Edna Maria de OLIVEIRA
Haroldo BRUNO
ABSTRACT: The aim of this paper is to make a comparison between the character
"lucrecia" in ad vrbe condita libri, by tito livio and the character "bertoleza"in the
novel "0 corti~o", by alufsio de azevedo, focusing on the woman condition in the two
literatureperiods they are part of
KEY WORDS: Discourse; Classical Litterature: Brazilian Literature.
Este trabalho tem como tema principal a condi~ao feminina, que serAanalisada em
duas obras. A primeira, 0 EpisOdiode Lucrkill inserido no Ab Vrb. Condita Librl, de
Tito Uvio, do seculo I a.C., e 0 romance 0 Corllfo, de Aluisio de Azevedo dos finais
do secuIo XIX.
Atraves da compar~ao das obras tentaremos mostrar as re1~oesbist6ricas, sociais
e os aspectos morais existentes entre as personagens de TIto Uvio e de Aluisio de
Azevedo, visto que a arte e supra realidade, nao tem tempo e esp~o. A arte e atemporal
por isso da-nos a condi~liode trazer 0 texto de TIto Uvio para os finais do seculo XIX,
permitindo tra~ar urn paralelo entre sua pezsonagem Lucr6cia e uma pezsonagem desse
seculo que muito a eta se assemelha: Bertoleza, de Aluisio de Azevedo.
E importante notar que a seme1han~ se tU em mvel de essencia pois em nivel de
aparencia ambas do realmente diferentes. Lucrecia e wna nobre patricia, ao passo que
Bertoleza e uma escrava; isso gera diferen~as considtrlveis pois ambas ocupam espa~os
distintos. Lucrecia vive em urna casa de nobre patricia, Bertoleza vive em um cOmodo
apertado e simples. A visao de mundo que Lucrecia tem e, portanto, diferente da visao
de mundo de Bertoleza. Ainda que nao em grande profundidade, Lucrecia e mais
consciente do seu meio, ou seja, conhece as regras de sua sociedade; Bertoleza apenas
trabalha, diae noite. Sua consciencia social e precaria, 0 que a torna ingenua diante da
manipula~lio que sofre.
Apesar dessas diferen~as consideraveis entre as personagens, podemos notar, em
nivel profundo, pontos de contato importantes entre elas: ambas sofrem, em sua
condi~ao de mulher, urna domina~a:oque colocara termo as suas vidas.
Vamos atentar para esses pontos, considerando apenas as rel~oes de semelhanya
entre ambas, uma vez que siio essas que ficam mais presentes na leitura das obras.
Tratemos primeiramente de Lucrecia. Em urn banquete entre amigos seu marido
revela a sua superioridade em relayiio as outras mulheres:
Estando eles bebendo na casa de Sexto Tarquinio. onde tambem ceava Colatino
Tarquinio. /ilho de Egerio. fez-se uma alusao casual a suas mulheres.' cada um
enaltecia as suas com palilVras maravilhosas. Depois com a conversa jd calorada.
Colatino a/irma nao ser necessario discutir, pais, em poucas horas seria poss(vel
saber a quanto sua Lucrecia era superior as outras: ... (op. cit., p. 57).
Partem entio os homens para comprov~iio
casa dela, leireconheceram uma mulher ao tear:
de tal verdade. Quando
chegaram a
encontraram uma Lucrecia em nada igual as naras do rei as quais eles tinham
visto passando a tempo com mulheres da mesma idade em banquetes luxuosos; ja
noite avan~ada, Lucrecia estava sentada ao tear; entregue a luz da lampada. (op.
cit., p. 57).
a
Poucos dias depois deste fato Sexto Tarquinio volta casa de Lucrecia ardendo
em paino. Foi bem recebido por ela que ignorava suas inten~oes.
Porem, depois que todos adormecem. ele segue ate seu quarto, com uma espada,
ameacando-a de morte e desonra se niio ceder aos seus desejos. A{ entio Lucrecia, com
medo de ver sua reputaelio arruinada. cede. Tal fato a deixa desesperada. Manda entiio
chamar 0 pai, 0 marido e um amigo tieL A frente deles revela 0 acontecido, tomando
entiio uma faca e cravando-a no peito diz:
Que vos tenhais visto 0 que ele merece! Embora eu me isente de culpa, nao me
desobrigo da puni~ao. De hoje em diante, pelo exemplo de Lucrecia, niJo viverd
sem honra mulher alguma" A jaca que tratia escondida sob as vestes, erava no
cor~ao e rendendo-se ao jerimento caiu agonizante.
