8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) 01 a 04/08/2012, Gramado, RS Área Temática: Instituições Políticas Quem são eles? Uma prosopografia da elite política samborjense (1889-1964) * Vinicius de Lara Ribas1 Ronaldo Bernardino Colvero2 * Trabalho apresentado no GT Instituições Políticas do 8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), em Gramado, RS, entre os dias 1º a 4 de agosto de 2012, proveniente da pesquisa de mesmo título financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS), por meio de bolsa na modalidade Iniciação Científica. 1 Graduando em Ciências Sociais – Ciência Política, Universidade Federal do Pampa, UNIPAMPA – RS. E-mail: [email protected] 2 Orientador. Professor Adjunto e coordenador do curso de Ciências Sociais – Ciência Política, Universidade Federal do Pampa, UNIPAMPA – RS. E-mail: [email protected] 1 Quem são eles? Uma prosopografia da elite política samborjense (1889-1964) Vinicius de Lara Ribas Ronaldo Bernardino Colvero Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar as trajetórias dos indivíduos que fizeram parte das elites políticas vinculadas à Câmara Municipal de São Borja (RS), desde 1889 até 1964. Para isso, o método prosopográfico será utilizado, pois oferece as ferramentas para uma análise das trajetórias políticas dos vereadores eleitos no período, bem como suas relações sociais, políticas e econômicas. A prosopografia é um método de construção de biografias coletivas, de forma quantitativa, analisando pontos comuns dos indivíduos. Com isto, constituiremos uma base de dados concisa sobre cada político sãoborjense, criando com isto um banco de dados a respeito do poder local, tentando compreender as trajetórias dos vereadores, a que elite pertenciam, como e por onde se deu o recrutamento e a circulação das elites dentre outras questões pertinentes ao estudo do poder local. Palavras-chave: Elites políticas; Republicanismo; Prosopografia; Câmara de Vereadores; São Borja. 2 Para Carvalho (2004), a proclamação da República brasileira, no ano de 1889, não passou de um golpe de elites, que tomaram o poder e expulsaram a coroa do país, relegada à Europa. O autor observa ainda que, logo alguns dias depois do quinze de novembro, Aristides Lobo – um dos propagandistas do regime republicano – percebeu que “o povo, que pelo ideário republicano deveria ter sido protagonista dos acontecimentos, assistira a tudo bestializado, sem compreender o que se passava, julgando ver talvez uma parada militar” (Carvalho, 2004: 9). Deste modo, o pecado inicial da República brasileira estava posto: não houve participação popular na construção do ideal republicano. Ainda que a participação popular na proclamação da República tenha sido nula, o novo regime despertou novas possibilidades de participação, demonstrado em diversos jornais. No entanto, os novos governantes do país pouco fizeram quanto à expansão dos direitos civis e políticos e, no que tange aos direitos sociais, houve até mesmo um retrocesso. (Carvalho, 2004: 45). Para ilustrar, na questão do voto, nas eleições presidenciais de 1894, apenas 2% da população votou, isto porque “as inovações republicanas referentes à franquia eleitoral resumiram-se em eliminar a exigência de renda, mantendo a da alfabetização” (Carvalho, 2004: 43), afinal, a exigência da alfabetização já era, por si só, um impedimento à expansão do universo de eleitores. Leal (1997: 98) cita que os constituintes de 1890 canalizaram muitos esforços na construção do federalismo, prezando pela autonomia municipal. Para eles, esta autonomia era conquista republicana3. Entretanto, aponta Carvalho (2004: 45) que o federalismo surgido, apesar de ter o ideal democrático de desconcentrar o poder, acabou por entregar o governo nas mãos das elites dominantes, tanto rurais quanto urbanas. 3 O artigo 68 da Constituição de 1891 diz: “Os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos municípios em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse.” (Brasil, 1967: 129). 3 Com esta dominação política provocada nos municípios, se incorporou ao vocabulário da República Velha o termo “coronelismo”, definido por Victor Nunes Leal como: “coronelismo” atua no reduzido cenário do governo do governo local. Seu habitat são os municípios do interior, o que equivale a dizer os municípios rurais, ou predominantemente rurais; sua vitalidade é inversamente proporcional ao desenvolvimento das atividades urbanas, como sejam o comércio e a indústria. Consequentemente, o isolamento é fator importante na formação e manutenção do fenômeno. (Leal, 1997: 275) Leal aponta que o fenômeno do coronelismo, presente maciçamente a partir de 1889, advém de três problemas básicos: (1) dependência dos municípios aos estados e a União, pois, ainda que a Constituição de 1891 verse sobre a autonomia municipal, esta prerrogativa foi logo tolhida por um sistema de fiscalização por parte dos estados, previsto nas constituições estaduais; (2) o sistema representativo adotado era pouco adequado às realidades do país, tendo, com isto, pouquíssima participação eleitoral; (3) muitos