CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL COM HABILITAÇÃO EM JORNALISMO MARYVONE VALE DA CRUZ TRÁFICO DE MULHERES PARA EXPLORAÇÃO SEXUAL EM FORTALEZA: ANÁLISE DE NOTÍCIAS NO JORNAL DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA - CE 2012 MARYVONE VALE DA CRUZ TRÁFICO DE MULHERES PARA EXPLORAÇÃO SEXUAL EM FORTALEZA: ANÁLISE DE NOTÍCIAS NO JORNAL DIÁRIO DO NORDESTE Monografia apresentada ao Curso de Jornalismo do Centro Superior do Ceará, mantenedora da Faculdade Cearense (FaC), como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. Orientação: profª Mara Cristina Barbosa Castro FORTALEZA (CE) 2012 MARYVONE VALE DA CRUZ TRÁFICO DE MULHERES PARA EXPLORAÇÃO SEXUAL EM FORTALEZA: ANÁLISE DE NOTÍCIAS NO JORNAL DIÁRIO DO NORDESTE Monografia como pré-requisito à obtenção do título de Bacharel em Jornalismo, outorgado pela Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data da aprovação:___/___/___ BANCA EXAMINADORA Mara Cristina Castro Professora Orientadora Denílson Albano Portácio Professor Examinador Milene Madeiro de Lucena Professora Examinadora A todas as mulheres que me ensinaram e me ensinam sobre o feminino, em especial a minha filha Raíza. E também aos homens que sabem como tratar as mulheres, em especial ao Pedro, que nos trata muito bem. AGRADECIMENTOS Agradeço a todos que, direta ou indiretamente, fizeram parte deste trabalho. À milha filha e ao meu marido, por toda a “paciência do mundo”, permitindome o tempo necessário à pesquisa e à construção desta monografia. À jornalista Priscila Siqueira que me apresentou o tema, embora eu tenha passado alguns dias bem desconfortáveis com as histórias que ela me contou. À minha melhor amiga Marinês, sempre perto. Irmã de alma. Às minhas melhores amigas Cris e Iara, às vezes distantes, mas sempre dentro do meu coração. À minha orientadora Mara Cristina, por toda a paciência nesta construção e por não ter desistido de mim. Aos professores que fizeram parte desse processo e me orientaram para que eu, enfim, “fechasse esta Gestalt”. À equipe do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Estado do Ceará, pela sua inestimável colaboração. Às irmãs maravilhosas que encontrei na Rede Um Grito pela Vida. São realmente Mulheres FENOMENAIS. Fiquei maravilhada em conhecê-las. Aos meus mentores espirituais, que são minha força e proteção nessa vida. Que eles possam me ouvir sempre que eu pedir por todas as mulheres que acabam sendo vitimas do tráfico, para que consigam sua liberdade e, sobretudo, sua dignidade de volta. Mulher não pode ser mantida em cativeiro. Se for engaiolada, fugirá ou morrerá por dentro. Não há corrente que as prenda e as que se submetem à jaula perdem o seu DNA. Você jamais terá a posse de uma mulher, o que vai prendê-la a você é uma linha frágil que precisa ser reforçada diariamente. (Luis Fernando Veríssimo) RESUMO O tráfico de pessoas ainda é um assunto pouco explorado em todos nos meios acadêmicos e jornalísticos, apesar de ser apontado como um dos negócios ilícitos mais lucrativos no mundo. A maioria das vítimas do tráfico são mulheres com finalidade de exploração sexual comercial. Este trabalho busca identificar a repercussão desse tema na mídia impressa cearense, mais especificamente através da técnica de análise de conteúdo nas matérias selecionadas em edições do Jornal Diário do Nordeste em Fortaleza, no período de janeiro de 2011 a outubro de 2012. Palavras chave: Jornalismo. Tráfico Humano. Exploração Sexual. Mulheres. ABSTRACT Human trafficking is a subject still little explored in the academic and the journalistic environments, despite being touted as one of the most lucrative illicit business in the world. Most victims of trafficking are women for commercial sexual exploitation. This paper seeks to identify the impact of this issue in the printed media, in Ceará, specifically through the technique of content analysis in the field in selected editions of the Diario do Nordeste Journal in Fortaleza, from January 2011 to October 2012. Keywords: Journalism. Humman Trafficking. Sexual Exploration. Women. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 12 2 TRÁFICO DE MULHERES PARA EXPLORAÇÃO SEXUAL ...................................... 13 2.1 Tráfico de Pessoas – Conceito................................................................................. 13 2.4 Prostituição e Exploração Sexual ............................................................................. 16 2.2 Tráfico de Mulheres para Exploração Sexual ........................................................... 19 2.3 Cenário do Tráfico de Mulheres em Fortaleza ......................................................... 24 2.5 Políticas Públicas para o Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas em Fortaleza ....... 25 3 MÍDIA IMPRESSA ....................................................................................................... 28 3.1 Mídia Impressa em Fortaleza ................................................................................... 28 3.2 Notícia x Informação ................................................................................................ 29 3.2 Critérios de Noticiabilidade ....................................................................................... 31 4 METODOLOGIA DE PESQUISA ................................................................................ 33 5 ANÁLISE DAS MATÉRIAS DO JORNAL DIÁRIO DO NORDESTE ............................ 36 5.1 Análise de todas as matérias encontradas ............................................................... 36 4.2 Análise das matérias relacionadas ao tráfico de mulheres para exploração sexual em Fortaleza ................................................................................................................. 42 4.3 Entrevistas................................................................................................................ 50 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 62 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 64 ANEXO I ......................................................................................................................... 68 ANEXO II ........................................................................................................................ 80 ANEXO III ....................................................................................................................... 83 LISTA DE TABELA Tabela 1: Pobreza e Desigualdades Regionais / Geografia de Rotas.......................20 Tabela 2: Legenda de Classificação das Matérias.....................................................34 Tabela 3: Distribuição das Matérias sobre Tráfico de Mulheres pelas Editorias........49 LISTA DE FIGURA Figura 1: Diferença entre Tráfico de Pessoas, Migração e Contrabando..................14 Figura 2: Gráfico de Distribuição por Idade das Pessoas Traficadas........................19 Figura 3: Gráfico da Classificação de Matérias sobre Exploração Sexual.................36 Figura 4: Gráfico da Classificação de Matérias sobre Tráfico de Pessoas................37 Figura 5: Nota publicada na coluna Curtas de 16/12/2011 .......................................38 Figura 6: Gráfico da Classificação de Matérias por Editoria......................................39 Figura 7: Notas publicadas nas colunas Pelo Mundo e Curtas em 31/03/2011.......40 Figura 8: Matéria publicada na editoria Nacional em 11/04/12................................41 Figura 9: Mapa dos pontos de Turismo Sexual em Fortaleza, publicado na edição de 01/01/2012.................................................................................................46 Figura 10: Gráfico da Rota do Tráfico de Mulheres publicado na edição de 10/01/2012.................................................................................................................48 Figura 11: Distribuição das Matérias sobre Tráfico de Mulheres no tempo...............49 12 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho pretende discorrer sobre o tráfico de mulheres, na cidade de Fortaleza, para fins de exploração sexual. O tema surgiu a partir de um encontro da autora com a jornalista Priscila Siqueira, de São Paulo, que estava em Fortaleza para participar de uma reunião sobre o enfrentamento ao tráfico de mulheres e meninas, junto a órgãos do governo e da sociedade civil. Segundo a Pestraf, Fortaleza é uma das rotas, nacional e internacional, do tráfico de mulheres, tanto como origem, quanto como destino. Não vemos, no entanto, um número de matérias, publicadas na grande imprensa, coerentes com os dados da pesquisa. Uma hipótese para o entendimento desse fenômeno pode ser o da não apropriação do assunto pela sociedade fortalezense. Esta monografia, portanto, pretende verificar como a mídia impressa da cidade de Fortaleza tem tratado o tema em suas matérias. A análise será realizada em matérias veiculadas no Jornal Diário do Nordeste, no período compreendido entre 01 de janeiro de 2011 e 31 de outubro de 2012. O primeiro capítulo explora o tráfico de mulheres para exploração sexual, apresentando suas características e conceitos. Perpassa, também, pela condição da mulher ao longo da história e aborda o tema da prostituição. O segundo capítulo é dedicado à mídia impressa de Fortaleza, apresentando a história de seus primeiros jornais e suas perspectivas ideológicas. Apresenta-se neste capítulo, também, a notícia como “matéria prima do jornalismo” e suas peculiaridades. No terceiro capítulo apresenta-se a metodologia da pesquisa realizada e, no quarto capítulo, divulga-se o resultado da pesquisa e suas análises. Este trabalho busca analisar a atuação do jornalismo impresso, em Fortaleza, na abordagem ao tráfico de mulheres para exploração sexual. 13 2 TRÁFICO DE MULHERES PARA EXPLORAÇÃO SEXUAL O tráfico de seres humanos é uma prática antiga na história da humanidade. Na Antiguidade Clássica, primeiro na Grécia e depois em Roma, os prisioneiros de guerra eram utilizados como escravos. Segundo Ary (2009), os pensadores da Grécia Antiga, como Aristóteles, respaldavam o trabalho escravo, pois entendiam que existiam seres inferiores por natureza, que estariam destinados apenas à utilização de sua força corporal. A partir do século XIV, o tráfico de seres humanos se torna uma atividade comercial, em especial por conta da colonização das Américas pelos europeus. Embora a escravidão tenha sido abolida desde o século XIX e o tráfico de pessoas seja considerado crime, esta prática ainda persiste na sociedade contemporânea. Segundo a Organização das Nações Unidas - ONU, o tráfico de pessoas é uma das atividades ilícitas mais lucrativas, que movimenta anualmente de 7 a 9 bilhões de dólares, perdendo apenas para o tráfico de drogas e o contrabando de armas. 2.1 Tráfico de Pessoas – Conceito O Protocolo da ONU para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, especialmente Mulher e Criança, em suplemento à Convenção da ONU (Organização das Nações Unidas) contra Crime Organizado Transnacional, Artigo 3, diz que: Tráfico de pessoas significará o recrutamento, o transporte, a transferência, abrigo ou o recebimento de pessoas, por meio da ameaça ou do uso de força ou de outras formas de coerção, de abdução, fraude, engano, abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou a doação ou recebimento de pagamentos ou de benefícios para conseguir o consentimento de uma pessoa para ter o controle sobre ela, com a finalidade da exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição ou outras formas de exploração sexual, trabalho ou serviços forçados, escravidão ou práticas similares à escravidão, servidão ou remoção de órgãos (2001, p.42). 