Doença e escravidão: Vassouras, 1865-1888 Thiago de Souza dos Reis∗ Resumo: o presente trabalho tem como objetivo realizar o levantamento das principais causas de mortalidade da população escrava da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Vassouras entre os anos de 1865 e 1888. Como conclusões, percebemos que as causas de morte relatadas nas atas de óbitos da freguesia não são tão objetivas, foi recorrente o termo genérico “moléstia interna”. Entre as causas de morte melhor definidas, se destacam as doenças infecto-parasíticas, praticamente para todos os quadros analisados, e entre estas a tuberculose, que foi mais mortal para mulheres do que para homens. Em consonância com a historiografia, concordamos que a dinâmica de mortes por doenças infecto-parasíticas, provavelmente, é decorrente da soma de inúmeros fatores, como a falta de higiene dos locais de habitação, a dieta deficitária em nutrientes essenciais e à carga de trabalho exaustiva. Palavras-Chave: escravidão, mortalidade, Vassouras. Abstract: this work aims to show the main causes of slaving population mortality of Freguesia de Nossa Senhora da Conceição in Vassouras between l865 and l888.We conclude those causes related in the minutes of deaths of that place are not objective ones as it appeared many times the generic term “internal disease”. Among the death causes well better defined are infect-parasitic diseases, in general in all the analyzed situations, being tuberculosis the most deathly of all specially in women. According to historiography we think that lacking of hygienic habits where they live, a poor diet in essential nutrients and heavy work are the principal causes of those diseases. Key Words: slavery, mortality, Vassouras. O presente trabalho tem como objetivo realizar o levantamento das causas de mortalidade da população escrava da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Vassouras entre os anos de 1865 a 1888. Para isso tomamos como fonte para análise o Livro de Óbitos de Captivos da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Vassouras, atualmente alocado no Centro de Documentação Histórica de Vassouras da Fundação Educacional Severino Sombra (CDH – Fusve/USS). A economia do município de Vassouras na época analisada estava voltada para a exportação do café, reflexo do crescimento da lavoura cafeeira ocorrido ao final da primeira metade do século XIX, este baseado na utilização em larga escala da mão-de-obra escrava. (STEIN, 1990) Com relação ao recorte temporal desse trabalho, vale mencionar que Ricardo Salles emprega uma periodização para o desenvolvimento da cultura do café na região de Vassouras, pela ∗ Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. qual denomina o período de tempo espaçado entre os anos de 1866 e 1880 de “grandeza”1 econômica, onde Vassouras experimentou, após seu “apogeu”, um lento declínio na produção de café, este decorrente do envelhecimento das lavouras já estabelecidas, da inexistência de áreas de matas virgens para o plantio de novas mudas e da mudança dos interesses dos grandes proprietários, cada vez mais interessados pela vida na Corte. Contudo, mesmo diante desses percalços e de outros mais, como a crescente busca dos escravos por novos espaços sociais e de direitos, o conjunto da produção de café ainda se mostrava eficiente e lucrativo, principalmente diante da perspectiva, em tempos de proibição do tráfico internacional de escravos, da auto-reprodução natural da população escrava. (SALLES, no prelo: 94-96) A rotina dos escravos na fazenda girava em torno das necessidades da cultura do café. O dia para o escravo iniciava-se antes do amanhecer e terminava horas após o pôr-do-sol. Assim que acordavam recebiam um pouco de café e um pedaço de broa de milho e logo seguiam para a labuta com suas enxadas. (STEIN, 1990: 198) Por volta das 10 horas, havia a parada para o almoço, normalmente um angu feito de farinha de milho. Meia hora de descanso e de novo ao batente. Por volta das 13 horas, nova parada para um rápido lanche, um pouco de café, que podia ser adoçado com melaço de cana-deaçúcar, acrescido às vezes com um pedaço do angu que sobrara do almoço. Na ceia, por volta das 16 horas, novamente angu. (STEIN, 1990: 197-201) Vemos que a dieta do escravo vassourense era baseada em produtos que são fontes de carboidratos, a fim de proporcionar ao cativo a energia necessária para o trabalho no eito. As fontes