IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA - ANPUH-BA
HISTÓRIA: SUJEITOS, SABERES E PRÁTICAS.
29 de Julho a 1° de Agosto de 2008.
Vitória da Conquista - BA.
NEGOCIANTES E CONTRA TOS DE TRIBUTOS E DI REITOS RÉGIOS NA BAH IA
SETECENTISTA: NOTAS DE PESQUISA
Luiz Antônio Silva Araujo
Professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)
Doutorando em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
E-mail: [email protected]
Palavras-chave: Negociantes. Contratos. Bahia. Setecentos.
Na sociedade portuguesa do setecentos, era comum vassalos assumirem funções
públicas através de contratos assinados com o Rei. Nosso foco está nos contratos que
envolviam Direitos e Tributos e eram, majoritariamente, controlados por indivíduos
vinculados a atividade mercantil, conhecidos no período como negociantes. Como Direitos
Régios entendemos “todos os direitos, faculdades, ou possessões, que pertencem ao Sumo
Imperante, como tal, e como representante da sociedade” (SAMPAIO, 1984, p. 468). Neste
caso enquadramos os direitos de caráter senhorial (atividades extrativas como, por exemplo, a
do pau-brasil) e os da condição de representante da sociedade (passagens por rios c audalosos
e pesca da baleia), além que envolvessem bens da Coroa . São tributos, isto é, bens do Erário,
aqueles utilizados para a defesa e utilidade pública, como, por exemplo, os subsídios e as
terças partes dos cargos régios (SAMPAIO, 1984, p. 468 -478).
Outro ponto relevante sobre a dinâmica dos contratos régios na América Portuguesa é
o fato de serem arrematados em leilão. No período em questão, até 1731, em sua maioria nas
provedorias das Capitanias e entre 1731 e 1761, majoritariamente, no Conselho Ult ramarino,
sendo de caráter temporário, prevalecendo os contratos por três anos. Contratos como os das
passagens (Passa gens de Jacobina na Bahia), o mais comum eram arrematações para o prazo
de um ano. Houve casos de contratos por 6 anos (Pesca da Baleia). O contratador arrematante
assumia de maneira plena o ônus da cobrança (dízimos, dízimas da alfândega, subsídios) ou
da atividade (pesca da baleia, estanco do sal, estanco do tabaco). Os contratadores podem ser
considerados como “braços” do Estado que ampli avam a capacidade de controle e de
hegemonia no império.
Os contratadores, atuando em nome do Rei, estavam submetidos a um conjunto de
mecanismos de controle e, portanto, limitados em sua ação na busca dos lucros do contrato,
principal objetivo dos mesmos. Contudo, o que percebemos é que tais restrições ficam nas
“sombras” quando lidamos com os privilégios dos contratadores. O mais importante, em
nossa opinião, é o que lhes dava juízo privativo nas causas cíveis e criminais quer fossem
autores ou réus, cabendo, na maioria dos casos , às provedorias locais a condição de fórum
2
privilegiado para os contratadores. Outro exemplo é a figura do Juiz Conservador , que
deveria ser nomeado para os diversos contratos, sendo responsável pela fiscalização da
execução dos mesmos. O grande privilégio era o fato de o Juiz Conservador podia ser
indicado pelos próprios contratadores em diversos casos.
Um dos fundamentos definidores do sistema de contratos, é a busca de uma receita
que efetivamente equilibrasse as finanças do Est ado. Em nome desta preocupação, por
exemplo, é que, a partir de 1731, foram transferidas para Lisboa as arrematações de diversos
contratos que até aquele momento ocorriam nas Provedorias locais. Entretanto, se
considerarmos o efetivo controle sobre os cont ratos, a percepção que temos é de que os
interesses dos contratadores envolvidos nos grandes negócios do Estado, eram mais fortes do
que a busca de um equilíbrio nas finanças da Real Fazenda. Cremos que a transferência das
arrematações para Lisboa é mais uma decorrência dos interesses dos negociantes lá
estabelecidos do que um equilíbrio financeiro da monarquia lusitana.
