The Sims 3: processos educativos e o saber de experiência* Paulo César Antonini de Souza – [email protected] Clayton da Silva Carmo – [email protected] Luiz Gonçalves Junior – [email protected] Resumo Este estudo teve como objetivo desvelar os processos educativos desencadeados no e a partir das experiências com o jogo The Sims 3 e sua relação com o “saber de experiência feito”, de Paulo Freire. Os procedimentos metodológicos, inspirados na fenomenologia, se estruturaram a partir de questionário enviado a um grupo de sete participantes de um fórum virtual sobre o jogo. Após a análise dos dados, emergiram três categorias: A) Alvoroço da alma e gentetude, na qual encontramos reflexões que apresentam o prazer estético visual e/ou de criação no jogo, e a associação dessa possibilidade de criação tornando o jogador uma espécie de deus; B) Idealização do mundo na simulação virtual, na qual se referencia um mundo idealizado, lembranças da infância, relações familiares, perspectivas profissionais e experimentação de sonhos não realizados fora do jogo; C) Habilidades para além do jogo, que destaca às habilidades, os processos criativos e as reflexões a respeito de suas experiências com o jogo. Palavras-chave: Processos Educativos; Jogo The Sims 3; Saber de Experiência. Abstract The aim of this study is to unveil the processes triggered in education and from experiences with The Sims 3 and its relationship with the "the knowledge of experience done" by Paulo Freire. The procedures, inspired by phenomenology, is structured from a questionnaire sent to a group of seven participants in a virtual forum on the game. In the analysis of the data, revealed three categories: A) Stir the soul and gentetude, where we find reflections that show the visual aesthetic pleasure and your creation in the game, and the possibility of playing with the power of a god; B) Idealization of the world in the virtual simulation, in which reference to an idealized world, childhood memories, family relationships, career prospects and experimentation of unfulfilled dreams out of the game; C) Skills beyond the game, that highlights the skills, creative processes and reflections on their experiences with and from the game. Keywords: Educational Processes, The Sims 3 Game, Knowledge of Experience. Introdução Ao pensarmos em práticas sociais, que se realizam a partir do contato entre os seres humanos uns com os outros no contexto de suas relações com o mundo, muitas vezes nos escapam as experiências realizadas no plano virtual. Mesmo tratando-se de uma modalidade nova de relacionamento, que envolve dificuldade de acesso para alguns indivíduos e grupos (decorrente de condições sociais, culturais, econômicas e geográficas), e ainda encontrando-se em desenvolvimento tecnológico, existe uma série de possibilidades contempladas nesse universo comunicativo, tais como: troca de mensagens, procura de companhia amorosa ou sexual, informação, estudos e formação acadêmica e diversão. * SOUZA, Paulo C. A. de; CARMO, Clayton da S.; GONÇALVES JUNIOR, Luiz. The Sims 3: processos educativos e o saber de experiência. In: III Seminário de Pesquisas em Práticas Sociais e Processos Educativos: 90 anos do nascimento de Paulo Freire, 2011, São Carlos. Anais... São Carlos: UFSCar, 2011. v.1. p.74-81. Nesse estudo estamos interessados na prática social dos jogos eletrônicos de computador e os processos educativos desencadeados no, e a partir, das experiências com o jogo The Sims 3 em sua relação com o “saber de experiência feito” de Paulo Freire (2008). Abordando essa perspectiva, concordamos com as reflexões de MOITA (2007), para quem os jogos eletrônicos contribuem na formação de identidades e saberes: “Saberes, como resultado da vivência, aprendidos no mundo e pelo mundo, com o outro e nas relações com o outro. Saberes que precedem a escolarização ou, aprendidos de forma simultânea, influenciam-na ou são influenciados por ela” (p.01). No