de vitaminas, as frutas e verduras, não são tão freqüentes, o que pode levar ao aparecimento de inúmeras doenças. Faltam carnes, leite, ovos, enfim, alimentos que forneçam proteínas. Se a dieta dos escravos não era a mais adequada, a higiene e o diagnóstico e tratamento de doenças também não eram os melhores. As senzalas onde os escravos ficavam amontoados, geralmente eram insalubres e mal ventiladas. A medicina no século XIX ainda estava ganhando reconhecimento, e as práticas “médicas” e de higiene eram geralmente baseadas na tradição ou na religião. (STEIN, 1990: 221) Os escravos doentes eram tratados por seus senhores, que geralmente não davam atenção aos primeiros sintomas da doença, preferindo tratar o escravo quando esta já se encontrava devidamente instalada, o que dificultava sua cura. (STEIN, 1990: 223) 1 O termo “grandeza” foi primeiramente utilizado por Robert Slenes em um trabalho no qual problematiza a questão da decadência da cultura cafeeira no Vale do Paraíba nos idos de 1870. Cf SLENES, Robert. Grandeza ou decadência? O Mercado de escravos e a economia cafeeira da província do Rio de Janeiro, 1850-1888. In Iraci del Nero da Costa. História econômica e demográfica. São Paulo: IPE/USP, 1986. 2 Sob tais condições de higiene e de (sub) nutrição, sujeitos ao trabalho fatigante na lavoura do café, os escravos eram alvo de inúmeras doenças, muitas das quais levavam o escravo à morte. Nesse ponto que se insere nosso trabalho, verificando as principais causas de mortalidade decorrentes desse quadro, através de um levantamento estatístico usando as atas de óbitos dos escravos da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição. Contudo, nem todos os assentos do Livro de Óbitos de Captivos trazem o motivo do falecimento dos escravos. Dessa forma, quanto à causa da morte, há uma grande lacuna na grande maioria dos casos assentados, visto que 559 assentos (54,9%) foram redigidos sem a declaração da causa da morte, o que nos leva a relatar resultados menos confiáveis (ver Gráfico I). Dentre as causas mortis relatadas, podemos identificar que a maior ocorrência nos relatos é de causas de morte mal-definidas, que podem ser conseqüência de várias doenças distintas, que muitas vezes por apresentar sintomas parecidos, têm sua identificação dificultada, não sendo possível fazê-lo apenas com aquilo relatado na grande maioria dos assentos. Gráfico I: DISTRIBUIÇÃO DOS ÓBITOS DE ACORDO COM A CITAÇÃO DA CAUSA MORTIS: 1865-1888 1200 1016 Total de assentos 1000 800 559 600 457 400 200 Assentos que não citam a Causa mortis Assentos que citam a Causa mortis 0 Fonte: Livro de Óbitos de Captivos, CDH (Fusve/USS) GRUPOS DE DOENÇAS E DE CAUSAS DE MORTE Mary Karasch, em A vida dos escravos no Rio de Janeiro, desenvolve um esquema em que divide as doenças que causaram a morte dos escravos por ela estudados, em 13 grupos distintos. (KARASCH, 2000: 497-503) Diante da realidade do Livro de Óbitos de Captivos, decidimos utilizar apenas 5 dos 13 grupos pré-estabelecidos por Karasch: I) Doenças Infecto-parasíticas, II) Doenças do Sistema Digestivo, III) Doenças do Sistema Respiratório, IV) Doenças do Sistema Nervoso e Sintomas Neuro-psiquiátricos e V) Doenças do Sistema Circulatório. Visto que as causas de 3 morte dos outros grupos de Karasch não encontram no Livro de Óbitos números expressivos, adicionamos ainda, um sexto grupo, no qual reunimos as doenças da primeira infância e malformações, as mortes violentas e acidentais, as doenças reumáticas e nutricionais e doenças da glândula endócrina, as mortes por gravidez, parto e puerpério e as doenças do sistema geniturinário, que em Vassouras são pouco representativos. A este sexto grupo, convencionamos chamar de “Outras doenças e causas de morte”. Há ainda a necessidade de incluir um sétimo grupo que englobe as causas de morte identificadas, mas mal definidas, que chamaremos de “Causas de morte mal definidas”.2 No geral as causas mortis registradas no Livro de Óbitos de Captivos apresentaram a seguinte divisão: Gráfico II: DISTRIBUIÇÃO DOS ÓBITOS DE ACORDO COM AS CAUSAS MORTIS: 1865-1888 Doenças Infecto-parasíticas 180 162 160 Doenças do Sistema Digestivo 140 120 Doenças do Sistema Respiratório 93 100 Doenças do Sistema Nervoso e Sintomas Neuro-psiquiátricos 80 60 56 25 52 29 Doenças do Sistema Circulatório 40 40 Outras Doenças e Causas de Morte 20 Causas de Morte Mal Definidas 0 Fonte: Livro de Óbitos de