municípios do Estado brasileiro estavam isolados geograficamente e, em virtude da baixa comunicação com as capitais, o território era facilmente dominado por um pequeno grupo. Como escreveu Holanda (2004: 160), a democracia no Brasil se fez em lamentável mal entendido, e, talvez por isto, nosso sistema partidário se construiu de maneira fraca, pouco institucionalizada e frágil o suficiente para ser derrotado em períodos de turbulência política. Alguns motivos para a fragilidade do sistema partidário durante a República Velha são apontados por Mainwaring (2001: 103), e dizem respeito a elite brasileira não sentir a necessidade de partidos de massa, pois era vedada a participação popular nas eleições; os presidentes do período fizeram de tudo para que os partidos fossem enfraquecidos, para que sua força fosse sempre incapaz de ameaçálos e, por fim, a própria relação simbiótica com o Estado, onde o governo se fazia com um grupo de amigos, e deste modo, estavam os partidos sempre subordinados ao poder estatal. 4 Durante a República Velha, os partidos não se organizavam mais de forma nacional, como no Império, mas se constituíam nos âmbito estadual. Estes partidos eram compostos por elites locais que desejavam a manutenção da própria autonomia, sem se ligar aos anseios dos governantes da União (Mainwaring, 2001). No Rio Grande do Sul, organizou-se o Partido Republicano Rio-Grandense, liderado pelo positivista Júlio de Castilhos, e o Partido Liberal, liderado por Gaspar Silveira Martins. A continuidade destas duas agremiações partidárias, em conflito permanente – ora apenas no campo político, ora com armas – foi garantida pela manutenção de seus líderes, provenientes de todo o Rio Grande do Sul, até 1930, quando se dá início a primeira reforma do Estado. A partir do ano de 1930, com a tomada do poder por Getúlio Vargas, através do golpe que ficou conhecido como “Revolução de 30”, o Estado brasileiro passa a se burocratizar e práticas como o patrimonialismo, corporativismo e clientelismo caem em leve desuso, em virtude, justamente, deste primeiro governo Vargas ser o período de construção do Estado (Nunes, 2003: 95). Para tal, em 1937, com o golpe que gerou a ditadura do Estado Novo, Vargas extingue todos os partidos e organizações políticas atuantes em esfera nacional, sendo considerado por ele como uma ameaça. Explica Mainwaring que Vargas foi um outro passo na progressão dos líderes estatais para minar os partidos; primeiro atacou a máquina do Partido Republicano em muitos estados e depois extinguiu todos os partidos em 1937. Em resumo: antes de 1945, o Estado e as elites governantes tinham, quando muito, estímulos tênues para construir partidos e frequentemente agiram de modo abertamente hostil a eles, considerando-os uma ameaça. (Mainwaring, 2001: 104). Deste modo, o período autoritário varguista (1937-45), desarticulando e impedindo a construção de partidos modernos, acentuou ainda mais as prerrogativas que as elites locais tinham para constituírem o poder de forma antipopular e sem as massas. 5 Com a democratização, em 1945, dá-se início a construção de partidos de massa, do tipo moderno, e políticas liberais para o Estado (Mainwaring, 2001: 106; Nunes, 2003: 95). Surgem, no âmbito nacional, diversos partidos, com diferentes programas e concepções. Era a primeira vez, no Brasil, que o sistema partidário iria influenciar na tomada de decisões. Este período iniciado em 1945 e extinto em 1964, com o golpe militar, ficou conhecido como o período da “democracia populista” e passou por crises frequentes, onde atitudes autoritárias foram a solução apresentada, pois, não atendendo às exigências de uma democracia de massas, apresentou uma instabilidade endêmica durante toda sua existência (Souza, 1976: 74). No entanto, ainda que a democracia fosse repleta de defeitos que impediam a sua própria manutenção, a construção dos partidos de massas, não apenas vinculados a elites locais, foi possível. Os três partidos que mais se destacaram no período foram: União Democrática Nacional (UDN), de discurso liberal e como a única alternativa a oposição varguista, era o partido mais conservador que existia. Apesar dos seu discurso liberal, a UDN se mostrava golpista em muitos dos casos de instabilidade política, sendo conhecida como “o braço partidário” do golpe de 1964. O Partido Social Democrático (PDS), criado por Getúlio Vargas e correligionários, com o propósito de abarcar o apoio dos proprietários de grandes extensões rurais. O PDS estava bem ancorado no centro da disputa eleitoral, em alguns estados mais afeito à UDN e, em outros ao PTB. Por fim, havia o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), também criado por Vargas, no âmago do Estado Novo, para contemplar uma nova camada de eleitores surgida, que eram os operários urbanos. Deste modo, a base do PTB era os partidários de Vargas no meio sindical, ou seja, urbana, sendo considerado o mais progressista entre os três maiores partidos. 