IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA - ANPUH-BA HISTÓRIA: SUJEITOS, SABERES E PRÁTICAS. 29 de Julho a 1° de Agosto de 2008. Vitória da Conquista - BA. NEGOCIANTES E CONTRA TOS DE TRIBUTOS E DI REITOS RÉGIOS NA BAH IA SETECENTISTA: NOTAS DE PESQUISA Luiz Antônio Silva Araujo Professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) Doutorando em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) E-mail: [email protected] Palavras-chave: Negociantes. Contratos. Bahia. Setecentos. Na sociedade portuguesa do setecentos, era comum vassalos assumirem funções públicas através de contratos assinados com o Rei. Nosso foco está nos contratos que envolviam Direitos e Tributos e eram, majoritariamente, controlados por indivíduos vinculados a atividade mercantil, conhecidos no período como negociantes. Como Direitos Régios entendemos “todos os direitos, faculdades, ou possessões, que pertencem ao Sumo Imperante, como tal, e como representante da sociedade” (SAMPAIO, 1984, p. 468). Neste caso enquadramos os direitos de caráter senhorial (atividades extrativas como, por exemplo, a do pau-brasil) e os da condição de representante da sociedade (passagens por rios c audalosos e pesca da baleia), além que envolvessem bens da Coroa . São tributos, isto é, bens do Erário, aqueles utilizados para a defesa e utilidade pública, como, por exemplo, os subsídios e as terças partes dos cargos régios (SAMPAIO, 1984, p. 468 -478). Outro ponto relevante sobre a dinâmica dos contratos régios na América Portuguesa é o fato de serem arrematados em leilão. No período em questão, até 1731, em sua maioria nas provedorias das Capitanias e entre 1731 e 1761, majoritariamente, no Conselho Ult ramarino, sendo de caráter temporário, prevalecendo os contratos por três anos. Contratos como os das passagens (Passa gens de Jacobina na Bahia), o mais comum eram arrematações para o prazo de um ano. Houve casos de contratos por 6 anos (Pesca da Baleia). O contratador arrematante assumia de maneira plena o ônus da cobrança (dízimos, dízimas da alfândega, subsídios) ou da atividade (pesca da baleia, estanco do sal, estanco do tabaco). Os contratadores podem ser considerados como “braços” do Estado que ampli avam a capacidade de controle e de hegemonia no império. Os contratadores, atuando em nome do Rei, estavam submetidos a um conjunto de mecanismos de controle e, portanto, limitados em sua ação na busca dos lucros do contrato, principal objetivo dos mesmos. Contudo, o que percebemos é que tais restrições ficam nas “sombras” quando lidamos com os privilégios dos contratadores. O mais importante, em nossa opinião, é o que lhes dava juízo privativo nas causas cíveis e criminais quer fossem autores ou réus, cabendo, na maioria dos casos , às provedorias locais a condição de fórum 2 privilegiado para os contratadores. Outro exemplo é a figura do Juiz Conservador , que deveria ser nomeado para os diversos contratos, sendo responsável pela fiscalização da execução dos mesmos. O grande privilégio era o fato de o Juiz Conservador podia ser indicado pelos próprios contratadores em diversos casos. Um dos fundamentos definidores do sistema de contratos, é a busca de uma receita que efetivamente equilibrasse as finanças do Est ado. Em nome desta preocupação, por exemplo, é que, a partir de 1731, foram transferidas para Lisboa as arrematações de diversos contratos que até aquele momento ocorriam nas Provedorias locais. Entretanto, se considerarmos o efetivo controle sobre os cont ratos, a percepção que temos é de que os interesses dos contratadores envolvidos nos grandes negócios do Estado, eram mais fortes do que a busca de um equilíbrio nas finanças da Real Fazenda. Cremos que