14 Devido à sua natureza multifacetada, o tráfico de pessoas muitas vezes acaba se confundindo com outras situações, como a migração, propostas de trabalho ou casamento, prostituição etc., dificultando sua caracterização e, por conseguinte, sua prevenção e combate. Em geral, a principal motivação da vítima é a possibilidade de ascensão social. Desta forma, acabam se submetendo a relações de emprego coercivas, em especial se se encontrarem em condições de ilegalidade em países estrangeiros. No entanto, essa ilegalidade, de acordo com Cacciamali & Azevedo (2006), por si só não caracteriza o tráfico de pessoas. O tráfico humano se caracteriza pela migração e coerção, fraude ou qualquer tipo de exploração ou abuso. Segundo Nederstigt (2011, p.146), “é necessário diferenciar o tráfico de pessoas, de contrabando de migrantes e de migração (irregular)”. Enquanto o tráfico de pessoas é um crime contra a pessoa (limita o seu direito de ir e vir, em outras palavras: viola os seus direitos humanos), o contrabando e as migrações irregulares são um crime contra o Estado, que é violado no seu controle quanto à entrada de estrangeiros. Como o contrabando prevê o benefício financeiro, muitas vezes é confundido com o tráfico. Figura 1: Diferença entre Tráfico de Pessoas, Migração e Contrabando. Fonte: Ministério da Justiça: 2011 É importante observar, conforme Jesus (2003), que o tipo de atividade em que a vítima se engajou, lícita ou ilícita, moral ou imoral, não se mostra relevante para determinar se seus direitos foram violados ou não. O que importa é que o traficante 15 impede ou limita seriamente o exercício de seus direitos, constrange sua vontade, viola seu corpo. O tráfico de pessoas, então, prevê uma condição de vulnerabilidade da vítima. Embora o Código Penal Brasileiro defina vulnerável como pessoas menores de 14 anos ou “alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”, no contexto do tráfico de pessoas deveremos elaborar melhor esse conceito. De acordo com Nederstigt: [O tráfico de pessoas] É consequência de violações de direitos humanos porque o tráfico humano é fruto de desigualdade social-econômica, de falta de educação, profissionalização, de perspectivas de emprego e de realização pessoal, de serviços de saúde precários e da luta diária pela sobrevivência, em outras palavras: é causado por violações de direitos humanos econômicos, sociais e culturais, também chamados os direitos humanos da segunda geração. O tráfico de pessoas, em outras palavras, encontra terra fértil na violação de direitos humanos econômicos, sociais e culturais ( 2011, p135). Em 2006, o Brasil emite o Decreto nº 5.948, de 26 de outubro, que aprovou a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, instituindo princípios, diretrizes e ações para reprimir a prática do tráfico. Enquanto o Protocolo da ONU para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas se refere ao tráfico transnacional, a legislação brasileira prevê também os casos de tráfico doméstico. Segundo o Relatório do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas de 2010, a Política Nacional está fundamentada em um tríplice enfoque: Prevenção ao tráfico – atuando entre os principais grupos de pessoas sujeitos à exploração, bem como inibindo as ações dos aliciadores; Repressão - o combate direto aos traficantes, impondo as sanções cabíveis e buscando, por meio da interação com outros governos, a desarticulação das redes criminosas; Assistência às vítimas - amparo psicológico, jurídico e assistencial, de forma geral, aos que conseguem desprender-se da situação de exploração e encontram 16 dificuldades para regressar ao seu local de origem e também de reinserir-se na sociedade. 2.2 Prostituição e Exploração Sexual É importante observar que, segundo a lei penal brasileira, a prostituição não é crime. O que é criminalizado, no Código Penal Brasileiro, é a exploração sexual ou o rufianismo: Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Rufianismo Art. 230 - Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa (Código Penal Brasileiro, Lei Nº 12.015). Discorrer sobre prostituição, no entanto, é complexo. Mesmo não sendo criminalizada, não é regulamentada como profissão, embora seja tida como “a mais antiga profissão da mundo”. Segundo Swain (2011), “esta frase é dita e escrita à exaustão, criando sentidos sobre o vazio de sua enunciação”, ou seja, a pesquisa histórica mostra, na verdade, que a “prostituição é uma criação do social, em momentos e épocas específicas”. Dessa forma, esse tipo de enunciado (a mais antiga profissão do mundo) perpetua a ideia da prostituição como parte natural do destino da mulher, figurando como o lado negativo da imagem construída da mulher-mãe. De acordo com Santos (2010), as primeiras prostitutas na história estavam ligadas ao culto de divindades e a sociedades matriarcais. Deusas como Inanna e, mais tarde, como Ishtar centralizavam o poder religioso e político. A primeira distinção entre as mulheres prostitutas e esposas ocorreu na Suméria, 2000 a.C. Na Grécia e na Roma 17 Antiga, a prostituição era vista como profissão de prestígio. Havia o pagamento de impostos e a utilização de vestimentas diferenciadas. Na Idade Média houve um aumento da segregação das prostitutas devido, especialmente, à moral cristã. Durante a Revolução Industrial, por conta das condições desumanas de trabalho, houve um aumento da prostituição e, por conseguinte, da desvalorização da mulher que se prostituía, reforçada pela transmissão de sífilis, tida como símbolo da imoralidade pelos cristãos. Discriminação intensificada no século XX, com a propagação de DST, em especial a AIDS. Ainda segundo Santos (2010, p.120), “a palavra prostituição vem do verbo latino prostituere, que significa expor publicamente, pôr à venda, referindo-se às cortesãs de Roma”. Mas, de acordo com Oda & Pinto, os dicionários de língua portuguesa trazem significados depreciativos para a palavra prostituição. No Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (versão online – site Uol), o sinônimo de prostituição é: “Vida desregrada, de devassidão. = LIBERTINAGEM”; “Profanação”; “Servilismo degradante”; “Perder ou tirar a dignidade. = AVILTAR, DESONRAR, REBAIXAR”; “Colocar interesses materiais à frente de princípios ou ideias”. A elas foi dado um rótulo raso e preconceituoso, que ignora sua complexidade como ser humano. Invisíveis aos olhos da sociedade e marginalizadas nas esquinas do país, elas estão longe de possuir a chamada “vida fácil”. São pessoas que sofrem com os preconceitos do estigma; enfrentam a violências dos companheiros, dos clientes, da polícia; estão mais vulneráveis às doenças sexualmente transmissíveis; sentem-se solitárias apesar dos ganhos financeiros e da relativa autonomia; demonstram intensa dificuldade em estabelecer vínculos afetivos e de confiança (ODA & PINTO, 2009, p.2). Há, segundo Pasini (2005), uma forte discussão acerca da prostituição enquanto trabalho que tem polarizado dois grandes grupos, ambos embasados em perspectivas feministas. O grupo formado por feministas radicais vêm a prostituição como submissão/escravidão, como dominação masculina. Já as feministas liberais a veem como uma escolha, como um trabalho qualquer e, portanto, critica posicionamentos do senso comum “que tratam a prostituta como vítima e/ou marginal social”. 18 Apesar da existência de um discurso que mostre a mulher que se prostitui como senhora de sua própria vida e dona de seus atos, é inegável que o senso comum e, portanto, a sociedade em sua maioria, veja a prostituta com preconceito e a trate de forma excludente. Dentro desta perspectiva de valores culturais conservadores, a Pesquisa Sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil – Pestraf (2002), apresenta a violência como produto dessas relações de exploração e dominação de mercados globalizados e de Estadosnações fragilizados: É uma relação de poder e de força que se estabelece de forma desigual entre as classes sociais, os gêneros, as etnias, e entre adultos, crianças e adolescentes. Nesta perspectiva a exploração sexual comercial de mulheres, de crianças e de adolescentes é uma violência que se manifesta de forma diferenciada conforme as características econômicas, sociais, culturais, étnicas e geográficas de cada região. Traduz-se em múltiplas e variadas situações que permitem afirmar a complexidade das relações nelas imbricadas e as dimensões que as contextualizam. Define-se como uma violência sexual contra mulheres, crianças e adolescentes, determinada por relações de violências sociais e interpessoais, do padrão ético e legal, do trabalho, do mercado e do consumo (PESTRAF, 2002, p.43). A exploração sexual pode, então, aparecer de forma velada na sociedade, em suas ações e no seu discurso dominante. Segundo a Pestraf (2002), as próprias mulheres que aceitam as propostas para trabalharem como prostitutas em outros lugares, em geral, não se reconhecem como vítimas, o que dificulta o trabalho dos órgãos de combate a este crime, devido à falta de denúncias. É importante, portanto, diferenciar prostituição e exploração sexual. Mesmo que uma mulher aceite migrar para trabalhar como prostituta, isso não lhe retira os direitos de cidadã. Conforme bem explica Colares, “se essas pessoas souberem ou não que serão objeto de exploração sexual, não deve importar à Nação, pois o que interessa é resgatar a cidadania, perdida pela baixa qualidade de vida com que se deparam em nosso país” (2004, p.29). 19 2.3 Tráfico de Mulheres para Exploração Sexual O primeiro grande levantamento realizado no País sobre o tráfico de mulheres foi a Pestraf - Pesquisa Sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil, em 2002, tendo como coordenadoras Maria de Fátima Leal e Maria Lúcia Leal, cujos objetivos principais foram levantar informações que permitissem o mapeamento do fenômeno e elaborar recomendações para o enfrentamento do tráfico. A pesquisa informa que, “no Brasil, o tráfico para fins sexuais é, predominantemente, de mulheres e garotas negras e morenas, com idade entre 15 e 27 anos” (PESTRAF, 2002, p.48). Das 219 pessoas traficadas que foram alvo da pesquisa, 98 tiveram sua idade revelada. O gráfico a seguir (Figura 2) mostra que 45% das vítimas são menores de idade, mostrando relevante quantidade de adolescentes de 16 e 17 anos. Mulheres adultas totalizam 55% das vítimas encontradas pela pesquisa, com relevância para as idades de 22 e 23 anos. Figura 2: Gráfico de Distribuição por Idade das Pessoas Traficadas 20 A Pestraf apresenta, ainda, uma forte relação entre pobreza e baixa escolaridade no perfil das mulheres traficadas. A Tabela 1 mostra que as regiões Norte e Nordeste, que detêm 60% das rotas de tráfico de pessoas encontradas pela pesquisa, estão com o indicador de pobreza acima da média nacional. Isso indica, segundo a Pestraf, que o movimento migratório das vítimas do tráfico de mulheres e meninas para exploração sexual, deve ser compreendido como sendo das zonas rurais com destino às urbanas, e dos centros menos desenvolvidos com destino aos mais desenvolvidos. Pestraf - 2002 Tabela 1: Pobreza e Desigualdades Regionais / Geografia de Rotas A violência contra as mulheres é um fenômeno presente em diversas culturas e diferentes momentos históricos. Associada ao gênero, a condição socioeconômica de pobreza, torna a mulher vítima constante de violência física, sexual e psicológica. De acordo com Oliveira & Carneiro, a violência, a pobreza e a indigência são mais frequentes nos grupos de mulheres com menor escolaridade: As mulheres das classes mais baixas, além de sofrerem com a falta de recursos, também sofrem com a indiferença da sociedade como um todo. Se um crime 21 vitimiza uma mulher de classe média ou alta, toda a sociedade se choca e se mobiliza em busca de justiça, mas se a mulher pertencer às classes mais baixas, o fato passa “despercebido” (2001, p. 249). O tráfico de mulheres para exploração sexual comercial, de acordo com a pesquisa, é uma rede bastante organizada e capilarizada, composta por diversos atores que movimentam o mercado do sexo e mobilizam a demanda. São aliciadores, proprietários, motoristas de táxi, empregados ou outros tipos de intermediários que tenham algum tipo de lucro nesta