MINISTÉRIO DA SAÚDE
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA
ANAIS DA
CONFERÊNCIA
NACIONAL
DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
EM SAÚDE
24 a 28 de outubro de 1994
BRASÍLIA, 1994.
 1994 - Ministério da Saúde
É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte.
Tiragem: 1.000 exemplares
Edição, distribuição e informações:
Coordenação Geral de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Esplanada dos Ministérios, Bloco “G”, edifício sede, 4º andar, sala 415
70058-900, Brasília-DF.
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Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Estes Anais foram organizados pela Comissão de Documentação e Relatoria, com a colaboração de: Carlos Rodrigo
Lauermann, Edite Damásio, Maria Assunção Lopes e Regina Coeli P. de Mello.
Colaboraram na edição da Política Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde: Maria Carlota de Souza Paula e Rita de
Cássia Barradas Barata.
Editoração gráfica: Gildásio de Andrade Pires
ISBN: 85-334-0093-4
FICHA CATALOGRÁFICA
ÍNDICE
Pág.
APRESENTAÇÃO .................................................................................................................................................................... 5
PARTE I
A) Programa da I CNCTS ......................................................................................................................................................... 9
B) Documento Básico da I CNCTS ........................................................................................................................................... 15
PARTE II
A) Sistemática Adotada: Trabalhos em grupo e Plenária Final ................................................................................................. 47
B) Relatório Final ...................................................................................................................................................................... 53
C) Política Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde (texto revisado) ................................................................................ 81
PARTE III
A) Relatório Consolidado da Etapa Estadual ............................................................................................................................ 103
B) Textos de Apoio ................................................................................................................................................................... 113
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
Ciência e Tecnologia em Saúde. Tendências Mundiais. Diagnóstico Global e Estado da Arte .......................................... 115
Prioridades Sanitárias, Ciência e Tecnologia ...................................................................................................................... 237
Regulação da Ciência e Tecnologia em Saúde .................................................................................................................. 263
Ciência e Tecnologia Aplicadas à Produção de Bens de Saúde ......................................................................................... 313
Arcabouço Político-Institucional .......................................................................................................................................... 335
C) Sínteses das Exposições dos Debatedores ......................................................................................................................... 375
D) Sínteses das Exposições de Temas Especiais .................................................................................................................... 389
PARTE IV
A) Avaliação da I CNCTS, pelos Participantes ......................................................................................................................... 405
B) Moções Aprovadas ............................................................................................................................................................... 411
C) Relação dos Participantes ................................................................................................................................................... 417
D) Reedição do Conteúdo do Livrete Informativo da I CNCTS ................................................................................................. 445
APRESENTAÇÃO
Nestes anais estão contidos os documentos técnicos, informativos e legais que nortearam a organização e o
desenvolvimento da I Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde - I CNCTS - em seus três grandes momentos:
fase pré-conferência; fase conferência, propriamente dita; e fase pós-conferência, as quais são detalhadas na última parte
deste trabalho. Cabe adiantar, todavia, que essa última fase compreendeu a elaboração dos anais e a revisão do texto de
Política Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde - PNCTS - aprovado pela plenária e que se encontra aqui, também,
incorporado.
A reunião dos documentos referidos tem o objetivo de permitir que todos os envolvidos, direta ou indiretamente, com
ciência e tecnologia em saúde disponham das informações e dos resultados alcançados pela I CNCTS, em uma única
publicação. Além de facilitar o entendimento do processo de realização da Conferência, por parte daqueles que não tiveram a
oportunidade dela participar, estes anais constituem instrumento importante para a implementação das medidas e ações que
compõem o texto revisado de PNCTS, resultante de discussões ocorridas durante a I CNCTS.
Os anais estão organizados em quatro grandes partes, que congregam, cada uma, um conjunto específico de
documentos e informações relacionados entre si. Assim, a primeira parte apresenta o programa de trabalho desenvolvido
durante os cinco dias do evento, em sua etapa nacional, bem como o conteúdo do documento básico, elaborado prévia e
exclusivamente para a CNCTS, e que contempla a proposta de política nacional para a área de ciência e tecnologia em saúde.
Na parte seguinte, estão o relatório final da I CNCTS, com as alterações propostas pelos grupos de trabalho e
respectivas deliberações da plenária, em relação ao documento básico, bem como o texto revisado da PNCTS. Esse texto é,
portanto, a versão final da Política Nacional, decorrente das deliberações da plenária da I CNCTS. Nesse contexto,
encontram-se, ainda, as sistemáticas adotadas tanto para os trabalhos em grupo, quanto para a plenária.
A terceira parte compreende todos os documentos que subsidiaram os participantes, sobretudo para os trabalhos de
grupo, representados principalmente pelo consolidado da etapa estadual da I CNCTS e pelos textos de apoio, nos quais são
aprofundados determinados componentes fixados para a elaboração da proposta de política, que foram, inclusive, temas de
painéis. Nesse conjunto, figuram, ainda, sínteses das exposições dos debatedores dos painéis referidos e de temas especiais.
Finalmente, a última parte compreende o consolidado da avaliação da I CNCTS, sob a óptica de seus participantes,
feita a partir de um instrumento produzido especificamente para tal; as moções aprovadas pela plenária; e a relação dos
participantes, com seus respectivos endereços. Consta desse âmbito, também, a reedição do livrete informativo da
Conferência, amplamente divulgado na fase pré-conferência, que apresenta desde o cronograma de sua organização e os atos
legais a ela inerentes, até a dinâmica do processo de desenvolvimento e orientações metodológicas e administrativas aos
participantes.
A Comissão Organizadora julga pertinente manifestar que considera alcançado o objetivo propugnado para a I
CNCTS, visto que dela resultou uma Política Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde, que explicita o caminho a ser
percorrido por essa importante área de atuação no contexto dos esforços em busca da melhoria do quadro sanitário brasileiro
e, por conseguinte, na elevação da qualidade de vida da população do País. A indiscutível legitimidade dessa Política, oriunda
de fórum representativo da comunidade envolvida com a área, induz à forte
crença de que ela será, de fato, rápida e eficientemente implementada, haja vista que a I CNCTS representou, também, um
importante avanço para o setor, pelo fato de promover o debate dessa importante temática, deflagrando o processo de
articulação entre os agentes envolvidos: gestores, financiadores, produtores e usuários do conhecimento.
Esse não é sentimento exclusivo da Comissão Organizadora, mas também da maioria dos participantes da I CNCTS e
de muitos outros interlocutores que dela tomaram conhecimento mais específico. Nesse sentido, é legítima a perspectiva de
que as ações de ciência e tecnologia em saúde, no Brasil, inauguraram, a partir da I CNCTS, uma nova fase, que passa a ser
norteada pelos balizamentos identificados e acordados e que estão corporificados na mencionada Política.
A Comissão Organizadora
Brasília, novembro de 1994.
(6)
Parte I
A) Programa da I CNCTS
B) Documento Básico da I CNCTS
PROGRAMA
Dia 24/10/94
8h às 9h: Credenciamento
9h às 9h30min: Abertura
9h30min às 10h30min: Exposição com debate
“Proposta de Política Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde”
Coordenador: Dr. Eduardo Moacyr Krieger
Presidente da Academia Brasileira de Ciências
Expositor: Dr. Carlos Médicis Morel
Presidente da Fundação Oswaldo Cruz
10h30min às 10h50min: Intervalo
10h50min às 11h30min: Exposição com debate
“Relatório Consolidado da Etapa Estadual”
Coordenador: Dr. Eduardo Moacyr Krieger
Presidente da Academia Brasileira de Ciências
Expositor: Dr. Gerson Oliveira Penna
Relator-Geral da I CNCTS
11h30min às 12h: Debate em Plenário sobre a Proposta de Política e o Relatório Consolidado
12h às 14h: Almoço
14h às 16h: Continuação dos Debates em Plenário
16h às 16h30min: Intervalo
16h30min às 18h30min: PAINEL I
“Ciência e tecnologia em saúde. Tendências mundiais. Diagnóstico global e estado da arte no Brasil “
Coordenador: Dr. Alberto Carvalho da Silva
Professor do Instituto de Estudos Avançados - USP
Expositor: Dr. Reinaldo Felipe Nery Guimarães
Professor do Instituto de Medicina Social - UERJ
Debatedor: Dr. Roberto Figueira Santos
Professor da Universidade Federal da Bahia - UFBA
Dia 25/10/94
8h às 10h: PAINEL II
“Prioridades sanitárias, ciência e tecnologia”
Coordenador: Dr. Alberto Pellegrini Filho
Coordenador do Programa de Pesq. e Desenv. Tecnológico da OPAS
Expositor: Dra. Cristina de Albuquerque Possas
Consultora do CENEPI/FNS
Debatedor: Dr. Adib Domingos Jatene
Diretor da Faculdade de Medicina - USP
Debatedor: Dr. José Martins Filho
Reitor da UNICAMP
10h às 10h30min: Intervalo
10h30min às 12h30min: PAINEL III
“Regulação da ciência e tecnologia em saúde”
Coordenador: Dra. Marília Bernardes Marques
Professora da ENSP/FIOCRUZ
Expositor: Dr. Cezar Luciano Cavalcanti de Oliveira
Coord. Geral de Avaliação Tecnológica - SAS
(11)
Debatedor: Dr. Fernando Steele da Cruz
Diretor da Microbiológica
Debatedor: Dr. Ronney B. Panerai
Professor do Departamento de Física Médica
Universidade de Leicester - Inglaterra
12h30min às 14h: Almoço
14h às 16h: PAINEL IV
“Ciência e tecnologia aplicadas à produção de bens de saúde”
Coordenador: Dr. Salvador Perroti
Diretor do Departamento de Tecnologia da FIESP
Expositor: Dr. Álvaro Antônio da Silva Ferreira
Diretor da ABIMO
Debatedor: Dr. Luciano Galvão Coutinho
Prof. Titular - Departamento de Economia - UNICAMP
Debatedor: Dr. Jacob Frenkel
Professor da Fac. Economia, Administração e Ciências Contábeis - UFRJ
16h às 16h30min: Intervalo
16h30min às 18h30min: PAINEL V
“Arcabouço político-institucional”
Coordenador: Dr. José Ubyrajara Alves
Diretor de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do CNPq
Expositor: Dr. Phactuel Rego
Consultor da CGDCT/MS
Debatedor: Dr. Mozart de Abreu e Lima
Consultor da OPAS
Debatedor: Dr. Sérgio Piola
Técnico do IPEA
Dia 26/10/94
8h às 12h: Trabalhos de grupos sobre o TEMA CENTRAL
12h às 14h: Almoço
14h às 18h: Continuação dos trabalhos de grupos sobre o TEMA CENTRAL
Dia 27/10/94
8h às 12h: Continuação dos trabalhos de grupos sobre o TEMA CENTRAL
12h às 14h: Almoço
14h às 15h: Exposição com debate - Tema Especial n° 1
“Integração pesquisa/serviços - uma proposta viável”
Coordenador: Dr. Marcos Boulos
Professor da USP, representante da SBMT na Comissão Técnica de Pesquisa Operacional em Malária
- FNS.
Expositores: Dra. Lenita Nicolleti
Coord. Estudos e Pesquisas/CENEPI/FNS
Dra. Maria Luiza Ortiz da Cunha
Chefe do Serviço de Epidemiologia da CRS/FNS/MT
15h às 16h: Exposição com debate - Tema Especial nº 2
“Informações em saúde no Brasil: um desafio para a ciência e tecnologia”
Coordenador: Dra. Cecília Minayo
Presidente da ABRASCO
Expositores: Dra. Ilara Hammerli Sozzi de Moraes
GTISP/ABRASCO/ABEP
Dr. Álvaro Escrivão Júnior
GTISP/ABRASCO/ABEP
16h às 16h30min - Intervalo
(12)
16h:30min às 17h30min: Exposição com debate - Tema Especial nº 3
“Política de saúde e prioridades temáticas para o SUS: uma agenda de estudos”
Coordenador: Dr. Flávio Goulart
Coord. Geral de Desenv. e Avaliação de Serviços - DCAS/SAS/MS
Expositores:
Dra. Patrícia Tavares Ribeiro
CGAS/DCAS/SAS/MS
Dra. Maria Elizabeth Barros
CPS/IPEA
Dia 28/10/94
8h às 21h: PLENÁRIA FINAL
APRESENTAÇÃO, DEBATE E VOTAÇÃO DO RELATÓRIO FINAL
Coordenador: Dr. João Baptista Risi Junior
Coordenador da Comissão Executiva
Expositor: Dr. Gerson Oliveira Penna
Relator-Geral da I CNCTS
(13)
DOCUMENTO BÁSICO
Carlos Médicis Morel e colaboradores
SUMÁRIO
I.
Saúde, Desenvolvimento e Eqüidade
II.
Novos Paradigmas e o Papel do Estado
III.
