ACÓRDÃO CSM DATA: 8/8/1986 FONTE: 006084-0 LOCALIDADE: SÃO JOAQUIM DA BARRA Relator: Sylvio do Amaral Legislação: ERRO EM DESCRIÇÃO. ÁREA E MEDIDAS. Se for reconhecido erro na descrição do imóvel, isso torna impossível a abertura da matrícula com base na transcrição anterior, do mesmo teor, devendo proceder-se a necessária retificação das medidas para a realização do registro. A falta de indicação da área e de uma das medidas laterais do imóvel não pode, por si só, impedir a abertura de matrícula, desde que o título reproduza a descrição constante da transcrição anterior e não haja dúvida quanto a identificação do imóvel. Íntegra: Apte: José Luiz dos Santos, assistindo suas filhas menores Cláudia Scarelli dos Santos e Clélia Scarelli dos Santos Apdo: Oficial do Cartório de Registro de Imóveis e Anexos. Tratam os autos de recurso interposto por CLÁUDIA SCARELLI DOS SANTOS e CLÉLIA SCARELLI DOS SANTOS contra r. sentença do MM. Juízo Corregedor Permanente do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de São Joaquim da Barra, que, em procedimento de dúvida, manteve denegação de registro de escrituras de interesse das ora recorrentes. Os instrumentos públicos levados a registro (escritura de venda e compra de fls. 8/9 e ratificação e retificação de fls. 14/15) referem-se aos lotes n°s 28 e 29 do parcelamento “Vila Miguel Mauad”, omitindo-se em sua descrição a superfície e uma das medidas perimetrais de cada prédio. Em face dessa omissão, recusou-se o oficial do registro imobiliário local a registrar a venda e compra, terminando por, a requerimento das interessadas 9fl. 18), suscitar a presente dúvida, em que fundamenta a denegação do registro na exigência de que, para a abertura indispensável da matrícula, se indiquem área e medidas lineares faltantes (art. 176, par. 1°, II, n° 3, Lei n° 6.015, de 31-12-73). Lacunosa a transcrição anterior (n° 6.382, da qual não se juntou certidão aos autos), e não se justifique adrede repetição de erros pretéritos (art. 247, 5º, Decreto n° 4.857, de 09-11-39), reclamou o suscitante retificação judicial da transcrição omissa. O MM. Juízo Corregedor Permanente do Ofício Predial da Comarca julgou procedente a dúvida (fls. 53/57), perfilhando o entendimento de que exigível, com a adoção do fólio real, a plena caracterização dos imóveis matriculados, até mesmo por isso que as irregularidades precedentes não justificam novos e propositados erros. Em apelo tempestivo, as interessadas insistem na admissibilidade dos registros perseguidos, de consonância com o preceito do par. 2°, art. 225, Lei n° 6.015, de 31-12-73, acenando para a circunstância de que a Serventia local já teria aberto matrizes, em outras oportunidades, sem exigência de colmatação de lacunas das transcrições anteriores (fls. 59/63). Os pronunciamentos do Ministério Público, em ambas as instâncias, são pelo desprovimento da apelação (fls. 65/68 e 73/76). É o relatório do necessário. 1. Discute-se nos autos acerca da registrabilidade de títulos referentes a imóveis, cujas descrições, omitindo enunciação de área e de medidas perimetrais, se afeiçoam àquelas constantes de transcrições anteriores, invocando-se, para cada um dos entendimentos dissidiados, preceito legal específico (arts. 176, par. 1°, II, n° 3 e 225, par. 2°, Lei de Registros Públicos) e não faltando sequer, para abono das orientações contrapostas, advocação de venerandos acórdãos do Egrégio Conselho Superior da Magistratura de São Paulo. 2. Exige-se, obrigatoriamente, abertura de matrícula para cada imóvel, por ocasião do primeiro registro (“stricto sensu”) que se perfaça na vigência da Lei n/ 6.015, de 31-12-73 (art. 176, par. 1°, n° I e art. 228). Para a escrituração do inventário da matriz, determina a lei “a identificação do imóvel, feita mediante indicação de suas características e confrontações, localização, área e denominação, se rural, ou logradouro e número, se urbano, e sua designação cadastral, se houver” (n° 3 do item II, par. 2°, art. 176, Lei de Registros Públicos). (No mesmo sentido: item, 49, cap. XX, “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça”). Precedentes do Colendo Conselho Superior da Magistratura paulista, invocando argumento “a contrario sensu” do par. 2°, art. 225, Lei de Registros Públicos, abonam a orientação de que, respeitada no título a descrição constante do registro, ainda que imperfeita, a matrícula não pode deixar de ser aberta (ap. Cív. n° 1.717-0, Porto Feliz, 25-03-83, e Ap. Cív. n° 1.850-0, Santos, mesma data, Rel. Des. Affonso