Vol. 9 - No. 2 ISSN 1678-4057 - Vol. 9, No. 2 - Jul/Dez 2010 ADVOCACIA DA CONCORRÊNCIA EM ATIVIDADES DE NORMALIZAÇÃO NO BRASIL Carmen Diva Beltrão Monteiro Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental REGULAÇÃO ECONÔMICA POR AGÊNCIAS ESTATAIS, ANÁLISE DAS TRANSAÇÕES E ESTIMAÇÃO DOS SEUS CUSTOS Trajano Quinhões UMA BREVE REVISÃO SOBRE O ESTADO-NOVÍSSIMOMOVIMENTO-SOCIAL, PROPOSTO POR BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS E O ESTADO SOCIAL-LIBERAL DE LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA Virginia Romualdo dos Santos PROCESSO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL – INSTRUMENTO PARA EFETIVAÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL? Luna Bouzada Flores Viana UMA ANÁLISE DOS PRINCIPAIS EFEITOS DA LEI Nº 11.890, DE 24 DE DEZEMBRO DE 2008, SOBRE A CARREIRA DE ESPECIALISTA EM POLÍTICAS PÚBLICAS E GESTÃO GOVERNAMENTAL Ruyter de Faria Martins Filho Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS ESPECIALISTAS EM POLÍTICAS PÚBLICAS E GESTÃO GOVERNAMENTAL Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental uma carreira a serviço da cidadania Diretor Presidente: Roberto Seara Machado Pojo Rego Diretor Vice-Presidente: Rodrigo Zerbone Loureiro Diretor Administrativo-Financeiro: Rodrigo Ribeiro Novaes Diretor de Assuntos Jurídicos: João Guilherme Lima Granja Xavier da Silva Diretor de Comunicação e Divulgação: Trajano Augustus Tavares Quilhões Diretora Sócio-Cultural: Helenilka Pereira Barboza da Luz Diretor de Assuntos Profissionais: Arthur Phillipe Pinto e Silva Diretor de Assuntos Parlamentares: Lauseani Santoni Diretor de Estudos e Pesquisas: Jean Paraíso Alves CONSELHO FISCAL: Amarildo Baesso, Pedro Antônio Bertone Ataide, Lígia Aparecida de Arruda Camargo Lacerda CONSELHO DE ÉTICA: Alessandro Ferreira dos Passos e Igor da Costa Arsky Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental : Res Pvblica / Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental. – Ano 1, n.1 (set. 2002)- . – Brasília : ANESP, 2002- . Semestral ISSN 1678-4057 1. Administração Pública – Periódicos. 2. Gestão Governamental – Periódicos. 3. Politica Pública – Periódicos. I. Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental. II. Título: ResPvblica. CDD 350.005 CDU 35 (05) Editor: Jean Paraiso Alves - Comissão Editorial: Carolina Gabas Stuchi, Eduardo Granha, Elisabeth Sousa Cagliari Hernandes, Kenys Menezes Machado, Gisele Gomes da Silva, Lamartine Braga, Juliana A. N. Suzuki, Leila Giandoni Ollaik, Márcia Muchagata, Roberto Domingos Taufick Projeto Gráfico: Wagner Alves /Anagraphia BR - Foto capa: Patrick Grosner Diagramação e Produção: Acqua Design - Revisão: Eveline de Assis Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Endereço: SBN, Quadra 2, Bloco F, Ed. Via Capital, Sala 309/310 - CEP: 70.040-911 - Brasília/DF. FONES: (61) 3323 2397 / 3321 3898 / FAX: (61) 3322 4049. E-mail: [email protected] / Site: www.anesp.org.br 1.000 exemplares - circulação dirigida RES PVBLICA é uma publicação semestral da Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental - ANESP. O conteúdo dos artigos publicados não necessariamente expressa a opinião da ANESP. Página 3 Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Sumário 5 Editorial 7 Advocacia da Concorrência em Atividades de Normalização no Brasil Carmen Diva Beltrão Monteiro 27 Regulação Econômica por Agências Estatais, Análise das Transações e Estimação dos seus Custos Trajano Quinhões 45 Uma Breve Revisão sobre o Estado-novíssimo-movimento-social, proposto por Boaventura de Sousa Santos e o Estado socialliberal de Luiz Carlos Bresser Pereira Virginia Romualdo dos Santos 63 Processo de Licenciamento Ambiental – instrumento para efetivação da justiça social? Luna Bouzada Flores Viana 83 Uma Análise dos Principais Efeitos da Lei nº 11.890, de 24 de dezembro de 2008, sobre a Carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental Ruyter de Faria Martins Filho Página 5 Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Editorial Os cinco artigos selecionados para esta edição tratam de temas fundamentais para a gestão de políticas públicas. O artigo “Advocacia da Concorrência em Atividades de Normalização no Brasil”, de Carmem Diva Beltrão Monteiro, tem como objetivo fazer uma breve descrição do Sistema Brasileiro de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (SINMETRO), bem como apresentar exemplos selecionados de advocacia da concorrência no âmbito das atividades de normalização no Brasil. Para tanto, está dividido em cinco partes: a introdução do tema; alguns aspectos inerentes à interface entre normalização e concorrência; a estrutura do sistema de normalização brasileiro; uma breve apresentação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) e exemplos da atuação da Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), um de seus órgãos integrantes, no âmbito da advocacia da concorrência em atividades de normalização; a quinta seção encerra o texto à guisa de conclusão. Em “Regulação Econômica por Agências Estatais, Análise das Transações e Estimação dos seus Custos”, Trajano Quinhões realiza uma aplicação da abordagem dos custos de transação (TCA) e do novo institucionalismo econômico sobre a regulação econômica da provisão de serviços públicos no Brasil. Um dos objetivos do artigo é explicitar a existência e a relevância dos custos de transação existentes na regulação econômica governamental da prestação de serviços públicos. A principal contribuição do artigo é a apresentação de um modelo teórico que pode ser aplicado em diferentes mercados para a análise das características das transações realizadas e para uma avaliação da forma de governança que poderia ser mais adequada àquelas características e que proporcionaria os menores custos de transação. Virgínia Romualdo dos Santos, no artigo “Uma Breve Revisão sobre o Estado-novíssimo-movimento-social, proposto por Boaventura de Sousa Santos e o Estado socialliberal de Luiz Carlos Bresser Pereira”, analisa dois modelos de Estado: o Estado-novíssimo-movimento-social e o Estado social-liberal. De acordo com a autora, a proposta socialliberal consideraria que o Estado deve adotar mecanismos gerenciais, se descentralizar, separar a formulação da execução de políticas públicas, criar agências executivas e permitir que o terceiro setor execute atividades não exclusivas do Estado. No Estado-novíssimo-movimento-social, o Estado seria apenas um integrante no espaço público onde atores estatais, não estatais e população organizada interagem e discutem sobre as maneiras de se promover o interesse público. O texto de Luna Bouzada Flores Viana, “Processo de Licenciamento Ambiental – instrumento para efetivação da justiça social?”, propõe uma reflexão sobre os limites e possibilidades do processo de licenciamento enquanto instrumento para melhor distribuição dos recursos e reconhecimento de populações até então “invisíveis” para as políticas públicas. A autora utilizando como base as literaturas da corrente liberal e a da “política da diferença”, discute em que medida a elaboração do estudo de impacto ambiental e as condicionantes ambientais contribuem para o exercício do conceito de justiça. Nesse contexto, o licenciamento do Projeto de Integração da Bacia do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional ou a chamada “Transposição do Rio São Francisco” é utilizado como referencial empírico para a análise proposta. O artigo de Ruyter de Faria Martins Filho, “Uma Análise dos Principais Efeitos da Lei nº 11.890, de 24 de dezembro de 2008, sobre a carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental”, identifica as principais alterações introduzidas pela Lei nº 11.890/2008, bem como avalia os seus efeitos sobre a carreira de Especialista em Políticas Publicas e Gestão Governamental. Trata-se, portanto, de um instrumento para realizar projeções e simulações sobre como os limites quantitativos por classe estabelecidos na nova Lei tenderão a afetar as promoções dos integrantes da carreira nos próximos anos. O instrumento de projeções poderá ser facilmente aplicado às demais carreiras abrangidas na Lei em foco, bastando aplicar seus dados e premissas específicos. Boa Leitura! Página 7 Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Advocacia da Concorrência em Atividades de Normalização no Brasil Por Carmen Diva Beltrão Monteiro O estabelecimento de padrões técnicos para produtos e serviços, geralmente referido como atividade de normalização, embora comumente usado em todo o mundo para aumentar a qualidade do produto e a segurança dos consumidores, igualmente enseja problemas de concorrência, porque tanto pode excluir ou discriminar tecnologias e/ou produtos quanto ser utilizado incorretamente, ou mesmo ter seu uso desviado pelos mesmos concorrentes que definiram as regras-padrão, e assim, portanto, restringir a concorrência. Este trabalho tem como objetivo abordar alguns aspectos dessa interface, mediante breve descrição do Sistema Brasileiro de Metrologia Normalização e Qualidade Industrial (SINMETRO) e apresentação de exemplos selecionados de advocacia da concorrência no âmbito das atividades de normalização no Brasil. Para tanto, dividir-se-á em cinco partes, sendo a primeira a introdução do tema. A segunda seção destaca alguns aspectos inerentes à interface entre normalização e concorrência. A terceira seção apresenta a estrutura do sistema de normalização brasileiro, descrevendo o SINMETRO e focalizando seus principais órgãos. Uma breve apresentação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) e exemplos da atuação da Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), um de seus órgãos integrantes, no âmbito da advocacia da concorrência em atividades de normalização são exibidos na quarta seção. Finalmente, a quinta seção encerra o texto à guisa de conclusão. Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Advocacia da Concorrência em Atividades de Normalização no Brasil INTRODUÇÃO Muitos países têm instituições formalmente responsáveis pela atividade de normalização. Entretanto, apenas em poucas jurisdições as autoridades de concorrência têm realmente se envolvido com o processo de criação de normas-padrão, seja incidentalmente, quando da abordagem de casos antitruste, ou no âmbito de suas atividades de advocacia1. Por outro lado, muitas autoridades têm lidado com as normas em ambientes menos formais, abordando questões de concorrência importantes nos mais diversos setores, como por exemplo, siderurgia, alimentos ou mesmo em regras relacionadas com o exercício profissional. A mera aplicação da lei da concorrência não parece lidar adequadamente com essa questão, sugerindo, nesse contexto, que a advocacia da concorrência alcançaria melhores resultados. Cientes disso, as autoridades de concorrência brasileiras tentam aumentar o grau de harmonização das normas-padrão mediante intervenções ex-ante e ex-post às atividades de normalização2, tendo em vista os danos potencial e efetivo embutidos nos efeitos anticoncorrenciais de uma norma. CONCORRÊNCIA E NORMALIZAÇÃO O fenômeno da concorrência é contemporâneo da atividade mercantil, existindo, assim, desde a antiguidade. Contudo, a moderna acepção da regulamentação da concorrência – e, portanto, do comportamento dos agentes econômicos –, como instrumento de implementação de políticas públicas, somente surgiu a partir da crise de 1929, quando o Estado, que já se fazia presente no contexto econômico, foi chamado a desempenhar a nova função de direção da economia3. Atualmente, em um ambiente competitivo, caracterizado por transformações tão céleres quanto imprevisíveis, as legislações de defesa de concorrência – ou legislações antitruste – adquiriram contornos institucionais diversos. Tais arranjos adaptam-se não apenas às especificidades de cada país, como também instrumentalizam o Estado (poder público) em sua atuação no sentido de fomentar a participação social, estimular a organização e a qualificação da cadeia produtiva e sustentar o padrão acumulativo baseado no (8) aumento da eficiência e melhoria da qualidade dos serviços4. Nesse cenário, a atividade de normalização emerge como uma oportunidade para a promoção da concorrência. A normalização – ou estabelecimento de padrões técnicos – é o processo de determinação de um conjunto de regras comuns de um bem ou serviço. Normas abrangem uma vasta gama de atividades, tais como as descritas a seguir5: • Padrões de qualidade – definem as características aceitáveis do produto relacionadas a desempenho, segurança ou eficiência (por exemplo, padrões de emissão de poluentes); • Padrões de informação – produzem informações para a distribuição aos consumidores (por exemplo, informação nutricional em alimentos); • Padrões de uniformidade – reduzem a “proliferação” de categorias de produtos, visando à otimização da variedade, ao mesmo tempo em que aumentam as economias de escala na produção (por exemplo, padronização de tamanhos do recipiente); • Padrões de interoperabilidade – asseguram que os produtos relacionados irão interagir um com o outro (por exemplo, padrões de cabos USB); • Conduta profissional e padrões de certificação – normas que se aplicam ao modo como os profissionais ou empresas operam (por exemplo, restrições à publicidade de uma profissão). Atualmente, a prática do processo de normalização no mundo envolve6: a colaboração da indústria de modo geral ou a dedicação de entidades normalizadoras ou organizações ad hoc; regras processuais relativas à admissão, entrada, processo de elaboração da norma e voto7; divulgação de regras de propriedade intelectual, exigência de licenciamento justo, razoável e não discriminatório (mecanismo FRAND8); divulgação ex-ante do valor máximo de royalty; trade-off entre qualidade e preço; padrões de desempenho versus padrões de especificação; e atualizações periódicas. O Quadro 1 sintetiza os benefícios e potenciais danos, para os mercados, que podem advir das atividades de normalização9. Por outro lado, os mal-entendidos mais comuns sobre a normalização incluem11: (a) as normas são desenvolvidas Atualmente, em um ambiente competitivo, caracterizado por transformações tão céleres quanto imprevisíveis, as legislações de defesa de concorrência – ou legislações antitruste – adquiriram contornos institucionais diversos. para o benefício exclusivo dos fabricantes e titulares de direitos de propriedade intelectual (visto que visam igualmente à proteção e segurança do consumidor); (b) as atividades de regulamentação de padrões devem ser analisadas a partir de uma perspectiva ex-post; (c) as normas não competem pela aceitação do mercado e tornam-se instantaneamente um êxito; (d) as disputas de padrões produzem resultados de mercado subótimos (na verdade, o mercado pode se beneficiar da concorrência entre as normas); (e) as normas têm uma longa vida útil; e (f) as entidades normalizadoras devem envolver todas as partes que manifestarem interesse (embora a participação das partes interessadas enseje a diversidade no provimento de argumentos e informações, favorecendo a possibilidade de uma decisão mais justa e equilibrada12, a restrição de membros também pode ser eficiente e prócompetitiva, uma vez que um grupo relativamente pequeno pode funcionar mais eficazmente do que um superinclusivo). Conquanto, em se considerando a imensa quantidade de normas existentes no mundo, relativamente poucos problemas antitruste tenham ocorrido13, é forçoso reconhecer que a atividade de normalização é propensa a comportamentos anticoncorrenciais14 que não devem ser desprezados, vez que as normas, não raras vezes, são Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Advocacia da Concorrência em Atividades de Normalização no Brasil (10) definidas por grupos que incluem não somente reais como potenciais concorrentes. As normas podem ter o efeito de exclusão de tecnologias não escolhidas, proporcionar vantagens de custo para determinadas tecnologias, resultar em pagamentos de um competidor para a tecnologia concorrente ou, finalmente, influenciar significativamente os preços pagos pelos consumidores, bem como a variedade de produtos disponíveis. De modo geral, pode-se dizer que são importantes as contribuições de partes interessadas no processo de normalização. Entretanto, o excessivo envolvimento de compradores pode resultar em escolhas erradas de tecnologia15. Exemplos16 de casos recentes mostram que empresas ocasionalmente “sequestram” ou “capturam” o processo de normalização mediante o forte incentivo à promoção de uma tecnologia para as entidades normalizadoras, cujos membros acreditam que será acessível sem custo. Posteriormente, as mesmas empresas patenteiam elementos-chave da padronização a fim de lucrar com a cobrança de royalties. Por outro lado, com o fito de evitar a captura, órgãos normalizadores podem ser instados a anunciar preços para diferentes tecnologias antes do estabelecimento de normas; contudo, tais anúncios e decisões neles baseadas podem representar riscos de conluio e fixação de preços. Do exposto deflui uma série de aspectos, no contexto da normalização, que não podem ser descurados pelas autoridades de concorrência. Por exemplo, quais são os potenciais benefícios e prejuízos, para determinado ambiente competitivo, de uma atividade de normalização? Como podem ser mitigados os danos? Até que ponto o governo deve estar envolvido em supervisionar o processo de normalização? Nesta última questão, há certa polêmica: de um lado, a interferência do governo é fundamental nas atividades das entidades normalizadoras17, haja vista a necessidade de definição de limites quanto aos tipos de discussões que são aceitáveis (ou não) no âmbito de tais entidades, ou de prevenção de comportamentos que tenham o efeito de exclusão de determinadas tecnologias ou concorrentes. Entretanto18, alguns acreditam que a intervenção governamental na definição de normas embute um risco elevado de congelamento da inovação, discriminação de modelos de negócio específicos e prejuízos à eficácia do processo de normalização em si. Assim, defendem que tal intervenção Quadro 1 – Benefícios e prejuízos decorrentes da normalização Benefícios Prejuízos • Facilitação de criação de mercados (para produtos que requerem • Facilitação da exclusão de fornecedores potenciais (via coordenação e investimento entre diversas empresas/produtos “manipulação” de uma norma para excluir produtos concorrentes de qualidade); para alcançar um desenvolvimento tecnológico, e.g. HDTV); • Possibilidade de coordenação de preços elevados por • Obtenção de economias de escala e de externalidades para o usuário (chamadas de externalidades de rede: interoperabilidade, associações profissionais (ex: estabelecimento de regras “éticas” interconexão, compartilhamento/difusão de softwares/ informação que proíbem a solicitação de outros profissionais pelos clientes); etc.); • Escolha de um padrão que não maximize o bem-estar social • Facilitação de entrada no mercado (ex: normas para alimentos (erro comumente baseado em informação imperfeita); orgânicos que asseguram a distinção de tais alimentos dos demais); • Escolha de um padrão por meio de artifício ou informações incompletas (ex: patent ambush1); • Aumento de incentivos às empresas para inovar e investir; • Redução de custos de informação e prevenção de erros por parte do consumidor. Fonte: OCDE Possibilidade de impactos assimétricos nos custos.. somente seja autorizada em casos excepcionais e sob circunstâncias estrita e claramente definidas. Celeumas à parte, os questionamentos mencionados, a par de outros nessa linha, não prescindem de cuidadosa consideração, dada a amplitude de seus desdobramentos. Outra não foi a razão de tais indagações estarem no cerne de mesa redonda sobre o assunto, promovida no último encontro do Grupo de Trabalho de Competição e Regulação (WP2) da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ocorrido no mês de junho do corrente ano, o qual contou com as contribuições de 19 (dezenove) países ou entidades expondo diversos matizes e situações práticas enfrentadas pelas suas jurisdições nesse âmbito. Basicamente, pode-se sintetizar as questões de concorrências oriundas de atividades de normalização em três grupos: (i) questões de concorrência originadas diretamente das normas, respeitantes tanto ao processo de criação de padrões quanto à sua implementação; (ii) questões de concorrência associadas à estrutura institucional das organizações normalizadoras nos países; e (iii) questões de concorrência originadas indiretamente da existência de um padrão e associadas com o ambiente cooperativo que este cria. Nas três vertentes é possível vislumbrar espaços para a intervenção governamental, a despeito da necessidade de definição dos limites dessa ingerência. O SISTEMA BRASILEIRO DE NORMALIZAÇÃO19 Sinmetro O Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (SINMETRO) foi instituído pela Lei nº 5.966/1973, envolvendo organizações públicas e privadas com o intuito de realizar atividades relacionadas à metrologia, normalização, qualidade industrial e avaliação da conformidade. A estrutura do SINMETRO é mostrada na Figura 1. As alterações da sociedade brasileira na década de 1990 – vale dizer, a consolidação do sistema político e democrático sob a égide da Constituição Federal de 1988 –, bem como da economia do país (processo de abertura de mercado, a inserção no comércio global e o comércio crescente no âmbito do MERCOSUL20) realçaram a necessidade de harmonização das normas nacionais com as internacionais. Como resultado disso, o SINMETRO foi reestruturado e o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP) foi criado com o objetivo de melhorar a qualidade dos produtos, processos e serviços na indústria, comércio e administração federal. Atualmente, o SINMETRO está envolvido em muitas atividades do PBQP. As principais entidades públicas do sistema são o Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (CONMETRO) e o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO), ambos ligados ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Advocacia da Concorrência em Atividades de Normalização no Brasil e Comércio Exterior (MDIC)21. O CONMETRO e o INMETRO são, respectivamente, o órgão normativo central e o órgão executivo do SINMETRO. O sistema também inclui as agências estaduais que formam a Rede Brasileira de Metrologia Legal e Qualidade-INMETRO (RBMLQ-I), (ou Rede IPEM, formada pelos órgãos metrológicos estaduais conhecidos como Institutos de Pesos e Medidas). A participação privada no SINMETRO é assegurada por intermédio de dois tipos de organizações: de um lado, o grupo formado por diversas instituições de inspeção, acreditação e testes, e de outro lado, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que será focalizada posteriormente. Fonte: MDIC e ABNT. Figura 1 – Sistema Brasileiro de Normalização Conmetro e Inmetro (12) O CONMETRO é um colegiado misto, constituído por representantes dos principais agentes econômicos públicos e privados envolvidos na área de metrologia, normalização e avaliação da conformidade22. A competência do CONMETRO23 é desenvolver, coordenar e supervisionar a política nacional de normalização, avaliação da conformidade, metrologia e qualidade industrial, assegurar a uniformidade de medidas no território nacional, promover atividades de normalização voluntária no Brasil, estabelecer regulamentos técnicos para materiais e produtos industriais, estabelecer critérios e procedimentos para a certificação de produtos industriais e para as sanções eventualmente aplicáveis às violações dos seus regulamentos e coordenar a participação brasileira em atividades internacionais relacionadas ao SINMETRO. O CONMETRO estabelece as diretrizes para o funcionamento do INMETRO que, a seu turno, atua como secretaria executiva do CONMETRO e de todos os seus comitês técnicos. O INMETRO, com prévia autorização do CONMETRO, poderá credenciar entidades públicas ou privadas para a realização das atividades de sua competência. Entre as atividades do INMETRO destacamse aquelas relativas à metrologia (científica, industrial e legal) e tarefas de avaliação da conformidade, além de sua atuação como representante do Brasil em vários fóruns internacionais24. O SINMETRO, por intermédio do INMETRO, é o guardião dos padrões nacionais de medidas. A sede do INMETRO, no Rio de Janeiro, também comporta em suas instalações laboratórios de avaliação de normas básicas de metrologia (nas áreas de acústica e vibrações mecânicas, química, térmica, óptica e elétrica). O INMETRO delega algumas avaliações metrológicas de normas a outros laboratórios sob sua supervisão25. Outras instituições poderão aderir a esse sistema à medida que desenvolvam padrões de medição reconhecidos em áreas específicas. No domínio da metrologia legal, o INMETRO age por meio da RBMLQ-I, que é seu braço executivo em todo o território brasileiro, sendo composta por 26 órgãos metrológicos regionais26. O INMETRO também realiza ações de acreditação (credenciamento) e supervisão de outras instituições do SINMETRO, além de controlar a verificação da qualidade dos produtos e serviços no mercado, por meio de amostragem de atividades, a fim de melhorar a competitividade e proteger o consumidor. Em relação à regulamentação técnica federal, testes de qualidade são realizados pela rede estadual IPEM para garantir a harmonização com os requisitos de certificação obrigatória. Os resultados desse processo (experiência e conhecimentos adquiridos) são aproveitados pelo SINMETRO como feedback para futuras correções, regulamentações, revisões e melhorias do sistema. A estrutura organizacional do INMETRO é regida pelo Decreto nº 6.275/2007, que estabeleceu que a Coordenação-Geral de Credenciamento (CGCRE) é a principal unidade organizacional que tem a plena responsabilidade e autoridade sobre todos os aspectos relativos à acreditação, incluindo as decisões sobre credenciamento. O INMETRO é também a autoridade brasileira de monitoramento no que tange à observância dos princípios de boas práticas de laboratório (princípios de BPL), reconhecendo laboratórios que realizam estudos e testes com a finalidade de avaliação dos riscos ambientais e à saúde humana para o registro de agrotóxicos, produtos químicos industriais e outras substâncias químicas27. ABNT A ABNT, criada em 1940, é uma organização privada, sem fins lucrativos (financiada principalmente por meio de contribuições de membros e de vendas de publicações), envolvida na elaboração de normas nacionais. Em 1992, a Resolução CONMETRO nº 7 declarou a ABNT como o único Fórum Nacional de Normalização, sendo responsável, mediante um termo de compromisso, pela coordenação e gestão do processo de normalização do Brasil, bem como pela elaboração e publicação de todas as normas técnicas nacionais. Esse compromisso estabelece não só a participação aberta e voluntária de todas as partes interessadas na definição da norma, mas também que as decisões devem ser fundamentadas em consenso. Se o governo federal decide regulamentar um produto ou serviço que necessita de uma padronização para a regulamentação técnica, a política do SINMETRO é a de dar prioridade às normas da ABNT, em vez de desenvolver seu próprio conjunto de requisitos técnicos. Por sua vez, a ABNT recomenda que as comissões brasileiras e os organismos de normalização setorial utilizem as normas internacionais como referência para os padrões brasileiros28. A ABNT representa o Brasil em relevantes fóruns internacionais e regionais29. Ademais, age como um organismo de certificação, atividade em que atua desde 1950. Sua expertise na área, portanto, já permitiu o desenvolvimento de diversos programas voltados para as necessidades das empresas brasileiras. A ABNT elabora e gerencia marcas de conformidade juntamente com as normas – voluntárias ou compulsórias – aplicadas na certificação do produto. A ABNT é uma entidade de Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Advocacia da Concorrência em Atividades de Normalização no Brasil registro e acreditação para certificar sistemas de qualidade, sistemas de gestão ambiental e vários produtos. As normas brasileiras são desenvolvidas por intermédio de comissões técnicas da própria ABNT ou de órgãos de normalização setorial (ONS), por ela credenciados. Nenhuma outra organização brasileira desenvolve padrões30. O processo de normalização pode se originar a partir de uma demanda da sociedade, do setor privado ou das entidades reguladoras. Após a análise de relevância, o pedido ou é levado ao comitê técnico setorial para inclusão no Plano de Normalização Setorial (PNS) ou enviado para a Comissão de Estudo Especial (CEE). Em ambos os casos, a divulgação é assegurada pela ABNT, a fim de permitir que todas as partes interessadas participem. A CEE discute e elabora o projeto de norma com o consenso dos membros31. O próximo passo é submeter a proposta à consulta pública durante um período determinado32, a fim de se obter opiniões da sociedade (fundamentadas em justificativas técnicas) sobre a aprovação ou reprovação do padrão. No final do prazo, a CEE reúne-se novamente, convidando todos os que enviaram sugestões para analisar os documentos recebidos. Eles deliberam se o projeto será aprovado – caso em que receberá o selo e o número ABNT NBR – ou modificado, o que significa que tem de ser submetido novamente à consulta pública como um segundo projeto. Ainda, se não houver consenso sobre a aprovação, a CEE pode solicitar à ABNT para cancelar o projeto ou prosseguir a sua discussão. CASOS SELECIONADOS (14) O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), regido pela Lei nº 8.884/1994, é composto pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça, pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça33. Como um membro do SBDC, a competência da SEAE abrange não apenas as atividades de controle de estruturas de mercado (fusões e aquisições) e repressão a condutas anticompetitivas34, como também lhe assegura um papel importante na advocacia da concorrência. De fato, para promover o funcionamento adequado do mercado, a SEAE pode manifestar-se, de ofício ou se provocada, acerca de quaisquer instrumentos normativos ou legais que afetem as condições de concorrência, conforme previsto no artigo 27, inciso VII, alínea ‘e’, do Anexo I, do Decreto nº 7.301/201035. Assim, tal manifestação inclui a análise ex-ante (preventiva) ou a posteriori (repressiva)36 de quaisquer regulamentos técnicos que possam danificar o ambiente de competição, entre os quais se inserem, dado o seu dano potencial ou efetivo, as normas técnicas de padronização. Nesse contexto, os casos selecionados, a seguir discutidos, realçam a interação entre a normalização voluntária e a intervenção das autoridades de concorrência brasileiras no sentido de evitar práticas desleais ou nocivas à ordem econômica. 