6 Reorganizou-se o PCB, fundado em 1922, mas que estava na ilegalidade, e, em virtude da participação da União Soviética na II Guerra, alcançava índices de popularidade altíssimos para um partido permanentemente perseguido. No entanto, apenas dois anos depois de sua reorganização, em 1947 o PCB é novamente considerado ilegal e muitos de seus quadros integram-se ao PTB. Em São Paulo, há exceção do resto do país, dominou o Partido Social Progressista (PSP), liderado pelo populista Adhemar de Barros (Weffort, 1978). Como citado anteriormente, o período da democracia populista foi um período de instabilidade do sistema político brasileiro, encerrado abruptamente através do golpe de 1964, considerado um golpe de classe (Dreifuiss, 1981), arquitetado pelas classes dominantes locais em conjunto com os militares, uma nova configuração dos poderes se deu a partir deste acontecimento. O poder executivo exerceu um poder autoritário perante o legislativo e judiciário, cassando deputados, senadores e ministros de Justiça. Deste modo, uma nova configuração das casas legislativas surgiu, primeiramente entre apoiadores do golpe e os anti-golpistas e, em 1965, com o bipartidarismo e a dicotomia ARENA e MDB. O golpe militar era, deste modo, a definitiva ascenção da burguesia brasileira ao poder autoritário, que acreditava que poderia inclusive dominar os militares, instrumento utilizado na busca pelo poder. No entanto, com os sucessivos atos institucionais, quem realmente ascendeu ao poder foram os militares (Skidmore, 2010: 239). A partir de consolidado o golpe militar, nos dias posteriores a primeiro de abril de 64, a configuração política dos diferentes poderes no Brasil (Executivo, Judiciário e Legislativo) em todas suas instâncias (Municipal, Estadual e Federal) sofreram profundas modificações: muitos políticos de esquerda e do PTB, o partido de Goulart, foram presos ou partiram ao exílio, alterando com isto a feição, por exemplo, das Câmaras Municipais de Vereadores. Os 7 políticos que não foram embora ou não foram presos, se manifestaram nas suas casas legislativas, a favor ou contra ao golpe militar. Com o Ato Institucional n. 2, em outubro de 1965, extiguiram-se os partidos políticos, dentre outras medidas autoritárias. Nas palavras de Gaspari: O AI-2 mostrou sua essência antidemocrática da moderação castelista. Derrotada nas urnas em 1946, 50 e 54, a direita militar vira-se diante de um dilema: a democracia com derrota ou a vitória sem ela. Durante os dias da crise militar que antecederam a recaída ditatorial, Castello nada fez para defender a ordem constitucional que presidia. Numa só canetada, abandonou a legalidade formal e cassou aos brasileiros o direito de eleger o Presidente da República. (Gaspari, 2002: 240) Nesta nova configuração das instituições políticas brasileiras, as Câmaras de Vereadores municipais tornaram-se sustentáculo do poder ditatorial, até 1985, quando ocorre a abertura democrática e dá-se fim ao período militar. São Borja foi fundada pelo jesuíta espanhol Padre Francisco Garcia, no ano de 1682, e instalada efetivamente como “Povo”, com jurisdição própria, em 1690. Foi a primeira redução fundada pela Companhia de Jesus que compunha os chamados “Sete Povos”, organizados após a primeira fase das Missões Orientais, que haviam sido arrasadas pela invasão dos bandeirantes na primeira metade do século XVII. Povoada por índios reduzidos, sob controle dos jesuítas amparados pela Coroa espanhola, a redução de São Francisco de Borja passou ao domínio português no ano de 1801, por meio da conquista do território das Missões Orientais do Uruguai por Borges do Canto, Gabriel de Almeida e Manoel dos Santos Pedroso, todos militares portugueses que tinham profundos interesses no controle da região, o que também contribuía aos interesses da Coroa de Portugal, que manifestava expandir seus domínios para o sul do continente. Entretanto, foi pela distribuição das sesmarias aos soldados e colonos portugueses que se iniciou o povoado, luso-brasileiro, a partir do antigo 8 povoado missioneiro do povo de São Borja. A sua efetivação somente ocorreu a partir de 1828, após o fim do conflito do Império Brasileiro com a Argentina, efetivando-se no surgimento do Estado Oriental do Uruguai e conseqüentemente com a definição das fronteiras sulinas na região do Prata. A partir de então, São Borja passou a pertencer administrativamente ao município de Rio Pardo, do qual foi desmembrado por Resolução Provincial de 11 de março de 1833, assinada pelo então Governador da Província, Dr. Manoel Antonio Galvão. No ano seguinte, em 4 de abril de 1834, era juramentado na Câmara Municipal de Rio Pardo o primeiro Vereador da Câmara de São Borja, que recebia o cargo de Presidente desta instituição, João José Fontoura Palmeiro. Conforme termo municipal de 21 de maio daquele mesmo ano foi instalada definitivamente a Vila de São Borja. A importância dessa região, que desde séculos atuou como centro conversor de decisões e atuação da Igreja católica para os povos missioneiros, acabou sendo reconfirmada em 8 de maio de 1836, quando São Borja foi elevada à categoria de Freguesia pelas autoridades eclesiásticas brasileiras. Nesse sentido, também, em 3 de dezembro de 1839, passou a ser Cabeça de Comarca Eclesiástica. Por Lei Provincial n.