XIV Congreso de Enciga 79 FÍSICA E QUÍMICA INTEGRANDO INTERRELAÇOES CTS EM ENSINO DE QUÍMICA-DIFICULTADES, DESAFIOS E PROPOSTAS ARMINDA PEDROSA , M. Dpto de Química- UNIVERSIDADE DE COIMBRA INTRODUÇÃO Estimular aprendizagens e promovê-las constitui inquestionável razão de ser dos sistemas de ensino formal. Já questionável e discutível é o que efectivamente se considera ser aprendizagem e, por maioria de razão, critérios em que eventualmente se baseiam qualificativos de aprendizagens, sejam quais forem os critérios ou qualificativos de qualidade, implícitos ou explícitos, que se adoptem. Descrevem-se, sumariamente, actividades desenvolvidas cooperativamente com professores que pretenderam delinear estratégias e preparar materiais que, estimulando aprendizagens significativas, integrassem interrelações CTS no ensino de disciplinas curriculares de química do ensino secundário (frequentado por alunos de 15 a 18 anos, normalmente). Perspectivas construtivistas de ensino de ciências devem valorizar e contribuir para aprendizagens significativas (e.g. Novak & Gowin, 1996; White & Gunstone, 1992), pelo que estratégias e recursos de ensino devem conceber-se e implementar-se tendo em vista contribuir para as estimular e promover. Aprendizagens significativas requerem estratégias de ensino estimulantes de intenso envolvimento intelectual, necessário à articulação entre conhecimento teórico-conceptual e prático-processual, bem como ao estabelecimento e compreensão de relações entre actividades em que os alunos se envolvem nas aulas e o quotidiano, com consequente reconhecimento de relevância (Pedrosa, 2000a). Actividades de ensino de química, incluindo trabalho prático, seja qual for a sua natureza - devem, pois, encarar-se como meios para promover aprendizagens significativas. Contudo, estas são indissociáveis de esforço 80 Boletín das Ciencias associado a intenso envolvimento intelectual necessário à articulação entre conhecimento prévio e nova informação, processada em complexos processos de construção de conhecimento, que incluem acomodação, assimilação, reestruturação e evolução conceptual. Como tal, requerem recursos e estratégias de ensino que, promovendo comunicação e interacção social, estimulem articulação entre conhecimento teórico-conceptual e práticoprocessual e promovam o estabelecimento e compreensão de relações entre actividades em que os alunos se envolvem em aulas de química e os seus quotidianos, ingrediente indispensável para estimular interesse em aprender e, simultaneamente, reconhecer às ciências curriculares relevância pessoal e sócio-cultural. CONTEXTO DE EMERGÊNCIA E PROPÓSITOS DO TRABALHO COM PROFESSORES O trabalho cooperativo que aqui se relata: - Integrou-se na última fase de um programa de formação de professores1 destinada à transposição de orientações e estratégias inovadoras de trabalho prático para a actividade docente comum dos participantes (Pedrosa & Mateus, in press a); - Emergiu de necessidades formativas percepcionadas num grupo de quatro professoras de física e de química do Ensino Secundário (facultativo e normalmente destinado a alunos com idades compreendidas entre 15 e 18 anos,), cuja actividade a autora orientou e coordenou. Nesta fase, com duração de três meses, delinearam-se estratégias e construíram-se recursos passíveis de envolver os alunos no desenvolvimento de trabalho prático como actividade investigativa e de resolução de problemas, solicitando-se a sua participação activa nos diferentes momentos, desde logo na escolha e formulação de problemas. Os alunos destinatários frequentavam, nas Escolas em que as quatro professoras leccionavam, as disciplinas Ciências Físico-Químicas ou Técnicas Laboratoriais de Química. Nesta fase, os projectos, seguindo orientações gerais do Programa, foram concebidos e planeados para serem implementados em turmas atribuídas aos professores e envolverem os alunos nos diversos momentos, desde a identificação e selecção de problemas, com graus de abertura e de orientação diversificados, até à discussão de planos concebidos e concretizados, registo e comunicação de informação obtida, designadamente apresentação e discussão de resultados obtidos, convergindo para encontrar respostas às questões formuladas. XIV Congreso de Enciga 81 Pretendeu-se preparar estratégias e recursos de ensino que, estimulando aprendizagens significativas, integrassem interrelações CTS no Ensino Secundário de química, valorizando objectos e fenómenos do mundo material exterior a espaços escolares, salas de aula ou laboratórios, promovendo reflexão, individual e em grupo, estimulante de integração e articulação entre química escolar e aqueles objectos e fenómenos, interpretando-os e re-interpretando-os em tempos lectivos e espaços escolares. Pretendeu-se, pois, ajudar as professoras a construir caminhos de complexa integração dialéctica de conhecimento teórico-conceptual e prático-processual, que se reconhece no que Bachelard designa como “...uma fina dialéctica que sem cessar vai da teoria à experiência