a transferência das arrematações para Lisboa é mais uma decorrência dos interesses dos negociantes lá estabelecidos do que um equilíbrio financeiro da monarquia lusitana. A leitura de Braudel (1996, p. 479) nos ajuda a resolver esta questão. Ao tratar das hierarquias sociais e dos contratadores na França, Br audel afirma que o problema das finanças naquele país é menos uma questão de equilíbrio entre a receita e a despesa e mais atrelado a um problema estrutural de triunfo dos interesses privados. Muitas vezes nos reportamos à concepção de Bem Comum da Repúbli ca como norteadora de parte das ações de muitos indivíduos na sociedade colonial. Devemos, contudo, verificar até que ponto falar em nome de um interesse corporativo mais amplo, a república, serve mais como justificativa da busca de fazer valer interesses privados de diversos tipos (lucro, cargos, títulos etc.) do que qualquer interesse coletivo. O Estado que é apresentado como uma instituição que tem como objetivos garantir a ordem, a justiça, entre outros, é, de forma marcante, um espaço no qual se materializam interesses e conflitos. Algumas características ficam claras nas pesquisas envolvendo os contratos. Em primeiro lugar, a monarquia possuía diversas engrenagens fora do controle governamental e, por isso, as finanças dependiam de intermediários que a sseguravam a entrada de tributos e rendas, inclusive de somas emprestadas à Coroa. A cobrança dos dízimos e das entradas, por exemplo, demandavam um conhecimento e uma estrutura com certo grau de comple xidade, que os negociantes dominavam . Em segundo, o ingresso no negócio dos contratos se dava articulado com o comércio. Na América portuguesa do século XVIII, os mais importantes contratos, a exceção do dízimo, incidiam sobre a circulação de mercadorias. Como veremos à frente, o controle de muitos contratos significa o controle sobre a circulação de mercadorias, proporcionando ganhos 3 significativos através, por exemplo, de ações especulativas. Não é, para o caso português, a prévia condição de nobreza que determinava o ingresso no negócio dos contratos. Estar bem relacionado e ter cabedal eram as condições para ingresso no seleto grupo detentor dos mais importantes contratos. Estar bem relacionado poderia advir de relações parentais e/ou vínculos com casas comerciais como, por exemplo, a condição de caixa de u m negociante. Outro ponto importante é que n a prática dos contratos uma figura aparece em destaque: o Testa de Ferro. Possível de identificar e difícil de dimensionar em razão de sua prática pressupor o segredo. Indicativa de conluio, prática condenada pe la legislação lusitana, se constituía no rol das informações que o negociante procura esconder. No negócio dos contratos era informação tão importante ser velada quanto a verdadeira rentabilidade dos mesmos. Por último e avançando na caracterização dos con tratos, um aspecto necessita melhor ser esclarecido: a participação de fiadores e procuradores. A princípio poderíamos simplesmente considerar que alguém que assume a condição de abonar um contrato, o faz com o pressuposto de que o abonado quitará a dívida . Esta formulação se apresenta simplória se considerarmos algumas condições que interferiam no negócio dos contratos. Em primeiro lugar, trata -se de uma dívida para com o Estado, detentor do poder maior de coerção. Esta condição, e sua relevância, ficam cl aras nos processos de cobrança de dívidas do contrato. O representante da Fazenda Real deveria de imediato decretar a prisão e o seqüestro dos bens do devedor. Sabemos que era comum o relaxamento tanto da prisão quanto do seqüestro dos bens dos que deviam à Fazenda Real. O principal argumento relacionava -se à