º 26, de 2 de maio de 1846, passou a ser Paróquia, sob a invocação – a partir de então oficial – de São Francisco de Borja. A Lei n. 185, de 22 de outubro de 1850, criou em São Borja sua primeira Comarca Jurídica, que concentrou durante bom tempo os processos realizados nas Vilas e povoados vizinhos. Finalmente, em 21 de dezembro de 1887 foi elevada à condição de Cidade, através da Lei Provincial nº 1614, aumentando a representação política da Câmara Municipal de sete para nove representantes, assim como mantendo seu status político, como sede de colégio eleitoral. Durante o período imperial, especialmente, São Borja possuiu um porto fluvial relativamente movimentado, que a ligava economicamente com a região 9 do Rio da Prata. E fora nesse período também que as discussões acerca da escravidão tomavam conta do cenário político e econômico local. Afinal, numa região na qual o contato com o país vizinho era muito próximo, tornava-se difícil controlar a fuga de escravos, que geralmente cruzavam o rio Uruguai para livrarem-se da escravidão e buscar trabalho assalariado. Nesse sentido, São Borja, assim como outras cidades da região e da província do Rio Grande do Sul, declarou oficialmente liberto seus escravos no ano de 1884. Ou seja, quatro anos antes da assinatura da Lei Áurea. Porém, como no resto do país, também ali não houve um planejamento social para aquelas pessoas que passavam a dependerem unicamente de seu trabalho para o próprio sustento. À época, os adeptos da abolição em São Borja ganharam força com a fundação do Clube Abolicionista, tendo como presidente o Wenceslau Escobar e como membros Apparício Mariense da Silva e Francisco Gonçalves Miranda, que libertaram seus escravos sem qualquer indenização. Isso, sem dúvida, serviu como exemplo a ser seguido pelos demais senhores de escravos. Conforme O’Donnel (1983), foi constatado que Apparício Mariense, em Campanha pela abolição dos escravos, escreveu em 1882, o drama teatral “O filho de uma escrava”, para sensibilizar a população escravista e mandou-o publicar com recursos próprios, visando angariar fundos para comprar a liberdade dos cativos que permaneciam em cativeiro. Essa obra foi encenada em São Borja e em diversas localidades, e mais tarde ofertada a todas as sociedades abolicionistas do Rio Grande do Sul e de São Paulo. Além do Clube abolicionista, é preciso lembrar que Apparício Mariense, por exemplo, foi o mentor de um manifesto que, mesmo antes da proclamação da República, teve eco nos meios políticos regionais e nacionais, por requerer o fim do sistema monárquico no Brasil. Este manifesto ficou conhecido como “Moção plebiscitária”, que foi votada e aprovada pela Câmara de Vereadores de São Borja no dia 13 de janeiro de 1888. Portanto, mais de um ano antes da 10 proclamação do novo sistema de governo. Tendo em vista esse fato, cabe compreendermos as teias sociais dessa elite política que comandou São Borja naquele período, e que se creditava capaz de enfrentar o sistema político nacional. Vinculados a outros elementos, como a Revolução Federalista de 1893, que cindiu politicamente o Rio Grande do Sul em dois, ou já na segunda década do século XX, com a revolução de 1923, quando se deu novo embate pelo controle político do Estado, além da queda e ascensão de Getúlio Vargas à presidência do país, a elite política samborjense também passava por momentos de tensão. Contudo, é possível afirmar que foram nesses momentos em que alguns personagens aproveitavam suas teias de relacionamento e prestígio dentro do campo político, social ou econômico, para ascender na carreira política. Este trabalho busca, por meio da metodologia quantitativa prosopográfica, analisar as elites políticas vinculadas à Câmara de Vereadores de São Borja, do período da Proclamação da República até o golpe militar de 1964, quando apenas um grupo dominante da cidade se fez presente. 1 – Definindo o objeto: elites políticas Historicamente, pequenos grupos dominam instâncias deliberativas de pequenos locais, tais como as Câmaras Municipais de Vereadores de munícipios longes da capital do estado e pouco urbanizados, como é o caso do município de São Borja no período estudado: de 1889 a 1964. Conforme apresentado na introdução deste trabalho, o legislativo são-borjense esteve dominado por algum grupo de vereadores, que decidiam o futuro da cidade sem muito vincular-se aos problemas da população local. Deste modo, os vereadores se constituíam em uma elite política da cidade. Por elite política, entendemos que algumas concepções formuladas pela teoria elitista, inicialmente por Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca, devam ser 11 levadas em consideração, na tentativa de mapear teoricamente o grupo dominante vinculado a Câmara de Vereadores. O termo “elite”, surgido no século XVII, era inicialmente utilizado para designar algum grupo social com característica única perante os demais, considerada superior (Baquero, 2000: 81). Inicialmente, se destacava como elite