A leitura de Braudel (1996, p. 479) nos ajuda a resolver esta questão. Ao tratar das
hierarquias sociais e dos contratadores na França, Br audel afirma que o problema das finanças
naquele país é menos uma questão de equilíbrio entre a receita e a despesa e mais atrelado a
um problema estrutural de triunfo dos interesses privados. Muitas vezes nos reportamos à
concepção de Bem Comum da Repúbli ca como norteadora de parte das ações de muitos
indivíduos na sociedade colonial. Devemos, contudo, verificar até que ponto falar em nome
de um interesse corporativo mais amplo, a república, serve mais como justificativa da busca
de fazer valer interesses privados de diversos tipos (lucro, cargos, títulos etc.) do que qualquer
interesse coletivo. O Estado que é apresentado como uma instituição que tem como objetivos
garantir a ordem, a justiça, entre outros, é, de forma marcante, um espaço no qual se
materializam interesses e conflitos.
Algumas características ficam claras nas pesquisas envolvendo os contratos. Em
primeiro lugar, a monarquia possuía diversas engrenagens fora do controle governamental e,
por isso, as finanças dependiam de intermediários que a sseguravam a entrada de tributos e
rendas, inclusive de somas emprestadas à Coroa. A cobrança dos dízimos e das entradas, por
exemplo, demandavam um conhecimento e uma estrutura com certo grau de comple xidade,
que os negociantes dominavam .
Em segundo, o ingresso no negócio dos contratos se dava articulado com o comércio.
Na América portuguesa do século XVIII, os mais importantes contratos, a exceção do dízimo,
incidiam sobre a circulação de mercadorias. Como veremos à frente, o controle de muitos
contratos significa o controle sobre a circulação de mercadorias, proporcionando ganhos
3
significativos através, por exemplo, de ações especulativas. Não é, para o caso português, a
prévia condição de nobreza que determinava o ingresso no negócio dos contratos. Estar bem
relacionado e ter cabedal eram as condições para ingresso no seleto grupo detentor dos mais
importantes contratos. Estar bem relacionado poderia advir de relações parentais e/ou
vínculos com casas comerciais como, por exemplo, a condição de caixa de u m negociante.
Outro ponto importante é que n a prática dos contratos uma figura aparece em
destaque: o Testa de Ferro. Possível de identificar e difícil de dimensionar em razão de sua
prática pressupor o segredo. Indicativa de conluio, prática condenada pe la legislação lusitana,
se constituía no rol das informações que o negociante procura esconder. No negócio dos
contratos era informação tão importante ser velada quanto a verdadeira rentabilidade dos
mesmos.
Por último e avançando na caracterização dos con tratos, um aspecto necessita melhor
ser esclarecido: a participação de fiadores e procuradores.
A princípio poderíamos simplesmente considerar que alguém que assume a condição
de abonar um contrato, o faz com o pressuposto de que o abonado quitará a dívida . Esta
formulação se apresenta simplória se considerarmos algumas condições que interferiam no
negócio dos contratos. Em primeiro lugar, trata -se de uma dívida para com o Estado, detentor
do poder maior de coerção. Esta condição, e sua relevância, ficam cl aras nos processos de
cobrança de dívidas do contrato. O representante da Fazenda Real deveria de imediato
decretar a prisão e o seqüestro dos bens do devedor. Sabemos que era comum o relaxamento
tanto da prisão quanto do seqüestro dos bens dos que deviam à Fazenda Real. O principal
argumento relacionava -se à condição, também muito comum, de credor do contratador, isto é,
daqueles que deveriam pagar o direito ou tributo. O relaxamento se justificaria com a intenção
de garantir a cobrança dos que deviam ao contratador e este poderia, por sua vez, quitar suas
dívidas para com a Fazenda Real. A princípio, contudo, o contratador/devedor estava sujeito a
sanções imediatas no tocante à sua liberdade e riquezas.
Um segundo ponto a ser considerado é a condição de n egócios de risco elevado sujeito
a impactos conjunturais (guerras, terremotos etc.) e a incertezas em relação à própria dinâmica
interna do negócio. Se não bastassem as dificuldade de execução (distâncias, descaminhos,
assaltos etc.), ampliava o risco o us o intenso do sistema de crédito. Outro agravante era estar a
atuação destes negociantes fundada na confiança em relação aos seus subordinados (caixas,
guarda-livros e agentes), sendo comum a falência de contratadores em decorrência de
desfalques, por exemp lo, de seus caixas (PEDREIRA, 1995, p. 136-137).