Bertoleza e escrava, sendo manipulada por loao Romiio que, jazendo uso de uma
jaba carta de alforria, a submete a uma condi~ao de servidiJo plena. quer dizer, ela
serve tanto para lavar, passar, cozinhar, sendo alim disso caixeira e amante. Essa
condi¢o de Bertoleza[rca clara no texto seguinte:
Bertoleza representava agora ao lado de loao Romiio 0 papel tr(pUcede caixeira,
de' criada e de amante. Mourejava a valer, mas de cara alegre. as quatro da
madrugada estavajd najaina de todos os dias, aviando 0 cafe para os fregueses e
depois preparando a almo~o para os trabalhadores de uma pedreira que havia
para alim de um grande capinzal aos fundos da venda. Varria a casa, cozinhava,
vendia ao balcao na tabema quando 0 amigo andava ocupado 14 por fora, fazia a
sua quitanda durante 0 dia no intervalo de outros servi~os, e a noite passava-se
para a pona da venda e, defronte de umfogareiro de barro,fritavafigOOo efrigia
sardinhas que RomiIo ia pela manhii, em mangas de camisa, de tamancos e sem
meias comprar a praia do Peixe. Eo demOnio da mulher ainda encontrava tempo
para lavar e consenar alim da sua roupa, a roupa do seu homem, que esta, valha
a verdade, nao passava em todo mes de alguns pares de cal~a de zuane e outras
tantas camisas de riscado. (op. cu., p.2U3).
Sabemos que a inteneao de Joao Romao sempre foi a ascensao social, assim
Bertoleza serviu-Ihe de meio a este objetivo. Rico, Joao Romao nao mais precisa de
Bertoleza que se torna, entao, urn "peso" do qual deseja livrar-se a qualquer custo.
Assim procura os seus legitimos "don os" para entrega-Ia a eles. No momenta em
que Bertoleza os va chegar, entende rapidamente 0 que a espera e imediatamente rasga
o ventre com uma faca:
Os policiais, vendo que ela-se niIo despachava, desembainharam os sabres.
A negra imt5vel,cercada de escamas de peixe, com uma das miIos espalmada
no chao e com a outra segurando a faca de cozinha, olhou ate"ada para eles,
sem pestanejar.
Benoleza entao, entao erguendo-se com {mpeto de anta bravia, recuou de um
saIto, e antes que alguem conseguisse alca~tf-la, jtf de urn de um s6 golpe
ceneiro efundo rasgara 0 ventre de 1000 a /ado." (op. cit.., p.254).
Notemos agora os pontos comuns entre essas duas mulheres:
- ambas vivem em espaco reduzido: 0 lar.
- A Bertoleza lhe e negado todo direito a palavra e a Lucrecia the
mas 0 autor faz da personagem urna porta-voz sua.
ambas sofrem exploraeao dos homens.
ambas favorecem a ascensao social de seus ''homens:'
- ao [mal ambas se anulam em virtude desses mesmos homens.
- as duas praticam suicidio.
e concedido,
Lucrecia, no seu espaeo, representa aparentemente a que detem 0 poder (e nobre)
mas, na ess8ncia, ela e vitima da dominacao e submissao masculina. Bertoleza, no seu
espaeo, representa 0 negro que se va livre da "escravidiio"; do mesmo modo que
Lucrecia nao tern voz pr6pria no romance [e sabemos que a fala assegura a
individualidade do homem; sem a fala, 0 homem nao tem identidade, anula-se].
Atraves da comparacao que tentamos fazer, apesar das distineoes que separam
Bertoleza de Lucrecia, foi possivel petceber que, mesmo depois de tanto tempo Ga na
virada do seculo) a mulher continuou desacreditada e "sem voz".
13 claro que nao podernos negar que houve progresso mas 0 que realmente nao
podernos omitir e que urn progresso nao irnplica obrigatoriamente 0 firn almejado e a
mulher, claro esta, nao atingiu, ate fins do seculo dezenove, uma posiCao digna na
sociedade. Isso esta clararnente registrado nas obras literarias aqui estudadas.
Assim, podernos dizer que a literatura cumpre um papel social e atraves dela
podemos compreender a hist6ria de nosso tempo e as questoes que ainda hoje se
colocam. 0 estudo do passado, assim realizado, e de grande auxfiio it compreensao dos
problemas humanos. A literatura como Ycrossfmil permite-nos, por aproximacao da
rcalidade, pcnsar 0 mundo, aprofundando nossa consciencia e ampliando nossa
sel1sihilidiide. 0 escritor organiza a materia flc:cional a partir de sua visao de mundo:
,ISSi!!, c: Ljll:: do historiador
ao poeta h:i uma diferen(,:a de graus: da representai;:iil dll
rc'did:l(l,. J:HJa como "verdade" a recria~'~ (111 reeriac6es dessa mesma verdactc h~ urn
_,':' (,,':1:n110 em que a rccriacao da vcn1ilde e sua representa<;ao se som;un na
, ii;Pfccn:;;lo de que e 0 homem que rOVOli L'SSC univcrso.
RESUMO: 0 presente trabalho /az lima compara~ao entre a personangem
"Lucrecia"de Ad Vrbe Condita libri. de Tito Llvio e a personagem "Benoleza" do
romance 0 Coni~o de Alu{sio de Azevedo, en/ocanda a condi{:iio das mulheres nos
perfodos literarios do qual fazem pane.
PALAVRAS-CHA VES: discurso; Literatura Classica: Literatura Brasileira.
PEREIRA, Maria Helena da Rocha. Estudos de Hist6ria da OJltura Classica. Fund~
lisboa,1982.
Calouste Gulbekian,
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Edna Maria de OLIVEIRA Haroldo BRUNO ABSTRACT: The aim of