7480 não seguiria as características das principais normas internacionais, introduzindo assim as barreiras técnicas. Quanto à inclusão da classe CA-40, a SEAE concluiu, após análise, que haveria desvantagens para a indústria nacional, porque: (i) o seu alegado predomínio no mercado internacional não foi verificado; (ii) a sua utilização estaria em oposição às tendências da melhor prática internacional para projetos de concreto armado; (iii) o seu uso poderia criar o risco de desabamento devido ao precário dimensionamento do aço utilizado em construções populares, vez que os usuários menos qualificados estavam acostumados a usar a classe CA-50 e não a CA-40, que tem uma tensão limite de escoamento 20% inferior à primeira; (iv) o seu uso iria resultar no aumento dos custos de produção, estoque e distribuição em toda a cadeia de abastecimento40, diminuindo a 37 Vergalhões eficiência do setor e, consequentemente, aumentando o preço do produto final; e (v) a sua utilização não mudaria Em 2006, a SEAE participou, no âmbito de comissão o ambiente competitivo, porque a contestabilidade do técnica da ABNT, da revisão da Norma Técnica ABNT NBR mercado interno via importações já estava assegurada 7480:1996 (doravante NBR 7480), que versa sobre barras com a classe de aço CA-50, que era abundantemente e fios de aço destinados a armaduras para concreto fornecida do exterior. armado – produtos também conhecidos como A SEAE verificou também que a marcação obrigatória vergalhões. para os vergalhões não originava barreiras às importações, A decisão de participar dessa revisão deveu-se uma vez que tal exigência normativa não inovara em principalmente aos seguintes fatores: (i) o alto grau de relação a outras normas nacionais e internacionais concentração da indústria (havia apenas três produtores congêneres. Além disso, os procedimentos de avaliação da nacionais na época); (ii) os antecedentes de aumento dos conformidade, exigidos pela Portaria INMETRO nº 210/ preços e comportamentos anticoncorrenciais no 2005, em nada inovavam se comparados aos requisitos previstos na norma ISO41, não constituindo, portanto, até mercado; e (iii) a importância do produto como insumo para a construção civil, um setor industrial de base da onde se conseguiu verificar, uma barreira técnica. economia. Do mesmo modo, esses fatores também O parecer da SEAE foi levado em conta durante as contribuíram para o produto ser incluído, em 2006, na discussões. O projeto de norma NBR 7480 foi submetido à Lista de Exceções à Tarifa Externa Comum (TEC), com tarifa consulta pública e, em seguida, tornou-se a ABNT NBR de 0%. Na verdade, o pedido inicial para a redução do 7480:2007. imposto de importação fora feito em 2005 e negado, na ocasião, devido à existência de barreiras técnicas, o que Cimento42 tornaria a redução inócua. Entre as mencionadas barreiras técnicas, encontrar-se-iam, alegadamente, algumas Em 2005 e 2006, a SEAE participou da revisão da restrições impostas pela NBR 7480. Norma Técnica ABNT NBR 12655:1995 (doravante NBR Na comissão, o debate incidiu sobre três questões 12655), que estabelece critérios para a elaboração, levantadas por consumidores de aço: (a) a inclusão da controle e recebimento de concreto. classe de aço CA-4038, presumivelmente mais comum no No Brasil, a indústria do cimento vem sofrendo um mercado global e mais fácil de importar do que a classe processo de reestruturação desde o final dos anos 1990. CA-50, usada no Brasil39; (b) a certificação compulsória de Houve um aumento no grau de concentração e vergalhões seria uma barreira à importação; e (c) a NBR integração vertical, bem como um aumento da quota de Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Advocacia da Concorrência em Atividades de Normalização no Brasil grupos estrangeiros no mercado. No que tange à verticalização, a tendência para a compra de concreteiras (fornecedores de concreto) por grandes grupos cimenteiros revelou a estratégia destes no sentido de expandir suas atividades nos estágios superiores da cadeia produtiva, que têm maior valor agregado. Na época, dos dez grupos da indústria de cimento no Brasil, apenas um não tinha atuação no mercado de concreto. Diante desse quadro, a SEAE decidiu participar da revisão da NBR 12655 na comissão técnica da ABNT. Ao contrário da vigente NBR 12655, em que uma definição expressa de concreto não foi dada, mas estava implicitamente entendida ao fazer referência a outras normas43, o projeto de norma em discussão introduzia uma nova definição de concreto, como segue: 3.1.1 Concreto de cimento Portland: material formado pela mistura homogênea de cimento, agregados miúdo e graúdo e água, com ou sem a incorporação de componentes minoritários (aditivos químicos, metacaulim ou sílica ativa), que desenvolve suas propriedades pelo endurecimento da pasta de cimento (cimento e água). Para efeitos desta Norma, o termo “concreto” refere-se sempre a “concreto de cimento Portland”. (16) Curiosamente, apenas os agregados e componentes minoritários (referindo-se a aditivos químicos e minerais) foram mencionados na definição do projeto de norma. Assim, tal definição sutilmente eliminou a possibilidade de se fazer adições minerais diretamente ao concreto (uma vez que não foi mencionado), o que significa que elas só poderiam ser feitas pela indústria do cimento44. Não obstante, de acordo com a norma em vigor da época, as adições poderiam ser feitas tanto pelas cimenteiras (na fabricação do cimento) quanto pelas concreteiras. Além disso, estas últimas podiam comprar cimentos com diferentes dosagens de aditivos e complementá-las durante a produção do concreto, de acordo com a preferência de seus clientes. Destarte, na hipótese de aprovação do projeto de norma, embora tecnicamente o produto final – concreto – não tivesse alterações, o mesmo não aconteceria com as condições de concorrência no mercado, pois impediria a flexibilidade das concreteiras, deixando-as em uma situação de total dependência dos fornecedores de cimento. Em outras palavras, empresas independentes de concreto (que não pertencem a grupos que também produzem cimento) perderiam competitividade para as concreteiras verticalmente integradas. Além disso, os fornecedores de escória de alto forno, cinzas volantes e outros materiais também perderiam um canal de venda para seus produtos (para adições no cimento ou concreto), pois só poderiam, a partir da nova norma, vender para as cimenteiras (em vez de para ambos os fornecedores de cimento e concreto). Durante a consulta pública relacionada a este projeto de norma, em janeiro de 2006, a SEAE manifestou-se pela sua não aprovação, sugerindo, em alternativa, a proposta de normas que não vedassem a possibilidade de adições pelas concreteiras, mas que introduzissem mecanismos de verificação que preservassem a qualidade dessas adições. No entanto, apesar da recomendação da SEAE, o projeto de norma foi aprovado em julho de 2006. Os benefícios sociais decorrentes da existência de normas que permitem que produtos complementares ou componentes de diferentes fabricantes sejam combinados ou utilizados em conjunto incluem o aumento da escolha e conveniência do consumidor, bem como a redução de custos. Cabos de Aço45 Em 2007, a SEAE acompanhou as reuniões de revisão da Norma Técnica NBR ABNT 6327:2004 (doravante NBR 6327), que versa sobre cabos de aço para uso geral. A decisão de acompanhar os trabalhos de revisão da referida norma deveu-se, mormente, aos seguintes motivos: (i) o alto grau de concentração do setor (havia apenas dois produtores nacionais na ocasião); e (ii) a importância do produto como insumo para a indústria em geral. O início de tal acompanhamento, entretanto, somente se deu no final do ciclo de revisão da norma. Ocorreu que o processo de revisão foi interrompido, visto que a ABNT propôs, por meio da publicação de edital, o cancelamento de diversas normas, entre as quais a NBR 6327, com a justificativa a seguir: Existe Norma Internacional sobre o assunto (ISO 2408:2004 – [Steel Wire Ropes for General Purposes – Minimum Requirement]), aprovada pelo Brasil, o que coloca a Norma Brasileira em desacordo com o Código de Boas Práticas do Acordo de Barreiras Técnicas ao Comércio da Organização Mundial do Comércio (OMC) e com o ABNT ISO Guia 59 – Código de Boas Práticas para Normalização. (Edital nº 05:2007, Período de 23 de abril de 2007 a 21 de maio de 2007). A SEAE cotejou as normas NBR 6327 e ISO 2408:2004 e constatou que, de fato, as duas normas se distinguiam em diversos aspectos, principalmente no que diz respeito à introdução, pela NBR 6327, de conceitos de construção que não existiam em outras normas internacionais, como a própria ISO 240846, estando, por conseguinte, em desacordo com os tratados de assimilação das normas ISO. Em consequência, a Secretaria manifestou-se a favor da sugestão de cancelamento da norma ABNT 6327 e da adoção da Norma ISO 2408 em substituição àquela (o que ocorreu posteriormente), além de recomendar a instauração de um grupo de trabalho, no âmbito da ABNT, para a criação de normas específicas de uso de cabos de aço, visando minimizar os riscos de sua utilização indevida em determinadas atividades47. CONCLUSÃO O processo de normalização, levando em conta os diferentes tipos de normas existentes, é extraordinariamente complexo. Não resta dúvida de que a padronização de serviços e produtos mediante a atividade de normalização representa uma oportunidade para a concorrência florescer. Os benefícios sociais decorrentes da existência de normas que permitem que produtos complementares ou componentes de diferentes fabricantes sejam combinados ou utilizados em conjunto Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Advocacia da Concorrência em Atividades de Normalização no Brasil (18) incluem o aumento da escolha e conveniência do consumidor, bem como a redução de custos. Em verdade, em mercados em que os benefícios ao consumidor são especialmente importantes48, a inovação e diferenciação de produtos decorrem não apenas da interoperabilidade e compatibilidade de dispositivos, mas também da padronização que, por conseguinte, torna-se essencial para a competição em tais setores. No entanto, faz-se mister reconhecer, ao mesmo tempo, que a definição de normas de modo geral e em particular as normas de elaboração voluntária representam um risco em termos de violações antitruste, pois podem facilitar a colusão e outras condutas danosas ao ambiente concorrencial. Nesse contexto, os benefícios de se permitir que as empresas discutam as normas entre si, ou potencialmente, em conjunto com o governo, são substanciais49. Assim, parece razoável que os decisores políticos, ao intervir, adotem a presunção relativa de que o estabelecimento de normas é uma atividade legítima, que cria benefícios econômicos consideráveis para os consumidores e para a sociedade como um todo. Outrossim, importa lembrar que, acaso medidas governamentais sejam tomadas, especialmente em mercados de alta tecnologia, normas de uma jurisdição podem converter-se, de fato ou efetivamente, em regras internacionais, causando implicações de extraterritorialidade como resultado da aplicação da política de concorrência. Destarte, torna-se fundamental garantir que regras inconsistentes não prosperem em diferentes partes do mundo. De acordo com a OCDE, a avaliação de conformidade também levanta relevantes e ignoradas questões de política de concorrência50. Embora projetadas para assegurar que os produtos atendam a um padrão, as políticas de avaliação da conformidade merecem revisão, especialmente quando os governos exigem avaliações duplicadas que são essencialmente equivalentes, ou quando os governos ou entidades normalizadoras limitam o número de avaliadores, de forma a restringir o número de fornecedores das avaliações de conformidade para um determinado padrão, conduzindo, assim, a preços elevados para a certificação. Destarte, a instituição recomenda que pode ser útil para os governos: (a) considerar com cautela a instituição generalizada de obrigações para o processo de definição de normas, levando em conta o contexto internacional de muitas normas; (b) avaliar qualquer decisão de intervir em disputas específicas na arena de normalização; e (c) estabelecer quaisquer princípios gerais para identificar e punir condutas ilegais com antecedência, considerando que a busca de melhores normas técnicas é uma atividade que muitas vezes se beneficia da ação conjunta dos concorrentes potenciais. No Brasil, a recente reestruturação do SINMETRO e a necessidade do estabelecimento de normas de padronização nacional em consonância com as normas internacionais têm o duplo objetivo de aumentar a competitividade dos produtos brasileiros e proteger o consumidor. Nesse contexto, a atividade de criação de normalização voluntária enseja preocupações, por parte das autoridades de concorrência, para que não seja discriminatória e não limite a livre concorrência. Embora os mecanismos repressivos do SBDC possam corrigir os inconvenientes oriundos da atividade de normalização, através da análise de condutas anticompetitivas no âmbito da Lei nº 8.884/1994, tornouse claro que atividades adicionais de advocacia da concorrência, sejam feitas ex-ante e/ou ex-post às atividades de normalização51, também são importantes no sentido de prevenir ou interromper os seus efeitos anticoncorrenciais. No entanto, ainda assim, tal intervenção das autoridades da concorrência não deve ser vista como forma de alcançar, necessariamente, os resultados esperados, vez que, dada a complexidade inerente ao processo, esforços para mitigar danos potenciais podem ter efeitos imprevistos. Como mostram os casos particulares abordados neste artigo, a adequação das competências técnicas para casos específicos deve ser continuamente melhorada, a fim de buscar melhores resultados. . REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRANCHES, Sérgio Henrique Hudson de. Reforma regulatória: conceitos, experiências e recomendações. Revista do Serviço Público, Brasília, a. 50, n. 2, Abr./Jun. 1999, p. 19-50. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). Sítio oficial. Disponível em < www.abnt.org.br>. Acesso em: 18 maio 2010. BRASIL. Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO).Sítio oficial. Disponível em <www.inmetro.gov.br>. Acesso em: 18 maio 2010. _______. Decreto nº 1.422, de 20 de março de 1995. Dispõe sobre a composição e o funcionamento do Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro). Diário Oficial da República Federativa do Brasil (D.O.U.), Brasília, DF, 21 mar. 1995. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 18 maio 2010. _______. Decreto nº 6.275, de 28 de novembro de 2007. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil (D.O.U.), Brasília, DF, 29 nov. 2007. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 18 maio 2010. _______. Decreto nº 7.301, de 14 de setembro de 2010. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Ministério da Fazenda, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil (D.O.U.), Brasília, DF, 15 nov. 2010. Disponível em <http:// www.planalto.gov.br>. Acesso em: 18 set. 2010. _______. Lei nº 5.966, de 11 de dezembro de 1973. Institui o Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial, e dá outras providências. 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Brasília: SEAE, 31 jan. 2006. _______. Ministério da Fazenda. Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE). Nota Técnica nº 107/2006/ COGAM/SEAE/MF. Brasília: SEAE, 28 nov.2006. _______. Ministério da Fazenda. Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE). Nota Técnica nº 47/2007/ COGAM/SEAE/MF. Brasília: SEAE, 13 jun.2007. GERARDIN, Damien. Standardization, antitrust and intellectual property. Paper prepared for the OECD Roundtable on Standard Setting. Paris: OCDE, June 14 th , 2010. LUGARD, Paul. Standards, high-tech intellectual property and antitrust. Presentation prepared for the OECD Roundtable on Standard Setting. Paris: OCDE, June 14 th , 2010. MONTEIRO, Carmen Diva Beltrão. Política antitruste: aspectos relevantes para o caso brasileiro. Dissertação (Mestrado em Administração Pública) – Escola Brasileira de Administração Púbica e de Empresas (EBAPE), Fundação Getulio Vargas (FGV), Rio de Janeiro, 2003, 172 p. ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). 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NOTAS A promoção ou advocacia da concorrência refere-se ao papel educacional das autoridades antitruste na disseminação da “cultura da concorrência” e ao papel de, direta ou indiretamente, essas autoridades influírem na formulação das demais políticas públicas, de modo a garantir que a concorrência seja, ao máximo, incentivada. 1 Entenda-se a referência temporal como sendo o estabelecimento de uma norma ou a sua revisão. Assim, quando a autoridade de concorrência participa do processo de estabelecimento ou revisão da norma e/ou emite uma opinião antes que o projeto de norma receba o selo e o número da ABNT (ou seja, anterior à vigência da norma em questão), tal análise será ex-ante. Por oposição, caso a manifestação refira-se a efeitos decorrentes de uma norma já vigente, será uma análise ex-post. Cabe também ressaltar que as manifestações mencionadas neste trabalho concernem exclusivamente àquelas no âmbito da advocacia da concorrência; em outras palavras, este estudo não focaliza as que são objeto dos processos administrativos disciplinados pela Lei nº 8.884/1994. 2 3 Cf. Forgioni apud Monteiro (2003, p. 20-21). 4 Cf. Monteiro (2003, p. 29). 5 Cf. OECD (2010a). 6 Cf. Lugard (2010). No processo de elaboração voluntária, normalmente busca-se o consenso. Entretanto o voto é admitido em casos de impasse, como ocorre no processo brasileiro. 7 Sigla em inglês da expressão fair, reasonable and non-discriminatory. Em licenciamento, condições justas (equitativas), razoáveis e não discriminatórias referem-se à obrigação, não raro exigida pela entidade normalizadora daqueles que participam do processo de elaboração de normas, como forma de reforçar o caráter pró-competitivo de uma indústria em particular, a fim de garantir a compatibilidade e a interoperabilidade dos dispositivos fabricados por diferentes entidades. Destinam-se a impedir o abuso de licenciamento de um participante com base na vantagem monopolista advinda do fato de ter seus direitos de propriedade intelectual (DPI) incluídos nas normas da indústria. De acordo com o professor Mark Lemley (Universidade de Stanford), fair relaciona-se principalmente aos termos de licenciamento subjacentes (termos que não são anticoncorrenciais e que não seriam considerados ilegais se impostos por uma empresa dominante no seu mercado relativo); reasonable refere-se à taxa de licenciamento (aquela que, cobrada sobre as licenças, não resultaria em uma taxa agregada não razoável, se todos os licenciados cobrassem uma taxa semelhante); e non-discriminatory refere-se tanto aos termos quanto às taxas incluídos em acordos de licenciamento (exigência de tratamento de cada licença individual de maneira similar; embora não impeça mudanças individualizadas, de fato significa que as condições de licenciamento subjacentes devem ser as mesmas, independentemente do seu titular). Cf. TREACY, Pat; LAWRANCE, Sophie. Frandly fire: are industry standards doing more harm than good? Journal of Intellectual Property Law & Practice, 2007. v. 3, n. 1, p. 22-29. Disponível em: <http:// www.servinghistory.com/topics/Fair,_Reasonable_and_Non_Discriminatory_terms>. Acesso em: 05 set. 2010. 8 9 Cf. OECD (2010b). Ocorre quando uma empresa envolvida no processo de criação de norma não revela a existência de patentes relevantes relacionadas e, uma vez estabelecida a norma, alega que seu uso infringe a patente e exige royalties elevados. 10 11 Cf. Lugard (2010). 12 Cf. Abranches (1999, p. 37). 13 Cf. OECD (2010c). 14 Cf. OECD (2010a). 15 Devido ao mecanismo FRAND. Cf. Lugard (2010). Ver nota 8. 16 Cf. OECD (2010c). 17 Cf. Gerardin (2010). 18 Cf. OECD (2010c). Salvo mencionado, as informações desta seção foram obtidas das seguintes fontes: Lei nº 5.966, de 11 de dezembro de 1973 (publicada no DOU de 12 de dezembro de 1973); Lei nº 9.933, de 20 de dezembro de 1999 (publicada no DOU de 21 de dezembro de 1999); Decreto nº 1.422, de 20 de março de 1995 (publicado no DOU de 21 de março de 1995); Decreto nº 6.275, de 28 de novembro de 2007 (publicado no DOU de 29 de novembro de 2007); sítio oficial do INMETRO (http://www.inmetro.gov.br); e sítio oficial da ABNT (http://www.abnt.org.br). 19 Sigla de Mercado Comum do Sul, criado por intermédio do Tratado de Assunção, em 26 de março de 1991, assinado pela República Argentina, República Federativa do Brasil, República do Paraguai e República Oriental do Uruguai. O objetivo primordial do Tratado de Assunção é a integração dos quatro Estados-Partes por meio da livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, do estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC), da adoção de uma política comercial comum, da coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais, e da harmonização de legislações nas áreas pertinentes. Cf. informação obtida no sítio oficial da secretaria do MERCOSUL, disponível em <http://www.mercosur.int>. Acesso em: 20 jun. 2010. 20 Enquanto o CONMETRO é um órgão subordinado ao ministro do MDIC, o INMETRO é uma autarquia federal vinculada ao mencionado ministério. 21 Os representantes com direito a voto são os ministros do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) (presidente do CONMETRO); Ciência e Tecnologia (MCT); Saúde (MS); Trabalho e Emprego (MTE); Meio Ambiente (MMA); Relações Exteriores (MRE): Justiça (MJ); Pecuária, Agricultura e Abastecimento (MAPA): Defesa (MD); e da Educação (MEC). Também podem votar os presidentes do INMETRO, da ABNT, da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC). 22 Na prática, as atividades do CONMETRO são realizadas por intermédio de seis comitês técnicos, quais sejam: Comitê Brasileiro de Normalização (CBN); Comitê Brasileiro de Avaliação da Conformidade (CBAC); Comitê Brasileiro de Regulação (CBR); Comitê Brasileiro de Metrologia (CBM); Comitê Brasileiro do Codex Alimentarius (CCAB); e Comitê Brasileiro de Barreiras Técnicas ao Comércio (CBTC). 23 O INMETRO é o representante brasileiro nos seguintes fóruns internacionais: International Accreditation Forum (IAF), Interamerican Accreditation Cooperation (IAAC), International Laboratory Accreditation Cooperation (ILAC), International Organization for Legal Metrology (OIML), International Auditor and Training Certification Association (IATCA) e Bureau International des Poids et Mesures (BIPM). O INMETRO igualmente tem acordos de cooperação com as seguintes entidades: United Kingdom Accreditation Service (UKAS), National Institute of Standards and Technology (NIST) e Physikalish Technishe Bundesanstalt (PTB). 24 Por exemplo, padrões de tempo e frequência para o Observatório Nacional (DSHO/ON) e padrões de ionização para o Instituto de Radiação e Dosimetria (IRD/CNEN). 25 Assim distribuídos: 23 (vinte e três) órgãos da estrutura dos governos estaduais (IPEMs), um órgão municipal, e os dois restantes administrados pelo próprio INMETRO. 26 A Divisão de Acreditação de Laboratórios (DICLA) é a unidade da CGCRE responsável pela coordenação, gestão e execução de atividades relacionadas ao monitoramento e reconhecimento das instalações de ensaio, de acordo com os princípios de BPL. 27 28 Cf. Resolução ABNT nº 43/2002. A ABNT é a representante brasileira nos seguintes fóruns internacionais: International Organization for Standardization (ISO), International Electrotechnical Commission (IEC), Pan American Standards Commission (COPANT), Comitê de Normalização do MERCOSUL (CMN), Standardization European Organization (CEN/CENELEC) e Global Ecolabelling Network (GEN). A ABNT também tem acordo de cooperação com a American National Standards Institute (ANSI). O INMETRO, a ABNT e outros órgãos do SINMETRO participam dos comitês técnicos dos seguintes fóruns: Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). 29 30 Atualmente a ABNT tem 146 (cento e quarenta e seis) comitês e comissões técnicas (incluídas as organizações ONS). Membros são classificados em três grupos: produtores, consumidores e neutros (aqui incluídos laboratórios independentes, instituições acadêmicas e órgãos governamentais). Assim, o voto, se necessário, é permitido àqueles que participam de 30% das reuniões, tomando por parâmetro o menor número de participantes de cada grupo. 31 32 Geralmente 60 (sessenta) dias. Ambas as secretarias têm funções analíticas e investigativas e são responsáveis pela emissão de pareceres (com recomendações) sobre fusões e aquisições e casos de condutas anticompetitivas. O CADE é um tribunal administrativo e suas decisões somente podem ser revistas pelo Poder Judiciário, sob o aspecto de legalidade. Os casos começam na SDE que, com a assistência da SEAE, conduz investigações preliminares e procedimentos administrativos antes de submeter o processo e suas recomendações ao CADE, que toma a decisão final. Cf. Monteiro (2003). 33 Cf. o artigo 38 da Lei nº 8.994/1994, a SEAE “será informada por ofício da instauração do processo administrativo para, querendo, emitir parecer sobre as matérias de sua especialização (...)” (grifo nosso). A partir da Portaria Conjunta SEAE/SDE nº 33/2006, que estabeleceu as diretrizes de cooperação entre as duas secretarias, a SEAE tem focalizado sua atuação na análise de atos de concentração (fusões, aquisições e incorporações de empresas). 34 Cf. art. 27, do Anexo I, do Decreto nº 7.301/2010, à SEAE compete “VII – promover o funcionamento adequado do mercado, e para tanto: (...) e) avaliar e manifestar-se acerca dos atos normativos e instrumentos legais que afetem as condições de concorrência e eficiência na prestação de serviços, produção e distribuição de bens”. Ainda, nos termos do art. 1º da Portaria Conjunta CADE/SEAE nº 01/2009, “o CADE, ao dentificar proposições cujo objeto verse sobre leis, decretos, resoluções, portarias e demais diplomas normativos, incluindo-se as normas emitidas por órgãos nos âmbitos federal, estadual ou municipal, que de algum modo possam limitar ou prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa, encaminhará solicitação, mediante despacho, à SEAE, para que esta, se assim entender pertinente, adote ações de promoção da concorrência”. 35 36 Ver nota 2. Os casos aqui relatados tratam de intervenções ex-ante. 37 Cf. Nota Técnica SEAE nº 107/2006/COGAM/SEAE/MF. A NBR 7480:1996, quando de sua instituição, eliminou várias categorias de vergalhões (CA-40A, CA-40B, CA50B), admitindo apenas as categorias CA-25 e CA-50 para barras e CA-60 para fios de aço. O CA-60 é utilizado majoritariamente em amarração (estribos) e o CA-25 tem utilização apenas marginal, de forma que o aço efetivamente usado nas armaduras de concreto armado é o CA-50. Entretanto, a referida norma não impedia a importação de outros tipos de aço, mas apenas a sua comercialização. 38 A proposta de inclusão da classe de 400 MPa (classe 400 ou CA-40) na norma técnica, feita pelo grupo dos consumidores de aço, foi motivada pela suposta predominância dessa classe de aço no mercado internacional, o que facilitaria a importação e permitiria a aquisição do produto a preços praticados internacionalmente, ensejando um efeito 39 educativo nos produtores nacionais (no sentido de que estes manteriam seus preços em condições de competir com os produtos importados). Na época, os consumidores nacionais estavam limitados a utilizar no Brasil a classe 500 ou CA-50 (a menos que importassem diretamente outra classe para consumo próprio). Adicionalmente, o grupo de consumidores também informou que somente o Brasil, o Paraguai e a Bolívia utilizariam a classe 500 de aço para vergalhão. Uma vez que, para um mesmo nível de carga, ter-se-ia que utilizar mais aço CA-40 do que se utilizaria se fosse o CA-50, a fim de garantir o mesmo desempenho. De acordo com o estudo do Instituto Aço Brasil (IABr), antigo Instituto Brasileiro do Aço (IBS), apresentado no Comitê Brasileiro de Siderurgia – ABNT/CB-28, “como a eficiência do aço no caso de tirantes é proporcional ao fyd, as armaduras das “vigas” seriam menos eficientes 20% quando executadas em aço CA-40 do que se executadas em aço CA-50. Para garantir a mesma capacidade mecânica, as áreas de aço deveriam sofrer um acréscimo de 25% se executadas em CA-40 ao invés de CA-50". Cf. KN IJNIK, Anibal. Análise estrutural preliminar de um edifício típico construído por autogestão informal em São Paulo, SP. Apresentação feita ao Comitê Brasileiro de Siderurgia – ABNT/CB-28, julho 2006. Disponível em: < http://www.acobrasil.org.br/cb28/ index.asp>. Acesso: 09 set. 2010. 40 41 Vide Modelo de Certificação nº 5 do GUIA 67:2004 do Comitê CASCO da International Standard Organisation (ISO). 42 Cf. Nota Técnica Conjunta da SEAE e SDE nº 7/2006/SEAE/MF-SDE/MJ. A definição encontrava-se subentendida na medida em que a norma então vigente remetia a outras normas em seu item 2, “Referências Normativas”. Sem adentrar em maiores detalhes, cabe apenas ressalvar que a definição de concreto daí decorrente não restringia a origem das adições ao concreto. 43 Segundo o registro das discussões ocorridas durante o processo de revisão da norma, a proibição de adições diretamente ao concreto seria necessária por questões de segurança, já que as patologias observadas em construções recentes estariam acontecendo, entre outros motivos, devido à baixa qualidade das adições e à falta de controle das dosagens efetuadas nas centrais de concretagem. Foi acordado então que as adições deveriam ser limitadas à fase de produção do cimento, cujas fábricas teriam um processo de produção mais elaborado e controlado. Nada obstante, a SEAE observou em sua análise que normas internacionais não excluíam a possibilidade de realização de adição fora da cimenteira. Ainda sobre a modificação na norma que suprime a adição pelas concreteiras, parece não ter havido consenso, conforme se depreende das atas das reuniões. De fato, em resposta à consulta da Secretaria, os consumidores manifestaram-se contrários à proibição de adições ativas ao concreto, por razões de prejuízos ao meio ambiente (vez que somente a adição na produção de cimento não conseguiria reaproveitar toda a escória granulada de alto-forno produzida pela indústria siderúrgica nacional) e ao consumo da escória (a adição diretamente ao concreto, ou como agregado, aumentaria o consumo do resíduo, agregando valor ao seu reuso). 44 45 Cf. Nota Técnica nº 47/2007/COGAM/SEAE/MF. Como também não existiam na norma European Standard EM 12385-4:2002 – Steel Wire Ropes – Safety – Part 4: Stranded Ropes for General Lifting Applications. 46 Sugestão de, nos moldes das normas internacionais, desenvolver normas específicas para o uso de cabos de aço em elevadores, içamentos em geral, construções e em qualquer outra situação em que a proteção da saúde e segurança humanas, a proteção da saúde e da vida animal ou vegetal, a proteção do meio ambiente, a prevenção de práticas enganosas e os imperativos de segurança nacional sejam uma questão essencial. 47 Como em mercados de redes, ou seja, quando o valor de um produto ou um serviço a um consumidor particular aumenta com o número de consumidores que utilizam o mesmo produto ou serviço. Exemplos de tais mercados abundam em setores de tecnologia da informação e comunicações (TIC), nos quais protocolos, permitindo que os 48 dispositivos se comuniquem de forma integrada e interconexão de redes pertencentes a diferentes provedores, são essenciais. Cf. Gerardin (2010). 49 Cf. OECD (2010b). 50 Idem, ibidem. 51 Ver nota 2. Carmen Diva Beltrão Monteiro, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental em exercício na Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, é graduada em Engenharia Civil e bacharel em Direito, mestra em Administração Pública pela EBAPE/FGV e mestra em Engenharia Civil pela PUC/RJ. Fez especialização em Teoria Econômica na George Washington University/EUA. Sua experiência profissional inclui atividades de docência (presencial e EAD) e tem artigos publicados nas áreas de teoria das organizações, administração pública, defesa da concorrência e defesa comercial. E-mail: [email protected]. Página 27 Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Regulação econômica por agências estatais, análise das transações e estimação dos seus custos Por Trajano Quinhões O artigo defende que a estimativa dos custos de transação e a avaliação das características da provisão de serviços públicos em cada setor regulado devem ser incorporadas ao processo de escolha e de aperfeiçoamento da governança regulatória. Trata-se de um ensaio teórico e realiza uma aplicação da abordagem dos custos de transação (TCA) e do novo institucionalismo econômico sobre a regulação econômica da provisão de serviços públicos no Brasil. Os objetivos do artigo são: explicitar a existência e a relevância dos custos de transação existentes na regulação econômica governamental da prestação de serviços públicos; enfatizar o estudo das características das transações de serviços públicos como um dos elementos a serem considerados na definição da governança regulatória; e tornar mais bem informada a decisão sobre a melhor opção de marco regulatório para determinada transação. A contribuição do artigo é a apresentação de um modelo teórico que pode ser aplicado em diferentes mercados para a análise das características das transações realizadas e para uma avaliação da forma de governança que poderia ser mais adequada àquelas características e que proporcionaria os menores custos de transação. Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Regulação econômica por agências estatais, análise das transações e estimação dos seus custos (28) INTRODUÇÃO A regulação econômica é a ação do Estado que visa à limitação dos graus de liberdade que os agentes econômicos de mercado possuem em seu processo de tomada de decisões. A atividade regulatória, tal como hoje concebida, é realizada desde o final do século XIX1 e surgiu, espontaneamente, das transformações que a esfera produtiva passava na época. Esse processo se acelerou nos anos 1930, como consequência da grande depressão, institucionalizando-se2. Em seguida, no período entre o final da 2ª Guerra Mundial até o final dos anos 1960, deuse o aperfeiçoamento das instituições regulatórias. Um dos principais fundamentos teóricos até os anos 1970 foi a Teoria do Bem-Estar3, que atribuía ao regulador um campo limitado pela regulação de monopólios naturais e que, ocasionalmente, incluía situações de externalidades, mas era seguro de contestações. A combinação de inflação com a recessão vivenciada nos anos 1970 colocou em xeque o modelo que até então orientava a regulação econômica, pois se acreditava que ele causava a perda de competitividade e de dinamismo econômico, e estimulou uma revisão teórica do marco regulatório que fundamentou as experiências de privatização e de desregulamentação da economia dos anos 1980. A mídia, o jornalismo econômico e parte da ciência econômica manifestavam que a desregulamentação era uma tendência inexorável em âmbito mundial. A desregulamentação da economia no Brasil, iniciada no governo Collor, em 1990, e que foi, efetivamente, posta em prática entre 1994 e 2002 pelos dois governos Fernando Henrique Cardoso, significou a quebra de monopólios estatais e a privatização de segmentos da economia brasileira que eram ocupados por empresas públicas estatais. Esse processo compreendeu, por um lado, a retirada do Estado de vários segmentos da economia como produtores de bens e serviços, mas, por outro, requereu a criação de agências reguladoras em diversos setores da economia para assumirem diversas responsabilidades, tais como: atrair e regular investimentos; reduzir arbitrariedades do setor público; defender o consumidor e o interesse coletivo; fixar preços e tarifas; aumentar a flexibilidade da gestão e normatização; insular a burocracia especializada das incertezas políticas; aumentar o controle social; equilibrar oferta e demanda e, principalmente, oferecer credibilidade aos investidores privados; garantir os direitos de clientes e usuários; promover a transparência das decisões de fixação de preços e o acompanhamento da qualidade dos serviços (FORNAZARI, 2007). Renunciando à produção direta de bens e serviços, o Estado, então, passaria a se concentrar na atuação reguladora, dada a importância social e estratégica dos bens de natureza pública e as características dos mercados antes ocupados pelas empresas públicas estatais. As agências passaram a buscar objetivos mais específicos em contraposição à burocracia generalista da lógica anterior (THATCHER, 2002, apud FIANNI, 1997). Entre 1996 e 2001, o governo federal brasileiro criou nove agências reguladoras, sobretudo nos setores da economia caracterizados pelo fornecimento de serviços públicos, muitos deles até recentemente dominados por monopólios de capital estatal e que foram privatizados, cujos nomes seguem: Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL); Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL); Agência Nacional do Petróleo (ANP); Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS); Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ); Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT); Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA); Agência Nacional de Águas (ANA) e Agência Nacional do Cinema (ANCINE). A implantação das agências reguladoras e a correspondente adoção de um modelo de governança regulatório, híbrido entre o mercado e a hierarquia para a provisão direta de serviços públicos, não são realizadas sem custos para o governo e para as sociedades participantes daquele mercado. Há vários custos de transação4 presentes na regulação econômica realizada por intermédio das agências reguladoras, que incluem os do tipo ex-ante, tais como os de desenhar e negociar os contratos, e os custos ex-post, como os de monitoramento e de cumprimento dos acordos. Tais custos inexistiam quando as atividades eram monopolizadas pelo Estado. Outros novos custos transacionais são: a criação de uma estrutura estatal nova; seu preenchimento com um corpo de funcionários com a qualificação e a remuneração correspondentes a sua nova responsabilidade; a manutenção dessa estrutura; e também os custos localizados nas empresas reguladas, incorridos nas atividades de interlocução, de negociação de contratos, de prestação de contas, de auditoria de informações e outras. A implantação das agências reguladoras e a correspondente adoção de um modelo de governança regulatório, híbrido entre o mercado e a hierarquia para a provisão direta de serviços públicos, não são realizadas sem custos para o governo e para as sociedades participantes daquele mercado. A abordagem dos custos de transação (TCA) estuda a contratação, os relacionamentos interorganizacionais e os problemas de agência, três aspectos que estão refletidos em um modelo de governança. A teoria está preocupada, primordialmente, com as relações contratuais e tem como objetivo implantar uma melhor estrutura de transação entre dois ou mais agentes econômicos, evitando riscos e gastos desnecessários. Segundo a TCA, adota-se o modo organizacional que mais economize nos custos de transação, de modo que as transações tendem a ocorrer no mercado quando isso for mais eficiente ou são trazidas para dentro da sociedade empresarial, ou outra organização formal, quando isso minimiza os custos de fazê-las externamente. O modelo original de análise dos custos transacionais coloca a questão da governança como uma escolha discreta realizada pela organização entre adquirir na esfera do mercado um produto ou serviço ou em produzi-lo internamente. Entretanto, a percepção atual desse campo teórico é que as vantagens da organização interna podem ser alcançadas por uma ampla variedade de mecanismos híbridos, sem a propriedade ou a completa integração vertical, tais como provisões contratuais e arranjos jurídicos, até os mais informais, como compartilhamento de informações e planejamento conjunto. Outra percepção mais recente no campo da TCA é que a decisão Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Regulação econômica por agências estatais, análise das transações e estimação dos seus custos por uma governança de mercado, hierarquizada ou híbrida, será influenciada pelos efeitos de desempenho de cada uma das opções de governança, além de seus custos transacionais correspondentes. A implantação das agências reguladoras no Brasil não levou em consideração que aquela regulação econômica impactaria na criação de novos custos de transação e não há notícias de que tenha sido avaliado se o impacto proporcionado pela atividade regulatória na economia é superior aos novos custos que foram criados. Até o momento, ainda não são conhecidos os custos de transação relativos a essa governança híbrida em nenhum dos setores regulados pelas agências e tampouco a distribuição desses custos entre o Estado e as empresas. É também desconhecido o ganho de eficiência decorrente da introdução do novo modelo regulatório, qual foi o impacto ocorrido nas três características das transações de provisão dos serviços públicos regulados (de especificidade dos ativos, de incerteza no comportamento e de incerteza ambiental) e se essas características são congruentes com o modelo de governança adotado. Com base no que foi exposto, percebe-se que há uma importante lacuna no campo da regulação econômica, especialmente a realizada pelas agências reguladoras, e no campo das políticas públicas relacionadas a esse tema. O presente artigo é um ensaio teórico, com base no referencial teórico da abordagem dos custos de transação, e apresenta um modelo para a análise da governança da regulação da provisão de serviços públicos realizada pelas agências governamentais e de suas características. O artigo está organizado em três seções, além da introdução e das referências. Na primeira, realiza-se uma conceituação das transações segundo a economia das organizações, é apresentada a abordagem dos custos de transação e são identificadas as origens e os tipos de custos transacionais. Na seção seguinte, apresenta-se o modelo teórico proposto para a análise da governança regulatória, suas variáveis explicativas e seus relacionamentos. Na terceira seção, apresentam-se as conclusões e um resumo das contribuições do artigo. AS TRANSAÇÕES E OS CUSTOS TRANSACIONAIS (30) A unidade de análise mais importante na teoria organizacional econômica é a transação, cujo significado é a transferência de bens e serviços de um indivíduo para outro. Os últimos participantes nas transações são sempre seres humanos e seus interesses e comportamentos são fundamentais para entender o comportamento e o desempenho das organizações. O peso das transações tem aumentado continuamente nas economias e os custos associados a elas também. O motivo para isso é que a tecnologia requer especialização territorial e ocupacional em uma escala sem precedentes e, como consequência, o número de trocas cresce exponencialmente. Realizar os ganhos do produto potencial associados à tecnologia dos retornos crescentes requer que se invistam enormes recursos nas transações. As transações podem ser realizadas no mercado, por um sistema de preços, ou dentro da organização, por estruturas hierárquicas que utilizam, explicitamente, planejamento e diretrizes. Mas o que determina quais transações são efetivadas por meio dos mercados e quais dentro de uma organização formal? Ronald Coase foi quem primeiro analisou e respondeu às duas questões, argumentando que há custos para efetuar transações e esses diferem, a depender tanto da natureza da transação, quanto da forma como é organizada. Segundo o princípio da eficiência, adota-se o modo organizacional que mais economize nos custos de transação, de modo que as transações tendem a ocorrer no mercado quando isso for mais eficiente, ou são trazidas para dentro da firma, ou outra organização formal, quando isso minimiza os custos de fazê-las externamente. Entretanto, se a estrutura e o desenho organizacional são determinados para a minimização dos custos de transação, estes, por sua vez, também afetam a alocação da atividade entre as formas organizacionais (MILGROM, 1992). Coase não foi muito claro a respeito da origem e da natureza dos custos de transação. A variedade de formas de transações deve-se ao fato de elas diferirem em alguns atributos básicos que, segundo Milgrom (1992), são: a especificidade dos investimentos requeridos para conduzir a transação; a frequência com que transações similares ocorrem e a duração ou o período que elas são separadas; a complexidade da transação e a incerteza sobre o desempenho que será requerido; a dificuldade de medir a atuação na transação; e a conexão da transação com outras transações que envolvam pessoas. Se um tipo de transação ocorre, frequentemente, em formas similares, são desenvolvidas rotinas para gerenciá- lo, efetivamente. Já se uma transação não é usual, as partes devem barganhar sobre os seus termos, o que eleva os custos de realizá-la. O conceito de custos transacionais disseminou-se muito rapidamente e, para evitar-se o risco de torná-lo vago e impreciso, é necessário cuidado. As mais tradicionais definições baseiam-se em Williamson (1979) e as associam aos custos relativos ao planejamento, adaptação e monitoramento da execução de ações em diferentes estruturas de governança; aos custos para medir os atributos do que está sendo negociado e aos custos de proteger os direitos de propriedade, monitorar e implantar acordos (NORTH, 1995). Em síntese, entende-se que os custos de transação são os requeridos para negociar, monitorar e controlar as trocas entre as organizações, indivíduos e agentes econômicos. A TCA estuda as formas capitalistas de organização, especialmente as firmas, o mercado e a relação contratual. Os custos de transação surgem porque a informação é custosa e assimétrica entre as partes, e são determinados pelas múltiplas dimensões válidas dos bens e serviços negociados ou pelo desempenho dos agentes, bem como pelos custos para cumprir acordos. A teoria está, portanto, preocupada, primordialmente, com as relações contratuais e tem como objetivo implantar uma melhor estrutura de transação entre a empresa e os seus fornecedores, clientes e empregados, evitando riscos. Os contratos mantidos pela organização são de vital importância e a transação é o seu foco. A TCA pressupõe a existência de um conjunto de contratos que devem ser entendidos como promessas entre as partes, sendo que uma delas desempenha uma ação com valor econômico e recebe um pagamento ou assume um compromisso de outra ação de valor econômico. Para que existam esses contratos, a sociedade empresarial deve estar apta a estabelecer contratos bilaterais relativamente simples entre ela mesma e seus fornecedores, trabalhadores, investidores, gerentes e consumidores. Sem uma entidade legal que possa contratar com eles individualmente, essas pessoas teriam de realizar acordos multilaterais complexos entre si para alcançar os seus objetivos. Segundo Calmon (2005), os contratos às vezes podem ter características especiais, como não serem reversíveis (sunk costs). Milgrom (1992) destaca que a perspectiva dos contratos para a teoria organizacional enfatiza a Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Regulação econômica por agências estatais, análise das transações e estimação dos seus custos (32) natureza voluntária do envolvimento das pessoas nas organizações. Aquelas darão permissão somente para as organizações que atendem a seus interesses. Mercados e hierarquias – tidas como as mais relevantes formas alternativas e discretas de organização da atividade econômica – são apenas dois modos extremos de contratações organizacionais, com barganha voluntária caracterizando os mercados e estritas linhas de autoridade caracterizando a hierarquia. Os custos de transação por meio das hierarquias são, primariamente, os custos de transmissão da informação, na organização, que é necessária para alcançar um plano eficiente e que precisa ser comunicada aos responsáveis por implantá-lo. Esses custos incluem não somente os custos diretos de compilação e transmissão da informação, mas também os relativos ao tempo enquanto a comunicação está sendo efetuada e o plano que está sendo determinado. Faure-Grimaud et al. (2001) destacam quatro importantes atores da organização e analisam os nexos contratuais entre os três primeiros: o principal (proprietário), o agente (o gestor), o supervisor e o pessoal de produção. Analisando as relações entre os três primeiros, identificam a possibilidade de o agente e o supervisor entrarem em um conluio contra o principal. De acordo com Milgrom (1992), os custos de transação surgem de problemas de coordenação e de motivação e se manifestam em diferentes contextos. As diversas formas organizacionais e arranjos institucionais e contratuais exigem distintas soluções para tais problemas. Sob um sistema de mercado, custos de transação associados ao problema de coordenação aparecem a partir da necessidade de determinar preços e outros detalhes da transação para tornar a existência e a localização de potenciais compradores e vendedores conhecida para uns e outros e para reunir compradores e vendedores para negociarem5. Já os custos de transação associados ao problema da motivação são primariamente de dois tipos: informação incompleta e assimetrias; e o comprometimento imperfeito. O primeiro tipo refere-se às situações em que as partes relativas a uma transação não possuem todas as informações relevantes necessárias para determinar se os termos de um acordo são mutuamente aceitáveis e se estão atualmente sendo alcançados. O segundo tipo é o comprometimento imperfeito, isto é, a incapacidade das partes em manter acordos e promessas que desejariam renunciar. A possibilidade de alcançar acordos que estejam protegidos de algum tipo de comportamento oportunista favorece que investimentos sejam realizados e evita que medidas custosas sejam adotadas para defender ofertantes e demandantes. Calmon (2005), baseado na taxonomia proposta por Williamson (1985), identifica três categorias fundamentais de custos transacionais: a) ex-ante – são os custos de reunir informações necessárias para propor um programa ou uma política a ser implementada, as dificuldades de concepção, de definição dos indicadores, de caracterização das formas de operação; a definição dos recursos e do fluxo de recursos envolvidos para o pleno desempenho das funções preconizadas no programa; b) durante – são os custos relativos à gestão do programa, incluindo a liberação dos recursos, a negociação e coordenação com os parceiros e as mudanças conjunturais que podem afetar sua gestão; o processo de tomada de decisão, a contratação e demais aspectos referentes a sua implementação; e c) ex-post – são os custos relacionados ao monitoramento e avaliação da política, de forma tal a se assegurar que seja possível identificar e aferir as atividades, os produtos e os resultados do programa, a definição e participação nas arenas para discussão e a revisão dos problemas de concepção que possam ter ocorrido, além dos custos de supervisão que garantam a implementação dos acordos firmados e da programação previamente definida. Para Williamson (1985), os custos transacionais são as fricções do sistema econômico. São originados em falhas de mercado, isto é, em situações nas quais os mecanismos de mercado (oferta e demanda) não conseguem atuar com eficácia e eficiência, limitando a pressão competitiva. Segundo Machado (2004), existem quatro tipos de falhas de mercado fontes de custos de transação: a escassez de informação, a instabilidade ambiental, a possibilidade dos atores serem oportunistas e a pequena margem de negociação entre o binômio cliente-fornecedor em certas situações de mercado. Essas falhas podem surgir tanto em mercados concorrenciais não específicos, quanto em mercados não concorrenciais caracterizados por situações especiais, por exemplo, as externalidades, fenômenos de economias de escala, estruturas de mercado menos competitivas, como monopólios e A falta de mobilidade pode trazer vantagens em termos de competitividade de uma empresa, na medida em que a induz a não investir em ativos especializados, mas também desvantagens, pela elevação das barreiras de saída e pela falta de flexibilidade para respostas rápidas às mudanças no mercado. monopsônicos, e complementaridades organizacionais existentes em uma dada matriz institucional. O campo de pesquisa da abordagem dos custos de transação desenvolveu-se de maneira expressiva nas últimas duas décadas e a natureza desses custos hoje é muito melhor entendida. O Quadro 1 sumariza os argumentos desenvolvidos ao longo desta seção a respeito dos custos de transação, que podem surgir na forma de custos diretos e de custos de oportunidade e estão diretamente relacionados às características das transações. Segundo Williamson (1985), a especificidade é o atributo mais relevante na determinação dos custos de transação. Ao contrário dos ativos de propósito geral (maquinário, capital e habilidades de comunicação), que podem ser livremente transferidos entre aplicações, os ativos específicos são produzidos para usos (transações) particulares e, por isso, são valiosos somente em uma limitada gama de usos alternativos (ANDERSON, 1985). Quanto mais especializado for o ativo para uma determinada atividade ou localização, menor o seu valor de liquidação e maiores os custos de transferência ou conversão. Dessa forma, a especialização confere maior imobilidade aos ativos. Agentes que possuem ativos transacionais específicos são qualificados apenas para realizarem uma transação, podendo se tornar oportunistas ou inflexíveis. Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Regulação econômica por agências estatais, análise das transações e estimação dos seus custos A falta de mobilidade pode trazer vantagens em termos de competitividade de uma empresa, na medida em que a induz a não investir em ativos especializados, mas também pode trazer desvantagens, pela elevação das barreiras de saída e pela falta de flexibilidade para respostas rápidas às mudanças no mercado. A especificidade dos ativos cria o problema da necessidade de salvaguardas para as transações. Sem salvaguardas apropriadas, as firmas enfrentam os riscos da expropriação e( x-post) ou perdas de produtividade devido às falhas decorrentes do investimento em ativos especializados (ex-ante). A incerteza comportamental é a segunda fonte dos custos transacionais e dá origem ao problema de avaliação de performance. Quando a performance do agente é facilmente acessada, as recompensas são facilmente relacionadas a resultados; mas quando o seu desempenho não é tão transparente, o uso dos mercados pode ser ineficiente (ou menos lucrativo), porque não se Quadro 1 – Origens e tipos de custos transacionais (34) Fonte: Rindfleisch e Heide (1997). sabe o que recompensar, nem como (ANDERSON, 1985). Não sendo o nível verdadeiro de performance do parceiro aparente, é necessário incorrer em custos diretos de mensuração, que pode ser feito na forma de medição direta de resultados ou de comportamentos. Segundo Ouchi (1979, apud RINDFLEISCH; HEIDE, 1997), os custos de mensuração são incorridos para distribuir recompensas entre as partes de modo equânime. Uma falha de medição de desempenho pode levar a custos de produtividade na forma de perdas de produtividade. A incerteza comportamental causa dificuldades devido a uma assimetria de informação relacionada à performance de tarefas, mas essa assimetria também existe ex-ante, dada a impossibilidade ou inabilidade para assegurar características desejáveis das partes antes da troca. Segundo Rindfleisch e Heide (1997), esse problema é tipicamente referido como seleção adversa e é mais comumente associado com a teoria da agência do que com a TCA. Mas, para nossos propósitos, notamos que esse tipo de assimetria de informação dá lugar a custos transacionais diretos na forma de esforços de seleção e de testes para identificar, antecipadamente, parceiros apropriados de negócios. Segundo Williamson (1985), a incerteza ambiental é a terceira fonte dos custos de transação. Circunstâncias complexas, pouco conhecidas, turbulentas, voláteis e imprevisíveis tornam a gestão difícil. De acordo Williamson (1979), modelos hierárquicos são preferíveis diante de fatores sem previsão, pois se cria o problema de adaptação do contrato e seus custos transacionais associados incluem os custos diretos de comunicação de novas informações, renegociação de acordos ou coordenação de atividades para refletir novas circunstâncias. Além dos custos citados, a falha em adaptar o contrato também envolve o custo de oportunidade da má adaptação, pois os recursos poderiam estar empregados sob formas mais vantajosas. Segundo Anderson (1985), a imprevisibilidade ambiental como um fator isolado é irrelevante e insuficiente para definir se a governança será por meio de um modelo flexível ou hierarquizado. O autor não indica claramente o porquê, mas supõe-se que seja pelo fato de que a imprevisibilidade ambiental, em comparação com as outras características das transações, é a que tem mais forte a característica de seu efeito poder se estender por diferentes mercados, de ser difícil estabelecer uma relação de causalidade entre essa incerteza e o uso de incentivos, e de envolver um grau muito superior de imprevisibilidade, e consequentemente de riscos para os contratos. A ABORDAGEM DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO E O MODELO PROPOSTO PARA ANÁLISE DA REGULAÇÃO ECONÔMICA A premissa da TCA é de que, se os custos de adaptação, de avaliação de performance e de salvaguardas são ausentes, então os agentes econômicos favorecerão a governança de mercado. Porém, se forem altos o bastante para exceder as vantagens dos custos de produção do mercado, as firmas escolherão a organização interna6. A lógica por trás desse argumento é baseada em hipóteses a priori sobre as propriedades da organização interna e sua habilidade em minimizar os custos transacionais. Três aspectos específicos da organização são relevantes nesse sentido. Primeiro, as organizações dispõem de mecanismos mais poderosos de controle e monitoramento do que os mercados, por sua habilidade para medir e recompensar o comportamento, assim como seus resultados. Segundo, elas são hábeis para prover recompensas de longo prazo, como oportunidades de promoção, sendo efeito disso a redução do custo do comportamento oportunista. E, por fim, são os efeitos possíveis sobre a atmosfera organizacional, em que a cultura e o processo de socialização podem criar objetivos convergentes entre as partes e reduzir o oportunismo antecipado (RINDFLEISCH; HEIDE, 1997). Segundo Marglin (1974, apud WILLIAMSON, 1985), há vantagens relacionadas à produtividade da hierarquia, quando comparadas ao sistema de produção doméstica, que permitem que os benefícios da inovação sejam mais apropriados e sirvam para checar desfalques e fraudes. A TCA também sugere a integração vertical como uma estrutura de governança que contribui para aumentar a eficiência nas transações (MACHADO, 2004). Entretanto, tal integração requer uma análise, por parte da organização, sobre a conveniência de se adquirir fornecedores, produzindo seus próprios insumos a montante (para trás) e possuir suas próprias fontes de distribuição à jusante (para frente). Quatro vantagens podem ser atribuídas à integração vertical: economia de escala vertical (eliminação de etapas Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Regulação econômica por agências estatais, análise das transações e estimação dos seus custos do processo produtivo, redução de custos indiretos e coordenação das atividades de distribuição com relação ao aumento da sinergia); economia de cadeia vertical/ escopo horizontal (aquisição de insumos de fornecedores próprios); inovação na cadeia vertical (fruto das melhorias que podem ser transferidas ou partilhadas entre unidades de negócio da empresa no canal de distribuição) e combinação das vantagens anteriores. A decisão por uma governança de mercado, hierarquizada ou híbrida, será influenciada pelos custos transacionais envolvidos e os efeitos deperformance de cada uma das opções de governança. Uma empresa que busca a integração vertical visa fortalecer sua posição no negócio central e ganhar poder de mercado, o que pode ser obtido por meio de economias nos custos de operação, eliminação de custos de mercado, melhor controle para estabelecer qualidade e proteção de tecnologia e aproveitamento das especificidades dos ativos. O modelo original de análise dos custos transacionais coloca a questão da governança como uma escolha discreta entre a esfera de mercado e a organização interna, mas a percepção atual desse campo teórico explicitamente é que os aspectos da organização interna podem ser alcançados sem a propriedade ou a completa integração vertical. Uma variedade ampla de mecanismos híbridos tem sido identificada na literatura: desde mecanismos formais, como provisões contratuais e arranjos jurídicos, até os mais informais, como compartilhamento de informações e planejamento conjunto. A análise da governança da regulação Na presente seção é apresentado o modelo proposto para a análise da governança da regulação da provisão de serviços públicos realizada pelas agências governamentais, de suas características, seus constructos e os relacionamentos existentes entre eles, exemplificados na Figura 1. Segundo a TCA, a estrutura de governança deve estar alinhada a quatro fatores (WILLIAMSON, 1985) que são atributos das transações: a especificidade dos ativos, a incerteza ambiental, a incerteza comportamental e a frequência das transações. As três primeiras variáveis são (36) constructos e a quarta variável, a frequência das transações, dispensa uma construção mais elaborada. Ao final desta seção, na Figura 1, são apresentados os relacionamentos propostos pela TCA, referentes aos construtos e às variáveis supracitados, além de outros aspectos que influenciam a escolha do modelo de governança mais adequado. O constructo governança refere-se aos arranjos institucionais que governam a organização, regendo as relações entre o principal e os seus agentes. Tem como ponto de partida dois polos, diametralmente opostos e excludentes, que são a hierarquia e o mercado, mas contrói um continuum entre eles, estabelecendo um semnúmero de situações intermediárias. O constructo da especificidade dos ativos refere-se à transferibilidade dos ativos que apoiam uma dada transação (WILLIAMSON, 1985). Ativos com um alto grau de especificidade representam custos perdidos s( unk costs) que possuem pouco ou nenhum valor fora da relação particular de negócio. A caracterização mais comum para descrever a especificidade dos ativos e que foi aqui empregada é a proposta por Williamson (1985), que identifica seis tipos principais: 1) especificidade de lugar; 2) especificidade de ativo físico; 3) especificidade de ativo humano; 4) capital da marca registrada; 5) ativos dedicados; e 6) especificidade temporal. Os ativos humanos específicos são os mais comumente pesquisados, tanto nos estudos empíricos, quanto nas aplicações de TCA em geral. De acordo com Rindfleisch e Heide (1997), há ao menos duas razões por trás dessa popularidade. A primeira é porque muitos estudos de TCA envolvem contextos nos quais os investimentos humanos representam um substancial e importante custo de fazer o negócio. Em segundo lugar, os ativos específicos humanos levam a uma ampla variedade de modelos de mensuração, tanto diretamente, por meio de fontes secundárias ou como avaliações de vendas, quanto indiretamente, por meio de instrumentos de pesquisa. Os pesquisadores da análise dos custos de transação tratam os ativos humanos como um constructo latente e o acessam por meio de uma escala de itens múltiplos. A medida mais comumente utilizada é a de Anderson (1985), que reflete o quão necessário é, para o pessoal de vendas, estabelecer relacionamentos com a firma em ordem e o quanto precisam aprender. Variações dessa medida têm sido empregadas de maneira bem-sucedida e, entre os estudos observados, ela tem demonstrado altos níveis de unidimensionalidade e de consistência interna. Outras medidas de itens múltiplos, que focam na especificidade de ativos humanos e parecem revelar razoável consistência interna, podem ser achadas. O constructo da incerteza ambiental refere-se às mudanças não antecipadas em circunstâncias que margeiam o negócio, o que evidencia a capacidade do principal e do agente de preverem as condições ambientais necessárias durante a vigência do contrato entre ambos. Entre os constructos da TCA, a incerteza ambiental parece ser a mais problemática do ponto de vista da mensuração. Segundo Rindfleisch e Heide (1997), há duas operacionalizações opostas para esse constructo. A primeira enfatiza a sua natureza imprevisível e a segunda, tanto a sua imprevisibilidade quanto a sua complexidade. A mais popular operacionalização da incerteza ambiental foca na imprevisibilidade do ambiente. O autor cita o estudo de Anderson (1985) – que usa uma escala de nove itens e endereça elementos relacionados tanto à instabilidade associada à turbulência ambiental (complexidade e volatilidade), quanto aos perigos de se aventurar em atividades novas (outros mercados e vendas) – e o de Heide e John (1990), que também conceitua a incerteza ambiental como imprevisível, mas, especifica dois tipos: a imprevisibilidade de volume e a tecnológica. A incerteza também pode ser operacionalizada como um conceito bidimensional, que envolve elementos de imprevisibilidade e de mutabilidade. Esses dois tipos de incerteza têm influências opostas nas estruturas de governança: enquanto a imprevisibilidade encoraja as firmas a formarem mecanismos hierárquicos, evitando riscos por meio da organização interna, a mutabilidade traz o efeito oposto, enfatizando as vantagens da flexibilidade, melhor exploradas por uma governança de mercado. A escolha da conceituação mais apropriada para as investigações de TCA depende dos elementos-chaves do ambiente externo que poderiam, possivelmente, agir como desincentivo para os modos hierárquicos de governança. Na falta de uma suposição teórica como essa, a Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Regulação econômica por agências estatais, análise das transações e estimação dos seus custos imprevisibilidade operacional tradicional pode ser suficiente. O constructo da incerteza comportamental surge das dificuldades associadas ao monitoramento da performance contratual dos parceiros de negócio ou da capacidade de avaliação da performance do agente pelo principal. Comparada com as duas variáveis anteriores, a incerteza comportamental possui bem menos operacionalizações. A maior parte dos estudos a conceitua como o grau de dificuldade associado à avaliação da performance dos parceiros da transação. Esse conceito é muito próximo à discussão teórica de Williamson (1985) sobre incerteza comportamental, mas muitos estudos utilizam a visão de Anderson (1985), cuja origem foi a análise da dificuldade de avaliação da performance da força de vendas e que utiliza, para acessar esse constructo, uma escala de sete itens, focando em fatores como o grau das vendas do time e a exatidão dos registros de venda. Vários outros estudos empregam tipos similares de medidas e definem incerteza comportamental como um tema fundamentalmente de avaliação de performance. Similarmente às outras duas dimensões, alguns estudos fazem uso das medidas da incerteza comportamental de apenas um item. Em contraste com a especificidade dos Figura 1 – Relacionamentos entre os contructos e os conceitos propostos (38) ativos e com a incerteza ambiental, parecem existir poucas medidas secundárias de incerteza comportamental, sendo difícil extraí-la desse tipo de fonte. O constructo em questão pode ser estabelecido a partir de quatro variáveis, inspiradas pelo estudo de Anderson (1985), mas adaptadas ao contexto da gestão pública: a acuidade dos registros do agente; a disponibilidade de protocolos para a prestação de serviços pelo agente; o desvio entre o esperado do uso dos protocolos e o realizado e a capacidade de avaliação pelo principal dos serviços prestados pelo agente. Os custos de transação. O modelo de governança é escolhido em virtude de sua capacidade de minimizar os custos de transação e de alcançar maiores níveis de performance. Como abordado na seção 2, os custos de transação são os requeridos para negociar, monitorar e controlar as trocas entre as organizações, indivíduos e agentes econômicos. O constructo performance é dado pela relação entre os resultados obtidos e a quantidade de recursos usados para alcançá-los. São analisados dois grupos de variáveis: quanto