condição, também muito comum, de credor do contratador, isto é, daqueles que deveriam pagar o direito ou tributo. O relaxamento se justificaria com a intenção de garantir a cobrança dos que deviam ao contratador e este poderia, por sua vez, quitar suas dívidas para com a Fazenda Real. A princípio, contudo, o contratador/devedor estava sujeito a sanções imediatas no tocante à sua liberdade e riquezas. Um segundo ponto a ser considerado é a condição de n egócios de risco elevado sujeito a impactos conjunturais (guerras, terremotos etc.) e a incertezas em relação à própria dinâmica interna do negócio. Se não bastassem as dificuldade de execução (distâncias, descaminhos, assaltos etc.), ampliava o risco o us o intenso do sistema de crédito. Outro agravante era estar a atuação destes negociantes fundada na confiança em relação aos seus subordinados (caixas, guarda-livros e agentes), sendo comum a falência de contratadores em decorrência de desfalques, por exemp lo, de seus caixas (PEDREIRA, 1995, p. 136-137). 4 Os riscos que comportavam o negócio dos contratos eram muito significativos. A saída que entendemos ser a mais comum por parte dos envolvidos nos mesmos é a formação de sociedade que o objetivo de dividir o ônus do negócio. Aqui reside um problema na tentativa de dimensionar estas sociedades em sua extensão, isto é, quantidade de sócios e hierarquias dentro das mesmas. Nos contratos arrematados no Conselho Ultramarino e aqui arrolados, identificamos poucos casos de sociedades explicitadas no próprio contrato. Dos 478 contratos arrematados no Conselho Ultramarino, entre 1730 e 1765, apenas 70 (14,64% do total) 1 explicitaram a condição societária no contrato. Este percentual, que consideramos baixo, invalidaria a afirmativa anterior de busca de formação de sociedades para diminuir os riscos do negócio. Esta constatação, contudo, não significa dizer que tais negociantes não promovessem associações na busca de ampliação de seus negócios, como já dito anteriormente . Veremos que muitos destes negociantes atuavam, em um mesmo período, em diversos contratos de uma mesma praça ou região. É possível, por exemplo, identificar grupos de negociantes atuando uns como fiadores dos outros. As redes: a informalidade dos negóci os A condição de abonar um contrato colo cava o negociante sujeito a sequ estro todos os bens e rendas do fiador. Uma determinação neste sentido, por Alvará de 22 de dezembro de 1605, já previra que tanto contratadores como fiadores deveriam pagar dívidas d e contratos inclusive com a retirada de suas rendas e não apenas com “bens móveis e imóveis”. 2 Esta questão é fundamental para que possamos afirmar que a condição de fiador era forte indício de condição societária, não do ponto de vista formal do contrato, mas associações entre negociantes visando o controle de contratos, tanto de impostos quanto de estanco. Antes de prosseguirmos com esta questão, uma observação importante. A condição de fiador não significava, necessariamente, integrar um grupo que contro la efetivamente contratos. Ao tratarmos da condição de Testa de Ferro de alguns arrematantes, veremos que há caso de fiadores sem a devida condição de fiança, ou seja, riqueza que lhes permita o pagamento de eventuais dívidas, isto segundo a documentação p esquisada. 1 Projeto Resgate, Relação de Contratos (1744 -1755) do Códices I, doc. 455; Relação dos Contratos do Conselho Ultramarino (1641 -1758), doc. 1269 e Relação de Contratos (1731 -1753), doc. 297 do Códices II. Os contratos aqui apresentados, com as datas, os titulares, os fiadores e os valores, foram extraídos destes documentos. 2 Alvará de 22 de dezembro de 1605. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/index.php>. 