para voltar da experiência à organização fundamental dos princípios” (in Rosmorduc, 1983, pág. 62). RECURSOS E ESTRATÉGIAS UTILIZADOS E CONSTRUÍDOS Utilizou-se materiais didácticos construídos num programa de investigação-acção anteriormente desenvolvido (Pedrosa, et al., 1999; Pedrosa, 2000b) e bibliografia julgada útil e pertinente para consecução dos propósitos pretendidos (White & Gunstone, 1992; Calvet, M. 1997; Goldsworthy & Feasey, 1997; Pedrosa & Dias, 2000). Antes de se iniciarem intervenções inovadoras junto dos alunos, discutiram-se temáticas integradoras de interrelações CTS e eventuais objectos de estudo, questões de diagnóstico relevantes na perspectiva de formação para exercícios informados e fundamentados de cidadania, questões de diagnóstico de concepções alternativas em química, integradas nas temáticas e referentes a conteúdos e objectivos curriculares. A discussão das questões de diagnóstico centrou-se na sua pertinência e adequação para estimular respostas informativas de concepções prévias dos alunos julgadas relevantes para se conceber e planear actividades a desenvolver pelos alunos, sob orientação, mediação e ajuda das suas professoras. Seleccionaram-se objectos de estudo relacionados com água utilizada por populações locais. Para preparar estratégias de envolvimento dos alunos nos projectos e conseguir nas professoras níveis de conforto, confiança e entusiasmo necessários à implementação de ensino inovador, discutiu-se: - Objectos de estudo próximos das escolas e das vivências dos alunos e suas potencialidades, em termos de problemas suscitáveis em futuras discussões com eles, assim como de enquadramento nos programas das disciplinas e de desenvolvimentos curriculares previstos; -Questões de diagnóstico de concepções de pureza de água (de diversas origens e em diversos contextos) e de concepções alternativas; 82 Boletín das Ciencias - Formas de analisar e tratar respostas dos alunos a questões de diagnóstico. Simultaneamente cuidou-se de: - Recursos heurísticos- discutiram-se Vês de Gowin construídos pelos alunos como parte de processos de formulação e resolução de problemas; discutiram-se e construíram-se mapas de conceitos, na sequência de trabalho anteriormente desenvolvido com as professoras (Pedrosa, 2000c); - Instrumentos para avaliação da intervenção- discutiram-se e seleccionaram-se questões e formas de analisar as respostas dos alunos. Note-se que se adoptou a designação abrangente trabalho prático, na qual se inclui trabalho experimental, laboratorial e/ou de campo, tentando, assim, contribuir para prevenir a utilização indevida da designação trabalho experimental, uma vez que esta, sendo frequentemente usada em contextos escolares, parece amiúde questionável e discutível (Pedrosa, 2000a). DIFICULDADES E DESAFIOS Currículos centralizados (estabelecidos pelo Ministério da Educação) e extensão dos programas das disciplinas constituíram dificuldades sentidas, e frequentemente expressas, pelas professoras participantes. Por outro lado, foram tomando consciência de dificuldades associadas a escassez de conhecimento oriundo de investigação em didáctica das ciências, designadamente de problemas de aprendizagem de química e de estratégias e recursos passíveis de, no contexto dos programas das disciplinas que leccionavam, contribuir para aprendizagens significativas, pessoal, social e culturalmente relevantes. Assim, encarou-se como desafios: - Divulgação de CAs pertinentes e já identificadas e discussão de eventuais razões para o seu surgimento e persistência; - Reflexão e discussão de meios de diagnóstico de CAs (Pedrosa, 2000b), tendo em vista fundamentadamente seleccionar questões pertinentes e adequadas aos propósitos das intervenções inovadoras; - Reflexão e discussão de recursos e de estratégias de ensino que estimulem interesse dos alunos por aprender química, promovendo aprendizagens mais consentâneas com representações de conhecimento presumivelmente consensuais em comunidades de especialistas e de que emirja reconhecimento de relevância de química, em particular, de ciências, em geral, como dimensões culturais importantes e indispensáveis para exercícios informados e fundamentados de cidadania (Pedrosa & Mateus, in press b). XIV Congreso de Enciga 83 Mais especificamente, delinearam-se recursos e estratégias de implementação de trabalho prático numa perspectiva investigativa, centrado em objectos exteriores a espaços escolares, integrando selecção, formulação e resolução de problemas pelos alunos, com orientação e ajuda das professoras nas diferentes fases. Construíram-se articuladamente Vês de Gowin e mapas de conceitos, por força do reconhecimento de adequação, valia e utilidade de os construir (Pedrosa, 2000c), ajudando os alunos a fazê-lo, desde a identificação de problemas e seu refinamento, passando pelo planeamento e execução de trabalho prático, até à divulgação e discussão dos processos utilizados e das conclusões extraídas. Enquanto com os Vês de Gowin apenas se discutiu aspectos problemáticos