atividade ilegal. Estas redes escondem-se sob as fachadas de empresas comercias, legais e ilegais, voltadas para o ramo do turismo, do entretenimento, do transporte, da moda, da indústria cultural e pornográfica, das agências de serviços (massagens, acompanhantes...), dentre outros mercados que facilitam a prática do tráfico para fins de exploração sexual comercial (PESTRAF, 2002, p.52). A Pestraf (2002) conceitua o explorador como que “exerce seu poder de dominação e de exploração em diversos contextos sociais, por razões culturais, de personalidade e de comportamento, sem, entretanto, ser considerado uma classe específica”, podendo atuar como consumidor, aliciador ou ajudante na cooptação das vítimas. Segundo a pesquisa, há, no Brasil, 110 rotas domésticas de tráfico de seres humanos e 131 internacionais. O Ceará é um dos estados apontados na pesquisa, devido à existência de porto, aeroporto internacional e rodovias, que facilitam a ação dos traficantes. No Ceará, só foram encontrados indícios de tráfico, apontando que adolescentes e mulheres partem de cidades interioranas para Fortaleza. Não havendo uma distinção específica entre as vias de transporte, ambas seguem as principais rodovias estaduais e federais para o acesso à capital e, daí, para as cidades costeiras e praias turísticas, o que talvez caracterizasse um “tráfico” interno. No âmbito externo, os dados da Polícia Federal informam a existência de rotas internacionais de tráfico de mulheres saindo de Fortaleza para a Europa, acompanhando o movimento do turismo sexual (PESTRAF, 2002, p.69) 22 Em 2003, Damásio de Jesus, Relator Geral do Grupo Brasileiro da Associação Internacional do Direito Penal, realizou pesquisa sobre o tráfico internacional de mulheres e meninas, com objetivo de consolidar informações produzidas por entidades governamentais, notícias divulgadas pela imprensa e dados produzidos por organizações não governamentais. Segundo Jesus, 99% das vítimas são do sexo feminino: Em vários países, as mulheres e as meninas são desvalorizadas ou são consideradas mercadorias que têm um preço no mercado do sexo. Muitas mulheres escolhem enfrentar a incerta jornada do tráfico ou da imigração para fugir dos maus-tratos e da exploração sexual a que são submetidas em suas próprias comunidades (2003, p.8). A história da mulher é cheia de preconceitos e estereótipos. Nesse sentido, o ser feminina é ser passiva, fútil, carinhosa e ter como prioridade principal o enfeitar-se (Estrela, 2007). Apenas em 1932, a mulher brasileira é reconhecida como cidadã capaz, obtendo o direito de votar e de ser eleita para cargos do legislativo e executivo. O feminino inferior ou submisso ao masculino, portanto, é uma cultura que, apesar de toda evolução, a mulher ainda não conseguiu extinguir por completo. Conforme Estrela: A aceitação social da submissão das mulheres ao tráfico de pessoas, que inclusive podem submetê-las à situação análoga à escravidão, é a confirmação de uma cultura fundada no patriarcado. Essa relação desigual reforça e cristaliza o lugar que a mulher ocupa na esfera privada, pois reserva estereótipos socialmente construídos em que cabe à mulher assumir determinados papéis como o de prestadora de serviços sexuais (2007, p.26). A mídia brasileira tem ajudado na solidificação desses estereótipos. Segundo Cavalcanti (2005), a imprensa no Brasil reforça uma ideologia discriminatória e formadora de perfis modelados, através de programas femininos e anúncios pagos. Os programas televisivos no século XX confirmavam os papéis tradicionais dos homens (produção) e das mulheres (reprodução), com programas voltados para a “mãe”, a “dona-de-casa” e a boa forma. Embora a mulher tenha conquistado muito profissionalmente e esteja assumindo importantes posições de comando no mundo, neste século XXI – “a mentalidade da 23 sociedade não mudou muito” (Rodrigues, 2004, p.06). No estudo realizado por Rodrigues (2004) sobre a revista Claudia, 50% das matérias versam sobre a beleza feminina. Apesar da valorização do lado profissional da mulher, ela ainda é dona-decasa, esposa e mãe, e, apesar de toda essa jornada de trabalho, ainda tem que se manter linda e alegre. O relatório aponta, também, que na região Nordeste há uma forte relação entre o turismo sexual e o tráfico de seres humanos. Recife, Salvador, Fortaleza e Natal, apontadas como rotas, são as capitais que recebem mais turistas estrangeiros. Desta forma, o tráfico nessa região assume uma característica predominante, a finalidade da exploração sexual. Segundo Do Bem: O turismo sexual, uma vez configurado, produz novos impactos sociais, criando uma infraestrutura e uma dinâmica propícias à proliferação do tráfico de mulheres, crianças e adolescentes. Ele cria novas rotas, institucionaliza espaços e práticas, fluxos e agentes (2006, pg. 106) Outro fator importante que facilita a ação dos traficantes nessa região é a sua condição socioeconômica. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)1, o crescimento econômico não diminuiu as disparidades entre as regiões do Brasil. Conforme relatório publicado em 14 de dezembro de 2010, a mortalidade infantil no Nordeste é o dobro do Sul e uma em cada seis crianças, entre 7 e 14 anos, não sabe ler e escrever. No Sul, apenas uma em cada 28 está nessa situação. As coordenadoras da Pestraf, Maria de Fátima Leal e Maria Lúcia Leal, confirmam que o perfil das mulheres traficadas é predominantemente de afrodescendentes (negras e morenas), entre 22 e 24 anos, oriundas de classes populares e com baixa escolaridade. Habitam em locais onde há carências de infraestrutura básica – saneamento, transporte, assistência médica e social – e geralmente têm filhos. Estas mulheres/adolescentes inserem-se em atividades laborais relativas ao ramo da prestação de serviços domésticos (arrumadeira, empregada doméstica, cozinheira, zeladora) e do comércio (auxiliar de serviços gerais, garçonete, 1 Ipea - fundação pública federal cuja função é fornecer suporte técnico e institucional às ações governamentais para a formulação e reformulação de políticas públicas e programas de desenvolvimento brasileiros 24 balconista, atendente, vendedora etc.), funções desprestigiadas ou mesmo subalternas. Funções estas, mal remuneradas, sem carteira assinada, sem garantia de direitos, de alta rotatividade e que envolvem uma prolongada e desgastante jornada diária, estabelecendo uma rotina desmotivadora e desprovida de possibilidades de ascensão e melhoria (LEAL & LEAL, 2002, p.06). O tráfico de mulheres para exploração sexual, portanto, prevê um contexto socioeconômico específico para se fazer presente: uma população feminina marginalizada que se torna alvo fácil dos aliciadores; uma demanda pelo sexo pago especialmente aquecida pelo turismo sexual e uma grande facilidade para a migração, tanto interna (dentro do país) quanto externa (para fora do país). 2.4 Cenário do Tráfico de Mulheres Em Fortaleza A capital do Ceará, diante do exposto, apresenta-se como cenário ideal para o tráfico com a finalidade de exploração sexual. A Pestraf apresenta Fortaleza em rotas internas (Crato-Fortaleza, Juazeiro do Norte-Fortaleza), interestaduais (BelémFortaleza) e internacionais (Fortaleza-Espanha). Segundo Do Bem (2006), a partir da década de 1960, a Região Nordeste cresceu economicamente, especialmente pela indução de recursos públicos. A partir de 1980, com o fortalecimento de políticas neoliberais, o processo de intervenção do Estado na economia nordestina foi suspenso. Como alternativa de continuidade do crescimento econômico, os governos estaduais se voltaram para o desenvolvimento do turismo. Dentre as estratégias de marketing, a apresentação de belas mulheres como atração ao turismo tem sido recorrente . De acordo com Pisticelli (2006), os destinos escolhidos para o turismo sexual se alteram com o tempo. Nas décadas de 1950 e 1960, as asiáticas representavam o ideal da “mercadoria erótica”. Após 1970, houve uma demanda por novos cenários, ainda mais eróticos, e os olhares se voltaram para a América do Sul, e o Nordeste brasileiro se incluiu fortemente nesse contexto poucos anos depois. Segundo Do Bem: 25 O turismo sexual é um fenômeno produzido por uma série de engrenagens subterrâneas disseminadas nas sociedades emissoras e receptoras [...]. Embora para ser considerado um segmento turístico - como o turismo ecológico, o turismo religioso, o turismo da 'melhor idade' etc., que são atividades planejadas [...] está submetido às mesmas pulsações de mercado e carece igualmente de uma infraestrutura em ambos os contextos, de vias de acesso, de meios de transporte, de mediação de agentes e recursos humanos. Não sendo produto de um planejamento, mas pelo contrário, surgindo mesmo em virtude da ausência deste [...] (2005, p.99). Piscitelli (2006) afirma, ainda, que Fortaleza é considerada uma das principais cidades brasileiras quando o assunto é turismo sexual. É extremamente fácil perceber a predominância do sexo masculino no turismo internacional e a formação de casais – estrangeiro e nativa – em pontos turísticos da cidade. Embora o turismo sexual, envolvendo mulheres adultas, não seja considerado um crime, constatou-se o vínculo desta atividade com o aumento da prostituição, do consumo e tráfico de drogas e do tráfico internacional de mulheres. Apesar de aparecer como uma das rotas do tráfico de pessoas, tanto interna quanto externa, ainda não se tem dados mais contundentes da situação atual deste crime em Fortaleza. A Pestraf, realizada em 2002, continua sendo o único referencial oficial quanto ao tráfico de pessoas. O site do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Ceará informa as atividades realizadas apenas de janeiro de 2009 a agosto de 2010, sendo boa parte delas de cunho preventivo (ver anexo II). 2.5 Políticas Públicas para o Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas em Fortaleza Fortaleza é considerada uma das capitais brasileiras de referência no combate ao tráfico de pessoas, segundo a Adital2, ONG que atua no enfrentamento ao tráfico em toda a América Latina e Caribe, através da divulgação de informações sobre o tema. 2 Adital - Agência de Informação Frei Tito para América Latina, estruturada desde 2000 para levar a agenda social latino-americana e caribenha à mídia internacional. Situa-se em Fortaleza. 26 Apesar disso, Ermanno Allegri, atual diretor desta entidade, informa que é necessário avançar muito mais para se ter uma maior eficácia destas ações, especialmente no que diz respeito à cultura machista local. Ele enfatiza, ainda, a falta de uma legislação mais clara para tipificar este crime e punir os criminosos (ver Entrevistas, p.50). A Irmã Gabriella Bottani, da Rede Um Grito pela Vida, vê positivamente a atuação do NETPCE, especialmente no que diz respeito às atividades voltadas para a prevenção deste crime (ver Entrevistas, p.50). Por meio do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP-CE), que tem como objetivo "garantir a orientação e o atendimento adequado às vítimas e seus familiares, ser uma fonte de informação para o público em geral, promover a sensibilização e formação de autoridades e operadores do direito, entre outros”3, a Secretaria de Justiça e Cidadania do Governo do Estado do Ceará (Sejus) implementa uma série de ações para prevenir, combater e dar assistência às vítimas do tráfico. Uma ação importante foi a implantação do Posto Avançado de Atendimento Humanizado ao Migrante, inaugurado em março de 2011, no Aeroporto Pinto Martins, que atende os brasileiros inadmitidos e deportados, vítimas ou não do tráfico de pessoas. O posto pretende, também, realizar campanhas periódicas, no aeroporto, de conscientização sobre o tráfico de pessoas. Importante observar que o nome Migrante já representa um cuidado à vítima, no sentido de não expô-la e de melhor acolhê-la. Segundo dados fornecidos pela Assessoria de Imprensa da Secretaria de Justiça e Cidadania do Ceará, durante o ano de 2010, o órgão desenvolveu um trabalho preventivo de divulgação de suas atividades e de conscientização social acerca do crime de tráfico humano na rede hoteleira. Recebeu 42 denúncias, que, somadas aos atendimentos realizados com as prostitutas (502 atendimentos), totalizou 544 atendimentos. Destas, denúncias sobre tráfico interno de pessoas (07 casos), tráfico internacional (05), de desaparecimento (03) e de cárcere privado (03). O Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP-CE) também realiza treinamentos, formando técnicos para prevenção do tráfico de pessoas e também para 3 Informação obtida no site da Secretaria (http://www.sejus.ce.gov.br/index.php/nucleos/42/78) de Justiça e Cidadania do Ceará 27 integrantes da sociedade civil que atuarão como multiplicadores na divulgação do trabalho da Secretaria de Justiça – Sejus. Outra atuação importante é das ONG´s, como a Adital e a Rede Um Grito Pela Vida, que também atuam na capacitação de agentes da sociedade civil para a prevenção do tráfico de pessoas. A ideia é a união de todas essas entidades – governamentais e não governamentais – formando uma rede maior, mais forte e mais articulada que a do tráfico para sua prevenção e combate. 