5 Retomando a questão da condição de fiador no período joanimo, podemos melhor identificar a importâncias dos mesmos quando verificamos o montante das dívidas dos contratos da Bahia para com a Fazenda Real. Do documento do qual extraímos as informações, não foi possível identificar com precisão uma data à qual se referem as dívidas. Cremos, pelos dados constantes no documento, serem dívidas no início da década de 1760, perfazendo mais de 462:072$305 réis, equivalente a pouco mais de 94 arrobas de o uro, conforme a conversão oficial do governo lusitano, inclusive para cálculo dos valores respeitantes aos contratos. 3 Ano Contrato 1747-1749 Dízimos da Bahia 1750-1752 Dízimos da Bahia 1744-1746 1741-1743 1744-1746 Rendimento de 3$500 rs que pagam os escravos que entram na Bahia Direitos de 1$000 rs por escravo na Bahia Direitos de 1$000 rs por escravo na Alfândega da Bahia 1744-1750 Estanco do Sal do Brasil 1756-1757 Estanco do Sal do Brasil Contratador e Fiador Luis Abreu Barbosa Antônio Marques Gomes (Fiador) Antônio de Oliveira Guimarães Manuel Gomes de Campos (Fiador) Luis Abreu Barbosa Estevão Martins Torres (Fiador) Manuel de Faria Ayrão José Ferreira da Veiga (Fiador) Luis de Abreu Barbosa Estevão Martins Torres (Fiador) Luis de Abreu Barbosa Estevão Martins Torres (Fiador) Baltazar Simões Viana (Procurador) Manuel Peixoto da Silva (Procurador) José Alves de Sá Caetano do Couto Pereira (Fiador) Valor (Réis) 13:294$123 27:038$089 21:152$150 555$650 1:725$000 48:295$352 64:200$000 252:824$677 Quadro I – Dívidas dos Herdeiros de Estevão Martins Torres (em réis) . Credora: Fazenda Real Fonte: Mapa dos Contratos Reais do Conselho Ultramarino. Três pontos iniciais podem ser destacados. De saída devemos observar o título do quadro I: Dívidas dos Herdeiros de Estevão Martins Torres . E com um volume significativo no total das dívidas. Este título não é de nossa lavra, reproduzimos tal qual no documento. O segundo ponto é não aparecer formalmente como um grande contratador, pelo menos nos contr atos que dizem respeito América Portuguesa. Identificamos apenas dois contratos nos quais aparece como titular. O Contrato da Dízima da Alfândega do Rio de Janeiro (1739-1741), tendo como fiador João da Costa Guimarães, e o dos Direitos dos Escravos que de Pernambuco se despacham para as Minas (1740-1742), tendo como fiador José Ferreira da Veiga, este muito atuante em contratos no Rio de Janeiro e Minas Gerais. 3 Projeto Resgate, Códices II, doc 1269, op. cit. As dívidas de contratadores eram comuns no setecentos. Em 1786 chegavam a 2:460:987$813 réis em Minas Gerais (cf. ARAUJO, 2002, cap. IV). 6 Apesar o elevado valor do contrato da Dízima da Alfândega (233:765$000 réis/ano) encontramos com facilidade negociantes com um número maior de contratos e com valores bem mais elevados. O último aspecto é sua atuação mais como fiador em contratos do que como contratador, como pode ser verificado no quadro II. Como fiador atuou entre 1737 e 1749 em 8 contratos da Bahia, Minas e Rio de Janeiro, sendo a primeira capitania a de maior atuação. As pesquisas na documentação do Arquivo Ultramarino revelaram que Estevão Martins Torres era controlador de fato de mais 5 contratos, todos relativos à Bahia. Foram dois contratos do Estanco do Sal, um da Bahia e outro da América, e três dos Dízimos da Bahia. Quando pesquisamos sobre o negociante lusitano Francisco Perez de Souza, encontramos um documento afirmando ser Estevão Martins Torres como contratador de fato do Estanco da Bahia (1744 -1749). Este contrato fora arrematado por Luiz Abreu Barbosa e teve como fiador Martins Torres. 