4
Os riscos que comportavam o negócio dos contratos eram muito significativos. A
saída que entendemos ser a mais comum por parte dos envolvidos nos mesmos é a formação
de sociedade que o objetivo de dividir o ônus do negócio. Aqui reside um problema na
tentativa de dimensionar estas sociedades em sua extensão, isto é, quantidade de sócios e
hierarquias dentro das mesmas.
Nos contratos arrematados no Conselho Ultramarino e aqui arrolados, identificamos
poucos casos de sociedades explicitadas no próprio contrato. Dos 478 contratos arrematados
no Conselho Ultramarino, entre 1730 e 1765, apenas 70 (14,64% do total)
1
explicitaram a
condição societária no contrato. Este percentual, que consideramos baixo, invalidaria
a
afirmativa anterior de busca de formação de sociedades para diminuir os riscos do negócio.
Esta constatação, contudo, não significa dizer que tais negociantes não promovessem
associações na busca de ampliação de seus negócios, como já dito anteriormente . Veremos
que muitos destes negociantes atuavam, em um mesmo período, em diversos contratos de uma
mesma praça ou região. É possível, por exemplo, identificar grupos de negociantes atuando
uns como fiadores dos outros.
As redes: a informalidade dos negóci os
A condição de abonar um contrato colo cava o negociante sujeito a sequ estro todos os
bens e rendas do fiador. Uma determinação neste sentido, por Alvará de 22 de dezembro de
1605, já previra que tanto contratadores como fiadores deveriam pagar dívidas d e contratos
inclusive com a retirada de suas rendas e não apenas com “bens móveis e imóveis”.
2
Esta
questão é fundamental para que possamos afirmar que a condição de fiador era forte indício
de condição societária, não do ponto de vista formal do contrato, mas associações entre
negociantes visando o controle de contratos, tanto de impostos quanto de estanco. Antes de
prosseguirmos com esta questão, uma observação importante. A condição de fiador não
significava, necessariamente, integrar um grupo que contro la efetivamente contratos. Ao
tratarmos da condição de Testa de Ferro de alguns arrematantes, veremos que há caso de
fiadores sem a devida condição de fiança, ou seja, riqueza que lhes permita o pagamento de
eventuais dívidas, isto segundo a documentação p esquisada.
1
Projeto Resgate, Relação de Contratos (1744 -1755) do Códices I, doc. 455; Relação dos Contratos do Conselho
Ultramarino (1641 -1758), doc. 1269 e Relação de Contratos (1731 -1753), doc. 297 do Códices II. Os contratos
aqui apresentados, com as datas, os titulares, os fiadores e os valores, foram extraídos destes documentos.
2
Alvará de 22 de dezembro de 1605. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/index.php>.
5
Retomando a questão da condição de fiador no período joanimo, podemos melhor
identificar a importâncias dos mesmos quando verificamos o montante das dívidas dos
contratos da Bahia para com a Fazenda Real. Do documento do qual extraímos as
informações, não foi possível identificar com precisão uma data à qual se referem as dívidas.
Cremos, pelos dados constantes no documento, serem dívidas no início da década de 1760,
perfazendo mais de 462:072$305 réis, equivalente a pouco mais de 94 arrobas de o uro,
conforme a conversão oficial do governo lusitano, inclusive para cálculo dos valores
respeitantes aos contratos. 3
Ano
Contrato
1747-1749
Dízimos da Bahia
1750-1752
Dízimos da Bahia
1744-1746
1741-1743
1744-1746
Rendimento de 3$500 rs que
pagam os escravos que entram na
Bahia
Direitos de 1$000 rs por escravo
na Bahia
Direitos de 1$000 rs por escravo
na Alfândega da Bahia
1744-1750
Estanco do Sal do Brasil
1756-1757
Estanco do Sal do Brasil
Contratador e Fiador
Luis Abreu Barbosa
Antônio Marques Gomes (Fiador)
Antônio de Oliveira Guimarães
Manuel Gomes de Campos (Fiador)
Luis Abreu Barbosa
Estevão Martins Torres (Fiador)
Manuel de Faria Ayrão
José Ferreira da Veiga (Fiador)
Luis de Abreu Barbosa
Estevão Martins Torres (Fiador)
Luis de Abreu Barbosa
Estevão Martins Torres (Fiador)
Baltazar Simões Viana (Procurador)
Manuel Peixoto da Silva (Procurador)
José Alves de Sá
Caetano do Couto Pereira (Fiador)
Valor (Réis)
13:294$123
27:038$089
21:152$150
555$650
1:725$000
48:295$352
64:200$000
252:824$677
Quadro I – Dívidas dos Herdeiros de Estevão Martins Torres (em réis) . Credora: Fazenda Real
Fonte: Mapa dos Contratos Reais do Conselho Ultramarino.
