CASO CLÍNICO: DENGUE Residência Médica em Pediatria Camila Venuto – R2 Orientadoras: Dra. Mariana, Dra. Mônica e Dra. Yanna www.paulomargotto.com.br 27/3/2009 CASO CLÍNICO Identificação: YFCO, Reg. 140400-2, 7 anos e 11 meses, natural e procedente de Santa Maria da Vitória – BA, estudante. QP: “Fezes enegrecidas há 5 dias” CASO CLÍNICO HDA: Em 03/03, cefaléia de leve a moderada intensidade, holocraniana, melhorava com assintomática. paracetamol, durou 2 dias. Ficou 1 dia Em 06/03, febre (38-39oC) que não cedia com antitérmicos, náuseas e mialgia. Neste dia foi ao PS local, onde foi prescrito Nimesulida, Alivium, Bactrim e Plasil (receita com a mãe). Usou medicamentos prescritos por 3 dias. A febre passou após 2 dias. Depois iniciou dor epigástrica e queda do estado geral. Em 08/03 foi internada. Durante internação houve piora da dor abdominal e em 09/03 mãe notou fezes enegrecidas, pastosas, várias vezes ao dia. Em 10/03, pela manhã, recebeu alta em uso de Amoxicilina, Scaflan, Buferin, Suplan e Alivium. Como houve piora da diarréia e criança evoluiu com astenia, vômitos e piora do estado geral voltou ao hospital no mesmo dia, sendo reinternada. Segundo relatório de transferência, fez uso de Ceftriaxona e como mantinha plaquetopenia foi transferida ao HRAS em 12/03. CASO CLÍNICO Antecedentes Pessoais: Alérgica a Dipirona e a AAS – SIC; 1 internação com 3 anos devido a baixo peso e pouca aceitação da dieta. Antecedentes familiares: Pai: hipertrigliceridemia Irmão 2 anos: convulsão febril Condições sócio-econômicas: Reside em casa em região urbana, esgoto a céu aberto. Mãe refere epidemia de dengue na região de origem. Várias pessoas da família já tiveram o diagnóstico. CASO CLÍNICO Exame Físico na chegada: EGR – B, hidratada no limiar, algo hipoativa. ACV e AR: NDN Abdome: flácido s/ VMG. HD: GECA? Melena? CD: Dieta obstipante e HV 120% Holl. 07/03 10/03 Hg 11,8 Htc 13/03 14/03 12,3 9,5 10,8 35 37 28,5 32,7 Plaq 112.000 54.000 130.000 65.400 167.000 Leuco 4.200 11.000 6.600 5.000 4.000 Bast 10 4 1 2 0 Seg 68 56 41 44 30 Eos 2 0 2 3 2 Linf 16 35 47 48 61 Mono 4 5 7 3 7 10 17 50 Ur/Creat 36/0,7 21/0,5 17/0,4 TGO/TGP 22/19 55/ 65/40 140/3,5 143/4,4 Vhs 11/03 12/03 79.000 Na/K Fal/GGT 227/41 LDH 738 Amilase 92 INR OUTROS 1 EAS: Ptot 2+,Pióc 10 Cil. Gran. Sangue oculto nas fezes 4+ EAS normal CASO CLÍNICO Evolução: Em 13/03 criança permanecia com dor abdominal importante, não aceitou a dieta, permanecia com fezes escuras. Ao exame, hipocorada, hipoativa. Abdome com RHA diminuídos, tenso, doloroso difusamente à palpação profunda. HD: Hemorragia digestiva baixa + dor abdominal a/e anemia + plaquetopenia Peritonite associada??? Causa infecciosa? – Dengue? CD: Dieta zero, Omeprazol, HV 100% Holl, Parecer CirPed, exames CASO CLÍNICO Evolução Em 14/03 foi liberada dieta, criança sem queixa de dor. Persistia com melena. CirPed descartou abdome cirúrgico. HD: Hemorragia Digestiva Alta – Púrpura trombocitopênica??? Infecção viral?? Efeito adverso dos AINES? CD: novos exames, solicitada EDA Evolução Em 17/03, já assintomática, em uso de omeprazol. Mãe refere melhora do aspecto das fezes. Realizou EDA => Duodenite erosiva com nodosidade leve. Resultado da sorologia para dengue colhido no hospital de origem => IgG e IgM positivos. HD: dengue + efeito adverso dos AINES CASO CLÍNICO Evolução Em 18/03 recebe alta ssintomática, fezes com aspecto habitual. Orientada a usar Ranitidina por 15 dias e a fazer acompanhamento ambulatorial na região de origem. Notificação do caso de Dengue, colhida