Pesquisa em Saúde: Componente Fundamental para o Desenvolvimento com Eqüidade
IV.
Conformação do Sistema Nacional de C&T
V.
Interação Entre os Sistemas Nacionais de C&T e de Saúde
VI.
Políticas e Prioridades
A. Matriz institucional e papéis dos órgãos: Situação atual
B. Em busca de um sistema orgânico de C&T em Saúde
C. O estabelecimento de prioridades em C&T para a Saúde
D. A revolução científica e tecnológica e a redefinição de prioridades
VII. Diretrizes
(1) Ciências Básicas ou Fundamentais
(2) C&T Aplicadas a Objetivos Econômicos
(3) C&T Aplicadas a Objetivos Estratégicos
(4) Conhecimento e Técnicas Aplicados ao Planejamento, Organização e
Gerenciamento de Sistemas e Serviços de Saúde
(5) Infra-Estrutura da C&T
VIII. Estratégias: Matriz Institucional Desejada e Novos Papéis dos Órgãos
A. A Coordenação Inteligente da PNC&T/S
B. As Conferências Nacionais de C&T em Saúde
C. Gestão e Execução da Política Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde
1. Comando executor da Política Nacional de C&T em Saúde
2. Agências executoras da Política Nacional de C&T em Saúde
a) Agências de outros Ministérios
b) Organismos do próprio Ministério da Saúde
c) Financiamento pelo MS de programas e projetos prioritários em instituições
não-pertencentes ao Ministério
IX.
Nota sobre a Natureza deste Documento
X.
Agradecimentos
(17)
POLÍTICA NACIONAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA EM SAÚDE
1,2
I.
Saúde, Desenvolvimento e Eqüidade
1.
Ao terminar o século XX a humanidade se vê diante de imensos desafios. Da pré-história aos dias atuais acumulou uma
enorme soma de conhecimentos e tecnologias: libertou-se dos limites do seu planeta, aventurou-se nos confins do
sistema solar, dominou o átomo, inventou o microprocessador, penetrou nos segredos da hereditariedade e inicia agora
uma epopéia que visa desvendar todo o conteúdo informacional do seu próprio patrimônio genético, buscando novas
fronteiras, ampliando os limites do conhecimento humano.
3.
Apesar disto, o panorama que tem diante de si não é dos mais
animadores. Nosso planeta, que parecia fonte inesgotável de recursos,
revelou-se finito e dependente de um frágil equilíbrio ecológico. Níveis de
riqueza nunca antes alcançados pelo homem são acompanhados de um
impressionante aumento das desigualdades sociais.
4.
Na área da Saúde as últimas décadas trouxeram à luz mais um fato
extremamente preocupante: o aparecimento de novas doenças, como a
AIDS, e o ressurgimento de outras que há muito não mais nos
assustavam, como a cólera e a tuberculose. Os recentes avanços
tecnológicos nos métodos diagnósticos e epidemiológicos mostraram que
este fenômeno é um ameaça constante, ocorrendo mais freqüentemente
3
do que se supunha .
5.
É também na área da Saúde que os contrastes entre os países avançados e os da periferia se fazem sentir cada vez com
maior intensidade. Os avanços da moderna medicina, que tornam possível pela primeira vez o tratamento de doenças
moleculares pela terapêutica genética, não têm impacto imediato para os habitantes dos países mais atrasados,
4
dizimados pela desnutrição e pelas doenças infecciosas e parasitárias . Os países medianamente desenvolvidos
enfrentam os desafios da superposição de perfis epidemiológicos, que levam a uma coexistência das doenças da riqueza
com as da pobreza, agravado pela redução do uso intensivo de tecnologias de alta complexidade, nem sempre
apropriadas ao quadro nosológico destes países e sua infra-estrutura.
6.
O grande desafio para estes países é o de formular e implementar um modelo de desenvolvimento capaz de enfrentar as
enormes disparidades que se expressam no aprofundamento das desigualdades econômicas e sociais no seu interior e
entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
8.
No caso do Brasil, depois de um prolongado ciclo expansionista, no qual a
economia nacional cresceu de forma persistente durante um período de
cerca de 50 anos, desde a década de 80 o país vem sofrendo as
conseqüências de uma prolongada crise econômica. Esta crise foi
caracterizada pelo elevado nível de endividamento, aceleração
inflacionária, recessão acentuada pelos efeitos das políticas de ajuste, que
levaram à agudização da segmentação social anteriormente existente,
alijando parcelas cada vez maiores da população dos frutos do progresso
técnico-científico e do desenvolvimento econômico.
9.
O esgotamento do modelo de desenvolvimento baseado na substituição de importações e na existência de um Estado
intervencionista e provedor, bem como sua substituição pelas políticas neoliberais, não foram capazes de garantir as
bases de um novo projeto de desenvolvimento que dê conta de superar as iniqüidades que se foram sedimentando ao
longo deste processo, bem como
______________________________
1
2
3
4
Responsáveis pela elaboração deste documento: CARLOS M. MOREL, DALTON MÁRIO HAMILTON, SONIA FLEURY, FRANCISCO VIACAVA, JOSÉ
MANOEL BALTAR E CARLOS EDUARDO ROSA MARTINS
Para os efeitos deste trabalho, Política Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde se refere ao componente científico e tecnológico de uma
Política Nacional de Saúde, ou seja, enfatiza-se a visão do Sistema de Saúde como demandante e como captador do Sistema de Ciência
e Tecnologia.
Centers for Disease Control and Prevention (1994) Addressing emerging infectious disease threats: A prevention strategy for the United
States. Atlanta, Georgia: U.S. Department of Health and Human Services, Public Health Service, pp. 46
Para uma discussão mais aprofundada, consultar: TZOTZOS, G.T. (1993) Biotechnology R&D trends: science policy for development. Annals
N.Y. Acad. Sci., volume 700. The New York Academy of Sciences, New York, NY, 260 pp.
(19)
redirecionar as relações entre Estado e sociedade de forma a enfrentar de maneira criativa as demandas colocadas pelo
recente processo de reorganização da economia mundial.
11. O papel da ciência e da tecnologia, como base para a evolução do conhecimento e para o desenvolvimento da produção
em uma economia orientada para a competitividade, deve
estar a serviço da maior eqüidade social, condição
necessária à consecução da própria competitividade.
12. O Setor Saúde contribui para o desenvolvimento
econômico através de produção complexa e articulada a
diversos outros setores da sociedade. Exerce efeito
multiplicador sobre a economia, com geração de empregos
para pessoal altamente qualificado, apresentando produtos
voltados à inovação do diagnóstico, prevenção e cura de
enfermidades e controle de qualidade de produtos e
serviços.
13. No contexto dos condicionantes sociais do processo de reestruturação produtiva, a questão dos recursos humanos tem
tido grande destaque, na medida em que se reconhece a emergência de novos perfis ocupacionais e de profundas
transformações na organização do trabalho, que implicam uma maior participação dos trabalhadores nas decisões da
empresa, criando condições para o desenvolvimento das capacidades/potencialidades dos indivíduos. A preparação de
uma força de trabalho capaz de responder às novas exigências tecnológicas e organizacionais do mundo atual e em
particular do Brasil demanda a investigação, a formulação e a intervenção no campo do ensino técnico em saúde.
14. No âmbito do novo modelo de desenvolvimento, a saúde - vista como realização de potencial biopsicossocial de
indivíduos e comunidade - deixa de ser apenas um ideal ético e passa a ser um requisito do desenvolvimento.
II.
Novos Paradigmas e o Papel do Estado
15. Nos últimos anos assistimos a modificações profundas no processo da produção científica. Em primeiro lugar, a crença
indiscriminada no progresso científico como fonte de bem-estar da humanidade deu lugar a uma visão muito mais crítica e
comedida, na qual ficam relativizados tanto o poder normativo oriundo da produção científica, quanto o próprio alcance da
racionalidade técnico-instrumental diante da complexidade que impera nos fenômenos físicos e sociais e nos desafios
quanto à regulação da ética.
16. Em segundo lugar, identificam-se mudanças substanciais no papel atual da ciência e da tecnologia, que se caracterizam
pelo aumento da escala do avanço científico, pela rapidez com que os descobrimentos são transformados em tecnologias
de uso prático e, finalmente, pela relevância econômica do conhecimento científico e tecnológico.
18. A economia internacional passa por profundas
transformações decorrentes da introdução do paradigma
técnico-econômico da tecnologia da informação. Sua
propagação acarreta mudanças substanciais em amplo
espectro da estrutura de produção. São novas as
trajetórias tecnológicas que se definem. Estas tendem a
perpassar toda a atividade produtiva e a excluir as
trajetórias do paradigma anterior, baseado no petróleo
barato e na produção massiva de bens e serviços
homogêneos, intensivos em energia e materiais. Logo,
países e empresas, para se desenvolverem e serem
competitivos têm, necessariamente, que se adequar aos
novos padrões de produção, inclusive com relação aos
métodos de gestão compatíveis com as inovações em processo e produto.
(20)
19.
No novo paradigma a inovação assume maior importância estratégica em função da diminuição dos custos das
atividades de P&D e da flexibilidade das plantas de produção, ambas em decorrência da automação microeletrônica. A
conseqüência é a redução do ciclo de vida dos produtos e o acirramento da competição através da diferenciação dos
mesmos, especialmente quanto à sua qualidade, cada vez mais exigida pelos consumidores destes produtos.
21. Surge um novo padrão de competição entre países e
empresas, implicando na redefinição do papel do Estado,
segundo novas formas de articulação entre este e o sistema
produtivo, em uma nova hierarquização político-econômico e
na constituição de grandes blocos econômicos. Nas
economias mais competitivas os sistemas nacionais de
inovação - a articulação entre governo, empresas e
universidades e outras instituições de pesquisa ou de
prestação de serviços de tecnologia industrial básica adequam-se à nova realidade econômica onde se articulam
organicamente grandes blocos de capital com pequenas e
médias empresas.
22. Uma das principais características da estrutura industrial
brasileira, que a diferencia daquelas das economias mais
competitivas, é o pequeno porte de seus grupos
empresariais de capital nacional, notadamente os privados,
que além de apresentarem uma produção pouco
diversificada estão ausentes dos setores tecnologicamente
de ponta. O que, compromete, inclusive, a constituição de
pequenas
e
médias
empresas,
tecnologicamente
avançadas, por não criar externalidade nesse sentido. Por
outro lado, percebe-se as dificuldades de integração
solidária entre as empresas menores.
23. Torna-se necessário à formulação e execução de política
que contemple a constituição de sólido tecido industrial,
que, adequada às peculiaridades da economia brasileira,
estimule a inovação, a exemplo do que ocorre nos países
mais competitivos. Esta política deve contemplar a
configuração de sistema nacional de inovação, compatível
com o desenvolvimento tecnológico do país.
24. Para tanto o governo deve lançar mão de todos os
instrumentos de política que permitam aumentar sua
capacidade de regulação, indução e articulação, tais como:
financiamentos
em
condições
favoráveis
e
ou
compartilhamento do risco para empreendimentos
tecnologicamente de ponta, estímulos a projetos
cooperativos entre empresas e entre essas e universidades
e outras instituições de pesquisa, incentivos fiscais,
proteção tarifária, legislação sobre propriedade industrial,
sobre biossegurança, bioética, proteção de cultivares ou do
melhorista, regulamentação de acesso aos recursos
genéticos, do uso experimental de animais, direcionamento
das compras governamentais visando à capacitação
científica e tecnológica dos setores público e privado
nacionais.
26. Todos os fatores anteriormente assinalados convergem
para indicar a necessidade de superação do padrão de institucionalização do desenvolvimento de C&T no Brasil, que se
consolidou na década de 70, mas que se encontra totalmente defasado face às novas exigências deste final de século.
______________________________
5
Com base em: GUIMARÃES, R. (1994) Avaliação e fomento de C&T no Brasil: propostas para os anos 90. MCT/CNPq; COUTINHO, L. et al.
(1993) Estudo da competitividade da indústria brasileira. Unicamp (mimeo).
(21)
6
27. Alguns dos pressupostos que fundamentaram este modelo foram apontados em recente estudo :
•
a fronteira sem fim: o Estado deveria financiar as pesquisas deixando que os cientistas distribuíssem os recursos com
critérios próprios, já que se acreditava que a C&T básica nas universidades e a pesquisa militar nos institutos
produziriam necessariamente benefícios sociais e econômicos para a sociedade como um todo;
•
planejamento: a crença no planejamento abrangente de C&T levou à substituição das burocracias flexíveis originais
por mecanismos mais pesados de planejamento e gestão de C&T, em nível federal;
•
substituição de importações: a existência de barreiras à competição externa e outros mecanismos de proteção à
indústria reduziriam a necessidade de desenvolvimento e incorporação de novas tecnologias no processo industrial,
reduzindo a competitividade do parque industrial nacional;
•
elitismo: as políticas educacionais e tecnológicas orientaram-se por um modelo elitista no qual procurou-se elevar as
universidades ao patamar das melhores research universities do mundo. Além de ser um modelo cujos custos e
pré-requisitos tornam inviável sua generalização para todo o país, não houve investimento correspondente para
resolver os problemas da educação básica e massificação da educação secundária e superior.