Três pontos iniciais podem ser destacados. De saída devemos observar o título do
quadro I: Dívidas dos Herdeiros de Estevão Martins Torres . E com um volume significativo
no total das dívidas. Este título não é de nossa lavra, reproduzimos tal qual no documento.
O segundo ponto é não aparecer formalmente como um grande contratador, pelo
menos nos contr atos que dizem respeito América Portuguesa. Identificamos apenas dois
contratos nos quais aparece como titular. O Contrato da Dízima da Alfândega do Rio de
Janeiro (1739-1741), tendo como fiador João da Costa Guimarães, e o dos Direitos dos
Escravos que de Pernambuco se despacham para as Minas (1740-1742), tendo como fiador
José Ferreira da Veiga, este muito atuante em contratos no Rio de Janeiro e Minas Gerais.
3
Projeto Resgate, Códices II, doc 1269, op. cit. As dívidas de contratadores eram comuns no setecentos. Em
1786 chegavam a 2:460:987$813 réis em Minas Gerais (cf. ARAUJO, 2002, cap. IV).
6
Apesar o elevado valor do contrato da Dízima da Alfândega (233:765$000 réis/ano)
encontramos com facilidade negociantes com um número maior de contratos e com valores
bem mais elevados.
O último aspecto é sua atuação mais como fiador em contratos do que como
contratador, como pode ser verificado no quadro II. Como fiador atuou entre 1737 e 1749 em
8 contratos da Bahia, Minas e Rio de Janeiro, sendo a primeira capitania a de maior atuação.
As pesquisas na documentação do Arquivo Ultramarino revelaram que Estevão
Martins Torres era controlador de fato de mais 5 contratos, todos relativos à Bahia. Foram
dois contratos do Estanco do Sal, um da Bahia e outro da América, e três dos Dízimos da
Bahia. Quando pesquisamos sobre o negociante lusitano Francisco Perez de Souza,
encontramos um documento afirmando ser Estevão Martins Torres como contratador de fato
do Estanco da Bahia (1744 -1749). Este contrato fora arrematado por Luiz Abreu Barbosa e
teve como fiador Martins Torres.
4
Nome
Manuel Barbosa Torres
Jorge Pinto Azevedo
Contrato
Período
Valor/ano réis
Navios Soltos que entram na Bahia
1737
67:225$000
Dízimos de Vila Rica
1738-1741
50:688$000
Rendimento de 3$500 rs que pagam os
Antônio Francisco Cruz
1741-1743
10:140$000
escravos que entram na Bahia
Luiz Roiz de Souza
Passagens dos Rios Paraíba e Paraibuna
1742-1744
13:600$000
Direito dos três tostões que paga cada
Luiz Abreu Barbosa
1743-1746
5:310$000
escravo na Bahia
Rendimento de 3$500 rs que pagam os
Luiz Abreu Barbosa
1743-1746
10:205$000
escravos que entram na Bahia
Luiz Abreu Barbosa
Estanco do Sal da Bahia
1744-1749
43:200$000
Luiz Abreu Barbosa
Dízima da Alfândega da Bahia
1747-1750
127:200$000
Quadro II – Estevão Martins Torres – Contratos como Fiador
Fonte: Mapa dos Contratos Reais do Conselho Ultramarino.
Luiz Abreu também arrematou o contrato do Estanco do Sal da América e n ovamente
com o mesmo fiador, Martins Torres. Entre contrato, contudo, tem um complicador.
Ocorreram duas arrematações e com valores distintos. A primeira, acima mencionada, e que
prevaleceu, ao preço de 259:200$000 réis (43:200$000 por ano) e a segunda, po r
119:880$000 réis (19$980$000 por ano). A primeira, no Conselho Ultramarino e a segunda,
na Provedoria da Bahia, tendo como arrematante Baltazar Simões Vianna e, como consta no
documento “o suplicante [Martins Torres] tem noticia que Baltazar S. Vianna que rematou
para o mesmo suplicante o dito contrato”. Martins Torres assumiu o contrato através de
documento de cessão do mesmo a ele e seu filho Antônio Martins Torres.