amostra de sangue para nova sorologia. Definições Sinonímia: Febre quebra –ossos, quebradeira, dandy fever, febre dos sete dias, púrpura trombocitopênica infecciosa aguda Histórico: Século XV: doença dos viajantes Século XVIII: quenturas benignas de Sevilha Brasil: 1º caso em 1888, 1ª epidemia em 1923 1981: Cuba – 1ª epidemia de dengue hemorrágica nas Américas, sendo a maioria dos óbitos crianças DF: Em1991 - 1º caso importado; em 1997 - cinco casos autóctones. Depois, padrão endêmico. Em 2000 e 2001 maiores incidências. Em 1999 – 1º caso de febre hemorrágica Definições Doença febril aguda que pode ter curso benigno ou grave: infecção inaparente, dengue clássico, dengue com complicação, febre hemorrágica da dengue, síndrome do choque da dengue Mais importante arbovirose que afeta o ser humano Maior impacto em países tropicais Agente etiológico: Vírus RNA – Arbovírus do gênero Flavivirus, pertencente a família Flaviviridae. Sorotipos 1 a4 Definições Caso suspeito de dengue clássico: doença febril aguda com duração máxima de 7 dias em pessoa que esteve nos últimos 15 dias em área de risco. Apresentação de pelo menos 1 dos sintomas: cefaléia, dor retroorbital, mialgia, artralgia, prostração, exantema. Caso confirmado de dengue clássico: confirmação laboratorial. No curso de epidemia a confirmação pode ser feita com critérios clínico-epidemiológicos, exceto nos primeiros casos Caso suspeito de febre hemorrágica do dengue (FHD): todo caso suspeito de dengue com manifestações hemorrágicas. Definições Caso confirmado de FHD: caso de dengue confirmado laboratorialmente com todos os critérios: Febre 7 dias Plaquetimetria <100.000 Tendência hemorrágica: prova do laço, petéquias, equimoses, púrpuras, sangramento de mucosas ou trato gastrointestinal Aumento da permeabilidade vascular e extravazamento de plasma manifestado por: htc 20% em relação ao basal e do htc após tratamento adequado, hipoproteinemia, derrame pleural e ascite Definições Caso de dengue com complicação: todo caso que não se enquadra nos critérios de FHD, sendo o diagnóstico de dengue clássico insatisfatório. Caracterizado com um ou mais dos seguintes achados: Alterações graves no sistema nervoso central (encefalite, psicose, Guillain-Barré, demência, coma, depressão, delírio) Insuficiência hepática Disfunção cardio-respiratória Plaquetimetria <50.000 Leucócitos<1.000 Hemorragia digestiva Derrames cavitários Óbito Definições Vetores: mosquitos do gênero Aedes , raio de vôo limitado Reservatório: humano é fonte de infecção e reservatório vertebrado Modo de transmissão: picada do mosquito (limpas) Definições Após repasto de sangue infectado, mosquito fêmea está apto a transmitir vírus após 8 a 12 dias de incubação extrínseca Transmissão mecânica é possível, quando repasto é interrompido Não há transmissão por contato direto Período de incubação: 3 a 15 dias Definições Período de transmissibilidade: Do ser humano para o mosquito enquanto houver viremia (um dia antes da febre até o 6º dia de doença) No mosquito após repasto de sangue infectado o vírus se aloja nas glândulas salivares da fêmea, fica em incubação de 8 a 12 dias e inicia multiplicação. A partir daí o mosquito é capaz de transmitir a doença até o final de sua vida Susceptibilidade é universal Imunidade homóloga é permanente e imunidade heteróloga é temporária (6 meses) Epidemiologia Etiopatogenia Inoculação intracutânea replicação viral na pele Linfonodos regionais Outros linfonodos Baço Fígado Medula Placas de Peyer VIREMIA Facilita penetração viral e