29. A política científica adequada a um novo modelo, baseada nos pressupostos de seletividade e competitividade, deverá
orientar-se para a preservação e renovação da base técnico-científica instalada, de forma mais adequada às
necessidades do país, ao mesmo tempo em que se incentiva o desenvolvimento de atividades interdisciplinares, a
estabilidade do financiamento aos grupos de excelência e o apoio aos grupos emergentes.
30. Não se trata de discutir se há necessidade de uma atuação
estatal no processo de desenvolvimento científico e tecnológico.
Tanto a experiência nacional já provou que o Estado, dentro
dos seus objetivos, foi altamente eficiente na implantação da
política de C&T, quanto a experiência internacional vem
demonstrando que as novas condições de produção industrial
requerem um papel estratégico para a atuação do Estado.
31. Para alcançar estes objetivos o Estado deverá substituir sua
estrutura pesada e inoperante por uma outra, caracterizada pela
flexibilidade e pela busca da qualidade, submetida a critérios de
avaliação socialmente construídos.
32. O que é preciso é mudar seus papéis e suas formas de
atuação, tornando-se menos intervencionista e provedor, preservando e ampliando sua capacidade de regulação e
7
indução, estabelecendo relações de parceria com a sociedade e o setor privado .
33. A reforma do Estado que se faz necessária é no sentido de dotá-lo de mecanismos que assegurem a seletividade de suas
políticas, coerentes com o estabelecimento de prioridades estratégicas para o desenvolvimento nacional. Isto implica o
resgate do seu caráter público, desprivatizando-o e reduzindo sua ação patrimonialista, de forma a substituí-la por uma
nova relação entre as esferas pública e privada, caracterizada pelo estabelecimento de parcerias com compromissos
claramente acordados.
34. A garantia do direito constitucional à saúde reserva ao Estado o papel de assegurar o acesso universal aos bens e
serviços necessários à promoção, manutenção e recuperação da saúde. Para tanto, é imprescindível dotar o Estado das
condições de efetivo exercício dos seus papéis de promotor, regulador, produtor e fiscalizador, assim como garantir a
participação da sociedade na deliberação sobre diretrizes e recursos para ciência e tecnologia em saúde e na fiscalização
de sua execução.
35. A pesquisa básica e o desenvolvimento de produtos necessários à melhoria das condições de saúde da população são
bens públicos e, portanto, devem ser amparados pelos instrumentos de política governamental, que, sem desconhecer as
necessidades econômicas e a lógica do mercado, subordina-os aos compromissos éticos e sociais que pautam as
políticas de saúde.
______________________________
6
7
SCHWARTZMAN et al (1993) Ciência e tecnologia no Brasil: uma nova política para um mundo global. EAESP/FGV, SP
COUTINHO, L. et al (1993) Estudo da competitividade da indústria brasileira. Unicamp (mimeo).
(22)
III.
Pesquisa em Saúde: Componente Fundamental para o Desenvolvimento com Eqüidade
37. Estudos realizados na última década demonstraram a importância de se investir em ciência e tecnologia em saúde para
se obter desenvolvimento com eqüidade e justiça social. Um desses estudos, conduzido pela “Commission on Health
Research for Development”, uma comissão internacional
de especialistas de diversos países desenvolvidos e em
desenvolvimento
demonstrou
ainda
a
imensa
dissociação entre os gastos com a pesquisa em saúde
(95% deles realizados nos países desenvolvidos) e a
taxa de mortalidade prematura (95% nos países em
8
desenvolvimento) . Este achado indica claramente a
necessidade de os países em desenvolvimento
investirem mais no desenvolvimento científico e
tecnológico voltado para o setor saúde.
38. Internacionalmente têm sido comuns programas de
ajuda, ou de colaboração científica, em que as
prioridades são definidas centralmente pelo organismo
financiador e adotadas sem maiores discussões pelos
diferentes países. Embora algum progresso localizado
tenha sido obtido com a ajuda destes programas, alguns
9
dos quais extremamente bem sucedidos , uma
estratégia mais recente é a que envolve uma definição
prévia, pelos próprios países, de sua pauta de
10,11
. Uma
prioridades e agenda de trabalho na saúde
vez discutido e adotado um plano nacional que
estabeleça as prioridades de C&T em Saúde aí então
são buscados os mecanismos e financiamentos
necessários à sua concretização. Em 1990, a 43ª
Assembléia Mundial da Saúde endossou formalmente
este conceito (Resolução 43.19 de 7 de maio de 1990),
já adotado por alguns países.
39. Uma análise inicial deste movimento, que se
convencionou denominar ENHR (do inglês Essential National Health Research, ou “Pesquisa Essencial Nacional em
Saúde”), revela que alguns países conseguiram melhorias significativas no planejamento das atividades de C&T em
12
saúde, com evidentes benefícios para a saúde pública de suas populações . Por outro lado, interpretações errôneas
desta estratégia podem introduzir uma visão imediatista que perde a perspectiva de médio e longo prazos, bem como a
profundidade, necessárias no campo da ciência e da tecnologia. Embora a “estratégia ENHR” compreenda dois
componentes bem definidos - a pesquisa diretamente voltada para os interesses do país (country-specific research) e a
pesquisa de interesse global (global health research) - é comum se observar um desbalanceamento perigoso entre estes
componentes, com alguns governos dando uma prioridade excessiva aos objetivos de curto prazo. Uma das
conseqüências seria um empobrecimento da ciência dos países do III Mundo, que se dedicaria apenas aos aspectos mais
pragmáticos e de aplicação imediata no setor saúde. Esta visão na realidade distancia ainda mais estes países da ciência
e da tecnologia, aprofundando seu subdesenvolvimento.
______________________________
8
Commission on Health Research for Development (1990) Health research: essential link to equity in development. Oxford University Press,
pp. 136
9
10
11
12
Ver por exemplo: Tropical Disease Research: Progress 1991-1992. Eleventh Programme Report. UNDP/World Bank/WHO Special
Programme for Research and Training in Tropical Diseases. Organização Mundial da Saúde, 1993, pp. 134.
Task Force on Health Research (1991) Essential National Health Research: a strategy for action in health and human development.
Genebra, pp. 73
COHRED - Council on Health Research for Development (1993) International Conference on Health Research for Development. Palais des
Nations, Geneva, Switzerland.
Ver por exemplo The Fact Finding Commission, National Epidemiology Board of Tahiland (1987) Review of the health situation in Thailand:
priority ranking of diseases. A report submitted to the National Epidemiology Board members. NEBT, Bangkok, 110 pp.
(23)
41. O desenvolvimento e a incorporação tecnológica devem sempre estar voltados a programas que atendam às prioridades
instituídas pela sociedade, de maneira a obter-se o máximo rendimento possível em relação aos problemas sentidos no
presente e em perspectiva no futuro. Para tanto, é
necessário construir uma agenda potencial de pesquisa
em saúde que contemple, em uma perspectiva de
complementariedade, aquelas áreas e problemas que
são decorrentes da demanda sanitária nacional, ao
mesmo tempo que inclua, de acordo a uma visão de
seletividade competitiva, pesquisas que possam vir a
contribuir para o desenvolvimento científico e
tecnológico internacional.
42. De qualquer forma consolida-se internacionalmente o
conceito de que a ciência e a tecnologia muito têm a
contribuir, em todos os países, mesmo os mais pobres,
para a melhoria das condições de saúde de suas
populações. Desde a publicação do Relatório do Banco
13
Mundial de 1993, inteiramente voltado para a Saúde ,
uma série de encontros internacionais tem repisado
nesta tecla, e parece haver um movimento dos grandes
organismos doadores internacionais no sentido de se
reestudar a questão e de endossar os achados da
“Commission on Health Research” e da “Task Force on
14
Health Research for Development” .
43. A globalização da economia, o aumento dos fluxos
migratórios entre continentes, a criação de novos
espaços de integração econômica e política - com
importantes efeitos diretos e indiretos para a saúde das
15,16,17
populações - e o surgimento de novas doenças
representam desafios globais e reforçam a noção de
que há uma necessidade urgente e prioritária de
maiores investimentos em ciência e tecnologia na área
da saúde nos diversos países do mundo.
44. Constitui também consenso universal o reconhecimento que o controle da produção científica assim como o acesso
rápido à informação técnico científica atualizada são indispensáveis para o progresso da ciência e tecnologia, o que pode
ser constatado no apoio que os países desenvolvidos dão ao fortalecimento de redes de bibliotecas e centros de
documentação e informação em saúde.
IV.
Conformação do Sistema Nacional de C&T
45. Nos anos 50, as iniciativas estatais nos âmbitos tecnológico e científico marcharam largamente separadas sem integrar
uma direção estatal explícita. Assim, organizava-se uma política científica em torno da criação do CNPq (1951),
18
fortemente marcada por preocupações relativas à questão da energia atômica .
______________________________
13
14
15
16
17
18
The World Bank (1993) Investing in Health - World Development Indicators. World Development Report 1993. Oxford University Press, pp.
329.
Ver por exemplo: Global Infectious Diseases: Strengthening Research and Control. Sumário e Recomendações de uma Conferência
Internacional, 30 Agosto - 3 Setembro 1993, Bellagio, Itália.
LEDERBERG, J.; SHOPE, R.E.; OAKS, S.C. (eds) (1992) Emerging Infections - Microbial Threats to Health in the United States. National
Academy Press, Washington, D.C.
Centers for Disease Control and Prevention (1994) Addressing emerging infectious disease threats: A prevention strategy for the United
States. CDC, Atlanta, Georgia, USA. 46 pp.
LEMONICK, m.d. (1994) The killers all around. Time 144(11):34-41 (12 setembro)
MOREL, R.L.M. (1979) Ciência e Estado: a Política Científica no Brasil. T. A. Queiroz Ed. Ltda, São Paulo.
(24)
46. Embora, como definido pela Lei 1310 de sua criação, o CNPq objetivasse o desenvolvimento em qualquer domínio do
conhecimento da investigação científica e tecnológica, no seu primeiro ano de atuação, financiava fortemente as ciências
19
físicas concedendo a estas 65,6% de seus auxílios .
47. Completava o eixo estatal da política científica a criação da CAPES, no mesmo ano, que buscava planejar a expansão do
ensino superior no país, visando assegurar uma oferta de quadros técnicos, científicos e humanísticos necessária ao
desenvolvimento econômico e cultural brasileiro.
49. A política de C&T no Brasil somente se torna explícita em
fins da década de 60, com a elaboração do Programa
Estratégico de Desenvolvimento - PED - de 1968, a partir da
definição de um conjunto de diretrizes declaradas pelo poder
estatal, que procurava integrar as atividades de C&T com o
20
sistema produtivo .
50. A elaboração da política científica e tecnológica teve como
perspectiva estratégica o estabelecimento de uma nova fase
de industrialização substitutiva de importações onde
praticamente nenhum esforço foi realizado na busca interna
de qualidade e competitividade.
51. Tal projeto vinculou-se a setores restritos da burocracia
estatal e à comunidade acadêmica, não mobilizando apoio
mais que pontual do setor produtivo, dada sua inserção
21
crescente no processo de internacionalização .
52. Formalmente, o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia (SNDCT) configurou-se através de unidades de execução
descentralizadas, estruturadas em dois agrupamentos hierárquicos: de um lado a organização governamental configurada
nos diversos ministérios, com hierarquias próprias, respectivas unidades de ciência e tecnologia e fontes de recursos
22
paralelas; de outro lado o núcleo central do sistema exercido pelo CNPq e FINEP .
53. Como óbices ao formato organizacional do SNDCT, tal como estabelecido desde seus primórdios no início dos 70,
passando por sua instituição de fato enquanto sistema em 75, até a constituição do Ministério da Ciência e Tecnologia em
85, pode-se apontar a ausência de estatuto ministerial do CNPq, o caráter meramente consultivo do CCT (Conselho
Científico e Tecnológico do CNPq) no que se refere à programação plurianual de C&T, e a burocratização das instâncias
decisórias da política científica e tecnológica, ainda que a comunidade acadêmica tenha alcançado razoável expressão
nos aspectos referentes ao fomento, face à configuração dos comitês assessores, que efetuam a concessão de bolsas e
auxílios de pesquisa, através do julgamento pelos pares.