4
5
AHU-BA, Cx 83, Doc 683 2.
AHU-BA, Cx 99. doc 7846.
5
Este segundo
7
contrato, é bom destacar, lhe deu a exclusividade no fornecimento do Sal e m toda a colônia e,
considerando os dois contratos, mesmo sendo o segundo somente da Bahia, durante 12 anos
Estevão Martins Torres foi o grande contratador do Estanco do Sal.
Processo semelhante ocorreu em relação aos Dízimos da Bahia no período de 1744 a
1752, envolvendo três contratos. O primeiro foi arrematado por João Francisco e não foi
possível identificar o fiador no contrato. Um documento do Arquivo Ultramarino começa
afirmando que “Estevão Martins Torres, contratador dos Dízimos da Bahia, que teve principio
no primeiro de agosto de 1744”. Mais à frente, no mesmo documento aparece a menção à
cessão feita por João Francisco. 6
Além dos dois contratos acima, o contrato dos Dízimos iniciado em 1750, também por
3 anos, foi arrematado em sociedade de Marti ns Torres com Antônio Oliveira Guimarães e
tendo como fiador José Ferreira da Veiga. Antônio Oliveira Guimarães cedeu sua parte da
sociedade ao sócio como consta de instrumento de cessão e trespasse no acervo do Arquivo
Ultramarino. Isto significa dizer qu e ele foi o contratador maior dos Dízimos naquela
capitania de 1 de agosto de 1744 a 31 de julho de 1753, portanto durante 9 anos.
7
Tanto os contratos do Estanco do Sal, quanto os dos Dízimos, predominam na década
de 1740 e o principal negociante (assim de finido nos documentos que mencionamos) a
serviço de Martins Torres foi Luiz Abreu Barbosa. Apesar de já termos apresentado em
quadro anterior, para melhor visualizar vejamos os contratos deste negociante no quadro III.
Nos contratos arrematados por Martins Torres, somente 2 (arrematados por Antônio
Marques Gomes) contrato não possuiu Estevão Martins Torres como fiador e todos na década
de 1740 e na Bahia. Além do controle sobre o principal imp osto incidente sobre a produção ,
este negociante controlou parcel a significativa dos principais impostos incidentes sobre a
circulação de mercadorias, bem como, o Estanco do Sal. Deve -se acrescentar também que foi
fiador em contrato arrematado por seu filho, Manuel Barbosa Torres. Trata do contrato da
Dízima da Alfândeg a da Bahia em Navios Soltos , arrematado por um ano (1737) pelo valor de
67:225$000 réis. Isto é importante na medida em que estamos lidando como um negociante
estabelecido na Praça de Lisboa, que ao assumir tais contratos, abre possibilidades
significativas em suas atividades comerciais e para aqueles que compõem a rede, ao que tudo
indica por ele capitaneada.
Ao verificarmos este negociante, fica reforçada a idéia de uma realidade na qual o
negociante, além de capital, devia estar bem relacionado tanto em suas relações com outros
6
7
AHU-BA, Cx 90, Doc 7312.
AHU-BA, Cx 103, Doc 8109.
8
negociantes, quanto com o aparelho de Estado. Também fica claro o quanto os contratos
favorecem mais aos negociantes, especialmente aqueles que estão no topo da hierarquia
mercantil, do que à busca de saneamento das finanças de um Estado português envolto em
práticas suntuosas. Quanto ao tratamento dados aos devedores da Fazenda Real, na condição
de negociantes, veremos que a condição de devedores não impedia de assumirem novos
contratos. Assim os “herdeiros” das dívidas de Estevão Martins Torres, puderam continuar
atuando nos processos de arrematação. Manuel Barbosa Torres, José Ferreira da Veiga e
Caetano do Couto Pereira, arremataram diversos contratos após a década de 1740. Couto
Pereira foi fiador em diversos contratos nas décad as de 1640 a 1660.
Dos filhos de Martins Torres, o que mais atuou nos negócios dos contratos da
América foi Manuel Barbosa Torres. O contrato do Sal do Brasil (1756 -1761), arrematado por
José Alves de Sá e tendo como fiador Caetano do Couto Pereira, tinha como “verdadeiros”
donos Manuel Barbosa Torres e irmãos. José Alves de S á é questionado pelo Provedor que
afirma
estou plenamente informado que o suplicante é mero Testa de Ferro; e
Antônio de Oliveira Guimarães é pessoa para mim desconhecida , e sendo os
ditos Torres os verdadeiros rematadores do contrato, vem este a ficar sem
nenhuma fiança 8 (grifos nossos) .