de André). Em contrário, porém, o Egrégio Conselho já apontou a irregularidade de abertura de matrícula, quando desta não conste a área do imóvel objeto, ainda que a lacuna provenha da transcrição anterior, concluindo que a omissão “provoca incontestável ofensa ao princípio da especialidade, já que imprecisas as descrições dos perímetros, ensejando dúvida e confusão, ao invés de segurança no tocante à disponibilidade” (Ap. Cív. n° 3.188-0, Santos, 11-04-84, Des. Batalha de Camargo). Reiterando, no julgamento da Apelação Cível n° 2.965-0, de Mairiporã, em 28-03-84, essa orientação, o Colendo Conselho salientou a excepcionalidade dos precedentes em sentido contrário, insistindo em que “o atual sistema cadastral instituído pela Lei n° 6.015/73 deve merecer pronta aplicação, com a observância de todas as exigências pertinentes, não se justificando, portanto, a escrituração provisória e incompleta das matrículas, apenas para a facilidade momentânea do interessado” (Des. Batalha de Camargo). (No mesmo sentido: Ap. Cív. n 3.3522-0, Barueri, 03-12-84, Des. Nogueira Garcez). 3. Razoáveis são, no plano jurídico, ambas as orientações em dissídio, e não é tarefa simples, à luz exclusiva da literalidade das normas invocáveis para a espécie (arts. 176, par. 1º, II, n° 3, e 225, par. 2°, Lei de Registros Públicos), tender a solução das soluções indicadas, particularmente quando firme seja o entrave a retificação tabulares não-judiciais de características imobiliárias (arg. do art. 213, par. 2°, Lei cit.), interditando complementação unilateral das enunciações descritivas. 4. Não deve sobrestimar-se o papel da descrição topográfica para a elaboração do cadastro. Não se pode esperar que, por meio de representações autônomas dos imóveis, se organize o cadastro predial, aglutinando-se os levantamentos individuais, porque da justaposição derivarão lacunosidades e sobreposições, algumas destas até mesmo adrede perseguidas, como adverte Afrânio de Carvalho (“Registro de Imóveis”, Rio de Janeiro, 1977, pág. 446). Quando se diz que a instituição do fólio real, mediante a Lei n° 6.015, de 31-12-73, se inclina à futura organização do cadastro imobiliário, entretanto, não se está afirmando que, à mingua da elaboração cadastral esperada, exercite a matrícula função de cadastramento parcelar. A unitariedade é que terá relevo para o futuro cadastro, e não a enunciação descritiva constante da matrícula, que atualmente apenas se destina a aumentar a desejada segurança estática e dinâmica do registro (o que, é de convir, já não é pouco). Assim, não são as enunciações de características prediais nas matrizes que assinam a inclinação da Lei de Registros Públicos vigente para o sistema ulterior de cadastro; basta ver que desde o Decreto n° 18.542, de 24-12-1928 (art. 237, n° 5), os assentamentos imobiliários reclamavam a caracterização dos prédios, incluída a menção de sua superfície (como sublinhou ven. Acórdão do Colendo Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, no julgamento da Apelação Cível n° 3.715-0, Itapecerica da Serra, 03-12-84, Rel. Des. Nogueira Garcez). 5. Da simples reprodução dos elementos descritivos constantes do registro anterior não deriva qualquer modificação da situação jurídica real em questão, de modo que a abertura de matriz, sem alteração do desenho geodésico do imóvel objeto, não tem maior repercussão do que a preservação mesma do registro anterior. Vale dizer: nenhuma pretensão nova pode advir da circunstância de inaugurar-se a matrícula, que já não pudesse provir da transcrição lacunosa. Certamente que, em se cuidando de sistema formal de garantias, recomendável seria a retificação judicial das transcrições lacunares, visando a maior precisão e segurança da publicidade. Disso, contudo, não se infere a obrigatoriedade do procedimento retificatório, que imporia dispêndio de tempo e de gastos nem sempre afeiçoado às exigências do tráfico imobiliário. 6. Em que pese ao respeito merecido pelo entendimento adverso , pois cabe admitir a inauguração de matrícula em que a descrição do imóvel objeto se conforme à da transcrição precedente, satisfeitos que se encontrem os seguintes requisitos: a) a matriz deve referir-se à integralidade do prédio objeto da transcrição, vedada a abertura de matrícula para parcela daquele, porquanto, nesta hipótese, exigível a retificação judicial das características e confrontações, de sorte a habilitar a aferição de disponibilidade; b) ainda lacunosa a descrição constante do registro anterior, não deve evidenciar-se sobreposição total do imóvel ou parcial (imbrificação) com outro prédio; c) indispensável é que se afira o lastro ou amarração geográfica do imóvel objeto; d) as confrontações devem ser indicadas sem maltrato da regra do item 49, cap. XX, “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça”. 