4 Nome Manuel Barbosa Torres Jorge Pinto Azevedo Contrato Período Valor/ano réis Navios Soltos que entram na Bahia 1737 67:225$000 Dízimos de Vila Rica 1738-1741 50:688$000 Rendimento de 3$500 rs que pagam os Antônio Francisco Cruz 1741-1743 10:140$000 escravos que entram na Bahia Luiz Roiz de Souza Passagens dos Rios Paraíba e Paraibuna 1742-1744 13:600$000 Direito dos três tostões que paga cada Luiz Abreu Barbosa 1743-1746 5:310$000 escravo na Bahia Rendimento de 3$500 rs que pagam os Luiz Abreu Barbosa 1743-1746 10:205$000 escravos que entram na Bahia Luiz Abreu Barbosa Estanco do Sal da Bahia 1744-1749 43:200$000 Luiz Abreu Barbosa Dízima da Alfândega da Bahia 1747-1750 127:200$000 Quadro II – Estevão Martins Torres – Contratos como Fiador Fonte: Mapa dos Contratos Reais do Conselho Ultramarino. Luiz Abreu também arrematou o contrato do Estanco do Sal da América e n ovamente com o mesmo fiador, Martins Torres. Entre contrato, contudo, tem um complicador. Ocorreram duas arrematações e com valores distintos. A primeira, acima mencionada, e que prevaleceu, ao preço de 259:200$000 réis (43:200$000 por ano) e a segunda, po r 119:880$000 réis (19$980$000 por ano). A primeira, no Conselho Ultramarino e a segunda, na Provedoria da Bahia, tendo como arrematante Baltazar Simões Vianna e, como consta no documento “o suplicante [Martins Torres] tem noticia que Baltazar S. Vianna que rematou para o mesmo suplicante o dito contrato”. Martins Torres assumiu o contrato através de documento de cessão do mesmo a ele e seu filho Antônio Martins Torres. 4 5 AHU-BA, Cx 83, Doc 683 2. AHU-BA, Cx 99. doc 7846. 5 Este segundo 7 contrato, é bom destacar, lhe deu a exclusividade no fornecimento do Sal e m toda a colônia e, considerando os dois contratos, mesmo sendo o segundo somente da Bahia, durante 12 anos Estevão Martins Torres foi o grande contratador do Estanco do Sal. Processo semelhante ocorreu em relação aos Dízimos da Bahia no período de 1744 a 1752, envolvendo três contratos. O primeiro foi arrematado por João Francisco e não foi possível identificar o fiador no contrato. Um documento do Arquivo Ultramarino começa afirmando que “Estevão Martins Torres, contratador dos Dízimos da Bahia, que teve principio no primeiro de agosto de 1744”. Mais à frente, no mesmo documento aparece a menção à cessão feita por João Francisco. 6 Além dos dois contratos acima, o contrato dos Dízimos iniciado em 1750, também por 3 anos, foi arrematado em sociedade de Marti ns Torres com Antônio Oliveira Guimarães e tendo como fiador José Ferreira da Veiga. Antônio Oliveira Guimarães cedeu sua parte da sociedade ao sócio como consta de instrumento de cessão e trespasse no acervo do Arquivo Ultramarino. Isto significa dizer qu e ele foi o contratador maior dos Dízimos naquela capitania de 1 de agosto de 1744 a 31 de julho de 1753, portanto durante 9 anos. 7 Tanto os contratos do Estanco do Sal, quanto os dos Dízimos, predominam na década de 1740 e o principal negociante (assim de finido nos documentos que mencionamos) a serviço de Martins Torres foi Luiz Abreu Barbosa. Apesar de já termos apresentado em quadro anterior, para melhor visualizar vejamos os contratos deste negociante no quadro III. Nos contratos arrematados por Martins Torres, somente 2 (arrematados por Antônio Marques Gomes) contrato não possuiu Estevão Martins Torres como fiador e todos na década de 1740 e na Bahia. Além do controle sobre o principal imp osto incidente sobre a produção , este negociante controlou parcel a significativa dos principais impostos incidentes sobre a circulação de mercadorias, bem como, o Estanco do Sal. Deve -se acrescentar também que foi fiador em contrato arrematado por seu filho, Manuel Barbosa Torres. Trata do contrato da Dízima da Alfândeg a da Bahia em Navios