contexto dos jogos eletrônicos, The Sims 3 é a terceira geração de uma franquia criada no ano 2000 por uma indústria estadunidense de entretenimento1. Estruturado a partir da simulação de vidas, o jogo reproduz, virtualmente, situações da vida cotidiana e, desde sua primeira geração, vem aumentando as possibilidades de interação e de personalização de personagens e cenários. A plataforma do jogo possibilita desenvolver o pano de fundo do mundo onde as personagens viverão, abrangendo temas que incluem experiências românticas, trabalho e emprego, bichos de estimação, viagens, arquitetura das residências e das cidades, presença de fantasmas, extraterrestres, vampiros, entre outras2. Apesar da suposta liberdade no jogo, existem limitações que estruturam o mesmo a partir das relações do modo de vida capitalista. Curi (2006) analisou o conteúdo ideológico de vários jogos de videogame, e especificamente sobre o The Sims, aponta que: [...] é fácil perceber em The Sims a representação de uma realidade particular como se fosse universal, um jogo no qual não há, de fato, nada próximo de uma neutralidade ideológica proposta por seu criador, propaganda pelo marketing em torno do jogo é absorvida por diversas publicações especializadas. O consumo é parte fundamental do The Sims. Sua diversão se concentra no consumismo (p.11-12). Essa ideologia disfarçada na pretensa inocência e no aspecto humorístico do The Sims, entretanto, acaba por ser burlada graças à iniciativa de jogadores com experiência em programação, que modificam partes do sistema original e disponibilizam online, para outros usuários, modificações que além de oferecer melhorias no desempenho do jogo, também possibilitam recursos extras com o acréscimo de dotes físicos, remoção da censura quando as personagens estão nuas ou interações que não existem em sua estrutura original. O The Sims 3 não tem um final determinado como outros jogos eletrônicos. As pessoas que o jogam tem por objetivo cuidar de, e controlar, uma ou mais personagens criadas por ela ou 1 Segundo The Market for Computer & Video Games (http://www.mcvuk.com ) e Buzzle.com (http://www.buzzle.com), a franquia The Sims tem desde seu lançamento ao menos um representante da linha entre os dez mais vendidos jogos para computador do mundo. 2 No jogo The Sims (2000) foram criadas 7 expansões; The Sims 2 (2004) apresentou 8 expansões e 9 coleções de objetos. The Sims 3, lançada em 2009, apresenta até o momento 4 coleções de objetos e 3 ferramentas de criação. 75 escolhidas entre as disponíveis no jogo. Essa personagem terá um destino selecionado pelo jogador ou jogadora, com objetivos específicos, cujas situações abrangem desde a escolha dos traços de personalidade, gostos, sonhos e desejos, até a procura de emprego ou profissão; a evolução na carreira; namorar, casar, parir ou adotar e criar filhos, em gerações contínuas de descendência, sendo que nesse contexto são possíveis relações hetero, homo ou bissexuais. Outra característica marcante desse jogo diz respeito à troca de informações e conhecimentos em fóruns online. No caso da linha de jogos The Sims, são sites, fóruns, blogs, comunidades em redes de relacionamento e grupos de discussão, com ou sem restrição de acesso mediante inscrição. No Brasil, a maior comunidade sobre o jogo é o fórum O Sim Br3, criado em março de 2001 por um grupo de jovens e atualmente composto por 178.823 membros registrados, com mais de um milhão de postagens. Neste fórum, além de diálogos sobre o The Sims, há ambiente para comunicação sobre outros jogos e também a área livre para compartilhar links diversos ou “zoar4”. A simulação virtual oferecida no jogo é assunto de diálogo frequente, e não raro são realizadas conversas e debates – que podem ser iniciados por qualquer membro do fórum, a respeito de temas que o jogo The Sims 3 desperta, como preconceito e racismo; sexualidade; trabalho e lazer, publicidade e consumo, cultura