28 3 MÍDIA IMPRESSA 3.1 Mídia Impressa em Fortaleza A imprensa no Ceará se inaugura, oficialmente, em 1º de abril de 1824 com o jornal Diário do Governo do Ceará. De acordo com Montenegro (2004, apud BRITO, 2011), a publicação possuía um forte caráter opinativo. Seu redator, o Padre Mororó, utilizava o jornal para veicular suas ideias liberais, em especial durante o movimento revolucionário da Confederação do Equador. Segundo Brito (2011), o jornalismo, em Fortaleza, desenvolveu-se em três fases. A primeira, no início do século XIX, marca o início das atividades jornalísticas na capital cearense. A segunda fase marca os anos de 1940 a 1960, ainda no século XIX, quando ocorre um crescimento e uma diversificação dos periódicos. A terceira fase ocorre nas últimas três décadas deste século, quando se deu o apogeu e o declínio do jornalismo fortalezense, na virada para o século XX. De acordo com Salgado (2003, apud SOUSA, 2009), a partir da criação do jornal Diário do Governo do Ceará , outros foram fundados mas não resistiram ao tempo ou foram fechados por serem político-partidários, satíricos ou religiosos. Dentre eles, podem ser citados os jornais “O Pão”, “Diário do Povo” e “Mutirão”. Em janeiro de 1928, é fundado o jornal O Povo. Conforme Montenegro (2004, apud SOUSA, 2011), esse jornal nasceu com uma postura diferenciada em relação aos anteriores. Propunha-se à objetividade e à independência, já que não representava um grupo econômico forte. Com mais de 80 anos de história, é o mais antigo jornal em circulação no Estado do Ceará Em 1936, foi fundado o jornal O Estado por um grupo de políticos do PSD – Partido Social Democrata. Segundo o próprio site d‟O Estado, ele foi criado como instrumento de causas partidárias, o que causou a instabilidade econômica do jornal. Após a morte de seu diretor presidente, Venelouis Xavier Pereira, O Estado passou por uma reforma editorial se propondo a uma maior objetividade e independência. 29 Em 1957, o banqueiro e suplente de senador, José Afonso Sancho, criou o jornal Tribuna do Ceará. Segundo Sousa (2007) esse jornal fazia parte do grupo político de Virgílio Távora, um dos grandes coronéis do Ceará. O Tribuna do Ceará teve sua última edição em 05 de janeiro de 2001. Em 1981, é fundado o jornal Diário do Nordeste que, segundo Sousa (2011), já nasce no contexto do jornalismo como negócio, tendo a notícia como mercadoria. Pertencente ao Sistema Verdes Mares de Comunicação, composto de rádios, jornais e canais de TV, faz parte do Grupo Edson Queiroz, um dos maiores grupos empresariais do país. Hoje, há uma disputa direta de mercado (publicitário e de leitores) entre os jornais Diário do Nordeste e O Povo. 3.2 Notícia: Informação x Entretenimento O jornalismo pode ser entendido como a veiculação de informação sobre acontecimentos da vida social, em qualquer área do conhecimento humano, em qualquer lugar, que seja de interesse dos componentes dessa sociedade. De acordo com Aguiar (2008, p. 17), “a invenção do jornalismo no século XIX vincula-se ao nascimento de uma ordem específica de discurso: a notícia”. Com a industrialização e a expansão urbana, os jornais se tornaram empresas e os jornalistas passaram a atuar profissionalmente, contrapondo-se ao paradigma anterior de defensor de luta política e ideológica. Segundo Erbolato (2004, p.49), a notícia é “a matéria prima do jornalismo, pois somente depois de conhecidas ou divulgadas é que os assuntos aos quais se referem podem ser comentados, interpretados e pesquisados”. O jornalista tem, portanto, a missão importante de selecionar quais fatos são relevantes a serem publicados. A notícia é efêmera e necessita de tratamento rápido, e, ainda segundo Erbolato (2004, p.55), “deve ser recente, inédita, verdadeira, objetiva e de interesse público”. O progresso tecnológico dos últimos anos, para Coan (2008), modificou profundamente a comunicação de massa. Atualmente o homem recebe um volume muito grande de mensagens, dentre as quais deve escolher rapidamente as de seu 30 interesse. Dessa forma, na atual sociedade de consumo, a informação se tornou uma mercadoria. De acordo com Marx (1975, p.41, apud COAN, 2008, p.20), “a mercadoria é, antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia”. Coan reforça que o momento histórico atual é “caracterizado pelo apogeu incessante da massa de mercadorias” (2008, p.29), e que é forte a influência da lógica publicitária no jornalismo. A informação se tornou de verdade e antes de tudo uma mercadoria. Não possui mais valor específico ligado, por exemplo, à verdade ou à sua eficácia cívica. Enquanto mercadoria, ela está em grande parte sujeita às leis do mercado, da oferta e da demanda, em vez de estar sujeita a outras regras, cívicas e éticas, de modo especial, que deveriam, estas sim, ser as suas (RAMONET apud COAN, 2008, p.60). Não se pode negar, no entanto, a importância dos meios de comunicação de massa para a sociedade. Segundo Ramonet (2007, apud COAN, 2008), a informação é essencial para uma sociedade democrática. A questão é que a espetacularização é muito grande, “cansando” o leitor/espectador/ouvinte, passando a sensação de que não é necessário ir além da informação. Com o intuito de manter suas verbas publicitárias, os jornais necessitam atingir uma alta vendagem, e, para tanto, utilizam-se de estratégias comunicacionais para atrair e manter seu público alvo. O sensacionalismo, segundo Coan (2008, p.20), é “uma das mais eficientes estratégias de comunicação para fascinar e seduzir o público, visto elevar a potencialidade de entretenimento do acontecimento”. Para Charaudeau, as contradições da própria democracia contaminam a informação midiática: É preciso que o maior número de cidadãos tenha acesso à informação, mas nem todos os cidadãos se encontram nas mesmas condições de acesso; é preciso que a informação em questão seja digna de fé, mas suas fontes são diversas e podem ser suspeitas de tomada de posição parcial, sem contar que a maneira de relatá-las pode satisfazer a um princípio de dramatização deformante; é preciso que os cidadãos possam expressar-se, dar sua opinião, é preciso ainda que essa palavra se torne pública por intermédio das mídias, mas 31 as mídias só se interessam pelo anonimato se puderem integrar a palavra anônima numa encenação dramatizante (2007, p.86). Dentro da lógica comercial atual, a sobrevivência de uma empresa jornalística depende da captação das massas. Segundo Charaudeau, o contrato de comunicação midiática sobrevive sob a tensão de duas visadas: a de “fazer saber” – que pretende informar e “tende a produzir um objeto de saber segundo uma lógica cívica” (2007, p.86); e a de “fazer sentir”, que se pretende à captação e “tende a produzir um objeto de consumo segundo uma lógica comercial” (2007, p.86). No equilíbrio entre este dois polos reside a sustentabilidade das mídias. Se tendem mais à primeira visão, não conseguem atrair o grande público; se tendem à dramatização, perdem credibilidade. 3.3 Critérios de Noticiablidade Conforme Charaudeau (2007), a finalidade da informação midiática é a de relatar o que acontece no espaço público e, para isso, o jornalista seleciona o acontecimento em função de seu potencial de atualidade, sociabilidade e imprevisibilidade. A atualidade se mede pela diferença de tempo entre o acontecimento e sua divulgação, quanto menor, melhor. A sociabilidade é medida pela aderência aos universos préconcebidos de discurso do espaço público, configurados na forma de rubrica: economia, polícia, política, cultura, esportes etc. A imprevisibilidade se mede pelo impacto que causa no sujeito consumidor da informação. Já para Erbolato (2004), as notícias são publicadas segundo alguns critérios, como, por exemplo – proximidade, marco geográfico, impacto, importância, proeminência, sexo e idade, originalidade – que motivam o público alvo a se relacionarem com a informação. De acordo com Fernandes (2004, p.5), um dos critérios mais fortes de seleção de notícias é a proximidade, ou seja, o quanto a notícia está próxima do leitor. Segundo o autor, a proximidade pode ser tanto temática - quando o leitor se interessa pelo tema, quanto geográfica - quando o leitor vive próximo do fato. Fernandes esclarece: 32 Aqui, torna-se necessário elucidar a questão da proximidade nas suas duas dimensões: a temática e a geográfica. A primeira, a temática, supre a necessidade de grupos que buscam trocar informações, têm afinidades por temas os mais diversos e expectativas em comum. Proximidade essa que envolve certos “efeitos psicológicos de identificação” e “implicação” afetiva... A segunda, a geográfica, diz respeito à proximidade espacial, que está inserida de modo direto na convivência cotidiana das pessoas, gerando um grau de interação e afetividade ainda maiores (2004, p.6). Segundo Bordieu (1997, p.25), no entanto, os jornalistas “operam uma seleção e uma construção do que é selecionado”, e o “ princípio da seleção é a busca sensorial”. Segundo o autor, os jornalistas utilizam “óculos”, para enxergarem umas coisas e outras não, e para verem de uma maneira e não de outra. Desta forma, não há apenas uma seleção do que deverá ser veiculado, mas, também, o ângulo - ou visão – sob o qual o fato será apresentado. Aguiar (2008) reforça Bordieu ao afirmar que as notícias são escolhidas de acordo com a representação que os jornalistas fazem do seu leitor e com a capacidade que têm de entreter, o que contradiz o critério de relevância (a importância que o fato tem em si). Assim sendo, a capacidade de entretenimento acaba se tornando um fator de muita importância dentro dos critérios de noticiablidade. 