Soltos , arrematado por um ano (1737) pelo valor de 67:225$000 réis. Isto é importante na medida em que estamos lidando como um negociante estabelecido na Praça de Lisboa, que ao assumir tais contratos, abre possibilidades significativas em suas atividades comerciais e para aqueles que compõem a rede, ao que tudo indica por ele capitaneada. Ao verificarmos este negociante, fica reforçada a idéia de uma realidade na qual o negociante, além de capital, devia estar bem relacionado tanto em suas relações com outros 6 7 AHU-BA, Cx 90, Doc 7312. AHU-BA, Cx 103, Doc 8109. 8 negociantes, quanto com o aparelho de Estado. Também fica claro o quanto os contratos favorecem mais aos negociantes, especialmente aqueles que estão no topo da hierarquia mercantil, do que à busca de saneamento das finanças de um Estado português envolto em práticas suntuosas. Quanto ao tratamento dados aos devedores da Fazenda Real, na condição de negociantes, veremos que a condição de devedores não impedia de assumirem novos contratos. Assim os “herdeiros” das dívidas de Estevão Martins Torres, puderam continuar atuando nos processos de arrematação. Manuel Barbosa Torres, José Ferreira da Veiga e Caetano do Couto Pereira, arremataram diversos contratos após a década de 1740. Couto Pereira foi fiador em diversos contratos nas décad as de 1640 a 1660. Dos filhos de Martins Torres, o que mais atuou nos negócios dos contratos da América foi Manuel Barbosa Torres. O contrato do Sal do Brasil (1756 -1761), arrematado por José Alves de Sá e tendo como fiador Caetano do Couto Pereira, tinha como “verdadeiros” donos Manuel Barbosa Torres e irmãos. José Alves de S á é questionado pelo Provedor que afirma estou plenamente informado que o suplicante é mero Testa de Ferro; e Antônio de Oliveira Guimarães é pessoa para mim desconhecida , e sendo os ditos Torres os verdadeiros rematadores do contrato, vem este a ficar sem nenhuma fiança 8 (grifos nossos) . Quanto a Barbosa Torres, assim como o pai, esteve especialmente envolvido em contratos da Bahia e, sobretudo, contratos ligados ao tráfico de escra vos, direta ou indiretamente. Arrematou por seis anos (1754 -1759) os contratos dos rendimentos dos Direitos Velhos e Novos de Angola, por três anos o contrato do rendimento dos direitos pagos por escravos que dos portos de Pernambuco, Bahia e Rio de Janei ro iam para Minas e contratos da Dízima da Alfândega da Bahia. Um dos seus fiadores, Policarpo José Machado, dos mais importantes negociantes do período pombalino, vindo a deter (em sociedade) na década seguinte o lucrativo contrato do Estanco do Tabaco, f undamental do tráfico de escravos pelo Atlântico, além de ter sido acionista, deputado e procurador da Companhia de Pernambuco e Paraíba (PEDREIRA, 1995, p. 235) . Entre os “endividados herdeiros” de Estevão Martins Torres, esteve um negociante com forte atuação no eixo Rio de Janeiro/Minas Gerais, José Ferreira da Veiga. Este atuou de 1739 a 1763 em importantíssimos contratos envolvendo Minas Gerais e as indicações são que tenha tido passagem pela área colonial. Nas cartas de enviadas pelos agentes de Franc isco 8 AHU-BA, Cx. 126, Doc. 9813. 9 Pinheiro, negociante da corte, encontramos referências a dívidas de Ferreira da Veiga em decorrência de mercadorias compradas a Francisco Pinheiro. 9 Esta atuação como comerciante fica patente em Minas através de documento do AHU -MG no qual aparece com o negociante morador em Vila Rica de Ouro Preto. 