da sua construção em diversas fases do desenvolvimento dos projectos com os alunos, já com os mapas de conceitos optou-se por construí-los em sessões de trabalho com as professoras. Esta metodologia emergiu da escassez de vivências das professoras nesta actividade e consequente falta de confiança sentida para estabelecer relações e articular conceitos contemplados na dimensão teórica-conceptual dos Vês de Gowin à medida que estes se iam construindo. Saliente-se dificuldades acrescidas relativamente à integração de conceitos referentes a interrelações CTS e sua articulação com conceitos normalmente incluídos em química escolar. É de realçar a oportunidade e a utilidade de que se revestiu a construção pelas professoras deste mapa de conceitos para adquirirem níveis de entusiasmo, conforto e confiança para, posteriormente, estimularem e ajudarem os seus alunos a envolver-se, intelectual e afectivamente, em pequenas investigações, regulando o trabalho em pequenos grupos, mediando entre química curricular e os alunos e resolvendo tensões entre ideias destes e conhecimento científico disciplinar (Crawford et al., 2000), orientando a construção dos recursos heurísticos referidos - Vês de Gowin e mapas de conceitos com dimensões de química e de interrelações CTS. EM JEITO DE CONCLUSÃO E DE RECOMENDAÇÕES Estratégias de ensino que contemplem interrelações CTS como contextos para aprender ciências, em geral, química, em particular, porque inovadoras, requerem adequada e atempada formação de professores, designadamente formação continuada. Da experiência que se relatou decorre a recomendação de se dever privilegiar trabalho cooperativo que os desafie e estimule a introduzir, fundamentada e confortavelmente, algo de novo nas suas próprias práticas, reflectindo sobre elas e sobre as suas concepções acerca de ciências, de química, de ensino e aprendizagem destas áreas disciplinares. Assim, ao repensá-los, estarão a articular estas áreas de conhecimento com o mundo 84 Boletín das Ciencias material exterior a contextos escolares tradicionais, manancial rico e complexo, quer em problemas, quer em intervenções deles emergentes ou com eles relacionadas. Dos propósitos, dificuldades, desafios e realizações levados a cabo, e ora descritos, ficaram percepções de empenho, esforço, envolvimento e de amizade forjada na identificação de propósitos educativos comuns, complementaridade de formações, assunção partilhada de riscos e cumplicidades que lhes estão associadas. O envolvimento dos alunos participantes foi estimulante e a sua apreciação foi positiva. Contudo, destacam-se as seguintes questões para reflexão, de entre as inúmeras relacionadas com a experiência de trabalho cooperativo acima descrita: · “Pensamos na realidade de átomos, moléculas e transformações moleculares quando ensinamos acerca de moles e periodicidade? · Para nós, de que modos a ciência é viva, excitante, funcional e importante nos nossos quotidianos? · Como praticamos, no quotidiano, o compreender química? · Como indivíduos e profissionais, que rotinas científicas mentais desenvolvemos? · Estamos activos e estimulados para continuar a aprender na disciplina?” Rop (1999, pg. 235). · “Que perspectiva temos de interrelações CTS e do seu papel no ensino disciplinar de ciências? · Estamos dispostos e motivados para: - Aprofundar conhecimento disciplinar e aprender noutras áreas de modo a integrar, adequada e eficientemente, inter-relações CTS no nosso ensino? - Reflectir e discutir, com colegas de diferentes áreas disciplinares, meios e estratégias de ensino que, valorizando objectos e fenómenos do mundo material exterior a espaços escolares, estimulem a integração e articulação entre aqueles e ciências escolares, interpretando-os e re-interpretando-os?” (Pedrosa, 2000b) Agradece-se ao Departamento do Ensino Secundário pela ideia do projecto “Programa de Formação no Ensino Experimental das Ciências” e pelo apoio concedido para o seu desenvolvimento. Reconhece-se, valoriza-se e agradece-se o empenho e envolvimento das professoras nas actividades destinadas a transposições didácticas, a que esta comunicação se reporta. XIV Congreso de Enciga 85 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CLVET, M. (1997): Lacomunicación escritaen el trabajo experimental. Alambiue idáctica de las Ciencias Experimentales, 12, 637CRAWFORD, T.; KELLY, G. J. ; BROWN, C. (2000): Ways of Knowing beyond Facts and Laws of Science: An Ethnographic Investigation of Student Engagement in Scientific Practices, Journal of Research in Science Teaching, 37(3), 237-258. GOLDSWORTHY, A.; FEASEY, R. (1997): Making Sense of Primary Science Investigations (revised edition). ASE (Ed). Hartfield. NOVAK, J. D.; D. B. GOWIN (1996): Aprender a Aprender. Lisboa, Plátano Edições Técnicas. PEDROSA, M. A. & MATEUS, A. (in press a): Perspectivas subjacentes ao Programa de Formação no Ensino Experimental das Ciências, in Ministério da Educação, Departamento do Ensino Secundário (Ed.). 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