replicação no interior celular Presença de IgG Resposta imunológica Resposta primária: pessoas sem exposição prévia ao flavovírus e o título de anticorpos se eleva lentamente Resposta secundária: pessoas com infecção aguda por dengue e que já tiveram infecção prévia por flavovírus. O título de anticorpos atinge altos índices rapidamente Resposta imunológica Susceptibilidade a febre hemorrágica: Teoria de Rosen: relação com virulência da cepa infectante Teoria de Halstead: infecções sequenciais por diferentes sorotipos, após período de 3 meses a 5 anos. Resposta imunológica secundária fica exacerbada Teoria integral de multicausalidade fatores de risco: Individuais: <15 anos, adultos do sexo feminino, reça branca, bom estado nutricional, comorbidades, preexistência de anticorpos, intensidade da resposta imune anterior Virais: virulência da cepa, sorotipo Epidemiológicos: circulação de 2 ou mais sorotipos, vetor eficiente, alta densidade vetorial, intervalo entre as infecções, ampla circulação do vírus, sequencia das infecções (DEN-2 secundário aos outros sorotipos) *Monócitos e células dendríticas são as células alvo para o vírus, que se replica e ativa genes codificantes de citocinas ativação NK, CD4 e CD8 resposta adaptativa e ativação dos monócitos e células dendríticas. *Citocinas pró-inflamatórias endotélio permeabilidade vascular. PAF/PAI distúrbios de coagulação. *IL-10 anergia temporária de linfócitos T. *TNF, IFNs controle precoce da replicação viral; anticorpos controle tardio da infecção ou durante a reinfecção sorotipo específica Quadro clínico – dengue clássico Febre (39 – 40ºC), cefaléia, mialgia, artralgia, prostração, anorexia, astenia, dor retroorbital, náuseas, vômitos, exantema, prurido cutâneo Hepatomegalia pode aparecer desde o início Dor abdominal é mais frequente em crianças Manifestações hemorrágicas (petéquias, epistaxe, gemgivorragia, metrorragia) mais comum em adultos, ao fim do período febril Duração de 5 a 7 dias, mas o período de convalescença pode prolongar-se por semanas Quadro clínico – febre hemorrágica Variação da Temperatura axilar Quadro inicial com agravamento a partir do 3º ou 4º dia Manifestações hemorrágicas e colapso circulatório Choque ocorre entre 3º e 7º dia, geralmente precedido de dor abdominal Choque: pulsos fracos, taquicardia, hipotensão Manifestações neurológicas (convulsão, irritabilidade) Óbito pode ocorrer após 12 a 24 horas Terapia de suporte adequada promove recuparação rápida Formas de febre hemorrágica (OMS) Grau I: única manifestação hemorragica é prova do laço 5 a 6 HORAS Grau II: Hemorragias espontâneas leves (epistaxe, sangramentos de pele, gengivorragia) 2 A 3 HORAS Grau III: colapso cisculatório, com pulso fraco e rápido, hipotensão, inquietação, pele fria e pegajosa 20 A 30 MINUTOS Grau IV: choque profundo (síndrome do choque da dengue) Exames complementares Exames inespecíficos: leucopenia ou leucocitose, linfocitose com atipia, trombocitopenia; hipoalbuinemia, TGO e TGO elevadas; albuminúria; aumento de TAP, TP e diminuição de protrombina, fator VIII, fator XII, antitrombina e antiplasmina. Prova do laço: com esfignomanômetro, obter ponto médio entre pressão arterial máxima e mínima, mantendo-se esta pressão por 5 minutos. Quando positiva, aparecem petéquias sob o aparelho ou abaixo dele. Se o número de petéquias for 20 ou mais por polegada, é considerada fortemente positiva Exames complementares Exames específicos: Isolamento viral: mais específico. Coleta deve ser feita na 1ª semana de doença (até 5º