10 Posteriormente retornou à corte, ficando seu irmão e sócio Domingos Ferreira da Veiga em Minas Gerais. Ferreira da Veiga atuou como contratador e fiador nos mais importantes contratos envolvendo imposto s e estancos (no caso o do Sal do Brasil) na América Portuguesa. Contratos como dos Direitos Velhos e Novos de Angola (estes por dois anos), Dízimas do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Paraíba e Entradas de Minas Gerais (este por 6 anos), lhe proporcionava uma condição privilegiada nas principais rotas comerciais envolvendo Angola, Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Consta também ter assumido o lugar de Jorge Pinto de Azevedo no segundo contrato dos diamantes, na condição de caixa na corte do dito contrat o (LAMAS, 2005, p. 101). Segundo o pesquisador Fernando Lamas (2005, p. 101), a inserção de José Ferreira da Veiga no restrito grupo dos grandes contratadores foi conquista graças á influência e o prestígio de Jorge Pinto de Azevedo, contratador por ele pe squisado e dos mais importantes negociantes de Lisb oa. Reforçando a ligação entre os dois, identificamos que o primeiro contrato na América de Jorge Pinto de Azevedo foi os Dízimos de Minas Gerais (1738 -1741) e o primeiro de José Ferreira da Veiga foi o re ndimento dos Direitos dos escravos que do Rio de Janeiro saem para as Minas (1739 -1742), sendo um fiador do outro nestes contratos. Procuradores A função de procurador era prática comum nos negócios e cresciam em importância quando envolviam ações que abrangiam vastos territórios e/ou redes de negociantes. O sistema de procurações serviu para articular regiões de um vasto império e, especialmente nos negócios dos contratos, entre Lisboa, sede da administração e as diversas regiões do império. Costa e Rocha (2007) em suas pesquisas acerca das remessas de ouro por particulares do Brasil para Portugal nos lembram o quanto era freqüente a delegação de competências através de procuradores. A maioria das remessas não envolvia apenas o responsável pelo envio do ouro e o destinatário, mas também um terceiro indivíduo (COSTA ; ROCHA, 2007, p. 91). “Seja qual for a explicação, é de insistir no facto de a procuração ter sentidos mais 9 FILHO, Lisanti. Negócios..., Livro III, pp. 234, 235, 237, 310, 327 e 756. AHU-MG, Cx: 18 Doc: 9. 10 10 amplos nestes circuitos do ouro do que uma mera representação por ausência fortuita do destinatário” (p. 92). Concordamos com as pesquisadoras quando afirmam que a procuração, como regra geral, fundamenta um atributo e graus de centralidade. Em pequena nota, definem centralidade como “o número de vezes que um indivíduo é apontado por outr os numa rede para determinados fins ou por determinados atributos, funcionais ou emocionais.” (Idem, p. 92). Por último, chamam a atenção para a condição de homens de negócio da maioria dos procuradores (Idem, p. 92). No negócio dos contratos na América, a delegação de competências nas arrematações e na administração dos contratos se tornava mais comum quanto mais a centralização político administrativa marcava as relações Lisboa e suas áreas coloniais. O primeiro momento que identificamos com muita intensi dade, no período aqui em foco, é nos processos das arrematações. Quando os interessados nas arrematações eram residentes nas áreas coloniais ou pessoalmente dirigia -se a Lisboa ou constitui procurador para promover a arrematação. Muitos destes procuradores na corte eram mantidos nesta condição ao longo do contrato e mesmo depois de seu término. Para melhor dimensionar a importância destes agentes, podemos exemplificar por uma condição recorrente nos contratos de tributos e direitos régios, envolvendo privil égios. Assim como os contratadores, os procuradores dos contratos possuíam foro privativo nas causas crimes e cíveis que se envolvessem, seja como autores ou réus. Os procuradores intermediavam diversos de ações: das financeiras até as políticas. Vejamos o caso de Francisco Antônio