54. Como conseqüência dos aspectos anteriormente mencionados, observa-se o esvaziamento do FNDCT, que de um pico
23
na participação do orçamento da União de 1,16% em 1976 cai para 0,24% em 1984 , a desarticulação da política de
C&T como um todo, acarretando ampla anarquia na alocação de recursos e definição de funções das diversas agências e
estruturas institucionais pertencentes ao SNDCT, e o crescimento do “gap” entre o aumento da demanda social de
atividades de C&T, em razão do incremento da complexidade da base técnica da sociedade e a capacidade de organizar
a oferta para atendê-la.
55. O ano de 1985 marca a criação do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) e sua apropriação do papel de coordenação
24
do SNDCT, ao passarem as instituições sob jurisdição da SEPLAN para o âmbito do novo Ministério .
______________________________
19
20
21
22
23
24
op.cit.
JAGUARIBE, A.M. (1987) A Política Tecnológica e sua Articulação com a Política Econômica. Elementos para uma análise da ação do
Estado. UFRJ/IEI Textos para Discussão, No 115; GUIMARÃES, E.A. (1993) A Experiência Brasileira de Política Científica e Tecnológica
e o Novo Padrão de Crescimento Industrial. UFRJ/IEI Textos para Discussão, No 296.
GUIMARÃES, E.A. (1993) Op. cit.
JAGUARIBE, A.M. (1993) Op. cit.
ERBER, F. et alli (1985) A Política Científica e Tecnológica. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro.
JAGUARIBE, A.M. (1993) Op. cit.
(25)
57. Frente à tímida reversão nos anos 85-86 da tendência de
deterioração dos valores absolutos dos recursos alocados
pelo FNDCT, que ascenderam a 107,5 milhões de dólares,
observa-se, a partir de 87, nova queda absoluta
atingindo-se, em 89, cerca de 77 milhões de dólares.
58. De um ponto de vista mais qualitativo, convém mencionar
que a inserção da coordenação do SNDCT no MCT, não
configurou qualquer resultado no sentido da melhoria desta.
Pelo contrário, a ausência de formulação de planos globais
sobre C&T atesta o estado de desarticulação da área.
59. Por outro lado, o avanço nos mecanismos de democratização da estruturação de políticas de C&T, sob a nova conjuntura
democrática emergente a partir do fim da ditadura militar, tem sido demasiadamente tímido para permitir a conformação
de novos atores-suporte que permitam delimitar os marcos de um novo projeto de desenvolvimento em C&T para o país.
60. O resultado mais flagrante da montagem do SNDCT foi a estruturação de expressivo sistema nacional de pós-graduação
e de institutos de pesquisa que estabeleceu ampla expansão qualitativa e quantitativa da base científica do país.
Avaliações recentes sobre as características deste sistema indicam:
o embora a ciência brasileira ainda seja muito incipiente desenvolvendo menos que 1% da pesquisa realizada no
mundo, existem áreas e subáreas de relativas consolidação e competitividade, entre as quais se incluem a genética e
25
a biofísica ;
o o caráter fortemente extensivo da estruturação do sistema científico brasileiro que, ao invés de buscar uma inserção
complementar à produção científica internacional, realiza um esforço prioritário interno de geração de ciência;
o O conteúdo predominantemente básico do sistema científico em razão da desvinculação do setor produtivo, que por
muito tempo deixou de investir em C&T por excessiva garantia do mercado consumidor;
o a forte concentração regional dos sistemas de pós-graduação e dos institutos de pesquisa;
o forte carência no segmento de infra-estrutura industrial básica ligada à metrologia, normalização, e controle e
26
certificação de qualidade .
61. Apesar desses problemas, alguns avanços foram realizados no âmbito tecnológico, a partir de políticas industriais e
científico-tecnológicas nos setores industriais básicos, associados às indústrias de bens de capital: informática, química,
siderúrgica, metalúrgica e aeronáutica, bem como a pesquisa militar e o programa nuclear. Há que se ressaltar que a
ausência de definições para o planejamento científico tende a formar somente incorporadores de tecnologia.
V.
Interação Entre os Sistemas Nacionais de C&T e de Saúde
62. A institucionalização das atividades de P&D no setor saúde
sempre foi marcada por um caráter essencialmente público.
Um levantamento realizado em 1989 sobre os projetos
28
financiados pela FINEP , indicou que as atividades de
ciência e tecnologia no campo da saúde são desenvolvidas
majoritariamente em instituições públicas de ensino e
pesquisa, com forte
______________________________
25
26
27
28
SOBRAL, F.A.F. & TRIGUEIRO, M.G.S. (1994) O colapso da ciência e tecnologia no Brasil. Editora Relume Dumara.
GUIMARÃES, E.A. (1993) Op. cit.
Dados de Durham & Gusso citados em GUIMARÃES, R. (1994) Avaliação e fomento de C&T no Brasil: propostas para os anos 90. CNPq.
Brasília, p. 85.
VIACAVA, F. et allii (1992) La investigación en Salud en Brasil. OPS Publ Cient 543, p.45:68.
(26)
concentração institucional na órbita federal e regional no Sudeste, e uma participação muito discreta do setor privado e de
instituições de produção de serviços de saúde.
64. No tocante à formação de recursos humanos para o desenvolvimento de P&D em saúde, identificou-se um perfil
profissional estreitamente vinculado ao desenvolvimento da pós-graduação.
65. O desenvolvimento da pós-graduação consolidou-se no início da década de 80 nas ciências biológicas, enquanto nas
ciências da saúde o maior dinamismo no número de cursos refletiu a maior extensividade e a menor estruturação da área
ao longo de toda a década. Corrobora a baixa estruturação da subárea das Ciências da Saúde a timidez observada na
participação em atividades de P&D em saúde da pesquisa clínica e da medicina experimental.
66. Essencialmente dirigido ao desenvolvimento científico mais do que ao desenvolvimento tecnológico, o financiamento na
área da Saúde tem sido realizado através das agências federais do SNDCT (FINEP, CNPq e CAPES) e da FAPESP no
caso de São Paulo.
68. Além da tradicional forma de atendimento à demanda espontânea dos pesquisadores, essa área foi contemplada com
programas específicos envolvendo uma ou mais das agências governamentais, e também com financiamentos de
agências internacionais entre as quais a OMS/OPS, PNUD, OMS/TDR, Kellog's Foundation, Ford Foundation, Banco
Mundial.
69. O financiamento de atividades de C&T deverá ter novas
fontes de recursos com a expansão das Fundações
Estaduais de Amparo à Pesquisa (FAPs). Em 21 estados da
federação já existem normas constitucionais garantindo
recursos para C&T, que variam de 0,3% a 3,0% da receita
bruta. Além de São Paulo, onde a FAPESP foi criada desde
1962, atualmente outros 8 estados (MG, RJ, PE, RS, AL,
MA, MS e SC) têm repassado recursos às respectivas FAPs,
constituindo importante estímulo ao desenvolvimento de
C&T vinculado às demandas dos subsistemas Estaduais ou
Regionais. No entanto, estes valores são em muitos casos
insuficientes considerando-se a dotação prevista em lei.
70. Convém apontar que a situação hoje vigente no financiamento às atividades de P&D em saúde deve estar muito aquém
do quadro vislumbrado no final da década passada, em razão da drástica redução de recursos do FNDCT e do
desmantelamento do sistema de ensino superior público federal. Dados mais recentes, relativos ao desempenho da
FINEP no biênio 92/93, indicam que foram executados 45 convênios na área da saúde, em contraste com os 153 do
período 87/88.
71. No âmbito do SNDCT, entre os programas nacionais dirigidos para essa área, cabe destacar o Programa Integrado de
Doenças Endêmicas (PIDE), o Programa Integrado de Genética (PIG), o Programa de Produtos Naturais, Programa de
Saúde Coletiva, e o Subprograma de Biotecnologia do PADCT.
72. O PIDE, criado em 1973, na vigência do II PBDCT, destinou recursos do FNDCT para o desenvolvimento de pesquisa em
esquistossomose e doença de Chagas, e mais tarde à malária e leishmanioses. Os recursos eram solicitados pelos
pesquisadores sem que houvesse um elenco de prioridades predeterminado. Apesar de dirigido a quatro doenças
específicas, as pesquisas eram definidas segundo os interesses dos pesquisadores, sem uma coordenação que
apontasse para as carências e necessidades de geração de conhecimento em cada um dos casos. Entretanto, na
avaliação dos pesquisadores, o PIDE foi um programa exitoso no que se refere ao desenvolvimento da pesquisa científica
em parasitologia, imunologia e bioquímica, disciplinas que tiveram seu desenvolvimento no país fortemente propiciado
pelas atividades financiadas pelo PIDE. Os aumentos no número de grupos de pesquisa e de trabalhos publicados
demonstram esse desenvolvimento. No caso da doença de Chagas, por exemplo, de cerca de 20 pesquisadores que
29
trabalhavam nesse campo em 1970 passou-se a mais de 400 nos anos 80 e 90 . Essas investigações têm tido um
grande impacto na pesquisa básica com avanços no desenvolvimento de técnicas da engenharia genética, de produção
de anticorpos monoclonais, e cultivo de tecidos. Atribui-se o sucesso nesse campo à forma como foi concebido o PIDE,
caracterizada pelo respeito à dinâmica própria da pesquisa
______________________________
29
CAMARGO, E. & BARCINSKI, M. (1994) Ciências básicas pertinentes à Saúde: diagnóstico e pespectivas de desenvolvimento. Texto de
apoio ao seminário Encontros Setoriais: Contribuições de Ciência e Tecnologia para a Area Social. Academia Brasileira de Ciências, Rio de
Janeiro.
(27)
básica. Nota-se, por outro lado, uma carência de estudos epidemiológicos e sociais sobre essas doenças. A defasagem
entre o desenvolvimento dos estudos epidemiológicos e sociais e da pesquisa básica reflete a prioridade que as agências
de fomento têm dado às áreas de pesquisa e os critérios de julgamento utilizados. Além disso reflete a falta de uma
coordenação no estabelecimento de áreas estratégicas para a geração do conhecimento que impacte diretamente sobre
a saúde da população.
73. Essas características são muito semelhantes ao observado para o Programa Integrado de Genética, também a cargo do
CNPq, que destinava recursos a 10 setores estratégicos assim definidos pelos próprios pesquisadores (estrutura e ação
gênicas, variabilidade cromossômica, genética médica, epidemiologia genética, melhoramento de plantas, evolução de
insetos, genética quantitativa de animais domesticados, genética de microorganismos, significado evolutivo dos
polimorfismos, e engenharia genética). Ao longo do período de 5 anos (1978-82), o número anual de artigos publicados
passou de 54 para mais de 200. Da mesma forma, houve um substancial aumento no número de grupos de pesquisa que
passou de 75 para 132. No PRONAB (Programa Nacional de Biotecnologia), formulado no III PBDCT, apenas o
subprograma de Engenharia Genética foi contemplado. A descontinuidade na dotação de recursos tem sido uma
constante em Ciência e Tecnologia, levando não só ao êxodo de pesquisadores e interrupção dos trabalhos já em
andamento, como ao desperdício dos recursos alocados.
74. A área de saúde coletiva foi fortemente influenciada pela atuação da FINEP que destinou recursos do FNDCT para o
desenvolvimento de pesquisas nesse campo desde 1975. Em 1986, implementou-se o Programa de Saúde Coletiva, que
além do financiamento a pesquisas também se caracterizou pela articulação entre estruturas acadêmicas e de produção
de serviços. O Programa era coordenado por um comitê com representação dos pesquisadores (ABRASCO), da SCT/MS,
da OPS, do INAMPS, e do CNPq dirigindo-se a três áreas de atuação: condições de vida e saúde, políticas de saúde, e
organização e tecnologia de serviços. Os projetos foram desenvolvidos principalmente em universidades e institutos de
pesquisa, com pouca participação de empresas públicas e das Secretarias de Saúde. As investigações têm um caráter
bastante aplicado, caracterizando-se pelo aspecto multidisciplinar. Além dos impactos acadêmicos, as pesquisas nesse
campo tiveram reflexos importantes na reorganização institucional do sistema de atenção à saúde, no sentido de sua
democratização e descentralização. Uma outra contribuição deste programa foi iniciar a discussão sobre a incorporação
de tecnologia aos serviços de saúde e organizar as ações de fomento no campo do desenvolvimento tecnológico de
equipamentos médicos e produção de substâncias biológicas.
75. Ainda no que se refere ao SNDCT, outras áreas de atuação mostraram um desenvolvimento científico significativo a partir
da própria demanda dos pesquisadores, destacando-se o desenvolvimento de investigações biomédicas em temas
relacionados com mecanismos de ação de drogas, processos fisiológicos básicos, e doenças crônicas e degenerativas.