grupos de unidades militares e altos postos da nobreza. Na ciência política, o termo ganhou destaque a partir dos trabalhos de Pareto e Mosca, ou seja, no fim do século XIX e início do século XX. Em seus trabalhos, estes autores traçaram as diretrizes básicas do que ficou conhecido como Teoria das Elites (Nogueira Filho, 2010: 150). De acordo com Baquero, “a premissa teórica dos elitistas é de que um governo, numa democracia, é certamente do povo, e pode, inclusive, ser para o povo, mas é exercido somente por uma classe dominante.” (Baquero, 2000: 82). Esta classe dominante é que fica conhecida como elite. Para Pareto, a elite se divide, ainda, em duas. Localizadas no “estrato superior” da sociedade, há dois grupos: elite governante e elite não-governante. Na mesma linha, Bottomore dividiu a elite em mais dois grupos distintos: classe política, que exercita e influencia o poder político; e elite política, que, mesmo sem estar no poder, possui e executa atos em seu favor. (Baquero, 2000: 84). Para Mosca, a elite sempre será uma minoria fortemente organizada dominando uma maioria desorganizada, pois está é incapaz de gerir sua organização. O autor não aceita a teoria marxista de uma sociedade sem classes, afinal, para ele, sempre haverá um pequeno grupo concentrando o poder decisório. Segundo Mosca, é fato natural que sempre haverá uma parcela que governa e outra que é governada (Mosca, 1958: 307), nesta linha, salienta Perry que independe os mecanismos democráticos utilizados, a dominação vai existir (Baquero, 2000: 82). De acordo com Baquero, 12 Para ele [Gaetano Mosca], a regra da dominação da minoria sobre a maioria deve ser atribuída ao fato de que a primeira é organizada e a segunda é incapaz de se organizar. Mosca conclui dizendo que o domínio da minoria sobre a maioria é inevitável. Mosca (1939) é conclusivo quando afirma que ‘é absolutamente utópico falar-se na possibilidade na qual não existiria uma minoria dominante’ (Baquero, 2000: 83) Pareto formulou também uma tese de “circulação das elites”, que defini as elites como algo em transformação constante, mas que deve permanentemente estar em tensão para com a manutenção de seu poder. Seus três aspectos principais são: (1) sempre haverá uma minoria que governa; (2) a sociedade humana não é homogênea; (3) as elites não duram, degenerando-se por si só. (Pareto in Hollanda, 2011: 64) De acordo com Hollanda, No sistema apresentado por Pareto, a elite política constitui uma das classes de elite e reúne os homens mais aptos à condução de governo. Como em outros setores da atividade humana, um conjunto de homens mais capazes se destaca e se subordina aos menos capazes, sempre em maior número. (Hollanda, 2011: 29) Ainda que as referências de Pareto a Mosca, e vice-versa, sejam escassas, em virtude da disputa intelectual que se conjecturou a partir da formulação da Teoria das Elites, ambos se completam em seus pensamentos, sendo pioneiros no estudo das elites. A Teoria das Elites desperta um amplo e longo debate (Nogueira Filho, 2010: 152), e, após os trabalhos pioneiros, outros estudos contribuíram para desenvolver o conceito de elite e como esta ascende e permanece no poder. Para Wright Mills (1981), A elite que ocupa os postos de comando pode ser considerada como constituída de possuidores do poder, da riqueza e da celebridade. Estes podem ser considerados como membros do estrato superior de uma sociedade capitalista. Podem também ser definidos em termos de critérios psicológicos e morais, como certos tipos de indivíduos selecionados. Assim definida, a elite, muito simplesmente, é constituída de pessoas de caráter e energia superiores. (Mills, 1981: 48) 13 Mills (1981) ainda destaca que pertence a elite aquelas pessoas que ocupam posições formais nas instituições políticas e que, por causa disto, podem utilizar-se do poder para tomar decisões nos assuntos tangentes à instituição, seja dentro ou fora dela. Deste modo, podemos caracterizar a elite vinculada a Câmara de Vereadores de acordo com os dois autores clássicos da teoria elitista, Mosca e Pareto, e utilizar também das contribuições do sociólogo americano Charles Wright Mills. A elite política é, assim, uma pequena minoria organizada, que exerce ou influencia o poder político de forma consistente, deve gerir a manutenção do poder, a fim de conservá-lo para si. Por fim, pertence a elite todos aqueles ligados formalmente as instituições políticas, no nosso caso, de fundo público, que influenciem na tomada de decisões no âmbito destas instituições. Neste trabalho, estudamos a elite política denominada por Bottomore como “classe política”, que possui e exercita o poder político. 