito valendo-se de elementos que julgou aplicáveis e suficientes para a solução da lide. Pode-se dele discordar, entretanto, não há como imputar a ocorrência das eivas indicadas nos aclaratórios. 3. Pretensão de rejulgamento da causa, e não mera integração do acórdão. 4. Embargos declaratórios rejeitados.” R.T.J. — 197 693 Dessa decisão, interpôs-se o presente recurso extraordinário. Alega-se que o acórdão recorrido viola o disposto no art. 37, § 6º, da Carta Magna. Sustenta-se que o Tribunal Regional Federal decidiu com base nas provas dos autos, de sorte que o Superior Tribunal de Justiça não poderia ter conhecido do recurso especial, por óbice da Súmula 7 daquela Corte. A recorrente assevera também que é lícito ao governo agir com discricionariedade e, dentro de uma política econômica, intervir diretamente na economia e fixar os preços de produção abaixo dos custos. Contudo, nos termos do 37, § 6º, da Constituição, se ele causar prejuízos ao particular, mesmo que seja lícito o ato, tem o dever de indenizar. O ilustre Ministro Carlos Velloso, Relator deste extraordinário, apoiado na jurisprudência da Corte, votou pelo provimento do recurso, firmando, em síntese, a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados ao particular, ainda que decorrentes de atos lícitos. Confira-se trecho do voto de S. Exa.: “O dever de indenizar, por parte do Estado, no caso, decorre do dano causado e independe do fato de ter havido ou não desobediência à lei específica. A intervenção estatal na economia encontra limites no princípio constitucional da liberdade de iniciativa, e o dever de indenizar (responsabilidade objetiva do Estado) é decorrente da existência do dano atribuível à atuação do Estado.” Pedi vista dos autos, para proceder a exame mais acurado da controvérsia. Senhor Presidente, para que se configure a responsabilidade civil do Estado por atos de seus agentes que venham a causar danos a terceiros, basta que exista um fato, que dele decorra um dano e que seja possível estabelecer nexo causal entre um e outro. Assim é porque, em se tratando de responsabilidade civil do Estado, a ordem constitucional vigente adota a teoria do risco administrativo. Dessa forma, é irrelevante a licitude ou ilicitude do ato causador do prejuízo ao particular; basta que tenha ocorrido dano e que este seja conseqüência de uma ação ou omissão de agente do Estado. Portanto, concordo com o eminente Ministro Relator quando S. Exa., adotando posicionamento anterior da Turma, proferido por ocasião do julgamento do RE 113.587 (DJ de 3-4-1992), entende que o Estado é responsável pelos atos de seus agentes de que decorram danos a terceiros, mesmo quando se tratar de atos lícitos. Por outro lado, é importante assinalar que é incontroverso nos autos o fato de que o preço final de venda dos produtos, determinado pelo governo federal, foi fixado abaixo do preço de custo da produção. Desde a perícia, realizada em primeira instância e na qual ficou consignado que, “no período abrangido pela inicial, os preços fixados para os produtos sucroalcooleiros não correspondiam aos custos levantados pela Fundação Getúlio Vargas” (fl. 388), até a decisão do Superior Tribunal de Justiça, não houve debates sobre a disparidade entre os preços fixados e os custos da produção sucroalcooleira. A controvérsia restringia-se à qualificação do fato como danoso à autora ou como apenas decorrência natural da situação econômica conjuntural experimentada à época. 694 R.T.J. — 197 O critério para a fixação do preço final de venda da cana-de-açúcar, do açúcar e do álcool estava previsto na Lei 4.870/1965, cujo art. 9º exigia que o índice a ser adotado incluísse a verificação do custo da produção açucareira. O Instituto do Açúcar e do Álcool elaborava, de acordo com o índice apurado pela Fundação Getúlio Vargas, os ofícios que seriam remetidos ao governo federal, para fixação dos preços de venda dos produtos. Ocorre que, “não obstante reconhecesse expressamente a validade do critério de apuração dos custos e preços a serem praticados, adotado pela FGV e chancelado pelo IAA e mesmo pelo MICT, acabava o Ministério da Fazenda por determinar que os preços a serem então praticados pelos agentes econômicos do setor fossem fixados em valores inferiores àqueles apurados e tidos como adequados, ao que procedia fundado exclusivamente em critérios políticos, subjetivos, atinentes a pretenso controle da inflação”1. Esse fato é reconhecido pelo próprio IAA, como se verifica do Ofício 097/87, de 9-4-1987, do presidente do IAA, endereçado ao Ministro de Estado da Indústria e Comércio, juntado aos autos (fls. 34-44): “[...] Os preços da cana-de-açúcar, do açúcar e do álcool são fixados administrativamente, mediante atos que substituem a resultante da livre ação das forças de mercado. Por este motivo, os preços têm se constituído no ponto de permanente fricção entre o governo e o empresariado, fenômeno que se torna mais agudo nas épocas em que a inflação se exacerba, em virtude de o impacto inflacionário que deriva dos preços daqueles produtos se contrapor à necessidade do estabelecimento de uma adequada remuneração aos produtores. A maior intensidade do processo inflacionário, observada nos últimos anos, explica a adoção, pelo governo, de uma política de preços mais restritiva para os produtos sobre os quais mantém controle absoluto. Explica-se, deste modo, o fato de os preços fixados para os produtos sucroalcooleiros, nos últimos anos, situarem-se abaixo das indicações resultantes dos levantamentos de custos, realizados pela Fundação Getúlio Vargas em conseqüência de contrato firmado com este Instituto.” (Fls. 34-35) O tabelamento de preços de venda para o setor sucroalcooleiro, estabelecido pelo governo federal com o objetivo de diminuir as diferenças regionais e controlar o mercado, não reservava ao particular nenhuma outra opção senão a de se adequar às normas impostas e comercializar seus produtos com os preços determinados pelo Estado. Contudo, o controle de preços é forma de intervenção do Estado na economia e somente pode ser considerado lícito se praticado em caráter de excepcionalidade, uma vez que a atuação do Estado está limitada pelos princípios da liberdade de iniciativa e de concorrência (art. 170, caput e IV, da Constituição de 1988 e art. 157, I e V, da Constituição de 1967/1969). 1 COSTA, Mário Luiz Oliveira da. Setor Sucroalcooleiro: da rígida intervenção ao livre mercado. São Paulo: Método, 2003. p. 127. R.T.J. — 197 695 Não pode o governo suprimir integralmente a liberdade de concorrência e de iniciativa dos particulares sem que haja razoabilidade nessa medida, vale dizer, sem que ela decorra de uma situação de anormalidade econômica tal que seja imprescindível impor restrição tão radical e, por fim, desde que os preços fixados não sejam inferiores aos custos de produção. Luis Roberto Barroso, com precisão, evidencia que “impor ao empresário a venda com prejuízo configura confisco, constitui privação de propriedade sem devido processo legal (art. 5º, LIV). E mais: é da essência do sistema capitalista a obtenção do lucro. O preço de um bem deve cobrir o seu custo de produção, as necessidades de reinvestimento e a margem de lucro.”2 Verifica-se, portanto, que, quando o governo federal interveio na economia sucroalcooleira para regular a concorrência e fixar os preços finais de venda dos produtos, o fez de maneira desarrazoada, porque impôs aos produtos preços menores que aqueles necessários ao custeio da produção. Cabe destacar, ademais, que, compulsando os autos, verifiquei estar o dano narrado na inicial demonstrado de forma individualizada. A decisão de primeira instância, apoiada no item 8 do laudo pericial, concluiu ter ficado demonstrada “a venda do álcool com preços irreais e o prejuízo verificado no período de março/85 a outubro/90” (fl. 453). O Tribunal concluiu no mesmo sentido ao julgar a apelação interposta. Também tomando por fundamento a avaliação técnica, que analisou tanto os valores dos preços fixados pela Fundação Getúlio Vargas e pelo IAA como os próprios balanços da empresa, concluiu pela existência de prejuízo: “[...] De tudo isso, resultou prejuízo para a autora. Respondendo o oitavo quesito da ré, foi o perito conclusivo (fl. 400): Os balanços mostram a situação econômico-financeira da empresa numa certa data. No passivo, existe um grupamento de contas denominado Patrimônio Líquido, que é formado, também, pelos resultados obtidos pela empresa. Quando a empresa tem lucro, o Patrimônio Líquido é aumentado e, quando há prejuízo, o Patrimônio Líquido é diminuído. Os preços de venda dos produtos afetam o resultado obtido. Como se constatou no decorrer desta perícia, os níveis de preços fixados pelo Governo provocaram frustração de receita independentemente dos níveis dos custos de produção da empresa.” (Fls. 527-258) Por conseguinte, verifico que o laudo pericial, que serviu de substrato tanto para a decisão de primeira instância como para a de segunda, considerou a situação particular da Destilaria Alto Alegre S.A. na elaboração de suas conclusões, analisando o prejuízo daquela empresa de forma individualizada. 2 BARROSO, Luis Roberto. “A crise econômica e o direito constitucional.” In: Revista jurídica da Procuradoria Geral do Distrito Federal, n. 12, pp. 34-74, out./dez. 1993. 696 R.T.J. — 197 Por outro lado, não ficou demonstrado, nos autos, elemento apto a compensar a alegada defasagem de preços dentro da política específica do setor, conforme se lê da decisão do Tribunal Regional Federal: “Não recebia, por outro lado, a autora subsídios. É a afirmativa do perito. ‘Os subsídios dados ao setor sucro-alcooleiro, no período 1985/1989, eram específicos para as unidades produtoras existentes nas regiões Norte/Nordeste’ (fl. 402). A autora é empresa paulista. A ré não fez, ademais, nenhuma prova de que tenha a autora recebido subsídio.” (Fl. 529) Configurado, pois, o dano e o nexo de causalidade, impõe-se a condenação da União a indenizar a Destilaria Alto Alegre S.A. pelos prejuízos patrimoniais que esta experimentou em seu faturamento decorrentes da diferença entre os valores dos preços fixados pelo governo federal e aqueles efetivamente apurados pela Fundação Getúlio Vargas e pelo Instituto do Açúcar e do Álcool. Aqui, há de se fazer uma importante ressalva quanto ao período em que houve congelamento de preços de forma generalizada no País — e não apenas no setor sucroalcooleiro —, ou seja, entre junho de 1987 a outubro de 1989. O Superior Tribunal de Justiça, ao dar provimento ao recurso especial, declarou o seguinte: “Durante o período em que vigeu a política de ‘congelamento de preços’ (e nos termos da r. sentença, em referência ao Mandado de Segurança n. 83, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 28-08-89), não pode ser reconhecido direito a reajuste de preços, por dano ocasionado pelo Estado às empresas do setor sucro-alcooleiro.” (Fl. 615) Ocorre que, no recurso extraordinário interposto pela destilaria, nada se argumenta especificamente sobre esse período de tempo em que houve controle de preços. Assim, por ausência de recurso quanto a esse fundamento, entendo que a condenação somente deva recair sobre o período compreendido entre março de 1985 e maio de 1987. Do exposto, dou parcial provimento ao recurso extraordinário. VOTO (Debates) O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Ministro Joaquim Barbosa, essa questão não foi abordada? O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Exatamente, não se questionou. O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Então, o provimento há de ser integral. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Não. O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Sim, isso não foi questionado, quer dizer, é uma questão pacífica. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: O Superior Tribunal de Justiça, ao dar provimento ao recurso especial, declarou o seguinte: “durante o período em que vigeu a política de congelamento de preços” — nos termos da sentença — “não pode ser reconhecido direito a reajustes de preços, por dano ocasionado pelo Estado às empresas do setor sucroalcooleiro.” R.T.J. — 197 697 Ocorre que, no recurso extraordinário, interposto pela destilaria, nada se argumenta sobre esse tópico do acórdão. O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): É esse o período. Enquanto houve o controle de preços. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: O período de congelamento. Porque o STJ excluiu esse período. O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Não houve controvérsia quanto a isso. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Leio, novamente, o trecho do acórdão do STJ: “Durante o período em que vigeu a política de congelamento de preços, não pode ser reconhecido direito a reajustes de preços, por dano ocasionado pelo Estado às empresas do setor sucroalcooleiro.” A empresa ora recorrente não impugnou esse ponto do acórdão. O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): É o tempo em que a Fundação Getúlio Vargas fez os levantamentos, justamente quando houve o congelamento dos preços. Esta é uma questão incontroversa. Aqui, nos autos: “o prejuízo da autora a preços de setembro/93, com os valores atualizados pelo IGP”. Tem até perícia nos autos. VOTO (Confirmação) O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, mantenho o meu voto. Entendo que há um problema no fato de não ter havido a impugnação total do acórdão. O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Ministro, isso é uma questão de fato. Tem uma perícia nos autos apontando o dano. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Mas não posso dar provimento total ao recurso extraordinário se a parte não... O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Vossa Excelência restabelece ou não o acórdão do TRF? O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Dou provimento parcial ao recurso extraordinário. O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Quer dizer que Vossa Excelência está restabelecendo um acórdão do TRF com restrição, ou seja, com o que nele não se contém. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Exatamente, porque não houve recurso. O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Há uma sentença julgando procedente a ação e um acórdão do TRF confirmando-a. O acórdão do STJ reformou o acórdão do TFR. É isto. O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Peço vênia, mas mantenho meu voto pelo provimento parcial do recurso extraordinário. 698 R.T.J. — 197 EXTRATO DA ATA RE 422.941/DF — Relator: Ministro Carlos Velloso. Recorrente: Destilaria Alto Alegre S.A. (Advogados: Hamilton Dias de Souza e outro). Recorrida: União (Advogado: Advogado-Geral da União). Decisão: A Turma, por votação majoritária, conheceu e deu provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator, vencido, em parte, o Ministro Joaquim Barbosa, nos termos do voto que proferiu. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie e o Ministro Gilmar Mendes. Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos Velloso, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Maria Caetana Cintra Santos. Brasília, 6 de dezembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 426.183 — RJ Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio Agravante: Caixa Econômica Federal – CEF — Agravados: Roberto Tavares e outro Recurso extraordinário — Decisão de turma recursal. O acesso ao Supremo Tribunal Federal pressupõe o esgotamento da jurisdição na origem. Acionado pelo Relator integrante da Turma Recursal o disposto no artigo 557 do Código de Processo Civil, há de ser manuseado o agravo nele previsto, instando-se a própria Turma a apreciar o tema e a prolatar decisão passível de ser impugnada perante o Supremo Tribunal Federal. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator. Brasília, 16 de dezembro de 2004 — Marco Aurélio, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Marco Aurélio: Por meio da decisão de folha 271, neguei seguimento ao extraordinário, consignando: Recurso extraordinário — Decisão passível de impugnação na origem — Impropriedade. R.T.J. — 197 699 1. O recurso extraordinário pressupõe o esgotamento da jurisdição na origem — inciso III do artigo 102 da Constituição Federal. Nota-se que o Relator, na Turma Recursal, acionou o disposto no artigo 557 do Código de Processo Civil. Contra essa decisão era cabível o agravo previsto no § 1º do citado artigo 557. No caso, foi realmente observada esta regra. O Relator, todavia, recebeu o agravo como embargos declaratórios e os julgou, passando tal decisão a integrar a anterior. Surgiu oportunidade, então, para acionar-se o § 1º referido. Isso não ocorreu, interpondo-se, de imediato, o extraordinário. 2. Ante o quadro, nego seguimento a este extraordinário. 3. Publique-se. A Caixa, no agravo de folhas 274 a 280, evoca as Leis n. 9.099/95 e 10.259/2001, além dos Verbetes n. 25 e 26 das Turmas Recursais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, e sustenta que os recursos, no âmbito do Juizado, ficaram limitados ao recurso de sentença definitiva e às medidas de urgência para atacar liminares. Restou autorizada, ainda, a utilização de embargos de declaração. Na espécie, a recorrente diz ter protocolado dois agravos inominados: um contra a sentença e o outro contra a decisão do Relator, que foi recebido como embargos de declaração. Transcreve os Verbetes n. 25 e 26 citados. No primeiro, há autorização para o Relator negar seguimento ao recurso; no segundo, prevê-se o não-cabimento de agravo para a Turma Recursal, na hipótese de decisão monocrática do Relator. Dessa forma, conclui, não havendo outro recurso, a decisão impugnada era de última instância, mostrando-se viável o extraordinário. Passa a discorrer sobre o tema de fundo, relativo à impossibilidade de se proceder à anulação do termo de adesão, conforme ocorrido no âmbito do Juizado Especial. Os agravados, apesar de instados a manifestarem-se, permaneceram silentes (folha 284). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Na interposição deste agravo, foram observados os pressupostos de recorribilidade que lhe são inerentes. A peça, subscrita por profissional da advocacia credenciado mediante o documento de folha 281, restou protocolada no qüinqüídio. Conheço. A regência do processo nos juizados especiais faz-se no sentido de, tanto quanto possível, simplificar-se a tramitação, afastadas normas que têm conteúdo formal maior. Daí entender-se viável, na Turma Recursal, a evocação do disposto no artigo 557 do Código de Processo Civil, atuando o próprio Relator nos casos contemplados. Ora, assentada essa premissa, forçoso é concluir que o ato do Relator não pode ficar imune ao crivo do Colegiado. Na hipótese de recurso inominado para a Turma Recursal e a ele sendo negada seqüência pelo Relator, ou julgado a partir do mencionado artigo do Código de Processo Civil, abre-se a via do agravo e este, no caso, não foi apresentado. Então, a decisão não se mostrou de última instância. Não houve o esgotamento da jurisdição na origem e, se pertinente o exame do Supremo Tribunal Federal, dar-se-á a quebra do próprio sistema, vindo a Corte a fazer as vezes da Turma Recursal, apreciando o acerto, ou desacerto, não de sentença por esta proferida, mas do ato monocrático. Desprovejo este agravo. 700 R.T.J. — 197 EXTRATO DA ATA RE 426.183-AgR/RJ — Relator: Ministro Marco Aurélio. Agravante: Caixa Econômica Federal – CEF (Advogados: Alison Miranda de Freitas e outro). Agravados: Roberto Tavares e outro (Advogado: Francisco das Chagas Pereira da Silva). Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira. Brasília, 16 de dezembro de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador. RECURSO EXTRAORDINÁRIO 442.683 — RS Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso Recorrente: Ministério Público Federal — Recorridos: União, Sebastião Borges de Lima e outro, Carla Núbia Pereira Elmir, Amaro Danilevicz Cabral e Heloísa Helena Faleiro Balardin e outro Constitucional. Servidor público: provimento derivado: inconstitucionalidade: efeito ex nunc. Princípios da boa-fé e da segurança jurídica. I - A Constituição de 1988 instituiu o concurso público como forma de acesso aos cargos públicos. CF, art. 37, II. Pedido de desconstituição de ato administrativo que deferiu, mediante concurso interno, a progressão de servidores públicos. Acontece que, à época dos fatos — 1987 a 1992 —, o entendimento a respeito do tema não era pacífico, certo que, apenas em 17-2-1993, é que o Supremo Tribunal Federal suspendeu, com efeito ex nunc, a eficácia do art. 8º, III; art. 10, parágrafo único; art. 13, § 4º; art. 17 e art. 33, IV, da Lei 8.112, de 1990, dispositivos esses que foram declarados inconstitucionais em 27-8-1998: ADI 837/DF, Relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 25-6-1999. II - Os princípios da boa-fé e da segurança jurídica autorizam a adoção do efeito ex nunc para a decisão que decreta a inconstitucionalidade. Ademais, os prejuízos que adviriam para a Administração seriam maiores que eventuais vantagens do desfazimento dos atos administrativos. III - Precedentes do Supremo Tribunal Federal. IV - RE conhecido, mas não provido. R.T.J. — 197 701 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, conhecer do recurso extraordinário e negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator. Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Carlos Velloso, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Carlos Velloso: O acórdão recorrido, proferido, em apelação cível, pela Quarta Turma do eg. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, está assim ementado: “Ação civil pública. Desconstituição de ato administrativo. Provimento derivado. Servidores do TRT da 4ª Região. Concurso público. Agravo retido rejeitado. Preliminares rejeitadas. 1. Agravo retido rejeitado. 2. A legitimação do MP, a partir da promulgação da Carta Magna de 1988, deve ser interpretada de modo a alargar o rol previsto no art. 1º da Lei n. 7.347/85, meramente exemplificativo. No caso, o MPF busca a desconstituição de ato administrativo que reputa em desacordo com a ordem jurídica constitucional. 3. Rejeitada a preliminar de prescrição anual, uma que não se está a discutir o resultado do concurso e sim o empossamento dos candidatos. Desacolhida a preliminar de prescrição qüinqüenal, eis que não se imputa exclusivamente ao autor a demora na citação dos réus, bem como a pretensão do autor é contra a posse dos servidores nos novos cargos e não contra o resultado do concurso que os habilitou. 4. Não restam dúvidas de que a Constituição de 1988 instituiu o concurso público como forma universal de acesso aos cargos públicos. Todavia, não é menos certo que, à época dos fatos (entre 1987 e 1992), esse não era um entendimento pacífico, inclusive no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Apenas em 17 de fevereiro de 1993 o STF (na Medida Cautelar na ADIn n. 837-4) suspendeu a eficácia do art. 8º, III e do art. 10, X, parágrafo único, da Lei n. 8.112/90, passando a prevalecer o entendimento de que o concurso interno não poderia mais ser realizado. In casu, os prejuízos que adviriam para a Administração, além dos servidores, seriam maiores que eventuais vantagens do desfazimento destes atos. Prevalece o princípio da segurança jurídica e da boa-fé, como tem entendido a jurisprudência.” (Fls. 920-921) 702 R.T.J. — 197 Daí o recurso extraordinário, interposto pelo Ministério Público Federal, fundado no art. 102, III, a, da Constituição Federal, com alegação de ofensa ao art. 37, II, da mesma Carta, sustentando, em síntese, que “qualquer forma de investidura, seja inicial ou derivada, requer a ‘aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos’” (fl. 926). Admitido o recurso (fl. 1043), subiram os autos. A Procuradoria-Geral da República, em parecer lavrado pela ilustre Subprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra Cureau, opinou pelo provimento do recurso (fls. 1056/1061). Autos conclusos em 24-11-2005. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Tal como informa o Ministério Público Federal, no parecer de fls. 1056/1061, da ilustre Subprocuradora-Geral, Dra. Sandra Cureau, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não admite a ascensão funcional, espécie de provimento derivado vertical, pelo que tem declarado a inconstitucionalidade de dispositivos de leis e de Constituições estaduais que admitem essa forma de provimento derivado vertical. Indico, entre os muitos precedentes, a ADI 3.030/AP, de minha Relatoria, citado, aliás, no parecer da Procuradoria-Geral da República. No julgamento da ADI 806-MC/DF, também de minha Relatoria, outro não foi o decidido pela Corte Suprema (RTJ 156/801). No mesmo sentido: ADI 245/RJ, Ministro Moreira Alves, RTJ 143/391; ADI 248/RJ, Ministro Celso de Mello, RTJ 152/341; ADI 231/RJ, Ministro Moreira Alves, RTJ 144/24; ADI 1.476-MC/PE, Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 1º-3-2002; ADI 368/ES, Ministro Moreira Alves, DJ de 2-5-2003. Aqui, entretanto, estamos diante de ação do processo subjetivo. E, conforme deixa expresso o acórdão, os atos impugnados ocorreram sob o pálio de lei que os autorizava, Lei 8.112, de 1990, art. 8º, III; art. 10, parágrafo único; art. 13, § 4º; art. 17 e art. 33, inciso IV, dispositivos esse que somente foram declarados inconstitucionais na ADI 837/DF, Relator o Ministro Moreira Alves, julgamento realizado em 27-8-1998, publicado o acórdão no DJ de 25-6-1999. A suspensão cautelar de tais disposições legais ocorreu em 1993, com efeito ex nunc (ADI 837-MC/DF). Por isso mesmo, acentuou o ilustre Desembargador Edgard Lippman Júnior, no voto em que se embasa o acórdão recorrido: “(...) Atualmente, é certo que não restam dúvidas de que a Constituição de 1988 instituiu o concurso público como forma universal de acesso aos cargos públicos. Todavia, não é menos certo que, à época dos fatos, esse não era um entendimento pacífico, inclusive no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Veja-se que, entre outros destacados autores, sustentavam a permanência do concurso interno Celso Antônio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Diógenes Gasparini, Hely Lopes Meirelles e Adilson Abreu Dallari. Praticamente todos os R.T.J. — 197 703 Tribunais, inclusive esta Corte e o próprio STF, fizeram concursos internos depois de 1988. Apenas em 1993, depois das designações aqui contestadas, é que o STF suspendeu a eficácia do art. 8º, III e do art. 10, X, parágrafo único, da Lei n. 8.112/ 90, passando a prevalecer o entendimento de que o concurso interno não poderia mais ser realizado. Não se pode, portanto, aplicar mecanicamente a norma constitucional agitada na peça vestibular. No tocante à declaração judicial de ineficácia dos atos administrativos nascidos de forma irregular, em texto trazido pelos apelantes (fl. 730), Miguel Seabra Fagundes já advertia: ‘pode acontecer que a situação resultante do ato, embora nascida irregularmente, torne útil àquele mesmo interesse (público)’, de modo tal que ‘também as numerosas situações pessoais alcançadas e beneficiadas pelo ato vicioso podem aconselhar a subsistência de seus efeitos’. Assim, no julgamento do caso, deve-se considerar tanto o interesse público quanto as situações individuais envolvidas. Primeiro, o interesse público foi manifestado pelo próprio réu, a União Federal, em nome do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, que informa que seus serviços seriam amplamente prejudicados pela interrupção do exercício dos servidores ascendidos há mais de uma década. Como estes funcionários teriam que retornar a seus cargos anteriores, também não teria o Tribunal como contornar a situação daqueles outros servidores que foram convocados, via concurso público, para preencher tais cargos. A situação seria de verdadeiro tumulto administrativo, se não de atingimento da esfera individual de terceiros não presentes no feito. Segundo, quanto às situações individuais, seria injusto fazer retornar aos cargos anteriores funcionários que, pelo longo tempo transcorrido, atingiram elevado grau de especialização nas novas funções e estruturaram suas vidas, pessoais e familiares, a partir dos novos patamares remuneratórios. Os servidores, de boa-fé, foram convocados pela Administração, que também agiu de boa-fé, a participarem de concurso interno, nos mesmos moldes de concurso público, com igual grau de dificuldade, para preencher certo número de vagas reservadas com essa finalidade, de acordo com a Lei n. 8.112/90, a Lei n. 5.645/79 e o Decreto n. 85.654/81. Logo, entendo ser inadequado, mais de uma década depois, simplesmente negar validade a tais atos, construídos, naquele momento, dentro de uma aparente legalidade e em estrito cumprimento de norma legal que se tinha por vigente, desconsiderando os efeitos concretos que advieram. No caso, os prejuízos que adviriam para a Administração, além dos servidores, seriam maiores do que eventuais vantagens do desfazimento destes atos. Deve prevalecer, pois, o princípio da segurança jurídica e da boa-fé, como tem entendido a jurisprudência. (...).” (Fls. 906-907) 704 R.T.J. — 197 Na mesma linha, com argumentos igualmente consistentes, voto do ilustre Desembargador Valdemar Capelletti (fls. 912-917), que registrou que o Supremo Tribunal Federal, quando apreciou o pedido de suspensão cautelar dos dispositivos acoimados de inconstitucionais, na ADI 837-MC/DF, por consagrarem formas de provimento derivado vertical, dispositivos da Lei 8.112/90, deferiu a citada cautelar, fazendo-o, entretanto, com efeito ex nunc. Está na ementa do referido acórdão do Supremo Tribunal: “(...) ‘Ação direta de inconstitucionalidade. Dispositivos impugnados por admitirem a ascensão, o acesso, a progressão ou o aproveitamento como formas de provimento de cargos públicos. - Ocorrência, no caso, de relevância jurídica e de conveniência da suspensão da eficácia requerida. Pedido liminar deferido, suspendendo-se, ex nunc, a eficácia do artigo 4º da Lei 7.707, de 1988, e da Lei 7.719, de 1989, do artigo 10 da Lei n. 7.727, de 1989, do artigo 17 da Lei 7.746, de 1989, dos artigos 8º, III, e das expressões ‘acesso e ascensão’ do artigo 13, parágrafo 4º, ‘ou ascensão’ e ‘ou ascender’ do artigo 17, e do inciso IV do artigo 33, todos da Lei n. 8.112, de 1990, bem como dos artigos 3º, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 do ato Regulamentar n. 1, e do artigo 2º, II, a, da Resolução n. 14, ambos de 1992, editados pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região.’ (decisão 11-2-93, unânime, DJ 23-4-93) (...).” (Fls. 915-915v) Decidiu, depois, o Supremo Tribunal, o mérito da mencionada ADI 837/DF, no ano de 1998, acórdão publicado no DJ de 25-6-1999: “Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Formas de provimento derivado. Inconstitucionalidade. — Tendo sido editado o Plano de Classificação dos Cargos do Poder Judiciário posteriormente à propositura desta ação direta, ficou ela prejudicada quanto aos servidores desse Poder. — No mais, esta Corte, a partir do julgamento da ADI 231, firmou o entendimento de que são inconstitucionais as formas de provimento derivado representadas pela ascensão ou acesso, transferência e aproveitamento no tocante a cargos ou empregos públicos. Outros precedentes: ADI 245 e ADI 97. — Inconstitucionalidade, no que concerne às normas da Lei n. 8.112/90, do inciso III do artigo 8º; das expressões ascensão e acesso no parágrafo único do artigo 10; das expressões acesso e ascensão no § 4º do artigo 13; das expressões ou ascensão e ou ascender no artigo 17; e do inciso IV do artigo 33. Ação conhecida em parte, e nessa parte julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos incisos e das expressões acima referidos.” Abrindo o debate, esclareça-se que a ordem jurídico-constitucional brasileira consagra, em termos de jurisdição constitucional, o controle misto. É dizer, temos o R.T.J. — 197 705 controle de constitucionalidade difuso, a partir da 1ª República, segundo o modelo norte-americano, instituído a partir do célebre Madison vs. Marbury case, de 1803, e o controle concentrado, em abstrato, a partir da EC 16, de 1965, que conferiu competência ao Supremo Tribunal Federal para julgar a representação de inconstitucionalidade de atos normativos federais e estaduais, legitimado o Procurador-Geral da República para o seu aforamento. O modelo adotado foi o dos Tribunais Constitucionais europeus. Intituiu-se, pois, a partir daí, a ação direta genérica. O controle difuso, segundo o modelo norte-americano, realiza-se no caso concreto, em qualquer ação, incidentalmente ou por via de exceção; a sentença é declaratória, com efeito retroativo, ex tunc e inter partes. Já o modelo europeu continental, que surgiu sob a inspiração de Kelsen, na Constituição da Áustria de 1920, aperfeiçoado com a reforma de 1929, dá-se em abstrato, numa ação direta, que será aforada apenas em um Tribunal, o Tribunal Constitucional. O acórdão tem natureza constitutiva-negativa ou descontitutiva; a eficácia é erga omnes e o efeito fixado pro tempore: ex tunc, ex nunc ou pro futuro. O ato inconstitucional é anulável e não nulo. Bem por isso e em boa hora, veio a lume a Lei 9.868, de 10-11-1999, que, no seu art. 27, estabeleceu que ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal, por maioria de 2/3 de seus membros, restringir os efeitos da declaração, decidir que ela só terá eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. Isto não deve ter sabor de novidade. Na pátria do efeito ex tunc, nos Estados Unidos, a Suprema Corte admite o teor político do controle de constitucionalidade e que o ingrediente político da decisão tomada no controle de constitucionalidade pode relativizar o princípio da retroação ex tunc. O trabalho doutrinário do professor Sérgio Resende Barros é bastante esclarecedor (“O Nó Gordio do Sistema Misto”, in Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental: Análises à Luz da Lei 9.882/99, Ed. Atlas, 2001, p. 180). No caso Linkletter vs. Walker, de 1965, “a Suprema Corte reconheceu que a questão da retroatividade ou prospectividade dos efeitos do judicial review não corresponde a um princípio exarado na Constituição, mas a uma prática jurisprudencial, que pode ser alterada, portanto, pela própria jurisprudência, se necessário” (Sérgio Resende de Barros, ob. cit.). Nos casos Stevall vs. Denno e Gedeão, a Suprem Corte reiterou o entendimento. Anota a Desembargadora Maria Isabel Gallotti, em excelente artigo de doutrina (A Declaração de Inconstitucionalidade das Leis e seus Efeitos, RDA 170/18), que, “nos países que aderem à doutrina da eficácia ex tunc”, “a retroação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, se levada a extremos, por dar margem a sérias injustiças, bem como a perigosa insegurança nas relações jurídicas, econômicas e sociais”. E acrescenta a ilustre magistrada que “a realidade é que, como poderá Lúcio Bittencourt, ‘os efeitos de fato que a norma produziu não podem ser suprimidos, sumariamente, por simples obra de um decreto judiciário’”. (Lúcio Bittencourt, O controle jurisdicional de constitucionalidade das leis, Rio de Janeiro, Forense, 1949, p. 148). E, invocando Willoughby, “conquanto a lei inconstitucional deva, sob o 706 R.T.J. — 197 ponto de vista estritamente lógico, ser considerada como se jamais tivesse tido força para criar direitos ou obrigações, considerações de ordem prática têm levado os tribunais a atribuir certa validade aos atos praticados por pessoas que, em boa-fé, exercem os poderes conferidos pelo diploma posteriormente julgado ineficaz” (Maria Isabel Gallotti, ob. e loc. cits.). Essa posição, registra Maria Isabel Gallotti, foi sustentada pelo Ministro Leitão de Abreu, no RE 79.343/BA. Destaco do voto do eminente e saudoso Ministro: “(...) Coincidentes as opiniões quanto aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, efeitos distintos conforme se tratar de declaração de invalidade incidenter tantum ou de declaração de nulidade em tese, a questão segunda, que se apresenta, tocante à nulidade ou anulibilidade da lei, isto é, da sua nulidade ab initio ou a partir do ato declaratório da invalidade, não recolhe, quanto ao seu deslinde, total consenso dos tribunais e de parte da doutrina. O Corpus Juris Secundum, reportando-se ao direito norte-americano, assim compendia a diretriz aí dominante: ‘Em sentido amplo, uma lei inconstitucional é nula, em qualquer tempo, e a sua invalidade deve ser reconhecida e proclamada para todos os efeitos ou quanto a qualquer estado de fato. Não é lei ou não é uma lei; é algo nulo, não se reveste de força, não possui efeito ou é totalmente inoperante. Falando do modo geral, a decisão, pelo tribunal competente, de que a lei é inconstitucional tem por efeito tornar essa lei nula e nenhuma; o ato legislativo, do ponto de vista jurídico, é tão inoperante como se não tivesse sido emanado ou como se a sua promulgação não houvesse ocorrido. É considerado inválido ou nulo, desde a data da promulgação e não somente a partir da data em que é, judicialmente, declarado inconstitucional’. Exposta, assim, a orientação dominante, acrescenta, todavia, o mesmo repositório, explicitado os termos em que se coloca a opinião divergente: ‘Por outro lado’ — prossegue — ‘tem sido sustentado que essa regra geral não é universalmente verdadeira; que existem muitas exceções ou que certas exceções têm sido reconhecidas a esse respeito; que essa teoria é temperada por diversas outras considerações; que uma visão realista vem corroendo essa doutrina; que asserções tão amplas devem ser recebidas com reservas e que, mesmo uma lei inconstitucional, é um fato eficaz, ao menos antes da determinação da constitucionalidade, podendo ter conseqüências que não é lícito ignorar. Tem sido sustentado, por isso: que a lei inconstitucional não é nula, mas somente anulável, ou que é inexecutável em vez de nula, ou nula no sentido de que é inexecutável, porém não no sentido de que é anulada ou abolida; que a lei inconstitucional permanece inoperante enquanto a decisão que a declara inválida é mantida e que, enquanto essa decisão continua de pé, a lei dorme, porém não está morta’ (...) (Corpus Juris Secundum, v. 16, § 101). (...).” Depois de citar Kelsen, que enfrentou o problema na sua General Theory of Law and State, dando pela anulabilidade e não pela nulidade da lei inconstitucional, pelo que a decisão que declara a inconstitucionalidade é um ato constitutivo, concluiu o Ministro Leitão de Abreu: R.T.J. — 197 707 “(...) 2. Acertado se me afigura, também, o entendimento de que não deve ter como nulo ab initio ato legislativo, que entrou no mundo jurídico munido de presunção de validade, impondo-se, em razão disso, enquanto não declarado inconstitucional, à obediência pelos destinatários dos seus comandos. Razoável é a inteligência, a meu ver, de que se cuida, em verdade, de ato anulável, possuindo caráter constitutivo a decisão que decreta a nulidade. Como, entretanto, em princípio, os efeitos dessa decisão operam retroativamente, não se resolve, com isso, de modo pleno, a questão de saber se é mister haver como delitos do orbe jurídico atos ou fatos verificados em conformidade com a norma que haja sido pronunciada como inconsistente com a ordem constitucional. Tenho que procede a tese, consagrada pela corrente discrepante, a que se refere o Corpus Juris Secundum, de que a lei inconstitucional é um fato eficaz, ao menos antes da determinação da inconstitucionalidade, podendo ter conseqüências que não é lícito ignorar. A tutela da boa fé exige que, em determinados circunstâncias, notadamente quando, sob a lei ainda não declarada inconstitucional, se estabeleceram relações entre o particular e o poder público, se apure, prudencialmente, até que ponto a retroatividade da decisão, que decreta a inconstitucionalidade, pode atingir, prejudicando-o, o agente que teve por legítimo o ato e, fundado nele, operou na presunção de que estava procedendo sob o amparo do direito objetivo. (...).” Em diversos recursos extraordinários oriundos do Estado do Amazonas, sustentei, com o apoio dos meus eminentes Colegas da 2ª Turma, que “a lei inconstitucional nasce morta. Em certos casos, entretanto, os seus efeitos devem ser mantidos, em obséquio, sobretudo, ao princípio da boa-fé” (RE 328.232-AgR/AM, DJ de 2-9-2005). Destaco do voto que proferi: “(...) A decisão é de ser mantida. Conforme nela acentuado, não se está reconhecendo a constitucionalidade superveniente. O que se reconhece, no caso, é que os efeitos do ato da administração do Estado do Amazonas devem ser mantidos, em obséquio, sobretudo, ao princípio da boa-fé, certo que esses efeitos, na hipótese sob julgamento, viram-se convalidados pela Constituição de 1988. O tema traz ao debate o princípio da segurança jurídica, que foi versado de forma superior pelo Ministro Gilmar Mendes, no julgamento, pelo Plenário, do MS 22.357/DF (Plenário, 27-5-2004, DJ de 5-11-2004). Invocou o Ministro Gilmar Mendes o clássico estudo de Almiro do Couto e Silva sobre a aplicação do princípio da segurança jurídica em direito comparado (Revista da Procuradoria Geral do Estado, v. 18, n. 46, 1988, pp. 11-29) e lição de Miguel Reale (Revogação e anulamento do ato administrativo, Forense, 2ª ed., 1980, pp. 70-71) para concluir que ‘considera-se, hodiernamente, que o tema tem, entre nós, assento constitucional (princípio do Estado de Direito) e está disciplinado, parcialmente, no plano federal, na Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (v.g. art. 2º)’. 708 R.T.J. — 197 O princípio da segurança jurídica assenta-se, sobretudo, na boa-fé e na necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. No caso, não custa repetir, o ato administrativo embasa-se no princípio da boa-fé, tanto do órgão administrativo que deferiu a vantagem, como, e principalmente, do servidor público, o que recomenda a manutenção dos efeitos do ato, efeitos esses que, de resto, conforme linhas atrás foi dito, se viram convalidados pela Constituição de 1988. (...).” O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 197.917/SP, Relator o Ministro Maurício Corrêa, julgou inconstitucional o parágrafo único do art. 6º da Lei Orgânica n. 226, de 1990, do Município de Mira Estrela/SP — caso do número de vereadores —, mandando, entretanto, que se respeitasse o mandato dos atuais vereadores. É dizer, emprestou efeito pro futuro à decisão (DJ de 7-5-2004). Destaco do voto proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, no sentido do efeito pro futuro: “(...) É interessante notar que, nos próprios Estados Unidos da América, onde a doutrina acentuara tão enfaticamente a idéia de que a expressão ‘lei inconstitucional’ configurava uma contradictio in terminis, uma vez que “the inconstitutional statute is not law at all” (Willoughby, Westel Woodbury. The Constitutional Law of the United States, New York, 1910, v. 1, p. 9/10; cf. Cooley, Thomas M., Treaties on the Constitutional Limitations, 1878, p. 227), passou-se a admitir, após a Grande Depressão, a necessidade de se estabelecerem limites à declaração de inconstitucionalidade (Tribe, Laurence. The American Constitutional Law, The Foundation Press, Mineola, New York, 1988). A Suprema Corte americana vem considerando o problema proposto pela eficácia retroativa de juízos de inconstitucionalidade a propósito de decisões em processos criminais. Se as leis ou atos inconstitucionais nunca existiram enquanto tais, eventuais condenações nelas baseadas quedam ilegítimas, e, portanto, o juízo de inconstitucionalidade implicaria a possibilidade de impugnação imediata de todas as condenações efetuadas sob a vigência da norma inconstitucional. Por outro lado, se a declaração de inconstitucionalidade afeta tão-somente a demanda em que foi levada a efeito, não se há que cogitar de alteração de julgados anteriores. Sobre o tema, afirma Tribe: ‘No caso Linkletter v. Walker, a Corte rejeitou ambos os extremos: ‘a Constituição nem proíbe nem exige efeito retroativo.’ Parafraseando o Justice Cardozo pela assertiva de que ‘a constituição federal nada diz sobre o assunto’, a Corte de Linkletter tratou da questão da retroatividade como um assunto puramente de política (política judiciária), a ser decidido novamente em cada caso. A Suprema Corte codificou a abordagem de Linkletter no caso Stovall v. Denno: ‘Os critérios condutores da solução da questão implicam (a) o uso a ser servido pelos novos padrões, (b) a extensão da R.T.J. — 197 709 dependência das autoridades responsáveis pelo cumprimento da lei com relação aos antigos padrões, e (c) o efeito sobre a administração da justiça de uma aplicação retroativa dos novos padrões’. (Tribe, American Constitutional Law, cit., p. 30) (...).” Depois de considerações outras, acrescentou o Ministro Gilmar Mendes: “(...) A jurisprudência americana evoluiu para admitir, ao lado da decisão de inconstitucionalidade com efeitos retroativos amplos ou limitados (limited retrospectivity), a superação prospectiva (prospective overruling), que tanto pode ser limitada (limited prospectivity), aplicável aos processos iniciados após a decisão, inclusive ao processo originário, como ilimitada (pure prospectivity), que sequer se aplica ao processo que lhe deu origem (Palu, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade, São Paulo 2ª. ed., 2001, p. 173; Medeiros, Rui. A Decisão de Inconstitucionalidade, Universidade Católica Editora, Lisboa, 1999). Vê-se, pois, que o sistema difuso ou incidental mais tradicional do mundo passou a admitir a mitigação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade e, em casos determinados, acolheu até mesmo a pura declaração de inconstitucionalidade com efeito exclusivamente pro futuro (Cf. a propósito, Sesma, El Precedente, cit., p. 174 s). De resto, assinale-se que, antes do advento da Lei n. 9.868, de 1999, talvez fosse o STF, muito provavelmente, o único órgão importante de jurisdição constitucional a não fazer uso, de modo expresso, da limitação de efeitos na declaração de inconstitucionalidade. Não só a Suprema Corte americana (caso Linkletter v. Walker), mas também uma série expressiva de Cortes Constitucionais e Cortes Supremas adotam a técnica da limitação de efeitos (Cf. v.g. Corte Constitucional austríaca (Constituição, art. 140), a Corte Constitucional alemã (Lei Orgânica, § 31, 2 e 79, 1), a Corte Constitucional espanhola (embora não expressa na Constituição, adotou, desde 1989, a técnica da declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade. Cf. Garcia de Enterría, Justicia Constitucional, cit., p. 5), a Corte Constitucional portuguesa (Constituição, art. 282, n. 4), o Tribunal de Justiça da Comunidade Européia (art.174, 2 do Tratado de Roma), o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (caso Markx, de 13 de junho de 1979. Cf. Siqueira Castro, Carlos Roberto. Da Declaração de Inconstitucionalidade e seus efeitos em face das Leis n. 9.868 e 9882/99, in: Sarmento, Daniel, O Controle de Constitucionalidade e a Lei 9.868/99 (organizador), Rio de Janeiro, 2001). No que interessa para a discussão da questão em apreço, ressalte-se que o modelo difuso não se mostra incompatível com a doutrina da limitação dos efeitos. (...).” Em caso semelhante, MS 22.357/DF, Relator o Ministro Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário, decidiu: 710 R.T.J. — 197 “Ementa: Mandado de Segurança. 