à produção obtida de serviços (outputs) e quanto aos insumos utilizados (inputs). Cada ambiente regulatório apresenta atividades econômicas próprias e o desempenho das empresas deverá ser analisado observando essas especificidades. Não é abordada com maior profundidade a quarta variável proposta por Williamson para determinar o modelo de governança mais congruente para uma transação, a frequência das transações, por ser uma variável diretamente observada, dispensando uma construção mais elaborada. Na Figura 1, além da influência das quatro variáveis propostas por Williamson (1985), também é possível visualizar que a governança da transação de provisão dos bens públicos é determinada por dois outros aspectos: a minimização dos custos transacionais e a maximização da performance organizacional. A variável de influências ambientais foi acrescentada no modelo para que seja identificada qualquer interferência ambiental sobre a performance das organizações que são reguladas pelo Estado. CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo de regulação econômica pelas agências federais começa a ultrapassar uma década de existência e os setores regulados começam a se tornar mais maduros e estáveis. O aprendizado dessa fase inicial realizado pelos setores público e privado foi fortemente incorporado, e por esses motivos o momento atual se demostra como particularmente adequado para a avaliação do impacto da regulação sobre as características da provisão dos serviços públicos regulados, sobre o nível de eficiência das firmas reguladas e para estimar os custos transacionais da regulação econômica em cada setor onde foi implementada essa forma de governança. O presente artigo proporciona aos gestores públicos uma reflexão sobre temas como a governança e a regulação de serviços públicos, baseando-se no referencial da abordagem dos custos de transação (TCA). Segundo essa teoria o modelo de governança adotado para uma transação deve guardar congruência com as características das transações e deve garantir menores custos de transação ou maiores níveis de eficiência. Espera-se que, com os elementos apresentados no presente artigo, os gestores públicos sejam mais capazes de avaliar a regulação econômica em cada setor assim governado, e de tomar decisões mais bem informadas sobre governança e sobre a regulação econômica. Além disso, a avaliação da regulação dos serviços públicos pelas agências segundo o referencial proposto pela TCA também pode contribuir para o aprimoramento do marco econômico regulatório atualmente adotado, para uma melhoria no tipo de intervenção governamental no setor especificamente estudado, e mesmo para a regulação de outros setores da economia, tanto pelo nível federal quanto por outras esferas de governo. O artigo também pretende demonstrar aos gestores e aos interessados no tema que os modelos de governança híbridos entre o mercado e a hierarquia podem ser formas mais eficientes de provisão de serviços públicos do que os modelos hierarquizados, e que o governo não está necessariamente abrindo mão de seus instrumentos de controle, das prerrogativas de atendimento e de responsabilização sobre a comunidade e do cumprimento de seus deveres junto à sociedade. A abordagem dos custos de transação possibilita duas considerações importantes para o campo da regulação Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Regulação econômica por agências estatais, análise das transações e estimação dos seus custos (40) econômica. Em primeiro lugar, que a governança regulatória deve ser congruente com as características das transações realizadas naquele setor da economia: com a especificidade dos ativos requeridos, com o grau de incerteza ambiental, com o grau de incerteza comportamental dos agentes econômicos e com a frequência com que as transações são realizadas. Em segundo lugar, que a estimativa dos custos de transação do marco regulatório é especialmente relevante para a regulação econômica porque esses custos não podem ultrapassar as vantagens obtidas pela introdução do modelo de regulação econômica. A abordagem dos custos de transação especifica onde estão esses custos e quais são relativos a cada característica da transação. A contribuição deste artigo é apresentar um modelo para a análise da governança regulatória e das características da provisão de serviços públicos. Compreender como se comportam as transações diante daquela forma de regulação e estimar seus custos associados, tornam as decisões dos gestores públicos e privados mais informadas e mais seguras, reduzindo erros, omissões e ineficiências, e ainda podem auxiliar o governo a estabelecer modelos de governança que sejam mais adequados às necessidades regulatórias de cada mercado, cada região e cada nível de governo. Considerando que, no presente momento, o Brasil encontra-se em uma nova fase de organização da economia, onde Estados e municípios também passam a considerar essa estratégia para seus negócios públicos, renunciando à provisão direta de bens e de serviços e transferindo à iniciativa privada a concessão de serviços públicos como a manutenção de estradas, do fornecimento de água e saneamento, de serviços de saúde e de educação, da coleta de lixo e outros, conhecer melhor os aspectos da regulação econômica apontados pelo presente artigo pode ser essencial para os processos decisórios dos gestores públicos dessas esferas de governo e para aprimorar a conformação dessas novas agências reguladoras. Encerra-se o artigo com o incentivo aos gestores públicos nos três níveis de governo a ousarem mais na governança de serviços públicos regulados, buscando implantar mecanismos institucionais que tenham maior capacidade de alcançar seus objetivos precípuos de ampliação do acesso aos serviços, de redução de custos e de melhoria na qualidade dos serviços, e de obtenção de níveis mais elevados de satisfação do consumidor. Reunir uma maneira mais segura são importantes para promover mais conhecimento teórico e empírico sobre a provisão de o desenvolvimento econômico, a inclusão social e a serviços públicos e tomar decisões governamentais de equidade no Brasil. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACKROYD, S.; THOMPSON, P. Organizational misbehaviour. London: Sage Publications Ltd., 1999. ALLISON, Graham. Conceptual models and the cuban missile crisis. The American Political Science Review, Massachusetts, v. 63, n. 3, set., 1969. ANDERSON, E.; SCHMITTLEIN, D. 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NOTAS Fiani (1997, p. 5) identifica como um dos marcos iniciais da atividade regulatória do Estado a decisão da Suprema Corte Americana no caso Munn versus Illinois, em 1877, “em que determinou que qualquer atividade, revestida de ‘interesse público’, em que fosse empregada propriedade privada, seria passível de regulação por parte do Estado, não obstante a injunção da 14ª emenda, que visava proteger o caráter privado da propriedade”. 2 Nessa época foram adotadas várias medidas de intervenção pelo governo dos EUA, a maior parte delas voltada para as áreas de infraestrutura e sistema financeiro, tais como os Banking Acts, de 1933 e 1935, o Securities Act, de 1933, o Securities Exchange Act, de 1934, a Federal Power Comission, de 1935 e outros (FIANI, 1997). 3 Segundo a teoria, a busca do bem-estar é mais eficaz quando efetuada pelos consumidores, pois conhecem melhor que o Estado as suas preferências. A teoria separa a questão da equidade na (re)distribuição de recursos por parte do Estado da eficiência na afetação dos recursos por meio dos mercados. Assim, o Estado poderá definir regras 1 para a redistribuição do rendimento (impostos, transferências, segurança social, etc.), mas deverá deixar aos mercados a tarefa de garantir que os recursos distribuídos são aplicados da forma mais eficiente possível. 4 Os custos de transação são definidos como os custos necessários para o sistema funcionar. Para fins do presente artigo entende-se que são os requeridos para negociar, monitorar e controlar as trocas entre as organizações, indivíduos e agentes econômicos. 5 Segundo Milgrom (1992), poucos mercados funcionam mais eficientemente do que os mercados financeiros organizados, porque os custos associados à coordenação são mínimos. Em outros mercados, tais custos incluem os recursos que vendedores gastam para tornar os serviços ou produtos conhecidos e as decisões gerenciais para determinar o preço a ser cobrado. 6 O exemplo clássico de decisão de integração vertical como forma de aumento de competitividade foi tomado pela Ford Motor Company, que, em meados de 1920, em sua fábrica, localizada na periferia da cidade americana de Detroit, Michigan, construiu um dos maiores complexos industriais da história automobilística mundial. Eram 93 prédios (23 de grande porte) em um terreno de mais de 4 milhões de metros quadrados, por onde passavam 159 quilômetros de ferrovia e trabalhavam 75 mil empregados. O complexo não produzia apenas o modelo Ford T, pois havia também uma siderurgia e uma fábrica de vidros, próprias. Além disso, grandes investimentos foram realizados em minas de carvão e de ferro, em florestas, na extração de borracha (no Brasil) e até em navios de carga para garantir o controle sobre a cadeia de suprimento (GAITHER; FRAZIER, 2001; DAVIS; AQUINO; CHASE, 2001, apud MACHADO et al., 2004). Trajano Quinhões, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, doutor em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (EBAPE/FGV). Página 45 Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Uma breve revisão sobre o Estadonovíssimo-movimento-social, proposto por Boaventura de Sousa Santos e o Estado social-liberal de Luiz Carlos Bresser Pereira Por Virgínia Romualdo dos Santos A crise do Estado-providência demanda um Estado mais eficiente na formulação e implementação de políticas públicas. Tais modelos, em contraponto ao modelo weberiano burocrático, propõem uma administração pública mais flexível em suas regras, com melhores serviços públicos e maior participação democrática nas decisões públicas. Abre-se espaço na arena política para novos atores políticos que não são considerados nem Estado, nem mercado, o chamado terceiro setor. Neste artigo, serão analisados dois modelos de Estado: o Estado-novíssimo-movimento-social de Boaventura de Sousa Santos, e o Estado social-liberal de Luiz Carlos Bresser Pereira, com a comparação entre alguns pontos convergentes e divergentes. A metodologia utilizada é a pesquisa bibliográfica. A proposta do Estado social-liberal considera que o Estado deve adotar mecanismos gerenciais, se descentralizar, separar a formulação da execução de políticas públicas, criar agências executivas e permitir que o terceiro setor execute atividades não exclusivas do Estado. No Estado-novíssimo-movimento-social, o Estado é apenas um integrante no espaço público onde atores estatais, não estatais e população organizada interagem e discutem sobre as maneiras de se promover o interesse público. A democratização do terceiro setor, da administração pública e a articulação entre democracia representativa e participativa são alguns de seus pressupostos básicos. O governo federal, ao adotar o Plano Diretor de Reforma do Estado, de 1995, fez a opção clara pela instauração de um Estado social-liberal brasileiro. Várias de suas medidas foram implantadas. A implantação de um Estado-brasileiro-novíssimo-movimento-social só seria viável se a população brasileira fosse organizada, ativa politicamente e tivesse a consciência de que o Estado existe para satisfazer seus interesses. Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Uma breve revisão sobre o Estado-novíssimomovimento-social, proposto por Boaventura de Sousa Santos e o Estado social-liberal de Luiz Carlos Bresser Pereira INTRODUÇÃO A globalização provoca a perda da soberania nacional na formulação e implementação das políticas públicas e na regulação dos mercados. É necessário que o Estado se torne eficiente, aumente sua governabilidade e governança e garanta a competitividade das empresas nacionais. Das várias propostas de reforma de Estado que surgiram, duas serão analisadas neste artigo: a reforma gerencial do Estado social-liberal, proposta por Luiz Carlos Bresser Pereira, e a Estado-novíssimo-movimento-social, proposta por Boaventura de Sousa Santos. O objetivo é mostrar as contribuições teóricas desses dois autores e fazer alguns contrapontos entre alguns aspectos das duas propostas de reforma. Serão feitas algumas exemplificações referentes ao caso brasileiro. O ESTADO-PROVIDÊNCIA E SUA CRISE NO ENTENDIMENTO DE SANTOS (46) Santos (1998, p. 1-2) considera o Estado-providência (Estado de bem-estar social nos países desenvolvidos e Estado desenvolvimentista nos subdesenvolvidos) a forma política do reformismo. Esse promove a transformação social, por meio da reforma feita na sociedade pelo Estado. A revolução também provoca a transformação social e é feita contra o Estado. O reformismo incorpora uma institucionalidade que permite a satisfação do interesse público por meio da proteção contra riscos sociais, segurança e regulação do trabalho. Essa institucionalidade é a articulação entre três princípios de regulação: o do Estado (entendido como a obrigação política vertical entre cidadãos e o Estado), o do mercado e o da comunidade (obrigação política horizontal e solidária de cidadão a cidadão). Entre o primeiro e o segundo princípios existe um círculo virtuoso que fortalece os dois. Já o último é descaracterizado, pois só se reconhecem as maneiras de solidariedade e cooperação intermediadas pelo Estado (SANTOS, 1998, p. 1). O Estado-providência é a arena política onde ocorrem as negociações políticas sobre a promoção dos interesses políticos entre setor estatal e mercado. Nelas participam ativamente o Estado e as entidades representativas do mercado. Dessa forma, as políticas públicas produzidas pelo primeiro levam em conta os interesses defendidos diretamente pelo setor privado e pelos burocratas, o que causa o fortalecimento do mercado, que por sua vez fortalece o Estado. A população não participa ativamente desse jogo político e tem sua expressão política determinada e sua organização mediada pela vontade estatal. As demandas populacionais eram controladas pelo Estado à medida que esse elegia, na agenda governamental, as questões sociais a serem tratadas (incluindo o surgimento de novos direitos), dizendo que sua inclusão na agenda política era a realização da democracia (entendida como o governo pelo povo). Isso garantia o apoio da população ao governo e mantinha estável e legítimo o capitalismo. O reformismo promove e permite as mudanças sociais normais, normalizadas pelo sistema educativo, pela cultura e pelo direito. A normalização é uma simetria entre a repetição (condição da ordem) e a melhoria (condição do progresso). As duas se pertencem, e a mudança social normal dá-se entre momentos de repetição e de melhoria. Existe um paradoxo no reformismo: quando determinado acontecimento social se repete, ele não melhora. E, quando melhora, não se repete. Essa é a mola propulsora da política reformista, por dois motivos: o mesmo acontecimento social pode representar repetição para determinados grupos na sociedade e melhoria para outros. A desavença entre eles ocasionará reformas, e as mudanças podem ser vistas como acontecimentos de curto prazo ou atos de curto prazo de fenômenos de grande prazo. A falta de determinação dessas temporalidades torna a mudança inevitável e a legitima (SANTOS, 1998, p. 2). A mudança social normal é um jogo de soma positiva onde há mais processos de inclusão que de exclusão social. Ela pode ocorrer tanto no sistema capitalista quanto no socialista. Isso legitima o reformismo (SANTOS, 1998, p. 2). O Estado-providência utiliza-se de três estratégias de intervenção social onde se realizam a repetição e a melhoria na promoção da mudança social normal. O Estado nacional é o ator central na mudança social normal e adota três estratégias básicas: acumulação (garante-se à produção capitalista manter-se estável), confiança (garante-se as expectativas dos cidadãos, amedrontados pelos riscos da negatividade da acumulação do capitalismo) e hegemonia (garante-se Detalhadamente, o campo da intervenção social de cada estratégia do Estado relatada realiza-se por meio da simetria entre melhoria e repetição e os códigos binários de avaliação política. O campo de intervenção social da estratégia de acumulação é a produção e comercialização de serviços e bens. apoio dos grupos sociais à gestão estatal, promovendo sua própria estabilidade como ente administrativo e político). Detalhadamente, o campo da intervenção social de cada estratégia do Estado acima relatada realiza-se por meio da simetria entre melhoria e repetição e os códigos binários de avaliação política. O campo de intervenção social da estratégia de acumulação é a produção e comercialização de serviços e bens. A repetição da mudança social normal ocorre quando se dá sua sustentabilidade. Por último, há melhoria quando há o crescimento econômico, e há a avaliação política quando há restrição ou promoção do mercado. A estratégia da confiança apresenta-se em três maneiras de intervenção social: primeira, riscos das relações entre países (repetição é a soberania e a segurança nacionais, a melhoria é o melhor posicionamento no mundo, a avaliação política é dada pelo código amigo/inimigo). Segunda, problemas das relações sociais (a repetição é o direito vigente, e a melhoria é a prevenção dos riscos e aumento da repressão; a avaliação política da situação é legal/ilegal). Terceira e última, riscos da tecnologia e problemas ambientais (a repetição é a perícia, a melhoria ocorre com o aumento da tecnologia. A avaliação política é dada pelo seguro/inseguro). A estratégia da hegemonia ocorre na representação política (a repetição é a democracia, a melhoria é o aumento dos direitos. Avaliação política da Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Uma breve revisão sobre o Estado-novíssimomovimento-social, proposto por Boaventura de Sousa Santos e o Estado social-liberal de Luiz Carlos Bresser Pereira situação é igual a antidemocrático/democrático), no consumo social dos bens (repetição quando há a paz da sociedade, a melhoria é dada pela equidade social. Avaliação política da situação igual a justo/injusto) e na cultura, na comunicação de massa e na educação (repetição é a identidade cultural, melhoria é a distribuição do conhecimento. Avaliação política igual a leal/desleal) (SANTOS, 1998, p. 2-3). O Estado de providência com os mecanismos acima relatados funciona bem quando possui capacidade financeira (as receitas estatais cobrem as despesas) e quando suas políticas operam em nível nacional sem intervenção externa. Os pressupostos do reformismo, repetição e melhoria, são eficazes no território nacional, sem agitação interna nem grande intervenção externa; a capacidade reguladora do Estado depende de sua capacidade financeira e viceversa; os riscos são facilmente contornáveis utilizando-se a estratégia de confiança, ocorrendo em escala mínima. Tais pressupostos dependem de um metapressuposto: a revolução inaugura o reformismo e este a consolida. Não há como pensar em uma revolução sem um período posterior de reformismo. (SANTOS, 1998, p. 3). O Estado-providência brasileiro (48) No Brasil, o reformismo operou-se por meio do autoritarismo e do populismo. Ambos mantêm a sociedade civil longe do governo e não permitem a participação popular na tomada de decisões. De acordo com Campos (1990, p. 37-38), entende-se o autoritarismo como o governo ditatorial que define o bem-estar da sociedade e é apoiado pela tecnocracia. O populismo é um autoritarismo velado (por exemplo, o paternalismo) e nele há uma relação direita entre o líder e a população não organizada. De 1945 a 1964 houve a democracia populista; de 1964 a 1985, a ditadura militar. De março de 1986 a abril de 1990, na opinião da autora, o que há é populismo: o presidente colocava-se como provedor do bem nacional, acima dos interesses dos grupos sociais. Tanto no populismo quanto no autoritarismo brasileiro é o Estado quem dita as regras e promove as mudanças sociais. Não há uma população civil organizada para cobrar a satisfação de suas demandas. A sociedade aceita o domínio do Estado, espera que ele proteja seus interesses. Na maioria das vezes, os direitos e conquistas sociais são presentes do Estado para a população e não fruto de conquistas sociais. A elaboração das políticas públicas não possui a participação popular por ser considerada prejudicial à sua eficiência. De acordo com Campos (1990, p. 41), “a burocracia federal concede a si própria o direito de tomar decisões em nome das clientelas-alvo de seus programas. Isso tem sido verdadeiro tanto nos regimes autoritários quanto nos populistas”. Não há o controle da população sobre o governo, sobre a organização burocrática estatal, sobre a qualidade, forma e prestação dos serviços públicos. Não há accountability (entendido aqui como a “responsabilidade objetiva ou obrigação de responder por algo” e “algo que acarreta a responsabilidade de uma pessoa ou organização perante outra pessoa, fora de si mesma, por alguma coisa ou algum tipo de desempenho”) (MOSHER, 1968, apud CAMPOS, 1990, p. 33) sobre os atos dos governantes e burocratas nem penalização em caso de erros no cumprimento das obrigações previstas pelas normas. Os controles sobre as atividades públicas existentes no Estado-providência brasileiro são controles internos burocráticos. Levam a uma accountability ascendente (em que os servidores públicos são responsáveis perante seus chefes, dos quais dependem para ascender profissionalmente) e são insuficientes, já que não garantem que o servidor, por mais eficiente e honesto, saiba como servir ao público (CAMPOS, 1990, p. 34). No Estado desenvolvimentista brasileiro, o princípio da comunidade é descaracterizado. As organizações populares normalmente surgiram por iniciativa do governo e muitas vezes são por ele financiadas. Dessa forma, o governo intermedia sua organização e limita sua participação no processo político. Nas palavras de Campos (1990, p. 37), Na cultura política não há uma tradição de conquista pela cidadania, do mesmo modo como não há qualquer compromisso popular com qualquer forma de associativismo. Ao invés de participarem de organizações de agregação de seus próprios interesses, ou de enfrentamento do poder do Estado, as pessoas preferem esperar que ele defenda e proteja os interesses não organizados. Muitas são as “associações” nascidas da iniciativa oficial destinadas a prevenir uma verdadeira participação. No Estado desenvolvimentista do Brasil satisfazem-se os interesses das minorias privilegiadas no processo político decisório, uma vez que praticamente só elas participam das discussões políticas. Praticamente inexiste participação dos não privilegiados. Nas palavras de Campos (1990, p. 40), o segmento economicamente privilegiado tende a ter maior representação na arena do poder, enquanto os não privilegiados mal conseguem atingir um grau mínimo de representação nos diversos níveis do processo decisório governamental. Nas sociedades politicamente pobres, os baixos níveis de associativismo, participação e representação favorecem a prepotência do Estado sobre a sociedade a que ele deveria servir. Assim sendo, o Estado transforma-se em tutor, e a população, em sua tutelada. No reformismo brasileiro, o Estado utiliza três estratégias para garantir sua estabilidade e soberania: primeira, a da acumulação capitalista, ao promover a estabilidade e o crescimento da produção capitalista; segunda, a da confiança, ao mostrar-se tutor da sociedade, quando promove as questões sociais que escolhe na agenda governamental (observa-se que a população espera ser tutelada); e terceira, a da hegemonia, ao satisfazer os interesses da classe economicamente privilegiada, dos burocratas, e tratar algumas questões sociais nos programas governamentais e, assim, obter o apoio dos funcionários públicos, da classe alta e da maioria da população. “Governo autoritário e cidadãos subservientes mutuamente se explicam e têm uma relação de apoio recíproco” (CAMPOS, 1990, p. 36-37). Com o passar dos anos, como o Estado satisfaz efetivamente os anseios da minoria privilegiada e os seus próprios, e não os populares, verifica-se o descrédito popular com relação ao governo. Os políticos não cumprem as promessas. A população passa a desacreditar das instituições públicas. “O cidadão, individualmente, sabe que não pode esperar muito da administração pública e nem pode contar tampouco com os poderes Legislativo e Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Uma breve revisão sobre o Estado-novíssimomovimento-social, proposto por Boaventura de Sousa Santos e o Estado social-liberal de Luiz Carlos Bresser Pereira Judiciário” (CAMPOS, 1990, p. 39). Isso provoca a crise de governabilidade do Estado-providência brasileiro. O aparato burocrático estatal, expressão administrativa do reformismo brasileiro nos períodos populista e autoritário, possuía a seguinte característica, de acordo com Campos (1990, p. 42): Da parte do contexto, merecem destaque: ¨ a debilidade das instituições; ¨ o baixo nível de organização da sociedade civil; ¨ o baixo nível de expectativa quanto à atuação do governo; e ¨ o baixo nível de participação (o povo como objeto da política pública). Da parte da burocracia, os traços mais significativos são: ¨ imunidade a controles externos; ¨ falta de transparência; ¨ baixo nível de preocupação com o desempenho; ¨ marcada orientação para meios e procedimentos; e ¨ tendência exagerada a regras e normas e desrespeito por seu cumprimento (formalismo). A crise do Estado-providência Durante anos, o reformismo funcionou bem em vários países do mundo, porém, a partir de 1980, vários de seus pressupostos não se realizaram. A globalização mina a capacidade de intervenção estatal. O Estado-providência não possui mais recursos financeiros como antes para efetivar seus programas. É preciso atender às exigências internacionais do mercado na elaboração de suas leis e políticas públicas. Aumenta-se a desigualdade social, as questões sociais não mais são tratadas pela inclusão social por meio das políticas públicas. O Estado-providência entra em crise. Os pressupostos do reformismo não se verificam: a repetição é a única melhoria existente; os jogos de soma positiva são substituídos pelos jogos de soma zero, o que aumenta a exclusão social; a globalização mina a arena nacional das negociações; diminui a capacidade reguladora e financeira do Estado; a dominação da estratégia de acumulação leva o Estado a legitimar e viabilizar as exigências da globalização (SANTOS, 1998, p. 3). (50) Na crise do reformismo, demanda-se a substituição do Estado-providência por outra forma estatal que seja eficiente quando se trata de prestar serviços públicos e realizar as políticas públicas fiscais e econômicas. No primeiro momento, acreditou-se que a redução das funções estatais tornaria o Estado eficiente. Verificou-se, porém, que tal medida seria insuficiente. No segundo momento, propõe-se o Estado-novíssimo-movimentosocial. O primeiro momento da crise do reformismo critica o modelo burocrático estatal, considerado ineficiente em épocas de globalização. “O modelo burocrático é considerado inadequado na era da informação, do mercado global, da economia baseada no conhecimento, e é, além disso, demasiado lento e impessoal no cumprimento dos seus objetivos” (SANTOS, 1998, p. 15). Devido a essas críticas, os mecanismos burocráticos (tais como impessoalidade, racionalidade, procedimentos determinados por regras, etc.) são considerados insatisfatórios. Surge a proposta do Estado-empresário, onde os instrumentos burocráticos são substituídos por mecanismos do mercado para tornar o aparato estatal mais eficiente, porém estes não promovem os objetivos democráticos que aqueles promovem. Nas palavras de Santos (1998, p. 15), A PROPOSTA DO ESTADO-NOVÍSSIMOMOVIMENTO-SOCIAL Para o Estado tornar-se eficiente e efetivar as políticas públicas em âmbito nacional, Santos (1998, p. 13-14) propõe o Estado-novíssimo-movimento-social (com a relação primordial entre o princípio da comunidade e o princípio do Estado sob a hegemonia do primeiro), que está inserido em uma organização política mais ampla, na qual ele é um coordenador e integra um conjunto que reúne elementos nacionais, globais e locais, estatais e não estatais. O Estado não promove mais a regulação social (ela é maior, mais dividida e diferenciada e é estabelecida pelas diferentes organizações sociais ao disputarem sobre quais interesses públicos serão atendidos nas políticas públicas). Promove sim a metarregulação, por intermédio da coordenação, hierarquização e seleção dos atores não estatais que, por subcontratação política, obtêm concessões do Estado para executar atividades públicas. A natureza e o tipo de metarregulação são o tema principal da luta política travada em um espaço público no qual o Estado é só um integrante. A finalidade das lutas políticas é propiciar a democratização da metarregulação e a democratização interna dos entes não estatais que participam da regulação social. O Estado assegura as regras dessas lutas políticas. O Estado-novíssimo-movimento-social é o Estado que A crítica da burocracia não nasceu com a proposta promove a metarregulação e está inserido em uma arena do Estado-empresário e há de certamente subsistir política onde ocorrem todas as decisões políticas depois desta ter deixado a ribalta. O que há de referentes ao interesse público discutas pelos elementos específico na crítica actual é a recusa em reconhecer estatais e não estatais. Nele, o terceiro setor é que muitos dos defeitos da burocracia resultaram de democratizado, a administração pública é democratizada, decisões que visavam atingir objectivos políticos a democracia representativa articula-se com a democracia democráticos, tais como a neutralização de poderes participativa e há a prevalência do princípio da fácticos, a equidade, a probidade, e a previsibilidade comunidade. É o Estado que efetivamente existe para das decisões e dos decisores, a acessibilidade e a satisfazer os interesses da população, promovendo a independência dos serviços, etc., etc. O não reconhecimento destes objectivos dispensa a crítica de prioridade das pessoas sobre a produção capitalista, solidariedade, cooperação e democracia. se posicionar perante eles e, consequentemente, de As suas proposições fundamentais são (SANTOS, investigar a capacidade da gestão empresarial para os 1998, p.14): realizar. Nestas condições, a crítica da burocracia, em vez de incidir na análise dos mecanismos que a) a arena política extravasa o Estado nacional. Os desviaram a administração pública desses objectivos, setores sociais lutam entre si para conquistar o espaço corre o risco de transformar estes últimos em custos público não estatal. Eles divergem entre si, e as regras de transacção que é preciso minimizar ou mesmo do jogo estão em constante desordem; eliminar em nome da eficiência, arvorada em critério último ou único de gestão do Estado. (sic) Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Uma breve revisão sobre o Estado-novíssimomovimento-social, proposto por Boaventura de Sousa Santos e o Estado social-liberal de Luiz Carlos Bresser Pereira b) se não houver democratização do terceiro setor, com a descentralização do Estado, a democracia representativa, com organizações sociais autoritárias descentralizadas, que visam satisfazer apenas seus próprios interesses, ganha corpo, ocasionando a piora das condições de vida da população, justificada como consequência da globalização; c) para evitar o autoritarismo, tanto do Estado quanto do terceiro setor, deve haver articulação entre a democracia participativa e a democracia representativa; d) é necessário uma nova articulação entre o princípio da comunidade e o do Estado, que deve ser o estabelecimento da democracia no terceiro setor e no Estado, para que haja efetiva solidariedade, prioridade das pessoas sobre a produção capitalista, cooperação e democracia. Santos enfatiza a importância da democratização do terceiro setor e do Estado, considerando-os o sustentáculo do Estado-novíssimo-movimento-social, e afirma que Estado-novíssimo-movimento-social se baseia em: a) democratização da administração pública Democratizar a administração pública significa tornar o aparato estatal mais eficiente e provedor de objetivos democráticos, como equidade e probidade. A complementaridade ou confrontação entre o terceiro setor e o Estado é fundamental na construção dessa democratização. De acordo com Santos (1998, p. 15-16), essa nova articulação entre o Estado e o terceiro setor para a democratização da administração pública não significa que um complementa o outro sempre. Pode sim significar oposição e confrontação. Essa, quando visa aumentar a democracia participativa em casos de democracia representativa de menor intensidade (quando há tendências autoritárias do Estado), pode ser a contribuição mais eficiente do terceiro setor para a construção da reforma solidária e participativa do Estado. A complementaridade entre o Estado e o terceiro setor representa o espaço público não