2 – Método prosopográfico e poder local em São Borja O método de análise das elites políticas vinculadas à Câmara de Vereadores de São Borja, durante o período em questão, foi o método histórico conhecido como “prosopográfico”, “biografia coletiva” ou ainda “análise de carreiras”. Este método tem sua origem com os gregos, mais precisamente com Políbio, historiador da Grécia Antiga, no entanto, até a segunda metade do século XX, pouco havia sido estudado, debatido e sistematizado a respeito do método prosopográfico (Ferreira, 2002: 01). Deste modo, o estudo criterioso e exaustivo da prosopografia surgiu a partir de Stone, em artigo publicado no ano de 1971, que sistematizou as diretrizes básicas de análise por meio da biografia coletiva de um determinado grupo de pessoas. Segundo ele, A prosopografia é a investigação das características comuns de um grupo de atores na história por meio de um estudo coletivo de suas vidas. O método empregado constitui-se em estabelecer um universo 14 a ser estudado e então investigar um conjunto de questões uniformes - a respeito de nascimento e morte, casamento e família, origens sociais e posição econômica herdada, lugar de residência, educação, tamanho e origem da riqueza pessoal, ocupação, religião, experiência em cargos e assim por diante. Os vários tipos de informações sobre os indivíduos no universo são então justapostos, combinados e examinados em busca de variáveis significativas. (Stone, 2011 [1971]: 02) Deste modo, a prosopografia é utilizada para investigar um determinado grupo, que atua e vive conjuntamente em determinado espaço e tempo. Sendo um método de construção de biografias coletivas, de forma quantitativa, ataca dois problemas da gênese das biografias: primeiramente, analisa sem o interesse pessoal, e por isto, sem a retórica política; e o segundo, dá sentido às ações políticas do grupo, visando entender possíveis mudanças sociais, políticas e culturais, sem, contudo, se apegar a apenas um status social ou um líder da elite (Stone, 2011 [1971]: 04). Stone aponta também dois grupos distintos de pesquisadores que se utilizam do método prosopográfico, surgidos nas décadas de 1920 e 1930. O primeiro grupo estuda pequenas elites e compreende todo o funcionamento desta, seu laço fraternais, sua coesão ideológica, seu modo de viver etc., tendo como técnica primeira a investigação minuciosa sobre as atividades políticas e comerciais da elite em questão. O propósito principal deste grupo é “demonstrar a força de coesão do grupo em tela, mantido unido por laços sangüíneos, sociais, educacionais e econômicos, sem falar de preconceitos, ideais e ideologia.” (Stone, 2011[1971]: 4). O segundo grupo de pesquisadores, ligados às Ciências Sociais, procura compreender a dinâmica de uma sociedade por meio da prosopografia Este grupo entende que a vida política da sociedade não é regida por sua elite – portanto, em antítese ao primeiro grupo de pesquisadores – mas sim por meio de suas massas, através da opinião pública. Nas palavras de Stone, eles são mais preocupados com a História Social do que a política, investigando um grupo mais amplo e, consequentemente, de forma mais superficial (Stone, 2011[1971]: 05). Para Stone, as elites políticas são ainda o grupo mais estudado dentro do método (2011[1971]: 14), isto porque 15 o método funciona melhor quando é aplicado para grupos facilmente definidos e razoavelmente pequenos, em um período limitado de não muito mais que 100 anos, quando os dados são obtidos de uma grande variedade de fontes que complementam e enriquecem umas às outras e quando a pesquisa é dirigida para solucionar um problema específico (Stone, 2011[1971]: 23-4). Deste modo, a prosopografia procura responder algumas características comuns ao grupo, analisando como eles se estruturam, como se dá o recrutamento político, suas funções políticas no poder local, base econômica e estilo de vida, dentre outras questões (Ferreira, 2002: 4). Assim sendo, o que se pretende é detectar as características em comum de um grupo homogêneo, mas com situações particulares. Para Miceli, Essa metodologia requer a construção da biografia coletiva de um determinado setor da classe dirigente com base numa estratégia de exposição e análise que se vale do exame detido de casos exemplares, alçados à condição de tipos ideais, e, com base nesse corpus de evidências, de inferências qualificadas acerca do grupo ou do setor de classe na mira do pesquisador. (Miceli, 1991: 137) O estudo do que é homogêneo revela um grupo coeso na tentativa de manter o poder em si, pois estes provêm da mesma classe, possuem o mesmo modo e estrutura de vida e, assim sendo, são em sua maioria as mesmas aspirações do jogo de poder. Suas particularidades revelam o caráter único da elite, pois estas ao invés de desagregar possuem são ocultas por seus agentes, na tentativa de passar a imagem de um grupo coeso. Corrêa (2006) traz ao estudo prosopográfico a visualização de agente em redes, proposta por Norbert Elias, que propõe estudos mais realistas, buscando fugir de explicações egocêntricas e caminhando para análises em teia dos agentes em questão, na tentativa de refletir as relações dos indivíduos, entre si e com as instituições políticas, de forma mais fidedigna (Corrêa, 2006: 12). Para Elias, o decurso do próprio jogo tem poder sobre o comportamento e pensamento dos jogadores individuais, uma vez que as suas ações e ideias não podem ser explicadas e compreendidas se forem 16 consideradas em si mesmas; precisam ser