e educação. A presença desses temas no diálogo dos e das participantes, nos leva aos conteúdos e interesses da prática social lazer, entre os quais, segundo Schwartz (2003), há o conteúdo virtual, entendido pela autora como fruição de lazer que utiliza tecnologia como as do computador, videogame, televisão, internet. Para Schwartz (2003), a virtualidade do lazer é o sinal de uma nova historicidade humana, caracterizada por re-criações culturais que repercutem dialeticamente entre o inteligível e o sensível: [...] o lazer tem estreita relação com um conjunto de ocupações escolhidas livremente pelo indivíduo, após os envolvimentos profissionais, sociais e familiares, com intuitos diversos de divertimento, recreio e entretenimento, ou para seu desenvolvimento, ou, ainda, no sentido de aprimorar a participação voluntária e sua capacidade criadora (SCHWARTZ, 2003, p.29). De acordo com Schwartz e Campagna (2006) o ambiente virtual está altamente associado ao usufruto do lazer, o que ocorre devido à oferta de oportunidades para a satisfação pessoal, nas quais a intenção de participação tem as mais diversas motivações e cujas escolhas expressam os valores e condições individuais. Assim, para as citadas autoras o mundo virtual: “[...] no contexto específico do lazer, também se abre a oportunidade de ressignificação pessoal, de encontro com o outro e de vivências emocionais capazes de promover a similaridade com o ambiente real” (p.177). Essas experiências ao mundo, realizadas junto a outros seres humanos 3 4 O fórum O Sim Br pode ser visitado acessando o endereço http://www.osimbr.net No fórum existe uma área denominada “Zoação”, frequentada também por membros que não jogam mais. 76 também no campo virtual, implicam no reconhecimento das relações e da diversidade das práticas sociais desenvolvidas e com as quais temos contato ao longo de nossa existência, uma vez que “[...] toda operação no mundo envolve uma certa compreensão dele, um saber acerca do processo de operar, um inventário dos achados mas, sobretudo, a visão dos fins a que ela se propõe” (FREIRE, 2006, p.20-21). Nesse contexto, em acordo com Merleau-Ponty (2007): O que nos importa é precisamente saber o sentido de ser no mundo; a esse propósito nada devemos pressupor, nem a idéia ingênua do ser em si, nem a idéia correlata de um ser de representação, de um ser para a consciência, de um ser para o homem: todas essas são noções que devemos repensar a respeito de nossa experiência no mundo, ao mesmo tempo que pensamos o ser no mundo (p.18). Na perspectiva de nossas relações sendo-uns-com-os-outros-no-mundo, destacamos a movimentação ontocriadora (FREIRE, 2008), onde o desenvolvimento dos sentidos, a percepção e a criatividade nos convidam a olhar de nova maneira para as experiências humanas, sua intencionalidade e os valores estéticos que possibilitam sua realização. É o conjunto desses saberes, constituídos pela proximidade em maior ou menor grau, com o jogar The Sims 3, que nos movimentou em busca de compreensões a respeito dos significados que se ordenam no contexto dessa prática social. Procedimentos metodológicos Essa pesquisa, inspirada na fenomenologia (MERLEAU-PONTY, 2006), foi realizada com sete participantes do fórum online O Sim Br contatados por meio de mensagens privadas dentro do ambiente do fórum. Após sua adesão à pesquisa, enviamos por e-mail um formulário para identificação; o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; orientações a respeito da intenção da pesquisa e quatro questões: 1) Fale sobre o jogo The Sims 3; 2) Ao jogar o The Sims 3, qual seu interesse? Como você joga? Quando? Quanto tempo?; 3) O que você aprende ou ensina com o jogo The Sims 3?; 4) O que significa jogar The Sims 3? Participaram da pesquisa duas mulheres e cinco homens, com idades variando entre 16 e 59 anos, identificados/as neste estudo por pseudônimos a fim de preservar suas identidades. Dessa forma, temos como