7. Ferido tema equivalente ao dos autos, pelo Egrégio Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, no julgamento da Apelação Cível n.° 3.404-0, de Suzano, em 14.05.84, merece destaque excerto do venerando acórdão então prolatado: “Se a caracterização do imóvel, constante da transcrição, é imperfeita, não se pode exigir que outra seja dada pelo proprietário. Aliás, o título será reputado irregular exatamente quando houver modificações nas características do imóvel. Será lícito exigir a retificação do registro imperfeito somente quando for impossível repetir a descrição anterior, como ocorre com a transmissão de parte do todo”. (Des. Batalha de Camargo). Recentemente, apreciando a Apelação Cível n.° 5.462-0, de São José do Rio Pardo, em 14.03.86, o Colendo Conselho, em venerando acórdão conduzido pelo voto do Eminente Desembargador Sylvio do Amaral, reiterou o orientação em tela, aprovando parecer do Juiz Luiz Antonio Ambra, minucioso na análise dos julgados tidos como em divergência. 6. Na espécie vertente, a deficiência anterior, quanto à superfície e uma das medidas perimetrais de cada lote não poderia, por si só, interditar a abertura das matrículas, reproduzida no título a descrição precedente (o que se supõe, faltante juntada de certidão da referida transcrição). Entrava-se o registro perseguido, no caso dos autos, em virtude de as descrições dos lotes objeto apresentarem evidente erro na indicação de confrontações, tema bem ferido no parecer do Dr. Procurador de Justiça (fl. 75, “in médio”). Apontaram-se idênticas confrontações para os lotes: com frente para a rua Gonçalves Dias e demais lados confinando “com Antonio Deienno e outros” (fls. 8v. e 15); consoante se apurou, contudo, exibida pela recorrente planta (ao que parece, oficial) do loteamento “Vila Miguel Mauad” (fl. 41), os lotes em questão são contíguos, não se declinando essa confrontação nos enunciados descritivos. Grifado o erro manifesto das descrições, admitir a abertura de matrículas, repetindo o equívoco evidente na indicação de confrontações, implicaria acolher grave risco de sobreposições ou hiatos descritivos e dúvidas acerca do lastro geográfico dos lotes, afrontando-se a precisão e a segurança que se esperam de um sistema formal de garantias. Assim, exigível a retificação do título e, se a espécie não comportar atualização de confrontantes, retificação judicial da transcrição anterior. DO EXPOSTO, o parecer “sub censura”, é pelo desprovimento do recurso, afastado embora o fundamento mais amplo declinado pela respeitável sentença de que se recorreu. São Paulo, 30 de julho de 1986 Ricardo Henry Marques Dip, Juiz de Direito Corregedor ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL n° 6.084-0, da Comarca de SÃO JOAQUIM DA BARRA, em que é apelante JOSÉ LUIZ DOS SANTOS, assistindo suas filhas menores CLÁUDIA SCARRELLI DOS SANTOS e CLÉLIA SCARRELLI DOS SANTOS e apelado o SR. OFICIAL DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS. ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento. Custas na forma da lei. A dúvida foi acertadamente suscitada e acolhida, ante a evidente imperfeição da descrição dos lotes de terreno, pois, sendo contíguos, como são, não podem ter confrontação idêntica, como consta dos títulos. O erro na descrição torna impossível a abertura de matrícula com base na transcrição anterior, do mesmo teor, devendo proceder-se à necessária especificação das medidas para a realização do registro, como concluem os pareceres da Procuradoria da Justiça e do M. Juiz Corregedor. A falta de indicação da área e de uma das medidas laterais não impediria, o lançamento da matrícula, como observa o M. Juiz Auxiliar da Corregedoria, considerando-se que os títulos reproduzem a transcrição anterior; mas, a descrição errada dos lotes, nos termos referidos, é óbice intransponível, que exige a indispensável retificação. Participaram do julgamento, como votos vencedores, os Desembargadores, NELSON PINHEIRO FRANCO, Presidente do Tribunal de Justiça e MARCOS NOGUEIRA GARCEZ, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça. São Paulo, 08 de agosto de 1986. SYLVIO DO AMARAL, Corregedor Geral da Justiça e Relator.