77. Algumas áreas prioritárias de C&T em Saúde, em campos definidos da
pesquisa estratégica, do desenvolvimento tecnológico, da produção e até
mesmo da política industrial, têm sido financiadas diretamente pelo
Ministério da Saúde. Um dos melhores exemplos é o do Programa de
Auto-Suficiência Nacional em Imunobiológicos, que financia não só
instituições do próprio Ministério (ex: FIOCRUZ) como de outras instâncias
governamentais (ex: Instituto Butantan). Poderiam ainda ser citados: i) o
financiamento da CEME ao sistema de laboratórios federais e estaduais
produtores de medicamentos; ii) a condução pela FIOCRUZ de programas
ou projetos de pesquisa estratégica em saúde, como o isolamento, a
tipagem e a classificação de cepas virais causadoras de epidemias de dengue e AIDS, bem como a avaliação da
vacinação contra o meningococo B no Rio de Janeiro; iii) a realização ou contratação de pesquisas epidemiológicas e/ou
operacionais visando uma melhoria da luta antivetorial e o financiamento de programas de formação de recursos
humanos em áreas específicas da saúde pública pela Fundação Nacional de Saúde; iv) o financiamento pelo INAN de
estudos e pesquisas em nutrição.
78. Na área de informação técnico-científica, o estabelecimento da BIREME, através de um convênio entre a Organização
Pan-Americana da Saúde e o Governo Brasileiro, representado pelos Ministérios da Educação e da Saúde, a Secretaria
de Saúde do Estado de São Paulo e a Escola Paulista de Medicina, representa um exemplo bem sucedido de cooperação
inter-institucional, tanto no que se refere a fontes de financiamento quanto na operação do sistema nacional de
informação técnico-científica em saúde, que engloba em uma rede descentralizada a grande maioria das bibliotecas e
centros de documentação em ciências da saúde.
79. Estas ações se diferenciam bastante daquelas financiadas na órbita do MCT via CNPq ou FINEP, tanto no que se refere à
lógica subjacente de solicitação (prevalência da demanda espontânea/”balcão”
(28)
versus apoio institucional dirigido) quanto pelos modos de operação (apoio individual versus institucional) e avaliação
(prestação de contas individuais e/ou avaliação por pares versus relatórios institucionais de produção).
80. O Ministério da Saúde exerce este papel de financiador direto de algumas ações de C&T em Saúde por diversas razões,
como por exemplo:
o necessidade de reduzir os tempos de resposta a problemas sanitários concretos (ex: a caracterização de uma nova
cepa de vírus responsável por uma epidemia de dengue não pode esperar a apresentação espontânea e o julgamento
de projeto acadêmico de pesquisa);
o inexistência de recursos estáveis, ou de mecanismos apropriados, fora da órbita do MS (o atual esvaziamento
financeiro das agências de financiamento do MCT impediria a realização de estudos indispensáveis a campanhas de
saúde pública, como foi o caso recente da cólera);
o necessidade de articulação estreita, sob comando único, de sistemas de produção de imunobiológicos (ex: produção e
distribuição das vacinas necessárias aos Dias Nacionais de Multivacinação);
o necessidade de formação de recursos humanos específicos para a saúde (ex: financiamento pela FNS de cursos e/ou
Escolas de Saúde Pública);
o existência de competência específica e ímpar em instituições do próprio Ministério, que lhes repassa recursos próprios
(ex: FIOCRUZ, FNS).
82. Por força do seu mandato, o MS continuará a exercer ações fundamentais
de regulação e controle de incorporação, avaliação, produção e utilização
de conhecimentos, tecnologias e bens ou serviços, tais como aquelas
desenvolvidas pela Rede Nacional de Controle de Qualidade. No que diz
respeito ao financiamento e desenvolvimento de pesquisas, o MS
continuará a exercer ações diretas de C&T como as exemplificadas no
parágrafo anterior. No entanto, o modo de operação do MS em C&T
padece de sérios problemas, como por exemplo:
∗
baixa capacidade de interação com os diversos sistemas de C&T:
estaduais (Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa), nacionais (CNPq, CAPES, FINEP, FBB) e internacionais
(TDR, INSERM, NIH, etc);
∗
pouca transparência orçamentária, uma vez que se superpõem recursos operacionais próprios com recursos de
projetos endógenos de C&T;
∗
pouca utilização da capacidade de pesquisa existente nas Universidades e institutos não pertencentes ao MS, que
poderiam ser mais estimulados a atuar em áreas de interesse do Ministério;
∗
pouca influência nos projetos nacionais de pesquisa, por inexistirem instrumentos eficazes no MS para indução ou
fomento de programas relevantes ou prioritários para a saúde;
∗
instabilidade das ações de C&T, sempre vulneráveis a mudanças políticas e trocas de comando no MS - é
amplamente reconhecido o fato de que a “vida média” dos responsáveis pela área de C&T no MS é ainda menor que
a dos Ministros, já calamitosamente pequena;
∗
estrutura insuficiente para lidar com os diferentes aspectos dos processos de invenção (Ciência), inovação
(Tecnologia) e de produção de bens e serviços (Política Industrial).
83. Apesar das deficiências apontadas, de um modo geral a situação brasileira pode até ser considerada boa, se comparada
com a de outros países em desenvolvimento: existe uma multiplicidade de agências e instituições de tradição, existem
vários mecanismos de financiamento e há uma razoável massa crítica de profissionais.
VI.
Políticas e Prioridades
84. Uma Política Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde (PNC&T/S) implicará, forçosamente, em uma interação estreita
entre o Sistema de C&T e o Sistema Único de Saúde. Esta Política deve ser encarada na realidade como um dos
componentes de uma Política Nacional de Saúde. Em outras
(29)
palavras, a lógica fundamental tem que estar marcada, fortemente, por um claro compromisso ético e social de melhoria,
a curto, médio e longo prazos, das condições de saúde da população brasileira.
86. Há então que se migrar da visão clássica do “science-push” - o estímulo à
ciência pela ciência como suficiente para a deflagração das etapas
ulteriores de desenvolvimento - para uma abordagem mais complexa e
induzida, em que os papéis de um “social pull” e de um “market-pull”
estejam também prioritariamente considerados e sejam elementos
fundamentais no balizamento da nova Política que se quer construir.
87. É importante frisar que continua sendo necessária a preservação da lógica própria da ciência e da pesquisa de caráter
mais básico como elementos fundamentais em qualquer política de C&T. Na realidade, estes setores têm sido atingidos
duramente pela crise de financiamento em que vive atualmente o sistema de C&T no país e devem ser recompostos. O
que se deve buscar é a complementariedade de atores e sistemas em um novo contexto. Uma PNC&T/S é
necessariamente mais complexa do que uma política de ciência, e deve considerar todos os processos relevantes:
pesquisa básica, pesquisa estratégica, pesquisa dirigida, pesquisa aplicada, pesquisa operacional, divulgação dos
resultados, desenvolvimento tecnológico, produção em escalas laboratorial, piloto e industrial, controle de qualidade e
comercialização. Isto deve se aplicar a todas tecnologias em saúde, tais como, entre outras: produtos para saúde,
procedimentos de saúde, infra-estrutura para saúde, organização, direção e gestão em saúde, meio ambiente e
informação em saúde.
A.
Matriz institucional e papéis dos órgãos: Situação atual
88. Atualmente existe pouca interação entre os Sistemas de Saúde e de C&T. Na maioria dos casos, estes dois sistemas são
independentes e as eventuais interações têm um caráter esporádico, resultam em geral de iniciativas circunscritas, de
pouca duração e impacto, e não diretamente relacionadas com a saúde.
89. Enquanto o sistema de C&T atua preferencialmente segundo o mecanismo de “science push”, ou seja, segundo as
prioridades do avanço do conhecimento científico e tecnológico, o Ministério da Saúde se orienta em geral pelo “social
pull”, de acordo com as prioridades sanitárias e as políticas sociais de cada governo. Um terceiro mecanismo de estímulo
à C&T em saúde, representado pelas forças de mercado (o “market pull”), que deveria ser um ator igualmente importante,
só atua em alguns setores localizados e não tem tido a importância de que desfruta em outros países.
90. O quadro a seguir procura resumir este panorama atual de atuação das instituições executoras e agências e órgãos
financiadores:
(30)
92. Uma das razões para esta situação se deve à quase inexistência de
vínculos reais entre os problemas de saúde e a pesquisa/produção,
configurando um quadro freqüente nos países em desenvolvimento: um
30
setor de P&D relativamente forte , um setor industrial não desprezível - e
as necessidades de saúde não atendidas.
93. As interfaces mais necessárias para uma verdadeira política de C&T em
saúde são as atividades que vão da pesquisa estratégica ao desenvolvimento tecnológico, pontes vitais entre os setores
extremos do “ciclo C&T”: a pesquisa básica de um lado, e a produção industrial & comercialização do outro.
94. Este verdadeiro “buraco negro” na passagem pesquisa -> produção (no caso da saúde, também na passagem pesquisa
-> atividades de controle de endemias) é fruto da inexistência de uma política industrial orgânica e prioritária e da
incipiente cultura empresarial na área de P&D.
B.
Em busca de um sistema orgânico de C&T em Saúde
95. A Política Nacional de C&T em Saúde deverá portanto se ocupar de todos os tipos de atividades inerentes ao sistema, ou
seja, deverá abranger os ciclos de INVENÇÃO (ciência), INOVAÇÃO (tecnologia) e POLÍTICA INDUSTRIAL (produção de bens
31
e/ou serviços) ao trabalhar com o que poderíamos denominar “OS GRANDES TEMAS DE C&T EM SAÚDE” :
1. políticas e sistemas de atenção à saúde;
2. quadro sanitário e/ou estudos epidemiológicos;
3. tecnologias e insumos básicos em saúde;
4. ciências de apoio;
5. políticas de recursos humanos e de fortalecimento institucional.
97. Deverá considerar todos os atores envolvidos, seja pelo lado da execução
das atividades (Sistema Único de Saúde - SUS -, Universidades, Institutos
de Pesquisa, empresas, etc), seja pelo lado do seu financiamento
(agências do MCT, organismos privados como o SEBRAE, poder regulador
e de compra do Estado, etc).
98. Na sua área de atuação, o Ministério da Saúde preenche parcialmente a
lacuna existente entre pesquisa e produção, quer por dispor de instituições
próprias que de destacam nas áreas de pesquisa estratégica, aplicada e
operacional em saúde, como a FIOCRUZ e a FNS, quer financiando
programas e projetos específicos em outras instituições, como no caso do
Programa de Auto-Suficiência Nacional em Imunobiológicos e no
financiamento CEME aos laboratórios oficiais produtores de medicamentos.
99. Apesar de com esta estratégia ter o MS conseguido resultados positivos importantes, este modo de operação está longe
de se constituir em um verdadeiro sistema orgânico de C&T em Saúde. Nosso país deixa de utilizar o enorme potencial
existente no universo acadêmico - que poderia ser mobilizado para trabalhar em metas de interesse da saúde através de
programas inteligentes de fomento induzido - e também fica distante da potencialidade do setor industrial público e
privado - já que não dispõe dos mecanismos adequados de política industrial.
100. Reverter esta situação, criando mecanismos de aproximação entre todos os atores e universos próprios de um sistema de
C&T em saúde - este o desafio que cumpre vencer.
C.
O estabelecimento de prioridades em C&T para a Saúde
101. Uma política de ciência e tecnologia em saúde implica em discussão e fixação de prioridades em consonância com a
Política Nacional de Saúde e deve estar, necessariamente, subordinada às grandes questões nacionais. Prioridades são
definidas política e tecnicamente e necessitam de recursos para sua viabilização. É importante então discutir em que nível
as prioridades de C&T em Saúde devem ser definidas e como assegurar o financiamento para sua execução.
______________________________
30
31
O World Science Report 1993 da UNESCO mostra bem como o Brasil, apesar das dificuldades, ainda foi na América Latina o país que mais
preservou os investimentos em C&T na última década.
Agradecemos a Reynaldo Guimarães a sugestão de classificação por Grandes Temas
(31)
103. Concomitantemente à fixação de prioridades em C&T para a saúde,
deve-se promover um sistema de avaliação econômica da incorporação de
tecnologia pelo sistema de saúde pública. As decisões de apropriação dos
avanços
tecnológicos
manifestados
em
novos
procedimentos,
equipamentos e medicamentos pelo SUS pautar-se-iam em critérios
técnicos fornecidos por cálculos de custo-efetividade e custo-oportunidade,
acompanhando a eficácia e eficiência econômica das novas tecnologias. A
dinâmica da incorporação de tecnologia sem critérios técnicos leva à
explosão de custos do sistema, o que justifica o acompanhamento
econômico que propiciaria um feed-back para a política de C&T e para o
planejamento central do Ministério da Saúde.
104. As prioridades da política de C&T/Saúde estão indissoluvelmente ligadas ao tipo de projeto de desenvolvimento do país.