Rodrigues Feijó que atuou tanto como fiador quanto como procurador de contratadores. Foi procurador de Manuel Ribeiro dos Santos e João de Souza Lisboa nos contratos dos Dízimos de Minas Gerais (1740-1759) e fiador de José Ferreira da Veiga no contrato das Entradas de Minas Gerais de 1754 -1757. Um dos pontos que mais chamam a atenção é sua condição de defender os i nteresses do contrato em Lisboa . Além disto, podia intermediar transações financeiras ou transações políticas junto a órgãos como o Conselho Ultramarino e a Mesa de Consciência e Ordens (ARAUJO, 2002, cap. 3). Domingos Gomes da Costa, José Ferreira da Veiga e João Henriques Martins, foram sócios no contrato do Estanco do Sal do Brasil e nomearam como procurador e administ rador na execução do contrato na Bahia, Agostinho José Barreto. Comerciante na cidade da Bahia 11 foi fiador em 4 contratos de Do mingos Gomes de Campos ( de 1755 a 1763) arrematou um 11 Castro Almeida da Bahia, Cx 039, Doc. 07435. 11 contrato em Pernambuco (Subsídio dos Vinhos) tendo como fiador o mesmo Manue l Gomes de Campos. Não foi possível um levantamento significativo dos procuradores que abarcasse a maior parte dos contratos. Contudo, a maioria dos contratos nos quais identificamos os procuradores, estes possuíam um conhecimento mínimo no trato mercantil . Assim, Estevão Martins Torres, no contrato dos Dízimos da Bahia (1744 -1747), formalmente arrematado por João Francisco, colocou como procurador e administrador do contrato os comerciantes baianos Manuel Dantas Barbosa e Francisco Gonçalves Barbosa. Este último detentor de escravos e embarcações. 12 Concluindo, procuramos demonstrar que as análises envolvendo comerciantes, contratos, tributos e direitos régios, devem contemplar a identificação aspectos fundamentais no mundo dos negócios: a informalidade. Es tá presente nos lucros efetivos, nas relações de poder político, nas contabilidades e, tema deste artigo, nas associações definidoras de controle e hierarquias sociais. Acervos Arquivo Público Mineiro – Coleção Casa dos Contos Projeto Resgate – Arquivo Ultramarino (AHU) Livros, Dissertações e artigos ARAUJO, Luiz Antônio S. Contratos e tributos nas minas setecentistas: o estudo de um caso – João de Souza Lisboa (1745 -1765). 2002. Dissertação de Mestrado – UFF, Niterói, 2002. BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII. São Paulo: Martins Fontes, 1996. COLEÇÃO Cronológica da Legislação Portuguesa (1648-1756). Compilada e Annotada por José Justino de Andrade e Silva. Lisboa : Imprensa de J. J. A. Silva . Livro de 1640-1647. COSTA, Leonor Freire; ROCHA, Maria Manuela. Remessas do ouro brasileiro: organização mercantil e problemas de agência em meados do século XVIII. Análise Social, v. 17, n. 182, 2007. FILHO, L. Lisanti. Negócios coloniais: uma correspondência comercial do século XVIII. Brasília: Ministério da Fazenda ; São Paulo: Visão Editorial, 1973. ELLIS, Myriam. A baleia no Brasil colonial . São Paulo: Melhoramentos, 1969. LAMAS, Fernando Gauterto. Os contratadores e o Império Colonial Português: um estudo dos casos de J orge Pinto de Azevedo e Francisco Ferreira da Silva. 2005. Dissertação de Mestrado – UFF, Niterói, 2005. PEDREIRA, Jorge Miguel V . Os homens de negócio da Praça de Lisboa de Pombal ao Vintismo (1755-1822): diferenciação, reprodução e identificação de um g rupo social. 1995. Tese (Doutorado) – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, 1995. 12 AHU-BA, op. cit., Cx 90, Doc 7312 . 12 SAMPAIO, Francisco C. de Souza. Prelecções do direito pátrio, público e particular . Coimbra, 1793. In: HESPANHA (Org.). Poder e Instituições na Europa do Antigo Regime. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984.