Quanto a Barbosa Torres, assim como o pai, esteve especialmente envolvido em
contratos da Bahia e, sobretudo, contratos ligados ao tráfico de escra vos, direta ou
indiretamente.
Arrematou por seis anos (1754 -1759) os contratos dos rendimentos dos
Direitos Velhos e Novos de Angola, por três anos o contrato do rendimento dos direitos pagos
por escravos que dos portos de Pernambuco, Bahia e Rio de Janei ro iam para Minas e
contratos da Dízima da Alfândega da Bahia. Um dos seus fiadores, Policarpo José Machado,
dos mais importantes negociantes do período pombalino, vindo a deter (em sociedade) na
década seguinte o lucrativo contrato do Estanco do Tabaco, f undamental do tráfico de
escravos pelo Atlântico, além de ter sido acionista, deputado e procurador da Companhia de
Pernambuco e Paraíba (PEDREIRA, 1995, p. 235) .
Entre os “endividados herdeiros” de Estevão Martins Torres, esteve um negociante
com forte atuação no eixo Rio de Janeiro/Minas Gerais, José Ferreira da Veiga. Este atuou de
1739 a 1763 em importantíssimos contratos envolvendo Minas Gerais e as indicações são que
tenha tido passagem pela área colonial. Nas cartas de enviadas pelos agentes de Franc isco
8
AHU-BA, Cx. 126, Doc. 9813.
9
Pinheiro, negociante da corte, encontramos referências a dívidas de Ferreira da Veiga em
decorrência de mercadorias compradas a Francisco Pinheiro. 9 Esta atuação como comerciante
fica patente em Minas através de documento do AHU -MG no qual aparece com o negociante
morador em Vila Rica de Ouro Preto. 10 Posteriormente retornou à corte, ficando seu irmão e
sócio Domingos Ferreira da Veiga em Minas Gerais.
Ferreira da Veiga atuou como contratador e fiador nos mais importantes contratos
envolvendo imposto s e estancos (no caso o do Sal do Brasil) na América Portuguesa.
Contratos como dos Direitos Velhos e Novos de Angola (estes por dois anos), Dízimas do Rio
de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Paraíba e Entradas de Minas Gerais (este por 6 anos), lhe
proporcionava uma condição privilegiada nas principais rotas comerciais envolvendo Angola,
Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Consta também ter assumido o lugar de Jorge Pinto de
Azevedo no segundo contrato dos diamantes, na condição de caixa na corte do dito contrat o
(LAMAS, 2005, p. 101).
Segundo o pesquisador Fernando Lamas (2005, p. 101), a inserção de José Ferreira da
Veiga no restrito grupo dos grandes contratadores foi conquista graças á influência e o
prestígio de Jorge Pinto de Azevedo, contratador por ele pe squisado e dos mais importantes
negociantes de Lisb oa. Reforçando a ligação entre os dois, identificamos que o primeiro
contrato na América de Jorge Pinto de Azevedo foi os Dízimos de Minas Gerais (1738 -1741)
e o primeiro de José Ferreira da Veiga foi o re ndimento dos Direitos dos escravos que do Rio
de Janeiro saem para as Minas (1739 -1742), sendo um fiador do outro nestes contratos.
Procuradores
A função de procurador era prática comum nos negócios e cresciam em importância
quando envolviam ações que abrangiam vastos territórios e/ou redes de negociantes. O
sistema de procurações serviu para articular regiões de um vasto império e, especialmente nos
negócios dos contratos, entre Lisboa, sede da administração e as diversas regiões do império.
Costa e Rocha (2007) em suas pesquisas acerca das remessas de ouro por particulares
do Brasil para Portugal nos lembram o quanto era freqüente a delegação de competências
através de procuradores. A maioria das remessas não envolvia apenas o responsável pelo
envio do ouro e o destinatário, mas também um terceiro indivíduo (COSTA ; ROCHA, 2007,
p. 91). “Seja qual for a explicação, é de insistir no facto de a procuração ter sentidos mais
9
FILHO, Lisanti. Negócios..., Livro III, pp. 234, 235, 237, 310, 327 e 756.
