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Qual a consequência do ativismo judicial na fixação dos preços das
passagens aéreas?
Fernando B. Meneguin 1
O transporte aéreo é uma atividade econômica regulada pelo Governo Federal, que
mediante concessão autoriza sua prestação a empresas privadas de aviação. Essa exploração
pela iniciativa privada cria a necessidade de um sistema regulador estatal para dimensionar,
formular e fiscalizar a prestação do serviço. No caso do transporte aéreo, esta competência é
da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Uma de suas atribuições é realizar a
regulação econômica do setor, fazendo o respectivo monitoramento e promovendo possíveis
intervenções no mercado de modo a buscar a máxima eficiência.
Apesar de existir em funcionamento um mercado de transporte aéreo com preços
oscilando conforme as regras de oferta e demanda e de haver uma agência reguladora
controlando o setor, aconteceu recentemente uma intervenção do Poder Judiciário, decorrente
de uma ação civil pública, que pode acarretar perda de bem-estar social. A nosso ver, tal
intervenção gera distorção maior que aquela que o juiz se propõe a resolver.
Conforme o Ministro Luís Roberto Barroso, o ativismo judicial é uma atitude, a
escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu
sentido e alcance 2. É nesse sentido que se pretende discutir uma decisão recente da Justiça
Federal 3, em que foi adotada uma interpretação do ordenamento jurídico, cujo reflexo trará
prejuízo ao consumidor, apesar de a base da decisão, segundo a magistrada, serem os
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Doutor em Economia pela Universidade de Brasília. Consultor Legislativo e Diretor do Núcleo de Estudos e
Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado. Pesquisador do Centro de Investigação em Economia e
Finanças (CIEF/UnB) e do Laboratório de Pesquisa em Comportamento Político, Instituições e Políticas Públicas
(LAPCIPP/UnB).
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BARROSO, Luís R. “Ano do STF: Judicialização, ativismo e legitimidade democrática”. 2008. Disponível no site
Conjur: http://www.conjur.com.br/2008-dez-22/judicializacao_ativismo_legitimidade_democratica. Acessado
em 28/10/2013.
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Processo 0009029-10.2013.4.01.3701 – TRF da 1ª Região
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princípios norteadores da atividade econômica previstos no art. 170 da Constituição Federal,
entre eles a livre concorrência, a função social da propriedade e a defesa do consumidor.
Na referida decisão, a magistrada condenou a empresa TAM Linhas Aéreas a: a)
ofertar aos usuários, nos voos com destino para e/ou origem em Imperatriz-MA, no mínimo,
50% dos assentos com a tarifa denominada "básica"; b) nos meses de alta demanda, em
especial dezembro/2013 e janeiro/2014, cobrar do usuário-consumidor o valor máximo de
até 50% da tarifa máxima do plano "básico".
A argumentação da magistrada para tabelar as passagens aéreas para Imperatriz-MA
baseia-se no fato de que existe um bem jurídico imediato afetado na relação sub judice que é
o direito do consumidor. Entende que o valor das passagens foi elevado abusivamente, uma
vez que o trecho entre Imperatriz/MA e Brasília/DF custava R$ 289,00 e passou para R$
1.529,00 em janeiro de 2014, caindo para R$ 429,00 em fevereiro de 2014. A magistrada
argumenta que a TAM ao invés de ampliar a oferta para os meses de referência, devido à
procura mais acentuada pelos usuários, limita-se a elevar de forma desarrazoada os preços
das passagens aéreas, colocando o consumidor em desvantagem exagerada.
Argumenta ainda a magistrada que, diante da omissão da ANAC em efetivar os
comandos insculpidos nos arts. 2° c/c 8° da Lei nº 11.182/05, acaba por deixar tal tarifação à
álea e à deriva dos exclusivos interesses das concessionárias aéreas, em prol da política do
regime de liberdade tarifária, como se o fornecimento de serviço de transporte aéreo de
passageiros fosse, na sua gênese, atividade privada. Esquecendo-se que se trata de
"prestação de serviço público", e da peculiar circunstância de que a ré está a exercer a
atividade empresária como longa manus da União, eis que se encontra na condição de
concessionária de serviço público, nos termos do art. 21, XII, c, da Constituição Federal de
1988.
No texto disponível neste site, “Empresa aérea é concessionária de serviço público?”,
foi explicado que a Lei nº 11.182, de 2005, instituiu o regime de liberdade tarifária, de forma
que a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) não pode tabelar os preços das passagens
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aéreas, como fez o antigo Departamento de Aviação Civil (DAC) ao longo de quase toda sua
existência.
A mesma lei também assegura às empresas a exploração de quaisquer linhas aéreas,
observada exclusivamente a capacidade operacional de cada aeroporto e as normas
regulamentares de prestação de serviço adequado. Antes dessa legislação, as empresas
estabelecidas eram protegidas contra novas entrantes, dificultando a concorrência.
Outro ponto a ser destacado é que concessão de serviços aéreos não confere à empresa
o direito ou a obrigação de voar entre quaisquer localidades. O direito de voar somente existe
após a outorga de uma autorização específica para cada linha a ser explorada. Essa
autorização, denominada Horário de Transporte (HOTRAN), estabelece horários, frequências,
tipos de aeronaves e oferta de assentos para cada linha. As empresas aéreas não têm, nem
nunca tiveram, portanto, qualquer obrigação de operar em condições deficitárias. Podem, a
qualquer tempo, comunicar ao poder público que não mais operarão determinada linha e
solicitar o cancelamento do respectivo HOTRAN.