Captivos, CDH (Fusve/USS) Aos oito de Janeiro de mil oito centos setenta e oito n’esta Freguezia de N. Senhora da Conceição de Vassouras, na Santa Casa de Mizericordia, falleceu da vida presente, de Phthisica, com todos os Sacramentos, Candida, preta, de vinte oito annos de idade, escrava de D. Lodovina Maria da Silveira; foi encommendada pelo Capellão da mesma Santa Casa e sepultada no Cemitério d’esta Cidade e, para constar, mandei fazer este assento q’ assigno. Por Autorização Pe José Antonio [ilegível]3 Entre os óbitos assentados, identificamos 93 ocorrências (20,3% do total de assentos com o motivo do falecimento assinalado) como “Doenças Infecto-parasíticas”, destes, 44 assentos 2 É importante frisar que estaremos utilizando apenas os 457 assentos que assinalam a causa do falecimento dos escravos. Diante dos outros 559 casos registrados não podemos arriscar qualquer conclusão acerca das causas dos seus falecimentos. 3 Candida foi uma dos poucos escravos que tiveram suas moléstias tratadas na Santa Casa de Vassouras. Outro ponto que chama atenção é o fato dela ter recebido todos os sacramentos antes de sua morte, provavelmente pelo fato da existência de um capelão para assistir os doentes da Santa Casa. 4 são referentes a mortes, como no caso de Cândida, em decorrência da tuberculose,4 ou seja, 9,6% de todos os assentos com as causas mortis registradas e 47,3% dos assentos cujo motivo do falecimento eram Doenças Infecto-parasíticas. Constam desse grupo também outras doenças e causas de morte, não muito incidentes nos relatos das causas do falecimento na população escrava vassourense, como: disenteria, febre amarela, verminoses, febres perniciosas, tétano, varíola, opilação. As “Doenças do Sistema Digestivo”, que representam apenas 5,5% das causas de morte anotadas, têm entre suas representantes uma pequena gama de doenças, mas não há uma que se sobressaia em comparação às demais. Nesse grupo foram registradas doenças como a hepatite, as diarréias, as inflamações de fígado, estômago e intestino, a gastrite e as cólicas. No grupo das doenças do sistema respiratório, se destacam principalmente as pneumonias e as inflamações brônquicas (bronquites e bronquiolites). As demais doenças registradas são as moléstias pulmonares ou do peito, a congestão pulmonar, os ataques de asma e os catarros, entre eles o senil.5 As doenças do sistema nervoso e os sintomas neuro-psiquiátricos acometeram 6,3% dos escravos que tiveram suas causas mortis assinaladas no Livro de Óbitos. Nesse grupo muitos são os nomes que nos levam a crer que o seu principal representante trata-se do acidente vascular cerebral.6 As doenças do sistema circulatório também foram causa da morte de muitos escravos. Doenças como “aneurisma”, “insuficiência mitral”, “estreitamento do orifício ventrical”, “hydropenia orgânica do coração”, “hypertrofia do coração”, “delatação da aorta”, “lesão cardíaca”, “lesão do coração”, “lesão dos centros circulatórios” ou simplesmente “moléstia do coração”, ceifaram 52 vidas. O grupo das outras doenças e causas de morte representa cerca de 8,8% das causas de morte assinaladas, nele encontramos mortes por “parto”, “picadas de cobra”, “anemia”, “lesão por arma de fogo”, “desastre”, “afogamento”, “raio”, “suicídio”, “reumatismo”, “morphea” (lepra), entre outras. Entretanto, o grupo que mais concentra as causas de morte dos escravos que tiveram seus óbitos assentados no Livro de óbitos de Captivos, é o grupo das causas de morte mal 4 Tuberculose propriamente dita e suas variações nominais e gráficas: phtisica, tísica, phtisica pulmonar, tubérculos pulmonares, tubérculos minintéricos, moléstia phtisica. 5 Esse grupo representa 12,3% das doenças registradas. 6 Nomes como “amolecimento cerebral”, “apoplexia”, “apoplexia cerebral”, “apoplexia epiléptica”, “ataque cerebral”, “ataque da cabeça”, “ataques epileptycos”, “congestão cerebral”, “hemorragia cerebral”, “pralizia subseqüente a apoplexia”, entre outros, são descrições muito típicas para a ocorrência de um acidente vascular cerebral. 