dia do início dos sintomas) Sorologia: que demosntram IgM em única amostra ou aumento do título de IgG (conversão sorológica) em amostras pareadas ELISA de captura de IgM mais útil para vigilância pois requer única amostra de soro e é simples e rápida. Viragem ocorre a partir do 5º dia de sintomas na maioria dos casos Diagnóstico diferencial Influenza, rubéola, sarampo, hepatite Meningococcemia, leptospirose, malária, febre tifóide PTI, púrpura de Henoch-Schënlein Abdome agudo, nefrolitíase Conduta Dengue clássico s/manifestações hemorrágicas: Aumento da ingesta hídrica Não suspender amamentação (mãe ou filho doente) Repouso Procurar assistência médica se apresentar: Fezes pretas Vômitos frequentes Tontura, vista escura, desmaio Pele pálida, fria, seca Muito sono ou agitação Dos abdominal Dispnéia Não usar: AAS, aspirina, Buferin, Sonrisal, Alka-seltzer, Doril, Melhoral ou qualquer outra droga que contenha AAS Retorno em 2 ou 3 dias Exames complementares ficam a critério médico (prova do laço faz parte do exame físico). Sorologia após 3 dias de doença. Se epidemia fazer de 1 em cada 10 pacientes. Conduta Dengue clássico com manifestação hemorrágica Hamatócrito e plaquetimetria, tipagem sanguinea (se não for possível encaminhar paciente após iniciar hidratação) Hemoconcentração: Htc/Hg >3,5; plaqetas < 100.000; Htc >38% em menores de 12 anos (mulheres > 40% e homens > 45%) Hidratação pode ser oral se paciente estável Sinais de choque: SF 0,9% ou Ringer 10-20ml/Kg Antipiréticos e analgésicos sem AAS Se houver hemoconcentração e paciente estável, observação por 12 a 24 horas. Repetir exames, se houver tendência a normalidade alta hospitalar Conduta Dengue Hemorrágico: Internação para HV e monitorização hemodinâmica Não drenar derrames (risco de sangramento) Exames complementares: Tipagem sanguínea Htc de 4/4 horas enquanto paciente estiver instável Plaquetimetria a cada 12 horas RX tórax (derrame pleural) Ecografia abdominal Se possível: transaminases, albumina Isolamento viral (até 5 dias de doença) e diagnóstico sorológico (a partir do 3º dia de doença) Conduta Síndrome do choque do dengue (FHD): Internação em UTI Hidratação venosa (considerar albumina e hemoderivados) Oxigenoterapia Previnir edema pulmonar Monitorização rigorosa (PA, pulso, débito urinário, respiração) Repor perdas plasmáticas com Ringer Lactato Se não responder infundir plasma (10-20ml/Kg) Exames: Htc ( expansão quando htc ) Eletrólitos, gasometria Vigilância epidemiológica Objetivos: Evitar ocorrência das infecções por pelo vírus em áreas livres de circulação Detectar epidemias precocemente Controlar epidemias em curso Reduzir risco de transmissão nas áreas endêmicas Reduzir letalidade de FHD, mediante diagnóstico precoce e tratamento adequado Notificação: compulsória (todo caso suspeito ou confirmado) Vigilância epidemiológica Medidas a serem adotadas: Atenção médica e qualidade de assistência Proteção individual para evitar circulação viral (telas) Confirmação diagnóstica Proteção da população Investigação Instrumentos de controle: Manejo ambiental Saneamento básico Participação comunitária Controle químico do vetor Referências Bibliográficas Guia de vigilância Epidemiológica, Fundação Nacional de Saúde. Brasília: FUNASA, 2002 Farhat, Kairalla Calil. Infectologia Pediátrica. Rio de Janeiro: Atheneu, 1993 Tonelli, Edward. Doenças Infecciosas na Infância. Rio de Janeiro: Medsi, 1987 www.saude.gov.br, acesso em 25/03/09 www.saude.df.gov.br, acesso em 25/03/09 www.sbimunologia.com.br , acesso em 25/03/09