AHU-MG, Cx: 18 Doc: 9.
10
10
amplos nestes circuitos do ouro do que uma mera representação por ausência fortuita do
destinatário” (p. 92).
Concordamos com as pesquisadoras quando afirmam que a procuração, como regra
geral, fundamenta um atributo e graus de centralidade. Em pequena nota, definem
centralidade como “o número de vezes que um indivíduo é apontado por outr os numa rede
para determinados fins ou por determinados atributos, funcionais ou emocionais.” (Idem, p.
92). Por último, chamam a atenção para a condição de homens de negócio da maioria dos
procuradores (Idem, p. 92).
No negócio dos contratos na América, a delegação de competências nas arrematações
e na administração dos contratos se tornava mais comum quanto mais a centralização político administrativa marcava as relações Lisboa e suas áreas coloniais. O primeiro momento que
identificamos com muita intensi dade, no período aqui em foco, é nos processos das
arrematações. Quando os interessados nas arrematações eram residentes nas áreas coloniais
ou pessoalmente dirigia -se a Lisboa ou constitui procurador para promover a arrematação.
Muitos destes procuradores na corte eram mantidos nesta condição ao longo do contrato e
mesmo depois de seu término.
Para melhor dimensionar a importância destes agentes, podemos exemplificar por uma
condição recorrente nos contratos de tributos e direitos régios, envolvendo privil égios. Assim
como os contratadores, os procuradores dos contratos possuíam foro privativo nas causas
crimes e cíveis que se envolvessem, seja como autores ou réus.
Os procuradores intermediavam diversos de ações: das financeiras até as políticas.
Vejamos o caso de Francisco Antônio Rodrigues Feijó que atuou tanto como fiador quanto
como procurador de contratadores. Foi procurador de Manuel Ribeiro dos Santos e João de
Souza Lisboa nos contratos dos Dízimos de Minas Gerais (1740-1759) e fiador de José
Ferreira da Veiga no contrato das Entradas de Minas Gerais de 1754 -1757. Um dos pontos
que mais chamam a atenção é sua condição de defender os i nteresses do contrato em Lisboa .
Além disto, podia intermediar transações financeiras ou transações políticas junto a órgãos
como o Conselho Ultramarino e a Mesa de Consciência e Ordens (ARAUJO, 2002, cap. 3).
Domingos Gomes da Costa, José Ferreira da Veiga e João Henriques Martins, foram
sócios no contrato do Estanco do Sal do Brasil e nomearam como procurador e administ rador
na execução do contrato na Bahia, Agostinho José Barreto. Comerciante na cidade da Bahia
11
foi fiador em 4 contratos de Do mingos Gomes de Campos ( de 1755 a 1763) arrematou um
11
Castro Almeida da Bahia, Cx 039, Doc. 07435.
11
contrato em Pernambuco (Subsídio dos Vinhos) tendo como fiador o mesmo Manue l Gomes
de Campos.
Não foi possível um levantamento significativo dos procuradores que abarcasse a
maior parte dos contratos. Contudo, a maioria dos contratos nos quais identificamos os
procuradores, estes possuíam um conhecimento mínimo no trato mercantil . Assim, Estevão
Martins Torres, no contrato dos Dízimos da Bahia (1744 -1747), formalmente arrematado por
João Francisco, colocou como procurador e administrador do contrato os comerciantes
baianos Manuel Dantas Barbosa e Francisco Gonçalves Barbosa. Este último detentor de
escravos e embarcações. 12
Concluindo, procuramos demonstrar que as análises envolvendo comerciantes,
contratos, tributos e direitos régios, devem contemplar a identificação aspectos fundamentais
no mundo dos negócios: a informalidade. Es tá presente nos lucros efetivos, nas relações de
poder político, nas contabilidades e, tema deste artigo, nas associações definidoras de controle
e hierarquias sociais.
Acervos
Arquivo Público Mineiro – Coleção Casa dos Contos
Projeto Resgate – Arquivo Ultramarino (AHU)
Livros, Dissertações e artigos
ARAUJO, Luiz Antônio S. Contratos e tributos nas minas setecentistas: o estudo de um caso
– João de Souza Lisboa (1745 -1765). 2002. Dissertação de Mestrado – UFF, Niterói, 2002.
BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII. São
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IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA - ANPUH-BA