33 4 METODOLOGIA DE PESQUISA A pesquisa foi realizada nas edições do jornal Diário do Nordeste, no ano de 2011 e 2012, dos meses de janeiro a outubro. A busca pelas notícias sobre o tema se realizarão através das palavras-chave: “tráfico de pessoas”, “tráfico de mulheres”, “tráfico de seres humanos”, “prostituição”, “exploração sexual”, “casa de massagem” e “casa de prostituição”. As palavras foram escolhidas de acordo com a pesquisa preliminar sobre o tráfico de mulheres para exploração sexual. De acordo com Krippendorf, esse tipo de seleção de textos, onde aparecem determinadas palavras, segue a regra de enumeração: É possível encontrar tradicionalmente três índices nas pesquisas sobre as comunicações de massa: (a) a frequência com que aparece um símbolo, ideia ou tema tende a ser interpretada como medida de importância, atenção ou ênfase; (b) o equilíbrio na quantidade de atributos favoráveis e desaforáveis de um símbolo, ideia ou tema tende a servir como medida de orientação e tendência; (c) a quantidade de associações e de classificações manifestadas sobre um símbolo, ideia, tema pode ser interpretada como uma medida de intensidade ou força de crença, convicção ou motivação (KRIPPENDORF apud SOUSA, 2008, p.33). Além das matérias relacionadas diretamente com o objeto de estudo desta monografia, tencionou-se buscar um contexto maior sobre o tema, para auxiliar na análise. Pela compreensão preliminar de “crime invisível”, a noção de contexto se tornou fundamental. Ao pesquisar a expressão “exploração sexual”, tornou-se evitente a necessidade de olhar o objeto de forma mais ampla. Desta forma, apesar do foco ser o tráfico de mulheres para exploração sexual em Fortaleza, não foram dispensados na análise todas as matérias encontradas na pesquisa. O instrumento utilizado para suportar esta pesquisa foi a Análise de Conteúdo, que, segundo Bardin, conceitua-se como: Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição de conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de 34 conhecimentos relativos às condições de produção/percepção (variáveis inferidas) dessas mensagens (1977 apud BRETAS, 209, p.147). A primeira parte da pesquisa consistiu em identificar e classificar todas as matérias onde constavam os nomes acima descritos, como orientadores da busca. Todo o procedimento de seleção dos documentos se deu no site do jornal Diário do Nordeste, em seu acervo digital. Todas as páginas de jornal referenciadas neste trabalho foram salvas em arquivo digital PDF. A segunda parte da pesquisa foi a de classificar todas as matérias encontradas para que fosse possível elaborar parâmetros de análises e gráficos (ver anexo I). A classificação foi realizada de acordo com a tabela abaixo, pelo apontamento de uma sigla ou por uma associação entre elas. Sigla CA CEARÁ CM CP ES ESCA FLA M NOVELA Significado Matérias que trazem a exploração sexual num contexto mais amplo, incluindo Crianças e Adolescentes Matérias que referenciam o estado do Ceará Casa de Massagem Casa de Prostituição Exploração Sexual Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes As matérias referenciam, direta ou indiretamente, a cidade de Fortaleza Matérias que falam do tráfico de pessoas ou exploração sexual em relação às Mulheres O tráfico de pessoas aparece em textos que falam da Novela da Rede Globo, Salve Jorge. P Prostituição P(crime) Contextualiza a Prostituição como crime P(tráfico) O texto apresenta um contexto característico do tráfico de pessoas para exploração sexual, mas fala apenas de Prostituição. TP(contrabando) O contexto da matéria é de contrabando e não de Tráfico de Pessoas (seres humanos) TS Turismo Sexual Tabela 2: Legenda de Classificação das Matérias 35 De posse do material devidamente classificado, montaram-se as visões para análise e partiu-se para as entrevistas. Foi escolhida uma jornalista como representante da “captação” da matéria, e a coordenadora no Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – NETP, como representante da “geradora” da matéria. A intenção foi a de identificar o diálogo entre as duas “áreas”. 36 5 ANÁLISE DAS MATÉRIAS DO JORNAL DIÁRIO DO NORDESTE Foi colhido um total de 235 matérias que contém as palavras “tráfico de pessoas”, “tráfico de mulheres”, “tráfico de seres humanos”, “prostituição”, “exploração sexual”, “casa de massagem” e “casa de prostituição”. A Tabela 1 - Anexo 1 - identifica todas as matérias encontradas e sua classificação. 5.1 Análise da matérias encontradas Exploração Sexual A busca pela expressão “exploração sexual” resultou em 176 matérias, dentro do período selecionado. Percebe-se que a grande maioria dos textos encontrados (73%) dizem respeito à exploração sexual de crianças e adolescentes, seguidos por matérias que abordam o tema de forma genérica (11%), sem especificar a vítima. Apenas 6% abordam a exploração sexual relacionada com mulheres, na cidade de Fortaleza. Figura 3: Gráfico da Classificação de Matérias sobre Exploração Sexual 37 Tráfico de Pessoas / Seres Humanos / Mulheres A pesquisa pela expressão “tráfico de pessoas” e “tráfico de seres humanos” resultou num total de 57 matérias. Do montante encontrado, 23% falam do tráfico de pessoas de forma genérica, sem especificar este crime com maiores detalhes. Não informam se as vítimas são mulheres, crianças e adolescentes, ou travestis, tampouco a que se destinam – exploração sexual, laboral ou remoção de órgãos. Figura 4: Gráfico da Classificação de Matérias sobre Tráfico de Pessoas 38 Um exemplo desse tipo de classificação é a nota publicada na edição de 16 de dezembro de 2011, página 7, editoria Nacional do Diário do Nordeste: Figura 5: Nota publicada na coluna Curtas de 16/12/2011 O segundo maior volume encontrado (21%) foi o tráfico de pessoas, tendo como referência a novela Salve Jorge, veiculada na TV Globo, que tem como enredo o tráfico de pessoas, mais especificamente, de mulheres para exploração sexual. As matérias abordam os personagens e o enredo da trama. Todas as matérias foram publicadas no caderno Zoeira, exceto uma nota, de autoria de Regina Marshall, veiculada no Caderno 3, na edição de 20 de outubro de 2012, página 5. O texto, ao contrário dos demais, apresenta dados sobre o tráfico de pessoas e se refere à novela como aliada na conscientização das mulheres. A colunista aponta os estados com o maior número de mulheres traficadas, mas o Ceará não consta na lista. O terceiro maior volume das matérias (19%) sobre tráfico de pessoas atende ao objeto de estudo deste trabalho. São onze textos que abordam o tráfico de mulheres para exploração sexual em Fortaleza. Dois deles falam da situação no estado do Ceará, mas citam o Posto Avançado de Atendimento Humanizado aos Migrantes, no 39 aeroporto de Fortaleza. Por esta razão, foram considerados dentro desta classificação (tráfico de mulheres para exploração sexual em Fortaleza). Esta parcela será analisada detalhadamente, mais à frente. Quanto à editoria onde foram publicadas as matérias encontradas sobre o tráfico de pessoas, 21% se fizeram presentes na editoria de Cidade. Dentre estes 12 textos, 6 se referem, especificamente, ao objeto de estudo desta monografia. O caderno Zoeira veiculou 19% das matérias referentes ao tráfico de seres humanos, todas referentes à novela Salve Jorge. A editoria Internacional publicou 14%. O restante das matérias está pulverizado em outras editorias, conforme gráfico abaixo: Figura 6: Gráfico da Classificação de Matérias por Editoria Casa de Massagem A expressão “casa de massagem” apresentou 3 matérias, das quais duas se referiam à agressão de um delegado dentro de uma casa de massagem no bairro Jacarecanga em Fortaleza. Em nenhum momento o tráfico de pessoas ou a exploração sexual são mencionados. A terceira matéria diz respeito à sinopse do seriado “The 40 Client List”. Portanto, não foram encontradas matérias referentes ao tráfico de mulheres para exploração sexual. Prostituição A palavra “prostituição” apresentou 37 matérias, sendo 12 delas com referência ao tráfico de mulheres (não apenas em Fortaleza). O editorial da edição de 17 de setembro de 2012, com o título “Combate Minimizado”, fala da diminuição do combate ao narcotráfico, no mundo. Aliada à crise econômica no mundo, favorece a corrupção de autoridades e aumenta a lavagem de dinheiro e “outras atividades ilegais, entre elas o tráfico de seres humanos e a prostituição”. Nota-se que o texto trata a prostituição como crime, o que não é verdade no Brasil. Duas notas, ambas na edição de 31 de março de 2011, falam da prostituição em um contexto muito semelhante ao tráfico de pessoas, garotas brasileiras e asiáticas agenciadas como prostitutas na Itália e Austrália. Em nenhuma delas é mencionado o tráfico de pessoas nem a exploração sexual. Figura 7: Notas publicadas nas colunas Pelo Mundo e Curtas em 31/03/2011 41 Casa de Prostituição A expressão “casa de prostituição” aparece em 8 matérias, sendo duas delas com referência ao tráfico de mulheres para exploração sexual. A edição de 11 de abril de 2012, página 16 da editoria Nacional, traz texto sobre proposta do Senado de legalizar os prostíbulos, para “acabar com o que chamam de „cinismo‟ moral da atual legislação”. Figura 8: Matéria publicada na editoria Nacional em 11/04/12 42 4.2 Análise das matérias relacionadas ao tráfico de mulheres para exploração sexual em Fortaleza Foram selecionadas 11 matérias que abordam o tráfico de mulheres para exploração sexual na cidade de Fortaleza, no período de janeiro de 2011 a outubro de 2012. Edição de 14 de fevereiro de 2011 Na editoria de Cidade, página 9, foi publicada matéria com o título “Tráfico doméstico supera movimento internacional”, que faz parte de uma série de reportagens intitulada “Sexo, Drogas e Forró”. O texto traz a fala da então coordenadora do Escritório de Enfrentamento e Prevenção do Tráfico de Seres Humanos, Eline Marques, informando que é intenso o movimento doméstico de mulheres para trabalharem em boates e casas de prostituição. Ressalta que o Escritório não é contra a prostituição, e sim contra a exploração sexual. A Praia de Iracema tem sido palco constante de homens à procura de sexo pago, o que atrai mulheres de outros estados que acabam sendo privadas de sua liberdade e exploradas sexualmente. Edição de 15 de fevereiro de 2011 A editoria de Cidade continua com a série de reportagens “Sexo, Drogas e Forró”. Na página 11, o texto fala do aumento da criminalidade em Jericoacoara e traz uma coordenada intitulada “A Opinião do Especialista”, com artigo intitulado “Opção por prostíbulo”, de autoria da então Coordenadora do Escritório de Enfrentamento e Prevenção do Tráfico de Seres Humanos, Eline Marques, que fala sobre o tráfico de mulheres para exploração sexual em Fortaleza. Ela informa que os maiores responsáveis pelas restrições de liberdade e pela prática do cárcere privado, são os prostíbulos no Centro de Fortaleza e no Interior do Ceará. Apesar disso, algumas garotas de programa preferem atuar em casas de prostituição por se sentirem mais seguras. Ela são monitoradas pela Secretaria de Justiça, para coibir violências. Embora o tráfico internacional esteja bastante dificultado (hoje, o que se observa, são as 43 próprias mulheres pagando suas passagens e retornando dentro do prazo estabelecido), o mesmo não se pode afirmar do tráfico doméstico, que não sofreu diminuição. Edição de 3 de março de 2011 A editoria de Política, página 17, traz matéria intitulada “Número de vítimas motiva preocupação”. O texto informa que a semana em questão - da veiculação desta edição do Diário do Nordeste - foi consagrada como a Semana Estadual de Combate ao Tráfico Humano, conforme projeto de lei do deputado estadual Ronaldo Martins. A matéria informa que o tráfico de pessoas é muito lucrativo, perdendo, enquanto negócio ilícito, apenas para o tráfico de drogas e de armas. Apresenta as principais características deste crime e informa que a capital cearense é uma das principais rotas do tráfico, através do Aeroporto Pinto Martins. Edição de 24 de março de 2011 A editoria de Cidade traz, na página 15, matéria com o título “Denúncias de tráfico de pessoas crescem 155%”. O texto fala do aumento de denúncias sobre o tráfico de pessoas no Ceará, entre os anos de 2008 e 2010. Foram 200 em 2008; 460 em 2009; e 511 em 2010, o que representa acréscimo de 155% em três anos. Nos três primeiros meses de 2011, o NETP (Núcleo de Prevenção ao Tráfico de Pessoas) recebeu 81 denúncias. A matéria informa da inauguração do Posto Avançado de Atendimento Humanizado aos Migrantes, que funcionará no Aeroporto Internacional Pinto Martins. O texto fala, também, do perfil das pessoas vítimas de tráfico de seres humanos. Em geral, são mulheres, mães solteiras, com idade entre 15 e 21 anos, com baixo nível de escolaridade e cujo único emprego que possuem é o de empregada doméstica, ou, como ocorre em muitos casos, estão desempregadas. Já os aliciadores, para estes não existe perfil definido. Segundo Eline Marques, coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas “pode ser qualquer pessoa, um amigo, vizinho, primo”. Ela destaca que a maior dificuldade que enfrentam na