estatal nos países democráticos. Nesse será discutida e resolvida a forma de articulação a ser construída entre os dois em cada bem (52) público envolvido (bem-estar, legitimidade, identidade cultural e segurança). Democratizar a administração pública significa também evitar abusos dos funcionários públicos no que tange ao desempenho de suas funções e ao desrespeito dos direitos dos cidadãos, utilizando-se o instrumento da accountability governamental, feita pela população organizada (terceiro setor). Serão cobradas a responsabilização dos atos dos funcionários públicos e dos políticos, a efetivação dos objetivos pretendidos pelas políticas públicas, a qualidade dos serviços públicos, a efetivação de seus direitos, a satisfação de novas demandas sociais e a participação popular na elaboração das políticas públicas. No Estado social-liberal, o Estado continuará executando as atividades públicas que lhe são exclusivas. Entretanto, necessitará delimitar sua atuação, com a transferência para o mercado e o terceiro setor da execução das atividades públicas não exclusivas e das atividades de natureza empresarial. b) democratização do terceiro setor A democratização da administração pública deve ser feita juntamente com a democratização do terceiro setor. De acordo com Santos (1998, p. 16-17), esse possui alguns vícios: descaracterização da participação devido ao autoritarismo descentralizado, dificuldade de mundial: o Estado social-liberal. Os itens da reforma do compatibilizar o universalismo dos objetivos com as ações Estado que irão criar o Estado social-liberal do século XXI e a produção de resultados, além de vícios em algumas são: relações com o Estado (que devem ser de participação, solidariedade e democracia), como experiências em que o a) a delimitação das funções do Estado, reduzindo autoritarismo desse último é mantido pelo autoritarismo seu tamanho, principalmente em termos de pessoal, descentralizado de organizações sociais, ambos eximindopor meio de programas de privatização, terceirização e se de responsabilidade perante a sociedade. A “publicização” (esse último processo implica a democratização do terceiro setor, que combate seus transferência para o setor público não estatal dos vícios, permitirá a ele democratizar a administração serviços sociais e científicos hoje prestados pelo pública. Em vários países, inexiste o terceiro setor. O Estado Estado); deve incentivar sua criação, utilizando para isso políticas b) a redução do grau de interferência do Estado, ao de diferenciação positiva em relação à iniciativa privada. efetivamente necessário, por meio de programas de Essas políticas mostrarão se a relação entre as desregulamentação que aumentem o recurso aos organizações sociais e o Estado será de democracia ou de mecanismos de controle via mercado, o que clientelismo. Somente com a democratização referida transformaria o Estado em um promotor da haverá efetiva democracia, cooperação, participação, capacidade de competição internacional do país, ao solidariedade e prioridade das pessoas sobre o capital na invés de protetor da economia nacional contra a sociedade. competição internacional; c) o aumento da capacidade estatal de tornar A PROPOSTA DO ESTADO SOCIAL-LIBERAL efetivas as decisões do governo, por intermédio do O Estado social-liberal ajuste fiscal (que devolve autonomia financeira ao Estado), da reforma administrativa rumo a uma Pereira (1997, p. 18-19) propõe a emergência de um administração pública gerencial (ao invés de novo Estado que seja eficiente e capaz de promover a burocrática), e da separação entre a formulação de competitividade da indústria nacional no comércio políticas públicas e sua execução, dentro do Estado, Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Uma breve revisão sobre o Estado-novíssimomovimento-social, proposto por Boaventura de Sousa Santos e o Estado social-liberal de Luiz Carlos Bresser Pereira (54) no nível das atividades exclusivas de Estado, e, finalmente, d) o aumento do poder do governo, graças à existência de instituições políticas que garantam melhor intermediação de interesses e tornem mais legítimos e democráticos os governos, aperfeiçoando a democracia representativa e abrindo espaço para o controle social ou a democracia direta. O Estado-providência provocou um grande aumento das atividades públicas ao assumir o desempenho de atividades sociais e econômicas e aumentou seu quadro de pessoal e suas despesas, superando as receitas. Para Pereira, a crise do Estado-providência deve-se à crise do petróleo de 1973, à recessão econômica mundial, ao aumento do desemprego, à crise fiscal, de governança e governabilidade do Estado. Na reforma do Estado, para a emergência do Estado social-liberal, o Estado continuará executando as atividades públicas que lhe são exclusivas. Entretanto, necessitará delimitar sua atuação, com a transferência para o mercado e o terceiro setor da execução das atividades públicas não exclusivas e das atividades de natureza empresarial. As atividades públicas não exclusivas são as que não derivam do poder de Estado. “Incluem-se nessa categoria as escolas, as universidades, os centros de pesquisa científica e tecnológica, as creches, os ambulatórios, os hospitais, entidades de assistência aos carentes” (PEREIRA, 1997, p. 25). Já as atividades exclusivas devem ser realizadas pelo Estado e são: o Judiciário, o Legislativo, a arrecadação de tributos, o poder de polícia, a defesa nacional, a diplomacia. A transferência das atividades empresariais estatais para a iniciativa privada opera-se por meio da privatização entendida como “um processo de transformar uma empresa estatal em privada” (PEREIRA, 1997, p. 19). A privatização deverá ocorrer observando condições especiais no caso de monopólios naturais, criando-se agências reguladoras autônomas que determinarão os preços que existiriam se o mercado atuasse nessa área (PEREIRA, 1997, p. 25). A transferência das atividades públicas não estatais para o terceiro setor ocorrerá por meio da publicização. “Publicização é transformar uma organização estatal em uma organização de direito privado, mas pública não grupos sociais (mecanismos de controle) que lutam pela satisfação de seus interesses particulares. Sob o ponto de vista funcional, há o controle hierárquico (dentro das organizações), o democrático (sobre as organizações e cidadãos) e o econômico (exercido pelo mercado). Tais controles variam em grau de concentração e em democracia. Assim, são seis os É público o espaço que é de todos e para todos. É mecanismos de controle. O primeiro, do mercado (o melhor, porque a competição possibilita maior estatal uma forma específica de espaço ou de propriedade pública: aquela que faz parte do Estado. É produtividade com a diminuição dos custos. Ele, porém, não controla as ações fora da economia nem suas privada a propriedade que se volta para o lucro ou imperfeições, e é necessário utilizar outras formas de para o consumo dos indivíduos ou dos grupos. [...] Em princípio todas as organizações sem fins lucrativos são controle). O segundo, o controle social (ou democracia direta. É o controle exercido pela sociedade organizada ou devem ser organizações públicas não estatais. sobre as organizações públicas. Pode ser de baixo para cima, sobre as instituições, ou de cima para baixo, com a Terceirização utilização de conselhos diretores das organizações públicas não estatais. Também se dá pelo referendo e A reforma do Estado prevê a terceirização de plebiscito). Em terceiro vem a democracia representativa determinadas atividades que permitem às atividades do (controle exercido pela representação popular no poder de Estado ser executadas. “Terceirização é o Legislativo. É exercido apenas para se elaborar leis). O processo de transferir para o setor privado serviços auxiliares ou de apoio” (PEREIRA, 1997, p. 19). Ela permite quarto é o controle hierárquico (pode ser gerencial, é a administração pública gerencial). Em quinto, o burocrático que o Estado economize, uma vez que os serviços de (a administração pública burocrática). O sexto e último é o apoio, como faxina e vigilância, serão realizados pela tradicional (patrimonialismo). O capitalismo burocrático iniciativa privada, sujeita à competição (PEREIRA, 1997, p. usou o controle burocrático, mercado regulado e a 29). democracia representativa. Espera-se que na globalização a reforma do Estado utilize os controles do mercado, a Desregulamentação democracia representativa, a democracia direta e o Pereira afirma que a reforma do Estado deve promover controle hierárquico gerencial (PEREIRA, 1997, p. 37-38). diminuição na regulamentação, porque essa diminui a Governança competitividade das empresas e aumenta os gastos públicos. Porém, ela não deve ser eliminada totalmente, A reforma do Estado deve proporcionar governança a como nas políticas de comércio exterior e meio ambiente ele. “Existe governança em um Estado quando seu (PEREIRA, 1997, p. 33-34). governo tem as condições financeiras e administrativas para transformar em realidade as decisões que toma” Mecanismos de controle (PEREIRA, 1997, p. 40). Pereira (1997, p. 44) resume esse item ao dizer que De acordo com Pereira (1997, p. 36), sob o ponto de haverá governança quando a reforma do Estado torná-lo vista institucional, a sociedade utiliza três principais menor e melhor financeiramente; quando sua área de mecanismos de controle (ou coordenação): mercado, atuação for determinada, a diferenciação entre o núcleo sociedade civil e Estado. O mercado é a economia, estratégico tomador de decisões e as instituições controlada pela competição. O Estado é controlado pelo descentralizadas executoras de políticas públicas for conjunto de leis instituído pela sociedade que também esclarecida; e quando ele for capaz de escolher e efetivar permitem e ditam as condições para que os outros as políticas públicas econômicas e sociais importantes e mecanismos operem. A sociedade civil organiza-se em estatal” (PEREIRA, 1997, p. 19). As atividades não exclusivas do Estado deverão ser realizadas por organizações públicas não estatais (entidades privadas que realizam o interesse público. Juntas elas formam o terceiro setor). Pereira (1997, p. 26) distingue o que é público, o que é estatal e o que é propriedade privada: Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Uma breve revisão sobre o Estado-novíssimomovimento-social, proposto por Boaventura de Sousa Santos e o Estado social-liberal de Luiz Carlos Bresser Pereira necessárias, por meio de um quadro de pessoal qualificado e motivado no alto escalão. Governabilidade Entende-se por governabilidade “a relação de legitimidade do Estado e de seu governo com a sociedade” (PEREIRA, 1997, p. 45). A crise do Estado-providência envolveu o problema da governabilidade. Várias denúncias de corrupção dos políticos e burocratas e a deficiência na prestação dos serviços públicos acarretaram descrença do poder público estatal como provedor dos interesses da sociedade. Ao reformar-se o Estado, deve-se aumentar a governabilidade, tornando-o mais democrático, valendose de instituições políticas que promovam melhor intermediação dos interesses diversos dos grupos sociais, de sistemas de responsabilização do alto escalão do governo, da transparência dos atos públicos e de sistemas que promovam seu controle social direto e das organizações públicas não estatais (PEREIRA, 1997, p. 51). A reforma gerencial brasileira proposta pelo Plano Diretor da Reforma do Estado, de setembro de 1995 Pereira, para a emergência de um Estado social-liberal brasileiro, propôs a reforma gerencial da administração pública brasileira no Plano Diretor da Reforma do Estado, do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, de setembro de 1995. Tal reforma busca promover o ajuste fiscal (PEREIRA, 1998a, p. 20) e tornar a administração mais eficiente e dirigida para o atendimento da população. O ajuste fiscal será realizado principalmente através de: (56) a) exoneração de funcionários por excesso de quadros; b) definição clara de teto remuneratório para os servidores; e c) modificação do sistema de aposentadorias, aumentando-se o tempo de serviço exigido, a idade mínima para aposentadoria, exigindo-se tempo mínimo de exercício no serviço público e tornando o valor da aposentadoria proporcional à contribuição (reforma da Previdência). As três mudanças exigirão mudança constitucional. Uma alternativa às dispensas por excesso de quadros, provavelmente muito usada, será o desenvolvimento de sistemas de exoneração ou desligamento voluntário. Nesses sistemas os administradores escolhem a população de funcionários passível de exoneração e propõem que parte deles se desligue voluntariamente, em troca de indenização e treinamento para a vida privada. Diante da possibilidade iminente de dispensa e das vantagens oferecidas para o desligamento voluntário, grande número de servidores se desligará. Entende-se por ajuste fiscal o equilíbrio das contas públicas, as receitas igualando-se às despesas, diminuindo ou anulando o déficit público. Entretanto, para que ocorra a efetivação da reforma gerencial não poderá haver restrição de receitas que viabilizem a implementação dos mecanismos gerenciais. São necessárias várias reformas constitucionais para que se viabilize a reforma gerencial. Embora Pereira sustente que todo servidor público competente e trabalhador será beneficiado na reforma administrativa, seu plano prevê apenas a valorização do administrador público por intermédio da criação de carreiras próprias para os que ocuparão o alto escalão do governo. A reforma estatal prevê a criação de carreiras de altos administradores, com o intuito de profissionalizar o administrador público e fortalecer o núcleo estratégico estatal. Tais carreiras serão desenvolvidas a partir das já existentes, de gestores governamentais e analistas de orçamento, e os concursos públicos exigirão nível de conhecimento de pós-graduação em economia ou administração pública (PEREIRA, 1998a, p. 32). O Plano Diretor de Reforma do Estado propõe que o Estado nacional possua quatro áreas: a) o núcleo estratégico (que define leis e políticas públicas sociais e econômicas) (PEREIRA, 1998a, p. 21) No núcleo estratégico são definidas as leis e políticas públicas. Setor relativamente pequeno, no Brasil é formado, em nível federal, pelo presidente da República, pelos ministros de Estado e pela cúpula dos ministérios, responsáveis pela definição das políticas públicas, pelos tribunais federais encabeçados pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Ministério Público e, por último, pelos congressistas. Em nível estadual e municipal existem núcleos estratégicos correspondentes. Nos núcleos estratégicos, a propriedade é estatal. Seus instrumentos são as leis, a formulação de políticas públicas, a sentença e o acórdão. A forma de administração é burocrática e gerencial. Suas instituições são as secretarias formuladoras de políticas públicas e os contratos de gestão. Estes devem estabelecer objetivos, metas, avaliação de desempenho dos órgãos executores e garantir a eles o fornecimento dos recursos necessários para sua consecução (PEREIRA, 1998a, p. 22-23). Em sua proposta de reforma, Pereira explicita a total separação entre os formuladores de políticas públicas e seus executores. De acordo com Abrucio (1999, p. 195), essa separação acarreta dois problemas. Primeiro, não há comunicabilidade entre os primeiros e os segundos. Ficam os formuladores sem saber sobre a prática administrativa e as demandas verdadeiras a serem tratadas. Os executores, sem saber por que precisam executá-las. Segundo, a aprendizagem organizacional não se concretiza, e não se determinam os responsáveis pelo serviço público, o que dificulta a accountability. b) atividades exclusivas do Estado (como exemplo: polícia, defesa nacional e legislação) Sua propriedade é estatal e sua forma de administração é gerencial. Suas instituições são as agências executivas autônomas e descentralizadas. Os dirigentes das agências executivas ou autônomas (agências reguladoras que estabelecem os preços), nomeados pelos ministros, assinarão contrato de gestão para definirem objetivos e avaliações de desempenho, terão autonomia para administrar o orçamento global, admitir e demitir empregados e efetuarão compras por meio dos princípios da licitação. (PEREIRA, 1998a, p. 22-23). A transformação de autarquias e fundações, que exercem atividades exclusivas do Estado, em agências executivas dar-se-á para que possuam autonomia de gerenciar seus recursos financeiros e humanos a partir de um orçamento global. Dessa forma terão maior autonomia Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Uma breve revisão sobre o Estado-novíssimomovimento-social, proposto por Boaventura de Sousa Santos e o Estado social-liberal de Luiz Carlos Bresser Pereira e serão responsabilizadas pelos resultados (PEREIRA, 1998a, p. 32). c) serviços não exclusivos ou competitivos (atividades de interesse público que podem ser exercidas pela iniciativa privada, mas que muitas vezes não o são por não gerarem lucro, sendo assim subsidiadas pelo poder público ou por ele realizadas, como serviços sociais e científicos) Nas palavras de Pereira (1998a, p. 22), os serviços não exclusivos ou competitivos do Estado são aqueles que, embora não envolvendo poder de Estado, o Estado realiza e/ou subsidia porque os considera de alta relevância para os direitos humanos, ou porque envolvem economias externas, não podendo ser adequadamente recompensados no mercado através da cobrança dos serviços. Os serviços sociais e científicos, como escolas, universidades, hospitais, museus, centros de pesquisa, instituições de assistência social, etc., fariam parte desse setor. Por intermédio de um programa de publicização, serão transformados em propriedade pública não estatal os serviços não exclusivos do Estado, cuja forma de administração é a gerencial. Nas palavras de Pereira (1998a, p. 26), o processo de publicização deverá assegurar o caráter público, mas de direito privado da nova entidade, assegurando-lhes, assim, maior autonomia administrativa e financeira. Para isso será necessário extinguir as atuais entidades e substituí-las por fundações públicas de direito privado, criadas por pessoas físicas. Dessa forma, evitar-se-á que as organizações sociais sejam consideradas entidades estatais, como aconteceu com as fundações de direito privado instituídas pelo Estado, e assim submetidas a todas as restrições da administração estatal. (58) O orçamento das propriedades públicas não estatais será global, os empregados serão celetistas, as compras deverão obedecer aos princípios da licitação pública e o contrato de gestão entre a entidade e o Estado para o controle dos recursos públicos será celebrado. Tal controle será também exercido pelo Tribunal de Contas. Os contratos de gestão celebrados entre as organizações sociais e o Poder Executivo deverão ser autorizados pelo Poder Legislativo, fazendo parte as organizações sociais do orçamento público do ente executivo federal, estadual ou municipal. É importante que os dirigentes dos entes públicos não estatais não os tratem como se privados fossem (PEREIRA, 1998a, p. 26-27). O aumento no número de organizações sociais executoras de serviços públicos não exclusivos pode originar formas de controle social direto e novas parcerias entre o setor público e o terceiro setor, o que levaria ao fortalecimento da democracia. atividades exclusivas para agências executivas, de modo a aumentar a eficiência estatal. Sobre a descentralização das atividades públicas para Estados e municípios, Abrucio (1999, p. 194-195) concorda com Pereira, quando este afirma que ela promove o aumento da eficiência e da democracia na administração pública, mas que não pode ser radical, sob pena de promover aumento nas desigualdades entre as localidades, dividindo a oferta de atividades públicas. Para evitar que isso aconteça, ele propõe a adoção de políticas compensatórias. CONTRAPONTOS ENTRE A PROPOSTA DO ESTADO SOCIAL-LIBERAL E A PROPOSTA DO ESTADONOVÍSSIMO-MOVIMENTO-SOCIAL d) produção de bens e serviços para o mercado A proposta de reforma gerencial do Estado social-liberal e a proposta do Estado-novíssimo-movimento-social concordam que o Estado-providência é ineficiente na prestação de serviços públicos e na efetivação de políticas públicas em época de globalização. A perda da soberania nacional, na atualidade, demanda uma reforma estatal para que o Estado volte a ser eficiente e consiga efetivar seus projetos e programas. Porém, as duas propostas diferem Por intermédio da reforma proposta, visa-se transferir para a iniciativa privada a execução dos referidos serviços sobre suas características, as causas da ineficiência do Estado-providência e o papel do terceiro setor. por meio da privatização. De acordo com Pereira (1998a, Para Pereira, a crise do Estado-providência deve-se à p. 22-23), a forma de propriedade deve ser a privada, por crise do petróleo de 1973, à recessão econômica mundial, meio de privatizações; a forma de administração, a gerencial; e as instituições realizadoras serão as empresas ao aumento do desemprego, à crise fiscal, de governança e governabilidade do Estado. privadas. Acredita-se que o setor privado é mais eficiente Para Santos, ela deve-se ao aumento da exclusão na realização desses serviços. As atividades que o social (as questões sociais não mais são tratadas pela mercado não puder realizar serão realizadas e reguladas inclusão social por meio das políticas públicas), à ausência pelo Estado social-liberal (princípio da subsidiaridade), de recursos financeiros para se efetivarem programas sendo por ele financiadas a fundo perdido. A reforma gerencial do aparato administrativo brasileiro estatais, à globalização, que diminuiu a capacidade de intervenção estatal, à incorporação das exigências do promoverá a eficiência da máquina estatal ao fortalecer o núcleo estratégico da administração direita e descentralizar mercado na elaboração das leis e políticas públicas e à ausência de participação popular no processo decisório a administração pública, criando para isso agências das políticas públicas. executivas e organizações sociais autônomas. Por meio de Pereira propõe a emergência de um novo Estado: o contratos de gestão, o núcleo estratégico controlará e ditará os objetivos e metas a serem executados pelo terceiro Estado social-liberal, que possui as seguintes setor e pelas agências. Visa-se a fortalecer a competência do características: núcleo estratégico e a autonomia das referidas agências e ONGs (PEREIRA, 1998a, p. 21). • redução das funções do Estado, por meio de O Plano Diretor de Reforma do Estado propõe a programas de privatização, terceirização e descentralização de serviços sociais para Estados, publicização; municípios e organizações sociais, e a descentralização de A produção de bens e serviços para o mercado é realizada pelo Estado por meio das empresas de economia mista, que operam em setores de serviços públicos e/ou em setores considerados estratégicos. (PEREIRA, 1998a, p. 22). • adoção de programas de desregulamentação, para que o Estado promova a competição internacional da indústria nacional; • aumento da governança, por intermédio da reforma gerencial do aparato estatal, do ajuste fiscal e da reforma da Previdência; • criação de carreiras de altos administradores; • aumento da governabilidade por meio do controle social direto; • descentralização de atividades públicas da União para Estados, municípios, agências executivas e organizações sociais, com o objetivo de aumentar a eficiência estatal; • existência de quatro áreas dentro do Estado: o núcleo estratégico, as atividades exclusivas, os serviços não exclusivos ou competitivos e a produção de bens e serviços para o mercado; e • separação entre os formuladores de políticas públicas, centralizados, e os executores, que são unidades descentralizadas, como agências executivas de serviços sociais e científicos competitivos, como creches, hospitais, ambulatórios e entidades de assistência aos carentes, com a adoção do contrato de gestão, que deverá possuir indicadores de desempenho definidos, e do controle social direto sobre a execução dos serviços. Santos propõe a emergência de um novo Estado: o Estado-novíssimo-movimento-social, que apresenta as seguintes características: • emergência de uma nova arena política que extravasa o Estado Nacional, onde os atores políticos estatais, não estatais, nacionais e internacionais discutem sobre como se dará a execução das atividades públicas e os interesses a serem atendidos pelas políticas públicas. As regras desse jogo político estão em constante desordem; • promoção da metarregulação pelo Estado nacional, cuja natureza e tipo são discutidos entre os atores sociais nas discussões políticas existente no espaço público. Como objetivam a democratização da metarregulação e do terceiro setor, o Estado serve para assegurar as regras dessas discussões políticas; • articulação entre democracia participativa e representativa; • democratização da administração pública tornando-a mais eficiente, com equidade e probidade; • democratização do terceiro setor; e • estabelecimento de uma nova articulação entre o princípio da comunidade e o princípio do Estado, que viabiliza a democracia no terceiro setor e no Estado. Santos não sugere como deve ser organizado o aparato estatal. Diz apenas que deverão ser adotados valores democráticos na administração pública, como equidade e probidade. Já Pereira propõe o aparato estatal gerencial, com as características especificadas no Plano Diretor de Reforma do Estado, de 1995. O terceiro setor, no Estado-novíssimo-movimentosocial, além de participar da execução de serviços públicos, possui o papel primordial de promover a democratização da administração pública e de participar no processo decisório político realizado em um espaço público que extravasa o estatal, onde o Estado é apenas um intermediador entre os diferentes interesses e onde são constantemente discutidas e definidas as regras de prevalência de interesses, as demandas a serem atendidas pelas políticas públicas e todas as medidas que envolvem a satisfação do interesse público. Pereira considera que o terceiro setor pode vir a permitir novas maneiras de controle social direto, de parcerias que aumentariam a democracia. Mas tal efeito seria secundário e posterior ao seu objetivo maior, especificado no Plano Diretor de Reforma do Estado de 1995, que é o de atuar como parceiro do Estado na execução das políticas públicas e na realização de serviços públicos não essenciais a esse último. No modelo de Santos, o terceiro setor já começa a promover a democracia participativa logo na formação do Estadonovíssimo-movimento-social, quando participa de todo o processo político decisório que envolve os interesses coletivos, da democratização da metarregulação e da democratização da administração pública, além da execução das atividades públicas. CONSIDERAÇÕES FINAIS A proposta de Pereira versa sobre a reforma do Estado em geral e propõe uma nova maneira de se organizar a administração pública. A proposta de Santos versa sobre a reforma do Estado em geral, porém não especifica como o aparato estatal deve se organizar, e determina apenas que a administração pública deve democratizar-se com a incorporação de ideais democráticos. Ressalta que essa democratização será conduzida pelo entrosamento entre o terceiro setor e o Estado. Uma diferença muito importante a se constatar neste trabalho é o papel que a sociedade organizada possui em cada proposta. No Plano Diretor de Reforma do Estado, de 1995, proposto por Pereira para a emergência do Estado social-liberal, o terceiro setor foi considerado, basicamente, apenas um parceiro do Estado na execução de políticas públicas. O autor prevê que as organizações sociais poderão vir a criar formas de controle social direto e parcerias. Já na proposta do Estado-novíssimomovimento-social, o papel do terceiro setor é participar na democratização da administração pública, na democratização da metarregulação, na definição das regras para a prevalência de interesses, nas definições de demandas a serem atendidas nas políticas públicas, na execução das políticas públicas, etc. O governo federal, ao adotar o Plano Diretor de Reforma do Estado, de 1995, fez a opção clara pela instauração de um Estado social-liberal brasileiro. Várias de suas medidas foram implantadas. A implantação de um Estado-brasileiro-novíssimomovimento-social só seria viável se a população brasileira fosse organizada, ativa politicamente e tivesse a consciência de que o Estado existe para satisfazer seus interesses, de que possui o direito de cobrar da burocracia e dos governantes a satisfação do interesse coletivo, a prestação de bons serviços públicos, e passasse a cobrar accountability do governo. Mas sabemos que essa ainda não é a realidade. Quem sabe daqui a alguns anos, quando a democracia brasileira estiver mais amadurecida, não haverá condições e vontade política para a efetivação de um Estado-novíssimo-movimento-social brasileiro? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRUCIO, Fernando Luiz. Os avanços e os dilemas do modelo pós-burocrático: a reforma da administração pública à luz da experiência internacional recente. In: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser; SPINK, Peter. Reforma do Estado e administração pública gerencial. 3. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999. 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Virgínia Romualdo dos Santos, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, especialista em Direito Público pela ANAMAGES, chefe de Divisão na Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. Página 63 Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Processo de licenciamento ambiental – instrumento para efetivação da justiça social? Por Luna Bouzada Flores Viana No artigo, objetiva-se propor uma reflexão sobre os limites e possibilidades do processo de licenciamento enquanto instrumento para melhor distribuição dos recursos e reconhecimento de populações até então “invisíveis” para as políticas públicas e debate social. Utilizando como base as literaturas da corrente liberal e a da “política da diferença”, discute-se em que medida a elaboração do estudo de impacto ambiental e as condicionantes ambientais contribuem para o exercício do conceito de justiça. Nesse contexto, o licenciamento do Projeto de Integração da Bacia do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional ou a chamada “Transposição do Rio São Francisco” é utilizado como referencial empírico para a análise proposta. Em termos teóricos, a discussão realizada apoia-se no embate dos conceitos de justiça proposto por John Rawls (1971) com aquele proposto por Iris Young (1990). Discute-se então em que medida o licenciamento do projeto representou ou poderá representar a realização de um conceito de justiça para as populações indígenas afetadas pela obra. Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Processo de licenciamento ambiental – instrumento para efetivação da justiça social? (64) INTRODUÇÃO O governo federal retomou um ciclo de investimento em grandes obras de infraestrutura por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Essas ações de governo implicam o direcionamento de montantes vultosos de recursos para regiões que, em sua grande maioria, situavam-se em áreas deprimidas1 socioeconomicamente. A execução das obras e a operação da infraestrutura implementada produzem modificações socioeconômicas profundas. Os riscos e interesses sociais, econômicos e ambientais despertam grandes discussões nacionais e contestações locais. Um ponto essencial do debate é o questionamento dos impactos socioambientais. Essas discussões são, entre outros motivos, movidas pela preocupação de quais grupos serão beneficiados e quais os prejuízos causados para outros grupos. Nesse contexto de conflito social, o entendimento e a operacionalização do conceito de justiça permitem avaliar em que medida os investimentos públicos em infraestrutura aproximam-se de um ideal de justiça social. Todavia, as visões sobre o que é e como se realiza a justiça social não são homogêneas. Diante disso, serão consideradas duas vertentes teóricas antagônicas. Inicialmente será apresentada a proposta da corrente tradicional ou liberal; e após os princípios de justiça definidos na “política da diferença”. Os conceitos teóricos identificados servirão de base para discussão sobre em que medida os estudos de impacto ambiental e as audiências públicas, ambos integrantes do processo de licenciamento, servem como instrumentos para operacionalização da justiça social e de qual visão de justiça. Para alcance de seu objetivo, esse trabalho foi estruturado em quatro partes. A primeira explicita os marcos conceituais e legais do processo de licenciamento ambiental, situando a importância dos estudos de impacto ambiental, audiências públicas e programas básicos ambientais. Na segunda parte, são definidos dois paradigmas que norteiam o processo de licenciamento ambiental: “paradigma da adequação” e o “paradigma da sustentabilidade”. A discussão desses paradigmas situa-se na literatura sobre “justiça ambiental” que defende o segundo paradigma. Observa-se que a compreensão do processo de licenciamento dentro do “paradigma da sustentabilidade” determina a reflexão sobre justiça. Na terceira parte, será realizada uma breve apresentação dos conceitos e entendimentos de “justiça” para a teoria liberal (tradicional) e para a “política da diferença”. A partir desse referencial teórico, a quarta parte do trabalho traz uma análise do processo de licenciamento ambiental do Projeto de Integração da Bacia do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional, utilizando como ponto de destaque os grupos indígenas situados na área de influência direta. Considerando a interface desses grupos indígenas com o Projeto São Francisco, são realizadas reflexões sobre os limites e possibilidades da aplicação dos princípios de justiça da teoria tradicional e possíveis aportes da teoria da política da diferença. Entre os instrumentos para efetivação da Política Nacional do Meio Ambiente, foram definidos a avaliação de impacto ambiental e a necessidade de licenciamento ambiental para atividades efetiva ou potencialmente poluidoras. Antecedentes De acordo com Estenssoro Saavedra (2007), a inserção, no debate político, do tema meio ambiente tem seu antecedente no pós-2ª Guerra Mundial devido aos seguintes fatores: evolução técnico-científica, que permitiu avaliar processos de mudança climática e avanço da degradação ambiental; grandes desastres ambientais; surgimento do movimento ambientalista. Esses fatores têm causado modificações nas ideias sobre a relação homem/ mulher e natureza, em especial, direcionando o debate para o entendimento de que, uma vez responsáveis pelo quadro atual e pelos prognósticos de fim do mundo, aos homens/mulheres caberiam as ações necessárias para superação do passivo ambiental e criação de uma nova forma de convivência com a natureza. Nesse sentido, em 1972 foi realizada a Conferência Mundial das Organizações das Nações Unidas sobre Meio Ambiente em Estocolmo, que se popularizou pela definição do termo desenvolvimento sustentável. Entre outros marcos históricos e teóricos, destacam-se o Relatório Nosso Futuro Comum ou Bruntland, de 1987, da criação Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, e Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), conhecida por Conferência do Rio de Janeiro – ECO92, na qual foi aprovada a Agenda 21, com 179 países signatários. O protagonismo do Brasil, nesses fóruns, solidifica-se pela legislação ambiental pátria vista como referência no cenário mundial. Em 1981, foi aprovada a Política Nacional do Meio Ambiente, por intermédio da Lei nº 6.938/1981 (BRASIL, 1981). Esta lei se fundamenta nos princípios e discussões oriundos da Conferência de Estocolmo, chamando-se a atenção para o objetivo de compatibilização do desenvolvimento com a preservação do meio ambiente. Entre os instrumentos para efetivação da Política Nacional do Meio Ambiente, foram definidos a avaliação de impacto ambiental e a necessidade de licenciamento ambiental para atividades efetiva ou potencialmente poluidoras. A realização dos estudos de impactos ambientais, por sua vez, é determinada para empreendimentos específicos conforme as Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente no 1 de 1981 e no 237 de 19972. A determinação de licenciamento ambiental foi reforçada pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), que incluiu a necessidade de publicização do procedimento ambiental. Além disso, o caput do artigo 225 dispõe que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Processo de licenciamento ambiental – instrumento para efetivação da justiça social? público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserválo para as presentes e futuras gerações”(BRASIL, 1988). O marco normativo brasileiro consubstancia então um processo de construção de nova compreensão das relações homens/mulheres e natureza. Estabelece o entendimento de que o meio ambiente é bem de uso comum e define que é responsabilidade compartilhada entre Estado e sociedade/mercado, o alcance da equação entre desenvolvimento e equilíbrio ambiental. Elementos do processo de licenciamento ambiental: sobre os Estudos de Impacto Ambiental e audiências públicas (66) Parte-se do pressuposto de que os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) buscam ser um dos principais elementos concretizadores da ideia e, por conseguinte, da normatividade de que o meio ambiente é bem de uso comum e que a preservação de seu equilíbrio é uma responsabilidade compartilhada (IBAMA, 2010). As Resoluções no 1 de 1986 e nº 9 de 1987 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) definiram os procedimentos para elaboração dos estudos EIA. A primeira resolução define o conteúdo da avaliação ambiental, que em suma deve conter: análise das alternativas, outras ações de governo desenvolvidas na área de implantação; e diagnóstico de possíveis impactos ambientais e socioeconômicos. Além disso, a resolução dispõe sobre a possibilidade de realização de audiência pública para obtenção de informações, discussão do projeto e seus impactos e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Deve-se observar que o RIMA consiste em síntese do EIA, possui linguagem menos técnica e objetiva informar sobre o projeto, seus impactos e possíveis efeitos das medidas mitigadoras propostas. A elaboração do EIA/RIMA é responsabilidade do empreendedor que submete os mesmos para aprovação do órgão ambiental responsável. A Resolução no 9, por sua vez, normatiza as audiências públicas, determina que devem ser realizadas em locais de fácil acesso, e esclarece que possuem legitimidade para solicitá-las o próprio órgão ambiental, entidade civil, Ministério Público ou conjunto de 50 cidadãos ou mais (CONAMA, 1987). Deve-se chamar a atenção para o momento em que costumam ser realizadas as audiências públicas durante o processo de licenciamento. O órgão licenciador define quais são os estudos e documentos necessários para licenciamento da atividade. Em geral, para empreendimentos públicos de grande porte é demandada a realização de estudos iniciais de viabilidade. De posse desses estudos, o órgão licenciador verifica a necessidade de emissão da licença prévia (LP). Caso seja necessário, o órgão ambiental elabora um termo de referência para licitação/contratação do EIA/ RIMA pelo empreendedor. Depois de elaborado, o EIA/ RIMA é submetido à aprovação e emissão da LP. Essa licença é emitida com uma série de condicionantes que devem ser cumpridas para emissão da licença de instalação, que autoriza a implantação do empreendimento. A licença de instalação também possui condicionantes, as quais devem ser obedecidas para emissão da licença de operação3. Alguns estudiosos como Vasconcellos Filho (2006) questionam o momento de elaboração do EIA considerando o ciclo de projetos. A identificação dos impactos é realizada após definição de que o empreendimento será realizado. Assim, o objetivo de que a avaliação ambiental retroalimente a concepção do projeto não é atendida. Todavia, considerando a prática e outros estudos internacionais, os princípios e práticas de elaboração da avaliação ambiental no Brasil coadunam-se com o que tem sido defendido e proposto por organismos internacionais, outros governos e estudos. O debate sobre os limites da participação popular no processo decisório sobre licenciamento ambiental Alguns estudos relatam a importância da participação popular no processo de licenciamento mediante a identificação de modificações no modo em que grandes empreendimentos são implementados e geridos (ALTISSIMO; SANTI, 2007)4. Tem-se que a participação da sociedade, em especial nas audiências públicas, viabiliza um momento de troca de informações entre atores governamentais, representantes do empreendedor e sociedade civil. A concretização do processo de escuta ocorre mediante inserção nas condicionantes ambientais de ações em que apenas a atuação de técnicos e atores governamentais não teria sensibilidade para apreender. Todavia, tem-se observado que a consulta e a participação popular previstas no processo de licenciamento de grandes obras de infraestrutura estariam sendo apenas ações para atendimento das formalidades legais para emissão das licenças ambientais (ZHOURI, 2008). A limitação da participação popular tem sido atribuída, entre outros fatores, ao caráter eminentemente técnico das discussões e as pessoas, em geral, não teriam condições de criticar o que está sendo apresentado. Dessa forma, os fóruns previstos para consulta são monopolizados por setores mais organizados que de certa forma dominam o discurso técnico; e as pessoas realmente afetadas permanecem excluídas da participação5. Outra dimensão é a de que o processo de licenciamento faz parte de um conjunto de institucionalidades elaboradas e formalizadas no contexto do discurso sobre desenvolvimento sustentável e de melhoria da governança do setor. Todavia, o discurso sobre desenvolvimento sustentável e as institucionalidades criadas para realização do mesmo refletem posições hierarquizadas e relações de poder desiguais (ZHOURI, 2008). Nesse contexto, os conselhos e outros fóruns como as audiências públicas estariam com sua efetividade limitada ao levantamento de demandas sociais que conseguem ser externalizadas e defendidas por setores da sociedade civil organizados. A apropriação das demandas sociais pode então ser compreendida como decorrente do paradigma da adequação6. Ou seja, não se discute a verdadeira viabilidade socioambiental do projeto; as demandas são assimiladas e os procedimentos formais realizados de forma a não comprometer a realização do projeto. LICENCIAMENTO AMBIENTAL: MOVENDO-SE DO PARADIGMA DA ADEQUAÇÃO PARA O DA SUSTENTABILIDADE Quando se move da aplicação do paradigma da adequação para o paradigma da sustentabilidade, surge a discussão sobre a justiça. O paradigma da adequação insere-se no discurso de governança ambiental ou de criação de institucionalidades que permitem a melhor administração do conflito entre meio ambiente e desenvolvimento. De acordo com Zhouri Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Processo de licenciamento ambiental – instrumento para efetivação da justiça social? (68) (2006), a realização do investimento é a preocupação principal. “O meio ambiente é visto como mera externalidade e a paisagem deve ser adaptada para que o projeto possa ser implementado” (ZHOURI, 2006, p. 15). A partir desse paradigma, o conflito social é esvaziado e a degradação ambiental é desconectada da injustiça social (ZHOURI, 2006). A execução dos procedimentos previstos, como a elaboração do estudo de impacto ambiental e audiências públicas, é vista como suficientes para assegurar as condições para que essas ocorram sem muitos prejuízos ambientais e sociais. A análise das alternativas para implementação do empreendimento e de seus impactos socioambientais pauta-se por uma avaliação em suma distributiva, onde o resultado global obtido e/ou a capacidade de amenizar as perdas de determinados grupos é o objeto de decisão. Quando se parte para aplicação do paradigma da sustentabilidade, a análise a ser realizada, além das alternativas técnicas, deve considerar “a finalidade do empreendimento e das ações de conservação vis-à-vis os segmentos sociais beneficiados, os potenciais ecológicos de produção do lugar e as condições sociais e culturais das populações envolvidas” (ZHOURI, 2008, p. 104). O processo de licenciamento ambiental enseja reflexão sobre como se pode realizar a justiça. Na medida em que esse tem a capacidade de redefinição dos usos dos espaços ambientais, pode validar ou superar conflitos de visão sobre o espaço, favorecendo aqueles que têm maior poder dentro do processo. Ao mesmo tempo, o processo de licenciamento, como “para-raios de todas as disputas que ocorrem em torno do empreendimento” (VASCONCELLOS FILHO, 2006, p. 22) também pode dar visibilidade e benefícios àqueles que historicamente foram excluídos. Isso porque, na adoção do paradigma da sustentabilidade, a consideração das diferentes visões e anseios sobre o espaço ambiental pode amenizar ou superar decisões em que os danos são sempre integralmente absorvidos pelos pobres. Deve-se pensar sobre os limites e possibilidades para que a normatividade e a prática existentes no Brasil caminhem para o paradigma da sustentabilidade. Esse paradigma, por sua vez, pode ser relacionado à concretização de outro ideal que é o da “política da diferença”. DUAS VISÕES SOBRE A JUSTIÇA: TEORIA LIBERAL E A POLÍTICA DA DIFERENÇA A visão liberal A teoria da justiça de Rawls foi construída a partir de Pensar sobre os limites e possibilidades dos estudos de fundamentos abstratos sobre natureza humana e condição inicial onde seria celebrado o contrato social que impacto ambiental e suas audiências públicas, enquanto elementos propulsores de transformação social, demanda determinaria os princípios reguladores da justiça e as uma concepção teórica que ilustra a estrutura e dinâmica institucionalidades decorrentes. O próprio autor admite esta simplificação e a considera como mais útil para subjacentes às relações sociais e os meios de aplicação desse conceito em uma sociedade (RAWLS, transformação dessas estruturas. 1971). São identificados dois pontos de partida para se Rawls (1971) parte da teoria contratualista e de crítica pensar o potencial transformador e em que medida esses ao utilitarismo. De acordo com o autor, a aplicação dos fóruns e a participação social catalisam/consistem em princípios de justiça do utilitarismo faz com que alguns meios de melhoria na relação homens/mulheres e meio poucos arquem com um sacrifício muito maior, para que ambiente e na realização deste enquanto bem comum. Um primeiro ponto de partida é o de se pressupor que outros compartilhem uma soma crescente de vantagens. A divisão das vantagens em uma sociedade deve, então, a normatividade estabelecida no Brasil está em acordo ser orientada pela adoção de um conjunto de princípios. A com princípios mundialmente aceitos e que, em suma, definição desses ocorre mediante uma contratualização representam os alicerces para melhoria na relação com a entre os membros da sociedade em uma situação natureza e de aproximação com a noção de justiça ambiental. Nessa vertente, o que faltariam seriam avanços hipotética de igualdade, ou de ignorância sobre a posição que ocupam no corpo social. Esse desconhecimento é o na implantação dessa normatividade, melhoria nos processos, aumento da participação social mediante maior que o autor denomina de “véu da ignorância”. Assim, o tema da justiça, para o autor, é visto como a mobilização e conscientização. Seria, então, necessário o estrutura básica da sociedade ou a maneira pela qual as aprofundamento na aplicação dos mecanismos já principais instituições sociais distribuem os direitos e estabelecidos, o que passaria pelo fortalecimento da deveres fundamentais e determinam como são partilhados própria sociedade civil que desempenharia papel os bens. Nesse contexto, dois princípios fundamentais são fundamental na transformação mediante atuação nos acordados e estruturam as relações sociais. O primeiro é o fóruns democráticos previstos. de garantia da liberdade de expressão e de consciência. O Um segundo ponto de partida é o de que é segundo, por sua vez, constitui-se em retomada da teoria impossível alcançar o paradigma da sustentabilidade utilitarista, mas com preocupação sobre a exclusão ou mediante o mero aprofundamento das sobrepeso a grupos menores. De acordo com esse institucionalidades existentes. Isso porque estas princípio, a distribuição de renda e de bens não deve ser institucionalidades concretizam e constituem uma necessariamente igualitária, a distribuição deve ser guiada ordenação social em que a injustiça é elemento pelo objetivo de dar-se a maior vantagem possível para fundante. Como conclusão, os fóruns de participação todos. Importante retomar que Rawls (1971) aponta como desempenham apenas o papel de camuflar a existência essencial para a sua efetivação a necessidade de que a de relações de dominação e opressão. percepção de autoridade e comando seja acessível a todos. Diante disso, a capacidade de efetivação da justiça A ênfase nos princípios da liberdade e da distribuição como ambiental mediante o EIA será discutida tendo como cernes da construção e aplicação do conceito de justiça é referência duas perspectivas teóricas, cujos pressupostos se aproximam dos pontos de partida elencados. Para essa verificada na Constituição Brasileira e nas leis e normas discussão, contrapõe-se a aplicação dos critérios de justiça subsequentes. Como Rawls (1971) destaca, o princípio da liberdade é aplicado em um primeiro estágio ou na propostos por John Rawls em seu livro Uma Teoria da contratualização ou formação da Constituição; enquanto o Justiça, de 1971, e a percepção sobre justiça e critérios principio da distribuição é aplicado em seus desdobramentos, defendidos por Iris Young em seu livro Justice and the como orientador na aplicação das leis e normas. politics of difference, de 1990. Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Processo de licenciamento ambiental – instrumento para efetivação da justiça social? (70) A política da diferença Iris Young (1990) confronta a perspectiva de justiça liberal argumentando que a adoção desta camufla as causas fundamentais da opressão e dominação, não permitindo uma real transformação social. Considerando a teoria da justiça de Rawls, a autora critica a aplicação do ideal de imparcialidade, afirmando que esta é uma realização impossível. A impossibilidade decorre do fato de que os indivíduos não conseguem se desconectar de seu contexto social, cultural e interesses próprios para avaliar e decidir as questões neutramente. Além disso, a tentativa de aplicação desse conceito fundamenta-se em uma construção liberal de buscar-se, por meio da razão, a essência das coisas e, por fim, criar-se categorias específicas e únicas que permitem a decisão. Este exercício de especificidade faz com que tudo o que seja diferente e que não possa ser agregado seja relegado ao campo do “outro”. Nesse contexto, diz a autora, é que se cria a divisão entre o público e o privado. Ou seja, o público torna-se o espaço em que a categoria homogênea “homens brancos racionais” é central e capaz de tomar decisões universais; e o privado, por sua vez, consiste no espaço de predominância feminina, onde regem os componentes afetivo e familiar. Com essas considerações, a autora propõe que a efetivação da justiça passe pelo reconhecimento das diferenças. Esse reconhecimento concretiza-se na efetiva participação de todos os grupos na decisão. Com isso, o novo pressuposto é o de que não existe um critério universal de decisão e muito menos indivíduos ou um corpo burocrático capaz de desconectar-se de seu contexto e decidir imparcialmente. A construção do “véu da ignorância” proposta por Rawls é reforçada, então, enquanto ficção. Young (1990) propõe7 que a interação e a criação de espaços onde todos podem ter voz na decisão são os mecanismos para a justiça. Ela critica as teorias de justiça que têm em vista apenas o critério distributivo porque crê que estas não abarcam questões mais profundas de opressão e dominação que só podem ser acessadas quando há espaço para participação de todos os grupos afetados e possibilidade de que estes se expressem e sejam ouvidos. A interação e voz/visibilidade dos grupos permitem que, para além da divisão dos recursos materiais, o próprio processo de tomada de decisão, a divisão do trabalho e a dimensão cultural8 sejam revistos e redirecionados para abarcar a diferença. Nesse contexto, a injustiça é desafiada à medida que a opressão e a dominação são desconstruídas. A grande questão é como desnaturalizar ou desafiar ideologias da sociedade liberal que aparentemente, em seus mecanismos, parecem ensejar ou levar ao bem comum. Os novos movimentos sociais oriundos da década de 60 nos EUA (YOUNG, 1990) tornaram essa questão clara ao perceberem, como opressão, a desvantagem e injustiça que algumas pessoas sofrem por causa de práticas cotidianas de uma sociedade liberal bem-intencionada. A opressão é então resultado de elementos estruturais ou normas não questionadas; e não de escolhas de um grupo de pessoas. A transformação social decorre de um processo de interação e conflito entre os diversos grupos sociais que permite a modificação das normas e percepções. A mudança nas normas passa, em especial, pela superação de categorias universais para incluir características e visões específicas. O movimento da justiça ambiental O Movimento da Justiça Ambiental surgiu nos Estados Unidos da América na década de 1980 a partir da critica sobre a concentração de empreendimentos poluidores nas regiões mais carentes. Na década de 1990 as estratégias e percepções do movimento foram partilhadas com associações existentes no Brasil, que atualmente também participam do questionamento à injustiça ambiental. A injustiça ambiental é definida como “o fenômeno de imposição desproporcional dos riscos ambientais às populações menos dotadas de recursos financeiros, políticos e informacionais” (ACSELRAD, 2009, p. 9). O fenômeno da injustiça decorre de várias configurações sociais e políticas que determinam uma noção indiferenciada das populações afetadas, o tratamento eminentemente técnico das questões ambientais, processos privados de decisão, o mascaramento de conflitos mediante criação de estruturas de governança, entre outros. A desigualdade social e econômica é considerada a estrutura fundante da injustiça ambiental. A crise ambiental, no discurso oficial, tem sido identificada como uma questão que afeta a todos. O Movimento da Justiça Ambiental questiona este A transformação social decorre de um processo de interação e conflito entre os diversos grupos sociais que permite a modificação das normas e percepções. A mudança nas normas passa, em especial, pela superação de categorias universais para incluir características e visões específicas. posicionamento que camufla o grande peso arcado por grupos específicos como os mais pobres e grupos étnicos desprovidos de poder (ACSELRAD, 2009). O debate ecológico concentra-se em temáticas que afetam os mais ricos e orienta-se para a chamada “modernização ecológica”, ou seja, conciliação do modelo de desenvolvimento dominante com o meio ambiente (ACSELRAD, 2009). O Movimento também explora a falta de politização das questões ambientais fruto dos pressupostos liberais. Assim, além do padrão de decisão privatista, os conflitos são vistos como anomalias que podem ser gerenciadas e pacificadas a partir da adoção das institucionalidades corretas e, nesse contexto, de soluções negociadas. Com esse objetivo, organismos internacionais como o Banco Mundial propagandeiam manuais de solução de conflitos (ACSELRAD, 2009). No contexto brasileiro, a questão ambiental é vista ou como uma limitação às ações econômicas ou como oportunidade de lucro. De acordo com Acselrad (2009), ainda não se chegou a um equilíbrio onde a decisão sobre as questões ambientais seja democraticamente tomada, sem a exclusão via discurso do conhecimento técnico. Os autores consideram que os embates devem representar as diferentes visões que se têm sobre a apropriação da natureza (ACSELRAD, 2009). Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Processo de licenciamento ambiental – instrumento para efetivação da justiça social? (72) Nesse cenário, o Movimento defende a superação da indústria de EIA/RIMA que compõe estudos formalmente padronizados e socialmente vazios. A avaliação que se propõe é a Avaliação de Equidade Ambiental: Quando da discussão de impactos de empreendimento, igualmente se procura construir um quadro abrangente, incorporando questões de participação pública, institucional e política e incluindo a consideração das dimensões sociais, culturais, econômicas e institucionais vivenciadas pelos grupos atingidos, assim como os efeitos dos empreendimentos nos modos de subjetivação e na saúde física e mental dos indivíduos e grupos... busca evidenciar os efeitos socioambientais desiguais de qualquer atividade pública ou privada que altere de maneira indesejada a maneira como as pessoas moram, trabalham, relacionam-se umas com as outras, elaboram a sua expressão coletiva e seus modos próprios de subjetivação. (ACSELRAD, 2009, p. 31-32). As críticas e a argumentação do Movimento de Justiça Ambiental aproximam-se das ideias defendidas por Young (1990). A ideologia e naturalização de processos sociais de dominação e opressão/desigualdade socioeconômica pelo liberalismo consistem em ponto de partida comum para críticas. A partir disso, são questionamentos comuns a visão do conflito como anomalia que deve ser gerido por estruturas de governança e a universalização de questões e problemas, o que esconde como cada grupo percebe e arca com as resultantes dos processos sociais. O Movimento de Justiça Ambiental, todavia, defende como estratégia o reforço das normatividades existentes tanto para que sejam aplicadas a todos quanto pela criação de novas (ACSELRAD, 2009). A partir dessa crítica, propõe-se discutir o processo de elaboração do EIA para o Projeto de Integração da Bacia do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional (PISF)9. Este projeto foi primeiramente pensado no 2º Império e desde então tem sido discutido e estudado. Em sua configuração atual, ele levará água do Rio São Francisco por meio de dois canais que totalizam quase 700 km para os Estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. Prevê-se que atenderá a demanda de 12 milhões de pessoas, estimativa para o ano de 2025, em mais de 300 municípios. O PROCESSO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL DO PROJETO DE INTEGRAÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO COM AS BACIAS DO NORDESTE SETENTRIONAL10 Diante dos inúmeros questionamentos ao estudo elaborado, em 2004, foi contratado um novo estudo. Novamente o estudo foi submetido aos municípios para consulta pública e às secretarias estaduais. As secretarias de AL, BA, MG, SE e RN posicionaram-se novamente Histórico contra. Inúmeros abaixo-assinados com solicitações de Em 1994, a Superintendência do Desenvolvimento do nordeste (SUDENE) solicitou ao Instituto Brasileiro do Meio audiências públicas foram recebidos pelo IBAMA e também foram recebidas reclamações sobre dificuldade Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) o de acesso aos locais de realização das audiências. início do processo de licenciamento do projeto. Em Entre 14 e 24 de fevereiro de 2005, foram realizadas outubro de 1994, o IBAMA disponibilizou o termo de quatro audiências, das quais participaram 1.290 pessoas referência para contratação do EIA/RIMA. Todavia, em 1996, a Secretaria Especial de Políticas Regionais vinculada (Fortaleza/CE, Natal/RN, Souza/PB e Salgueiro/PE). As ao Ministério do Planejamento realizou nova solicitação de audiências em Belo Horizonte/MG, Salvador/BA e Aracaju/ licenciamento ambiental. Foi elaborado um novo termo de SE não ocorreram devido a manifestações e “apitaços”. Membros do IBAMA anotaram que a maioria dos presentes referência pelo IBAMA, mas o estudo não foi licitado. nas audiências realizadas era favorável ao projeto. Às Em 2000, o estudo foi licitado com o termo de audiências compareceram deputados federais, ministros, referência elaborado em 1996 e este foi submetido em 3 representantes dos índios, representantes da igreja e de julho de 2000 ao IBAMA para avaliação e emissão da técnicos do governo federal. licença de instalação. O EIA/RIMA foi elaborado por uma Em abril de 2005, o IBAMA concedeu a licença prévia consultoria internacional e foi criticada a linguagem do RIMA, que não estaria adequada para comunicação social. do empreendimento. Além da avaliação do IBAMA, os estudos foram Visibilidade das Populações disponibilizados e enviados para os municípios atingidos e Para discussão sobre os limites e possibilidades do EIA, para as secretarias estaduais responsáveis. Diversas enquanto instrumento para efetivação da justiça solicitações de audiências públicas para discussão do ambiental, será tomada como referência a participação projeto e posicionamentos de instituições e entidades dos indígenas e em que medida eles se sentiram mais foram recebidas. Por exemplo, em fevereiro de 2001, o reconhecidos e respeitados. Conselho Regional de Administração da Bahia informou O EIA identificou três comunidades indígenas na área de que não aprovara o estudo. As secretarias dos Estados de influência do projeto: Trukás, Kambiwá e Pipipan Tabela ( 1). Alagoas, Bahia, Minas Gerais e Sergipe posicionaram-se Considerando nota técnica elaborada por antropóloga contra o estudo, afirmando, em síntese, que não avaliou para o Ministério Público Federal11, o estudo realizado foi os impactos nas bacias doadoras. Além disso, em dezembro de 2000 foi formado no Congresso Nacional criticado por considerar uma área de abrangência restrita, um grupo de trabalho para estudar o projeto, todavia não desconforme com o que é estabelecido na resolução do houve votação do relatório final do deputado Marcondes CONAMA sobre o assunto. Além disso, foi questionado o Gadelha (PFL/PB). fato de que o EIA se realizou em pouco tempo e sem As audiências públicas foram programadas para os considerar os processos sociais ou interações entre as meses de abril e maio de 2001, mas nenhuma ocorreu. comunidades e destas com seu meio físico. As audiências Organizações da sociedade civil solicitaram e o Ministério públicas, por sua vez, foram questionadas por apenas Público entrou com ação civil pública impedindo a oferecerem espaço para validação dos estudos pelo realização de audiências. Outras não ocorreram, como a governo e cumprimento de uma medida formal (MPF, que seria realizada em Aracaju, pois técnicos do 2005). A antropóloga responsável pela nota técnica Departamento Nacional de Obras Contra as Secas elaborada para o Ministério Público afirmou que “o EIA não (DNOCS), IBAMA e Ministério da Integração foram dá visibilidade à vida dessas populações, à interação dela agredidos. com seu ambiente biofísico, à importância da água do Rio Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Processo de licenciamento ambiental – instrumento para efetivação da justiça social? São Francisco e demais rios para elas, ao seu papel na manutenção dos rios, à magnitude dos impactos que o empreendimento já está causando sobre elas” (MPF, 2005). Nas audiências públicas, a participação indígena foi expressiva. Na audiência em Salgueiro/PE, 80% dos presentes, cerca de 250 pessoas, eram indígenas. Estes solicitaram a realização de audiência em Cabrobó, onde esperavam 30 mil índios (em Pernambuco a população possui cerca de 37 mil indígenas). Todavia, o governo avaliou ser insegura a realização da reunião e as quatro audiências realizadas foram consideradas para o licenciamento. Os questionamentos realizados nas audiências públicas contribuem para a discussão sobre a visão e desejos das comunidades indígenas. Considerando apenas as perguntas escritas, os seguintes questionamentos/ pontos foram levantados pelos indígenas12: Tumbalalá: • Por que R$ 4 bilhões na obra, se poderia resolver com açudes? • Defesa da revitalização • PB e RN já têm água para consumo humano Truká: • Qual a justificativa do projeto? Sabendo que prejudicará a aldeia indígena e o meio ambiente? • Qual a proposta que vocês têm para nós com a transposição para as atividades agrícolas para o nosso sustento. • Quem garante que nos próximos 70 anos a transposição não prejudicará a população de Assunção e de Cabrobó? (74) As perguntas escritas representam um universo limitado para discussão do que consistiria reconhecimento para essas comunidades. Em termos de questionamento sobre o projeto, técnicos do IBAMA anotaram que as perguntas dos índios demonstravam pouco conhecimento do que seria realizado13. Nesse ponto, o conflito entre conhecimento técnico e intuição/ conhecimentos tradicionais torna-se evidente. Como observa Zhouri (2008, p. 102), “o conhecimento técnico torna-se um elemento central de marginalização das outras formas de conceber e de expressar visões e Tabela 1 Fonte: EIA (MI, 2004). projetos distintos no mesmo território. As falas locais são vistas pelos conselheiros como emocionais,choramingas”. Grandes desafios colocam-se na efetivação da participação: como superar os limites de discussão sobre um tema/projeto com os grupos afetados, sem pressupor que esses se posicionam contra porque simplesmente ignoram o que será construído? Como considerar um voto contra fundamentado em um conhecimento, por exemplo, de que o rio seria completamente desviado de seu leito original? A pergunta Truká sobre a proposta para as suas atividades agrícolas também suscita diversas considerações sobre o que desejam os indígenas com a participação e como estes percebem o reconhecimento e respeito. No EIA, na avaliação das comunidades indígenas, o grupo consultor anota que as demandas dos Trukás diferem das demandas dos Pipipan e Kambiwá. Aponta-se que estas últimas comunidades têm condições de vida bem mais precárias, sem acesso à água de qualidade, energia, coleta de lixo e casas de taipa. Por sua vez, os Truká consistem