Sem a criação de uma nova e promissora perspectiva para o futuro do Brasil, sem um projeto de desenvolvimento
nacional, a discussão sobre fixação de prioridades continuará a se arrastar em níveis de importância secundária e não se
conseguirão as condições para o estabelecimento de uma verdadeira Política de C&T/Saúde, capaz de contribuir
decisivamente para a superação dos atuais e graves problemas sanitários do país.
105. É da maior importância que a Política de C&T em Saúde seja estabelecida como uma Política de Estado, e não apenas
como uma tarefa secundária a cargo dos Ministérios da Saúde e da C&T. Para a saúde vir a se constituir numa real
prioridade nacional, e para o papel da C&T ser reconhecido como fundamental para a melhoria das condições sanitárias
do país, haverá a necessidade de participação das mais altas esferas no nível político e técnico do governo. Assim como
para se implantar uma política nacional de informática na década passada se criaram legislações e mecanismos
apropriados - como o Planin -, também para o desenvolvimento científico e tecnológico voltado para a saúde há a
necessidade de se constituírem instâncias apropriadas de planejamento, discussão, decisão, implementação e avaliação
de ações.
106. Configura-se claramente a necessidade de um Sistema Inteligente Coordenador da Política Nacional de C&T em
Saúde, que reúna todos os atores envolvidos:
1. o Sistema Único de Saúde, ator cuja presença deve ser fundamental no Sistema Coordenador, tanto na produção,
consumo e regulação quanto no financiamento;
2. os atores relacionados com a “academia”: universidades, institutos de pesquisa, agências e organismos de
financiamento estaduais, nacionais, estrangeiros e internacionais;
3. as agências governamentais relacionadas com os compromissos sociais da política de C&T/Saúde, o que significa
avaliação tecnológica, regulação, mecanismos de controle, utilização do
poder de compra do governo e do mercado interno;
4. o setor privado em geral e agências governamentais relacionadas com
o desenvolvimento, a produção, o controle de qualidade e a
comercialização de bens, produtos e serviços;
5. os representantes de comunidades, da sociedade civil e de
organizações governamentais e não-governamentais que possam atuar
como representantes legítimos dos demandantes das ações de saúde.
108. Uma análise dos atores que deveriam participar da política de C&T em saúde no Brasil mostra que, embora nosso país já
disponha de alguns organismos apropriados nos diferentes segmentos acima, existem lacunas sérias que só poderão ser
superadas se houver uma firme e clara vontade política que articule Governo e sociedade.
D.
A revolução científica e tecnológica e a redefinição de prioridades
110. O processo de fixação de prioridades em C&T/Saúde, além de levar em conta o quadro sanitário de uma determinada
região, deve necessariamente incluir uma etapa de avaliação técnico-científica sobre a factibilidade e viabilidade dos
objetivos e metas propostos. Assim, por exemplo, um programa de combate à malária deve incluir estudos
epidemiológicos, monitoria de aparecimento de resistência a drogas, comportamento dos insetos vetores incluindo sua
eventual resistência a inseticidas, análise de custos dos programas de controle, etc.
(32)
112. É importante frisar o caráter altamente dinâmico que devem ter as
avaliações técnicas no processo de fixação de prioridades. Objetivos e
metas impossíveis de serem atacados numa determinada época ou região
podem se tornar viáveis em outro momento, como nos mostra
freqüentemente a história da Medicina. Para dar um exemplo recente,
algumas doenças moleculares, além de serem atualmente muito mais
facilmente diagnosticáveis por processos derivados da moderna
biotecnologia, começam a ser objeto dos primeiros tratamentos baseados
em terapia gênica. Com o progredir da revolução contemporânea na
biologia e na Medicina, em particular com o avanço do projeto de
32
seqüenciamento do genoma humano , grandes avanços deverão
33
acontecer em áreas antes inacessíveis à investigação, como por exemplo na obtenção de novas vacinas , novos
métodos diagnósticos, etc.
113. No âmbito da saúde coletiva as mudanças nos processos de
planejamento e gestão, voltados para a democratização, aumento da
eficácia-eficiência e melhoria da qualidade, os conhecimentos acerca de
formas de articulação e organização dos interesses e da representação
social da condição saúde e sobre a oferta de serviços e modalidades de
atendimentos do sistema, são exemplos de avanços científicos que
condicionam e redefinem as prioridades.
114. Por outro lado, em contrapartida a estes avanços coloca-se então o tema
da complexidade dos desafios éticos quanto à avaliação dos seus riscos e
benefícios. Tendo em vista a velocidade com que avançam os
conhecimentos científicos e tecnológicos em áreas das ciências
biomédicas tão relevantes para a saúde, torna-se imperiosa a existência
de mecanismos de reavaliação periódica das prioridades de C&T em saúde, bem como da legislação pertinente. A
implementação de legislação em Biossegurança, recém-estabelecida na Comunidade Européia e em atual discussão no
Brasil, é um bom exemplo da necessidade de readequação dos mecanismos regulatórios e de controle em face dos
novos processos tecnológicos.
115. É interessante notar também que não somente os avanços nas ciências biológicas e médicas podem influenciar as
prioridades nas áreas da saúde. A revolução que vivemos nas áreas da informação (incluindo informática e
34
telecomunicações) estão influindo poderosamente na maneira de se fazer C&T . Hoje em dia pesquisadores e
tecnologistas em todo o mundo, inclusive os que trabalham nos países em desenvolvimento mais avançados como no
caso do Brasil, podem ter acesso a sistemas de informação radicalmente novos, impensáveis há poucos anos atrás,
35,36
disponíveis em redes internacionais como a Internet
. Isto torna possível uma participação maior das comunidades de
C&T dos países em desenvolvimento no esforço científico global. É importante ressaltar, contudo, que vive-se hoje uma
inequidade do acesso à informação com total plenitude, havendo ainda regiões e/ou países sem acesso a estes recursos.
116. Embora alguns países em desenvolvimento possam acessar as informações relativas aos avanços científicos e
tecnológicos através das redes internacionais de comunicação, a sociedade como um todo carece de processos que
tornem a informação sobre o tema mais acessível, dinâmica e constante. A percepção pública em países desenvolvidos
sobre impactos e avanços tecnológicos é sensivelmente superior àquelas dos países em desenvolvimento. Isto se deve,
em grande parte, ao grau, forma e direcionamento do investimento em mecanismos de veiculação da informação
científica. A percepção pública dos processos biotecnológicos na Europa, por exemplo, tem sido considerada como o
grande
______________________________
32
33
34
35
36
Para maiores informações, consultar o boletim “Human Genome News”, publicado pelo National Center for Human Genome Research sob
o patrocínio do National Institutes of Health e do U.S. Department of Energy.
Para maiores informações, consultar o número especial “Vacinas: Fronteiras da Medicina” da revista Science de 02 de setembro de 1994
(vol. 265, número 5177).
Ver por exemplo FRANKLIN, J. (1993)Bioinformatics changing the face of information. In: Biotechnology R&D Trends - Science Policy for
Development. Annals NY Acad. Sci., volume 700, pp. 145-152.
Consultar o número especial sobre “Computadores 94 - Redes e Modelagem” de 12 de agosto de 1994 da revista Science (volume 265,
#5174), em particular o artigo de SCHATZ & HARDIN: “NCSA Mosaic and the World Wide Web: global hypermedia protocols for the
Internet” páginas 895-901
No caso do Brasil, consultar por exemplo: “Uso da Internet. Serviços Básicos”. Rede Nacional de Pesquisa (RNP), 1993.
(33)
desafio na área de C&T e tratada como prioritária de investimentos tanto de organismos governamentais quanto não
37
governamentais .
117. A abrangência da produção científica e tecnológica em saúde evidencia a sobreposição de dimensões diversas que
orientam a formulação de políticas e a conseqüente definição de prioridades tais como a dimensão científica, a
38
econômica, a burocrática, a corporativa e a epidemiológica . Embora a racionalidade epidemiológica seja a fundamental
para a definição de prioridades sanitárias, ela deve ser cotejada com as demais dimensões mencionadas, na busca de
um mapeamento nacional da demanda sanitária e da correspondente oferta científica e tecnológica.
VII. Diretrizes
118. A necessidade de aumentar a capacidade de seletividade do Estado, criando assim um Estado inteligente, implica na
adoção da diretriz de substituição do modelo extensivo por uma política intensiva, voltada para áreas e temáticas
consideradas estratégicas, que venha a ser desenvolvidas em profundidade.
119. A seletividade do Estado dependerá de sua capacidade de hierarquizar e estabelecer prioridades, referidas a objetivos
vinculados ao projeto de desenvolvimento. Além de reconhecer a realidade atual de escassez de recursos e a
necessidade de superar a gestão de C&T caracterizada como política de balcão - em função meramente da demanda passando para uma indução planejada através do investimento direcionado para prioridades, é preciso que se avance na
definição clara dos mecanismos que viabilizariam a compatibilização entre definição de prioridades e liberdade de criação.
Em outras palavras, conciliar a dinâmica própria da Ciência com a adoção de políticas temáticas para a área da Saúde.
120. A necessária compatibilização entre prioridades e liberdade deve refletir-se em diferentes mecanismos institucionais,
voltados para objetivos distintos. Assim, ao lado de programas e projetos setoriais considerados estratégicos, realizados
através de parcerias técnicas e financeiras claramente definidas, devem existir mecanismos que contemplem, com
financiamento próprio, as demandas oriundas da dinâmica própria da criação e produção científicas.
121. A adoção de diretrizes que viabilizam o aumento da seletividade do Estado tem como contrapartida o estabelecimento de
um processo permanente e rotineiro de avaliação dos recursos alocados, bem como de um sistema de acompanhamento
e avaliação de processo e de resultados em função de objetivos e metas.
122. A indução, através de diferentes modalidades de apoio, à melhoria do desempenho deve favorecer a avaliação e a
articulação dos grupos nacionais com a rede de instituições e cientistas internacionais. Os critérios de avaliação de
desempenho devem ser diferenciados quando se aplicarem à ciência básica, ciência aplicada e desenvolvimento de
tecnologias.
123. A promoção das condições para o fortalecimento e ampliação do acesso à informação técnico-científica nacional e
internacional é condição essencial para o desenvolvimento da ciência e tecnologia em saúde.
124. O modelo de política de C&T implantado com sucesso nos anos 70 caracterizou-se pelo elevado nível de centralização
das decisões sobre prioridades e alocação de recursos. A crise das principais instituições nacionais na década seguinte
deu lugar à emergência de instituições estaduais atuando segundo o modelo inaugurado pela FAPESP em 1962. Estas
instituições inauguraram uma forma descentralizada de gestão da política de C&T, caracterizada por uma maior
integração com a comunidade científica, uma maior transparência nos critérios de alocação dos recursos e uma maior
estabilidade financeira e institucional.
125. A questão principal, neste caso, foi o aprofundamento das disparidades regionais no desenvolvimento de C&T. A
necessidade de alteração do modelo descentralizado não pode desconhecer que a experiência da FAPESP não é
necessariamente aplicável a todos os demais Estados. Seria necessário
______________________________
37
38
Para maiores informações consultar BORRILLO, D. (1994) Analisis de Ia regulacion comunitaria y española sobre Ia utilización, liberación
intencional y comercialización de organismos. Documento de Trabajo 90-04. Consejo Superior de Investigaciones Cientificas. España
POSSAS, C. (1994) Prioridades sanitárias, ciência e tecnologia. Texto de apoio #2 à I Conferência Nacional de C&T em Saúde.
(34)
aprofundar o debate sobre os aspectos positivos e negativos da descentralização, a fim de que se possa pensar em um
mecanismo de pesos e contrapesos entre os extremos. O ideal seria que as Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa,
na área da saúde, obedecessem a critérios regionais, atuando em complementação às prioridades da política nacional.
126. A definição de prioridades não deve resultar em apreciações técnico-burocráticas, mas sim em mecanismos colegiados e
transparentes, que garantam que os diferentes atores - comunidade científica, burocracia, empresários, usuários, etc tenham voz neste processo decisório.
39
127. Como produto de seminário promovido pela Academia Brasileira de Ciências , que contou com a participação dos
40
diferentes atores envolvidos na formulação e execução da Política de C&T em Saúde, foram formuladas macrodiretrizes
para cada um dos diversos campos analisados:
(1) Ciências Básicas ou Fundamentais
128. A pesquisa básica na área de Saúde deve respeitar a dinâmica própria da Ciência, conciliando-se com a adoção
de políticas temáticas para essa área.
(2) C&T Aplicadas a Objetivos Econômicos
129. Reorganização empresarial visando reestruturar segmentos do parque industrial de produtos (insumos,
equipamentos e serviços) para saúde de forma a aumentar a capacidade de inovação.
130. Criar mecanismos que assegurem a qualidade dos produtos (insumos e equipamentos) e serviços de saúde no
país.