hora de autuar o aliciador, é convencer a mulher a assumir que é vítima. A matéria informa as estratégias 44 de combate e o número para denúncias. Informa, ainda, sobre a rentabilidade do tráfico e da exploração sexual de mulheres Edição de 13 de abril de 2011 A matéria publicada na editoria de Polícia, intitulada “„Mulas‟ bolivianas são assassinadas no Ceará”, página 18, informa sobre o assassinato, na Região Metropolitana de Fortaleza, de duas irmãs bolivianas envolvidas com o narcotráfico. O texto sugere que elas estariam envolvidas, também, com o tráfico de mulheres para prostituição na Europa. Edição de 18 de agosto de 2011 A editoria de Cidade apresenta matéria com o título “Ceará é referência nas atuações de enfrentamento”, na página 16. O texto, de autoria de Lêda Gonçalves, apresenta o tráfico de pessoas como um dos negócios ilícitos mais lucrativos do mundo, e seu enfrentamento como uma questão de política pública no Brasil, compromissada com a ONU. O Ceará é referência no combate ao tráfico de seres humanos, tendo recebido, entre 2008 e 2010, 1.171 denúncias e realizado mais de 530 atendimentos pelo Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP). O Ceará ocupa o sétimo lugar no ranking nacional de denúncias contra estre crime. A autora fala, ainda, do Posto Avançado de Atendimento Humanizado aos Migrantes, no Aeroporto Internacional Pinto Martins, como ponto de apoio às vítimas, e da audiência pública sobre o segundo Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que o Ministério Público Federal realizou no dia 22/08/11. A matéria traz a fala da então coordenadora do NETP, Andreia Costa, que informa sobre a conceituação do tráfico de pessoas segundo o Protocolo de Palermo, do tráfico interno e da dificuldade de enfrentar o crime por falta de informação. Edição de 20 de setembro de 2011 A coluna Comunicado, da editoria de Política, traz nota intitulada “Blitz pela dignidade”. O texto traz informações sobre blitz programada pelo Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, da Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado 45 do Ceará, para coibir o tráfico de pessoas e sensibilizar garotas de programa e outros profissionais sobre o assunto. O evento faz parte da I Semana de Mobilização pelo Dia Internacional contra a Exploração Sexual e o Tráfico de Mulheres e Crianças. Edição de 8 de janeiro de 2012 Primeira da série de reportagens realizada pela repórter Lina Moscoso, para a editoria de Cidade, a matéria intitulada “Vulneráveis, mulheres são vítimas do mercado do sexo” (página 8), apresenta a realidade das mulheres que se prostituem em diversos pontos de Fortaleza, e sua vulnerabilidade social. A autora fala do turismo sexual e da preocupação das autoridades com a proximidade da Copa do Mundo. O receio é o aumento da violência sexual e do tráfico de mulheres com destino ao exterior, para exploração sexual. Foram entrevistadas a deputada Patricia Saboya, que presidiu a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Exploração Sexual, e a então coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP), Andreia Costa. A reportagem apresenta, ainda, mapa dos principais pontos de turismo sexual em Fortaleza e as ações que a Secretaria de Turismo de Fortaleza vem realizando a fim de conter essa prática. A parceria com o setor hoteleiro, o cancelamento de voos charters, a criação de oportunidades de emprego para ocupar jovens e mulheres em situação de risco, são algumas destas ações. Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), Regis Medeiros, no entanto, o turismo sexual é quase inexistente na capital cearense, contribuindo, apenas, com 4% para a exploração sexual. 46 Figura 9: Mapa dos pontos de Turismo Sexual em Fortaleza, publicado na edição de 01/01/2012 Edição de 9 de janeiro de 2012 Segunda da série de reportagens realizada pela repórter Lina Moscoso, para a editoria de Cidade, a matéria intitulada “Em busca de um projeto de vida, elas saem do País” (página 6), apresenta o perfil da mulher vítima do tráfico para exploração sexual no exterior: sonhadora, com necessidades financeiras e conflitos familiares. A autora apresenta dados do Censo de 2010, sobre a migração de mulheres. A maioria se desloca para Itália, Portugal e Espanha. A reportagem traz a fala da coordenadora da Pestraf, Maria Lúcia Leal, e da então coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP), Andreia Costa, que enfatizam o perfil da mulher traficada e 47 os métodos utilizados pelos criminosos para o aliciamento e a coação. A coordenadora adjunta da Coordenadoria de Políticas para as Mulheres da Prefeitura de Fortaleza, Tatiana Raulino, explica as dificuldades de garantir a essas mulheres, condições socioeconômicas que consigam inibir seu interesse pelas propostas de trabalho no exterior, mesmo para atuarem como prostitutas. A matéria apresenta, também, a possibilidade de um relacionamento positivo de mulheres brasileiras com estrangeiros nem todos os casos se convertem em violência e exploração sexual. Edição de 10 de janeiro de 2012 Terceira da série de reportagens realizada pela repórter Lina Moscoso, para a editoria de Cidade, a matéria intitulada “Tráfico é fenômeno de caráter criminoso, invisível e velado” (página 6), apresenta a realidade do tráfico de mulheres para exploração sexual (cárcere privado, servidão, abuso, perda da vida, dor) e a dificuldade de tipificar o crime. A autora informa a existência e o crescimento do tráfico interno e apresenta Fortaleza como uma das principais rotas do tráfico. Informa, ainda, os números do tráfico de pessoas no mundo: 92% das vítimas são para exploração sexual, em sua grande maioria, mulheres. A matéria traz a fala da coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero, Idade e Família (Negif), da Universidade Federal do Ceará, Maria Dolores de Brito Mota, que compara o tráfico de mulheres ao negreiro. Traz ainda dicas para viajar com segurança e os números de telefone para pedir ajuda no exterior. A matéria traz um gráfico que informa as rotas de migração, segundo pesquisa do IBGE (conforme números apresentados na matéria veiculada na edição de 09 de janeiro de 2012 - “Em busca de um projeto de vida, elas saem do País” ): 48 Figura 10: Gráfico da Rota do Tráfico de Mulheres publicado na edição de 10/01/2012 Edição de 11 de janeiro de 2012 Quarta e última da série de reportagens realizada pela repórter Lina Moscoso, para a editoria de Cidade, a matéria intitulada “Sociedade ainda não reconhece mulheres como vítimas do sexo” (página 6), fala do preconceito da sociedade com as mulheres traficadas para exploração sexual, o que dificulta o trabalho dos órgãos de repressão ao tráfico, pois as vítimas têm vergonha de denunciar. Algumas mulheres, que já trabalham como prostitutas, não se reconhecem como vítimas. A autora informa que o número de denúncias recebidas pelo Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas é de apenas duas por mês. A matéria traz o artigo do Código Penal Brasileiro que trata do crime de tráfico de pessoas e artigo de opinião de Nilce Cunha, procuradora do Ministério Público Federal do Ceará, que fala sobre a dificuldade de apurar os casos de tráfico de pessoas, da necessidade de colaboração entre os países 49 envolvidos e, principalmente, de não tratar as pessoas vítimas do tráfico como criminosas. Os textos, acima descritos, encontram-se, em sua grande maioria (73%), na editoria de Cidade. Percebe-se que o único texto da editoria de Polícia (edição de 13 de abril de 2011), refere-se a duas mortes relacionadas com o narcotráfico. O tráfico de pessoas é apenas mencionado como suspeita e o tema não é aprofundado, nem há matérias subsequentes que informem de investigação da polícia sobre o fato. Editoria CIDADE POLÍCIA POLÍTICA Quatidade Matérias 8 1 2 Tabela 4: Distribuição das Matérias sobre Tráfico de Mulheres pelas Editorias Ao distribuirmos as matérias selecionadas no tempo (dentro do período selecionado para a pesquisa), identificamos grandes lacunas de “silêncio”, quando não há publicações sobre o tema em questão. Após a grande reportagem, dividida em quatro matérias, veiculadas nos dias 8, 9, 10 e 11 de janeiro de 2012, não foram identificadas outras publicações. Figura 11: Distribuição das Matérias sobre Tráfico de Mulheres no tempo 50 Percebe-se, então, que, embora Fortaleza seja identificada como uma rota de tráfico de mulheres para exploração sexual pela Pestraf (2002), não há uma repercussão coerente com este fato. O tráfico de pessoas é mais veiculado, na mídia impressa de Fortaleza, de forma genérica ou, nesse momento, com referência à novela Salve Jorge. Pode-se inferir que, pela pequena quantidade de matérias publicadas na editoria de Polícia, não há, por parte das autoridades competentes, um resultado significativo, no sentido de reprimir este crime, o que resultaria em um maior número de prisões, e, consequentemente, num maior quantitativo de notícias. Desta forma, o tema acaba não sedo identificado como próximo, no sentido de critério de noticiabilidade, conforme Erbolato (2004). A essa conclusão alia-se a identificação do tráfico de pessoas como um fenômeno invisível, conforme pesquisa sobre o tema e matérias selecionadas nesta monografia. 4.3 Entrevistas No intuito de aprofundar o entendimento obtido com a pesquisa nas edições do jornal Diário do Nordeste, realizou-se duas entrevistas. Uma com a jornalista deste jornal, Lina Moscoso, que elaborou a grande reportagem que aborda o tráfico de mulheres para exploração sexual, veiculada em janeiro de 2012. A outra entrevistada foi a coordenadora da Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas - NETP, da Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado do Ceará, Lívia Azevedo. Entrevista com Lina Moscoso, realizada em 27 de novembro de 2012 Pergunta 1: Qual foi a motivação para escrever as reportagens publicadas no início do ano, onde é abordado o tema do tráfico de mulheres para exploração sexual? Resposta: A proposta da matéria foi a de falar sobre o sonho dessas mulheres que migram para o exterior, geralmente, em busca do príncipe encantado. Eu sugeri incluirmos o tráfico de mulheres, pois é uma das facetas dessa migração. 