em uma comunidade com maior estrutura, são grandes produtores de arroz, contribuindo para a produção do município de Cabrobó, a primeira no Estado do Pernambuco. Assim além de demandar melhorias em recursos materiais, como postos de saúde, casas, entre outros, os índios reclamam da falta de ensino bilíngue e da criminalização das lideranças alimentada pelo preconceito (MI, 2004). Ainda com base nas informações do EIA (MI, 2004), o histórico dessas populações na região foi marcado pela completa invisibilidade até meados da década de 1970. Os índios procuravam não se distinguir e eram chamados de caboclos. Com o início de mobilização na década de 1970 (como, por exemplo, criação do Serviço de Proteção aos Índios – SPI), os índios passaram a participar cada vez mais na reivindicação de direitos e, nesse contexto, por terras. As populações indígenas representam 0,2% da população brasileira (IBGE, 2009) e sua invisibilidade é concretizada em indicadores muito piores em relação à média brasileira, por exemplo, o de mortalidade infantil é três ou quatro vezes maior do que a média nacional (SANTOS e COIMBRA, 2006). Pode-se dizer que a principal ação de governo para essa população tem sido os Distritos Sanitários da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), que objetivam atendimento em saúde adequado às especificidades desse grupo. A ação, todavia, ainda é pouco efetiva14. Também se deve chamar a atenção para a violência que tem permeado a vida dos indígenas. Assassinatos de lideranças e abusos policiais são fatos recorrentes que têm sido denunciados, mas também sem aparente ação efetiva15. A partir desses fatos, questiona-se, mesmo diante da fragilidade do EIA, se a implementação do PISF não propiciou outros meios para que as comunidades indígenas identificadas tivessem maior visibilidade. Ou seja, a implementação de grandes projetos não permitiria atenção e recursos que não ocorreriam na ausência dos mesmos? Os programas básicos ambientais O EIA identifica uma série de ações necessárias para mitigar os impactos da implementação do projeto. Essas ações são revistas e incorporadas em uma determinação do IBAMA denominada de Programas Básicos Ambientais (PBA). Esses Programas permitirão a regularização fundiária, controle de desertificação, construção de vilas rurais, entre outras ações. A ação direta para os indígenas deve representar a aplicação de recursos para construção de Casa de Cultura, sistema de radiofonia, cursos de Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Processo de licenciamento ambiental – instrumento para efetivação da justiça social? capacitação profissional, implantação de sistemas de esgotamento sanitário, resíduos sólidos e energia elétrica, substituição de 355 casas de taipa por alvenaria, construção de quatro postos de saúde e implantação de quiosque cidadão16. Aliando ações de infraestrutura básica com atividades de valorização da cultura indígena (como a construção da Casa de Cultura), o PBA permite que, apesar de não serem beneficiários diretos do projeto, os indígenas também tenham ganhos com a ação de governo. Outros estudos são necessários para avaliar se a implementação dessas estruturas básicas permitirão um maior reconhecimento e respeito desse grupo no meio social em que vivem. Um indicador poderia ser a violência que os grupos têm sofrido. Pode-se avaliar, por exemplo, mudanças no tratamento policial e judicial dispensado a eles. Avaliação dos índios sobre o processo (76) Considerando o relatório denúncia Povos indígena do nordeste impactados com a transposição do Rio São Francisco (APOINME, sem data), os índios afirmam que as obras das barragens e grandes projetos de irrigação têm consubstanciado um processo de exclusão desses povos. Eles reclamam do deslocamento forçado de suas terras e do conflito que surge no assentamento conjunto de povos indígenas com não indígenas. Criticam o governo por não escutarem as suas reclamações e pela tentativa dos técnicos em negociarem políticas obrigatórias como construção de escolas, postos de saúde e habitação em troca da aceitação do projeto. Os índios observam, no relatório, que a decisão pela obra ocorreu em detrimento do reconhecimento da existência de territórios indígenas na área de influência do projeto e mesmo na negação da existência de povos indígenas na região. Nesse contexto, eles informam a violência que lideranças têm sofrido em conflitos por terras e o preconceito e violência que moldam a ação policial com os povos indígenas. Acusam então a existência de um processo de “desqualificação identitária”; ou seja, negação nas ações de governo e pela comunidade não indígena da existência de grupos étnicos cujas raízes históricas e religiosas foram construídas em sintonia com o rio naquele território. No relatório denúncia é informado ainda que o estudo de impacto ambiental e as audiências públicas não foram efetivos. Ou seja, o EIA elaborado apresentou fragilidades em sua elaboração. Informam, em especial, um levantamento florístico e de fauna deficiente e exclusão de diversas comunidades indígenas como impactadas pela obra. Sobre as audiências públicas e processo de comunicação sobre o projeto, criticam a dificuldade de acesso e limitação da participação dos indígenas e falta de comunicação sobre o que seria efetivamente realizado. Da leitura do relatório, depreende-se que os pontos preocupantes para os indígenas são a negação de sua identidade e a invasão e redução de seus territórios e comprometimento das ligações que historicamente foram construídas com o meio natural; por exemplo, existência de “encantados” nas cachoeiras e rituais relacionados ao rio. Importante notar que as ações previstas nos Programas Básicos Ambientais (construção de casas, escolas, creches, sistema de abastecimento) são vistas como obrigação do governo. Enfatizam que há disponibilidade de recursos para execução de grandes empreendimentos; mas não há recursos para implementação dessas políticas públicas básicas que deveriam ser de acesso universal. Ocorre então que obrigações do governo são oferecidas como moeda de troca para aceitação do projeto. Do ponto de vista da gestão pública, o grande desafio que se coloca é o de como promover uma verdadeira transformação social se a aplicação dos mecanismos propostos não permite modificações profundas que reestruturam a inserção dos grupos na sociedade. Dentro da lógica da política da diferença, a interação entre os grupos permitiria um processo de desconstrução e reconstrução onde as relações decorrentes seriam pautadas, em suma, pelo respeito. Young (1990) dá grande ênfase à política da diferença ou da identidade; mas não descarta que a redistribuição de riqueza é uma importante ligação entre democracia e justiça. A autora observa que “sugerir que a institucionalização de abordagens participativas deve esperar o alcance da justiça distributiva, todavia, faz com que... o alcance da própria justiça distributiva seja improvável”17 (YOUNG, 1990, p. 94). Pode-se então pensar a questão da justiça e seus desdobramentos para a gestão pública e, em especial, na implementação de grandes obras de infraestrutura, com o mecanismo dual proposto por Nancy Fraser e Axel Honneth (1997). Ou seja, reconhecimento e redistribuição são demandas entrelaçadas para alguns grupos sociais. Em termos de desafios práticos, o estudo e ações a serem efetivados devem ir além da avaliação da distribuição de bens e direitos; também os padrões institucionalizados de valor cultural18. Fraser e Honneth (1997) e Young (1990) aproximam-se na aferição do reconhecimento. Ela pode ser realizada mediante avaliação do acesso à participação pelos grupos sociais; a falta de reconhecimento implica em arranjos que excluem ou hierarquizam a participação. Dentro dessa lógica de dois componentes, a imagem resultante é de uma ação de caráter mais reformista e imediatista que garanta condições materiais dignas conjugadas, entretanto, com ações, frutos da interação entre os diversos grupos sociais que constituem um processo social transformador19. Tome-se, por exemplo, a situação dos Trukás em Pernambuco: a comunidade está em uma situação de ambiguidade20, visto que é próxima física e culturalmente das sociedades do entorno; mas “distante dos paradigmas estabelecidos por tal sociedade” (MI, 2004, p. 497). Além das questões de falta de esgotamento, casas de taipa, essas comunidades têm acesso diferenciado às instituições existentes. Por exemplo, os índios reclamam da dificuldade de obtenção de crédito, o que pode ser atribuído ao estigma que carregam. Observa-se ainda que os direitos diferenciados dos indígenas são vistos como regalias (MI, 2004). CONSIDERAÇÕES FINAIS O caso das comunidades indígenas identificadas é emblemático de como não é somente por meio da redistribuição que se pode tentar alcançar a justiça. Apesar de serem produtores com alguma expressividade na região, os Trukás sofrem violência e exclusão de instituições. No caso dos Pipipan e Kambiwá, por serem grupos menos organizados, as demandas concentram-se mais no atendimento de necessidades básicas, mas questiona-se, se uma vez atendidas essas demandas, esses grupos passariam também a pressionar mais veementemente por reconhecimento e respeito. A discussão e fatos até então apresentados parecem, à primeira vista, não guardarem correlação com a implementação de grandes projetos de infraestrutura. Argumenta-se, todavia, que esses projetos orientam recursos vultosos e grandes modificações socioeconômicas e ambientais. Pode-se dizer que representam rupturas. Nesse contexto, tais projetos dão visibilidade a grupos e questões, inflamam discussões, criam conflitos, e, nessa efervescência, evidenciam outros conflitos. Pode-se dizer que o Projeto de Integração propiciou o ressurgimento e embate sobre questões que vão desde o modelo de desenvolvimento, conflito sobre uso da água, conflito interfederativo, visão sobre o semi-árido, religiosidade, interesses do capitalismo, dentre inúmeros outros. Diante do exposto, é desafiador identificar os reais interesses que movem a implementação da obra e, assim, avaliar se os efeitos positivos superam as perdas sociais. Independentemente do objetivo final, a implementação do projeto viabilizou-se após cumprimento de uma série de procedimentos, nos quais se inserem o EIA, as audiências públicas e os Programas Básicos Ambientais. Esses mecanismos, considerando a literatura base, inserem-se no marco das instituições liberais e na visão de justiça propugnada por essa linha de pensamento. Ou seja, o aperfeiçoamento institucional permitiria que, com a aplicação dos procedimentos propostos, fosse alcançado o melhor padrão possível de distribuição das vantagens. Nesse contexto, melhoria na representatividade da sociedade civil, maior democratização dos fóruns de decisão mediante participação paritária, entre outras modificações, permitiriam, por exemplo, que as audiências públicas se concretizem em espaços democráticos. A partir desta leitura, as atividades concebidas no PBA permitem que a implementação de grandes empreendimentos de infraestrutura crie um benefício social tanto para o público-alvo quanto para aqueles que não usufruem dele diretamente. Pode-se dizer que a aceitação desses projetos ocorreria mediante um processo de barganha social. Diante destas considerações, acredita-se que a implementação de grandes obras de infraestrutura e a importância do licenciamento ambiental são pontos de investigação profícuos para uma discussão sobre a questão da justiça. Uma avaliação sobre o impacto desses empreendimentos na distribuição de recursos, na obtenção de maior respeitabilidade social e participação nas decisões poderia ser aprofundada mediante estudos de caso sobre grupos específicos, como os Truká e Kambiwá. Com isso, seria possível verificar a situação em que esses grupos estariam sem os projetos e como os projetos impactaram o seu cotidiano, interação social e recursos materiais21. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACSELRAD, Henri et al. O que é justiça ambiental? Editora Garamond, 2009. ALONSO, Angela; COSTA, Valeriano. Por uma sociologia dos conflitos ambientais no Brasil. In: CONFERÊNCIA LATINO-AMERICANA E CARIBENHA DE CIÊNCIAS SOCIAIS (CLACSO). Buenos Aires, 2002. _____________. Dinâmica da participação em questões ambientais: análise das audiências públicas para o licenciamento ambiental do Rodoanel. In: COELHO, Vera; NOBRE, Marcos. (Orgs.). 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De acordo com a Resolução nº 237/1997: Licenciamento ambiental é o procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso. 2 Informações sobre o procedimento de licenciamento ambiental foram sintetizadas a partir de Vasconcellos Filho (2006). 3 As autoras analisam o caso de emissão de licença de operação corretiva para a CVRD em sua atuação no município de Itabira/MG. Elas identificam a ocorrência de uma intensa mobilização social e capacidade de expressão, pela CVRD, dos danos que a atuação histórica da empresa estava causando para as condições sociais e ambientais na região. 4 Zhouri et al, 2005 (apud Zhouri, 2008) inclusive utilizaram o conceito de campo de Bourdieu para analisar licenciamento ambiental de grandes projetos hidroelétricos, políticas globais pela Amazônia e mercado de carbono. Com o conceito de campo, os autores inferem que aqueles que não têm o capital social demandado pelo campo em questão são excluídos do processo. 5 De acordo com Zhouri (2006), o paradigma da adequação foi primeiramente apresentado pelo professor Afrânio Nardy (PUC-MG) em uma palestra patrocinada pelo Grupo de Estudos Ambientais (GESTA). 6 A autora utiliza, em especial, como referencial teórico, o conceito de poder de Foucault, ao afirmar que o poder configura-se nas relações cotidianas (p. 31-32, por exemplo) e Habermas para fundamentar a importância da interação e da ação comunicativa (Young, 1990). 7 Nas páginas 48-63 a autora divide em cinco categorias os conceitos e práticas de opressão. Essas cinco faces são: marginalização, exploração, falta de poder, imperialismo cultural e violência (Young, 1990). 8 Projeto São Francisco ou nome completo Projeto de Integração da Bacia do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional. Disponível em: <http://www.integracao.gov.br/saofrancisco/>. 9 Histórico e outras informações obtidas com a consulta do Processo de Licenciamento Ambiental no 3.718/1994 arquivado no IBAMA/Sede. 10 11 Nota técnica no 34/2005, antropóloga responsável: Maria Fernanda Paranhos. 12 As questões foram obtidas no Processo de Licenciamento Ambiental nº 3.718/1994, arquivado no IBAMA. 13 Informação retirada de nota técnica componente do processo de licenciamento. Em 2007, todavia foi regulamentada a Atenção Básica para os Povos Indígenas que objetiva aumentar recursos e controle sobre o uso dos mesmos. Disponível em: <http://www.funasa.gov.br/internet/Bibli_saudeInd.asp>. 14 Denúncias são realizadas, em especial pelos Truká, de prisão de lideranças e assassinatos. Relatos podem ser vistos na página do Conselho Nacional Indigenista Missionário (CIMI): <http://www.cimi.org.br>. 15 Informações sobre as ações a serem executadas no PBA estão disponíveis na Licença de Instalação nº 438/2007 do IBAMA. Disponível em: <http://www.integracao.gov.br/saofrancisco/documentos/index.asp>. Acesso em: 20/6/ 2009. 16 To suggest that the institutionalization of participatory processes should wait upon the achievement of distributive justice, however, as Gutman does, is not only to postpone such democratization into an indefinite utopian future, but to make the achievement of distributive justice equally unlikely (Young, 1990, p. 94). 17 Na verdade, Fraser (2007, p. 34) fala que uma teoria da justiça deve considerar esses dois elementos; mas inferiu-se como essa nova teoria da justiça poderia ser concretizada na ação pública. 18 19 20 Young (1990) utiliza a teoria de Habermas como fundamento para compreender como ocorre esse processo. Essa constatação foi extraída do EIA (MI, 2004, p. 497). Luna Bouzada Flores Viana, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental atualmente licenciada para curso de capacitação de longa duração. Trabalhou entre maio/2007 a agosto/2010 na Casa Civil da Presidência da República, na atividade de monitoramento das ações de aeroportos e recursos hídricos do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC. Graduada em Administração/UFMG, Relações Internacionais/PUC-MG, especialista em gestão de políticas sociais/PUC-MG e mestranda em Ciência Política/UnB. Página 83 Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Uma análise dos principais efeitos da Lei nº 11.890, de 24 de dezembro de 2008, sobre a carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental Por Ruyter de Faria Martins Filho Neste trabalho identificam-se, entre as alterações introduzidas pela Lei nº 11.890, de 24 de dezembro de 2008, as mais significativas e relevantes e avaliam-se seus efeitos sobre a carreira de Especialista em Políticas Publicas e Gestão Governamental. Levantam-se questões de interpretação sistemática desses novos dispositivos legais aplicáveis à carreira e suas possíveis implicações sobre as regulamentações por elaborar conforme a previsão legal. Apresenta-se, ainda, um instrumento para realizar projeções e simulações sobre como os limites quantitativos por classe estabelecidos na nova Lei tenderão a afetar as promoções dos integrantes da carreira nos próximos anos. Sua aplicação, com o horizonte no ano 2021, indicou a tendência de falha na tentativa do legislador de moldar a carreira em formato piramidal, mas, outrossim, significativo e inquestionável avanço em tal direção na comparação com o cenário sem as alterações legais, em que poderia haver uma concentração superior a 80% do contingente na Classe Especial. O instrumento de projeções poderá ser facilmente aplicado às demais carreiras abrangidas na Lei em foco, bastando aplicar seus dados e premissas específicos. Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Uma análise dos principais efeitos da Lei nº 11.890, de 24 de dezembro de 2008, sobre a carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (84) INTRODUÇÃO A carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG), criada pela Lei nº 7.834, de 6 de outubro de 1989, experimentou, a despeito da rápida ascensão de seus integrantes na ocupação das funções mais relevantes da Administração Pública Federal (APF), significativos percalços e dificuldades ao longo dos seis anos iniciais de sua existência, até que no ano de 1995 os concursos para ingresso na carreira foram retomados e, após o ano 2000, passaram a se realizar regularmente. Consolidado assim o povoamento da carreira, esta experimentou posteriormente sucessivas ampliações de seus contingentes e sucessivos aumentos na remuneração, pari passu o aumento do reconhecimento generalizado da peculiar importância da carreira para a Administração Pública Federal e da qualidade profissional da maioria de seus ocupantes (CARDOSO; SANTOS, 2002). Vencidos aqueles desafios iniciais, a gestão da carreira passou a se deparar com outros, mais complexos e típicos de carreiras mais maduras, como o de se atualizar, modernizar e adaptar às novas demandas da APF, as quais apresentam complexidade crescente e são atendidas por uma variedade cada vez maior de novas carreiras. Nesse sentido, o órgão gestor da carreira mobilizou-se para produzir estudos e pareceres que servissem de base para superar tais desafios (BALADA, 2009; GOLDSWORTHY, 2009). Um desses desafios seria exatamente o de assimilar as inovações introduzidas pela Lei nº 11.890/2008 e regulamentá-la em termos que maximizem seu potencial de contribuição para a efetividade do Serviço Público Federal e o interesse social. O objetivo específico deste trabalho é identificar quais foram as principais inovações introduzidas pela Lei nº 11.890/2008 em relação à carreira de EPPGG e analisálas de forma que todos os agentes envolvidos na aplicação e na regulamentação da lei possam desincumbir-se dessas tarefas com mais propriedade e agilidade, sem descartar até a possibilidade eventual de retroalimentar o legislador com dados prospectivos aptos a ensejar uma revisão da lei, na forma de correções a posteriori em alguns dos parâmetros adotados naquele diploma legal. ANÁLISE DAS INOVAÇÕES A Lei nº 11.890, de 24 de dezembro de 2008, que dispõe, entre outras coisas, sobre a reestruturação da composição remuneratória das Carreiras de Gestão Governamental, de que trata a Medida Provisória no 2.229-43, de 6 de setembro de 2001, prevê, no inciso IV do art. 10, que, de 1º de julho de 2008 em diante, os gestores “passam a ser remunerados exclusivamente por subsídio, fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória”. O valor dessa remuneração por parcela única, portanto, não mais depende dos resultados de avaliações de desempenho, seja individual, seja institucional (SOUZA e SANTOS, 2002). Tornaram-se, portanto, inaplicáveis àquelas carreiras quaisquer normas que disponham sobre gratificação de desempenho. Lei nº 11.890, de 24 de dezembro de 2008 Seção III Das Carreiras de Gestão Governamental Art. 10. A partir de 1º de julho de 2008, passam a ser remunerados exclusivamente por subsídio, fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, os titulares dos seguintes cargos de provimento efetivo: IV - Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental da Carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Parágrafo único. Os valores do subsídio dos titulares dos cargos a que se refere o caput deste artigo são os fixados no Anexo IV desta Lei, com efeitos financeiros a partir das datas nele especificadas. Art. 11. Estão compreendidas no subsídio e não são mais devidas aos titulares dos cargos a que se refere o art. 10 desta Lei, a partir de 1º de julho de 2008, as seguintes espécies remuneratórias: I - Vencimento Básico; II - Gratificação de Desempenho de Atividade do Ciclo de Gestão – GCG, de que trata o art. 8º da Medida Provisória nº 2.229-43, de 6 de setembro de 2001; e III - Vantagem Pecuniária Individual – VPI, de que trata a Lei nº 10.698, de 2 de julho de 2003. (BRASIL, 2008a) Vencidos os desafios iniciais, a gestão da carreira passou a se deparar com outros, mais complexos e típicos de carreiras mais maduras, como o de se atualizar, modernizar e adaptar às novas demandas da Administração Pública Federal. Já as progressões, por outro lado, continuarão a depender dos resultados da avaliação de desempenho individual, conforme prevê o art. 155. Ato do Poder Executivo Federal estabelecerá os dois valores percentuais – em relação à nota máxima de avaliação – que demarcarão as três faixas delimitadoras dos efeitos da avaliação: nota na faixa mais alta determina progressão após 12 meses de exercício ininterrupto no padrão; na faixa intermediária, após 18 meses; e, finalmente, na faixa inferior, após 24 meses. CAPÍTULO II DO SISTEMA DE DESENVOLVIMENTO NA CARREIRA – SIDEC Art. 155. Para fins de progressão, serão considerados os resultados da avaliação de desempenho individual do servidor. § 1º Ato do Poder Executivo determinará o percentual obtido na avaliação de desempenho individual: I - a partir do qual o servidor poderá progredir com 12 (doze) meses de efetivo exercício no padrão em que se encontrar; e II - abaixo do qual o interstício mínimo para progressão será de pelo menos 24 (vinte e quatro) Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Uma análise dos principais efeitos da Lei nº 11.890, de 24 de dezembro de 2008, sobre a carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (86) meses de efetivo exercício no padrão em que se encontrar. § 2º A obtenção de percentual situado entre os limites referidos nos incisos I e II do § 1º deste artigo fará com que o servidor possa progredir, desde que cumprido o interstício mínimo de 18 (dezoito) meses de efetivo exercício no padrão em que se encontrar. (BRASIL, 2008a) Quanto à avaliação individual, especificamente, a observação da sistemática instituída pela Lei nº 11.784, de 22 de setembro de 2008, por ter caráter análogo ao de norma geral sobre o assunto no âmbito do Poder Executivo Federal e por não ter sido revogada ou modificada por qualquer outra lei também aplicável aos EPPGG, continua quase que totalmente aplicável, exceto em relação a alguns dispositivos, conforme será salientado adiante. Não se identificou qualquer aspecto de interpretação que pudesse suscitar a existência de antinomia, isto é, conflito entre as leis nº 11.784 e nº 11.890, seja qual for o critério – hierárquico, cronológico ou da especialidade –, no que se refere à avaliação de desempenho individual dos EPPGG. Essa interpretação, até que a Lei nº 11.890 seja enfim regulamentada, não deveria ser questionada nem mesmo após a recente publicação do Decreto nº 7.133, de 19 de março de 2010, que “regulamenta os critérios e procedimentos gerais a serem observados para a realização das avaliações de desempenho individual e institucional”, que em seu art. 2º limita o âmbito de sua aplicação apenas aos servidores integrantes dos planos de cargos e carreiras abrangidos pelo art. 1º, entre os quais não se incluem as carreiras abrangidas pela Lei nº 11.890 (BRASIL, 2010). Por tais razões, continuariam a ser totalmente aplicáveis as seguintes diretrizes estabelecidas na Lei nº 11.784 em relação ao assunto avaliação de desempenho individual. LEI Nº 11.784, DE 22 DE SETEMBRO DE 2008. (...) institui sistemática para avaliação de desempenho dos servidores da administração pública federal direta, autárquica e fundacional; CAPÍTULO II DA AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO Art. 140. Fica instituído (sic) sistemática para avaliação de desempenho dos servidores de cargos de provimento efetivo e dos ocupantes dos cargos de provimento em comissão da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, com os seguintes objetivos: I - promover a melhoria da qualificação dos serviços públicos; e II - subsidiar a política de gestão de pessoas, principalmente quanto à capacitação, desenvolvimento no cargo ou na carreira, remuneração e movimentação de pessoal. Art. 141. Para os fins previstos nesta Lei, define-se como avaliação de desempenho o monitoramento sistemático e contínuo da atuação individual do servidor e institucional dos órgãos e das entidades, tendo como referência as metas globais e intermediárias dos órgãos e entidades que compõem o Sistema de Pessoal Civil, de que trata o Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, conforme disposto nos incisos I e II do art. 144 e no art. 145 desta Lei. Art. 142. A avaliação de desempenho individual será composta por critérios e fatores que reflitam as competências do servidor aferidas no desempenho individual das tarefas e atividades a ele atribuídas. Art. 145. As metas de desempenho individual e as metas intermediárias de desempenho institucional deverão ser definidas por critérios objetivos e comporão o Plano de Trabalho de cada unidade do órgão ou entidade e, salvo situações devidamente justificadas, previamente acordadas entre o servidor, a chefia e a equipe de trabalho. Parágrafo único. O Plano de Trabalho a que se refere o caput deste artigo é o documento que conterá o registro das etapas do ciclo da avaliação de desempenho referidas nos incisos II, III, IV e V do caput do art. 149 desta Lei. Art. 146. Os servidores ocupantes de cargos em comissão ou função de confiança que não se encontrem na situação prevista no art. 154 ou no inciso III do caput do art. 155 desta Lei poderão ser avaliados na dimensão individual a partir: I - dos conceitos atribuídos pelo próprio avaliado; II - dos conceitos atribuídos pela chefia imediata; e III - da média dos conceitos atribuídos pelos integrantes da equipe de trabalho subordinada à chefia avaliada. Art. 147. Os servidores não ocupantes de cargos em comissão ou função de confiança poderão ser avaliados na dimensão individual a partir: I - dos conceitos atribuídos pelo próprio avaliado; II - dos conceitos atribuídos pela chefia imediata; e III - da média dos conceitos atribuídos pelos demais integrantes da equipe de trabalho. (BRASIL, 2008b) Em relação ao artigo 142 supra importaria observar que seria mais adequado aos propósitos de melhor avaliar o servidor no desempenho das atribuições previstas para o cargo que ocupa se a redação fosse alterada para: “art. 142. A avaliação de desempenho individual será composta por critérios e fatores que reflitam as competências do cargo efetivo ocupado pelo servidor aferidas no desempenho individual das tarefas e atividades a ele atribuídas”. Tal retificação proporcionaria maior precisão ao tipo de produção que se espera obter ao se recrutarem quadros para as diferentes carreiras do Serviço Público Federal, além de reforçar e justificar a própria existência destas. Afinal, pressupõe-se que quanto mais um servidor avança na respectiva carreira, mais complexas deveriam ser as tarefas e responsabilidades que a ele deveriam ser atribuídas com base nas competências previstas para o cargo efetivo que ocupa (SOUZA, 2005). A consequência natural disto seria estabelecerem-se as atribuições mínimas para cada classe de cada carreira e os requisitos para promoção baseados na aferição do necessário domínio que o servidor deve possuir sobre as competências previstas para a classe para a qual pleiteia promoção a fim de poder assumir com a devida segurança aquelas atribuições. Neste ponto, torna-se obrigatório analisar atentamente o teor do art. 154, citado no caput do art. 146 supra e abaixo reproduzido in verbis: Art. 154. Os titulares de cargos efetivos que fazem jus às gratificações de desempenho em efetivo exercício no respectivo órgão ou na entidade de lotação, quando investidos em cargos de Natureza Especial, de provimento em comissão do Grupo Direção e Assessoramento Superiores, DAS-6, DAS-5, DAS-4, ou equivalentes, farão jus à respectiva gratificação de desempenho calculada com base no valor máximo da parcela individual, somada ao Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Uma análise dos principais efeitos da Lei nº 11.890, de 24 de dezembro de 2008, sobre a carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental resultado da avaliação institucional do período. (BRASIL, 2008b) A observação fundamental e determinante a fazer aqui é a de que o artigo supra se dirige e se aplica explicitamente aos servidores que fazem jus à gratificação de desempenho. Como esse não mais é o caso dos integrantes das carreiras especificamente tuteladas pela Lei nº 11.890, que passou a remunerá-los exclusivamente por subsídio, o art. 154 tornou-se total e absolutamente inaplicável àqueles servidores. Da conclusão acima sucedem, portanto, duas consequências a salientar: 1. Não subsistiria mais em qualquer dispositivo do ordenamento legal aplicável às carreiras reguladas pela Lei nº. 11.890 a obrigatoriedade de lhes atribuir nota de avaliação no valor máximo, mesmo quando o nível dos cargos ou funções seja igual ou superior ao de DAS-4 ou equivalente. 