131. Criar condições empresariais para o desenvolvimento da indústria de química farmacêutica no Brasil.
132. Criar condições empresariais para o desenvolvimento da Biotecnologia moderna para a saúde.
(3) C&T Aplicadas a Objetivos Estratégicos
133. Criar uma infra-estrutura técnico-científica capacitada a identificar
a área considerada estratégica para o aprimoramento das
condições de Saúde, por intermédio de ações de C&T.
134. Promover o processo de aprimoramento da intervenção estatal
na implementação de P&D em insumos considerados
estratégicos.
135. Fortalecer a atividade regulatória do Estado.
(4)
Conhecimento e Técnicas Aplicados ao Planejamento,
Organização e Gerenciamento de Sistemas e Serviços de Saúde
136. Desenvolvimento da ciência e tecnologia necessárias à superação de lacunas de conhecimento e tecnologia na
implantação e desenvolvimento do SUS.
(5)
Infra-Estrutura da C&T
138. Identificar as áreas relativas à infra-estrutura a serem apoiadas na otimização da C&T em Saúde e desenvolver
as ações necessárias ao seu pleno funcionamento.
VIII. Estratégias: Matriz Institucional Desejada e Novos Papéis dos Órgãos
A. A Coordenação Inteligente da PNC&T/S
139. Levando-se em consideração que a PNC&T/S deve ser um dos componentes da Política Nacional de Saúda propõe-se
que o Sistema Inteligente Coordenador, qualquer que venha a ser sua natureza,
______________________________
39
40
Academia Brasileira de Ciências: Encontros Setoriais: Contribuições de Ciência e Tecnologia para a Área Social em Saúde. Rio de Janeiro,
8-10 de junho de 1994.
Complementavam estas macrodiretrizes alguns projetos estratégicos aqui não relacionados.
(35)
esteja sob responsabilidade do Conselho Nacional de Saúde (CNS), colegiado máximo integrante da estrutura do
Ministério da Saúde, responsável pela Política Nacional de Saúde. O CNS será então, no Ministério da Saúde, a instância
final de deliberação em qualquer assunto da Política Nacional de C&T em
Saúde.
141. O Ministério da Saúde deverá se fazer representar nos fóruns colegiados
nos quais são tratados assuntos de seu interesse que transcendam sua
esfera de atuação, requerendo uma articulação interministerial, tais como
o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia atualmente em fase de
reorganização. Nestas instâncias, o Ministério da Saúde deverá atuar de
forma a:
o encaminhar propostas de programas induzidos em colaboração com o MCT, com recursos do MS e/ou de outros
setores, naquelas áreas definidas como prioritárias em que a dinâmica própria da ciência e/ou da tecnologia devam
ser preponderantes e onde os processos devam ser conduzidos por agências especializadas em C&T como o CNPq,
a FINEP e as FAPs;
o implementar, em colaboração com o Ministério da Educação e do Desporto,
um programa de formação de recursos humanos necessários a programas
específicos de interesse da Política Nacional de C&T em Saúde, utilizando
para isso a estrutura da CAPES e repassando recursos próprios do MS e/ou
de outros setores;
o articular com o Ministério da Fazenda e o Ministério da Indústria e Comércio a
introdução de mecanismos e instrumentos apropriados, nas políticas econômica e industrial, relevantes para a
Política Nacional de Saúde.
143. Nosso país já tem uma cultura e uma tradição em programas multiagências, como por exemplo o PADCT, que envolveu
agências e instâncias em vários ministérios. O Conselho Nacional de Saúde, devidamente assessorado pela sua
Comissão Intersetorial de C&T reformulada e ampliada (ver adiante), poderá exercer este papel fundamental.
B.
As Conferências Nacionais de C&T em Saúde
144. A coordenação inteligente da PNC&T/S deve atuar em consonância com um processo altamente participativo,
transparente, consistente e tecnicamente bem fundamentado. Propõe-se para esta finalidade a organização, a cada
quatro anos, de Conferências Nacionais de C&T em Saúde após as correspondentes Conferências Nacionais de
Saúde. Estas Conferências Nacionais teriam como responsabilidade principal a de propor as diretrizes e prioridades
básicas para o próximo quadriênio.
C.
Gestão e Execução da Política Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde
145. Embora a responsabilidade final pela Política Nacional de C&T em Saúde caiba por esta proposta ao Conselho Nacional
de Saúde, a natureza e a constituição deste órgão não o torna o mais
adequado e ágil para a condução do dia-a-dia desta Política.
146. O MS deverá contar com um colegiado desenhado para esta finalidade
específica. Propomos que a atual Comissão Intersetorial de C&T (CICT),
do Conselho Nacional de Saúde, seja redesenhada e transformada em um
colegiado que tenha como missão maior a gestão e o acompanhamento da
Política Nacional de C&T em Saúde. A CICT funcionaria nos moldes de um
Conselho Deliberativo, com a diferença que suas decisões teriam que ser
homologadas pelo CNS, instância máxima decisória da Política Nacional de
Saúde.
148. A composição da Comissão deve assegurar uma representatividade ampla e aberta, seguindo a orientação do parágrafo
#106, que descreve os atores relacionados com o Sistema Inteligente Coordenador. Propõe-se que a CICT deva operar
com um mínimo de 12 e um máximo de 18 membros com um mandato de 3 (três) anos, renováveis um terço a cada ano
(4 a 6 membros), para evitar descontinuidades;
(36)
149. A nova CICT seria presidida por um dos seus membros, eleito pelos pares,
e formaria o colegiado condutor da Política Nacional de C&T em Saúde. A
CICT atuaria de modo deliberativo e propositivo, exercendo o CNS o papel
de órgão homologador das resoluções desta Comissão.
151. Uma das atribuições mais importantes da CICT será a formulação dos
Planos Plurianuais de Objetivos e Metas em C&T em Saúde, em
consonância com as proposições das Conferências Nacionais de C&T em
Saúde, para aprovação pelo Conselho Nacional de Saúde.
152. Propõe-se que os Estados organizem Comissões Estaduais de C&T em
Saúde, nos moldes da CICT, subordinadas aos Conselhos Estaduais de
Saúde.
153. Por esta proposta a Política Nacional de C&T em Saúde será então coordenada sob a égide do Conselho Nacional de
Saúde. Esta política será formulada, gerenciada e acompanhada pela CICT, do Conselho Nacional de Saúde, usando
como subsídio propostas aprovadas nas Conferências Nacionais de C&T em Saúde. Passamos agora a discutir a
execução desta Política.
1. Comando executor da Política Nacional de C&T em Saúde
154. Os assuntos relacionados com a ciência e a tecnologia no Ministério da Saúde são atualmente tratados na órbita
da Coordenação Geral de Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Secretaria Executiva (CGDCT).
155. Propõe-se a criação de uma SECRETARIA NACIONAL DE C&T EM SAÚDE na estrutura do Ministério da Saúde, em
substituição à atual CGDCT. A existência de uma Secretaria Nacional específica para os assuntos de C&T,
dotada de um corpo de técnicos altamente qualificados e assessorada por consultores ad-hoc escolhidos entre
nomes de peso da comunidade de C&T em Saúde, será fundamental para a correta e ágil implementação da
Política Nacional de C&T em Saúde.
156. Propõe-se que o Secretário Nacional de C&T em Saúde, que
deve ter um perfil de gestor e acumular conhecimentos
técnicos da área, seja o Secretário Executivo da CICT.
158. Uma das atribuições importantes da Conferência é a de
buscar o consenso quanto ao Secretário Nacional de C&T
em Saúde. A I CONFERÊNCIA deve discutir: alternativas que
tomem este posto chave imune às flutuações políticas;
critérios para sua indicação, uma vez que deverá ter trânsito
livre não somente na área da saúde mas também em outros ministérios e organismos nacionais e
internacionais; suas funções como Secretário Executivo da CICT.
2. Agências executoras da Política Nacional de C&T em Saúde
159. Quando se considera especificamente o setor de C&T em Saúde fica patente que existe uma certa dose de
irracionalidade, desorganização e desperdício de recursos
humanos, materiais e financeiros. A presente proposta cria um
Sistema Inteligente Coordenador - localizado ao nível do
Conselho Nacional de Saúde no espaço federal e no nível dos
Conselhos Estaduais para os espaços dos Estados -, prevê
Conferências Nacionais periódicas e a criação de uma Secretaria
Nacional de C&T em Saúde e de estruturas semelhantes nos
níveis Estaduais. Com isto, procura racionalizar o processo ao
nível decisório e de planejamento.
161. Igualmente importante, entretanto, é a questão de se organizar o
“braço executor” do sistema. Dividimos este ponto em dois
grandes itens: as agências de financiamento em C&T localizadas
em Ministérios que não o da Saúde e os mecanismos e organismos do próprio Ministério da Saúde. São dois
sistemas indispensáveis e complementares, que necessitam ser melhor conhecidos, trabalhados, apoiados e
articulados, para se executar a Política Nacional de C&T em Saúde.
a)
Agências de outros Ministérios
(37)
162. Como colocado acima, várias das ações da Política Nacional de C&T em Saúde deverão ficar sob a
responsabilidade de agências já existentes no Ministério da Ciência e Tecnologia e no da Educação e do
Desporto, como o CNPq, a FINEP e a CAPES. Nestes casos a Secretaria Nacional de C&T em Saúde
estabeleceria convênios de cooperação técnica com as diferentes agências visando a implementação de
programas e projetos mutuamente acordados. O acompanhamento e a avaliação destes programas seriam
co-responsabilidade da Secretaria Nacional de C&T em Saúde e da CICT, na órbita do Ministério da Saúde, e
nas respectivas agências nos demais ministérios. Da
mesma forma deverão acontecer processos semelhantes
nos níveis estaduais.
164. Por este mecanismo poderiam ser implementados, por
exemplo:
• programas de investigação similares a alguns
previamente existentes e que se constituíram em claro
sucesso segundo avaliação unânime de especialistas e
da comunidade de C&T, como foi o caso do PIDE
(Programa Integrado de Doenças Endêmicas), do PIG
(Programa Integrado de Genética), do Programa de
Saúde Coletiva, etc;
• programas de articulação ciência-tecnologia industrial, tais como organização de parques industriais, etc,
áreas em que a FINEP tem reconhecida experiência.
b)
Organismos do próprio Ministério da Saúde
165. O Ministério da Saúde deve reformular profundamente o seu
“braço executor” da PNC&T em Saúde.
167. Em primeiro lugar, o Ministério deve reorganizar seu
orçamento para que os investimentos em C&T estejam
claramente discriminados e separados dos recursos orçamentários das outras instâncias e organismos no MS.
Os recursos definidos como de C&T em Saúde ficarão então sob a responsabilidade da Secretaria Nacional de
C&T em Saúde, mediante aprovação da CICT.
168. O desenho de uma nova política de aplicação de recursos do
MS, em instituições não pertencentes ao Ministério, é um dos
pontos fundamentais da proposta de PNC&T/S objeto deste
documento e será a seguir examinada em mais detalhes.
c)
Financiamento pelo MS de programas e projetos prioritários em
instituições não-pertencentes ao Ministério
170. Da mesma forma que se utiliza o “poder de compra” como
instrumento poderoso de política industrial, não se pode menosprezar o “poder de indução” como instrumento
de fomento numa verdadeira Política de C&T em Saúde.
171. O MS deve procurar utilizar o imenso manancial de recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis em
instituições afins que estariam dispostas a participar em programas prioritários para a saúde. O Brasil, ao
contrário da maioria dos países em desenvolvimento, possui um universo acadêmico e um universo
industrial de portes, competências e capacidades apreciáveis e subutilizadas. Além disso, o sucateamento de
setores de ponta em C&T é visivelmente flagrante devido à exigüidade de recursos alocados atualmente ao
sistema de C&T, e uma política de fomento pelo MS que incluísse alguns destes setores, além de ser
mutuamente benéfica, teria chances ainda maiores de ser bem sucedida.
172. O Ministério da Saúde deve, portanto, financiar programas e projetos definidos em instituições que não lhe
pertence, mas precisa adotar uma política que seja orgânica, racional, contínua e de longo prazo.
173. Em áreas como a de pesquisa básica (e pesquisa básica induzida), formação de recursos humanos e produção
industrial, onde existem agências de financiamento especializadas, como o CNPq, a CAPES, a FINEP e as
FAPs, o Ministério deve procurar operar articuladamente com estas agências, já que reúnem a competência e
experiência necessárias.
(38)
175. A Secretaria Nacional de C&T em Saúde atuaria com estas
agências através de duas modalidades:
• estabelecendo convênio ou protocolo de colaboração com uma
agência determinada (ex: CAPES para formação de recursos
humanos em áreas definidas), repassando os recursos
necessários acordados e acompanhando a implementação do
programa pela agência conveniada;
• estabelecendo programas multiagências tipo PADCT (onde
participam CNPq, FINEP, CAPES e STI), participando a
Secretaria Nacional e a CICT ativamente em todas as etapas do programa.