51 P.2: Você já tinha conhecimento do tema antes da matéria? R.2: Eu sabia do tráfico de pessoas, mas não com a profundidade que tenho agora, depois da matéria. Ouvi muitas coisas nas entrevistas que fiz junto à Coordenadoria Especial de Políticas para as Mulheres, da prefeitura municipal de Fortaleza, e ao Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Secretaria de Justiça do Estado do Ceará. Situações pelas quais essas mulheres passam lá fora, que eu não imaginava antes – os maus tratos, as ameaças. P.3: Que dificuldades você teve na elaboração dessa reportagem? R.3: A minha maior dificuldade foi a de encontrar informações sobre o assunto. A exploração sexual vinculada às mulheres não é tema recorrente. Encontrei muitos dados sobre exploração sexual de crianças e adolescentes. Acho que a questão é o “ser adulto”. O senso comum não vê essa parcela da população como vulnerável, como passível de ser explorada. O único dado que encontrei quanto à migração de mulheres para o exterior, foi na pesquisa do IBGE de emigração de brasileiros – que não especifica a motivo de terem saído do Brasil. Fiz uma estratificação por sexo e identifiquei que os destinos mais comuns das mulheres coincidiram com os apontados pelos órgãos de combate ao tráfico de pessoas, como os maiores receptores de mulheres para exploração sexual – Itália, Portugal e Espanha. P.4: Como você vê o interesse da mídia impressa de Fortaleza nesse tema? R.4: Eu vejo que há interesse no assunto, mas faltam dados. O jornalismo trabalha com a novidade. Então, quando não existem fatos, não há pauta. Nós estamos atentos ao que acontece na cidade sobre esse tema, como, por exemplo, a audiência pública que ocorreu no ano passado para elaboração do Segundo Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, sob o comando da procuradora Nilce Cunha Rodrigues. O evento foi coberto e divulgado. Mas penso que falta uma ação mais contundente dos órgãos governamentais, tanto quanto à fomentação de pesquisas sobre o tema, como quanto à repressão propriamente dita. 52 P.5: A TV Globo está veiculando uma novela cujo tema principal é o tráfico de pessoas. Como você está vendo a repercussão dessa novela, no sentido de fomentar o debate sobre o tema na mídia? R.5: Vejo que já aumentaram os comentários sobre o tema, mas ainda de forma superficial. Não parece um fato que ocorre aqui, na nossa cidade. Parece um problema de outro lugar. Penso, no entanto, que há uma grande chance de aprofundamento no tema. Entrevista com Lívia Azevedo, realizada em 25 de setembro de 2012. Pergunta 1: Como está o enfrentamento do tráfico de mulheres para exploração em Fortaleza atualmente? Temos muitas denúncias? Resposta: O tráfico de pessoa é um crime muito invisível, por isso não temos muitos casos no Núcleo. Não tivemos nenhuma denúncia oficial neste mês, mas, nos bastidores, nós tivemos conhecimento de focos de aliciamento nos bairros Castelão, José Walter e Vila Peri. Os aliciadores estão buscando mulheres na periferia, ao invés da Beira-mar ou Praia de Iracema, porque não precisam prometer tanto para convencêlas a aceitar suas propostas. A situação de vulnerabilidade é tanta, que qualquer esperança de sair da situação em que hoje se encontram torna-se atraente. P.2: Por que a dificuldade de abordar esse crime, de enfrentá-lo aqui em Fortaleza? R.2: A maior dificuldade é que as mulheres que são aliciadas aqui, em geral, são garotas de programa. No imaginário cearense, as prostitutas são criminosas: “elas vão porque querem”, “elas já vão se prostituir, mesmo”, “é um problema a menos no meu estado, no meu país”. Eu encontro pós-doutores em direito que afirmam ser combate à exploração sexual de mulheres “um tema sem futuro”. É como se o fato de elas saberem que vão se prostituir, retirassem todos os seus diretos e as tornassem passíveis de sofrer qualquer tipo de arbitrariedade. Quando a exploração sexual diz respeito a crianças e adolescentes, a postura é outra, mais voltada para o 53 enfrentamento. Outro problema é a dificuldade que essas mulheres têm de se reconhecerem como vítimas. Elas enxergam seus aliciadores, mais como empresários do que como traficantes, e acabam acobertando tanto o crime quanto os criminosos. P.3: Isso faz com que o número de denúncias seja tão pequeno? R.3: Sim, mas também tem a questão da família. Quando uma mulher aceita a proposta para trabalhar fora, mesmo como garota de programa, ela recebe um banho de loja, já viaja com uma caução e a família também recebe uma “ajuda”. Então, tanto a vítima quanto sua família pensam que a mulher, que está indo para o exterior, vai subir na vida. Enquanto a família continua recebendo dinheiro, ela imagina que tudo está bem. Somente quando param as remessas é que os familiares procuram o núcleo ou a polícia. P.4: Como é a relação do NETP com a mídia? Por que não vemos com frequência notícias na editoria de Polícia sobre o tema? R.4: Em geral, nós elaboramos uma folha de comunicação e enviamos à imprensa. Anteriormente, o Núcleo atuava mais fortemente no acompanhamento das ações para repressão, junto ao GGI4, que, a partir de locais de possíveis delitos, organizava um grupo para realizar algumas intervenções (batidas). Atualmente, a postura do NETP está mais focada na prevenção e educação, especialmente junto à população mais vulnerável ao tráfico. Ainda acompanhamos as ações de repressão, em especial para acolher as vítimas, prestando-lhes um atendimento mais humanizado e buscando informações que nos possibilitem a tipificação do crime. GGI-CE - Gabinete de Gestão Integrada do Estado do Ceará – órgão vinculado à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social, com a finalidade de coordenar o Sistema Único de Segurança Pública Estadual, tendo como membros efetivos: Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social, Polícia Civil do Estado do Ceará, Polícia Militar do Estado do Ceará e Corpo de Bombeiros Militares do Estado do Ceará. 4 54 P.5: Qual a sua impressão sobre a novela Salve Jorge, da Rede Globo? R.5: Ainda é cedo para avaliar, mas o número de ligações para o NETP aumentou significativamente. Pessoas estão ligando para saber o que é o tráfico de pessoas, se ocorre aqui no Ceará. Mas, também, há ligações para questionar se eu estou me sentindo desconfortável com o fato de a vilã da novela, a chefe do tráfico de pessoas, ter o mesmo nome que eu (Lívia). Acredito que será uma abordagem positiva, pelo menos é a nossa expectativa. Entrevista com Gabriella Bottani, da Rede Um Grito pela Vida, realizada em 08 de janeiro de 2013. Pergunta 1: Como a Senhora vê o tráfico de mulheres em Fortaleza para exploração sexual? Resposta 1: O tráfico para fins de exploração sexual comercial, em Fortaleza, é, a meu ver, uma realidade ainda pouco visível que se mistura com a exploração sexual de crianças e adolescentes, com o turismo sexual e a prostituição. A maioria das mulheres traficadas nesta cidade já atuam na prostituição. Atraídas por sonhos de vida melhor moldados por uma cultura que valoriza a pessoa por sua capacidade de consumir muitas jovens de baixa escolaridade e com falta de perspectivas de trabalho melhor, aceitam propostas de ir para o estrangeiro ou para outras regiões do Brasil com o desejo de ganhar mais. O acesso ao dinheiro, de forma rápida e fácil, torna-se, então, a possibilidade de se afirmar dentro de uma sociedade caracterizada por uma grande desigualdade econômica. Como oferecer uma alternativa para estas jovens, sem que elas percam sua própria dignidade? Considerar o consumo e o acesso aos bens “na moda” mais importante do que a liberdade e a dignidade individual, a corrupção, uma cultura machista ainda dominante e adultocêntrica, tudo o que favorece e promove a mercantilização da vida, sobretudo de mulheres e crianças, tornando os corpos objetos para serem explorados, para produzir lucro e prazer, são elementos que dificultam a visibilidade desta grave violação dos direitos humanos. Em Fortaleza, assim como em muitos outros lugares, vejo que é urgente enfrentar as causas e as situações que 55 favorecem o tráfico de pessoas, seja qual for sua finalidade: exploração sexual comercial, no trabalho ou para remoção de órgãos, pois este é um dos crimes contra a dignidade humana, que envolve as parcelas mais pobres e vulneráveis de nossa sociedade. Em meu parecer, o Tráfico de Pessoas é como uma brecha aberta, que nos permite enxergar dentro do coração do modelo de desenvolvimento dominante, que coloca no centro o lucro e marginaliza a vida de todos os seres, até das pessoas. Tudo por conta da ganância pelo dinheiro. Por isto precisamos olhar com coragem e ousadia para esta grave violação dos direitos humanos e fazer todo o possível para o enfrentamento. P.2: Há quanto tempo a Senhora trabalha para o enfrentamento ao tráfico de pessoas? R.2: Desde o final dos anos de 1990. Enquanto ainda morava na Europa (Itália e Alemanha) atuei no enfrentamento ao tráfico de pessoas de forma indireta, quando trabalhava junto a migrantes e refugiados políticos. Tenho atuado mais sistematicamente desde 2007, quando, junto com outras duas irmãs, começamos em Fortaleza um grupo da Rede Um Grito pela Vida, que é a rede de enfrentamento ao tráfico de pessoas das Conferências dos(as) religiosos(as) do Brasil. Atuei de 2007 até 2012 em Fortaleza e desde julho de 2012, em Porto Velho, no Estado de Rondônia. Desde 2009 participo da coordenação nacional. Minha atividade principal é no âmbito da prevenção, sobretudo na formação de multiplicadores para a prevenção ao tráfico de pessoas e com grupos em situação de risco. P. 3: Como a Senhora percebe a atuação dos órgãos públicos – de uma forma geral para o combate ao tráfico de mulheres para exploração sexual? R. 3: Os órgãos públicos, nos últimos anos, têm mostrado interesse no enfrentamento ao tráfico de pessoas. O Brasil assinou o Protocolo de Palermo e, desde 2006, tem uma lei federal de Enfrentamento ao tráfico de pessoas e um Grupo de Trabalho para promover o debate entre OG e ONG para a definição de políticas públicas. Isto é bom, mas não é suficiente. Falta muito ainda, como, por exemplo, oferecer e potencializar projetos de proteção às vítimas e testemunhas, casas abrigos e políticas públicas e 56 sociais para acompanhar as vítimas do tráfico; implementar as pesquisas sobre tráfico de pessoas, assim como bancos de dados, para conhecermos melhor as especificidades do tráfico de pessoas no Brasil. A meu ver, precisa potencializar e difundir em todos os Estados do Brasil os Núcleos de Enfrentamento ao tráfico de Pessoas, oferecendo recursos humanos qualificados e financeiro que permitam uma atuação efetiva e eficaz. Até hoje não foi publicado o II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (PNETP) – o I terminou no dia 8 de janeiro de 2010 e os trabalhos para o II foram concluídos no ano de 2011. Desde então estamos esperando a publicação do II PNETP. O plano é um instrumento que pode favorecer um melhor desempenho dos órgãos públicos no enfrentamento ao tráfico de pessoas, nos três eixos de atuação previstos pela “Convenção das Nações Unidas contra o Crime Transnacional – Protocolo adicional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas” (Palermo, 2000) e pela Política Nacional de Enfrentamento ao tráfico de pessoas (2006): prevenção, atendimento às vítimas e repressão (responsabilização dos traficantes). No Ceará, desde o fim do ano de 2011, vem sendo elaborada uma proposta de lei estadual para o enfrentamento ao tráfico de pessoas. Durante os anos de minha atuação houve, no meu parecer, uma melhoria significativa no enfrentamento ao tráfico de pessoas com a criação do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – CE (NETP-CE), sob a coordenação de Andreia Costa e sucessivamente de Lívia Azevedo. O Núcleo introduziu um trabalho voltado mais à prevenção que a repressão. Este último eixo era priorizado pela equipe anterior do Escritório de Enfrentamento ao tráfico de Pessoas. Esta mudança foi positiva, pois o núcleo introduziu uma visão mais ampla da questão, superando uma cultura exclusivamente repressiva, criando espaços de colaboração e dialogo com Organizações Não Governamentais e da sociedade civil organizada que vinham atuando na prevenção ao tráfico de pessoas, ampliando o trabalho de conjunto e introduzindo atividades formativas, educativas e informativas. Outro elemento positivo foi a criação do Comitê Estadual de Enfrentamento ao tráfico de pessoas em setembro de 2011, que reúne, sob a coordenação da Secretaria de Justiça, representantes de OG envolvidas no enfrentamento ao tráfico de pessoas e uma representante da Rede Um Grito pela Vida. 57 P. 4: Como a Senhora percebe a atuação do NETP-Ce no enfrentamento ao tráfico de pessoas, especialmente de mulheres para exploração sexual? R. 4: Durante os anos de 2011 e 2012, quando tivemos uma grande parceria com NETP-CE no enfrentamento ao tráfico de pessoas, tive a oportunidade de conhecer a competência, compromisso e boa vontade da coordenação, assim como as dificuldades de atuação devido, sobretudo, à falta de recursos financeiros e de estruturas adequadas para poder oferecer um serviço de qualidade, especialmente no atendimento às vítimas. No Ceará não existe ainda uma estrutura especializada para acolher pessoas as vítimas do tráfico de pessoas e para a defesa das vítimas ou testemunhas. P. 5: Quais as suas sugestões para melhorar o combate a esse crime? R.5: Certamente um trabalho de conjunto mais eficaz e efetivo entre Organizações Governamentais, Não Governamentais e Sociedade Civil pode favorecer o enfrentamento. Durante um dos encontros de formação para multiplicadores promovido pela Rede Um Grito pela Vida, uma das jovens participantes comentou, no final de