compreendidas e explicadas no interior da estrutura do jogo. (Elias, 1999: 104, apud Corrêa, 2006: 12). É interessante notar também a definição de trajetória proposta por Bourdieu (1996), que apresenta como os passos decisivos tomados por um agente em sua vida, bem como suas posições ocupadas, em diferentes lugares, de forma sucessiva. Deste modo, Corrêa salienta que deve-se analisar o conjunto de posições ocupadas, transformando o conceito de Bourdieu em algo coletivo, e destacando posições em comum, ao mesmo tempo que analisa o espaço comum dos agentes (Corrêa, 2006:15), criando, com isto, a prosopografia do grupo estudado. No interior dos estados, a cidade fronteiriça de São Borja foi pioneira em manifestar os ideais republicanos ao resto do país. A partir do Manifesto Republicano, de 1870, documento que expôs a propaganda republicana a publico, diversos líderes políticos locais passaram a flertar com o novo regime que estava sendo debatido principalmente na capital do Império, Rio de Janeiro. Dentre estes líderes locais, a figura de Apparício Mariense da Silva representava São Borja. Aderindo a propaganda republicana por volta de 1874, com então 18 anos, Apparício passa a fazer parte da política local, disputando o espaço de discussão nos temas, por exemplo, como abolição da escravidão e regime de governo. Apparício Mariense é, neste trabalho, o ponto inicial para a construção de uma biografia coletiva das elites políticas locais, vinculadas à Câmara de Vereadores de São Borja. Eleito vereador pela primeira vez no ano de 1882, Mariense é considerado o expoente da República em São Borja, pois, durante seu segundo mandato de vereador, em 1888, consegue aprovar na Câmara de Vereadores a seguinte Moção Plebiscitária: Proponho que esta Câmara represente à Assembléia Legislativa Provincial sobre a indispensável necessidade de se dirigir à 17 Assembléia Geral para que, dado o fato lastimável do falecimento de S.M. o imperador, se consulte a Nação por meio de um plebiscito, se convêm a sucessão no trono brasileira de uma senhora obcecada por uma educação jesuítica e casada com um príncipe estrangeiro e, bem assim, a Assembléia Rio-Grandense convide as outras assembléias provinciais a no mesmo sentido, representarem no Parlamento; e que esta Câmara peça às outras municipalidades da Província que façam seu apelo à Assembléia Provincial S.R. Sala das Sessões, 31 de outubro de 1887. Apparício Mariense. Deste modo, a Câmara Municipal votou e aprovou (quatro votos a favor e um contra) um documento que rechaçava mais um mandato imperial, que seria, no caso, o da Princesa Isabel. Dentre os principais republicanos da cidade estavam, além de Apparício Mariense, Francisco Miranda, Júlio Tróis, Manuel do Nascimento Vargas e Dinarte Dornelles, todos com algumas características em comum: Tabela 1 – Características pessoais dos republicanos são-borjenses Proprietário Rural Pertencente ao PRR Ligado a Família Vargas Grupo Castilhista ** Grupo Federalista *** Apparício Mariense da Silva Sim Sim Sim Sim Não Francisco Miranda Não Sim Não Sim Não Júlio Tróis Sim Sim Sim Sim Não Manuel do Nascimento Vargas Sim Sim * Sim Sim Não Dinarte Dornelles Sim Não Sim Não Sim * Antes de ingressar no PRR, M. N. Vargas pertenceu ao partido de suporte ao Império, o Partido Liberal (PL). ** Liderados por Júlio de Castilhos. ***Liderados por Fonte: elaboração própria com base nos dados apresentados nas Atas da Câmara de Vereadores de São Borja. Deste modo, podemos perceber que os abolicionistas e republicanos de São Borja eram, em sua grande maioria, proprietários de grandes extensões rurais no munícipio e ligados ao Partido Republicano Rio-Grandense (PPR), onde, mais tarde, ficaram conhecidos como Grupo Castilhista, quando se deu a Revolução Federalista, pois o grupo Castilhista ascendeu ao poder do estado, relegando os federalistas a um segundo plano na esfera política. 18 A Revolução Federalista ocorreu no ano de 1893 e ficou caracterizado como uma guerra civil no interior do Rio Grande do Sul onde dois grupos, os castilhistas (“pica-paus”) disputavam o poder com os federalistas (“maragatos”). Esta é considerada a mais violenta guerra civil do Rio Grande do Sul, principalmente por nela ter-se desenvolvido a prática da degola, que consistia em cortar o pescoço do capturado, afim de que morresse sangrando. Explica Flores que “as duas facções beligerantes entraram irredutivelmente na luta pelo poder regional de forma a alcançar a supremacia política sem mais contestações” (Flores, 1993: 45). O grupo republicano era, deste modo, o que já dominava a política local antes mesmo da proclamação da República. Há exceção de Manuel do Nascimento Vargas, que pertencia anteriormente ao partido de sustentação do Império, o Partido Liberal, e ingressou no PRR apenas nos momentos em que o estopim republicano já havia estourado. Dos cinco mais atuantes republicanos da cidade de São Borja, separados por nós neste trabalho, podemos perceber que quatro pertenciam ao PRR e, logo, ao grupo ligado a Júlio de Castilhos, que ascendeu ao poder no estado a partir de 