2. As formas de avaliação de desempenho individual, sugeridas no art. 146 da Lei nº 11.784, podem também ser aplicáveis a todos os servidores enquadrados na Lei nº 11.890 que se encontrem na situação de ocupantes de cargos em comissão ou funções de confiança, seja qual for seu nível. (88) A primeira consequência é relevante fato novo a considerar na regulamentação da nova lei, pois possibilita assegurar que, na avaliação de desempenho, as metas individuais devem necessariamente guardar, via planos de trabalho, estreita relação com as institucionais e, salientese, nada haveria de mais estreito do que a relação direta de responsabilidade entre um gerente e os resultados organizacionais da unidade que gerencia. Uma possibilidade natural, portanto, de garantir a efetividade de tal relação direta seria a de simplesmente atribuir como nota de avaliação individual de um chefe, a nota de desempenho institucional da unidade por ele chefiada, a qual decorre, ou deveria decorrer, diretamente do grau de cumprimento das metas organizacionais para ela estipuladas. Essa mesma nota seria dada também aos assessores diretos que ocupem função de confiança (CARDOSO e SANTOS, 2002). Não fazê-lo significaria admitir que continuassem a ocorrer situações em que esses ocupantes de cargos e funções de confiança de nível superior a DAS-3 recebessem avaliação individual com nota máxima, mesmo quando a unidade organizacional apresentou baixo nível de cumprimento de metas de desempenho institucional. Quanto ao servidor não ocupante de cargo em comissão ou função de confiança, a nota de avaliação individual decorreria diretamente do nível de cumprimento de suas metas individuais, conforme previsto no plano de trabalho acertado previamente com a chefia imediata, o qual, reitere-se, deve observar as atribuições e competências previstas para a posição e o nível de desenvolvimento na carreira em que se encontre. A proposta acima pode se constituir em referência ideal – em termos de gestão orientada a resultados – para a regulamentação da Lei nº 11.784, no que se refere à avaliação de desempenho individual dos ocupantes das carreiras abrangidas na Lei nº 11.890, as quais são consideradas estratégicas e por isso mesmo mereceram gestão diferenciada das demais. Já em relação à segunda consequência, que, com base nos artigos 146 e 147 da Lei nº 11.784, possibilita, mas não obriga, a realização daquela forma de avaliação de desempenho individual subjetiva – comumente conhecida como “avaliação 360º” –, seria necessário desconsiderá-la na regulamentação, principalmente em relação aos ocupantes dos cargos de chefia, pois aplicá-la poderia simplesmente inutilizar a responsabilização por resultados como proposto acima. Saliente-se, ainda, que no caso especial dos ocupantes da carreira de EPPGG, idealizada justamente para assumir tais níveis de responsabilidade, seja ocupando cargos de alta direção, seja assessorando diretamente aqueles ocupantes, tal opção pela subjetividade significaria agravar aquele equívoco e limitar seu aproveitamento como recurso estratégico apto a estruturar a APF com um grau maior de orientação a resultados. No que se refere à promoção dos EPPGG, ela se dará nos termos do Sistema de Desenvolvimento na Carreira (SIDEC), o qual prevê como fatores, além dos resultados obtidos em avaliação de desempenho individual, alguns outros adicionais e diferenciais explicitamente enumerados e a serem ponderados em ato do Poder Executivo Federal indispensável para que a previsão legal seja enfim aplicável, conforme estabelece o art. 156, além de outros fatores passiveis de inclusão no regulamento. Art. 156. Para fins de promoção, será estruturado o Sistema de Desenvolvimento na Carreira – SIDEC, baseado no acúmulo de pontos a serem atribuídos ao servidor em virtude dos seguintes fatores: I - resultados obtidos em avaliação de desempenho individual; II - frequência e aproveitamento em atividades de capacitação; III - titulação; IV - ocupação de funções de confiança, cargos em comissão ou designação para coordenação de equipe ou unidade; V - tempo de efetivo exercício no cargo; VI - produção técnica ou acadêmica na área específica de exercício do servidor; VII - exercício em unidades de lotação prioritárias; e VIII - participação regular como instrutor em cursos técnicos ofertados no plano anual de capacitação do órgão. § 1º Além dos fatores enumerados nos incisos I a VIII do caput deste artigo, outros fatores poderão ser estabelecidos, na forma do regulamento, considerando projetos e atividades prioritárias, condições especiais de trabalho e características específicas das Carreiras ou cargos. § 2º Ato do Poder Executivo definirá o peso de cada um dos fatores, os critérios de sua aplicação e a forma de cálculo do resultado final. (BRASIL, 2008a) Os pontos a ressaltar são o de que o SIDEC se baseia, de forma explícita e inequívoca, no “acúmulo de pontos” – não, portanto, em uma mera soma de pontos – e o de que inexiste no texto da lei menção a qualquer tipo de delimitação desse período para o acúmulo, o que desautorizaria, por exemplo, regulamentação que previsse para a promoção a consideração apenas dos pontos auferidos durante a permanência em uma mesma classe, isto é, que os pontos acumulados em classe anterior fossem desconsiderados. Impor tal delimitação ou restrição no regulamento seria cometer grave equívoco, não apenas, reitere-se, pela contrariedade à lei, mas, também, pelo óbvio condão de suscitar, desnecessariamente, confusões e questionamentos. Por outro lado, seria igualmente razoável considerar a possível aplicação de redutores sobre a contribuição que eventos ocorridos antes do ingresso em uma classe Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Uma análise dos principais efeitos da Lei nº 11.890, de 24 de dezembro de 2008, sobre a carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental operariam sobre os fatores para a promoção à classe seguinte. Outra alteração significativa imposta pela Lei nº 11.890 é a limitação da quantidade de cargos por classe, a fim de que as carreiras passem a apresentar formato ou estrutura piramidal, isto é, quanto mais elevada a classe, menor o seu contingente. Art. 157. O quantitativo de cargos por classe das Carreiras de que trata o art. 154 desta Lei, observado o total de cada cargo da Carreira, obedecerá aos seguintes limites: ... II - para as Carreiras de que tratam os incisos III a XIV do caput do art. 154 desta Lei: a) 30% (trinta por cento) do total de cada cargo da Carreira na classe A; b) até 27% (vinte e sete por cento) do total de cada cargo da Carreira na classe B; c) até 23% (vinte e três por cento) do total de cada cargo da Carreira na classe C; e d) até 20% (vinte por cento) do total de cada cargo da Carreira na classe Especial. § 4º Os limites estabelecidos nas alíneas a e c do inciso I e a e d do inciso II do caput deste artigo poderão ser aumentados para 60% (sessenta por cento) e 25% (vinte e cinco por cento), respectivamente, até 31 de agosto de 2013, visando permitir maior alocação de vagas nas classes iniciais e o ajuste gradual do quadro de distribuição de cargos por classe existente em 28 de agosto de 2008. Art. 158. Enquanto não for publicado o ato a que se referem o § 1º do art. 155 e o § 2º do art. 156 desta Lei, as progressões e promoções dos titulares dos cargos que integram as Carreiras referidas no art. 154 desta Lei serão concedidas observando-se as normas vigentes em 28 de agosto de 2008. Isso, de fato, tenderia a ocorrer inevitavelmente, não fosse a excepcionalidade prevista no parágrafo primeiro, abaixo reproduzido in verbis. (90) § 1º Para fins do cálculo do total de vagas disponíveis por classe para promoção, o quantitativo de cargos cujos titulares estejam posicionados na classe há mais de 10 (dez) anos será somado às vagas existentes, observado o limite de cada classe conforme estabelecido nas alíneas a, b e c do inciso I e a, b, c e d do inciso II do caput deste artigo. (BRASIL, 2008a) Mesmo com tais flexibilizações o legislador, ainda prevendo a possibilidade de servidores bem avaliados encontrarem significativas dificuldades para obtenção de vaga para promoção, previu uma flexibilização adicional, nos termos dos §§ 2º e 3º do art. 157: § 2º O titular de cargo integrante das Carreiras de que trata o art. 154 desta Lei que permanecer por mais de 15 (quinze) anos posicionado em uma mesma classe, desde que tenha obtido, durante pelo menos 2/3 (dois terços) do período de permanência na classe, percentual na avaliação de desempenho individual suficiente para progressão com 12 (doze) meses de efetivo exercício, será automaticamente promovido à classe subsequente. § 3º O disposto no § 2º deste artigo não se aplica à promoção para a classe Especial. (BRASIL, 2008a) Pelo menos no caso específico da carreira de EPPGG, conforme será possível evidenciar nas projeções e simulações apresentadas mais adiante neste trabalho, o resultado a que o legislador visava ao estabelecer limites decrescentes por classe, isto é, quanto maior a classe, menor o limite, isto é, um consequente formato piramidal para a carreira, não tenderá a se verificar, em decorrência exatamente da excepcionalidade prevista no parágrafo primeiro do art. 157. A tendência de resultado será a de a carreira continuar a apresentar o atual formato, mais assemelhado ao de uma pirâmide invertida. As limitações quantitativas por classe previstas no art. 157 representam uma das mais significativas alterações introduzidas na gestão da carreira de EPPGG (...) em termos de possibilidades e ritmo de promoção rumo ao topo da carreira. Nesse sentido foi elaborada uma planilha que, respeitando todas aquelas restrições legais e baseando-se em todos os dados disponíveis e premissas consideradas mais próximas da realidade, viabilizasse a realização de projeções e diferentes simulações com que inferir a evolução dos contingentes de EPPGG por classe ao longo dos próximos anos. Os resultados de algumas dessas simulações serão apresentados após a descrição dos pressupostos da planilha. Dados Os seguintes dados foram obtidos perante a unidade organizacional da Secretaria de Gestão (SEGES) do Ministério do Planejamento (MP) responsável pela gestão PROJEÇÕES da carreira de EPPGG para uso no modelo: 1. Planilha com a quantidade de EPPGG ativos As limitações quantitativas por classe previstas no art. no fim do ano de 2009 por classe por padrão, 157 representam uma das mais significativas alterações incluídos todos os cargos ocupados, mesmo que introduzidas na gestão da carreira de EPPGG e despertam licenciados ou afastados; tendo como fonte extração elevado interesse tanto na Administração, que do SIAPE de 28 de janeiro de 2010; naturalmente espera ver realizado o que planejou 2. Planilha com todos os EPPGG em atividade acontecer, quanto por parte dos profissionais, que, no fim do ano de 2009, contendo o ano de compreensivelmente, anseiam por ter alguma idéia a aposentadoria estimado conforme premissas abaixo, respeito do que lhes espera em termos de possibilidades e com base na data de nascimento extraída do SIAPE em ritmo de promoção rumo ao topo da carreira, agora 28 de janeiro de 2010; permeada de inevitáveis gargalos entre as classes. Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Uma análise dos principais efeitos da Lei nº 11.890, de 24 de dezembro de 2008, sobre a carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental 3. Planilha com todos os EPPGG das Turmas de I a V em atividade no fim do ano de 2009 e já situados na Classe Especial, contendo estimativa do ano em que completarão dez anos naquela classe. Ressalte-se que para as Turmas I, II e III o ingresso na Classe Especial foi feito por amostragem, uma vez que não foi possível levantar a situação de cada um dos membros dessas turmas. Não se usaram os dados dos EPPGG das Turmas VI em diante porque estão situados em C-I ou abaixo e estariam, portanto, sujeitos aos gargalos resultantes das limitações previstas na nova lei e nem todos seriam promovidos à classe especial após permanecer um ano em C-III, razão pela qual se perderia a informação individualizada necessária para aplicar-lhes precisamente o disposto no § 1º do art. 157; 4. Ingresso de 100 EPPGG a cada dois anos; 5. Ingresso de 100 EPPGG em 2010; e 6. Contingente total da carreira limitado em 1.560 profissionais, mesmo durante a excepcionalidade de percentuais excedentes nas classes A e S até 2013. Premissas As seguintes premissas foram adotadas na especificação do modelo: (92) 1. Estimativa de progressão: todos os servidores progredirão a cada 12 meses; 2. Previsão de aposentadoria proporcional por idade e se dará sempre quando os EPPGG estiverem no topo da carreira, isto é, em S-IV: Homem: 65 anos de idade; Mulher: 60 anos de idade; 3. Não ocorrerão mortes ou vacâncias de EPPGG durante o período de projeção; 4. Nenhum EPPGG permanecerá mais de 10 anos em qualquer das classes A, B e C; 5. O horizonte de projeção é o ano de 2021, pois em 2022 os primeiros EPPGG dentre os que estavam em C-I em 2009 – Turmas VI e VII – completariam 10 anos de permanência na Classe Especial. Conforme fundamentado nos dados do item 3, perder-se-ia a precisão de informações sobre aposentadoria e permanência superior a dez anos na Classe Especial após o ano de 2021. 6. As ocorrências tanto de idade para aposentadoria quanto de tempo de permanência de dez anos ou mais na Classe Especial em cada ano do período são efetivadas no modelo somente no ano seguinte, a fim de, simplificadamente, lidar com a defasagem inevitável decorrente do fato de as promoções ocorrerem em dois momentos de cada ano, enquanto aquelas ocorrências se distribuem ao longo de cada ano. Denominou-se essa configuração como Cenário Conservador. Na configuração denominada Cenário Dinâmico aqueles dois tipos de ocorrência são efetivados todos no próprio ano em que são previstos. A comparação dos dois cenários propiciara uma estimativa da sensibilidade do modelo a essas premissas. Resultados Com os dados e premissas respectivamente usados e adotadas conforme acima no modelo, resultam, para cada um dos dois cenários, as quantidades de aposentadoria e de permanência superior a dez anos apresentadas nas Tabelas 1 e 2. Com os dados e premissas respectivamente usados e adotadas conforme acima no modelo, projeta-se como tenderia a ser, no Cenário Conservador, a evolução da quantidade de EPPGG por classe nos termos estabelecidos pela Lei nº 11.890. Os resultados são os apresentados na Tabela 3. Com base nos valores da tabela 3 e para melhor Tabela 1 – Quantidades anuais de EPPGG aposentados ou com permanência igual ou superior a dez anos na Classe Especial no Cenário Conservador Fontes: SEGES e elaboração do autor. Tabela 2 – Quantidades anuais de EPPGG aposentados ou com permanência igual ou superior a dez anos na Classe Especial no Cenário Dinâmico Fontes: SEGES e elaboração do autor. Tabela 3 – Evolução da quantidade de EPPGG, por classe, no período de 2009 a 2021, nos termos da Lei nº 11.890, considerando o limite ampliado para as vagas nas Classes A e Especial e o acréscimo das vagas daqueles que completarão 10 anos na Classe Especial Fontes: SEGES e elaboração do autor. Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Uma análise dos principais efeitos da Lei nº 11.890, de 24 de dezembro de 2008, sobre a carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental visualização das informações nela contidas podem ser elaborados os Gráficos 1 e 2 seguintes. Observa-se no Gráfico 2 que já a partir do ano de 2012 os primeiros EPPGG deixam de ser promovidos de CIII para S-I em decorrência da falta de vagas. Semelhante situação começa a se impor a alguns dos EPPGG que no ano de 2014 terão alcançado o padrão B-III e em 2015 não lograrão a promoção para a classe C-I. Importa neste ponto chamar a atenção para o fato de que em 2022 os EPPGG das Turmas VI e VII, que em 2009 estavam situados em C-I e que mais rapidamente lograrem promoção a partir de 2012, completarão 10 anos de permanência na Classe Especial e abrirão igual número de vagas extras para a promoção dos colegas que atingiram C-III no ano anterior. Disso resultaria um viés de alta para a quantidade de servidores na última classe nos anos subsequentes ao horizonte de projeção, pois essas promoções ainda tenderiam a ocorrer em número significativamente superior ao estimado para as aposentadorias nos respectivos dez anos seguintes. Basta observar que 59 EPPGG seriam promovidos em 2012 e 45 Gráfico 1 – Evolução da quantidade de EPPGG e da quantidade de vagas disponíveis, por classe, no período de 2009 a 2021, nos termos da Lei nº 11.890/2008 Fontes: SEGES e elaboração do autor. (94) Gráfico 2 – Evolução das quantidades de EPPGG não promovidos no último padrão, por classe, no período de 2009 a 2021, nos termos da Lei nº 11.890/2008 Fontes: SEGES e elaboração do autor. em 2013, ao passo que em 2021 aposentar-se-iam apenas 8 EPPGG no Cenário Conservador e tal estimativa pouco tenderia a mudar nos dois anos seguintes. Uma análise de sensibilidade dos efeitos da premissa 6 sobre a evolução das quantidades por classe, baseada no uso do modelo com o cenário denominado Dinâmico, revela que a antecipação de apenas um ano naqueles dois tipos de ocorrência opera uma pequena redução, pouco superior a meros 2%, na quantidade projetada de EPPGG na Classe Especial, conforme a Tabela 4 e os Gráficos 3 e 4. Isso atribui às projeções uma confiabilidade ainda maior. Voltando a aplicar o modelo com o Cenário Conservador, mas, desta vez, simulando a possibilidade de simples abstenção do uso das vagas extras provisórias previstas para as Classes A e Especial, nos termos do § 4º do art. 157 (isto é, o aumento da Classe A de 30% para Tabela 4 – Evolução da quantidade de EPPGG, por classe, no período de 2009 a 2021, no Cenário Dinâmico Fontes: SEGES e elaboração do autor. Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental Vol. 9 - No 2 Jul/Dez 2010 Uma análise dos principais efeitos da Lei nº 11.890, de 24 de dezembro de 2008, sobre a carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental 60% e da Classe S de 20% para 25% do total de 1.560 cargos), ter-se-ia como resultado a evolução descrita na Tabela 5. Observa-se na Tabela 5 e no Gráfico 5 que os efeitos também são provisórios. Já a partir de 2017 as duas curvas, com e sem as vagas extras, mostram-se idênticas. Ainda aplicando o modelo com o Cenário Conservador e usando como dado de entrada um ingresso de EPPGG no ano de 2010 até o limite estendido conforme o previsto no § 4º do art. 157 da Lei nº 11.890/2008 – e sem extrapolar o limite da carreira, de 1.560 EPPGG –, a fim de avaliar seu efeito sobre as projeções, chega-se aos seguintes resultados, apresentados na Tabela 6 e nos Gráficos 7 e 8. Observa-se que uma decisão extrema como a simulada acima, em que se fingiu o preenchimento, em 2010, de todas as 665 vagas disponíveis para a carreira no fim de 2009, além de, conforme previsível com base nos resultados descritos anteriormente, não ter impacto significativo sobre a evolução das Classes C e Especial, opera alterações sobre as Classes A e B que, ao fim do horizonte de projeção, terão sido insuficientes para alterar a distribuição quantitativa por classes, obtida com o regime de ingressos anuais previsto inicialmente. Importa Gráfico 3 – Evolução da quantidade de EPPGG e de vagas disponíveis, por classe, no período de 2009 a 2021, no Cenário Dinâmico Fontes: SEGES e elaboração do autor. (96) Gráfico 4 – Evolução das quantidades de EPPGG não promovidos no último padrão, por classe, no período de 2009 a 2021, no Cenário Dinâmico Fontes: SEGES e elaboração do autor observar que a Classe B atingiria seu limite máximo já em 2013, ao passo que a quantidade de EPPGG na Classe A, já após 2018, voltaria a se manter em patamares inferiores a 2009. Ainda aplicando-se o modelo com o Cenário Conservador, mas, desta vez, sem a excepcionalidade prevista no § 1º do art. 157 da Lei nº 11.890/90, isto é, de que o número de ocupantes do cargo posicionados na classe há mais de 10 anos possibilita igual expansão no número de vagas existentes, obtêm-se os resultados apresentados na Tabela 7 e nos Gráficos 9 e 10. A simulação, sem as vagas extras para as Classes A (aumento de 30% para 60% do total) e Especial (aumento de 20% para 25% do total), até o ano de 2013, previstas em caráter autorizativo no § 4º do art. 157 e também sem as vagas extras associadas a EPPGG com mais de dez anos Tabela 5 – Evolução da quantidade de EPPGG, por classe, no período de 2009 a 2021, sem as vagas extras provisórias previstas para as Classes A e Especial até o ano de 2013 Fontes: SEGES e elaboração do autor. Gráfico 5 – Evolução da quantidade de EPPGG e de vagas disponíveis, por classe, no período de 2009 a 2021, sem as vagas extras provisórias previstas para as Classes A e Especial até 2013, no Cenário Conservador Fontes: SEGES e elaboração do autor.. Gráfico 6 – Evolução das quantidades de EPPGG não promovidos no último padrão, por classe, no período de 2009 a 2021, sem as vagas provisórias previstas para as classes A e Especial até 2013, no Cenário Conservador Fontes: SEGES e elaboração do autor. Tabela 6 – Evolução da quantidade de EPPGG, por classe, no período de 2009 a 2021, no Cenário Conservador, com ingressos na quantidade máxima possível em 2010 Fontes: SEGES e elaboração do autor. de permanência na Classe Especial, apresentaria os seguintes resultados, expostos na Tabela 8 e nos Gráficos 11 e 12. A observação talvez mais importante a fazer da comparação entre o modelo aplicado primeiramente com e depois sem as vagas extras por permanência na Classe Especial por mais de dez anos é a de que a intenção do legislador de, com a estipulação de limites quantitativos por classe, atribuir à carreira um formato piramidal tenderia a falhar visivelmente na primeira hipótese, em que o formato resultante se aproximaria ao de uma pirâmide invertida, mas, previsivelmente, se concretizaria por Gráfico 7 – Evolução da quantidade de EPPGG e de vagas disponíveis, por classe, no período de 2009 a 2021, no Cenário Conservador, com ingressos na quantidade máxima possível em 2010 Fontes: SEGES e elaboração do autor Gráfico 8 – Evolução das quantidades de EPPGG não promovidos no último padrão, por classe, no período de 2009 a 2021, no Cenário Conservador, com ingressos na quantidade máxima possível em 2010 Fontes: SEGES e elaboração do autor completo na segunda, ainda que um pouco mais tarde no caso de as vagas extras provisórias até 2013 serem usadas. Finalmente, a aplicação do modelo para simular como evoluiriam os contingentes da carreira por classe sem as alterações instituídas pela Lei nº 11.890/2008, isto é, apenas com o limite do contingente total da carreira ainda fixado em 1.560 EPPGG, revelaria quão desequilibrada tenderia a ser aquela distribuição até o horizonte de 2044. Cabe aqui o esclarecimento de que, sem a Tabela 7 – Evolução da quantidade de EPPGG, por classe, no período de 2009 a 2021, sem as vagas extras associadas a EPPGG com mais de dez anos de permanência na Classe Especial Fontes: SEGES e elaboração do autor. Gráfico 9 – Evolução da quantidade de EPPGG e de vagas disponíveis, por classe, no período de 2009 a 2021, sem as vagas extras associadas a EPPGG com mais de dez anos de permanência na Classe Especial, no Cenário Conservador Fontes: SEGES e elaboração do autor. Gráfico 10 – Evolução das quantidades de EPPGG não promovidos no último padrão, por classe, no período de 2009 a 2021, sem as vagas extras associadas a EPPGG com mais de dez anos de permanência na Classe Especial, no Cenário Conservador Fontes: SEGES e elaboração do autor. Tabela 8 – Evolução da quantidade de EPPGG, por classe, no período de 2009 a 2021, sem as vagas extras associadas aos EPPGG com mais de dez anos de permanência na Classe Especial e sem as vagas extras até o ano 2013 Fontes: SEGES e elaboração do autor. excepcionalidade prevista no § 1º do art. 157 daquela lei, os demais dados e premissas continuariam a valer igualmente em anos posteriores a 2021, o que viabiliza a projeção com horizontes bem maiores. Justifica-se a escolha do ano de 2044 para horizonte dessa última projeção com base nas suposições de que, ao fim do período de 35 anos, todos os ocupantes da carreira, no ano de 2009, teriam sido substituídos pelos ingressantes a Gráfico 11 – Evolução da quantidade de EPPGG e das vagas disponíveis, por classe, no período de 2009 a 2021, sem as vagas extras associadas a EPPGG com mais de dez anos de permanência na Classe Especial e sem as vagas extras até 2013 nas Classes A e Especial, no Cenário Conservador Fontes: SEGES e elaboração do autor. Gráfico 12 – Evolução das quantidades de EPPGG não promovidos no último padrão, por classe, no período de 2009 a 2021, sem as vagas extras associadas a EPPGG com mais de dez anos de permanência na Classe Especial e sem as vagas extras até 2013, no Cenário Conservador Fontes: SEGES e elaboração do autor. partir de 2010 e de que estes somente começariam a se aposentar a partir de 2044. O resultado descrito no Gráfico 13 impressiona pela tendência de elevadíssima concentração de quase todo o contingente de EPPGG na Classe Especial até o ápice desse desequilíbrio, observado no ano de 2031, com 1.332 servidores, após o que a tendência finalmente se inverteria e, finalmente, no ano de 2042, os contingentes das classes tenderiam a se estabilizar em patamar próximo daqueles observados em 2023. CONSIDERAÇÕES FINAIS Acredita-se ter, com este trabalho, oferecido importante e significativa contribuição para identificar, analisar e avaliar os principais efeitos da nova lei e, assim, regulamentá-la mais apropriada e agilmente em termos potencialmente mais profícuos para a estruturação de uma Administração Pública Federal cada vez mais comprometida com resultados. Também importantes são as informações sobre como tenderão a ocorrer as promoções sob as novas regras. As simulações e projeções possibilitaram concluir com razoável e fundamentada confiabilidade que as alterações introduzidas pela nova lei destinadas a dar à carreira um formato piramidal não deverão operar todos os efeitos esperados, pois, devido à previsão de vagas extras para promoção, associadas à permanência superior a dez anos na mesma classe, nos termos do § 1º do art. 157, as quantidades de profissionais na Classe Especial tenderão a se manter maiores do que nas Classes B e C, as quais, por sua vez, em face também da expectativa de ingressos bienais de cem EPPGG, tenderão a ser maiores do que as da Classe A. Outra previsão legal que se mostrou de improvável utilidade é a de ampliar provisoriamente o número de vagas para a Classe A. Já a expansão provisória das vagas para a Classe Especial propiciou, também provisoriamente, redução na quantidade de EPPGG impedidos de serem promovidos da classe C para a Especial. Mesmo assim esse tipo de impedimento tenderá a ser cada vez mais frequente, consequência natural dos limites por classe estabelecidos no art. 157. Haverá tendência de gargalo para a Classe C, mantidos os ingressos de cem novos EPPGG a cada dois anos, a partir de 2014 e, para a Classe Especial, a partir de 2011. Esses gargalos atingiriam em Gráfico 13 – Evolução da quantidade de EPPGG e de vagas disponíveis, por classe, no período de 2009 a 2044, sem as alterações instituídas pela Lei nº 11.890/2008 Fontes: SEGES e elaboração do autor. 2016 o pico de 332 EPPGG em C-III não promovidos a S-I por falta de vagas na Classe Especial e em 2018 o pico de 202 EPPGG em B-III não promovidos a C-I por falta de vagas na Classe C. Não obstante as discrepâncias entre o formato piramidal pretendido e o formato projetado, é inquestionável o efeito saneador operado com as alterações da nova lei, ao impedir a evolução que tenderia a concentrar quase toda a carreira na Classe Especial. Outra observação importante a destacar é a de que a planilha de projeções terá uso também operacional, pois, semestralmente, nas datas que vierem a ser estipuladas para operar as progressões e promoções funcionais, as ocorrências de aposentadoria e permanência superior a dez anos na mesma classe poderão ser nela inseridas e automaticamente serão produzidas as informações sobre disponibilidade de vagas por classe, para uso pela unidade gestora e para a prestação dos devidos esclarecimentos aos servidores. Por todas essas razões é de se esperar que as contribuições oferecidas neste trabalho interessarão à Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, órgão gestor da carreira de EPPGG, à Secretaria de Recursos Humanos, também daquele ministério, e aos ministérios responsáveis pela gestão das demais carreiras abrangidas na Lei nº 11.890/2008. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BALADA, Josep Ramon Morera i. Modernización de la gestión pública: reorientación de la gestión de la Carrera de Especialista en Políticas Públicas y Gestión Gubernamental (EPPGG). Informe Seges, 2009. BRASIL. Decreto nº 7.133, de 19 de marco de 2010. Regulamenta os critérios e procedimentos gerais a serem observados para a realização das avaliações de desempenho individual e institucional e o pagamento das gratificações de desempenho de que tratam as Leis nº (…) 11.784, de 22 de setembro de 2008, 11.890, de 24 de dezembro de 2008 (…). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7133.htm> BRASIL. Lei nº 11.890, de 24 de dezembro de 2008. Dispõe, dentre outras coisas, sobre a reestruturação da composição remuneratória das Carreiras de Gestão Governamental, de que trata a Medida Provisória no 2.229-43, de 6 de setembro de 2001, (…) sobre o Sistema de Desenvolvimento na Carreira – SIDEC, (…) revoga dispositivos da Medida Provisória nº 2.229-43, de 6 de setembro de 2001 (...) e dá outras providências. 2008ª. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11890.htm> BRASIL. Lei nº 11.784, de 22 de setembro de 2008. (...) institui sistemática para avaliação de desempenho dos servidores da administração pública federal direta, autárquica e fundacional (...) e dá outras providências. 2008b. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/Lei/L11784.htm> BRASIL. Medida Provisória nº 2.229-43, de 6 de setembro de 2001. Dispõe sobre a criação, reestruturação e organização de carreiras, cargos e funções comissionadas técnicas no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/mpv/222943.htm> BRASIL. Lei nº 7.834, de 6 de outubro de 1989. Cria a Carreira e os respectivos cargos de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, fixa os valores de seus vencimentos, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7834.htm> CARDOSO, Regina Luna Santos; SANTOS, Luiz Alberto. Carreiras de Executivos Públicos e o Ciclo de Políticas Públicas: a experiência dos gestores governamentais no governo federal do Brasil, 2002. Apresentado no V Congresso Internacional do CLAD sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública, Santo Domingo, República Dominicana, 2002. GOLDSWORTHY, D. Improving the public management carrer: Report for the Ministry of Planning, Budgeting and Management, Federal Government of Brazil. 2009. SANTOS, L. A.; SOUZA, R. L. S. Avaliação de Desempenho da Ação Governamental no Brasil: Problemas e Perspectivas. XV Concurso de Ensayos del CLAD “Control y Evaluación del Desempeño Gubernamental”. Caracas, 2001. SOUZA, R. L. S.; SANTOS, L. A. Sistemas de Remuneração Baseada em Desempenho no Governo Federal do Brasil. O caso dos Gestores Governamentais. In: VII Congresso Internacional do Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvolvimento, 2002, Lisboa, Portugal. Anais... Caracas, Venezuela: CLAD, 2002. SOUZA, R. L. S. Associar o desempenho individual ao planejamento organizacional pela gestão de competências: um novo enfoque para a avaliação de desempenho na administração pública brasileira. In: Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, 2005, Santiago, Chile. Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública. Caracas, Venezuela: CLAD, 2005. v. 10. Ruyter de Faria Martins Filho, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG); engenheiro eletricista, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ); advogado, Universidade de Brasília; mestre em engenharia elétrica, (PUC-RJ). Normas para Publicação I. A revista Res Pvblica é uma publicação, com periodicidade semestral, da Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ANESP). Tem natureza profissional e opinativa e, por objetivo, divulgar artigos produzidos por membros da Carreira, colaboradores e estudiosos de assuntos relativos a políticas públicas, gestão governamental, organização do Estado, economia do setor público e política. II. Os textos recebidos são submetidos à comissão editorial, que é constituída especificamente para cada número e coordenada pelo editor da revista, o diretor de Estudos e Pesquisas da ANESP. As comissões são compostas por três integrantes com sólida formação. III. A comissão selecionará os trabalhos tentativamente por consenso. As situações não consensuadas serão decididas pelo editor. São critérios para seleção dos trabalhos: relevância conjuntural, originalidade, consistência, coerência, clareza e objetividade. A Res Pvblica aceita somente trabalhos inéditos em língua portuguesa, na forma de artigo. IV. Ao Editor reserva-se o direito de efetuar adaptações e alterações nos textos recebidos para adequá-los às normas editoriais da revista, respeitando o conteúdo e o estilo do autor. V. O texto deve conter entre 25 mil e 50 mil caracteres, incluídos os espaços. Não deve conter qualquer tipo de formatação, hifenação ou tabulação, palavras em negrito ou sublinhadas. Se necessário, poderá ser utilizada fonte em itálico. VI. O texto deve ser acompanhado de um resumo com aproximadamente 180 palavras. Deve ser enviado em arquivo de Word 7.0, ou em versão compatível, para o endereço eletrônico [email protected], aos cuidados do editor. As referências do autor devem constar após o título do texto (nome, instituição, titulação). VII. As notas devem figurar no final do texto, numeradas em ordem crescente e indicadas no corpo do texto em algarismos arábicos, nos padrões da ABNT. A citação bibliográfica deve ser completa quando o autor e a obra forem indicados pela primeira vez. Ex.: REZEK, Francisco.Direito Internacional Público. 10 ed. São Paulo: Saraiva, p. 14, 2005. VIII. Nos casos de repetição, utilizar: REZEK, Francisco, op. Cit., p. 21. IX.. A bibliografia é indispensável, devendo constar ao final do trabalho, em ordem alfabética, nos padrões ABNT, conforme exemplos listados abaixo: Livro: WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004. Coletânea: MOTA, Lourenço Dantas (org.). Introdução ao Brasil. Um banquete no trópico 1. 3ª ed. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2001. Artigo em coletânea: ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Joaquim Nabuco. Um estadista no império. In: Introdução ao Brasil. Um banquete no trópico 1. 3ª ed. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2001. Artigo em periódico: BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. Revista Diálogo Jurídico. Salvador: ano I, vol. I, nº 6, set. 2001. Tese acadêmica: SOUZA, Telma de. A tradição autoritária brasileira e a esquerda. Tese (Doutoramento em Ciência Política), Universidade de São Paulo, São Paulo. X. O autor do texto publicado terá direito a dez exemplares da revista. XI. Informações adicionais sobre a revista bem como os números publicados estão disponíveis na pagina www.anesp.org.br.