2. Acórdão do Tribunal de Contas da União. Prestação de Contas da Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária - INFRAERO. Emprego Público. Regularização de admissões. 3. Contratações realizadas em conformidade com a legislação vigente à época. Admissões realizadas por processo seletivo sem concurso público, validadas por decisão administrativa e acórdão anterior do TCU. 4. Transcurso de mais de dez anos desde a concessão da liminar no mandado de segurança. 5. Obrigatoriedade da observância do princípio da segurança jurídica enquanto subprincípio do Estado de Direito. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. 6. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica e sua aplicação nas relações jurídicas de direito público. 7. Concurso de circunstâncias específicas e excepcionais que revelam: a boa fé dos impetrantes; a realização de processo seletivo rigoroso; a observância do regulamento da Infraero, vigente à época da realização do processo seletivo; a existência de controvérsia, à época das contratações, quanto à exigência, nos termos do art. 37 da Constituição, de concurso público no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista. 8. Circunstâncias que, aliadas ao longo período de tempo transcorrido, afastam a alegada nulidade das contratações dos impetrantes. 9. Mandado de Segurança deferido.” (DJ de 5-11-2004) A questão dos efeitos ex nunc ou pro futuro da decisão que decreta a inconstitucionalidade de lei não tem, conforme vimos, sabor de novidade no Supremo Tribunal Federal. É que, anotei no voto que proferi no citado RE 328.232-AgR/AM, “uma das razões mais relevantes para a existência do direito está na realização do que foi acentuado na Declaração da Independência dos Estados Unidos da América, de 1776, o direito do homem de buscar a felicidade. Noutras palavras, o direito não existe como forma de tornar amarga a vida dos seus destinatários, senão de fazê-la feliz”. Do exposto, conheço do recurso, mas lhe nego provimento. VOTO O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, quero cumprimentar o Ministro Carlos, mais uma vez, pelo belíssimo voto proferido, num tema com tanta relevância e que, até pouco tempo, era raro nas manifestações da jurisdição constitucional brasileira. Tal como pontuou o eminente Relator, no caso temos a necessidade de fazer a ponderação entre o princípio da nulidade da lei inconstitucional — o qual, conforme assumimos entre nós, tem hierarquia constitucional — e o princípio da segurança jurídica, que, muitas vezes, justifica a subsistência de atos concretos a despeito da declaração de inconstitucionalidade e, até mesmo, a pronúncia de uma declaração de inconstitucionalidade com efeitos estritos ou mitigados. O art. 27 da Lei n. 9.868, bem apontado pelo eminente Ministro Relator, na verdade apenas explicita, estrutura e declara o que o Tribunal pode fazer a partir do próprio Texto constitucional. Outro ponto já ressaltado na manifestação eloqüente e belíssima do eminente Ministro Carlos Velloso diz respeito a essa separação de planos. Uma coisa é a declaração de nulidade da lei; outra é se essa nulidade repercute sobre os atos concretos. Bem R.T.J. — 197 711 soube fazer essa distinção o Supremo Tribunal Federal ao aceitar, sim, a ADI contra a norma constante da Lei n. 8.112, mas dando-lhe eficácia ex nunc, a sinalizar que não queria tumultuar, em razão da segurança jurídica, os certames concursivos eventualmente verificados. Temos tido não só no Plenário, mas também na Turma, oportunidade de salientar a importância do princípio da segurança jurídica, que imanta toda essa discussão. Portanto, é fundamental destacarmos essa separação de planos. Convivemos com essa realidade em razão, até mesmo, das fórmulas de preclusão; muitas vezes ela ocorre nos sistemas tributário e administrativo. Hoje, felizmente, temos, de forma clara, essa questão colocada na Lei n. 9.784, a Lei de Procedimento Administrativo. Essa Lei diz que a eventual declaração de nulidade administrativa não poderá se fazer sobre atos já velhos, de mais de cinco anos. Portanto estabeleceu, também aqui, uma fórmula de preclusão ou aquilo que a doutrina chama de uma decadência administrativa. Nessa oportunidade, quero ressaltar — esta é uma questão recentemente assumida por esta Corte, afora os casos mencionados e de relevância histórica — a importância que, nesses casos, assume a doutrina brasileira, especialmente aquela defendida por Miguel Reale e pelo notável Professor gaúcho Dr. Almiro do Couto e Silva, este com estudos pioneiros sobre o princípio da segurança jurídica. Com essas considerações, invocando os subsídios que trouxe em outros casos e louvando o belíssimo voto do Ministro Carlos Velloso, acompanho o voto de Sua Excelência. VOTO A Sra. Ministra Ellen Gracie: Sr. Presidente, creio que o voto do eminente Relator, brilhante como sempre, modulou adequadamente os efeitos dessa declaração de inconstitucionalidade. À parte o cumprimento a Sua Excelência, adianto que utilizarei o precedente para outro caso que tenho em espera. Acompanho o voto do Ministro Relator. EXTRATO DA ATA RE 442.683/RS — Relator: Ministro Carlos Velloso. Recorrente: Ministério Público Federal. Recorridos: União (Advogado: Advogado-Geral da União), Sebastião Borges de Lima e outro (Advogados: Felipe Néri Dresch da Silveira e outro), Carla Núbia Pereira Elmir (Advogado: Marcos José Bochehin), Amaro Danilevicz Cabral (Advogados: José Renato Buchaim e outro) e Heloísa Helena Faleiro Balardin e outro (Advogados: Pedro Maurício Pita Machado e outro). Decisão: A Turma, por votação unânime, conheceu do recurso extraordinário, mas lhe negou provimento, nos termos do voto do Relator. Falou, pelos recorridos Heloisa Helena Faleiro Balardin e outros, o Dr. Pedro Maurício Pita Machado e, pelos demais recorridos, o Dr. Amarildo Maciel Martins. 712 R.T.J. — 197 Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra Verônica Cureau. Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador. RECURSO EXTRAORDINÁRIO 448.558 — PR Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes Recorrente: União — Recorrido: Yuki Takahashi Recurso extraordinário. 2. Tributário. ITR. 3. A nova configuração do ITR disciplinada pela MP 399 somente se aperfeiçoou com sua reedição de 7-1-94, a qual por meio de seu Anexo alterou as alíquotas do referido imposto. 4. A exigência do ITR sob esta nova disciplina, antes de 1º de janeiro de 1995, viola o princípio constitucional da anterioridade tributária (Art. 150, III, b). 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Carlos Velloso (RISTF, art. 37, II), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, conhecer do recurso e lhe negar provimento, nos termos do voto do Relator. Brasília, 29 de novembro de 2005 — Gilmar Mendes, Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de recurso extraordinário interposto com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão assim ementado (fl. 268): “Embargos à execução fiscal. ITR. Ano base 1994. Alíquotas fixadas pela Lei 8.847/94. Conversão medida provisória 399/03. MP retificadora. Descumprimento. Princípio da anterioridade tributária. 1. É pacífico o entendimento de que a Medida Provisória é lei em sentido material, sendo o veículo formal posto à disposição do Poder Executivo para regular os fatos, atos e relações do mundo fático, desde que obedecidos os critérios de urgência e necessidade que, no entendimento do Supremo Tribunal Federal, dependem do poder discricionário do Presidente da República. R.T.J. — 197 713 2. O termo inicial do prazo para cumprimento do princípio da anterioridade corresponde à data da publicação da medida provisória. 3. A Medida Provisória n. 399/03 foi publicada em 30 de dezembro de 2003 (SIC). Contudo, na data originalmente publicada, a citada Medida Provisória não continha as alíquotas do ITR. Tal omissão fez com que fosse publicada, em 07 de janeiro de 1994, uma retificação da aludida Medida Provisória, no Diário Oficial, contendo as novas tabelas de alíquotas. 4. A retificadora não tem o condão de retroagir à data da publicação original — 30 de dezembro de 1993 — de forma a cumprir o disposto no artigo 150, III, b, da Constituição Federal de 1988 e tornar possível a cobrança do ITR ainda no ano de 1994. 5. Como o instrumento legal modificador de alíquota só foi publicado no ano de 1994, a cobrança do ITR com base nas alíquotas constantes na Lei n. 8.847/94 é vedada, nos termos do artigo 150, III, b, da Constituição Federal, para o ano de 1994.” A recorrente interpôs recurso extraordinário de fls. 270/280, no qual sustenta: “De início, não há que se falar em violação ao princípio constitucional da anterioridade, consagrado no art. 150, III, b, da CF/88, pois a Lei n. 8.847/94 nada mais é do que a conversão de Medida Provisória editada pelo Poder Executivo, mais especificamente a MP n. 399, de 29.12.93. A Medida Provisória convertida em lei obedeceu o princípio da anterioridade, pois foi editada no exercício anterior. Ainda, os parâmetros para a exação tributária foram fixados na lei, havendo somente a regulamentação pela instrução normativa. A publicação de instrução normativa não está sujeita a tal princípio, pois somente complementa a lei e a medida provisória possui força de lei desde a sua edição.” O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso, em parecer do Subprocurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, reportando-se ao parecer de seu colega, Dr. Geraldo Brindeiro, manifestado no RE 401.149 (fls. 288/294): “5. É certo que doutrina e jurisprudência são assentes em proclamar que o princípio da anterioridade consagrado no art. 150, III, a, da Constituição Federal inclui todos os elementos necessários à sua apuração. Assim é que leciona Luciano Amaro: ‘Pode ocorrer que o fato gerador de determinado tributo seja composto pela soma de vários fatos isolados, valorizados num. certo período de tempo, de tal sorte que só se aperfeiçoe tal fato gerador com a implementação do último daqueles fatos isolados (ou melhor, com o término do lapso de tempo dentro do qual é possível a ocorrência de fatos isolados relevantes que, no seu conjunto, implementam o fato gerador). É o que se dá com o imposto de renda das pessoas físicas e jurídicas, cujo fato gerador corresponde à soma algébrica de valores correspondentes a rendimentos e despesas, que vão sendo ganhos ou gastos ao longo de certo tempo. Trata-se de fato gerador periódico, que examinaremos mais adiante, ao cuidar da classificação dos fatos geradores. 714 R.T.J. — 197 O fato gerador, aí, não se traduz, isoladamente, nos fatos a ou b (rendimentos), ou no fato c (despesa). O fato gerador é a série a + b - c. A lei, para respeitar a irretroatividade, há de ser anterior a série a + b - c, vale dizer, a lei deve preceder todo o conjunto de fatos isolados que compõem o fato gerador do tributo. Para respeitar-se o princípio da irretroatividade, não basta que a lei seja prévia em relação ao último desses fatos ou ao término do período durante o qual os fatos isoladamente ocorridos vão sendo registrados’ (AMARO, Luciano, Direito Tributário Brasileiro. São Paulo, Ed. Saraiva, 2003, pp. 119 e 120). 6. No mesmo sentido, o E. Supremo Tribunal Federal já se pronunciou no Recurso Extraordinário n. 234.605-6, Relator o E. Ministro Ilmar Galvão, Rio de Janeiro, DJ de 1º-12-2000: ‘Ementa: Tributário. Estado do Rio de Janeiro. IPTU. Aumento da respectiva base de cálculo, mediante aplicação de índices genéricos de valorização, por logradouros, ditados por ato normativo editado no mesmo ano do lançamento. Taxa de Iluminação Pública. Serviço público que não se reveste das características de especificidade e divisibilidade. Somente por via de lei, no sentido formal, publicada no exercício financeiro anterior, é permitido aumentar tributo, como tal havendo de ser considerada a iniciativa de modificar a base de cálculo do IPTU, por meio de aplicação de tabelas genéricas de valorização de imóveis, relativamente a cada logradouro, que torna o tributo mais oneroso. Caso em que as novas regras determinantes da majoração da base de cálculo não poderiam ser aplicadas no mesmo exercício em que foram publicadas, sem ofensa ao princípio da anterioridade. No que concerne à taxa de iluminação pública, é de considerar-se que se trata de serviço público insuscetível de ser custeado senão por via do produto dos impostos gerais. Recurso não conhecido.’ 7. Assim sendo, no caso ora posto sob exame, as tabelas de alíquotas, tendo sido publicadas apenas em 1994, não poderiam alcançar o imposto devido em 1993.” É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): No presente caso discute-se se houve ou não violação ao princípio da anterioridade tributária ao se cobrar o ITR, com base na MP n. 399, de 1993, convertida na Lei n. 8.847, de 28 de janeiro de 1994, referente ao fato gerador ocorrido no exercício de 1994. Para tanto, deve-se analisar se houve instituição de imposto ou sua majoração. Ao sentenciar, o Juiz Arthur César de Souza assim examinou a controvérsia (fls. 253/254): R.T.J. — 197 715 “A Lei 8.847/94 é conversão da MP 399, publicada em 30-12-93. Entretanto, na publicação da MP 399 de 30-12-93 não acompanhou o Anexo I, que continha as Tabelas imprescindíveis à incidência do tributo. Assim, em 7-1-94, foi reeditada a MP 399, agora com o Anexo I e as respectivas tabelas contendo as alíquotas. O art. 150, I e III, a e b, CF, estabelece: ‘Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; (...) III - cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.’ A MP 399 e a Lei 8.847/94 — a primeira explícita e a segunda implicitamente — revogaram o art. 50, da Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra), na redação conferida pela Lei 6.746/79. Nesse sistema, o lançamento do ITR era feito com base nas informações prestadas pelo contribuinte. Todavia, a MP 399 e a Lei 8.847/94 inovaram aumentado o valor do tributo, pois estabeleceram um valor mínimo de terra nua por hectare (VTNm/ha), e criaram novas alíquotas. O fato gerador do ITR, segundo a MP 399 e a Lei 8.847/94, é a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, em 1º de janeiro de cada exercício, localizado fora da zona urbana do município (art. 1º, MP 399 e Lei 8.847/94). O art. 144, caput, CTN, dispõe: ‘Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada’. Percebe-se que a embargada, utilizando-se da MP 399 convertida, posteriormente, na Lei 8.847/94, está cobrando ITR em relação a fato gerador ocorrido no próprio exercício de 1994. Impossível se admite a existência de ‘lei’ anterior com base na MP 399 publicada em 30.12.93, porque ausente na publicação o Anexo I que trazia as tabelas, cujo conhecimento dos contribuintes era indispensável para determinação das alíquotas do tributo. A republicação da MP 399 é de ser considerada lei nova ante o disposto no art. 1º, § 4º, LICC: ‘As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova”. Assim, como a MP 399 e a Lei 8.847/94 foram publicadas, validamente, em 1994, só poderiam incidir sobre fato gerador ocorrido a partir de 1º.1.95 (art. 1º, MP 399, art. 1º, Lei 8.847/94, art. 144, caput, art. 150, I, e III, a e b, CF), jamais, a partir de 1º.1.94, como ocorreu.” 716 R.T.J. — 197 Portanto, ao se verificar que houve de fato instituição de nova configuração do imposto e que esta apenas se aperfeiçoou em 7 de janeiro de 1994, com a publicação, a título de “retificação”, do Anexo à MP 399, essencial à caracterização e quantificação da alíquota da exação por força do mesmo diploma, conclui-se que a exigência do ITR sob esta nova modalidade, antes de 1º de janeiro de 1995, por força do art. 150, III, b, da CF, viola o princípio constitucional da anterioridade tributária. Cabe ressaltar que o referido princípio constitucional é uma garantia fundamental do contribuinte, não podendo ser suprimido nem mesmo por emenda constitucional, conforme assentado por esta Corte no julgamento da ADI 939, Plenário, Rel. Sydney Sanches, DJ de 18-3-94. Assim, nego provimento ao recurso. EXTRATO DA ATA RE 448.558/PR — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Recorrente: União (Advogado: PFN – Marcelo Coletto Pohlmann). Recorrido: Yuki Takahashi (Advogado: Yoshikazu Fucuda). Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e lhe negou provimento. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu este julgamento o Ministro Carlos Velloso. Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão a Ministra Ellen Gracie e os Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega. Brasília, 29 de novembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 460.868 — PA Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello Agravante: Caixa Econômica Federal – CEF — Agravado: Joaquim Rodrigues da Cruz FGTS — Contas — Correção monetária — Ação rescisória — Aplicação da Súmula 343/STF — Debate revestido de caráter infraconstitucional — Impugnação, em sede de apelo extremo, dos fundamentos da decisão rescindenda — Inadmissibilidade — Recurso extraordinário que deve insurgir-se, não contra o acórdão rescindendo, mas, sim, contra a fundamentação do acórdão proferido na ação rescisória — Inviabilidade do recurso extraordinário — Agravo improvido. R.T.J. — 197 717 — O recurso extraordinário interposto contra decisão que julga ação rescisória deve adstringir-se, quando presente situação de litigiosidade constitucional, às razões que dão suporte ao acórdão que apreciou a própria ação rescisória, e não aos fundamentos em que se apoiou o acórdão rescindendo. Doutrina. Precedentes. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Joaquim Barbosa, que lhe dava provimento. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Gilmar Mendes. Brasília, 14 de junho de 2005 — Celso de Mello, Presidente e Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de recurso de agravo, tempestivamente interposto, contra decisão que negou provimento ao agravo de instrumento deduzido pela parte ora recorrente. Eis o teor da decisão que sofreu a interposição do presente recurso de agravo: “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a propósito da aplicação da Súmula 343/STF — que proclama não caber ação rescisória, por ofensa a literal disposição de lei, na hipótese em que a decisão rescindenda apoiar-se em texto legal de aplicação controvertida nos Tribunais — firmou-se no sentido de que o debate a ela pertinente não viabiliza o acesso à via recursal extraordinária, por referir-se a tema de caráter eminentemente infraconstitucional (AI 238.557AgR/SP, Rel. Min. Moreira Alves — AI 238.892-AgR/SC, Rel. Min. Maurício Corrêa — AI 243.598-AgR/RJ, Rel. Min. Sydney Sanches — AI 254.037-AgR/ SP, Rel. Min. Ilmar Galvão — AI 261.116-AgR/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence — AI 265.718/MG, Rel. Min. Néri da Silveira — AI 269.131/MG, Rel. Min. Maurício Corrêa — AI 271.425/BA, Rel. Min. Nelson Jobim — AI 272.123/DF, Rel. Min. Moreira Alves, v.g.): ‘(...) A questão da aplicação, ou não, da Súmula 343 se situa no âmbito infraconstitucional, pois ela se fundou na legislação processual ordinária. Ademais, saber se foi, ou não, violado texto constitucional, para a procedência, ou não, da rescisória, é questão que se coloca no terreno da legislação processual infraconstitucional relativa aos requisitos da ação dessa natureza. Ambas as alegações, portanto, são de ofensa indireta ou reflexa à Carta Magna, o que não dá margem ao cabimento do recurso extraordinário. Agravo a que se nega provimento.’ (AI 238.557-AgR/SP, Rel. Min. Moreira Alves — grifei) 718 R.T.J. — 197 Vê-se, portanto, que a questão concernente à aplicabilidade da Súmula 343/ STF, além de qualificar-se como tema de caráter meramente processual — o que, por si só, bastaria para tornar incabível o recurso extraordinário —, poderá, quando muito, introduzir discussão, que, em última análise, conduzirá ao eventual reconhecimento de situação configuradora de violação oblíqua ao ordenamento constitucional. Não se tratando, pois, de conflito direto e frontal com o texto da Constituição, como exigido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 120/ 912, Rel. Min. Sydney Sanches — RTJ 132/455, Rel. Min. Celso de Mello), torna-se insuscetível de conhecimento o recurso extraordinário a que se refere o presente agravo de instrumento. Sendo assim, e pelas razões expostas, nego provimento ao presente agravo de instrumento. (...) Ministro Celso de Mello Relator” Inconformada com esse ato decisório, a parte ora recorrente interpõe o presente agravo, postulando seja ele conhecido e provido, em ordem a viabilizar o processamento do recurso extraordinário denegado pela Presidência do Tribunal de origem (fls. 110/113). Por não me convencer das razões expostas, submeto, à apreciação desta Colenda Turma, o presente recurso de agravo. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Não assiste razão à parte agravante, eis que a pretensão recursal por ela deduzida, considerada a própria matéria ora em exame, não tem o beneplácito de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal (AI 459.949-AgR/DF, Rel. Min. Carlos Britto — RE 408.409-AgR/PB, Rel. Min. Sepúlveda Pertence — RE 426.114-AgR/PB, Rel. Min. Carlos Velloso — RE 429.359-AgR/PB, Rel. Min. Carlos Velloso, v.g.). Cumpre assinalar, por relevante, que o entendimento exposto na decisão ora agravada foi reiterado em julgamentos colegiados, a ela posteriores, emanados das duas (2) Turmas desta Suprema Corte (AI 461.460-AgR/DF, Rel. Min. Cezar Peluso — RE 395.080-AgR/CE, Rel. Min. Carlos Velloso, v.g.): “Agravo regimental em agravo de instrumento. Ação rescisória. Hipóteses de cabimento. Ofensa indireta. Matéria infraconstitucional. Acórdão fundado em normas processuais de admissibilidade da ação rescisória. Hipótese em que, se houvesse afronta a preceitos da Constituição do Brasil, seria de forma indireta, pois a matéria cinge-se ao âmbito infraconstitucional. Inviabilidade de admissão do recurso extraordinário. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AI 520.081-AgR/SP, Rel. Min. Eros Grau — grifei) R.T.J. — 197 719 “Constitucional. Correção monetária de contas do FGTS. Ação rescisória: aplicação da Súmula 343/STF. I - A jurisprudência do STF é firme no sentido de que o recurso extraordinário interposto em ação rescisória deve ter por objeto a fundamentação do acórdão nela proferido e não as questões versadas na decisão rescindenda. Precedentes. II - Agravo regimental não provido.” (RE 424.968-AgR/PE, Rel. Min. Carlos Velloso — grifei) Impende destacar, por necessário, na linha dos precedentes que venho de mencionar, que se revela processualmente inviável, em sede recursal extraordinária, o exame dos fundamentos que dão suporte à decisão rescindenda. Não constitui demasia acentuar, no ponto, que o Supremo Tribunal Federal, a propósito dessa questão, tem enfatizado que “os pressupostos do recurso extraordinário devem compor-se em relação ao decidido na rescisória e não na sentença rescindenda” (AI 103.247-AgR/RJ, Rel. Min. Carlos Madeira, DJ de 29-11-85 — grifei). Essa orientação jurisprudencial da Suprema Corte adverte que o recurso extraordinário interposto contra decisão que julga ação rescisória deve adstringir-se, quando presente situação de litigiosidade constitucional, às razões que dão suporte ao acórdão proferido no exame da própria ação rescisória, e não aos fundamentos em que se apoiou o acórdão rescindendo (RTJ 33/549 — RTJ 70/495 — RTJ 77/489 — RTJ 77/952 — RTJ 87/502 — RTJ 93/721 — RTJ 93/754 — RTJ 93/908 — RTJ 94/ 1090 — RTJ 98/185 — RTJ 105/1156 — RTJ 113/340 — RTJ 125/684 — RTJ 127/ 649 — RTJ 158/934-935, v.g.): “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é assente no sentido de que o recurso extraordinário, interposto em ação rescisória, deve dirigir-se aos pressupostos desta e não aos fundamentos da sentença rescindenda. Se assim não fosse, a ação rescisória teria a virtude de ressuscitar o recurso extraordinário não interposto da decisão rescindenda.” (RE 92.821/SP, Rel. Min. Soares Muñoz — grifei) A ratio subjacente a essa orientação jurisprudencial foi bem realçada em voto do eminente Ministro Moreira Alves, Relator, proferido no julgamento do RE 96.050/SP: “(...) Essa restrição se justifica, porque os fundamentos do julgado rescindendo somente poderiam ser examinados no extraordinário que, a tempo, fosse manifestado contra aquela decisão, e não no recurso contra o acórdão prolatado na rescisória, o que importaria inadmissível dilatação do prazo do extraordinário que deveria ter atacado o aresto rescindendo (...).” (Grifei) Cabe relembrar, neste ponto, por oportuno, o preciso magistério expendido por Pontes de Miranda (“Tratado da Ação Rescisória das Sentenças e de Outras Decisões”, p. 552, 5ª ed., 1976, Forense), que assim analisa o tema em causa: 720 R.T.J. — 197 “A respeito de ação rescisória têm-se de distinguir o que se passou (a) na relação jurídica processual em que foi proferida a sentença rescindenda e o que se passou (b) na relação jurídica processual em que se pede a rescisão. Não pode haver recurso extraordinário, na relação jurídica processual b), quanto ao que se passou na relação jurídica processual a). Seria entrar-se na relação jurídica processual extinta (ex hypothesi, a sentença rescindenda transitou em julgado e ação rescisória é ação contra a res iudicata) para se admitir recurso extraordinário.” (Grifei) Vê-se, portanto, que nada justifica o acolhimento da postulação recursal ora deduzida pela Caixa Econômica Federal, uma vez que o Supremo Tribunal Federal, no tema referido, já firmou a sua posição jurisprudencial, reconhecendo a inadmissibilidade, na espécie em análise, do recurso extraordinário interposto por essa empresa pública, consideradas as razões que dão suporte ao mencionado apelo extremo. Sendo assim, em face das razões expostas, e considerando, notadamente, os precedentes que ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal firmaram na matéria ora em exame, nego provimento ao presente recurso de agravo, mantendo, em conseqüência, por seus próprios fundamentos, a decisão agravada. É o meu voto. VOTO O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, peço vênia para dar provimento aos recursos. EXTRATO DA ATA AI 460.868-AgR/PA — Relator: Ministro Celso de Mello. Agravante: Caixa Econômica Federal – CEF (Advogados: Sérgio Luiz Guimarães Farias e outro). Agravado: Joaquim Rodrigues da Cruz. Decisão: A Turma, por votação majoritária, negou provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Joaquim Barbosa, que lhe dava provimento. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Gilmar Mendes. Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos Velloso, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro Gilmar Mendes. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra Verônica Cureau. Brasília, 14 de junho de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador. R.T.J. — 197 721 AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 536.030 — SP Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello Agravante: Roseli Secolin — Agravado: Banco do Estado de São Paulo S.A. – BANESPA Agravo de instrumento — Razões recursais que não infirmam os argumentos da decisão agravada — Impugnação recursal que não guarda pertinência com os fundamentos em que se assentou o ato decisório questionado — Ocorrência de divórcio ideológico — Inadmissibilidade — Recurso improvido. — O recurso de agravo a que se referem os arts. 545 e 557, § 1º, ambos do CPC, deve infirmar todos os fundamentos jurídicos em que se assenta a decisão agravada. O descumprimento dessa obrigação processual, por parte do recorrente, torna inviável o recurso de agravo por ele interposto. Precedentes. — A ocorrência de divergência temática entre as razões em que se apóia a petição recursal, de um lado, e os fundamentos que dão suporte à matéria efetivamente versada na decisão recorrida, de outro, configura hipótese de divórcio ideológico, que, por comprometer a exata compreensão do pleito deduzido pela parte recorrente, inviabiliza, ante a ausência de pertinente impugnação, o acolhimento do recurso interposto. Precedentes. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie. Brasília, 17 de maio de 2005 — Celso de Mello, Presidente e Relator. RELATÓRIO O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de recurso de agravo, tempestivamente interposto, contra decisão que não conheceu do agravo de instrumento deduzido pela parte ora recorrente. Eis o teor da decisão, que, por mim proferida, sofreu a interposição do presente recurso de agravo (fl. 139): “Verifico faltar, nestes autos, cópia das contra-razões ao recurso extraordinário interposto pela parte ora agravante. Trata-se de peça de traslado obrigatório, indispensável à formação do presente instrumento de agravo, exigida pelo art. 544, § 1º do Código de Processo Civil. 722 R.T.J. — 197 Sem que a parte agravante promova a adequada e integral formação do instrumento, com a apresentação de todas as peças que dele devem constar obrigatoriamente, ou com qualquer outra que seja essencial à compreensão da controvérsia, torna-se inviável conhecer do recurso de agravo (AI 214.562-AgR/ SC, Rel. Min. Moreira Alves), cabendo enfatizar, ainda, que a composição do traslado deve processar-se, necessariamente, perante o Tribunal a quo (RTJ 144/ 948, Rel. Min. Celso de Mello - AI 199.935-AgR/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa). A eventual ausência, nos autos principais, das contra-razões ao recurso extraordinário ou da procuração outorgada pela parte recorrida — que constituem, dentre outras, peças de traslado obrigatório — impõe, à parte agravante, o dever de instruir a formação do instrumento com a pertinente certidão que ateste a ocorrência desse fato (RTJ 170/666-667, Rel. Min. Celso de Mello — AI 189.685-AgR/ SP, Rel. Min. Moreira Alves — AI 200.426-AgR/PR, Rel. Min. Marco Aurélio — AI 239.487-AgR/SP, Rel. Min. Celso de Mello). Sendo assim, e pelas razões expostas, não conheço deste recurso (Súmula 288/STF). (...) Ministro Celso de Mello Relator” A parte ora agravante, ao insurgir-se contra o ato decisório em causa, não só não infirmou os fundamentos em que se assentou a decisão recorrida, como, também, tratou, nesta sede de agravo, de modo impertinente, de questões absolutamente estranhas àquelas que realmente constituíram objeto de análise pelo ato ora questionado. Sendo esse o contexto, submeto, à apreciação desta Colenda Turma, o presente recurso de agravo. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): A pretensão recursal deduzida é inacolhível. É que a parte agravante, ao veicular o presente recurso, deixou de impugnar os fundamentos jurídicos em que se assentou o ato decisório ora questionado. Ao assim proceder, a parte agravante descumpriu uma típica obrigação processual que lhe incumbia atender, pois, como se sabe, impõe-se ao recorrente afastar, pontualmente, cada uma das razões invocadas como suporte da decisão agravada (AI 238.454AgR/SC, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.). O descumprimento desse dever jurídico — ausência de impugnação de cada um dos fundamentos em que se apóia o ato decisório agravado — conduz, nos termos da orientação jurisprudencial firmada por esta Suprema Corte, ao improvimento do agravo interposto (RTJ 126/864 — RTJ 133/486 — RTJ 157/541): “O recurso de agravo deve impugnar, especificadamente, todos os fundamentos da decisão agravada. R.T.J. — 197 723 — O recurso de agravo a que se referem os arts. 545 e 557, § 1º, ambos do CPC, na redação dada pela Lei n. 9.756/98, deve infirmar todos os fundamentos jurídicos em que se assenta a decisão agravada. O descumprimento dessa obrigação processual, por parte do recorrente, torna inviável o recurso de agravo por ele interposto. Precedentes.” (AI 257.310-AgR/DF, Rel. Min. Celso de Mello) Na realidade, a parte ora agravante, de maneira absolutamente impertinente, tratou de questões que sequer foram versadas na decisão ora agravada, pondo-se a discutir temas inteiramente diversos dos que deveriam constituir objeto de sua impugnação recursal. O fato irrecusável, no caso ora em exame, é um só: a petição veiculadora do presente recurso de agravo limitou-se a tratar de questão absolutamente estranha àquela que constituiu objeto de análise pelo ato decisório que não conheceu do agravo de instrumento deduzido pela parte ora recorrente. Essa incoincidência temática — que se evidencia pela ocorrência de divergência entre as razões em que se apóia a petição recursal e os fundamentos que dão suporte à matéria efetivamente versada na decisão impugnada — configura hipótese de divórcio ideológico, circunstância esta que inviabiliza a exata compreensão do pleito deduzido pela parte agravante, impedindo, desse modo, o acolhimento do recurso de agravo. Cabe assinalar, por necessário, que a ocorrência de divórcio ideológico tem levado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a repelir petições recursais que tenham incidido nesse vício de ordem lógico-formal (RTJ 164/784-785, Rel. p/ o acórdão Min. Celso de Mello — RE 122.472/DF, Rel. Min. Moreira Alves — AI 145.651AgR/PR, Rel. Min. Celso de Mello — AI 165.769/MG, Rel. Min. Francisco Rezek). Sendo assim, e pelas razões expostas, nego provimento ao presente recurso de agravo. É o meu voto. EXTRATO DA ATA AI 536.030-AgR/SP — Relator: Ministro Celso de Mello. Agravante: Roseli Secolin (Advogados: Celso Fernando Gioia e outro). Agravado: Banco do Estado de São Paulo S.A. – BANESPA (Advogados: Janaína Castro Félix Nunes e outro). Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie. Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos Velloso, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto da Nóbrega. Brasília, 17 de maio de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador. ÍNDICE ALFABÉTICO A Adm Ação declaratória em curso: irrelevância. (...) Desapropriação. MS 25.006 RTJ 197/522 Ct Ação direta: descabimento. (...) Controle concentrado de constitucionalidade. ADI 2.938 RTJ 197/452 PrPn Ação penal. Anulação a partir das alegações finais. Prejuízo à defesa. CPP/ 41, art. 384: ofensa. HC 86.276 RTJ 197/630 PrPn Ação penal. Procedimento especial. Crime de imprensa. Juizado Especial: competência inocorrente. Lei de Imprensa. Lei n. 9.099/95, art. 61. HC 86.102 RTJ 197/626 PrPn Ação penal. Programa de Recuperação Fiscal – REFIS. Inclusão antes do recebimento da denúncia: desnecessidade. Suspensão da pretensão punitiva. Lei n. 9.964/2000, art. 15. RE 409.730 RTJ 197/672 PrPn Ação penal. Trancamento: descabimento. Justa causa. HC 84.738 RTJ 197/ 618 Ct Ação popular. Competência originária do STF: ausência. Ato do presidente da República. Pet 3.422-AgR RTJ 197/499 PrSTF Ação popular. Negativa de seguimento. Remessa dos autos ao juízo competente: impossibilidade. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal – RISTF, art. 21, § 1º. CPC/73, art. 113, § 2º: inaplicabilidade. Pet 3.422-AgR RTJ 197/499 PrSTF Ação rescisória: cabimento e aplicação da Súmula 343. (...) Recurso extraordinário. AI 460.868-AgR RTJ 197/716 IV Acó-Ato — ÍNDICE ALFABÉTICO PrPn Acórdão criminal. Acusação e condenação: identidade. Princípio da correlação: ofensa inocorrente. HC 83.658 RTJ 197/557 PrPn Acórdão criminal. Decisão do STJ. Nulidade. Pressuposto fático equivocado: morte do paciente. HC 84.870 RTJ 197/625 Adm Acumulação. (...) Proventos. MS 24.742 RTJ 197/515 PrPn Acusação e condenação: identidade. (...) Acórdão criminal. HC 83.658 RTJ 197/557 Ct ADCT da Constituição Federal/88, art. 29, § 3º. (...) Ministério Público estadual. ADI 2.836 RTJ 197/446 PrCv Agravo. Inovação temática. Decisão agravada e petição recursal. Divórcio ideológico. AI 536.030-AgR RTJ 197/721 PrCv Agravo. Razões. Decisão agravada: ausência de impugnação. AI 536.030AgR RTJ 197/721 PrSTF Agravo: necessidade. (...) Recurso extraordinário. RE 426.183-AgR RTJ 197/698 Trbt Alíquota: alteração. (...) Imposto Territorial Rural – ITR. RE 448.558 RTJ 197/712 PrPn Ameaça à liberdade de locomoção: ausência. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ 197/587 Ct Animal submetido a crueldade. (...) Meio ambiente. ADI 2.514 RTJ 197/442 Ct Anistia. Concessão. Congresso Nacional e chefe do Executivo: competência. Juízo de oportunidade e conveniência. Controle judicial. Lei n. 8.985/ 95. ADI 1.231 RTJ 197/413 Pn Antecedentes: irrelevância. (...) Pena-base. HC 83.658 RTJ 197/557 PrPn Anulação a partir das alegações finais. (...) Ação penal. HC 86.276 RTJ 197/ 630 Ct Aposentadoria: julgamento de legalidade. (...) Tribunal de Contas da União – TCU. MS 24.742 RTJ 197/515 Adm Aposentadoria posterior em cargo civil. (...) Proventos. MS 24.742 RTJ 197/ 515 Adm Ascensão funcional. (...) Ato administrativo. RE 442.683 RTJ 197/700 PrPn Assinatura do MP: falta. (...) Instrução criminal. HC 70.231 RTJ 197/543 Adm Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA: ilegitimidade ativa. (...) Subsídio. AO 1.230-AgR RTJ 197/407 Adm Ato administrativo. Ascensão funcional. Desconstituição: limite temporal. Estabilidade da situação criada administrativamente. Princípio da segurança jurídica. RE 442.683 RTJ 197/700 ÍNDICE ALFABÉTICO — Ato-Car V PrCv Ato administrativo. (...) Competência jurisdicional. AO 1.160-AgR RTJ 197/396 PrPn Ato decisório anterior: nulidade. (...) Competência criminal. Rcl 2.123 RTJ 197/428 Ct Ato do presidente da República. (...) Ação popular. Pet 3.422-AgR RTJ 197/ 499 Ct Ato do superintendente regional do Incra. (...) Competência originária. MS 25.271-AgR RTJ 197/534 Cv Ato jurídico perfeito. (...) Caderneta de poupança. RE 393.021-AgR RTJ 197/660 Trbt Ato jurídico perfeito: ofensa inocorrente. (...) Contrato. RE 247.593-AgR RTJ 197/634 PrPn Audiência. (...) Instrução criminal. HC 70.231 RTJ 197/543 Adm Autonomia municipal: ofensa. (...) Professor. ADI 3.114 RTJ 197/488 PrPn Autor: identificação por testemunha e perícia grafotécnica. (...) Habeas corpus. HC 83.658 RTJ 197/557 PrPn Autoridade coatora. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ 197/587 B Ct Banco: porta eletrônica. (...) Competência legislativa. AI 347.717-AgR RTJ 197/645 Trbt Bem destinado a uso próprio. (...) Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. RE 255.682-AgR RTJ 197/636 PrCv Benefício fiscal para o Estado de destino. (...) Embargos de declaração. RE 338.681-AgR-ED RTJ 197/642 PrCv Benefício previdenciário: restabelecimento de pagamento. (...) Tutela antecipada. Rcl 1.013 RTJ 197/389 Pn Bilateralidade: inaplicabilidade. (...) Corrupção ativa. HC 83.658 RTJ 197/ 557 Ct Briga de galos. (...) Meio ambiente. ADI 2.514 RTJ 197/442 C PrSTF Cabimento. (...) Reclamação. Rcl 1.013 RTJ 197/389 Cv Caderneta de poupança. Contrato de depósito. Ato jurídico perfeito. Lei nova: inaplicabilidade. RE 393.021-AgR RTJ 197/660 PrCv Caráter infringente. (...) Embargos de declaração. HC 82.770-ED RTJ 197/ 553 VI Car-Com — ÍNDICE ALFABÉTICO Ct Cargo ou função de confiança: exercício na própria instituição. (...) Ministério Público estadual. ADI 2.836 RTJ 197/446 Trbt Celebração anterior à lei instituidora. (...) Contrato. RE 247.593-AgR RTJ 197/634 Adm CF/67, art. 93, § 9º. (...) Proventos. MS 24.742 RTJ 197/515 Adm CF/88, arts. 1º, IV, e 170. (...) Responsabilidade civil do Estado. RE 422.941 RTJ 197/678 Adm CF/88, arts. 14, § 3º, e 98, II. (...) Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452 Ct CF/88, art. 21, I: ofensa. (...) Competência legislativa. ADI 3.069 RTJ 197/485 Ct CF/88, art. 22, I. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452 – ADI 2.938 RTJ 197/452 Ct CF/88, art. 30, I. (...) Competência legislativa. AI 347.717-AgR RTJ 197/645 Ct CF/88, art. 98, II. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452 Adm CF/88, arts. 98, II, e 225. (...) Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452 Ct CF/88, art. 102, I, “d”. (...) Competência originária. MS 25.271-AgR RTJ 197/534 PrCv CF/88, art. 155, § 2º, X, “b”. (...) Embargos de declaração. RE 338.681AgR-ED RTJ 197/642 Ct CF/88, art. 225, § 1º, VII: ofensa. (...) Meio ambiente. ADI 2.514 RTJ 197/442 Pn Circunstância judicial desfavorável. (...) Pena-base. HC 83.658 RTJ 197/557 Adm Classificação além do número de vagas. (...) Concurso público. RE 367.460AgR RTJ 197/655 Adm Código Eleitoral e norma federal específica: observância compulsória. (...) Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452 PrPn Código Eleitoral/65, art. 350. (...) Denúncia. Inq 2.170 RTJ 197/439 Adm Coisa julgada. (...) Gratificação. MS 25.460 RTJ 197/537 Ct Competência. (...) Tribunal de Contas da União – TCU. MS 24.742 RTJ 197/515 PrPn Competência criminal. Prefeito e co-réu. Decisão no HC n. 71.551: descumprimento. Perda de mandato. Ato decisório anterior: nulidade. Rcl 2.123 RTJ 197/428 Adm Competência funcional. (...) Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452 PrCv Competência jurisdicional. Tribunal Regional Federal – TRF. Mandado de segurança. Ato administrativo. Eleição para cargo de direção. Loman/79, art. 102. Súmulas 623 e 624. AO 1.160-AgR RTJ 197/396 ÍNDICE ALFABÉTICO — Com-Con VII Ct Competência legislativa. Estado-Membro. Juiz de paz: arrecadar bem, funcionar como perito, nomear escrivão “ad hoc”. CF/88, art. 98, II. Lei estadual n. 13.454/2000-MG. ADI 2.938 RTJ 197/452 Ct Competência legislativa. Município. Banco: porta eletrônica. Interesse local. CF/88, art. 30, I. AI 347.717-AgR RTJ 197/645 Ct Competência legislativa. União Federal. Direito do Trabalho. Feriado para todos os efeitos legais. CF/88, art. 21, I: ofensa. Lei distrital n. 3.083/02-DF, art. 2º: inconstitucionalidade. ADI 3.069 RTJ 197/485 Ct Competência legislativa. União Federal. Juiz de paz: assistência a empregado em rescisão de contrato de trabalho. CF/88, art. 22, I. Lei estadual n. 13.454/2000-MG, art. 15, IX: inconstitucionalidade. ADI 2.938 RTJ 197/452 Ct Competência legislativa. União Federal. Juiz de paz: elegibilidade. CF/88, art. 22, I. ADI 2.938 RTJ 197/452 Ct Competência legislativa. União Federal. Juiz de paz: prisão especial. Loman/79, art. 112, § 2º. CF/88, art. 22, I. Lei estadual n. 13.454/2000-MG, art. 22: inconstitucionalidade. ADI 2.938 RTJ 197/452 Ct Competência legislativa. União Federal. Juiz de paz: processar auto de corpo de delito, lavrar auto de prisão. CF/88, art. 22, I. Lei estadual n. 13.454/2000-MG, art. 15, VIII: inconstitucionalidade. ADI 2.938 RTJ 197/452 Ct Competência originária. Supremo Tribunal Federal – STF. Mandado de segurança. Ato do superintendente regional do Incra. Referendo do presidente da República. CF/88, art. 102, I, “d”. MS 25.271-AgR RTJ 197/534 Ct Competência originária do STF: ausência. (...) Ação popular. Pet 3.422-AgR RTJ 197/499 PrPn Competência territorial. Jornal: local da impressão. Lei de Imprensa, art. 42. HC 86.102 RTJ 197/626 Int Compromisso formal: necessidade. (...) Extradição. Ext 944 RTJ 197/384 Int Comutação em pena não superior a trinta anos. (...) Extradição. Ext 944 RTJ 197/384 Ct Concessão. (...) Anistia. ADI 1.231 RTJ 197/413 Pn Concurso material. Inocorrência. Falsificação de documento e estelionato. Princípio da consunção. Ext 931 RTJ 197/376 Adm Concurso público. Classificação além do número de vagas. Prazo de validade: término. Prorrogação: inocorrência. Convocação para segunda fase: impossibilidade. RE 367.460-AgR RTJ 197/655 Pn Condenação. (...) Corrupção ativa. HC 83.658 RTJ 197/557 Pn Configuração. (...) Tráfico de entorpecente. HC 70.231 RTJ 197/543 VIII Con-Crí — ÍNDICE ALFABÉTICO Ct Congresso Nacional e chefe do Executivo: competência. (...) Anistia. ADI 1.231 RTJ 197/413 PrCv Contradição. (...) Embargos de declaração. RE 338.681-AgR-ED RTJ 197/ 642 PrCv Contradição inexistente. (...) Embargos de declaração. RE 395.121-ED RTJ 197/664 Ct Contraditório: inaplicabilidade. (...) Tribunal de Contas da União – TCU. MS 24.742 RTJ 197/515 Trbt Contrato. Celebração anterior à lei instituidora. Fator de deflação (tablita): aplicação imediata. Ato jurídico perfeito: ofensa inocorrente. Lei n. 8.177/ 91, art. 27. RE 247.593-AgR RTJ 197/634 Cv Contrato de depósito. (...) Caderneta de poupança. RE 393.021-AgR RTJ 197/660 Ct Controle concentrado de constitucionalidade. Ação direta: descabimento. Efeito repristinatório. Norma ab-rogatória e revogada: necessidade de impugnação. ADI 2.938 RTJ 197/452 Ct Controle externo. (...) Tribunal de Contas da União – TCU. MS 24.742 RTJ 197/515 Ct Controle judicial. (...) Anistia. ADI 1.231 RTJ 197/413 Adm Convocação para segunda fase: impossibilidade. (...) Concurso público. RE 367.460-AgR RTJ 197/655 Pn Corrupção ativa. Condenação. Corrupção passiva: absolvição de um dos denunciados. Bilateralidade: inaplicabilidade. HC 83.658 RTJ 197/557 Pn Corrupção passiva: absolvição de um dos denunciados. (...) Corrupção ativa. HC 83.658 RTJ 197/557 PrSTF CPC/73, art. 113, § 2º: inaplicabilidade. (...) Ação popular. Pet 3.422-AgR RTJ 197/499 PrSTF CPC/73, art. 557, § 1º. (...) Recurso extraordinário. RE 426.183-AgR RTJ 197/698 PrPn CPP/41, art. 384: ofensa. (...) Ação penal. HC 86.276 RTJ 197/630 Pn Crime contra a honra. Difamação contra promotor de justiça: não-configuração. Crítica à atuação de agente público. Lei de Imprensa. Inq 2.154 RTJ 197/436 PrPn Crime de imprensa. (...) Ação penal. HC 86.102 RTJ 197/626 PrPn Crime eleitoral. (...) Denúncia. Inq 2.170 RTJ 197/439 PrPn Crime hediondo. (...) Sentença condenatória. HC 82.770-ED RTJ 197/553 Pn Crítica à atuação de agente público. (...) Crime contra a honra. Inq 2.154 RTJ 197/436 ÍNDICE ALFABÉTICO — Dec-Des IX D PrCv Decisão agravada: ausência de impugnação. (...) Agravo. AI 536.030-AgR RTJ 197/721 PrCv Decisão agravada e petição recursal. (...) Agravo. AI 536.030-AgR RTJ 197/ 721 PrSTF Decisão de relator de Juizado Especial. (...) Recurso extraordinário. RE 426.183-AgR RTJ 197/698 PrPn Decisão do STJ. (...) Acórdão criminal. HC 84.870 RTJ 197/625 PrCv Decisão na ADC n. 4: ofensa. (...) Tutela antecipada. Rcl 1.013 RTJ 197/389 PrPn Decisão no HC n. 71.551: descumprimento. (...) Competência criminal. Rcl 2.123 RTJ 197/428 PrSTF Decisão plenária do STF. (...) Reclamação. Rcl 1.013 RTJ 197/389 Adm Decreto n. 2.250/97: orientação administrativa. (...) Desapropriação. MS 25.006 RTJ 197/522 Adm Defesa do meio ambiente. (...) Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452 Int Delito de associação criminosa. (...) Extradição. Ext 931 RTJ 197/376 PrPn Denúncia. Inépcia. Venda de bem alienado fiduciariamente. Elemento subjetivo não demonstrado. HC 84.161 RTJ 197/604 PrPn Denúncia. Inépcia inocorrente. Tráfico de entorpecente. Descrição suficiente da conduta. HC 70.231 RTJ 197/543 PrPn Denúncia. Recebimento. Crime eleitoral. Deputado federal. Suspensão condicional do processo penal — “sursis” processual: proposta aceita. Código Eleitoral/65, art. 350. Inq 2.170 RTJ 197/439 PrPn Deputado federal. (...) Denúncia. Inq 2.170 RTJ 197/439 Adm Desapropriação. Reforma agrária. Ação declaratória em curso: irrelevância. MS 25.006 RTJ 197/522 Adm Desapropriação. Reforma agrária. Imóvel invadido. Vistoria: possibilidade. Decreto n. 2.250/97: orientação administrativa. MS 25.006 RTJ 197/522 PrPn Descabimento. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ 197/587 PrSTF Descabimento. (...) Recurso extraordinário. RE 426.183-AgR RTJ 197/698 Adm Desconstituição: limite temporal. (...) Ato administrativo. RE 442.683 RTJ 197/700 Adm Desconto. (...) Proventos. MS 24.544 RTJ 197/503 PrPn Descrição suficiente da conduta. (...) Denúncia. HC 70.231 RTJ 197/543 Ct Desincompatibilização dos candidatos. (...) Ministério Público estadual. ADI 2.836 RTJ 197/446 X Des-Emb — ÍNDICE ALFABÉTICO Adm Deslocamento sem prejuízo de vencimentos. (...) Professor. ADI 3.114 RTJ 197/488 Adm Devolução ao órgão de origem. (...) Servidor público. MS 25.194 RTJ 197/ 524 Pn Difamação contra promotor de justiça: não-configuração. (...) Crime contra a honra. Inq 2.154 RTJ 197/436 PrPn Direito à intimidade: proteção. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ 197/587 PrPn Direito de apelar em liberdade. (...) Sentença condenatória. HC 82.770-ED RTJ 197/553 Ct Direito do Trabalho. (...) Competência legislativa. ADI 3.069 RTJ 197/485 PrCv Divórcio ideológico. (...) Agravo. AI 536.030-AgR RTJ 197/721 Int Dupla tipicidade. (...) Extradição. Ext 931 RTJ 197/376 – Ext 944 RTJ 197/384 E PrSTF Efeito devolutivo limitado. (...) Recurso extraordinário. AI 347.717-AgR RTJ 197/645 Ct Efeito repristinatório. (...) Controle concentrado de constitucionalidade. ADI 2.938 RTJ 197/452 PrSTF Efeito vinculante. (...) Reclamação. Rcl 1.013 RTJ 197/389 Adm Eleição e investidura. (...) Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452 PrCv Eleição para cargo de direção. (...) Competência jurisdicional. AO 1.160AgR RTJ 197/396 PrPn Elemento subjetivo não demonstrado. (...) Denúncia. HC 84.161 RTJ 197/604 PrCv Embargos de declaração. Contradição. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. Benefício fiscal para o Estado de destino. Lubrificante e combustível derivado de petróleo. Operação interestadual. CF/88, art. 155, § 2º, X, “b”. RE 338.681-AgR-ED RTJ 197/642 PrCv Embargos de declaração. Contradição inexistente. Tribunal “a quo”: matéria constitucional no voto vencido. RE 395.121-ED RTJ 197/664 PrCv Embargos de declaração. Intempestividade. Publicação do acórdão embargado: necessidade. AC 738-QO-ED RTJ 197/373 PrCv Embargos de declaração. Pressupostos inocorrentes. RHC 82.390-ED RTJ 197/549 PrCv Embargos de declaração. Pressupostos inocorrentes. Caráter infringente. HC 82.770-ED RTJ 197/553 ÍNDICE ALFABÉTICO — Eme-Fil XI Ct Emenda parlamentar sem aumento de despesa. (...) Processo legislativo. ADI 3.114 RTJ 197/488 Int Entrega do extraditando adiada até o término da ação penal. (...) Extradição. Ext 944 RTJ 197/384 Adm Estabilidade da situação criada administrativamente. (...) Ato administrativo. RE 442.683 RTJ 197/700 Ct Estado-Membro. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452 Pn Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, arts. 110, 111 e 122. (...) Medida socioeducativa. HC 84.682 RTJ 197/611 Int Estelionato. (...) Extradição. Ext 931 RTJ 197/376 PrPn Execução provisória: inadmissibilidade. (...) Sentença condenatória. HC 84.802 RTJ 197/621 Int Extradição. Dupla tipicidade. Estelionato. Prescrição inocorrente. Lei portuguesa. Ext 931 RTJ 197/376 Int Extradição. Dupla tipicidade. Tráfico internacional de entorpecente. Tratado Brasil—Estados Unidos da América. Ext 944 RTJ 197/384 Int Extradição. Indeferimento. Delito de associação criminosa. Pedido impreciso. Lei n. 6.815/80, art. 80. Ext 931 RTJ 197/376 Int Extradição. “Indictment” e pronúncia: equivalência. Prescrição inocorrente. Ext 944 RTJ 197/384 Int Extradição. Prisão perpétua. Comutação em pena não superior a trinta anos. Compromisso formal: necessidade. Ext 944 RTJ 197/384 Int Extradição. Processo criminal no Brasil. Entrega do extraditando adiada até o término da ação penal. Ext 944 RTJ 197/384 F Pn Falsificação de documento e estelionato. (...) Concurso material. Ext 931 RTJ 197/376 PrPn Fase de alegações finais. (...) Processo criminal. HC 86.276 RTJ 197/630 PrPn Fato concreto: não-demonstração. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ 197/587 Trbt Fator de deflação (tablita): aplicação imediata. (...) Contrato. RE 247.593AgR RTJ 197/634 Ct Feriado para todos os efeitos legais. (...) Competência legislativa. ADI 3.069 RTJ 197/485 Adm Filiação partidária: obrigatoriedade. (...) Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452 XII Fix-Imp — ÍNDICE ALFABÉTICO Pn Fixação acima do mínimo legal. (...) Pena-base. HC 83.658 RTJ 197/557 PrPn Fundamentação em fato ocorrido no período. (...) Suspensão condicional do processo penal — “sursis” processual. HC 84.660 RTJ 197/608 PrPn Fundamentação insuficiente. (...) Sentença condenatória. HC 84.802 RTJ 197/621 PrPn Fundamentação suficiente. (...) Prisão preventiva. HC 82.770-ED RTJ 197/ 553 Adm Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental: recursos. (...) Professor. ADI 3.114 RTJ 197/488 G PrPn Garantia da ordem pública. (...) Prisão preventiva. HC 82.770-ED RTJ 197/ 553 Adm Gratificação. Servidor público. Incorporação. Sentença judicial transitada em julgado. Supressão pelo TCU: impossibilidade. Coisa julgada. MS 25.460 RTJ 197/537 H PrPn Habeas corpus. Descabimento. Autoridade coatora. Fato concreto: nãodemonstração. HC 83.966-AgR RTJ 197/587 PrPn Habeas corpus. Direito à intimidade: proteção. Sigilo telefônico: quebra. Relação entre advogado e cliente. Ameaça à liberdade de locomoção: ausência. HC 83.966-AgR RTJ 197/587 PrPn Habeas corpus. Ilegitimidade passiva “ad causam”. Procurador-geral da República. HC 83.966-AgR RTJ 197/587 PrPn Habeas corpus. Interceptação telefônica: pedido. Ameaça à liberdade de locomoção: ausência. HC 83.966-AgR RTJ 197/587 PrPn Habeas corpus. Vedação de análise probatória: parcimônia. Autor: identificação por testemunha e perícia grafotécnica. Prova produzida na instrução processual. HC 83.658 RTJ 197/557 I PrPn Ilegitimidade passiva “ad causam”. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ 197/587 Adm Imóvel invadido. (...) Desapropriação. MS 25.006 RTJ 197/522 Trbt Importação por pessoa física não empresária. (...) Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. RE 255.682-AgR RTJ 197/636 ÍNDICE ALFABÉTICO — Imp-Jui XIII PrCv Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. (...) Embargos de declaração. RE 338.681-AgR-ED RTJ 197/642 Trbt Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. Não-incidência. Veículo automotor. Importação por pessoa física não empresária. Bem destinado a uso próprio. RE 255.682-AgR RTJ 197/636 Trbt Imposto Territorial Rural – ITR. Medida provisória reeditada. Alíquota: alteração. Princípio da anterioridade tributária: ofensa. RE 448.558 RTJ 197/712 PrPn Inclusão antes do recebimento da denúncia: desnecessidade. (...) Ação penal. RE 409.730 RTJ 197/672 Adm Incorporação. (...) Gratificação. MS 25.460 RTJ 197/537 Int Indeferimento. (...) Extradição. Ext 931 RTJ 197/376 Int “Indictment” e pronúncia: equivalência. (...) Extradição. Ext 944 RTJ 197/384 PrPn Inépcia. (...) Denúncia. HC 84.161 RTJ 197/604 PrPn Inépcia inocorrente. (...) Denúncia. HC 70.231 RTJ 197/543 Pn Inocorrência. (...) Concurso material. Ext 931 RTJ 197/376 PrCv Inovação temática. (...) Agravo. AI 536.030-AgR RTJ 197/721 PrPn Inquirição de testemunha. (...) Instrução criminal. HC 70.231 RTJ 197/543 PrSTF Instância ordinária não esgotada. (...) Recurso extraordinário. RE 426.183AgR RTJ 197/698 PrPn Instrução criminal. Audiência. Inquirição de testemunha. Ministério Público: ausência. Intimação regular. Nulidade inocorrente. HC 70.231 RTJ 197/543 PrPn Instrução criminal. Termo de audiência. Assinatura do MP: falta. Nulidade inocorrente. HC 70.231 RTJ 197/543 PrCv Intempestividade. (...) Embargos de declaração. AC 738-QO-ED RTJ 197/373 PrPn Interceptação telefônica: pedido. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ 197/587 Ct Interesse local. (...) Competência legislativa. AI 347.717-AgR RTJ 197/645 Adm Intervenção estatal na economia. (...) Responsabilidade civil do Estado. RE 422.941 RTJ 197/678 PrPn Intimação regular. (...) Instrução criminal. HC 70.231 RTJ 197/543 J PrPn Jornal: local da impressão. (...) Competência territorial. HC 86.102 RTJ 197/626 Adm Juiz de paz. Competência funcional. Defesa do meio ambiente. Vigilância sobre mata, rio e fonte. CF/88, arts. 98, II, e 225. ADI 2.938 RTJ 197/452 XIV Jui-Lei — ÍNDICE ALFABÉTICO Adm Juiz de paz. Eleição e investidura. Filiação partidária: obrigatoriedade. CF/88, arts. 14, § 3º, e 98, II. ADI 2.938 RTJ 197/452 Adm Juiz de paz. Legislação estadual: criação da justiça de paz. Código Eleitoral e norma federal específica: observância compulsória. ADI 2.938 RTJ 197/ 452 Ct Juiz de paz: arrecadar bem, funcionar como perito, nomear escrivão “ad hoc”. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452 Ct Juiz de paz: assistência a empregado em rescisão de contrato de trabalho. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452 Ct Juiz de paz: elegibilidade. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452 Ct Juiz de paz: prisão especial. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452 Ct Juiz de paz: processar auto de corpo de delito, lavrar auto de prisão. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452 PrPn Juizado Especial: competência. (...) Processo criminal. HC 86.276 RTJ 197/ 630 PrPn Juizado Especial: competência inocorrente. (...) Ação penal. HC 86.102 RTJ 197/626 Ct Juízo de oportunidade e conveniência. (...) Anistia. ADI 1.231 RTJ 197/413 PrPn Justa causa. (...) Ação penal. HC 84.738 RTJ 197/618 L Adm Legislação estadual: criação da justiça de paz. (...) Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452 PrCv Legitimidade passiva. (...) Mandado de segurança. MS 24.544 RTJ 197/ 503 Ct Lei Complementar estadual n. 106/03/RJ, art. 9º, § 1º, “c”. (...) Ministério Público estadual. ADI 2.836 RTJ 197/446 Ct Lei Complementar estadual n. 106/03/RJ, art. 165. (...) Ministério Público estadual. ADI 2.836 RTJ 197/446 Ct Lei Complementar estadual n. 836/97/SP, art. 25, parágrafo único. (...) Processo legislativo. ADI 3.114 RTJ 197/488 Adm Lei Complementar estadual n. 836/97/SP, art. 46: inconstitucionalidade. (...) Professor. ADI 3.114 RTJ 197/488 PrPn Lei de Imprensa. (...) Ação penal. HC 86.102 RTJ 197/626 ÍNDICE ALFABÉTICO — Lei-Lub XV Pn Lei de Imprensa. (...) Crime contra a honra. Inq 2.154 RTJ 197/436 PrPn Lei de Imprensa, art. 42. (...) Competência territorial. HC 86.102 RTJ 197/ 626 Ct Lei distrital n. 3.083/02/DF, art. 2º: inconstitucionalidade. (...) Competência legislativa. ADI 3.069 RTJ 197/485 Ct Lei estadual n. 11.366/2000/SC: inconstitucionalidade. (...) Meio ambiente. ADI 2.514 RTJ 197/442 Ct Lei estadual n. 13.454/2000/MG. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452 Ct Lei estadual n. 13.454/2000/MG, art. 15, VIII: inconstitucionalidade. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452 Ct Lei estadual n. 13.454/2000/MG, art. 15, IX: inconstitucionalidade. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452 Ct Lei estadual n. 13.454/2000/MG, art. 22: inconstitucionalidade. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452 Int Lei n. 6.815/80, art. 80. (...) Extradição. Ext 931 RTJ 197/376 Adm Lei n. 6.999/82. (...) Servidor público. MS 25.194 RTJ 197/524 Adm Lei n. 8.112/90, arts. 45 e 46. (...) Proventos. MS 24.544 RTJ 197/503 Trbt Lei n. 8.177/91, art. 27. (...) Contrato. RE 247.593-AgR RTJ 197/634 Adm Lei n. 8.443/92, art. 28, I. (...) Proventos. MS 24.544 RTJ 197/503 Ct Lei n. 8.985/95. (...) Anistia. ADI 1.231 RTJ 197/413 PrPn Lei n. 9.099/95, art. 61. (...) Ação penal. HC 86.102 RTJ 197/626 PrPn Lei n. 9.099/95, art. 89, § 5º. (...) Suspensão condicional do processo penal — “sursis” processual. HC 84.660 RTJ 197/608 PrPn Lei n. 9.964/2000, art. 15. (...) Ação penal. RE 409.730 RTJ 197/672 Cv Lei nova: inaplicabilidade. (...) Caderneta de poupança. RE 393.021-AgR RTJ 197/660 Int Lei portuguesa. (...) Extradição. Ext 931 RTJ 197/376 PrCv Loman/79, art. 102. (...) Competência jurisdicional. AO 1.160-AgR RTJ 197/396 Ct Loman/79, art. 112, § 2º. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/ 452 PrCv Lubrificante e combustível derivado de petróleo. (...) Embargos de declaração. RE 338.681-AgR-ED RTJ 197/642 XVI Mag-Min — ÍNDICE ALFABÉTICO M Adm Magistrado. (...) Vencimentos. AO 1.056-AgR RTJ 197/392 Adm Majoração. (...) Subsídio. AO 1.230-AgR RTJ 197/407 PrCv Mandado de segurança. (...) Competência jurisdicional. AO 1.160-AgR RTJ 197/396 Ct Mandado de segurança. (...) Competência originária. MS 25.271-AgR RTJ 197/534 PrCv Mandado de segurança. Legitimidade passiva. Tribunal de Contas da União – TCU. Proventos: determinação de desconto. MS 24.544 RTJ 197/ 503 PrCv Mandado de segurança. Matéria de prova. Produtividade do imóvel. MS 25.006 RTJ 197/522 PrCv Matéria de prova. (...) Mandado de segurança. MS 25.006 RTJ 197/522 PrSTF Matéria infraconstitucional. (...) Recurso extraordinário. AI 460.868-AgR RTJ 197/716 PrPn Matéria pendente de julgamento no Plenário do STF: Rcl n. 2.391. (...) Sentença condenatória. HC 82.770-ED RTJ 197/553 PrSTF Medida cautelar em ação declaratória de constitucionalidade. (...) Reclamação. Rcl 1.013 RTJ 197/389 Trbt Medida provisória reeditada. (...) Imposto Territorial Rural – ITR. RE 448.558 RTJ 197/712 Pn Medida socioeducativa. Regime de semiliberdade. Substituição por internação sem prazo determinado: impossibilidade. Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, arts. 110, 111 e 122. HC 84.682 RTJ 197/611 Ct Meio ambiente. Proteção. Animal submetido a crueldade. Briga de galos. CF/88, art. 225, § 1º, VII: ofensa. Lei estadual n. 11.366/2000/SC: inconstitucionalidade. ADI 2.514 RTJ 197/442 Ct Membro admitido antes da CF/88. (...) Ministério Público estadual. ADI 2.836 RTJ 197/446 Adm Militar reformado. (...) Proventos. MS 24.742 RTJ 197/515 PrPn Ministério Público: ausência. (...) Instrução criminal. HC 70.231 RTJ 197/ 543 Ct Ministério Público estadual. Membro admitido antes da CF/88. Regime anterior: opção a qualquer tempo. Cargo ou função de confiança: exercício na própria instituição. ADCT da Constituição Federal/88, art. 29, § 3º. Lei Complementar estadual n. 106/03/RJ, art. 165. ADI 2.836 RTJ 197/ 446 ÍNDICE ALFABÉTICO — Min-Por XVII Ct Ministério Público estadual. Procurador-geral de justiça: eleição. Desincompatibilização dos candidatos. Lei Complementar estadual n. 106/03/RJ, art. 9º, § 1º, “c”. ADI 2.836 RTJ 197/446 Adm Ministro do STF. (...) Subsídio. AO 1.230-AgR RTJ 197/407 Ct Município. (...) Competência legislativa. AI 347.717-AgR RTJ 197/645 Adm Município: ressarcimento ao Estado-Membro. (...) Professor. ADI 3.114 RTJ 197/488 PrPn “Mutatio libelli”. (...) Processo criminal. HC 86.276 RTJ 197/630 N Trbt Não-incidência. (...) Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. RE 255.682-AgR RTJ 197/636 PrSTF Negativa de seguimento. (...) Ação popular. Pet 3.422-AgR RTJ 197/499 Ct Norma ab-rogatória e revogada: necessidade de impugnação. (...) Controle concentrado de constitucionalidade. ADI 2.938 RTJ 197/452 PrPn Nulidade. (...) Acórdão criminal. HC 84.870 RTJ 197/625 PrPn Nulidade inocorrente. (...) Instrução criminal. HC 70.231 RTJ 197/543 O PrCv Operação interestadual. (...) Embargos de declaração. RE 338.681-AgR-ED RTJ 197/642 P Adm Parcela autônoma de equivalência: não-incidência. (...) Vencimentos. AO 1.056-AgR RTJ 197/392 Int Pedido impreciso. (...) Extradição. Ext 931 RTJ 197/376 Pn Pena-base. Fixação acima do mínimo legal. Circunstância judicial desfavorável. Antecedentes: irrelevância. HC 83.658 RTJ 197/557 PrPn Perda de mandato. (...) Competência criminal. Rcl 2.123 RTJ 197/428 Adm Período anterior à EC n. 20/98. (...) Proventos. MS 24.742 RTJ 197/515 Adm Período de afastamento: término. (...) Servidor público. MS 25.194 RTJ 197/524 PrPn Período de prova findo. (...) Suspensão condicional do processo penal — “sursis” processual. HC 84.660 RTJ 197/608 Pn Porte de substância tóxica. (...) Tráfico de entorpecente. HC 70.231 RTJ 197/543 XVIII Pra-Pro — ÍNDICE ALFABÉTICO Adm Prazo de validade: término. (...) Concurso público. RE 367.460-AgR RTJ 197/655 Adm Preço: fixação. (...) Responsabilidade civil do Estado. RE 422.941 RTJ 197/678 PrPn Prefeito e co-réu. (...) Competência criminal. Rcl 2.123 RTJ 197/428 PrPn Prejuízo à defesa. (...) Ação penal. HC 86.276 RTJ 197/630 Int Prescrição inocorrente. (...) Extradição. Ext 931 RTJ 197/376 – Ext 944 RTJ 197/384 PrPn Pressuposto fático equivocado: morte do paciente. (...) Acórdão criminal. HC 84.870 RTJ 197/625 PrCv Pressupostos inocorrentes. (...) Embargos de declaração. RHC 82.390-ED RTJ 197/549 – HC 82.770-ED RTJ 197/553 Trbt Princípio da anterioridade tributária: ofensa. (...) Imposto Territorial Rural – ITR. RE 448.558 RTJ 197/712 Pn Princípio da consunção. (...) Concurso material. Ext 931 RTJ 197/376 PrPn Princípio da correlação: ofensa inocorrente. (...) Acórdão criminal. HC 83.658 RTJ 197/557 Adm Princípio da livre iniciativa. (...) Responsabilidade civil do Estado. RE 422.941 RTJ 197/678 Adm Princípio da segurança jurídica. (...) Ato administrativo. RE 442.683 RTJ 197/700 PrSTF Princípio “jura novit curia”: inaplicabilidade. (...) Recurso extraordinário. AI 347.717-AgR RTJ 197/645 Int Prisão perpétua. (...) Extradição. Ext 944 RTJ 197/384 PrPn Prisão preventiva. Fundamentação suficiente. Garantia da ordem pública. HC 82.770-ED RTJ 197/553 PrPn Procedimento especial. (...) Ação penal. HC 86.102 RTJ 197/626 PrPn Processo criminal. “Mutatio libelli”. Fase de alegações finais. Juizado Especial: competência. HC 86.276 RTJ 197/630 Int Processo criminal no Brasil. (...) Extradição. Ext 944 RTJ 197/384 Ct Processo legislativo. Projeto de lei de iniciativa do Executivo. Emenda parlamentar sem aumento de despesa. Lei Complementar estadual n. 836/97/ SP, art. 25, parágrafo único. ADI 3.114 RTJ 197/488 PrPn Procurador-geral da República. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ 197/587 Ct Procurador-geral de justiça: eleição. (...) Ministério Público estadual. ADI 2.836 RTJ 197/446 ÍNDICE ALFABÉTICO — Pro-Rec XIX PrCv Produtividade do imóvel. (...) Mandado de segurança. MS 25.006 RTJ 197/ 522 Adm Professor. Deslocamento sem prejuízo de vencimentos. Município: ressarcimento ao Estado-Membro. Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental: recursos. Autonomia municipal: ofensa. Lei Complementar estadual n. 836/97/SP, art. 46: inconstitucionalidade. ADI 3.114 RTJ 197/488 PrPn Programa de Recuperação Fiscal – REFIS. (...) Ação penal. RE 409.730 RTJ 197/672 Ct Projeto de lei de iniciativa do Executivo. (...) Processo legislativo. ADI 3.114 RTJ 197/488 Adm Prorrogação: inocorrência. (...) Concurso público. RE 367.460-AgR RTJ 197/655 Ct Proteção. (...) Meio ambiente. ADI 2.514 RTJ 197/442 PrPn Prova produzida na instrução processual. (...) Habeas corpus. HC 83.658 RTJ 197/557 Adm Proventos. Acumulação. Militar reformado. Aposentadoria posterior em cargo civil. Período anterior à EC n. 20/98. CF/67, art. 93, § 9º. MS 24.742 RTJ 197/515 Adm Proventos. Desconto. Ressarcimento ao erário. Tomada de contas especial pelo TCU. Lei n. 8.112/90, arts. 45 e 46. Lei n. 8.443/92, art. 28, I. MS 24.544 RTJ 197/503 PrCv Proventos: determinação de desconto. (...) Mandado de segurança. MS 24.544 RTJ 197/503 PrCv Publicação do acórdão embargado: necessidade. (...) Embargos de declaração. AC 738-QO-ED RTJ 197/373 Q Pn Quantidade apreendida: divergência irrelevante. (...) Tráfico de entorpecente. HC 70.231 RTJ 197/543 R PrCv Razões. (...) Agravo. AI 536.030-AgR RTJ 197/721 PrPn Recebimento. (...) Denúncia. Inq 2.170 RTJ 197/439 PrSTF Reclamação. Cabimento. Decisão plenária do STF. Medida cautelar em ação declaratória de constitucionalidade. Efeito vinculante. Rcl 1.013 RTJ 197/389 XX Rec-Sen — ÍNDICE ALFABÉTICO PrPn Recolhimento à prisão: condição para apelar. (...) Sentença condenatória. HC 84.802 RTJ 197/621 PrSTF Recurso extraordinário. Descabimento. Instância ordinária não esgotada. Decisão de relator de Juizado Especial. Agravo: necessidade. CPC/73, art. 557, § 1º. RE 426.183-AgR RTJ 197/698 PrSTF Recurso extraordinário. Efeito devolutivo limitado. Princípio “jura novit curia”: inaplicabilidade. AI 347.717-AgR RTJ 197/645 PrSTF Recurso extraordinário. Matéria infraconstitucional. Ação rescisória: cabimento e aplicação da Súmula 343. AI 460.868-AgR RTJ 197/716 Ct Referendo do presidente da República. (...) Competência originária. MS 25.271-AgR RTJ 197/534 Adm Reforma agrária. (...) Desapropriação. MS 25.006 RTJ 197/522 Ct Regime anterior: opção a qualquer tempo. (...) Ministério Público estadual. ADI 2.836 RTJ 197/446 Pn Regime de semiliberdade. (...) Medida socioeducativa. HC 84.682 RTJ 197/ 611 PrSTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal – RISTF, art. 21, § 1º. (...) Ação popular. Pet 3.422-AgR RTJ 197/499 PrPn Relação entre advogado e cliente. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ 197/587 PrSTF Remessa dos autos ao juízo competente: impossibilidade. (...) Ação popular. Pet 3.422-AgR RTJ 197/499 Adm Requisição pela Justiça Eleitoral. (...) Servidor público. MS 25.194 RTJ 197/524 Adm Responsabilidade civil do Estado. Intervenção estatal na economia. Preço: fixação. Princípio da livre iniciativa. CF/88, arts. 1º, IV, e 170. RE 422.941 RTJ 197/678 Adm Ressarcimento ao erário. (...) Proventos. MS 24.544 RTJ 197/503 PrPn Revogação posterior: possibilidade. (...) Suspensão condicional do processo penal — “sursis” processual. HC 84.660 RTJ 197/608 S PrPn Sentença condenatória. Direito de apelar em liberdade. Crime hediondo. Matéria pendente de julgamento no Plenário do STF: Rcl n. 2.391. HC 82.770-ED RTJ 197/553 PrPn Sentença condenatória. Recolhimento à prisão: condição para apelar. Fundamentação insuficiente. Trânsito em julgado: inocorrência. Execução provisória: inadmissibilidade. HC 84.802 RTJ 197/621 ÍNDICE ALFABÉTICO — Sen-Tra XXI Adm Sentença judicial transitada em julgado. (...) Gratificação. MS 25.460 RTJ 197/537 Adm Servidor público. (...) Gratificação. MS 25.460 RTJ 197/537 Adm Servidor público. Requisição pela Justiça Eleitoral. Período de afastamento: término. Devolução ao órgão de origem. Lei n. 6.999/82. MS 25.194 RTJ 197/524 PrPn Sigilo telefônico: quebra. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ 197/ 587 Adm Subsídio. Majoração. Ministro do STF. Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA: ilegitimidade ativa. AO 1.230AgR RTJ 197/407 Pn Substituição por internação sem prazo determinado: impossibilidade. (...) Medida socioeducativa. HC 84.682 RTJ 197/611 PrCv Súmulas 623 e 624. (...) Competência jurisdicional. AO 1.160-AgR RTJ 197/396 Ct Supremo Tribunal Federal – STF. (...) Competência originária. MS 25.271AgR RTJ 197/534 Adm Supressão pelo TCU: impossibilidade. (...) Gratificação. MS 25.460 RTJ 197/537 PrPn Suspensão condicional do processo penal — “sursis” processual. Período de prova findo. Revogação posterior: possibilidade. Fundamentação em fato ocorrido no período. Lei n. 9.099/95, art. 89, § 5º. HC 84.660 RTJ 197/608 PrPn Suspensão condicional do processo penal — “sursis” processual: proposta aceita. (...) Denúncia. Inq 2.170 RTJ 197/439 PrPn Suspensão da pretensão punitiva. (...) Ação penal. RE 409.730 RTJ 197/672 T PrPn Termo de audiência. (...) Instrução criminal. HC 70.231 RTJ 197/543 Adm Tomada de contas especial pelo TCU. (...) Proventos. MS 24.544 RTJ 197/ 503 Pn Tráfico de entorpecente. Configuração. Porte de substância tóxica. Quantidade apreendida: divergência irrelevante. HC 70.231 RTJ 197/543 PrPn Tráfico de entorpecente. (...) Denúncia. HC 70.231 RTJ 197/543 Int Tráfico internacional de entorpecente. (...) Extradição. Ext 944 RTJ 197/ 384 PrPn Trancamento: descabimento. (...) Ação penal. HC 84.738 RTJ 197/618 XXII Trâ-Vis — ÍNDICE ALFABÉTICO PrPn Trânsito em julgado: inocorrência. (...) Sentença condenatória. HC 84.802 RTJ 197/621 Int Tratado Brasil—Estados Unidos da América. (...) Extradição. Ext 944 RTJ 197/384 PrCv Tribunal “a quo”: matéria constitucional no voto vencido. (...) Embargos de declaração. RE 395.121-ED RTJ 197/664 Ct Tribunal de Contas da União – TCU. Competência. Aposentadoria: julgamento de legalidade. Controle externo. Contraditório: inaplicabilidade. MS 24.742 RTJ 197/515 PrCv Tribunal de Contas da União – TCU. (...) Mandado de segurança. MS 24.544 RTJ 197/503 PrCv Tribunal Regional Federal – TRF. (...) Competência jurisdicional. AO 1.160-AgR RTJ 197/396 PrCv Tutela antecipada. Benefício previdenciário: restabelecimento de pagamento. Decisão na ADC n. 4: ofensa. Rcl 1.013 RTJ 197/389 U Ct União Federal. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452 – ADI 2.938 RTJ 197/452 – ADI 3.069 RTJ 197/485 V PrPn Vedação de análise probatória: parcimônia. (...) Habeas corpus. HC 83.658 RTJ 197/557 Trbt Veículo automotor. (...) Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. RE 255.682-AgR RTJ 197/636 Adm Vencimentos. Magistrado. Verba de representação: cálculo. Parcela autônoma de equivalência: não-incidência. AO 1.056-AgR RTJ 197/392 PrPn Venda de bem alienado fiduciariamente. (...) Denúncia. HC 84.161 RTJ 197/604 Adm Verba de representação: cálculo. (...) Vencimentos. AO 1.056-AgR RTJ 197/ 392 Adm Vigilância sobre mata, rio e fonte. (...) Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452 Adm Vistoria: possibilidade. (...) Desapropriação. MS 25.006 RTJ 197/522 ÍNDICE NUMÉRICO ACÓRDÃOS 738 931 944 1.013 1.056 1.160 1.230 1.231 2.123 2.154 2.170 2.514 2.836 2.938 3.069 3.114 3.422 24.544 24.742 25.006 25.194 25.271 25.460 70.231 82.390 82.770 83.658 (AC-QO-ED) (Ext) (Ext) (Rcl) (AO-AgR) (AO-AgR) (AO-AgR) (ADI) (Rcl) (Inq) (Inq) (ADI) (ADI) (ADI) (ADI) (ADI) (Pet-AgR) (MS) (MS) (MS) (MS) (MS-AgR) (MS) (HC) (RHC-ED) (HC-ED) (HC) Rel.: Min. Celso de Mello ...................... 197/373 Rel.: Min. Cezar Peluso .......................... 197/376 Rel.: Min. Carlos Britto .......................... 197/384 Rel. p/ o ac.: Min. Nelson Jobim ............ 197/389 Rel.: Min. Carlos Velloso ....................... 197/392 Rel.: Min. Cezar Peluso .......................... 197/396 Rel.: Min. Carlos Velloso ....................... 197/407 Rel.: Min. Carlos Velloso ....................... 197/413 Rel.: Min. Sepúlveda Pertence ............... 197/428 Rel.: Min. Marco Aurélio ....................... 197/436 Rel.: Min. Carlos Britto .......................... 197/439 Rel.: Min. Eros Grau ............................... 197/442 Rel.: Min. Eros Grau ............................... 197/446 Rel.: Min. Eros Grau ............................... 197/452 Rel.: Min. Ellen Gracie .......................... 197/485 Rel.: Min. Carlos Britto .......................... 197/488 Rel.: Min. Carlos Britto .......................... 197/499 Rel.: Min. Marco Aurélio ....................... 197/503 Rel.: Min. Marco Aurélio ....................... 197/515 Rel.: Min. Marco Aurélio ....................... 197/522 Rel.: Min. Celso de Mello ...................... 197/524 Rel.: Min. Ellen Gracie .......................... 197/534 Rel.: Min. Carlos Velloso ....................... 197/537 Rel.: Min. Celso de Mello ...................... 197/543 Rel.: Min. Sepúlveda Pertence ............... 197/549 Rel.: Min. Gilmar Mendes ...................... 197/553 Rel.: Min. Joaquim Barbosa ................... 197/557 XXVI 83.966 84.161 84.660 84.682 84.738 84.802 84.870 86.102 86.276 247.593 255.682 338.681 347.717 367.460 393.021 395.121 409.730 422.941 426.183 442.683 448.558 460.868 536.030 ÍNDICE NUMÉRICO (HC-AgR) (HC) (HC) (HC) (HC) (HC) (HC) (HC) (HC) (RE-AgR) (RE-AgR) (RE-AgR-ED) (AI-AgR) (RE-AgR) (RE-AgR) (RE-ED) (RE) (RE) (RE-AgR) (RE) (RE) (AI-AgR) (AI-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello ...................... 197/587 Rel.: Min. Sepúlveda Pertence ............... 197/604 Rel.: Min. Carlos Britto .......................... 197/608 Rel.: Min. Cezar Peluso .......................... 197/611 Rel.: Min. Marco Aurélio ....................... 197/618 Rel.: Min. Marco Aurélio ....................... 197/621 Rel.: Min. Sepúlveda Pertence ............... 197/625 Rel.: Min. Eros Grau ............................... 197/626 Rel.: Min. Eros Grau ............................... 197/630 Rel.: Min. Carlos Velloso ....................... 197/634 Rel.: Min. Carlos Velloso ....................... 197/636 Rel.: Min. Carlos Velloso ....................... 197/642 Rel.: Min. Celso de Mello ...................... 197/645 Rel.: Min. Gilmar Mendes ...................... 197/655 Rel.: Min. Celso de Mello ...................... 197/660 Rel.: Min. Carlos Britto .......................... 197/664 Rel.: Min. Marco Aurélio ....................... 197/672 Rel.: Min. Carlos Velloso ....................... 197/678 Rel.: Min. Marco Aurélio ....................... 197/698 Rel.: Min. Carlos Velloso ....................... 197/700 Rel.: Min. Gilmar Mendes ...................... 197/712 Rel.: Min. Celso de Mello ...................... 197/716 Rel.: Min. Celso de Mello ...................... 197/721