participantes: Samuel; Ale; Castle; DoContra; Jonathan; Luisa Soares e Lolo. Após leituras dos questionários e análise fenomenológica (MARTINS; BICUDO, 2005), emergiram três categorias cujos dados são apresentados conforme sua escrita original. Apresentação dos Dados A) Alvoroço da alma e gentetude A boniteza apresentada por Freire ao longo de sua obra nos oferece a possibilidade de refletir sobre a existência estética dos seres humanos. É por meio da sensibilidade, estimulada 77 por nossas percepções frente a situações, imagens, movimentos ou sons, que escolhemos a constituição de nossa vida com os outros. Para Freire (2008) é graças ao “alvoroço da alma”, contraditório, pois se manifesta mediante nossas diferenças culturais; inconclusão; às relações de nossas experiências e, às escolhas éticas que realizamos na surpresa constante da descoberta do mundo que constituímos nossa humanidade, e, no re-fazer; re-criar e re-dizer que estrutura nosso ser no mundo desenvolvemos nossa sensibilidade: “Acho que uma das melhores coisas que podemos experimentar na vida, homem ou mulher, é a boniteza de nossas relações. Mesmo que, de vez em quando, salpicadas de descompassos que simplesmente comprovem a nossa ‘gentetude’” (FREIRE, 2008, p.64). Nessa categoria, encontramos reflexões que apresentam o prazer estético no contato visual com o jogo, e a possibilidade de criação dessa característica. No entanto, vemos a associação dessa possibilidade de criação, direcionada para o poder do jogador em relação às personagens e seu destino, como uma espécie de deus: Quando comecei a jogar o The Sims 3, fiquei de queixo caído. O jogo é fantástico. A possibilidade da vizinhança aberta, a personalização nos modos Compra e Construção e as ferramentas para criar Sims foi o que mais me surpreendeu. (JONATHAN; 1A5) [...] como a vida de um sim é curta, tento ao máximo aproveitá-la e fazer quantas realizações eu conseguir, e levando isso para “o mundo real”, tento aproveitar cada segundo que me é dado (LUISA SOARES, 4A). O sistema de traços também permitiu atribuir características mais objetivas aos personagens e deixá-los extremamente únicos [...]. Outra característica que me deixou empolgado foi a ferramenta Criar-Um-Estilo. Com ela, o jogador pode criar várias estampas com várias cores diferentes para os objetos, tinturas de paredes, escadas, cercas, portas, janelas, portões [...] Tudo o que o jogador imagina em termos de cores e padrões, pode ser concretizado no jogo (SAMUEL; 2A) [...] nos últimos dias [o meu interesse] tem se voltado para a construção de mundos, como chamam as cidades do jogo, mas também me interesso em fazer vídeos e na simulação descompromissada. Passo até três horas construindo casas e modelando o terreno. Considero que isso funciona como uma modelagem de argila, [...] porque o resultado é perceptível e contemplado como qualquer outra criação, apesar de que se trata de uma construção virtual em que não posso sentir o cheiro, a textura ou a dureza. (SAMUEL; 4A) Jogar o the sims significa para mim, ser naquele momento a dona do mundo, literalmente pois sou eu quem comanda diversas vidas. Sou uma especie de deus e toda a cidade se reflete como eu gostaria que fosse a vida (LOLO; 5A) E o melhor, ser “deus” de um pequeno mundo. (CASTLE, 9) [...] então bem, o jogo não é somente um jogo, mas sim um pedaço do que eu sou e vivi (ALE, 6A). B) Idealização do mundo na simulação virtual Segundo Freire (1991), homens e mulheres se realizam no mundo, condicionados por valorações socioculturais que experienciam e que podem ser orientadoras de ideologias. Independente de classe social ou grupo de origem é essa valoração, encarnada, e cuja continuidade se sustenta no senso comum, a responsável pela mitificação das relações humanas 5 Os excertos apresentados identificam entre parênteses, o nome do sujeito seguido da unidade de significado onde se encontra a asserção e a letra correspondente à categoria. 