176. Existem, contudo, áreas em que simplesmente inexistem agências
especializadas, ou organismos com experiência igual àquela
encontrada no próprio Ministério da Saúde, tais como a Fundação
Nacional de Saúde (incluindo seu Instituto Evandro Chagas em
Belém), a Fundação Oswaldo Cruz (incluindo os seus Centros
Regionais em Belo Horizonte, Recife e Salvador): são aquelas
áreas tradicionalmente carentes no Brasil, as “internas” do ciclo de
C&T, que se situam entre os extremos da pesquisa básica e da
41
produção comercial: as áreas da pesquisa estratégica , da
42
pesquisa aplicada, da pesquisa operacional e do desenvolvimento tecnológico e produção em saúde .
178. Por que estas áreas se desenvolveram tanto no âmbito do próprio Ministério e em instituições especializadas?
Aparentemente por serem prioritárias demais para serem deixadas unicamente à mercê do
“science-push”. De fato, estudos históricos mostram que foram sucessivas e graves crises sanitárias que
obrigaram os Governos do Brasil e os de alguns Estados da Federação a criarem algumas de suas mais bem
43
sucedidas instituições de pesquisa estratégica e operacional em saúde , numa das mais interessantes
demonstrações da força que pode vir a ter, em momentos de crise, o “social-pull”.
179. Estas instituições do Ministério da Saúde foram, ao longo de sua história, se especializando e se destacando
em áreas relevantes, passando a assumir um papel fundamental não só na execução de atividades finalísticas
diversas (pesquisa, produção), mas também no assessoramento técnico e financiamento de programas e
projetos prioritários. De fato, algumas destas instituições do MS na realidade já operam em C&T como se
fossem agências de financiamento especializadas, injetando recursos vultosos em programas ou projetos
relevantes para suas áreas de atuação:
• como agências de financiamento externo, como a FNS e a CEME na área de produção de imunobiológicos e
44
fármacos ;
______________________________
41
42
43
Para uma análise mais aprofundada da “pesquisa estratégica”, ver o artigo de D. G. COLLEY (1994) “Targeted research”: an oxymoron that
needs; to be discussed. Am. J. Trop. M. 50(1):1-12
Para uma análise recente da pesquisa em saúde no Brasil consultar GUIMARÃES & SAYD (1994) A pesquisa em saúde na década de 80.
In: Guimarães & Tavares, orgs., Saúde e Sociedade no Brasil - Anos 80. ABRASCO/IMS-UERJ, pp. 253-280.
Ver por exemplo:
FONSECA F°, O. (1973) A Escola de Manguinhos. Contribuição para o estudo do desenvolvimento da medicina experimental no Brasil.
Brasiliensia Documenta, Vol. VI: Oswaldo Cruz Monumenta Histórica, tomo II.
STEPAN, N. (1976) Gênese e evolução da Ciência Brasileira (Beginnings of Brazilian Science). Artenova, 188 pp.
BENCHIMOL, J.L. (Coord.) (1990) Manguinhos do sonho à vida. A Ciência na Belle Époque. Casa de Oswaldo Cruz FIOCRUZ. Rio de
Janeiro, 248 pp.
BENCHIMOL, J.L. & TEIXEIRA, L.A. (1993) Cobras, Lagartos & Outros Bichos. Uma história comparada dos institutos Oswaldo Cruz e
Butantan. Editora UFRJ, 225 pp.
44
A FNS financia o Programa de Auto-Suficiência Nacional em Imunobiológicos (via convênios de cooperação técnica) e também projetos na
área de epidemiologia (via CENEPI/FNS). A CEME financia a Rede de Laboratórios Oficiais para a produção de fármacos para a
população de baixa renda do país.
(39)
45
• como agências de financiamento interno, como a FIOCRUZ na área da pesquisa estratégica em saúde .
180. Não há, no entanto, uma organicidade nesta atuação de financiamento de atividades de C&T por parte do
46
Ministério da Saúde. Por isto estas ações, embora tenham resultado em alguns sucessos incontestáveis ,
apresentam também diversas falhas, entre as quais:
• descontinuidade de programas devido a
flutuações políticas e trocas de comando
47;
freqüentes ao nível do Ministério da Saúde
• descontinuidade de programas devido aos
fluxos irregulares dos recursos de C&T, que não
são
destacados
especificamente
nos
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orçamentos do MS ;
• inexistência de mecanismos claros
de
priorização e avaliação de projetos, de
distribuição de recursos e de calendários e
agendas amplamente divulgados;
• não aproveitamento de toda a capacidade técnico-científica existente no país para a avaliação, execução e
supervisão dos projetos;
• inexistência de veículos permanentes de
informação sobre as atividades de C&T do MS,
que possam atuar na divulgação de editais,
resultados
de
julgamentos,
prazos
de
apresentação de propostas, etc.
183. O balanço final, no entanto, é favorável e o nosso
país é reconhecido e citado em foros internacionais
na área da saúde como dispondo de uma
capacidade técnico-científica ímpar para um país
em desenvolvimento.
184. A nova forma de organização proposta para a área de C&T em Saúde no Ministério - que envolve o CNS, a
Secretaria Nacional e a CICT, bem como recursos específicos garantidos orçamentariamente - deverá prover a
organicidade que faltava para o MS atuar eficaz e velozmente em C&T/Saúde.
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45
46
47
48
Recentemente a FIOCRUZ iniciou um programa interno de financiamento de projetos de pesquisa estratégica, o PAPES (Programa de
Apoio à Pesquisa Estratégica em Saúde). O PAPES-I investiu recursos de 1,8 milhões de reais em 87 projetos de pesquisa no período
1993-1994. Os projetos foram julgados competitivamente, segundo critérios de i) mérito científico e ii) relevância para a saúde pública, por
um colegiado formado exclusivamente por membros de fora da FIOCRUZ (ver o livro PAPES - Programa de Apoio à Pesquisa Estratégica
em Saúde. Fundação Oswaldo Cruz, 1994, Rio de Janeiro, 138 pp.),
Graças ao Programa de Auto-Suficiência Nacional em Imunobiológicos (PASNI, Ministério da Saúde), o Brasil conseguiu atingir uma posição
de destaque na produção, no controle de qualidade e na utilização de vacinas: é auto-suficiente e exporta vacina contra febre amarela
(produz 80% da vacina utilizada no mundo), é auto-suficiente nas vacinas contra o sarampo, a raiva, meningite A/C e domina parte do ciclo
produtivo da vacina contra a poliomielite. Em breve deverá estar também produzindo vacina recombinante contra hepatite B e
meningococo B. Graças à ação continuada através de campanhas de multivacinação, deve em breve conseguir da Organização Mundial
da Saúde o certificado de erradicação da poliomielite, concedido após a constatação de cinco anos sem novos casos.
A rotatividade dos Ministros de Saúde nos países em desenvolvimento é bem conhecida. No Brasil não é diferente: no período de 1985 a
1994 passaram pelo MS nove ministros efetivos, uma média de um ministro por ano.
Durante o Governo Collor de Mello a CEME foi praticamente destruída, e os laboratórios oficiais chegaram a operar a apenas 5-10% de sua
capacidade.
(40)
185. Nesta nova organização, os recursos da Secretaria Nacional de C&T em Saúde poderão ser aplicados:
1.
em programas e instituições do próprio MS;
2.
em instituições não pertencentes ao MS:
→ através de mecanismos do próprio MS;
→ através de convênios e contratos com agências de C&T de outros ministérios (CNPq, CAPES, FINEP);
→ através de convênios e contratos com outros organismos públicos ou privados (Academias, Sociedades
Científicas, Institutos e Fundações Estaduais de Pesquisa, Parques Tecnológicos, SEBRAE, etc).
186. Esta proposta, por exigir formalmente apenas a criação de uma Secretaria Nacional e uma reformulação da
CICT, deve ser de fácil e rápida implementação.
187. Estaria constituído, desta forma, um Sistema de C&T em Saúde em que o MS adotaria uma estratégia política
onde os atores das diversas instituições envolvidas seriam co-partícipes de um sistema inteligente e
colaborativo, atuando cada um nas áreas em que têm maior vocação, como por exemplo:
• a CAPES na formação de recursos humanos em nível de
pós-graduação;
• o CNPq em pesquisa básica, básica induzida e formação de
recursos humanos;
• a FINEP em
institucional;
desenvolvimento
tecnológico
e
apoio
• o BNDES na produção industrial;
• o MS naquelas áreas em que historicamente tem mais
tradição, tais como pesquisa estratégica, pesquisa aplicada,
pesquisa operacional e desenvolvimento tecnológico em
saúde;
• a iniciativa privada no financiamento de projetos de C&T em saúde de maior interesse industrial.
189. Uma certa redundância entre os papéis de todos estes diversos atores, além de inevitável, é hoje em dia
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considerada saudável e até mesmo indispensável para que possa haver um diálogo entre estes organismos
nas discussões mais abrangentes, como se deseja para a Política Nacional de C&T em Saúde.
190. O Sistema de C&T em Saúde ficaria então assim organizado:
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49
Para uma discussão mais aprofundada sobre áreas de atuação de diferentes agências de financiamento no campo da saúde, bem como da
conveniência de ser mantida uma dose adequada de redundância de ações entre elas, aconselhamos a leitura do artigo de D. G. COLLEY
(1994), anteriormente citado (“Targeted research”: an oxymoron that needs to be discussed. Am. J. Trop. M. 50(1):1-12 )
(41)
191. Esta proposta leva em conta que o Brasil não é um país subdesenvolvido, desprovido de instituições de C&T,
50
como os classificados pelas Nações Unidas como LDCs (“Least Developed Countries” ). Ao contrário, dispõe
de considerável massa crítica de instituições, cientistas, tecnólogos e gestores internacionalmente respeitados,
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que nos garantem uma posição de destaque na América Latina . Possui agências financiadoras de tradição e
com uma imensa folha de serviços prestadas à comunidade de C&T e ao país. Sabe utilizar mecanismos
democráticos de gestão, como Conselhos Deliberativos, e de discussão de políticas, como Conferências
Nacionais de Saúde.
192. Esta multiplicidade de atores torna maior a responsabilidade desta I CONFERÊNCIA NACIONAL, que deve procurar
encontrar a melhor forma de entrosar o SUS e o Sistema de C&T, moldando uma estrutura orgânica e
interfaces de trabalho que mobilizem todos estes atores para um novo projeto nacional de ciência e tecnologia
em saúde. Um projeto nacional que tenha como objetivos finais uma política social com eqüidade e um
desenvolvimento da ciência e da tecnologia em saúde para o país.
IX.
Nota sobre a Natureza deste Documento
As idéias e propostas contidas neste documento, originadas como um texto preliminar elaborado em julho de 1994,
foram enriquecidas com as contribuições geradas nas diversas Discussões Institucionais e nas Conferências Estaduais de C&T
em Saúde realizadas no período agosto-setembro de 1944. Estas
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75% destes países se concentram na África. Na América Latina só o Haiti integra este grupo de países, os mais desfavorecidos do planeta,
com renda per capita inferior a US$ 200.
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Ver o World Science Report 1993 publicado pela UNESCO para uma análise mais detalhada e única sobre a C&T na América Latina e o
papel do Brasil neste contexto.
(42)
idéias e propostas devem ser consideradas como subsídios para a I CONFERÊNCIA NACIONAL
representando portanto posições oficiais do Ministério da Saúde ou de suas instituições.
X.
DE
C&T
EM
SAÚDE, não
Agradecimentos
Agradecemos as discussões que tivemos com colegas e companheiros de trabalho na FIOCRUZ e nos demais
setores do Ministério da Saúde e em outras instituições, em particular com os participantes das reuniões de trabalho realizadas
na OPAS em Brasília em abril, na FIOCRUZ em maio e no encontro de Itaipava, RJ, em junho de 1994, onde foram acordadas
as linhas mestras deste documento.
Agradecemos ao Dr. David Tejada-de-Rivero pelo apoio em realizarmos a reunião na sede da OPAS em Brasília e
pela sua participação nas discussões que então se travaram. Somos particularmente gratos aos colegas João Baptista Risi
Junior, Celina Roitman, Reynaldo Guimarães, Moysés Goldbaum, Amaro Luiz Alves, Aristel Gomes Bordini Fagundes,
Fernando lsaac Szklo, Phactuel Rego Monteiro e Maria Carlota de Paula, bem como aos integrantes do Centro Nacional de
Epidemiologia (CENEPI) do Ministério da Saúde (Gerson Oliveira Penna e equipe) pelas discussões e comentários.
Agradecemos ainda a todos os participantes das Discussões Institucionais e Conferências Estaduais de C&T/Saúde
pelas inúmeras e valiosas contribuições recebidas.
Rio de Janeiro, setembro de 1994
(43)
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I Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde, 1994