5 definidas, que engloba 35,7% de todos os motivos da morte assentados. Representativo desse grupo é a “moléstia interna”, que consta de 117 assentos, termo muito genérico para que possamos identificar a real causa da morte do escravo. Esse padrão de causas de morte da população escrava vassourense nos leva a questionarmos os motivos para que as doenças infecto-parasíticas fossem, dentre as causas de morte definidas de maneira cognoscível, as maiores responsáveis pelos óbitos. Esse quadro aponta, provavelmente, para uma dieta deficitária dos cativos somada às condições de higiene das habitações e ao ritmo intenso de trabalho, o que também é defendido por Stein. (STEIN, 1990: 223-224) Dessa forma, grosso modo, poderíamos especular que o organismo dos indivíduos ficasse suscetível à contaminação por agentes externos. Tal contaminação, devido às precárias condições de higiene, era potencializada dentro de um organismo que tem suas defesas naturais enfraquecidas em conseqüência da dieta carente de nutrientes e da falta do descanso necessário à recuperação. OS SEXOS Com relação aos sexos, as principais causas de morte também são aquelas que incluímos no grupo das causas de morte mal definidas, de modo que não é possível identificar a grande maioria dos motivos dos falecimentos em ambos os sexos. Vejamos: Gráfico III: DIVISÃO DOS ÓBITOS POR SEXO DE ACORDO COM OS GRUPOS DE CAUSAS MORTIS: 18651888 6 295 300 275 MASCULINO FEMININO 250 225 200 162 175 150 125 97 100 75 65 56 36 50 25 0 39 41 16 18 7 D. InfectoParasíticas D. Sistema Digestivo D. Sistema Respiratório 13 19 10 D. Sistema Nervoso D. Sistema Circulatório 25 15 Outras Doenças e Causas de Morte Causas de Morte Mal Definidas Total Fonte: Livro de Óbitos de Captivos, CDH (Fusve/USS) Algo que chama a atenção é o fato que ao estudarmos cada grupo em separado (ver Gráficos IV e V) verificamos que a dinâmica observada quando os óbitos estão reunidos num só grupo (ver Gráfico II) se mantém, praticamente inalterada. Assim, para a parte masculina da população escrava, o grupo de causas mortis que mais a afetou, como na população em geral, quando desconsideradas as causas de morte mal definidas, foi o grupo das doenças infecto-parasíticas, e em especial, a tuberculose – que sozinha registrou 23 casos, ou seja, cerca de 41% dos 56 registros do grupo das doenças infecto-parasíticas. Dessa forma, esse grupo de doenças foi responsável pela morte de 19% dos escravos, dentro da amostra observada. Logo após o grupo das doenças infecto-parasíticas, as doenças respiratórias foram a segunda maior causa de morte entre os escravos (13,9%), seguida de perto pelo grupo das doenças do sistema circulatório (13,2%). Gráfico IV: ÓBITOS MASCULINOS DE ACORDO COM OS GRUPOS DE CAUSAS MORTIS: 1865-1888 7 295 300 250 200 150 97 100 56 41 50 0 18 D. InfectoParasíticas D. Sistema Digestivo 39 25 19 D. Sistema Respiratório D. Sistema Nervoso D. Sistema Circulatório Outras Doenças e Causas de Morte Causas de Morte Mal Definidas Total Fonte: Livro de Óbitos de Captivos, CDH (Fusve/USS) Na parte feminina da população escrava, o grupo que mais concentra registros, excluindo o grupo das causas de morte mal definidas com 65 representantes, é o grupo das doenças infecto-parasíticas, com 36 (22,2%) ocorrências registradas. As doenças que acometem o sistema respiratório foram o segundo grupo a mais matar escravas, observadas em 16 assentos (9,9%). O grupo das outras doenças e causas de morte foi responsável pela morte de 15 escravas, aqui temos que considerar 5 mortes por “parto”, uma morte causada por “anemia profunda” (talvez durante ou após uma gravidez) e uma morte em decorrência de uma “moléstia no útero”, complicações pelas quais os homens não passam. Nesses números nos chama atenção a maior mortalidade feminina em decorrência de doenças infecto-parasíticas (22,2%) quando comparados aos números do grupo masculino (19%). Para esse grupo, o exemplo do assento de Candida, pode ser novamente utilizado, pois a principal ocorrência nesse grupo de causas de morte foi a tuberculose, que, no caso feminino, representou 55,6% de todos os registros das doenças infecto-parasíticas. Surpreendentemente esses números nos mostram ainda, que a tuberculose, matando mais da metade das escravas acometidas por doenças infecto-parasíticas, era mais mortal para mulheres escravas do que homens escravos na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição. Gráfico V: ÓBITOS FEMININOS DE ACORDO COM OS GRUPOS DE CAUSAS MORTIS: 1865-1888 8 162 160 140 120 100 80 65 60 36 40 13 16 20 15 10 7 0 D. InfectoParasíticas D. Sistema Digestivo D. Sistema Respiratório D. Sistema Nervoso D. Sistema Circulatório Outras Doenças e Causas de Morte Causas de Morte Mal Definidas Total Fonte: Livro de Óbitos de Captivos, CDH (Fusve/USS) É importante