Se o trecho Brasília-Imperatriz fosse extremamente lucrativo, outras empresas teriam
interesse em oferecer voos entre essas cidades. Se não o fazem, é porque não há exageros na
rentabilidade.
Por outro lado, se os preços praticados estivessem razoáveis, a partir do momento que
houve o tabelamento, a empresa talvez não tenha mais interesse em manter essa linha, uma
vez que ela não é obrigada a trabalhar de forma deficitária. Isso é o mais provável que
aconteça caso o entendimento persevere no Judiciário: uma descontinuidade da linha, com
efeitos negativos para os próprios consumidores de passagens entre Brasília e Imperatriz.
Outra possível consequência perversa da decisão é o aumento das tarifas dessa linha
em períodos não tabelados. Para custear os passageiros de dezembro e janeiro, quem viajar
nos restante do ano terá de pagar mais caro.
Além disso, como o tabelamento funciona para a primeira metade dos assentos
vendidos, há um nítido favorecimento dos consumidores que comprarem primeiro, que
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conseguirem se planejar, em detrimento daqueles que precisarem voar esse trecho por conta
de uma emergência, por exemplo, ou que não tiverem a oportunidade de comprar a passagem
com muita antecedência.
Por fim, pode acontecer também que, para manter o voo a preços que não lhe garanta
lucro, a TAM tenha de aumentar a tarifa de outros voos, de forma que os passageiros do país
inteiro teriam que subsidiar aqueles que viajam entre Brasília e Imperatriz (o que na teoria
econômica se chama de subsídio cruzado). Em regra geral, quando o preço pago é diferente
do custo de produção, gera-se uma ineficiência na economia, com perda de bem-estar. Essa
alternativa, no entanto, não é tão provável pela dificuldade de exportar custo extra para outros
trechos.
Note-se como uma decisão judicial tem o poder de alterar completamente o equilíbrio
do mercado e prejudicar um número muito maior de consumidores do que os supostamente
beneficiados.
Conforme o Relatório elaborado pela ANAC, “Tarifas Aéreas Domésticas” 4, relativo
ao quarto trimestre de 2012, para atender a um maior número de passageiros, otimizar a
ocupação das aeronaves e alcançar rentabilidade, as preferências dos usuários devem ser
consideradas na prestação e na precificação dos serviços. Em qualquer atividade econômica, a
rentabilidade é fator principal para que se tenha investimento e oferta de serviços. Nesse
sentido, as tarifas aéreas são ajustadas a todo instante de acordo com a procura e conforme se
aproxima a data do voo.
Isto propicia o atendimento a uma maior diversidade de usuários e uma taxa de
ocupação da aeronave que sustente a prestação do serviço. Além das preferências dos
usuários, os preços do transporte aéreo são afetados, direta ou indiretamente, por outros
inúmeros fatores, tais como: evolução dos custos (estes fortemente influenciados pelo preço
do barril de petróleo e pela taxa de câmbio do real em relação ao dólar); eficiência da
empresa; distância da linha aérea; grau de concorrência do mercado; densidade de demanda;
baixa e a alta temporada; ações promocionais de concorrentes; restrições de infraestrutura
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http://www2.anac.gov.br/estatistica/tarifasaereas
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aeroportuária e de navegação aérea; organização da malha aérea da empresa; porte e
eficiência das aeronaves; e taxa de ocupação das aeronaves.
Importante destacar que a distância é apenas um dos fatores que afetam os preços do
transporte aéreo, mas não é o preponderante, pois o consumo de combustível é
proporcionalmente maior na etapa de decolagem. Quando a aeronave atinge sua velocidade de
cruzeiro, o consumo de combustível é menor.
A demanda de voos entre as localidades de origem e destino, por outro lado, é
decisiva. Voos entre destinos com baixa densidade de tráfego podem não ser viáveis
financeiramente e, quando viáveis, têm passagens mais caras.
Como se percebe, existem diversos fatores que influenciam o preço das passagens, por
isso é comum haver passageiros de um mesmo voo pagando tarifas diferentes. É essa
dinâmica que propicia a oferta de alguns assentos a baixo preço no transporte aéreo.
Sobre a evolução dos preços das tarifas, apesar de haver liberdade tarifária, alvo da
decisão judicial em pauta, o gráfico abaixo ilustra como a tarifa aérea média doméstica real,
em valores deflacionados pelo IPCA até dezembro/2011, e o valor médio pago por quilômetro
voado (Yield Tarifa Aérea Médio Doméstico Real) sofreram redução entre 2002 e 2011. Isto
é, os passageiros estão pagando bem menos para voar hoje, do que no início da década.
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O cenário de livre concorrência atrai investimentos para o setor, estimula o
crescimento do mercado e promove a ampliação da oferta. A decisão judicial comentada pode
reverter esse quadro. Ao tabelar a rentabilidade da iniciativa privada, mesmo sendo esta uma
concessionária de serviço público, não se leva em conta o risco específico da atividade nem os
custos e características de sua prestação. As consequências negativas serão sentidas pelos
consumidores, além de ser mais um agravante para a insegurança jurídica no país. Espera-se
que as instâncias superiores do Judiciário tenham uma interpretação diferente acerca do tema.
Este texto está disponível em: http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2048
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