uma dinâmica, que as redes dos traficantes são sustentadas por uma relação estrita, onde cada um dos integrantes da rede tem a certeza que o outro cumprirá seu papel, enquanto, ao contrário disso, a rede de enfrentamento ao tráfico é marcada por desconfiança, sobretudo por conta da corrupção e envolvimento de pessoas de instituições pública, que atuam na área da segurança pública, na rede do tráfico. Outro ponto fundamental é trabalhar seriamente o eixo da prevenção, sobretudo para contrastar as causas que sustentam o tráfico de pessoas. Isto significa, principalmente, contrastar a corrupção e tudo aquilo que promove a exploração sexual e o consequente aumento da demanda por sexo pago. Claramente, o trabalho preventivo não exclui a necessidade de responsabilizar os traficantes. Aliás, isto é fundamental para fazer crescer nas pessoas, a confiança na justiça e no Estado. Um verdadeiro trabalho preventivo transformador, visa educar e formar as consciências das pessoas, portanto, não pode se limitar a campanhas informativas e explicativas que nos falam de leis e definições de tráfico de pessoas. As campanhas são importantes, mas não podem ser o 58 único meio usado para a prevenção. O tráfico de pessoas nos obriga, pela sua gravidade, a pensar em um trabalho grande que vise à mudança de mentalidade e de estilo de vida. Que todos nós tenhamos a ousadia e a coragem de colocar de novo a VIDA no centro e não o dinheiro. P. 6: Como a Senhora percebe a atuação da imprensa na abordagem a esse tema? R. 6: No meu parecer acho que muitas matérias limitam-se em apresentar a notícia de tráfico, para chamar a atenção do público, sem oferecer instrumentos para uma leitura mais complexa e aprofundada do assunto. P. 7: Como a Sra. está vendo a abordagem ao tráfico de pessoas na novela Salve Jorge? R. 7: A novela Salve Jorge tem o grande mérito de levar ao grande público da Rede Globo este tema, tirando-o da invisibilidade. Pessoalmente não estou assistindo Salve Jorge, mas, pelo pouco que vi, está limitando-se em apresentar o tráfico internacional. Aqui no Brasil temos também pessoas traficadas. P. 8: Quais as atividades que a sua congregação realiza para o enfrentamento ao tráfico de pessoas? R. 8: Eu pertenço à congregação das Irmãs Missionárias Combonianas, que no ano de 2010, durante a assembleia geral, escolheram o enfrentamento ao tráfico de pessoas para fins de exploração sexual comercial como uma das prioridades a serem trabalhadas pelas irmãs. Sendo nossa congregação internacional e presente em quatro continentes, o trabalho vem sendo desenvolvido de forma diversificada, priorizando a prevenção e atendimento às vítimas. No enfrentamento ao tráfico de pessoas, estamos atuando, além do Brasil, na Europa, no Oriente Médio e em alguns países africanos nos quais estamos presentes. Já no Brasil, estou atuando diretamente na Rede Um Grito pela Vida, então responderei a sua pergunta enquanto membro da coordenação nacional desta Rede. A Rede Um Grito pela Vida é a rede de enfrentamento ao trafico 59 de pessoas da Conferência dos Religiosos do Brasil, isto é, uma Entidade que reúne todas as congregações religiosas presentes no Brasil. Constituída em 2007, a Rede está presente em 22 Estados e reúne mais de 100 religiosos(as) que atuam em parceria com organizações não governamentais, organizações governamentais, movimentos sociais e segmentos da sociedade civil organizada ou não, na prevenção ao Tráfico de Pessoas, principalmente para fins de exploração sexual comercial. O trabalho de conjunto e em rede, diante deste crime hediondo, é mais do que uma necessidade, é um imperativo. A Rede Um Grito pela Vida é membro da Talitha-Kum, a rede internacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas da vida consagrada. Nossas atividades: • Sensibilizar e informar, procurando dar maior visibilidade à realidade do tráfico de pessoas, priorizando grupos em situação de vulnerabilidade, lideranças comunitárias, agentes de pastoral, etc.; • Organizar grupos de reflexão e estudo sobre o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual comercial, suas causas e situações que o favorecem, a saber: questão de gênero, modelo de desenvolvimento, construção de grandes empreendimentos, grandes eventos esportivos, aumento da precariedade do trabalho, corrupção, impunidade, etc...; • Formar agentes multiplicadores para ampliar a ação de enfrentamento ao tráfico de pessoas; • Contribuir e promover ações pela definição e efetivação de políticas públicas federais, estaduais e municipais de enfrentamento ao tráfico de pessoas. P. 9: Como a Senhora percebe a participação da sociedade civil nesse enfrentamento? R. 9: A participação da Sociedade Civil é fundamental e necessária, para que o enfrentamento seja eficiente e eficaz. 60 P. 10: A Senhora quer acrescentar algo mais sobre o enfrentamento ao tráfico de mulheres para exploração sexual? R. 10: Sim. Quero chamar a atenção sobre o fato observado em grandes empreendimentos, como a construção do Porto do Pecém, no litoral cearense, ou as usinas hidroelétricas de Santo Antônio e Jirau, em Porto Velho – RO - assim como em grandes eventos, como Copa do Mundo de Futebol e Olimpíadas, que é o aumento da exploração sexual para fins comerciais e o tráfico de pessoas. Como a imprensa vem apresentando estes assuntos? Entrevista com Ermanno Allegri, da Rede Um Grito pela Vida, realizada em 07 de janeiro de 2013. Pergunta 1: Como o Sr. vê a situação do tráfico de mulheres para exploração sexual em Fortaleza e a atuação dos órgão governamentais no seu enfrentamento, especialmente o NETP-CE? Resposta 1: O tráfico de mulheres para exploração sexual, em Fortaleza, é um crime especialmente motivado pela cultura machista local. É necessária uma alteração significativa no modo como o homem brasileiro vê a mulher. Tratá-la como objeto ou como um ser inferior é comum por aqui. Um exemplo disso é o resultado da pesquisa realizada pelo Instituto Sangari sobre homicídios de mulheres, ou feminicídio. Dentre os 84 países relacionados, o Brasil ocupa o 7º lugar. As reportagens que vejo sobre o Brasil, quando vou à Europa, acabam enfatizando esse lado negativo também, do sexo fácil, das mulheres sensuais e mais “fáceis” de lidar, mais dóceis. O olhar do europeu ainda é o do colonizador, do “explorador”. Antes, vinham buscar pau-brasil, depois ouro. Agora é o sexo. Outro fator importante é a falta de leis que tipifiquem o crime e, principalmente, punam os criminosos. A impunidade é um fator motivador. Embora a sociedade civil se coloque fortemente no combate a esse crime, só podemos atuar na prevenção e no apoio às vítimas. Cabe ao Estado exercer o papel repressivo. Estamos aguardando, ainda, a divulgação do II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Governo Federal. Essa demora compromete as ações para o combate ao 61 tráfico de pessoas. É preciso ter leis claras e pessoas muito qualificadas para atuar no enfrentamento ao tráfico. Ainda não identifiquei uma atuação significativa do Posto Avançado de Atendimento a Migrantes no Aeroporto Pinto Martins. As vezes que estive por lá, estava fechado. As entrevistas confirmam a percepção elaborada sobre a pesquisa realizada nas matérias do jornal Diário do Nordeste. Percebemos a importância da “atualidade”, do “factual” como critério de noticiabilidade. Com poucos casos de apreensão de criminosos ou de resgate de mulheres traficadas, o crime não consegue ser tangenciado. A dificuldade de atuação do NETP – Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, também explica o fato de existirem poucas notícias que abordem o tema. É importante perceber, que a reportagem mais profunda sobre o tema, não o teve como motivador. A motivação da jornalista Lina Moscoso foi a de abordar os sonhos das mulheres que saem do país, no entanto, foi o tráfico de mulheres para exploração sexual que se tornou mais evidente. Conforme afirmam Ermanno Allegri e a Irmã Gabriella Bottani, é preciso avançar muito ainda nas ações para o enfrentamento ao tráfico de pessoas. A demora em finalizar o II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Governo Federal compromete o combate a este crime. 62 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS As matérias analisadas me fizeram perceber que a sociedade fortalezense está distante de um problema que ocorre, rotineiramente, em sua cidade. Os órgãos de repressão ao tráfico de pessoas ainda não conseguiram ser efetivos e eficientes. Apesar da existência de um núcleo de enfrentamento que se propõe a divulgar informações sobre o tema e prevenir este crime, não se tem uma resposta mais contundente, até mesmo pela própria capacidade de entendimento da população de Fortaleza sobre esse crime. Vide a entrevista com a coordenadora do NETP, Lívia Azevedo. Os jornalistas vivem de fatos. A notícia é o que “está” acontecendo. Dentro dos critérios de noticiabilidade, o tema do tráfico de mulheres para exploração sexual fica fora do que é usualmente publicado. Se não temos um fato, não temos notícia. Se o fato nos é distante (critério da proximidade), não nos é interessante. Enquanto a coordenadora no NETP afirma ter crescido o número de ligações com o advento da novela Salve Jorge, vemos que a veiculação de matérias sobre o tráfico de pessoas também cresceu. Em outubro de 2011, foram encontradas três notícias sobre o tráfico. Em outubro de 2012, foram sete matéria, sendo cinco delas relativas à novela. O fator “novela”, portanto, fomentou a veiculação de notícias sobre o tema. No caso específico do tráfico de mulheres para exploração sexual em Fortaleza, o caminho parece ainda mais árduo, devido ao contexto da prostituição, que, apesar de não criminalizada legalmente, o é na sociedade, que trata essa parcela da população como criminosa e não como vulnerável. Apesar das dificuldades, é importante observar a atuação do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, bem conduzido por uma mulher, que tende a ser mais sensível às questões que envolvem o feminino. Não menos importante a atuação de uma jornalista, que se propôs a pesquisar esse universo e a elaborar uma matéria condizente com o tema, embora não tenha sido este o seu intuito inicial. Para mim, o incômodo sobre o tema ainda continua. Embora eu esteja ciente de todos os limites vividos pelos jornalistas e empresas de comunicação, na busca pela 63 sustentabilidade num universo extremamente competitivo (informar x entreter), ainda me pergunto qual o papel do comunicador social diante de um tema tão hermético como esse. Assim como aconteceu na Espanha5, aqui poderíamos ter um jornalista investigativo para desvendar essa rede criminosa. Mas, ao lermos o livro de Antonio Salas, “O ano em que trafiquei mulheres”, percebemos o risco de morte que ele corre durante sua investigação. Esse momento, no entanto, é bastante singular. A novela Salve Jorge traz o mote para abordarmos o tema com mais profundidade. Os jornalistas de Fortaleza poderiam aproveitar o evento da novela para elaborar matérias sobre a situação do tráfico de mulheres para exploração sexual, fazendo, inclusive, uma comparação com o que é apresentado em Salve Jorge. Poderíamos ter um maior número de matérias que não fossem ligadas diretamente ao entretenimento, mas à informação de cunho social. Imagino que uma maior proximidade entre os jornalistas e o Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – NETP, seria bastante interessante. Ao mesmo tempo, vejo que uma atuação mais expressiva da Secretaria de Justiça no sentido de reprimir o crime, poderia trazer para a sociedade fortalezense uma maior intimidade com o tema. 5 Antônio Salas, pseudônimo de um jornalista investigativo espanhol, fez-se passar por traficante de mulheres para exploração sexual, durante um ano. Essa experiência está descrita no livro “O ano em que trafiquei mulheres. 64 REFERÊNCIAS AGUIAR, Leonel Azevedo de. Entretenimento: valor-notícia fundamental. 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