78 com os entes de nossa existência. A superação dessa condição na qual o senso comum nos move pede a crítica consciente desse movimento para que possamos nos compreender e compreender o mundo. Nesse sentido, encontramos na fala dos e das participantes da pesquisa, referências a um mundo idealizado livre de tensões; à experiências relacionadas com lembranças da infância; à relações familiares; perspectivas profissionais e à experimentação de sonhos ainda não realizados fora do jogo: “[...] o primeiro passo para mudar o mundo é sonhar com um mundo melhor. [...] é uma espécie de mundo perfeito onde nada é levado na maldade, não há malícia, não é insinuações, o jogo é totalmente inocente e puro, honesto, e nos proporciona grandes momentos na tela de um computador” (ALE; 4B); “[...] gosto de jogar com uma família (normalmente um casal) criada por mim, numa casa simples, com pouco dinheiro sem códigos. Gosto de vê-los crescer, subir em suas carreiras, aprimorar e completar os desafios das habilidades, ter filhos, envelhecer, ver as gerações seguintes” (CASTLE; 3B); “Significa um tempo para me divertir, sair um pouco da minha realidade e voltar um pouco à infância e ‘brincar de casinha’” (LUISA SOARES; 5B); Gosto de fazer famílias grandes, com muitos filhos [...] Jogo focando meu Sim a se dar bem no trabalho ao mesmo tempo em que precisa cuidar dos filhos [...] participar na educação dos filhos, ajudando na lição de casa, indo aos recitais na escola ou matriculando-os em internatos. (2B) [...] Significa fugir desse mundo louco em que vivemos e poder fazer coisas que, de um modo geral, não podemos fazer (DOCONTRA; 5A). Jonathan, refletindo sobre as “celebridades” que fazem parte do The Sims 3, destaca que: “[...] por mais que aparente, a vida daquela pessoa popular, ou daquela pessoa que você na rua ou no ônibus não é tão maravilhosa. Todos temos problemas e devemos aprender a superálos, sem esquecer de se divertir nas horas vagas” (JONATHAN; 3B) C) Habilidades para além do jogo As pessoas tem a capacidade de abstrair e pensar a respeito de alguma coisa independente da escolarização. Existe, entretanto, um limite temporal e espacial pelo qual o ser humano organiza sua capacidade de abstração e sua forma de construção do conhecimento, cuja compreensão pede uma análise de seu estar-no-mundo. Para Freire (1991), o saber de experiência que permite ao menino tocar um samba com caixa de fósforos, desenhar um gato fora de padrões convencionais ou ressignificar os códigos visuais que conhece no intuito de aprender a ler e a escrever, são sinais dessas inquietações, que a curiosidade estimula e que move o ser humano em suas práticas sociais. 79 No sentido dessas inquietações, trazemos para essa categoria, o destaque dado pelos/as participantes da pesquisa às habilidades que desenvolvem; os processos criativos que realizam; e as reflexões a respeito de suas experiências virtuais, que influenciam seu ser no mundo por meio da prática de jogar The Sims 3 e de outras, estimuladas no contato com o jogo: É viver a melhor fase da minha vida, a fase em que conheci muitas pessoas... cujo algumas se foram e outras ainda estão, é aprender muitas coisas novas, [...] novas culturas, [...] pessoas [...]. O jogo me abriu grandes possibilidades, graças a ele eu aprendi a falar inglês sozinho (ALE, 5C). Com The Sims 3 eu aprendi muita coisa relacionada à informática. O jogo me instigou a querer saber mais sobre hardware, sistemas operacionais, manipulação de objetos 3D, edição de imagens... Aprimorei também a minha escrita [...] O The Sims 3 possui uma forte comunidade de jogadores. Participo de fóruns que tenho que seguir regras. Submeter-me as regras para uma convivência harmoniosa (SAMUEL, 5C); [...] é mais que uma diversão, é um dos momentos em que manifesto a minha criatividade, seja imagiando histórias e escrevendo-as, criando mundos, objetos, construções e pessoas virtuais ou até mesmo vídeos (SAMUEL, 7C). [...] uma ferramenta ótima para minha irmã (vestibulanda, futura arquiteta), (CASTLE, C6); The Sims 3 possibilitou amizades com outros jogadores, possibilitou um romance passado. (CASTLE, 8C). Aprendi que posso ser feliz, pois o jogo me tirou de um estado de depressão para uma vida mais completa. Aprendi também que existem outros interesses, e com isso ele me levou a diversificar mais minha vida. Agora tenho outras atividades que me fazem feliz e não somente o jogo como era no o principio (LOLO, 4C). Encontramos nessa categoria, uma divergência: “[...] a mim o jogo realmente não ensina muita coisa, não o vejo como uma enciclopédia” (CASTLE, 3Cd). Considerações Para Freire (2008) “Ler o mundo é um ato anterior à leitura da palavra. O ensino da leitura e da escrita da palavra a que falte o exercício crítico da leitura e da releitura do mundo é, científica, política e pedagogicamente, capenga” (p.79). A construção dos conhecimentos; a experimentação vivenciadas pelos/as jogadores/as no The Sims 3 e compartilhada no fórum online, tem início em sua curiosidade no contato com o jogo de computador, e estimula processos educativos e criativos que se manifestam pelo humor, característica que aliada à prática dialógica, segundo Freire (1986) também auxilia no desvendamento da realidade. Na construção dos significados que emergem do saber de experiência, tendo por parâmetro o jogo The Sims 3, trazemos a compreensão de Moita (2007) a respeito das contribuições que os jogos eletrônicos podem oferecer à Educação: “As cores, as imagens e o movimento exercem fascínio, e os jovens ficam horas e horas com sua atenção capturada, rendidos ao seu encanto, modelando suas subjetividades, adquirindo saberes e transformando-os em um currículo mais poderoso que o escolar” (p. 13-14), porém concordamos com Curi (2006) nos cuidados da leitura que se faz dos jogos e em sua instrumentalização: “[...] é importante um acompanhamento mais próximo do que acontece nesses jogos, quais são seus elementos, suas 80 estruturas e suas origens, que tipo de ideologia está por trás e quais são os interesses ali envolvidos” (p.3). A construção do conhecimento é histórica, hierárquica e tende a um “a favor de quem e contra quem”, por isso o conhecimento deve ser analisado considerando quem o estruturou, para quem, quando, como e por que, em uma análise que pede a participação de todas as pessoas envolvidas. Por essa razão, compreendemos que o caráter pedagógico do jogo The Sims 3 não está em sua instrumentalização, e sim na coerência entre os valores ali destacados e sua utilização no contexto de quem os destaca, como nos diz Samuel: “Acho que a principal coisa que posso ensinar com o The Sims 3 é que é possível aprender se divertindo” (6C). A coerência é uma exigência constante, não apenas como estrutura das ações do ser, mas também no sentido das transformações que a Educação é capaz de trazer para todos nós. Nesse sentido, Freire nos fala sobre a superação do saber de experiência feito por uma construção conjunta do ato de ensinar e aprender, pensado autenticamente e em respeito ao outro e às tramas de nossa e de sua existência, pois as ações que escolhemos frente à Educação passam por questões que estruturam tanto nossas escolhas (éticas) quanto os modos (estéticos) dessas escolhas. Sendo ao mundo. Referências CURI, Fabiano A. Uma proposta para a leitura crítica dos videogames. Comunicação e Educação, ano XI, n.2, p.1-14, 2006. Disponível em: <http://revcom.portcom.intercom.org.br/index.php/Comedu/article/viewFile/5855/5200>. Acesso em: 18 set. 2011. FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991. ______. À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho d’Água, 2006. ______. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 15ªed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008. MARTINS, Joel; BICUDO, Maria A. V. 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