1889, eram, portanto positivistas e pertencentes à lojas maçônicas. Apenas um destes republicanos, Dinarte Dorneles, era ligado ao grupo de Gaspar Silveira Martins, os conhecidos como maragatos, que saíram perdendo da guerra civil de 1893. Ainda que houvesse divergências políticas, algo unia esta elite de forma muito forte: a proximidade com a família Vargas. Com exceção de Francisco Gonçalves Miranda, que não detinha terra ou comércio na cidade, todos os outros se uniam, de alguma forma, ao poder dos Vargas e, com isto, contribuíram para que houvesse a manutenção dele: Apparício Mariense era cunhado de Manuel do Nascimento Vargas, bem como Dinarte Dornelles. A política se fazia com um grupo de parentes, ligados entre si pelos laços do 19 capital e da família. Por causa desta ligação, suas carreiras políticas também foram muito parecidas, conforme observamos na tabela 2: Tabela 2 – Carreira Política dos republicanos são-borjenses Eleito vereador em 1882 Eleito vereador em 1886 Intendente Municipal Deputado estadual Deputado Federal Eleito presidente (1) ou vice (2) da Câmara de Vereadores Apparício Mariense da Silva Sim Sim Sim Sim Sim Sim (2) Francisco Miranda Sim Sim Não Sim Não Sim (1) Júlio Tróis Não Sim Sim Sim Não Sim (1) Manuel do Nascimento Vargas Não Não Sim Não Não X Dinarte Dornelles Não Não Não Não Não X É curioso observar também que a elite política se constituía com o seu poder local, parte dela também procurava abarcar outros segmentos, como as Assembleias Legislativas. Assim sendo, o grupo se dividia entre alguém para representar os interesses da elite são-borjense no Legislativo federal, outros para o Legislativo estadual e alguns ainda que não deixavam a cidade, em virtude de serem intendentes ou vereadores. Com esta rede, a elite política da cidade de São Borja se fazia presente na maioria dos espaços deliberativos da República Velha. Este grupo e seus aliados ocuparam, também, o espaço da Intendência Municipal, o que hoje se assemelha às prefeituras. Esta elite dominou o espaço quase que de uma forma monárquica, pois os filhos deles foram ocupando sucessivamente o cargo de intendente do munícipio. Conforme observamos na tabela 3, foram intendentes municipais: 20 Tabela 3 – Intendentes Municipais ligados ao grupo republicano (até 1930) Júlio Tróis Apparício Mariense Manuel do Nascimento Vargas Antônio Ferreira Sarmanho Viriato Dornelles Vargas Protásio Dornelles Vargas 1891-1899 1900-1907 1907-1911 1911-1914 1914-1918 1919-1927 Portanto, assumiram a Intendência Municipal, nos anos conseguintes, além dos notáveis, Viriato Donerlles Vargas e Protásio Dornelles Vargas, ligados ao grupo republicano por serem filhos de Manuel do Nascimento Vargas (irmãos de Getúlio Vargas) e, ainda, Antônio Ferreira Sarmanho, também muito próximo a Manuel Vargas – sua filha, Darcy Samanho, casou-se com Getúlio. A própria figura de Getúlio Vargas nos remete a este mesmo grupo elitista da cidade. Conforme citado, seu pai, Manuel do Nascimento Vargas, foi um dos baluartes da República em São Borja. Seus irmãos assumiram cargos de Intendência e na Assembleia Legislativa do estado. Getúlio, então, proveem de uma elite patriarcal e unida por laços familiares e comerciais surgidos no interior das instituições de sua cidade natal. 3 – Considerações finais A partir da construção da biografia coletiva de parte da elite política de São Borja, podemos concluir as seguintes questões: 1. O argumento de Stone, ao discutir o método, de salientar que a prosopografia de elites não contribui para os estudos de poder local é inválido. Isto porque, conforme apresentamos durante o trabalho, as elites foram as responsáveis pela estruturação do novo regime político e, 21 pelo voto ainda ser conferido apenas ao alfabetizados, apenas 2% da população brasileira participava dos pleitos; 2. O ponto político em comum da elite política são-borjense é o republicanismo. As cisões aconteceram após a proclamação da República e se caracterizaram, justamente, pela disputa do poder republicano; 3. A elite política são-borjense, após consolidada a República e o seu poder na cidade, “exportou-se” a outras esferas de poder, tais como Assembleias Legislativas – federal e estadual – governo do estado e até mesmo a Presidência da República, com Getúlio Vargas, pertencente a segunda formação da elite; 4. A “circulação de elites”, defendida por Pareto, ocorreu na cidade. No entanto, não porque esta não soube consolidar a manutenção do seu próprio poder, mas sim em virtude de golpe militar, ocorrido em 1964, que alterou substancialmente a configuração da elite, mas não suas características pessoais, tais como riqueza e propriedade de grandes extensões de terra. 4 – Referências bibliográficas BRASIL. Constituição de 24 de fevereiro de 1891. São Paulo: Saraiva, 1967. BAQUERO, Marcelo. A vulnerabilidade dos partidos e a crise da democracia na América Latina. Porto Alegre: UFRGS, 2000. BOURDIEU, Pierre. As regras da arte. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. CARVALHO, José Murilo de. 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