ressaltar que sabemos por outro trabalho que o grupo masculino da população vassourense apresentou taxas de mortalidade proporcionalmente maiores que o grupo feminino. (REIS, 2007) Contudo, quando se tratava da tuberculose, as mulheres pareciam ser as mais prejudicadas. Talvez em decorrência do ritmo de trabalho, geralmente nos mesmos moldes aplicados aos homens, visto que, como comenta Stein, (...) a maioria [dos escravos] colocava a enxada no ombro e, velhos e jovens, homens e mulheres iam para o trabalho, que era o mesmo quase o ano inteiro, a capina, acompanhados por capatazes que puniam a vadiagem. As mães carregavam crianças de peito em pequenas cestas tecidas (jacás) às costas ou carregavam-nas montadas numa de suas ancas. (STEIN, 1990: 198) De certo as mulheres escravas, e mesmo alguns homens, exerciam outras funções, inclusive na própria casa-grande (STEIN, 1990: 201-205), que deveriam ser bem menos penosas que o trabalho no eito. Mas em se tratando do trabalho no cultivo do café, sem dúvida o biótipo feminino não era o mais adequado. E algumas mulheres tinham que somar à figura de trabalhadora braçal a figura de mãe. Pelo comentário de Stein, quando usa o termo “crianças de peito” (STEIN, 1990: 198), faz referência ao ato de amamentar, sabemos que a dieta dos escravos no geral era deficitária, o que dizer quando esse escravo, no caso escrava, tivesse que suprir não só o seu sustento, mas também o de seu filho? Sem dúvida esse momento da vida de uma escrava 9 implicava uma subnutrição ainda mais intensa, o que pode facilitar a complicação de um possível quadro tuberculoso, imbicando no óbito.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS De uma certa maneira, as causas das mortes dos escravos vassourenses não são tão fáceis de serem definidas. Muitos assentos de óbitos traziam “moléstia interna” como causa mortis, o que para nós configura um termo muito amplo que não demonstra o real motivo do falecimento. Contudo, entre as causas de morte melhor definidas, se destacam as doenças infecto-parasíticas, praticamente para todos os quadros analisados, e entre estas a tuberculose, que foi mais mortal para mulheres do que para homens. Essa dinâmica de mortes por doenças infecto-parasíticas, provavelmente, é decorrente da soma de inúmeros fatores, como a falta de higiene dos locais de habitação, a dieta deficitária em nutrientes essenciais e a sobrecarga de trabalho. No caso feminino, somem-se ainda as complicações decorrentes do quadro de subnutrição no período de amamentação. Esse estudo, ainda em fase inicial, deve ser ampliado, inclusive aumentando o número de fontes analisadas. Contudo, as estatísticas já levantadas serão empregadas como marco de novas pesquisas. Devemos ressaltar que o diálogo com o recente trabalho das professoras Ana Maria Leal Almeida e Miridan Britto Falci, A morte escrava em Vassouras, deve ser iniciado, visando o aprofundamento das discussões aqui implementadas (ALMEIDA; FALCI, 2007). REFERÊNCIAS ALMEIDA, Ana Maria Leal; FALCI, Miridan Britto. A morte escrava em Vassouras. Vassouras: [s. n.], 2007. KARASCH, Mary C.. A vida dos escravos no Rio de Janeiro 1808-1850. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. Livro de Óbitos de Captivos da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Vassouras. Centro de Documentação Histórica de Vassouras, Fundação Educacional Severino Sombra, Universidade Severino Sombra. 7 Além desse quadro de sub-nutrição, subsistia o uso, já assinalado, do trabalho feminino nos moldes do trabalho masculino, com a vigilância constante dos capatazes que puniam a vadiagem – entenda-se por vadiagem qualquer ato observado pelo capataz que denotasse indisciplina ou preguiça. (STEIN, 1990: 198) 10 REIS, Thiago de Souza dos. Livro de Óbitos de Captivos da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Vassouras: um estudo demográfico, 1865-1888. Monografia de final de curso. Rio de Janeiro: UNIRIO, mímeo., 2007. SALLES, Ricardo. ... e o Vale era o escravo. Vassouras – século XIX. senhores e cativos no coração do Império. (no prelo) SLENES, Robert. Grandeza ou decadência? O Mercado de escravos e a economia cafeeira da província do Rio de Janeiro, 1850-1888. In Iraci del Nero da Costa. História econômica e demográfica. São Paulo: IPE/USP, 1986. STEIN, Stanley J.. Vassouras: um município brasileiro do café, 1850-1900. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. 11